quinta-feira, 15 de março de 2012

Vitória de Pirro

Vitória de Pirro 15 de março de 2012 Autor: Alexandre Schwartsman - Convidado Nessa história de pedir que os chineses limitem suas exportações, o Brasil não fez um “negócio da China” Há algumas semanas, o governo brasileiro pediu à China que restringisse voluntariamente suas exportações de têxteis, confecções, calçados e eletrônicos. Caso contrário, o país poderia impor limites diretos às importações, alternativa que deve fazer com que a China aceite a proposta brasileira. Parece um ato de soberania, dos quais as autoridades, sempre que possível, se pavoneiam. Trata-se, porém, do proverbial “tiro no pé” – se alguém fez um “negócio da China” nessa história, lamento informar que não foi o governo brasileiro. Já tive a oportunidade de argumentar neste espaço sobre as restrições às importações, seja do ponto de vista macroeconômico seja do ponto de vista microeconômico. Observada pelo prisma macro, tais medidas geram impactos inflacionários que, sob um Banco Central comprometido com o controle da inflação (lamentavelmente não é o nosso caso), reduziriam o escopo para taxas de juros mais baixas e crescimento mais vigoroso da demanda interna. Já pelo prisma micro, o problema associa-se ao custo imposto ao consumidor, assim como a perda geral de eficiência. Tudo isso permanece válido e é sempre necessário lembrar que tais medidas geram benefícios para poucos em troca de perdas para muitos, mas não é esse o assunto do qual quero tratar hoje. Minha questão é outra, a saber, se -dada a decisão (equivocada) de limitar o volume de importações- as restrições voluntárias de exportações dos parceiros são uma medida melhor do que a mera imposição de uma tarifa ou uma cota de importação. Peço ao leitor que imagine um exemplo muito simples. Digamos que o país importe 50 unidades por ano de um determinado produto ao preço de R$ 10 por unidade, mas decida limitar as importações lançando mão de uma tarifa que gere as seguintes implicações: a quantidade importada cai de 50 para 40 por ano, fazendo com que preço interno salte de R$ 10 para R$ 15 por unidade, enquanto o valor líquido recebido pelo exportador chinês cai de R$ 10 para R$ 5 por unidade. Em outras palavras, os consumidores, que antes gastavam R$ 500 pelas 50 unidades, agora têm de gastar R$ 600 para consumir 10 unidades a menos (presumivelmente teriam de gastar mais R$ 150 relativos às unidades compradas de produtores nacionais, mas esse não é meu argumento central). O exportador chinês ficaria com R$ 200 (40 unidades ao preço líquido de R$ 5 por unidade) e o governo brasileiro com os R$ 400 de diferença, relativos à incidência da tarifa (R$ 10) sobre as 40 unidades importadas. Imagine, contudo, que -em vez de impor uma tarifa- o governo brasileiro resolva convencer o exportador chinês a restringir suas exportações a 40 unidades. Como a disponibilidade do produto importado é a mesma que no exemplo acima, o preço a que o produto é vendido no Brasil também deve ser o mesmo, isto é, R$ 15 por unidade. Sob tais condições, portanto, o exportador chinês agora recebe R$ 600 por 40 unidades. Não se impressionem pela receita chinesa agora ficar maior do que seria sem a restrição -esse não é um resultado geral, mas apenas fruto dos números particulares escolhidos para este exemplo. O resultado geral (e mais importante no contexto) é que, se sob a tarifa o governo brasileiro e o exportador chinês dividiam a receita advinda dos consumidores locais, agora, sob a restrição voluntária às exportações, toda (isso mesmo, toda) a receita fica para o exportador chinês! Não é preciso mais do que dois neurônios para concluir que, dadas as alternativas (restrição à importação versus restrição voluntária às exportações), a China sempre escolherá a segunda, ao custo de um governo que ignora as consequências dos seus próprios atos. Pirro, o general macedônio que derrotou os romanos na batalha de Ásculo, perdendo, porém, 4.000 dos seus soldados, teria dito que mais uma vitória como aquela o liquidaria militarmente. Difícil não concluir o mesmo da “vitória” brasileira na negociação. Fonte: Folha de S. Paulo, 14/03/2012

Os riscos de uma infecção inflacionária

Os riscos de uma infecção inflacionária Por Ricardo Valente, Valor Econômico O Banco Central do Brasil levou a taxa Selic ao patamar de um dígito, como desejava o governo, com uma aceleração do ritmo de cortes surpreendente. Apesar da incrível ousadia, se ainda há uma notável diferença entre o Brasil e o resto do mundo, ela está na taxa de juros. Uma vez que os países desenvolvidos lutam para resolver os problemas gerados pelo estouro da bolha imobiliária, com impactos fiscais e sobre o ritmo de atividade econômica, predomina atualmente um quadro de política monetária muito frouxa, com taxas de juros reais negativas e afrouxamento quantitativo. Assim, o diferencial de juros do Brasil para o mundo ficou ainda mais evidente, pois hoje não há, no País, debilidade fiscal que leve a dúvidas sobre a solvência no curto prazo. Eis o paradoxo. A taxa de juros que equilibra o fluxo de capitais para o País é muito inferior àquela que equilibra a inflação. De outra maneira, os investidores internacionais estão dispostos a financiar o Brasil (Estado e setor privado) a taxas de juros bem mais baixas que a taxa de juros doméstica de equilíbrio. O problema é que, sempre que baixamos a taxa de juros a níveis inferiores ao de equilíbrio, a economia doméstica cresce em ritmo acelerado e incompatível com a capacidade de curto prazo, elevando as pressões inflacionárias. Do lado macroeconômico, isso significa que o Brasil poderia usar a poupança externa para complementar a poupança doméstica, elevar o investimento e o potencial de crescimento da economia, para derrubar a taxa de juros permanentemente. Então por que isso não acontece? A absorção de poupança externa é a contraparte da apreciação real do câmbio, o que aprofunda os problemas de competitividade da indústria no País. Para o câmbio se valorizar ainda mais e garantir a sobrevivência da indústria, seriam necessárias amplas reformas macro e microeconômicas que priorizassem a questão da produtividade da economia. Um exemplo: a nossa carga tributária em percentual do PIB é cerca de 10% superior à média dos emergentes, e escandalosos 20% superior à média dos emergentes asiáticos. O investimento público é próximo a 10% do gasto público primário inferior à média dos emergentes, e, novamente, cerca de 20% do gasto público inferior ao dos emergentes asiáticos. Fora as questões "micro" relevantes, como obter licenças, abrir ou fechar empresas, resolver insolvência, sistema tributário complexo, dificuldade de negociar através de fronteiras, e outras. O câmbio é a variável que simplesmente esconde as ineficiências do modelo econômico. Mesmo que se tente administrar a taxa nominal, impedindo a apreciação, o câmbio real permanecerá valorizando-se, pois a inflação brasileira ficará acima da verificada nos principais parceiros comerciais. Assim, quanto menor a taxa de juros, maior será a apreciação real pelo lado inflacionário, o que cria um ambiente fértil para a reindexação da economia, que tanto custou no passado. O câmbio estável combinado com um mercado de trabalho muito aquecido leva a uma inflação diferente da observada no passado. O que se observa hoje no Brasil é resultado do aumento de salários e não da indexação massiva da economia ou do aumento do preço dos produtos importados. Com o crescente poder de compra do empregado, os incentivos políticos para o combate inflacionário são menores. Enquanto esse processo não levar à efetiva perda de popularidade do governo, a inflação via aumento de salários continuará "desejável". Isso eleva gradualmente as expectativas de inflação de longo prazo, com perda de credibilidade do regime de metas para inflação, o que tornará a inflação permanentemente mais alta, sem ganhos de crescimento. Em suma, não é possível esperar que a taxa de juros caia subitamente para o nível internacional sem o empenho em fazer reformas no país. Sem elas, dificilmente teremos ganhos de produtividade que possibilitem um potencial de crescimento mais favorável com menor inflação. No dia do "juízo final", teremos de subir ainda mais os juros e jogar a atividade econômica no chão para tratar da infecção inflacionária. O remédio será amargo. Nesse dia, teremos um câmbio depreciado. Com juros muito mais altos, a indústria não terá para quem vender. Ricardo Valente é gestor dos fundos de renda fixa da Credit Suisse Hedging-Griffo

quarta-feira, 14 de março de 2012

A China "comunista" e a América "capitalista" por Peter Schiff, quarta-feira, 14 de março de 2012 As revoluções comunistas do século XX tinham como objetivo confiscar a riqueza gerada por indústrias privadas e redistribuí-la para os trabalhadores "explorados", sobre cujos ombros os lucros foram extraídos. Os EUA fizeram da rejeição desta ideia e do seu apoio aos princípios do livre mercado o ponto central de sua narrativa econômica. No entanto, em decorrência da política tributária atual e da política tributária que vem sendo sugerida para ser aplicada sobre os acionistas das grandes empresas, não é nenhum exagero dizer que governo americano confisca uma fatia da produção industrial que geraria inveja até mesmo no mais raivoso e radical bolchevique. O propósito de uma empresa é gerar lucros para seus proprietários (todas as outras funções são secundárias a este objetivo). Empresas de capital aberto distribuem seus lucros por meio de dividendos. Porém, como resultado do sistema de tributação dupla vigente nos EUA, no qual a renda é tributada em nível corporativo e depois novamente em nível pessoal, o governo recebe uma fatia muito maior da renda das empresas do que seus próprios proprietários. Suponha que uma empresa americana tenha obtido uma renda de um milhão de dólares durante o período de um ano. Atualmente, seus lucros seriam tributados a uma alíquota de 35% (para este exemplo ficar mais fluente, não levarei em conta a alíquota menor que incide sobre os primeiros $100.000 de lucros), o que significa que a empresa teria de pagar $350.000 diretamente para o governo (supondo que ela obteve sua renda sem deduções tributárias especiais). Dos $650.000 restantes, uma típica empresa distribuidora de dividendos distribuiria 40% para seus acionistas (isso é conhecido como "relação de pagamento" e a média real é um pouco menor do que 40%). Portanto, neste exemplo, a empresa pagaria $260.000 (40% de $650.000) para seus acionistas. Os restantes $390.000 seriam normalmente mantidos como "lucros retidos" ou "lucros não distribuídos", e seriam utilizados para manter e substituir equipamentos depreciados, para fazer novos investimentos, para financiar pesquisa e desenvolvimento e para expandir as operações da empresa. Se a empresa não fizer tais investimentos, será impossível sobreviver, e sua capacidade de perpetuar suas distribuições de lucros estaria limitada. Estes lucros retidos ainda representam ativos para os acionistas, mas seu propósito principal é o de gerar lucros futuros e dividendos mais altos. Os acionistas só irão se beneficiar diretamente destes lucros retidos quando os dividendos futuros forem distribuídos. É claro que eles podem hoje vender suas ações e obter algum lucro — pagando o imposto sobre ganhos de capital ao fazerem isso —, mas tal atitude irá apenas transferir estes benefícios futuros para o novo comprador. Quando distribuídos para os acionistas, os $260.000 em dividendos são tributados novamente a uma alíquota de 15% (de acordo com a lei vigente), agora em nível pessoal. Como resultado, os acionistas recebem apenas $221.000 daquele lucro de $1 milhão. Some estes $39.000 de impostos sobre dividendos aos $350.000 já confiscados pela alíquota de 35% do imposto de pessoa jurídica, e temos que o confisco governamental total dos lucros da empresa é de praticamente $390.000. Em outras palavras, o governo americano obtém desta empresa um fluxo de caixa 75% maior do que seus genuínos proprietários. Olhando de maneira ligeiramente diferente, o governo confisca aproximadamente 65% dos lucros não retidos, ao passo que os acionistas, que colocaram seu dinheiro na empresa e que correram todo o risco, recebem 35%. Isso parece justo? Este nível de tributação coloca as empresas americanas em notória desvantagem em relação às empresas daqueles países contra os quais os EUA concorrem mais vigorosamente. Na China, a divisão do bolo é muito mais favorável aos proprietários. Lá, as empresas são tributadas a uma alíquota de 25%, e os dividendos, a 10%. Utilizando estes números (e a mesma "relação de pagamento" utilizada para a empresa americana), o governo chinês fica com 51% dos lucros corporativos distribuídos e os acionistas, com 49%. Em Hong Kong (que faz parte da China Comunista, mas que usufrui um governo independente), a situação é ainda melhor. Lá, a alíquota do imposto corporativo é de 16% e o imposto sobre dividendos é zero. Fazendo a mesma matemática, o governo fica com 33% e os acionistas ficam com 67%. Esta comparação levanta um ponto interessante. Se os acionistas na China comunista podem manter para si uma fatia maior de seus ganhos do que os acionistas na América capitalista, qual nação é mais comunista e qual é mais capitalista? No final de fevereiro, a administração Obama e Mitt Romney ofereceram propostas concorrenciais para uma reforma deste imposto corporativo, com ambos dizendo que suas propostas tornariam as empresas americanas mais competitivas. O plano de Romney reduz a alíquota do imposto corporativo para 25%, enquanto mantém o imposto sobre dividendos em 15%. Isto tornaria as coisas apenas ligeiramente melhores, com o governo abiscoitando 54% dos lucros distribuídos e os acionistas, 46% (distribuição esta ainda não tão generosa quanto a da China Comunista). Não surpreendentemente, o plano de Obama irá tornar as coisas muito mais difíceis. Embora o presidente proponha reduzir a alíquota do imposto corporativo para 28% e também queira abolir o imposto sobre dividendos, ele quer passar a tributar as distribuições de dividendos como se fossem renda comum. Na prática, a vasta maioria dos indivíduos que recebe dividendos está na faixa mais alta da renda tributável. Isto significa que uma fatia muito volumosa destes dividendos será tributada segundo a alíquota mais alta do imposto de renda de pessoa física, que é de 39%. Mas Obama também quer submeter estas pessoas de renda mais alta a uma sobretaxa para assim poder financiar o plano de saúde socializado que ele quer implementar, o que significa que vários recebedores de dividendos serão tributados a uma alíquota de 44% (isso também levando em conta a abolição das deduções pessoais para os indivíduos de alta renda). Portanto, para estes indivíduos de alta renda, utilizando nosso atual exemplo, a nova distribuição segundo a proposta de Obama será de aproximadamente 70/30 a favor do governo. Isto é ainda pior do que a atual situação. Mas as coisas são na realidade ainda piores do que isso. O imposto de renda corporativo é apenas uma das veias que as empresas abrem para o governo. Pense em todos os outros impostos que as empresas pagam, como encargos sociais e trabalhistas e impostos sobre vendas. É claro que estes impostos elas repassam aos seus empregados e consumidores, mas o fato é que a receita flui 100% para o governo, com seus acionistas não recebendo nada senão uma conta pelo custo da coleta. E ainda há todos os impostos pagos diretamente pelos próprios empregados sobre seus salários. Claro, este dinheiro pertence aos empregados e não aos acionistas, mas se não fossem os lucros das empresas, estes salários, bem como os impostos pagos sobre eles, não existiriam. Quando todos estes canais de coleta de impostos são considerados, pense no total que o governo arrecada de impostos oriundos de atividades empresariais e compare ao total que os proprietários das empresas recebem em dividendos. Não dá pra saber o valor correto, mas tenho certeza de que a fatia que o governo confisca é várias vezes maior do que o total que os acionistas recebem. Ainda no século XIX, a América era de fato um país capitalista. Não havia imposto de renda nem de pessoa física nem de pessoa jurídica. Os acionistas recebiam 100% dos lucros distribuídos. Como resultado desta estrutura, as empresas americanas cresceram aceleradamente e ajudaram a desencadear a mais veloz expansão econômica que o mundo jamais havia visto. Mas isso foi ontem, a realidade hoje é outra. Considerando-se os atuais números, mesmo se os líderes americanos fossem marxistas ferrenhos, quais seriam suas motivações para estatizar empresas que estão na lista da Fortune 500 [relação das 500 empresas mais bem-sucedidas pela revista Fortune]? Dado que eles já recebem a maior fatia da distribuição dos lucros, qual seria o ponto de se estatizar empresas? Tal atitude iria apenas desarranjar e desordenar as estruturas produtivas, destruindo o que ainda resta de qualquer motivação em se buscar o lucro. Tal medida iria apenas matar a galinha dos ovos de ouro, e os socialistas sabem disso. Se o governo estatizasse uma empresa, ele também teria de gerenciá-la. Alguém realmente crê que burocratas tomariam decisões melhores do que proprietários privados? Nem os próprios burocratas acreditam nisso. E o que é pior, se estas decisões gerassem prejuízos em vez de lucros, o governo teria de absorver 100% destes prejuízos. Sob o atual sistema, por outro lado, o governo obtém a maior fatia dos lucros, ao passo que os acionistas privados ficam com 100% dos prejuízos. Impossível um sistema mais confortável para o governo. Há um nome para este sistema vigente: fascismo. Embora o fascismo e o comunismo sejam formas de socialismo, os fascistas ao menos são espertos o bastante para entender que, se os meios de produção forem estatizados, seus empregados e proprietários não irão trabalhar com o mesmo afinco, e o governo acabará perdendo receitas. É vergonhoso constatar que o país que já foi visto como o farol das liberdades civis e econômicas não mais possua sequer a capacidade reconhecer o que é realmente capitalismo. Enquanto os proprietários das empresas continuarem não sendo apropriadamente recompensados pelos seus riscos por causa do governo, as empresas americanas jamais reconquistarão sua dominância, os americanos não reconquistarão suas liberdades perdidas e o padrão de vida do país continuará em queda livre. Como as coisas estão hoje, os EUA já se tornaram um povo que vive do governo, para o governo e pelo governo, e não o contrário. Os "comunistas" chineses têm muito o que aprender conosco.

terça-feira, 13 de março de 2012

O rei está nu.

MARCO ANTONIO VILLA - O Estado de S.Paulo O rei está nu. Na verdade, é a rainha que está nua. Ninguém, em sã consciência, pode dizer que o governo Dilma Rousseff vai bem. A divulgação da taxa de crescimento do País no ano passado - 2,7% - foi uma espécie de pá de cal. O resultado foi péssimo, basta comparar com os países da América Latina. Nem se fala se confrontarmos com a China ou a Índia. Mas a política de comunicação do governo é tão eficaz (além da abulia oposicionista) que a taxa foi recebida com absoluta naturalidade, como se fosse um excelente resultado, algo digno de fazer parte dos manuais de desenvolvimento econômico. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, sempre esforçado, desta vez passou ao largo de tentar dar alguma explicação. Preferiu ignorar o fracasso, mesmo tendo, durante todo o ano de 2011, dito e redito que o Brasil cresceria 4%. A presidente esgotou a troca de figurinos. Como uma atriz que tem de representar vários papéis, não tem mais o que vestir de novo. Agora optou pelo monólogo. Fala, fala e nada acontece. Padece do vício petista de que a palavra substitui a ação. Imputa sua incompetência aos outros, desde ministros até as empresas contratadas para as obras do governo. Como uma atriz iniciante após um breve curso no Actors Studio, busca vivenciar o sofrimento de um governo inepto, marcado pelo fisiologismo. Seu Ministério lembra, em alguns bons momentos, uma trupe de comediantes. O sempre presente Celso Amorim - que ignorou as péssimas condições de trabalho dos cientistas na Antártida, numa estação científica sucateada - declarou enfaticamente que a perda de anos de trabalho científico deve ser relativizada. De acordo com o atual titular da Defesa, os cientistas mantêm na memória as pesquisas que foram destruídas no incêndio (o que diria o Barão se ouvisse isso?). Como numa olimpíada do nonsense, Aloizio Mercadante, do Ministério da Educação (MEC), dias atrás reclamou que o Brasil é muito grande. Será que não sabe - quem foi seu professor de Geografia? - que o nosso país tem alguns milhões de quilômetros quadrados? Como o governo petista tem a mania de criar ministérios, na hora pensei que estava propondo criar um MEC para cada região do País. Será? Ao menos poderia ampliar ainda mais a base no Congresso Nacional. Mas o triste espetáculo, infelizmente, não parou. A ministra Maria do Rosário, dos Direitos Humanos, resolveu dissertar sobre política externa. Disse como o Brasil deveria agir no Oriente Médio, comentou a ação da ONU, esquecendo-se de que não é a responsável pela pasta das Relações Exteriores. O repertório ministerial é muito variado. Até parece que cada ministro deseja ardentemente superar seus colegas. A última (daquela mesma semana, é claro) foi a substituição do ministro da Pesca. A existência do ministério já é uma piada. Todos se devem lembrar do momento da transmissão do cargo, em junho do ano passado, quando a então ministra Ideli Salvatti pediu ao seu sucessor na Pesca, Luiz Sérgio, que "cuidasse muito bem" dos seus "peixinhos", como se fosse uma questão de aquário. Pobre Luiz Sérgio. Mas, como tudo tem seu lado positivo, ele já faz parte da história política do Brasil, o que não é pouco. Conseguiu um feito raro, na verdade, único em mais de 120 anos de República: foi demitido de dois cargos ministeriais, do mesmo governo, e em apenas oito meses. Já Marcelo Crivella, o novo titular, declarou que não entende nada de pesca. Foi sincero. Mas Edison Lobão entende alguma coisa de minas e energia? E Míriam Belchior tem alguma leve ideia do que seja planejamento? Como numa chanchada da Atlântida, seguem as obras da Copa do Mundo de 2014. Todas estão atrasadas. As referentes à infraestrutura nem sequer foram licitadas. Dá até a impressão de que o evento só vai ser realizado em 2018. A tranquilidade governamental inquieta. É só incompetência? Ou é também uma estratégia para, na última hora, facilitar os sobrepreços, numa espécie de corrupção patriótica? Recordando que em 2014 teremos eleições e as "doações" são sempre bem-vindas... Não há setor do governo que seja possível dizer, com honestidade, que vai bem. A gestão é marcada pelo improviso, pela falta de planejamento. Inexiste um fio condutor, um projeto econômico. Tudo é feito meio a esmo, como o orçamento nacional, que foi revisto um mês após ter sido posto em vigência. Inacreditável! É muito difícil encontrar um país com um produto interno bruto (PIB) como o do Brasil e que tenha um orçamento de fantasia, que só vale em janeiro. Como sempre, o privilégio é dado à política - e política no pior sentido do termo. Basta citar a substituição do ministro da Pesca. Foi feita alguma avaliação da administração do ministro que foi defenestrado? Evidente que não. A troca teve motivo comezinho: a necessidade que o candidato do PT tem de ampliar apoio para a eleição paulistana, tendo em vista a alteração do panorama político com a entrada de José Serra (PSDB) na disputa municipal. E, registre-se, não deve ser a única mudança com esse mesmo objetivo. Ou seja, o governo nada mais é do que a correia de transmissão do partido, seguindo a velha cartilha leninista. Pouco importam bons resultados administrativos, uma equipe ministerial entrosada. Bobagem. Tudo está sempre dependente das necessidades políticas do PT. A anarquia administrativa chegou aos bancos e às empresas estatais. É como se o patrimônio público fosse apenas instrumento para o PT saquear o Estado e se perpetuar no poder. O que vem acontecendo no Banco do Brasil seria, num país sério, caso de comissão parlamentar de inquérito (CPI). Aqui é visto como uma disputa de espaço no governo, considerado natural. Mas até os partidos da base estão insatisfeitos. No horizonte a crise se avizinha. A economia não está mais sustentando o presidencialismo de transação. Dá sinais de esgotamento. E a rainha foi, desesperada, em busca dos conselhos do rei. Será que o encanto terminou? *HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR)

segunda-feira, 12 de março de 2012

Em busca do tempo perdido

Em busca do tempo perdido Pedro Malan, Estadão A sempre inteligente revista britânica The Economist, que já existia havia quase 30 anos quando Marcel Proust nasceu, acaba de criar, exatos 90 anos após a morte do grande escritor, um "índice Proust", que procura medir o "tempo perdido", ou melhor, a extensão do retrocesso (em anos) causado pela grave crise econômica, financeira e fiscal que há quase meia década assola o mundo desenvolvido. A medida até agora mais simples desse retrocesso já era preocupante: dos 34 países mais "desenvolvidos", 28 não haviam alcançado, em 2011, o nível de produto per capita que tinham em 2007. A revista The Economist utiliza mais seis indicadores, além do produto interno bruto (PIB): consumo privado, desemprego, salário real, preços de ativos financeiros, preços de habitação e riqueza familiar. Uma média de retrocessos - tempo perdido em anos - em cada uma das três categorias em que estão agrupados esses indicadores produz o "índice Proust". Alguns dos resultados: para a Grécia o relógio teria sido atrasado 12 anos. Irlanda, Itália, Portugal e Espanha teriam "perdido" sete anos ou mais. A Inglaterra, oito. Os Estados Unidos, epicentro do abalo sísmico que afetou a economia mundial, estariam, na média dos indicadores acima, com um atraso de dez anos. A revista não apresenta índices de Proust para países "em desenvolvimento". Mas é sabido que, dentre os 150 membros desse grupo, cerca de 33 teriam, em 2011, renda per capita inferior à que tinham em 2007. Isso não significa, de forma alguma, nenhuma projeção para os anos à frente que seriam necessários para recuperar os anos "perdidos". É sabido que médias desse tipo podem encobrir tanto (ou mais) do que revelam. E que alguns dos indicadores do índice acima podem mudar muito mais rapidamente que outros, como, por exemplo, preços de ativos, após longos períodos de declínio. O fato é que, em definitivo, não era uma "marolinha", como se disse por aqui. Os países de alta renda, cujas dificuldades têm consequências de ordem sistêmica, em seu conjunto, deverão crescer menos de 2% entre 2007 e 2012, enquanto no mesmo período a China, a Índia e o Brasil deverão crescer - e por motivos distintos - cerca de, respectivamente, 56%, 43% e 21%. Fica cada vez mais claro que esta crise está levando a uma mudança estrutural na composição da demanda e da oferta globais. E exigindo, de todos os países, respostas adequadas em termos de políticas domésticas - para além da área econômica. Não é apenas o mundo desenvolvido que precisa lançar-se numa proustiana busca do tempo perdido para "recuperá-lo" - por meio de uma melhor memória de seu passado, base para uma visão de seu futuro. Permito-me ilustrar o ponto acima reproduzindo um texto recente: "Os principais obstáculos do rápido desenvolvimento econômico são internos, e não externos. Entre as restrições óbvias estão falhas de governança, gastos desnecessários com subsídios (...), um histórico terrível em termos de educação e saúde para a maioria da população, leis trabalhistas rígidas, infraestrutura inadequada e restrições ao uso eficiente da terra". Como diria o grande Ancelmo Gois, "deve ser duro viver em um país assim". Apesar de soar muito familiar, a observação vem de um livro recém-lançado, com o título A Índia após a Crise Mundial, de Shankar Acharya, ex-assessor econômico do chefe de Governo indiano. O que sugere que, mesmo para um país que deve crescer mais que o dobro do Brasil entre 2007 e 2012, existe uma enorme necessidade de "buscar o tempo perdido". Até porque as deficiências mencionadas acima constituem oportunidades de investimento e apontam para a necessidade de continuidade no processo de reformas que permitiram o enorme progresso daquele país. A grande lição não deveria passar despercebida por nós, brasileiros. E talvez não esteja. Em meu artigo neste espaço no segundo domingo do mês passado (Vivendo e aprendendo), mencionei que os leilões de concessão ao setor privado dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília vinham com um atraso de muitos anos, mas representavam, afinal, uma vitória do pragmatismo sobre a ideologia. Uma busca do tempo perdido para recuperá-lo - pensando no futuro. Pois bem, nas últimas semanas tivemos outro exemplo: com 14 anos de atraso (tempo perdido) os fatos e os argumentos acabaram prevalecendo sobre a ideologia e o corporativismo. O governo Dilma Rousseff, afinal convencido de que o regime de previdência dos servidores públicos era absolutamente insustentável no médio e no longo prazos, decidiu mobilizar-se para mudá-lo, mostrando um entendimento que faltou ao governo Lula. Existem muitos outros avanços possíveis e necessários exatamente agora que fica cada vez mais claro que o crescimento econômico sustentado a taxas superiores a 4% ao ano exige uma taxa de investimento privado mais elevada, especialmente em infraestrutura. Há que ampliar o regime de concessões (já que o lulopetismo não pode ouvir falar em privatizações) nessas áreas. E isso é urgente. A ideia de que o problema fundamental do crescimento brasileiro é reduzir juros e desvalorizar o câmbio ainda é muito arraigada entre nós - assim como a suposição equivocada de que o governo pode colocar as taxas reais de juros e câmbio onde quiser. Menos arraigada entre nós é a necessidade de entender por que certos países foram e outros estão sendo bem-sucedidos no presente, como os asiáticos. Estes construíram um complexo e eficiente sistema educacional e uma invejável estrutura logística de transportes, cadeias de suprimentos e mecanismos pragmáticos de cooperação regional, sem perder de vista a sua integração com o resto do mundo. É muito importante extrair dessas experiências - nada ideológicas - as lições corretas para o nosso futuro.

Salários: interferência indevida

Salários: interferência indevida JOSÉ PASTORE, O GLOBO No Brasil, nem o passado é previsível. Essa frase, tantas vezes repetidas, seria apenas engraçada se não fosse verdadeira. Isso é o que se vê no projeto de lei 6.393/2009 que o Congresso Nacional está examinando. Se transformado em lei, as empresas serão multadas retroativamente toda vez que uma mulher ganhar menos do que um homem. A multa será de cinco vezes a diferença verificada em todo o período de contratação. O efeito retroativo é apenas um dos absurdos que habitam aquele projeto de lei. Outro é o direcionamento da multa à empregada prejudicada. Eu sempre soube que as multas são sempre recolhidas aos cofres do governo. Por aí se vê as confusões que uma lei mal feita pode acarretar. Ademais, quem vai determinar a aludida diferença de salários e o valor da multa? Serão os auditores do trabalho ou os juízes? Com base em quê? É mais um complicador. E os homens? O que dirão dessa medida? O que podem eles fazer se o seu salário for mais baixo do que o de uma mulher? Essa lei dá amparo para uma reclamatória trabalhista por parte dos homens ou vale apenas para as mulheres? Será que isso é democrático? É justiça social? Entrando no mérito, o autor do projeto de lei, deputado Marçal Filho (PMDB/MS), passou por cima de princípios sagrados da administração dos recursos humanos - que são o reconhecimento e a valorização do mérito dos funcionários. Isso é fundamental para estimular os empregados e para gratificá-los à altura. No projeto de lei há não apenas o desprezo, mas um combate frontal ao mérito. Levado às ultimas consequências, isso faria as empresas pagarem todos os seus funcionários pelo piso salarial da categoria. Sim, porque nenhuma delas iria correr o risco de ser pesadamente punida por praticar salários diferenciados entre empregados que apresentam desempenhos diferentes. Será que uma lei desse tipo vai mesmo proteger as mulheres ou vai promover o nivelamento por baixo da remuneração de homens e mulheres? Diferenciar salários não é discriminar. Os salários são diferenciados segundo um conjunto muito grande de atributos individuais dos empregados como é o caso, por exemplo: (a) da experiência que o funcionário acumulou na profissão, no cargo e na empresa; (b) do conhecimento da sua profissão e das demais profissões com as quais se relaciona; (c) do seu desempenho pessoal e da sua produtividade; (d) de assiduidade, pontualidade, zelo, relacionamento com colegas, fregueses e clientes; (e) de sua formação geral, cursos feitos, domínio de língua, habilidades especiais; (f) da sua capacidade de liderar pessoas e bem se entrosar com as equipes de trabalho; (g) de curiosidade, exposição a leituras, vontade de estudar continuamente e inúmeros outros fatores. A lista é infindável. E a lei atual diz que os salários devem ser iguais para trabalhos de igual valor. Com todo respeito, nobre deputado. Vejo no seu projeto de lei uma tentativa de acabar com o sistema de mérito. Isso é muito perigoso. O comunismo ruiu por vários motivos, mas o combate ao mérito foi um dos principais. Quando se combate o mérito, aniquila-se a criatividade, o esforço próprio, o progresso individual e o crescimento de uma sociedade livre. Tenho certeza que não foi essa a intenção de Vossa Excelência: mas, ao tentar proteger as mulheres, o seu projeto desprotege a todos e a própria democracia. Essa proposta é descabida e inoportuna.

sexta-feira, 9 de março de 2012

É impossível multiplicar riqueza dividindo-a

ESCRITO POR ADRIAN ROGERS NO ANO DE 1931!!! "É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações que punem os ricos pela prosperidade. Por cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. O governo não pode dar para alguém aquilo que não tira de outro alguém. Quando metade da população entende a idéia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação. É impossível multiplicar riqueza dividindo-a." Adrian Rogers, 1931

Sobre a diferença salarial entre homens e mulheres

Sobre a diferença salarial entre homens e mulheres por Walter Block, sexta-feira, 9 de março de 2012 NOTA O Congresso brasileiro aprovou uma lei (ainda a ser sancionada pela presidente) que proíbe empresas de pagar salários menores para as mulheres em relação aos homens. As empresas que descumprirem esta lei serão multadas. Segundo o IBGE, As mulheres receberam, em média, 72,3% do salário dos homens em 2011, segundo o estudo 'Mulher no mercado de trabalho: perguntas e respostas', divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. O número repete a proporção encontrada nos levantamentos de 2009 e 2010. O estudo mostrou ainda que a jornada de trabalho das mulheres foi inferior à dos homens. Em 2011, as mulheres trabalharam, em média, 39,2 horas semanais, contra 43,4 horas dos homens, uma diferença de 4,2 horas. Entretanto, segundo o IBGE, 4,8% das mulheres ocupadas em 2011 gostariam de aumentar a carga horária semanal. Observe que não é preciso ser um gênio econômico para entender que, em média, os salários das mulheres de fato têm de ser menores, uma vez que mulheres trabalham em média menos que os homens. Mas é claro que a lógica nunca foi o forte nem de feministas e nem de esquerdistas, que sempre operaram em conjunto. O raciocínio marxista-feminista por trás desta lei totalitária é o de que o capitalismo é inerentemente discriminatório e machista, e que, portanto, é necessário o governo impor regulamentações salariais para se alcançar a "igualdade" e a "justiça social" (daqui a pouco vão exigir quotas femininas para a construção civil e para o setor de mineração, sob o rótulo de 'diversidade'). Afinal, toda e qualquer disparidade salarial sempre será explicada unicamente pelo inerente sexismo presente no capitalismo, que seria um sistema amplamente masculino. No entanto, há outras explicações mais profundas sobre o porquê desta divergência salarial entre os gêneros. Walter Block faz o serviço. Em primeiro lugar, quero deixar claro que, em um mercado de trabalho com liberdade de contratação e demissão, é impossível haver divergências salariais entre homens e mulheres em decorrência unicamente de discriminação. E isto por um motivo puramente econômico: se houvesse tal discriminação, qualquer empregador iria obter lucros fáceis contratando mulheres e dispensando homens, uma vez que as mulheres poderiam receber um salário menor para fazer exatamente o mesmo trabalho. A concorrência entre os empregadores iria, então, elevar os salários das mulheres e, assim, abolir qualquer diferença salarial que porventura exista. Logo, sempre e em qualquer ocasião que houver qualquer tipo de discriminação salarial — e isto vale não apenas para gêneros, mas também para cor de pele, religiões, etnias etc. —, o capitalismo irá abolir tal situação, e não aprofundá-la. E o motivo essencial é que um empregador que permite que seus preconceitos turvem seu juízo de valor estará assim criando uma oportunidade de lucro para seus concorrentes. Uma mulher que produz $75.000 por ano em receitas para seu patrão, mas que recebe, digamos, $20.000 a menos que um empregado masculino igualmente produtivo, poderá ser contratada por um concorrente por, digamos, $10.000 a mais do que recebe hoje e ainda assim permitir que este novo empregador embolse os $10.000 de diferença. À medida que este processo concorrencial for se aprofundando ele irá, ao fim e ao cabo, elevar os salários femininos ao ponto de paridade com os salários masculinos caso a concorrência salarial seja vigorosa o bastante. Esta questão da "disparidade salarial" vem sendo abordada há décadas não só pelo economista Prêmio Nobel Gary Becker (meu orientador de teses quando estava na Columbia University), como também por vários outros economistas, sob um mesmo prisma: o casamento afeta a capacidade de renda futura de homens e mulheres de maneira substancialmente distinta. Há exceções, é claro, mas, em termos gerais, a probabilidade de as mulheres saírem da força de trabalho por um período de tempo — por causa de gravidez, criação e educação de filhos e outras tarefas (das quais a maioria dos homens se esquiva) — é maior que a dos homens. As mulheres são muito mais propensas que os homens a se ausentar do mercado de trabalho por um período de tempo (anos) para se dedicar à família. E mesmo que não façam isso, elas tendem a gastar muito mais tempo que os homens cuidando das crianças e das tarefas domésticas. Consequentemente, elas ficam atrás de seus colegas homens em termos de acumulação de capital, produtividade e salários. Não estou fazendo nenhum juízo de valor, não estou dizendo se isso é justo ou injusto, se é correto ou enviesado; estou apenas citando um fato da vida. E isto ajuda a esclarecer um dos motivos por trás da diferença salarial entre homens e mulheres. Em termos puramente econômicos, chamamos este fenômeno de "efeitos assimétricos do casamento". Em um casamento convencional, cabe à mulher fazer a maior parte dos serviços domésticos, como cozinhar, varrer, limpar, fazer compras e cuidas dos filhos. E isto, esta divisão de tarefas, por si só é algo que acentua o rendimento masculino e reduz o feminino. Trata-se de um exemplo do mais básico axioma econômico do 'custo de oportunidade'. Quando uma pessoa se dedica a fazer alguma coisa, ela o faz à custa de estar fazendo outra coisa qualquer. Podemos ilustrar esta indelével realidade econômica utilizando o exemplo de Michael Phelps, campeão mundial de natação. Ele jamais poderia, por exemplo, ser um bom violoncelista, dado que ele gasta de 8 a 10 horas por dia em uma piscina em vez de estar praticando suas habilidades musicais. O custo de oportunidade de ser um atleta olímpico é a abdicação de todas as outras oportunidades de carreira. Da mesma maneira, o custo de oportunidade da alegria da maternidade é a abdicação de um salário potencialmente maior no mercado de trabalho. A maternidade e o casamento fazem com que as mulheres se ocupem de várias outras atividades além de ofertar mão-de-obra ao mercado de trabalho. Daí sua produtividade neste setor ser menor do que aquela que poderiam ofertar caso jamais se casassem. E isto pode ser comprovado por várias estatísticas que demonstram que, quando você compara apenas homens e mulheres solteiros, a divergência salarial virtualmente desaparece. Da mesma maneira, quando você utiliza uma amostra composta unicamente de jovens entre 18 e 24 anos, a divergência salarial também não é encontrada, uma vez que a maioria deles jamais se casou. E isto faz completo sentido. Afinal, embora a produtividade feminina, em média, de fato possa ter sido menor que a dos homens durante os séculos passados, quando a força física era algo extremamente importante, no século atual isto não mais é válido. Ademais, caso (todas) as mulheres de fato apresentassem hoje a mesma produtividade que os homens (não apresentam por causa do casamento), então, como dito, haveria uma oportunidade de maiores lucros para qualquer empresa que se especializasse na contratação de mulheres. Certamente esta é uma situação que não perduraria por muito tempo. No que tange às barreiras à ascensão da mulher no mercado de trabalho, há também outra explicação, só que mais radical e, logo, mais politicamente incorreta. Embora homens e mulheres, em média, tenham produtividade semelhante no mercado (desconsiderando aqui as influências do casamento), sua variância não é a mesma de forma alguma. Os homens são as "criaturas aleatórias" de Deus ou da natureza: em termos de habilidades e capacidades, sua distribuição estatística está completamente dispersa no espectro. Em comparação, as mulheres são as "apólices de seguro" de Deus ou da natureza: sua frequência de distribuição está bem mais concentrada na média, tanto em termos de QI quanto de produtividade. Seu desvio padrão é muito baixo. Pensemos na famosa "curva em forma de sino" que representa o fenômeno estatístico da distribuição normal. Peguemos, primeiramente, o lado esquerdo desta curva. Os homens excedem vastamente as mulheres em números de prisioneiros, de mendigos, de pacientes em manicômios e demais instituições psiquiátricas, e de mortes precoces (ou seja, os homens morrem antes das mulheres não apenas de causas naturais, mas também como vítimas de homicídios). Do outro lado do espectro, no lado direito, há muito poucas mulheres. São pouquíssimas as mulheres campeãs de xadrez, vencedoras de Prêmio Nobel em ciências exatas ou economia, ou reconhecidas físicas, químicas ou matemáticas. O ex-reitor de Harvard, Lawrence Summers, foi demitido de seu posto por ter especulado que parte da explicação para este estado de coisas era de origem biológica. Vou mais além do que ele e digo que isto é uma importante parte da explicação, pois, em termos sócio-biológicos, foi esta baixa variância feminina o que permitiu que nossa espécie fosse superior a todas as outras. Por exemplo, se as mulheres, assim como os homens, pudessem hoje ser encontradas em números desproporcionalmente altos em prisões, nas ruas como sem-teto, em instituições mentais etc., elas teriam sido incapazes, milhões de anos atrás, de criar filhos. Tal espécie não teria durado, ao contrário da nossa, na qual são muito poucas as mulheres que não são capazes de criar e educar a próxima geração. Por outro lado, explicações muito mais explosivas sobre diferenças salariais podem ser encontradas no livro do professor James T. Bennett, do departamento de economia da George Mason University, intitulado The Politics of American Feminism: Gender Conflict in Contemporary Society. Neste livro, o professor Bennett enumera, utilizando paráfrases, mais de vinte motivos por que os homens ganham mais que as mulheres. Cumulativamente, tais explicações respondem por completo a existência de qualquer "disparidade salarial", embora o próprio Bennett acredite que a discriminação salarial por gênero não seja algo inexistente. Os motivos, baseados em generalizações respaldadas por volumosas estatísticas, são: Homens têm mais interesse por tecnologia e ciências naturais do que as mulheres. Homens são mais propensos a aceitar trabalhos perigosos, e tais empregos pagam mais do que empregos mais confortáveis e seguros. Homens são mais dispostos a se expor a climas inclementes em seu trabalho, e são compensados por isso ("diferenças compensatórias" no linguajar econômico). Homens tendem a aceitar trabalhos mais estressantes que não sigam a típica rotina de oito horas de trabalho em horários convencionais. Muitas mulheres preferem a satisfação pessoal no emprego (profissões voltadas para a assistência a crianças e idosos, por exemplo) a salários mais altos. Homens, em geral, gostam de correr mais riscos que mulheres. Maiores riscos levam a recompensas mais altas. Horários de trabalho mais atípicos pagam mais, e homens são mais propensos que as mulheres a aceitar trabalhar em tais horários. Empregos perigosos (carvoaria) pagam mais e são dominados por homens. Homens tendem a "atualizar" suas qualificações de trabalho mais frequentemente do que mulheres. Homens são mais propensos a trabalhar em jornadas mais longas, o que aumenta a divergência salarial. Mulheres tendem a ter mais "interrupções" em suas carreiras, principalmente por causa da gravidez, da criação e da educação de seus filhos. E menos experiência significa salários menores. Mulheres apresentam uma probabilidade nove vezes maior do que os homens de sair do trabalho por "razões familiares". Menos tempo de serviço leva a menores salários. Homens trabalham mais semanas por ano do que mulheres. Homens apresentam a metade da taxa de absenteísmo das mulheres. Homens são mais dispostos a aturar longas viagens diárias para o local de trabalho. Homens são mais propensos a se transferir para locais indesejáveis em troca de empregos que pagam mais. Homens são mais propensos a aceitar empregos que exigem viagens constantes. No mundo corporativo, homens são mais propensos a escolher áreas de salários mais altos, como finanças e vendas, ao passo que as mulheres são mais predominantes em áreas que pagam menos, como recursos humanos e relações públicas. Quando homens e mulheres possuem o mesmo cargo, as responsabilidades masculinas tendem a ser maiores. Homens são mais propensos a trabalharem por comissão; mulheres são mais propensas a procurar empregos que deem mais estabilidade. O primeiro apresenta maiores potenciais de ganho. Mulheres atribuem maior valor à flexibilidade, a um ambiente de trabalho mais humano e a ter mais tempo para os filhos e para a família. Portanto, caso as mulheres queiram salários maiores, elas deveriam prestar mais atenção a estes determinantes e se concentrar menos em cruzadas quixotescas como legislações sobre "diversidade e igualdade" que demonizam empregados e patrões homens. A sugestão de que atributos sexuais são utilizados na escolha de um empregado, ou que eles são determinantes para o contra-cheque, nada diz a respeito dos gostos sexuais do empregador. Diz apenas sobre escassez. Empregadores não têm como saber qual a produtividade de um empregado antes de sua contratação. Mais ainda: a produtividade deste empregado pode não ser prontamente perceptível após sua contratação. O processo de contratação utiliza recursos. Adicionalmente, o período de teste e adaptação é custoso; ele também consome recursos da empresa na forma de monitoramento, supervisão e materiais. E empregadores têm um incentivo para economizar todos estes custos. Logo, uma contratação não pode ser algo guiado unicamente pelo sexo do indivíduo. Vários outros possíveis atributos e possíveis ocorrências futuras têm de ser considerados pelo empregador. Porém, tal lógica econômica é normalmente suprimida por grupos politicamente corretos que julgam ser muito mais fácil e produtivo simplesmente difamar aqueles que tentam explicar que há motivos economicamente racionais para a existência de eventuais divergências salariais entre homens e mulheres.

Lehman Brothers Saiu da Concordata, e Agora?

Stephen Kanitz - Lehman Brothers Saiu da Concordata, e Agora? Se você é um daqueles que acha que o estopim da crise foi a quebra da Lehman Brothers, que o Governo Bush e o Secretário Paulson não quiseram salvar, leia com atenção. Centenas de jornais culparam o Governo Bush de incompetente, ao permitir a quebra da Lehman. O que minou ainda mais a credibilidade do Governo. Ninguém culpou Bernanke, pelas razões que veremos adiante. Para entender a Lehman, é preciso lembrar que Henry Paulson não era o Secretário das Finanças dos Estados Unidos - o país, e sim do Governo Americano - a máquina estatal. Ele era o caixa, preocupado com as receitas e despesas do governo, não do sistema financeira americano. Esta é a responsabildade do Bernanke. Salvar o sistema é exclusiva responsabilidade do FED. Por isto, tem US$ 1 trilhão de reservas. Só que Bernanke e todos do FED, não perceberam que os Bancos de Investimentos haviam crescido nestes 20 anos, e que não estavam sob a égide do FED. "Eles não têm depositantes". Portanto, o FED não poderia salvar a Lehman por falta de permissão legal. É por isto que Bernanke implorou ajuda ao Governo Bush. "Se a Lehman só tivesse um problema de liquidez, eu poderia ter adiantado um empréstimo de curto prazo, acontece que a Lehman estava quebrada", diz Paulson. E estando quebrada, Paulson estaria dando um subsídio com dinheiro do contribuinte, algo que por lei ele não pode fazer. "Eu não tenho jurisdição para gastar dinheiro do contribuinte, isto é atribuição do Congresso Americano." Nada disto jamais foi escrito pela imprensa democrata americana, mais interessada em perseguir seus objetivos políticos do que informar o povo americano. Na época, Bernanke dizia que a Lehman não estava quebrada, que o problema era somente de liquidez, e hoje com o fim da concordata temos finalmente os números e a verdade. O rombo foi de US$ 300 bilhões. A Lehman tem US$ 65 bilhões de ativos, e as dívidas são de US$ 300 +. Mesmo argumentando que os ativos caíram 50% de valor, continua um rombo e tanto. Ou seja, a Lehman Brothers estava sim quebrada, e isto é culpa mais do Bernanke do que de Paulson. Por que a Lehman não era supervisionada por Bernanke? "Porque eles não têm depositantes", uma desculpa inaceitável para todos que conhecem o sistema financeiro atual. Não estou defendendo o Governo Bush, somente alertando que a responsabilidade final para a estabilidade do sistema financeiro era do Bernanke, algo que muitos estão esquecendo. O que significa que quem está pilotando os Estados Unidos hoje é uma versão do Capitão Schettino, só que este não abandonou o FED, e continua dando as direções a seguir. Que Deus nos salve!

quinta-feira, 8 de março de 2012

Recordações inúteis

Recordações inúteis ESCRITO POR OLAVO DE CARVALHO | 07 MARÇO 2012 ARTIGOS - CULTURA Uma fraqueza crônica do pensamento liberal é que, em sua resistência obstinada e não raro heroica ao crescimento do poder estatal, acaba por fazer vista grossa ao fato de que nem sempre os movimentos revolucionários e ditatoriais concentram o poder no Estado, mas às vezes fora dele. Na verdade, nenhum movimento poderia se apossar do Estado se primeiro não se tornasse mais poderoso que ele, criando meios de ação capazes de neutralizar e sobrepor-se a qualquer interferência estatal adversa, bem como, é claro, de manobrar o Estado desde fora e utilizá-lo para seus próprios fins. Qualquer principiante no estudo do leninismo sabe disso. Que a esquerda petista e pró-petista estava destinada a dominar por completo o Estado brasileiro sem encontrar a mais mínima resistência, é coisa que para mim já estava clara pelo menos desde 1993, quando as famosas CPIs mostraram ser o nosso Parlamento nada mais que um bichinho dócil às injunções da grande mídia, alimentada e manobrada por sua vez pelo onipresente e onissapiente serviço de informações do PT. Foi naquele ano que publiquei A Nova Era e a Revolução Cultural, dando ciência – a quem não desejava ciência nenhuma, por achar que já possuia todas – de que a petização integral do Brasil era apenas questão de tempo. Mal havia então, entre os liberais, quem imaginasse sequer que o PT pudesse vir a ter alguma chance de eleger um presidente da República. E todos me olhavam como a um egresso do Pinel quando eu lhes dizia que, quando isso viesse a acontecer, como fatalmente aconteceria, seria numa ocasião em que o Estado já estivesse completamente dominado por dentro e por fora, a conquista do governo federal nada mais constituindo que a oficialização derradeira de um fato longamente consumado. Enquanto isso, a intelectualidade liberal gastava todos os seus neurônios no empenho idealístico de defender no plano doutrinário a economia de mercado e a liberdade democrática, duas coisas que a esquerda nem pensaria em atacar muito seriamente naquele momento, já que precisava de ambas para poder parasitá-las e continuar crescendo até ficar forte o bastante para subjugá-las, deformá-las e, no devido tempo (que só agora está chegando) extingui-las. Havia até quem celebrasse a proliferação das ONGs como um progresso notável da democracia liberal, na medida em que, consagrando as vias não-oficiais de ação social e política, fortalecia a sociedade civil contra as pretensões avassaladoras do gigantismo estatal. Em vão advertia eu a essas criaturas que a “sociedade civil” era o terreno de escolha para a penetração das forças revolucionárias, decididas a só se lançar à conquista do poder de governo quando estivessem seguras de controlar, por vias não-oficiais, todos os meios possíveis de modelagem da opinião pública, assim como todos os canais de financiamento estatal e privado de uma multidão de empreendimentos revolucionários maiores e menores, setorizados e discretos o bastante para que seu efeito de conjunto simulasse uma transformação espontânea da mentalidade popular. A própria disseminação do termo, insistia este insano colunista, refletia a influência crescente e anônima do pensamento de Antonio Gramsci, naquela época já o autor mais estudado e mais citado em todas as faculdades de letras e de ciências humanas no Brasil, só ignorado por aqueles que mais interesse deveriam ter em defender-se da revolução gramscista. O primeiro sinal de que alguém havia me prestado alguma atenção não veio senão decorrida quase uma década, e não veio dos liberais. Um artigo memorável do general José Fábrega, publicado em jornal de pequena circulação, mostrou que entre os militares havia ainda alguma inteligência desperta, o que veio a se comprovar nos anos seguintes com os dois livros espetaculares, tecnicamente perfeitos, do general Sérgio Augusto de Avelar Coutinho, A Revolução Gramscista no Ocidente (Rio, Estandarte, 2002) e Cadernos da Liberdade, (Belo Horizonte, Grupo Inconfidência, 2004), infelizmente publicados tarde demais para poder inspirar qualquer ação eficaz contra o projeto de controle hegemônico da sociedade brasileira, àquela altura já praticamente vitorioso. O general Coutinho faleceu em 27 de dezembro de 2011 (v. http://www.forte.jor.br/tag/general-sergio-augusto-de-avellar-coutinho/), amargurado de ver a facilidade estonteante com que a malícia organizada – que a estratégia de Gramsci não passa disso– havia se apoderado do País. O que mais o entristecia era que um processo de dominação tão óbvio, tão patente, tão bem explicado de antemão e tão fácil de compreender, pudesse ter sido aplicado a toda uma nação de maneira tão anestésica e imperceptível que qualquer gemido de protesto acabasse soando como extravagância intolerável e quase sinal de demência. Se no resto do mundo a vida imita a arte, no Brasil ela imita a piada: nossa democracia realizou à risca, com séculos de atraso, a boutade de Jonathan Swift sobre o cidadão que morreu mas, não tendo sido avisado disso, continuava acreditando que estava vivo.

Os números enganam

Os números enganam 8 de março de 2012 Autor: Merval Pereira A não ser os populistas de sempre, que fazem da política trampolim para seus interesses pessoais, ou então os militantes que aproveitam qualquer brecha para valorizar as supostas vantagens de seu governo, mesmo quando vantagens aparentes são apenas fantasias manipuláveis, não se viu o governo comemorar a informação de que o Brasil chegou ao sexto lugar no ranking das maiores economias do mundo medidas pelo Produto Interno Bruto (PIB), confirmando previsões, apesar do pequeno crescimento ocorrido em 2011. Mesmo o PIB do Brasil tendo crescido apenas 2,7%, foi o suficiente para ultrapassar o do Reino Unido e ficar próximo do da França, que, pelo andar da crise econômica internacional, deve ser o próximo país a ser superado pelo Brasil. O PIB da França cresceu 1,7%, e o do Reino Unido, apenas 0,8%. Embora não seja uma conquista banal, essa subida do Brasil de posto se deve mais à queda dos concorrentes do que a nossos próprios méritos. E ainda nos falta muito para que consigamos ter no país o mesmo nível de vida que continuam tendo os países de economias “maduras”, ainda com muita gordura para queimar. É claro que essa gordura em boa parte foi armazenada por ações colonialistas passadas e que ainda estão em prática em algumas regiões, mas uma revisão histórica não retirará desses países também avanços tecnológicos e progressos sociais que nos custarão muitas reformas estruturais e muitos anos para tentar igualar. Apesar da crise financeira, a Alemanha cresceu mais que nós (3%), e também perdemos terreno para alguns emergentes que, junto conosco, subverteram a ordem hierárquica das maiores economias do mundo, até há bem pouco tempo dominada pelos chamados “desenvolvidos”. Dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o Brasil cresceu menos do que três que já anunciaram oficialmente seus números. A China continua puxando a economia mundial com um crescimento de 9,2%; a Índia manteve um crescimento na casa dos 6% (6,9%); a África do Sul cresceu 3,1%. O Brasil, em compensação, cresceu mais que os Estados Unidos (0,7%) e grande parte da Europa: Espanha (0,7%); Itália (0,4%) e Portugal (- 1,5). Mas mais uma vez ficou abaixo da média mundial, que foi de 3,8%. Em termos de PIB per capita dentro dos Brics, a Rússia fechou 2011 com US$ 16,7 mil, seguida pelo Brasil, com US$ 11,6 mil; pela África do Sul, com US$ 11 mil; pela China, com US$ 8,4 mil; e pela Índia, com US$ 3,7 mil. Devido ao baixo índice educacional e à falta de infraestrutura, Brasil e Índia crescerão em velocidade menor que Rússia e China nos próximos 20 anos, segundo estudo da Goldman Sachs, criadora dos Brics. E, mesmo que a lista das dez maiores economias do mundo sofra novas alterações nos próximos anos, apenas a Rússia tem condições de vir a ter uma renda per capita semelhante à dos países desenvolvidos. Pelas projeções, os cidadãos dos Brics continuarão sendo mais pobres na média que os cidadãos dos países do G-6 tradicional. No caso específico do Brasil, se conseguirmos manter uma média de crescimento do PIB de 3,5% ao ano chegaremos a 2050 com uma renda per capita de US$ 26.500, próximo à de Portugal hoje, muito longe do que já têm hoje França e Alemanha (cerca de US$ 44 mil), menos do que o Japão (cerca de US$ 45 mil) e os Estados Unidos hoje (cerca de US$48 mil). Com o resultado do PIB do ano passado, essa meta não foi atingida se levarmos em conta os últimos três anos. Mas a média de crescimento dos oito anos do governo Lula (4%), embora tenha ficado abaixo da mundial, está acima desse patamar. Há uma diferença fundamental entre a concepção econômica predominante, que leva em conta o PIB como medida de avanço de um país, e a que coloca como prioridade a qualidade de vida dos cidadãos. A Noruega, por exemplo, não é nem de longe uma das maiores economias do mundo, mas é a número um no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), método criado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq e pelo Prêmio Nobel Amartya Sen para avaliar outras dimensões que não apenas o PIB, utilizado pela ONU para medição da qualidade de vida de um povo. Além do PIB per capita corrigido pela paridade do poder de compra de cada país, o IDH leva em conta a longevidade e a educação. Para aferir a longevidade, o indicador se vale da expectativa de vida ao nascer. O item “educação” é avaliado pelo analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. Evidentemente o ideal seria unir os dois indicadores, e por enquanto são os países desenvolvidos que conseguem fazer isso. A maior economia do mundo continua sendo a dos Estados Unidos, que é também o 4 colocado em IDH. A China, que já é o segundo PIB do mundo e, tudo indica, alcançará os Estados Unidos em alguns anos, mas, quando se trata de qualidade de vida, está na rabeira da lista do IDH, em 101 lugar. O Japão, que caiu para o terceiro lugar no ranking do PIB, está em 12 lugar no IDH. A Alemanha é a mais bem colocada entre os grandes da zona do Euro, em 9 lugar. A França está em 20 lugar. O Brasil, que atingiu a sexta posição no PIB, está em 84 lugar no IDH e perde para países da sua região, como Chile, Uruguai, Argentina e Cuba. O Reino Unido, que ultrapassamos pelo PIB, está em 28 lugar na relação do IDH, enquanto a Itália está em 24. Os dois últimos do ranking das dez maiores economias do mundo, Rússia e Índia, estão também na rabeira da lista do IDH: Rússia em 66 (melhor que o Brasil) e Índia em 124 (pior que a China). Como se vê, os números podem mentir, dependendo do uso que se faça deles. Fonte: O Globo, 07/03/2012

Comemorando o fiasco

O Estado de S.Paulo O governo fez um balanço triunfal de mais um fiasco - o primeiro ano do PAC 2 - e reiterou o compromisso de elevar o investimento e conduzir a economia a uma expansão de 4,5% neste ano. A exibição de otimismo contrastou com mais uma notícia ruim divulgada poucas horas antes: em janeiro, a indústria produziu 2,1% menos que em dezembro. O grande assunto do dia anterior havia sido o pífio desempenho da economia nacional no ano passado. Mas tudo será melhor a partir de agora, apesar da crise internacional, garantiram os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior. Foram feitos investimentos de R$ 204,4 bilhões em 2011, primeiro ano da segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento. Esse é o total das operações realizadas pelos envolvidos no PAC 2 - administração direta, estatais e setor privado. Esse valor corresponde a 21% do previsto para os anos de 2011 a 2014. Mas, como em todo balanço desse programa, o bolo apresentado como investimento é um tanto inflado. Uma parcela de R$ 75,1 bilhões - 36,7% do total - corresponde a financiamentos para habitação. Além disso, a maior parte do dinheiro investido pelas estatais foi aplicada, como em outros anos, por um único grupo - o da Petrobrás. O chamado PAC orçamentário, incluído no Orçamento-Geral da União e financiado diretamente pelo Tesouro, ficou, de novo, longe da meta fixada para o período. O desembolso, de R$ 28 bilhões, foi maior que o de 2010, mas correspondeu a apenas 69,3% da verba autorizada para o ano, de R$ 40,4 bilhões. Nenhum ministro deu atenção a esse detalhe nem se dispôs a discutir a enorme parcela de restos a pagar incluída nos desembolsos de cada ano. No ano passado, por exemplo, os restos corresponderam a R$ 18,6 bilhões, dois terços dos R$ 28 bilhões desembolsados. A maior parte da verba aplicada em 2011 destinou-se, portanto, a liquidar compromissos do PAC 1. Para este ano foram transferidos R$ 39,6 bilhões de compromissos assumidos e não quitados. Apesar da execução medíocre, o PAC 2 foi apresentado no balanço como barreira protetora contra os impactos da crise internacional. É um evidente exagero, até porque, em 2011, o investimento das estatais da União, responsáveis pela maior parte do PAC, foi menor que em 2010. Mas os dois ministros mantiveram quase sem mudança o discurso otimista e as promessas do ano passado. O Brasil, segundo o ministro da Fazenda, terá condições para um crescimento econômico bem maior que o de 2011. O governo dispõe de meios para enfrentar a enorme onda monetária criada nos países desenvolvidos e assim evitar a valorização excessiva do real. Essa valorização é nociva para a economia nacional porque torna os produtos brasileiros muito caros em moeda estrangeira. O ministro prometeu ficar atento e pronto, o tempo todo, para tomar as medidas necessárias para defender a indústria e animar a economia. Até esse ponto, nenhuma novidade. Mas ele anunciou, na mesma cerimônia, a redução de uma das metas fixadas para 2012 - um volume de investimento produtivo equivalente a 20,8% do Produto Interno Bruto (PIB). O alvo foi baixado para 20,4%, porque a proporção alcançada em 2011 ficou em 19,3%, segundo as contas divulgadas no dia anterior. O governo havia estimado uns 19,6% ou 19,7%. A nova meta, explicou o ministro, foi calculada sobre uma base mais baixa que a anterior. Muito mais importante que esse palavrório é o problema real. O Brasil investe muito menos que o necessário para sustentar um crescimento igual ou superior a 5% por vários anos. Para isso seria preciso investir uns 24% do PIB. Para investir aqueles 24%, seria preciso elevar a poupança nacional. Isso depende, em primeiro lugar, de uma gestão pública mais eficiente e de uma ampla desoneração do setor privado. Mas o governo continua apostando em benefícios fiscais paliativos, programas oficiais de baixo grau de execução e financiamentos especiais aos beneficiários de sempre - um número pequeno de grandes grupos. O fracasso dessa estratégia está mais que provado. Juros menores podem ajudar, segundo o ministro, mas juros dependem também do gasto público.

O PIB da ineficiência

Stephen Kanitz - 2,7% O PIB da Ineficiência O Estado de São Paulo está de parabéns pelo editorial O Pib da Ineficiência Faltou explicar porque o Brasil é tão mal administrado, tão ineficiente, tão pobre nas suas análises. Somos de fatos ineficientes, e continuaremos a ser se não percebermos que precisamos colocar no governo pessoas que entendam de eficiência. Para melhorar a análise do Estado de São Paulo gostaríamos de acrescentar alguns dados. Descontado o crescimento populacional e a parcela do PIB que vai para o governo, a renda per capita disponível para a população brasileira quase não cresceu. Aliás, fica próxima do erro estatístico no cálculo do PIB, que obviamente não é perfeito. Mas se entrevistarmos qualquer contador deste país, e qualquer aluno de administração que já tenha completado o primeiro ano, eles mostrarão algo mais grave. 1. Uma parte do PIB é venda de extração de minério, ferro, alumínio e extração de petróleo. O que entra no PIB é o valor adicionado, não o valor do minério in natura. Acontece que o minério e o petróleo extraídos deveriam ser deduzidos do Patrimônio Líquido Nacional. Demonstrativo que toda empresa elabora, menos o Governo Brasileiro. Neste contexto estamos ficando mais pobres, estamos esgotando nossas reservas minerais. Se em vez do PIB, calculássemos a variação do Patrimônio Líquido, como fazem as empresas eficientes e não tão eficientes, iremos descobrir que ficamos mais pobres em 2011. Os 2,7% de crescimento do PIB não compensou a venda de patrimônio liquido deste país, que sequer calculamos, mas deve ser maior do que 2,7% do PIB. 2. Um outro dado, que todo contador brasileiro aprende no primeiro ano, é que o aumento da dívida de uma empresa sem contrapartida é uma redução do patrimônio. Em 2011, a dívida não contabilizada do governo deve ter aumentado no mínimo R$ 500 bilhões. Ficamos R$ 500 bilhões mais pobres, mas isto não é contabilizado e representaria mais 1,2% do PIB. São os direitos adquiridos que por ineficiência e esperteza não são contabilizados. A maioria dos brasileiros e jornalistas, nem sabe que existem estas despesas não contabilizadas, o que mostra o grau de ineficiência que nos permitimos chegar. Sequer sabemos o nível dos nossos problemas. Pelo menos, a ficha caiu que somos ineficientes. Onde somos ineficientes é que ninguém percebeu ainda. "É nos juros", "É no câmbio", 'É na educação". Continuem pensando assim. Quando descobrirem que ineficiência se combate com profissionais treinados para combater a ineficiência estaremos um pouco menos atrasados.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Por que a direita sumiu

Por que a direita sumiu ESCRITO POR OLAVO DE CARVALHO ARTIGOS - CULTURA A grande ironia das duas décadas de governo militar foi que este, movendo céus e terras para liquidar a esquerda armada, nada fez contra a desarmada, mas antes a cortejou e protegeu, permitindo que ela assumisse o controle de todas as instituições universitárias, culturais e de mídia. Ninguém entenderá a história do período militar sem estar consciente de que em 1964 não houve um golpe, porém dois: o primeiro removeu do poder um governante odiado por toda a população, que foi às ruas aplaudir entusiasticamente a derrubada do trapalhão esquerdista. O segundo, meses depois, traiu a promessa de restauração democrática imediata e iniciou o longo e deprimente processo de demolição das lideranças políticas conservadoras, substituídas, no poder, por uma elite onipotente de generais e tecnocratas “apolíticos”. A grande ironia das duas décadas de governo militar foi que este, movendo céus e terras para liquidar a esquerda armada, nada fez contra a desarmada, mas antes a cortejou e protegeu, permitindo que ela assumisse o controle de todas as instituições universitárias, culturais e de mídia, fazendo daqueles vinte anos, alegadamente “de chumbo”, uma época de esfuziante prosperidade da indústria das idéias esquerdistas no Brasil. Vasculhem a história do período e verão que, se o governo perseguia e amaldiçoava a violência guerrilheira, ao mesmo tempo nada fazia para combater o comunismo no plano ideológico, muito menos para ensinar à nação o valor perene dos princípios conservadores, que pouco a pouco foram caindo no total esquecimento até tornar-se como que uma língua estrangeira, desaparecida do cenário público decente já antes de que os líderes esquerdistas mais notórios voltassem do exílio. À imperdoável omissão dos governos militares no campo da guerra cultural e ideológica somou-se o desprezo da clique oficial pela classe política, onde as grandes lideranças conservadoras foram sendo apagadas, uma a uma, como velas sob um vendaval. Foi durante aquele regime que vozes poderosas do campo conservador, como as de Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, foram caladas, enquanto outras, como as de Pedro Aleixo e Paulo Egídio Martins, foram menosprezadas e esquecidas, e outras ainda, como a de Roberto de Abreu Sodré, acabaram se acomodando à mediocridade oficial até perderem toda relevância própria. Tanto foi assim que, quando o governo Geisel deu sua virada à esquerda, adotando uma política nuclear antiamericana, estimulando o mais obsceno “terceiromundismo” na diplomacia e até fornecendo armas, dinheiro e assistência técnica para Fidel Castro invadir Angola, não se ouviu um protesto sequer das lideranças civis. E a única resistência que apareceu, vinda do campo militar por meio do valente general Sylvio Frota, foi logo sufocada sob acusações de “golpismo” e aplausos gerais ao presidente triunfante que estrangulara a “linha dura”. Nas universidades, a direita foi sistematicamente preterida na distribuição de verbas e cargos, que a generosidade insana do governo prodigalizava aos esquerdistas na ilusão de neutralizá-los ou seduzi-los (o processo, de uma indecência sem par, é descrito em http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/QTMFB.pdf pelo estudioso venezuelano Ricardo Vélez Rodriguez, um dos mais abalizados conhecedores da vida universitária no Brasil). Até mesmo no jornalismo, foi ainda durante o período militar que a esquerda assumiu de vez o controle das redações (v. meus artigos a respeito em http://www.olavodecarvalho.org/semana/111124dc.html, http://www.olavodecarvalho.org/semana/111125dc.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/111130dc.html), enquanto porta-vozes fulgurantes do pensamento conservador, como Gustavo Corção, Lenildo Tabosa Pessoa e Nicolas Boer, iam sendo jogados para escanteio sem que ninguém desse pela sua falta. A direita pensante e atuante foi, literalmente, esmagada pela ditadura, que ao mesmo tempo, na esperança idiota de dividir os adversários e ganhar o apoio de uma parte deles, abria as portas e os cofres das instituições de cultura para o ingresso da revolução gramsciana. Quando terminou a era dos governos militares, em 1988, só quem era ainda conservador no Brasil era o povão mudo, desprovido de canais para fazer valer suas opiniões, enquanto o espaço cultural inteiro – mídia, movimento editorial, universidades, escolas secundárias e primárias, etc. – já era ocupado, gostosamente, pela multidão de tagarelas da esquerda que ainda mandam e desmandam no panorama mental brasileiro. Aos sucessos retumbantes que obteve na economia e no combate às guerrilhas, a ditadura aliou, em triste compensação, uma cegueira ideológica indescritível, que expulsou a direita do cenário público e entregou o espaço inteiro àqueles que até hoje o dominam. Cabe, nesse contexto, lembrar mais uma vez o dito de Hugo Von Hofmannsthal, segundo o qual nada está na política de um país que primeiro não esteja na sua literatura (tomada em sentido amplo de alta cultura). A direita saiu da política nacional, porque, com a complacência e até a ajuda do governo militar, foi primeiro banida da cultura nacional.

terça-feira, 6 de março de 2012

O homem que combatia com o cérebro

O homem que combatia com o cérebro Rodrigo Constantino Há exatos 30 anos falecia a novelista russa Ayn Rand. Trata-se de uma ilustre desconhecida no Brasil. Mas, em uma pesquisa feita pela Livraria do Congresso americano, seu principal livro ficou atrás apenas da Bíblia em termos de influência naquele país. “A Revolta de Atlas”, à venda nas livrarias brasileiras, ajudou a resgatar o individualismo do povo americano. Nascida em 1905 em São Petersburgo, Alissa Rosenbaum fugiu com 21 anos de idade de seu país, então sob o regime comunista. Em busca de liberdade e já determinada a ser uma escritora, foi para Hollywood, onde se casou e se naturalizou americana, adotando o novo nome artístico. Seu primeiro romance de sucesso foi “A Nascente”, que virou filme em 1949, estrelado por Gary Cooper. Nele, sua filosofia de vida, que ficou conhecida como Objetivismo, já ganhava contornos quase definitivos. O herói da história, Howard Roark, é um arquiteto apaixonado pelo que faz, e absolutamente intransigente quando precisa fazer concessões para atender às demandas dos outros. Ciente de seu valor, ele não está disposto a sacrificar a integridade de sua obra em prol do modismo do momento. Ali, Ayn Rand já expõe sua visão de “egoísmo racional”, sustentando que os indivíduos não existem para satisfazer desejos alheios, nem mesmo de uma maioria, mas sim para viver de forma a explorar ao máximo suas potencialidades individuais. O indivíduo seria um fim em si mesmo, não um meio sacrificável pelos interesses coletivos. Mas foi em “A Revolta de Atlas” que sua filosofia se mostrou completa, com o personagem de John Galt. Trata-se de um indivíduo que simplesmente não aceita viver como um escravo dos demais, e decide combater o coletivismo com sua maior arma: seu cérebro. Ele convence outros empreendedores como ele a entrar em greve, demonstrando ao mundo quem é o verdadeiro responsável pelo progresso. Em uma época em que capitalistas eram atacados com freqüência pelos populistas de plantão, Ayn Rand veio defender sem eufemismos aqueles que remavam contra a corrente coletivista e, em busca do lucro, garantiam a criação de riqueza e prosperidade ao país. Empresários não deveriam ter vergonha ou sentir culpa por seu sucesso, se obtido honestamente no livre mercado. Ao contrário: eles deveriam se sentir orgulhosos de suas conquistas. Enquanto muitos intelectuais ainda olhavam para a União Soviética em busca de inspiração, Ayn Rand sabia melhor o que tal modelo representava na prática: a morte do indivíduo, a escravidão do povo e muita miséria espalhada. Ela fugira daquele inferno justamente para respirar ares mais livres, e estava comprometida com a defesa de seu ideal de liberdade na América, ícone deste sonho, apesar de suas imperfeições. Ayn Rand escreveu: “A menor minoria de todas é o indivíduo; aqueles que negam os direitos individuais não podem alegar serem defensores das minorias”. O que ela viveu em sua terra natal foi suficiente para lhe despertar profundo asco por slogans aparentemente belos e nobres, mas que serviam apenas como manto para ocultar suas verdadeiras intenções. Ela via o socialismo e demais formas de coletivismo como uma espécie de idealização da inveja. Retira-se a embalagem altruísta e não resta nada além da inveja, do desejo de condenar o sucesso individual em vez de realmente criar riqueza e, desta forma, reduzir a miséria. Os vilões de seus romances, um tanto caricatos, expressam de forma bastante clara este tipo de mentalidade mesquinha, típica daquele que acha que pode correr melhor se o vizinho quebrar a perna. Recentemente, Ayn Rand ganhou algum destaque na América Latina quando o jornal equatoriano “El Universo”, sob censura do governo Correa, postou o seguinte trecho de sua autoria: "Quando você perceber que para produzir precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em autossacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada". Trata-se de um alerta e tanto para os brasileiros. Radicalismo e excentricidade à parte, Ayn Rand é um farol de racionalidade na escuridão que domina o debate intelectual latino-americano. É leitura indispensável para todos que valorizam a liberdade individual.

domingo, 4 de março de 2012

E se os chineses estiverem certos?

E se os chineses estiverem certos? Autor: Carlos Alberto Sardenberg Nem convém falar assim, em público, mas há momentos em que o pensamento rompe nossas barreiras e cogita da eficácia do despotismo esclarecido. A gente observa a desgraça que políticos democraticamente eleitos espalham pelo mundo afora e imagina: e se tivéssemos um líder com capacidade intelectual e visão de futuro absolutamente extraordinárias, uma pessoa do bem, com senso de justiça social? Esse líder, com poderes absolutos – quer dizer, sem os constrangimentos de lidar com políticos interesseiros e populistas – não poderia fazer um imenso bem ao país? Está falando da China – é, pelo menos, o que se diz lá mesmo. O primeiro déspota teria sido Deng Xiao Ping, que no final dos anos 70 venceu a camarilha dos herdeiros de Mao, e lançou as reformas econômicas pró-capitalismo que trouxeram a China à posição de hoje. Além disso, Deng teria solucionado muito bem um problema difícil para todos os déspotas, esclarecidos ou não, que é a sucessão. Deng não deixou um sucessor, mas um grupo, um sistema, instalado no Partido Comunista. Assim, a China emplacou três décadas crescendo a taxas anuais de 10% e, mais importante, retirou da pobreza algo como 800 milhões de pessoas – os chineses que hoje vivem na parte urbana e desenvolvida. E, para deixar o leitor ainda mais perturbado com este pensamento tão incorreto quanto tentador, o sistema chinês oferece neste momento mais duas demonstrações de sua eficiência política e visão de futuro. Primeira, a sucessão: ao longo deste ano, de maneira organizada e pré-anunciada, serão substituídos o presidente do país e chefe do partido, Hu Jintao, e o primeiro-ministro, Wen Jiabao. A outra demonstração é um surpreendente estudo estratégico que o governo chinês encomendou junto ao Banco Mundial – e que foi preparado por economistas do banco e do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento do Conselho de Estado da China. O título: “China 2030, construindo uma sociedade de alta renda, moderna, harmoniosa e criativa.” É o que parece, uma tentativa de antecipar o futuro, um documento de 468 páginas, “pensando” como a China pode saltar de um país de renda média para alta, ou seja, de emergente para rico. Parte da constatação de que o modelo dos últimos 30 anos – trabalho duro, salário baixo, muita economia, pouco consumo, tudo exportado – não vale mais. Trata-se, pois, de uma troca organizada de sistema. Reparem: o Banco Mundial é parte do sistema financeiro global, junto com o FMI e Banco de Compensações Internacionais, o banco central dos bancos centrais. Logo, trata-se do coração do capitalismo global. E, como seria de se esperar, o estudo sugere menos estado e mais mercado, menos governo agindo diretamente na economia e na sociedade e mais espaço para a ação dos indivíduos. Prestaram atenção? Esse é o estudo preparado com a autorização e o apoio do Conselho de Estado da ditadura do PC chinês. Claro, o relatório não propõe a derrubada da ditadura e a introdução da democracia, mas sugere que não haverá como escapar de uma sociedade mais aberta, em consequência mesmo do enriquecimento e da formação de cidadãos mais expostos ao mundo. Tudo considerado, como ficamos? A atual versão chinesa do despotismo esclarecido – regime de monarcas europeus do século 18 – pode ser repetida em outros países? A resposta mais comum é “não”. De maneira geral, entende-se que o caso chinês é único sob diversos aspectos. Por exemplo, como sair do desastre sangrento do período maoista para uma democracia liberal clássica, em um país de mais de um bilhão de pessoas, em situações tão diferentes? E como promover a mudança dramática de uma economia rural muito pobre para outra industrializada sem uma marcha forçada pelo regime? Finalmente, a China seria única pela sorte. Acabou que o poder ficou nas mãos de um Deng Xiao Ping. E se a luta interna tivesse terminado com a vitória da viúva de Mao, Jiang Qing? Isso poderia perfeitamente ter acontecido e a China hoje seria uma imensa Coreia do Norte. O que nos leva ao outro lado da história. Não se podem colocar as fichas em um regime que depende tanto de acasos históricos. Se começa com um déspota estúpido e mau caráter, fica quase impossível derrubá-lo. Observem como é difícil afastar os ditadores dos países árabes. No Brasil, já tivemos ditaduras variadas, mas não esclarecidas. Além disso, é preciso colocar na balança os custos da expansão chinesa, a começar pelas pessoas assassinadas na Praça Tiananmen, que justamente reivindicavam mais abertura e benefícios econômicos. É difícil, entretanto, fazer esse balanço: a ditadura esconde seu passivo. Em resumo: a China já está aí, se prepara para o futuro e ainda nos perturba. Na economia e na política. A China se prepara para o futuro e ainda nos perturba.

sábado, 3 de março de 2012

Por que a direita sumiu

Por que a direita sumiu ESCRITO POR OLAVO DE CARVALHO ARTIGOS - CULTURA A grande ironia das duas décadas de governo militar foi que este, movendo céus e terras para liquidar a esquerda armada, nada fez contra a desarmada, mas antes a cortejou e protegeu, permitindo que ela assumisse o controle de todas as instituições universitárias, culturais e de mídia. Ninguém entenderá a história do período militar sem estar consciente de que em 1964 não houve um golpe, porém dois: o primeiro removeu do poder um governante odiado por toda a população, que foi às ruas aplaudir entusiasticamente a derrubada do trapalhão esquerdista. O segundo, meses depois, traiu a promessa de restauração democrática imediata e iniciou o longo e deprimente processo de demolição das lideranças políticas conservadoras, substituídas, no poder, por uma elite onipotente de generais e tecnocratas “apolíticos”. A grande ironia das duas décadas de governo militar foi que este, movendo céus e terras para liquidar a esquerda armada, nada fez contra a desarmada, mas antes a cortejou e protegeu, permitindo que ela assumisse o controle de todas as instituições universitárias, culturais e de mídia, fazendo daqueles vinte anos, alegadamente “de chumbo”, uma época de esfuziante prosperidade da indústria das idéias esquerdistas no Brasil. Vasculhem a história do período e verão que, se o governo perseguia e amaldiçoava a violência guerrilheira, ao mesmo tempo nada fazia para combater o comunismo no plano ideológico, muito menos para ensinar à nação o valor perene dos princípios conservadores, que pouco a pouco foram caindo no total esquecimento até tornar-se como que uma língua estrangeira, desaparecida do cenário público decente já antes de que os líderes esquerdistas mais notórios voltassem do exílio. À imperdoável omissão dos governos militares no campo da guerra cultural e ideológica somou-se o desprezo da clique oficial pela classe política, onde as grandes lideranças conservadoras foram sendo apagadas, uma a uma, como velas sob um vendaval. Foi durante aquele regime que vozes poderosas do campo conservador, como as de Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, foram caladas, enquanto outras, como as de Pedro Aleixo e Paulo Egídio Martins, foram menosprezadas e esquecidas, e outras ainda, como a de Roberto de Abreu Sodré, acabaram se acomodando à mediocridade oficial até perderem toda relevância própria. Tanto foi assim que, quando o governo Geisel deu sua virada à esquerda, adotando uma política nuclear antiamericana, estimulando o mais obsceno “terceiromundismo” na diplomacia e até fornecendo armas, dinheiro e assistência técnica para Fidel Castro invadir Angola, não se ouviu um protesto sequer das lideranças civis. E a única resistência que apareceu, vinda do campo militar por meio do valente general Sylvio Frota, foi logo sufocada sob acusações de “golpismo” e aplausos gerais ao presidente triunfante que estrangulara a “linha dura”. Nas universidades, a direita foi sistematicamente preterida na distribuição de verbas e cargos, que a generosidade insana do governo prodigalizava aos esquerdistas na ilusão de neutralizá-los ou seduzi-los (o processo, de uma indecência sem par, é descrito em http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/QTMFB.pdf pelo estudioso venezuelano Ricardo Vélez Rodriguez, um dos mais abalizados conhecedores da vida universitária no Brasil). Até mesmo no jornalismo, foi ainda durante o período militar que a esquerda assumiu de vez o controle das redações (v. meus artigos a respeito em http://www.olavodecarvalho.org/semana/111124dc.html, http://www.olavodecarvalho.org/semana/111125dc.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/111130dc.html), enquanto porta-vozes fulgurantes do pensamento conservador, como Gustavo Corção, Lenildo Tabosa Pessoa e Nicolas Boer, iam sendo jogados para escanteio sem que ninguém desse pela sua falta. A direita pensante e atuante foi, literalmente, esmagada pela ditadura, que ao mesmo tempo, na esperança idiota de dividir os adversários e ganhar o apoio de uma parte deles, abria as portas e os cofres das instituições de cultura para o ingresso da revolução gramsciana. Quando terminou a era dos governos militares, em 1988, só quem era ainda conservador no Brasil era o povão mudo, desprovido de canais para fazer valer suas opiniões, enquanto o espaço cultural inteiro – mídia, movimento editorial, universidades, escolas secundárias e primárias, etc. – já era ocupado, gostosamente, pela multidão de tagarelas da esquerda que ainda mandam e desmandam no panorama mental brasileiro. Aos sucessos retumbantes que obteve na economia e no combate às guerrilhas, a ditadura aliou, em triste compensação, uma cegueira ideológica indescritível, que expulsou a direita do cenário público e entregou o espaço inteiro àqueles que até hoje o dominam. Cabe, nesse contexto, lembrar mais uma vez o dito de Hugo Von Hofmannsthal, segundo o qual nada está na política de um país que primeiro não esteja na sua literatura (tomada em sentido amplo de alta cultura). A direita saiu da política nacional, porque, com a complacência e até a ajuda do governo militar, foi primeiro banida da cultura nacional.

Heraldo, a cor e a alma

Heraldo, a cor e a alma - DEMÉTRIO MAGNOLI A retratação, obtida por meio dos tribunais, circula na imprensa e na internet. Nela o blogueiro Paulo Henrique Amorim retira cada uma das infâmias que assacou contra o jornalista Heraldo Pereira, apresentador do Jornal Nacional e comentarista político do Jornal da Globo. No seu blog, entre outras injúrias, Amorim classificou Heraldo como "negro de alma branca" e escreveu que o jornalista "não conseguiu revelar nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde". Confrontar o poder, dizendo verdades inconvenientes às autoridades - na síntese precisa do intelectual britânico Tony Judt, é essa a responsabilidade dos indivíduos com acesso aos meios de comunicação. Amorim sempre fez o avesso exato disso. A adulação, reservada às autoridades, e a injúria, dirigida aos oposicionistas, são suas ferramentas de trabalho. Não lhe falta coerência: ao longo das oscilações da maré da política, do governo João Figueiredo ao governo Dilma Rousseff, sem exceção, ele invariavelmente derrama elogios aos ocupantes do Palácio do Planalto e ataca os que estão fora do poder. Às vésperas da disputa presidencial de 1998, no comando do jornal da TV Bandeirantes, engajou-se numa estridente campanha de calúnias contra Lula, que retrucou com um processo judicial e obteve desculpas da emissora. Há nove anos, desde que Lula recebeu a faixa de Fernando Henrique Cardoso, o blogueiro consagra seu tempo a cantar-lhe as glórias, a ofender opositores e a clamar contra o jornalismo independente. Funciona: a estatal Correios ajuda a financiar o blog infame. Amorim não tem importância, a não ser como sintoma de uma época, mas a natureza de sua injúria racial tem. "Negro de alma branca", uma expressão antiga, funciona como marca de ferro em brasa na testa do "traidor da raça". No passado serviu para traçar um círculo de desonra em torno dos negros que ofereceram seus préstimos interessados ao proprietário de escravos ou ao representante dos regimes de segregação racial. Hoje, no contexto das doutrinas racialistas, adquiriu novos significados e finalidades, que se esgueiram em ruelas sombrias, atrás da avenida iluminada da resistência contra a opressão. Brincando com a Justiça, Amorim republica no seu blog um artigo do ativista de movimentos negros Marcos Rezende que, na prática, repete a injúria dirigida contra Heraldo. Custa pouco girar os holofotes e escancarar o cenário que a infâmia almeja conservar oculto. O líder africânder Daniel Malan, vitorioso nas eleições de 1948, instituiu o apartheid na África do Sul. Amorim e Rezende certamente não o classificariam como "branco de alma negra", pois uma "alma negra" não seria capaz de fazer o mal e, mais obviamente, porque Malan não traiu a sua "raça". Sob a lógica pervertida do pensamento racial, eles o designariam como "branco de alma branca", embutindo numa única expressão sentimentos contraditórios de ódio e admiração. Como fez o mal, o africânder confirmaria que a cor de sua alma é branca. Entretanto, como promoveu os interesses de sua própria "raça", ele figuraria na esfera dos homens respeitáveis. William Du Bois (1868-1963), "pai fundador" do movimento negro americano, congratulou Adolf Hitler, um "branco de alma branca", pela promoção do "orgulho racial" dos arianos. Confiando numa suposta imunidade propiciada pela cor da pele ou pelo seu cargo de conselheiro do Ministério da Justiça, Rezende converteu-se na voz substituta de Amorim. No artigo inquisitorial de retomada da campanha injuriosa, ele não condena Heraldo por algo que tenha feito, mas por um dever que não teria cumprido: o jornalista é qualificado como "um negro da Casa Grande da Rede Globo", que "não dignifica a sua ancestralidade e origem" pois "nunca fez um comentário quando a emissora se posiciona contra as cotas". No fim, os dois linchadores associados estão dizendo que Heraldo carrega um fardo intelectual derivado da cor de sua pele. Ele estaria obrigado, sob o tacão da injúria, a subscrever a opinião política de Rezende, que é a (atual) opinião de Amorim. O epíteto lançado contra Heraldo é uma ferramenta destinada a policiar o pensamento, ajustando-o ao dogma da raça e eliminando simbolicamente os indivíduos "desviantes". O economista Thomas Sowell produziu uma obra devastadora sobre as políticas contemporâneas de raça. Ward Connerly, então reitor da Universidade da Califórnia, deflagrou em 1993 uma campanha contra as preferências raciais nas universidades americanas. José Carlos Miranda, do Movimento Negro Socialista, assinou uma carta pública contra os projetos de leis de cotas raciais no Brasil. Sowell é um conservador; Connerly, um libertário; Miranda, um marxista - mas todos rejeitam a ideia de inscrever a raça na lei. Como tantos outros intelectuais e ativistas, eles já foram tachados de "negros de alma branca" pela Santa Inquisição dos novos arautos da raça. A liberdade humana é a verdadeira vítima dos inquisidores do racialismo. Mas, e aí se encontra o dado crucial, essa forma de negação da liberdade opera sob o critério discriminatório da raça, não segundo a regra do universalismo. Se tivesse a pele branca, Heraldo conservaria o direito de se pronunciar a favor ou contra as políticas de preferências raciais - e também o de não opinar sobre o tema. Como, entretanto, tem a pele negra, Heraldo é detentor de uma gama muito menor de direitos - efetivamente, entre as três opções, só está autorizado a abraçar uma delas. Sob o ponto de vista do racialismo, as pessoas da "raça branca" são indivíduos livres para pensar, falar e divergir, mas as pessoas da "raça negra" dispõem apenas da curiosa liberdade de se inclinar, obedientemente, diante de seus "líderes raciais", os guardiões da "ancestralidade e origem". Hoje, como nos tempos da segregação oficial americana ou do apartheid sul-africano, o dogma da raça prejudica principalmente os negros.

Que Tal Começar as Aulas com Sulamita?

QUE TAL COMEÇAR AS AULAS COM SULAMITA? Durante uns bons cinco anos de minha vida, comecei algumas de minhas aulas rezando um padre-nosso. Não via nada de anormal nisso. Eu saíra do campo e passei a freqüentar um colégio católico. Como não tinha idéia alguma do que era um colégio, muito menos de Estado ou de Estado laico, tomei aquilo como uma prática usual do ensino. Só mais tarde, bem mais tarde, fui dar-me conta da lavagem cerebral a que estava sendo submetido. Sem falar que, na época, eu havia sido abduzido de meu universo camponês e pagão para um outro, urbano e religioso. Acreditava então piamente em um deus criador do céu e da terra, na virgem, no deus feito homem e toda aquela craca católica. Não me parecia nada demais reverenciar o criador de tudo aquilo. Para os eventuais incréus – sempre os há – que desconhecem a oração, transcrevo os textos do Novo Testamento que a inspiraram. Em Mateus, 6:9, lemos: “Portanto, orai vós deste modo: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia nos dá hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também temos perdoado aos nossos devedores. E não nos deixes entrar em tentação; mas livra-nos do mal”. Com algumas variantes, o texto se repete em Lucas, 11:2. As igrejas contemporâneas, para evitar qualquer mal-entendido, andaram trocando dívidas por ofensas, não vá alguém entender que se possa fazer um empréstimo para depois pagá-lo com uma prece. Repeti este mantra, qual papagaio, quase todos os dias. Mas isto foi há mais de meio século. Final dos anos 50. Mais de cinco décadas transcorreram de lá para cá e o ensino continua refém da superstição. Leio nos jornais que a cidade baiana de Ilhéus começou este ano letivo sob com uma curiosa lei aprovada no final de 2011 pela Câmara de Vereadores. A lei 3.589 determina que todas as escolas municipais fiquem comprometidas a rezar um "Pai Nosso" diariamente antes do início de aulas. A lei, que ficou conhecida como "Lei do Pai Nosso", foi criada pelo vereador Alzimário Belmonte (PP), evangélico atuante na comunidade. Segundo ele, a intenção não era obrigar ninguém a uma conversão ou submeter outras religiões à fé cristã, mas sim despertar nos jovens valores e reflexão. Ele disse também que, no texto da norma aprovado na Câmara, nenhum tópico cita obrigação às escolas de fazer cumprir a reza. Diz a secretária de Educação do Município, Lidiney Campos: "Não tem nenhum tipo de pressão no ambiente da escola. Nós trabalhamos com o fato de que cada educador tem de agir de acordo com sua coerência. Claro que nós sabemos que o Estado é laico, mas ao mesmo tempo, dentro de várias escolas, muitos professores já tinham esta prática. Assim, quem já tinha esse costume continua. Alguns que não tinham agora aderiram e quem não quis, não reza", explica a secretária. Quem não quer não reza? Mas então que lei é essa, que alguns obedecem mas quem não quiser obedecê-la não precisa obedecer? Segundo a professora Maria Aparecida Souza, diretora da Escola Nuclear Jaripaguá 2, a lei foi bem recebida e agora se tornou um costume cultivado cuidadosamente. Ela reconhece que há uma diversidade religiosa nas salas de aula e que a reza não é imposta aos educadores e nem aos alunos, mas que em geral tem havido a celebração do Pai Nosso tanto em aulas quanto em reuniões. "Esta semana, por exemplo, começamos uma reunião de professores com uma oração espontânea e foi um momento bom. Os pais não reclamam de maneira nenhuma, pelo contrário. Pedem que orientem os filhos na escola. É importante que nós tenhamos valores religiosos na nossa educação. Deus está presente em todos os momentos de nossa educação", diz a diretora. Visão autoritária de crente. De onde tirou a moça que Deus está presente em todos os momentos de nossa educação? Só se for de seu bestunto. Primeiro, porque Deus não existe. Segundo, se existisse, certamente teria mais coisas a fazer em seus vastos reinos do que participar de reuniões de professores em Ilhéus. A prece antes de cada aula ou reunião não passa de imposição de uma crença religiosa em um Estado que se pretende laico. A leizinha do vereador evangélico é flagrantemente inconstitucional. Para a pedagoga Maribel Barreto, a lei "é uma chance de usar essa disponibilidade para propor uma coisa mais eclética, como a meditação. Meditação é uma forma de acalmar o externo e se voltar para o interno. Convidar os jovens a buscar observar o que sentem, não o que pensam. Estimular a sentir as batidas do coração, a respiração, em silêncio absoluto". Maribel vai mais longe: defende também que esta prática, que é exercida em algumas escolas fundamentais e também em cursos superiores em Salvador, seja levada ao ensino público municipal e estadual. Ora, o pai-nosso é um texto tão confessional quanto o Credo. Implica na aceitação de um deus único, ciumento e tirânico. De repente, em nome da liberdade religiosa, algum mulá vai exigir a recitação de trechos do Corão antes de cada aula. Se a questão é citar a Bíblia, sugiro trechos mais neutros do Livro, e certamente mais instigantes para a juventude contemporânea. Que tal começar as aulas com as angústias da Sulamita: “Beije-me ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o seu amor do que o vinho. Suave é o cheiro dos teus perfumes; como perfume derramado é o teu nome; por isso as donzelas te amam”. Ou, quem sabe: “De noite, em meu leito, busquei aquele a quem ama a minha alma; busquei-o, porém não o achei. Levantar-me-ei, pois, e rodearei a cidade; pelas ruas e pelas praças buscarei aquele a quem ama a minha alma. Busquei-o, porém não o achei. Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade; eu lhes perguntei: Vistes, porventura, aquele a quem ama a minha alma? Apenas me tinha apartado deles, quando achei aquele a quem ama a minha alma; detive-o, e não o deixei ir embora, até que o introduzi na casa de minha mãe, na câmara daquela que me concebeu”. Essa de introduzir o amado no quarto da mãe seria muito instigante para adolescentes. Mais estimulante ainda é a resposta do amado: “Quão formosos são os teus pés nas sandálias, ó filha de príncipe! Os contornos das tuas coxas são como jóias, obra das mãos de artista. O teu umbigo como uma taça redonda, a que não falta bebida; o teu ventre como montão de trigo, cercado de lírios. Os teus seios são como dois filhos gêmeos da gazela”. São poemas bíblicos que, a meu ver, propiciam a meditação, acalmam o externo e se voltam para o interno. Convidam os jovens a buscar observar o que sentem, não o que pensam. Estimulam a sentir as batidas do coração, a respiração, em silêncio absoluto. Aposto que a juventude baiana adoraria começar suas aulas com Sulamita, em vez dos evangelistas. E eu teria mais gratas lembranças de meus dias de ginásio. Por Janer Cristaldo