quarta-feira, 11 de abril de 2012

Lições da crise mundial para o Brasil

A oferta de crédito para sustentar o crescimento econômico a qualquer custo está na raiz da severa crise que vem assolando as economias avançadas desde 2007 e que lançou o mundo num período de baixo crescimento e grande incerteza. No Brasil, o aumento do crédito subsidiado tem sido, desde 2008, uma das principais linhas de defesa adotadas pelo governo contra a crise. Não há sinal ainda de prejuízos, mas, como alerta o ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga, o erário vem perdendo no fluxo, uma vez que o Tesouro Nacional capta recursos à taxa Selic (hoje, em 9,75% ao ano) e os empresta ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) recebendo em troca a TJLP, taxa inferior à Selic. O BNDES, por sua vez, oferece os recursos a empresas em pelo menos uma de suas linhas - a do PSI (Programa de Sustentação do Investimento) - a juro quase negativo (inferior à inflação). Dados do BC mostram que, até fevereiro, o Tesouro tinha crédito de R$ 311,8 bilhões junto ao BNDES, o equivalente a 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Mais R$ 45 bilhões estão a caminho, conforme anúncio feito semana passada. A operação é engenhosa porque o Tesouro se endivida no mercado para levantar o dinheiro, mas ganha um ativo (o crédito junto ao BNDES), zerando o endividamento em termos líquidos. Avanço de operações quasi-fiscais preocupa, diz Armínio Há, evidentemente, um custo fiscal nessas operações. Além dele, o risco, na avaliação de Armínio, é o "quasi-fiscal" embutido nessa e em outras iniciativas oficiais. O quasi-fiscal ocorre quando o BC financia o Tesouro, mas não só. Operações em que uma instituição bancária estatal financia o setor privado por meio de subsídios ou incentivos tributários também são quasi-fiscais - têm impacto nas contas oficiais comparável ao de atividades governamentais tradicionais. "Conhecemos bem no Brasil o mundo do quasi-fiscal", diz Armínio, referindo-se aos tempos de inflação crônica, quando o BC financiava os gastos do Tesouro por meio de emissão de moeda. "Enormes prejuízos nos Estados Unidos e na Europa são um alerta claro aos perigos tanto na área de regulação quanto na atuação mais direta do governo com o mercado de crédito subsidiado e direcionado." O governo vem usando esses mecanismos para tentar estimular investimentos das empresas e, assim, sustentar o crescimento do PIB - sem muito sucesso, diga-se de passagem, porque a taxa de investimento da economia está estacionada abaixo de 20% do PIB há vários trimestres. O ex-presidente do BC, hoje sócio do JP Morgan na Gávea Investimentos, pondera que não há neste momento, pelo menos até onde a vista alcança, indícios de acumulação de prejuízos decorrentes dessa política, mas ele recomenda que seus efeitos sejam avaliados e monitorados de perto. O BC também está preocupado com o crédito subsidiado, que, ademais, diminui a eficácia da política monetária, uma vez que apenas a parcela do crédito não subsidiado é atingida pela taxa Selic. Nas últimas oito atas do Comitê de Política Monetária, o BC repetiu o mantra de que "considera oportuna a introdução de iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito". Em 2011, até houve moderação, mas agora o governo decidiu voltar à carga. Os efeitos da bolha de crédito que resultou na crise mundial estão aí. As economias avançadas passam por processo penoso e demorado de desalavancagem. A recuperação da economia americana, lembra Armínio, é lenta para seus padrões históricos e os países da zona do euro estão sofrendo com os ajustes de suas economias periféricas. "Com moeda única [o euro], esses países não têm válvula de escape porque não podem se beneficiar de uma moeda mais fraca." Nos últimos meses, houve um certo alívio com a posse de Mario Draghi na presidência do Banco Central Europeu e as medidas que ele tomou para melhorar o balanço dos bancos, mas o clima já está azedando novamente. O quadro global piora também por causa das incertezas associadas à China. Mesmo antes da crise de 2008, os chineses vinham fazendo um esforço para mudar, ainda que lentamente, o motor do crescimento de sua economia, mas o processo foi interrompido pela turbulência mundial. Para enfrentar a crise, a China abandonou a estratégia de depender menos das exportações e voltou, de forma agressiva, ao modelo original, expandindo fortemente as taxas de investimento. Em consequência disso, o crédito barato está produzindo uma bolha no mercado imobiliário. Com o mundo novamente ameaçado por um evento de crise, a economia chinesa começou a desacelerar e, uma vez mais, a forçar o governo a repensar o modelo de crescimento. "Há um receio de que a aterrissagem da China não seja tão suave", diz Armínio. No Brasil, o BC identificou, em agosto do ano passado, a existência de um quadro de menor pressão inflacionária, que lhe permite reduzir os juros. Para Armínio, o presidente do BC, Alexandre Tombini, está agindo dentro do mandato institucional. "O Tombini está sendo ousado, mas não abandonou o mandato nem o regime de metas", sustenta o ex-dirigente do BC, ressalvando apenas que, em alguns momentos, a comunicação do BC tem sido "difícil". Armínio também não está entre os que acreditam que o governo abandonou o tripé de política econômica adotado em 1999, quando ele presidia o BC. O Brasil, a exemplo de China, Turquia e Indonésia, tomou medidas fiscais para estimular a indústria, isso traz alguns riscos, mas não significa o fim do tripé. "O governo pretende cumprir a meta de superávit primário. Tem atuado no câmbio para suavizar a volatilidade, mas ele não está tabelado. E não abandonou o regime de metas para inflação", diz Armínio. O ativismo, marcado pela adoção de medidas de desoneração tributária em setores escolhidos, por ações protecionistas e pela expansão do crédito direcionado, dificulta a análise e o entendimento do que o governo vem fazendo, mas, na opinião de Armínio, não representa o abandono do tripé. "Todas essas respostas pontuais [à crise] deveriam ser avaliadas porque não fazem muito efeito no médio prazo", critica ele. "O que aumenta crescimento é mais poupança, mais investimento e maior produtividade, e esta está em queda. O debate vai além da demanda." CRISTIANO ROMERO VALOR ECONÔMICO - 11/04/12

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Todos conhecem a história do sapo na panela, aquele que não pula, mesmo quando a temperatura se torna insuportável, desde que a água vá esquentando bem devagarinho. Ao final do conto o anfíbio entorpecido morre escaldado, incapaz de perceber as mudanças que afetaram o ambiente ao seu redor. É difícil não pensar a fábula do sapo como uma metáfora para a mudança do padrão de política econômica no país de uns anos para cá. O tripé macroeconômico – câmbio flutuante, metas para a inflação e superávits primários – se tornou praticamente irreconhecível. Só alguém muito desatento poderia crer que o regime cambial no Brasil é flutuante quando ministros de Estado afirmam “não administrar o câmbio” ao mesmo tempo em que prometem “tentar manter essa taxa aí [R$ 1,80/dólar]”. Da mesma forma, nem a lendária Velhinha de Taubaté acreditaria que o BC – que, otimista, prevê a inflação quase um ponto acima da meta no próximo ano, mas mesmo assim estimula a economia – segue de fato um regime de metas para a inflação. Já do lado fiscal as notícias não são melhores. Trabalho recente dos economistas do Itaú revela, por exemplo, que o superávit primário “estrutural” do setor público (livre da contabilidade criativa, particularmente intensa nos últimos anos, assim como dos efeitos do ciclo econômico sobre despesas e receitas públicas) caiu persistentemente comparado aos níveis registrados entre 2003-05. Enquanto naquele período a diferença “estrutural” entre receitas e despesas não financeiras superou o equivalente a 4% do PIB, nos últimos quatro anos teria atingido cerca de 2% do PIB em média, uma expansão fiscal considerável. Por onde quer que se olhe, é inevitável perceber que a água fica mais quente a cada dia, muito embora o sapo tenha permanecido, pelo menos até agora, confortavelmente chapado. A água, porém, vai se aquecer ainda mais caso se materializem as propostas ventiladas neste final de semana acerca da possibilidade da re-renegociação das dívidas dos estados. Não é segredo que a reestruturação das dívidas estaduais na segunda metade dos anos 90 foi, em conjunto com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a pedra fundamental na mudança da sua postura fiscal. Os estados, é bom que se diga, foram pesadamente subsidiados quando a União assumiu suas dívidas (cujo custo era bastante superior ao pago pelo governo federal) e lhes emprestou a taxas muito favoráveis. Em contrapartida, contudo, foram obrigados a ajustar suas contas, resultado não muito diferente daquele que ocorreria na Europa, caso os países da Zona do Euro enveredassem por este caminho. Não por acaso, os estados – deficitários até 1998 – têm contribuído regularmente para o superávit primário do setor público após a reestruturação. Também não é segredo que, a despeito do imenso subsídio, governadores tentaram desde o início sabotar este acordo, sem, é claro, ameaçar as condições favoráveis para si, mas buscando solapar exclusivamente sua obrigação de pagar o que devem para a União. Sempre quiseram, a todo custo, se livrar da camisa-de-força fiscal que os obriga a gerar superávits primários. Este sonho ancestral está prestes a virar realidade. O governo federal acena com alterações nas regras do jogo que, se postas em prática, não apenas permitirão que os estados reduzam seus saldos fiscais, mas também representarão a primeira modificação relevante na LRF, abrindo a porteira para novas mudanças. Não é preciso muito para concluir que isto levará à deterioração adicional das contas públicas. Não se trata da primeira (nem segunda) vez que este problema aparece, nem é meu primeiro artigo a respeito. A novidade é que, desta vez, as chances de uma derrapada fiscal estão se tornando bem maiores. Já disse não nutrir ilusões sobre a capacidade de artigos de jornal mudarem o mundo, mas, por Tutatis, como gostaria de estar enganado. Alexandre Schwartsman, Folha de SP

terça-feira, 10 de abril de 2012

Segurando o tigre pelo rabo

O noticiário reverbera que a economia chinesa está vivenciando uma inflação de preços mais robusta. No acumulado em 12 meses, os preços ao consumidor subiram 3,6% em março, incluindo uma escalada de 7,5% nos preços dos alimentos. Até mesmo os preços dos venerados remédios herbais chineses dispararam 8,3%. De acordo com uma hilária reportagem da CNNMoney, a inflação é "o preço da prosperidade". O repórter fatuamente nos ensina que "embora o aumento de preços represente desafios para os consumidores, ele é o subproduto de uma das mais robustas economias do mundo". Uma comparação entre o crescimento de 9,2% do PIB da China em 2011 e o irrisório crescimento de 1,2% do PIB dos EUA no mesmo ano é jogada displicentemente na reportagem como prova de tal afirmação. Tal lógica não apenas é um completo disparate, como também representa um dos mitos mais profundamente arraigados tanto na academia quanto na mídia. A teoria econômica básica demonstra que o "crescimento econômico", que nada mais é do que um aumento na oferta de vários bens e serviços, é um fenômeno intrinsecamente deflacionário. Um aumento na oferta de qualquer bem (ou serviço), com tudo o mais constante, principalmente a quantidade de dinheiro na economia, resulta em uma queda em seu preço e em um crescimento de suas vendas, uma vez que o excesso de oferta deste bem reduz o preço de equilíbrio e aumenta a quantidade demandada. Esta irrefutável verdade econômica tem sido recorrentemente ilustrada desde o final da década de 1970 pelos acentuados declínios nos preços de itens como computadores portáteis, vídeo games, HDTVs (televisões de alta definição), câmeras digitais e celulares, e de tratamentos médicos não segurados, como cirurgias oculares a laser e cirurgias cosméticas. Esta queda nos preços não apenas não gerou nenhuma estagnação nestas indústrias, como, ao contrário, coincidiu com sua rápida expansão. Este fenômeno extremamente salutar para a economia é conhecido como "deflação induzida pelo crescimento". Qual é, portanto, a causa da acelerada inflação de preços chinesa? Não é necessário procurar muito; basta analisar a evolução da oferta monetária. O agregado monetário M2, que inclui o papel-moeda em poder do público mais todos os depósitos bancários, aumentou 13,6% em 2011, muito embora o Banco Central da China tenha estipulado uma meta de aumento ainda maior, de 16%. Recentemente, o BC chinês anunciou que, para 2012, sua meta de aumento para a oferta monetária será de 14%. Esta política de metas de inflação, tão adorada pelos macroeconomistas contemporâneos, pressagia uma inflação de preços ainda mais rápida para os consumidores chineses nos anos vindouros. Ainda mais importante, esta altamente frouxa postura monetária chinesa, tão antiga quanto consagrada, significa que foi a expansão artificial do crédito, gerada pela expansão monetária, o que aditivou grande parte do rápido crescimento da economia chinesa, o que significa que a mesma é insustentável e fadada ao colapso. Com efeito, o ritmo do crescimento econômico chinês já começou a vacilar nos dois últimos trimestres. Como resposta a estes titubeios, o BC chinês já reduziu os compulsórios duas vezes nos últimos três meses. Tendo já permitido que o tigre da inflação saísse da jaula, o governo chinês está agora desesperadamente tentando segurá-lo pelo rabo. Restam ao governo duas alternativas: ou ele consegue conter o tigre imediatamente, voltando a enjaulá-lo e lidando em seguida com os inevitáveis estragos que virão na forma de uma acentuada redução na taxa de crescimento econômico; ou ele simplesmente solta o rabo do tigre e permite que sua florescente economia de mercado seja devorada pela besta inflacionária, recorrendo depois à reimposição das famosas medidas de centralização e controle direto da economia. No primeiro caso, as economias dos países que exportam para a China serão impactadas. No segundo caso, os países que importam da China vivenciarão um aumento nos preços dos produtos importados, o que dará margem para que os fabricantes nacionais, agora sem esta concorrência tão poderosa, também aumentem seus preços. por Joseph Salerno, terça-feira, 10 de abril de 2012

Admirável Brasil Novo

Raul Velloso, O Globo O alarde sobre a perda de espaço da indústria de transformação no PIB brasileiro existe exatamente porque ninguém gosta de incorrer em perdas. A indústria de transformação está perdendo participação, mas não tanto quanto a estatística sugere. Sabe-se que os preços da indústria têm caído em relação aos demais, especialmente ao setor de serviços – onde a escassez de oferta produz forte subida de preços. Assim, se deflacionássemos os valores originais pelos índices setoriais de preço, a queda de participação física seria menor. Não se trata, portanto, de dizer que a indústria acabou, mas que o Brasil, a exemplo de outros países, está passando por uma transformação estrutural em favor dos demais setores. Esse é o ponto. O paradigma em vigor no passado já mudou ou está em processo de mudança. É de se esperar que, diante da perda, os representantes da indústria tendam a mostrar indignação, especialmente contra o tsunami cambial – um inimigo externo recente -, e que o governo se sinta premido a implementar medidas de alívio. A indústria made in Brazil perde espaço basicamente por quatro motivos. Primeiro, porque poupamos pouco (especialmente no setor público), ou seja, mesmo arrecadando muito, adotamos um modelo de forte expansão dos gastos correntes. Por isso, o setor público investe pouco, criando gargalos e altos custos na infraestrutura de transportes. Há o fato de que o governo desaprendeu a planejar e gerir inversões, e também um viés ideológico anti-investimento privado de qualidade na infraestrutura. O Custo Brasil é gigantesco, tanto por isso, como porque há burocracia excessiva, corrupção e outras mazelas. Com margens apertadas, a indústria sofre mais. Em segundo, porque os preços das nossas commodities de exportação dispararam, beneficiando diretamente um setor que não é a indústria. Em breve, com o pré-sal, seremos campeões também em petróleo de alta profundidade, e exportadores dessa commodity tecnologicamente sofisticada. Em terceiro, porque a China, esbanjando poupança, vem implementando há trinta anos – ou mais – um modelo econômico baseado na inundação de produtos industrializados baratos no mundo ocidental. E, por último, porque o Brasil se tornou mais atrativo aos capitais externos por seus méritos (controle da dívida pública e estabilidade política), por seus deméritos (uma das maiores taxas de juros reais do mundo), e pelo demérito dos outros (crise mundial). Vê-se que, enquanto a indústria perde, outros setores ganham. Basta lembrar o sucesso do pré-sal. Agora, não se trata mais do petróleo de águas rasas, mas do óleo extraído de águas profundas com sofisticada tecnologia made in Brazil. Além do mais, a indústria brasileira padece do pecado de ter sido montada especialmente para atender ao mercado interno, na ideia de que o sistema original de proteção duraria para sempre. Só que o mundo resolveu reduzir as barreiras, e o Brasil não teve escolha: integrou-se mais aos mercados mundiais, desvendando uma pletora de “carroças”. Tudo isso empurra o Brasil para a apreciação real da taxa de câmbio, o que vem ocorrendo há muito, e só não se dá em maior intensidade porque o Banco Central compra todos os dólares que consegue, ainda que essa compra seja financiada internamente a juros estratosféricos. Sem preparo para enfrentar essa avalanche de mudanças, a indústria trava uma guerra inglória contra as forças naturais dos mercados e o modelo de crescimento dos gastos correntes. Nesse sentido, o governo vive uma difícil contradição. Quer ajudar a indústria, para o que lança medidas pontuais, mas gostaria de poder viabilizar maior crescimento global do PIB, o que exige maior volume de poupança de fora, a fim de complementar a reduzida geração de poupança interna que o seu modelo ocasiona. O conflito está em que não há como trazer essa poupança sem ter um déficit de igual valor na conta corrente do Balanço de Pagamentos, o que requer maior apreciação cambial, maiores importações e, no fim, maiores déficits externos. Não é por outro motivo que, nos governos Lula (até 2008), a taxa de investimento aumentou cerca de cinco pontos de porcentagem do PIB, enquanto o déficit externo (poupança externa) aumentava na mesma magnitude. Com o país impedido de importar serviços, e sendo campeão de competitividade em commodities, a indústria acaba sendo o primo pobre que precisa não crescer para tudo o mais funcionar. Estamos – ou não – num admirável mundo novo? Com tantos desafios, é fundamental criar condições para a indústria se tornar mais competitiva de forma sustentável. Sem uma estratégia semelhante à que colocou a Embraer no brilhante patamar em que está, e dada a oferta mundial excedente de produtos industrializados do momento, é de se tentar outros caminhos. Nesse contexto, o principal andaime que dará sustentação à indústria é a concentração de investimentos em infraestrutura, especialmente de transportes, onde a carência é maior. Assim, estaremos pavimentando de forma mais sólida o caminho para o novo mundo que se ergue.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Ilusão fiscal de Brasília

CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA Uma reportagem desta edição de VEJA explica os estímulos à indústria dados pelo governo brasileiro na semana passada e mostra que as escolhas dos instrumentos de ajuda foram as piores e as mais caras possíveis. As medidas anunciadas são pontuais. Elas podem até dar um alivio financeiro momentâneo às fábricas brasileiras com dificuldades crescentes de concorrer na economia globalizada, mas nem sequer resvalam na remoção dos grandes entraves estruturais que impedem o aumento da produtividade da indústria brasileira. O pacote passou ao largo do que efetivamente é preciso fazer para tornar competitivos os produtos manufaturados no Brasil, ignorando que nossas fábricas não conseguem competir com o produto importado, tampouco ganhar mercados lá fora, porque são obrigadas a arcar com uma carga fiscal que beira os 40% do produto interno bruto (PIE) - a maior entre todos os seus concorrentes diretos. Nossos produtos não são competitivos também porque as empresas brasileiras pagam, proporcionalmente à renda per capita, o mais alto preço por mão de obra especializada do mundo, a mais cara energia elétrica e as mais exorbitantes tarifas de telecomunicação de voz e dados. A manufatura brasileira não poderá entrar na corrida global por mercados enquanto tiver de gastar o triplo, ou até mais, de tempo e dinheiro que seus concorrentes para se adequar ao complexo, impenetrável, ilógico e contraditório conjunto de regras, regulamentos e portarias do labirinto legal brasileiro. Anunciado pela presidente Dilma Rousseff, por Guido Mantega, ministro da Fazenda, e por Marco Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o pacote da semana passada é, ao mesmo tempo, uma confissão de impotência diante dos verdadeiros desafios brasileiros e uma rendição aos grupos de pressão que conseguiram adiar temporariamente o encontro com a realidade de sua inadequação competitiva global. O governo vai oferecer 45 bilhões de reais de crédito barato à indústria, dinheiro a ser repassado pelo BNDES, que recebe recursos caros captados pelo Tesouro no mercado financeiro, pagando um dos mais altos juros do planeta - e, para piorar, sem autorização do Congresso Nacional. A conta do subsídio vai ser mandada aos brasileiros que pagam impostos. É uma triste combinação de ilusão com crueldade fiscal.

sábado, 7 de abril de 2012

As etapas

MERVAL PEREIRA O GLOBO - 07/04/12 A dramática exortação a Cristo feita pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, entre lágrimas, para que lhe dê mais tempo de vida— “Não me leve ainda porque tenho muitas coisas a fazer”— é o diagnóstico mais próximo da realidade que se pode ter um governo quase ditatorial, onde as informações sobre a saúde de seu presidente são consideradas de “segurança nacional”. Essa obsessão pelo segredo pode ter custado a Chávez a chance de tratar o câncer que o acometeu de maneira mais profissional e com tecnologia mais avançada. Visivelmente necessitando de apoio emocional, Chávez, que regressara de Cuba, onde se submetera a mais uma etapa de um tratamento que não vem dando resultados, disse que sentia vontade de revelar seus sentimentos mais íntimos, e contou: “Há anos comecei a assumir que tinha uma enfermidade muito maligna que marca o fim do caminho de muita gente”. Mesmo que tenha pensado que morreria logo, Chávez garantiu que se sente forte para continuar a lutar “porque há muitas razões”. Avinda ao Brasil, oficialmente para uma visita ao ex-presidente Lula, pode acontecer tarde demais para que seja tratado no Hospital Sírio-Libanês, onde poderia ter sido internado desde o início da doença, não fossem as exigências inaceitáveis que impôs na ocasião. O governo venezuelano queria interditar dois andares do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo e colocar o Exército para tomar conta do hospital, revistando todos os visitantes. E ainda proibir a divulgação de boletins médicos. A falta de transparência na Venezuela e em Cuba, onde ele afinal foi se tratar, é tamanha que até o momento não se sabe oficialmente em que local do corpo de Chávez está localizado o tumor originário. Sabe-se que poderia estar na “região pélvica”, mas não há mais detalhes. O máximo que se sabe, e assim mesmo por informações fragmentadas, é que se trata de um câncer “colorretal” que abrange tumores em todo o cólon, reto e apêndice. As informações vazadas por meio de algumas páginas do Twitter e na coluna do jornalista Nelson Bocaranda indicam que o tratamento em Cuba teve vários erros, até mesmo queimaduras na radioterapia, e por falta de equipamentos alguns exames tiveram que ser enviados para hospitais no Brasil e até nos Estados Unidos. O jornalista venezuelano diz que uma equipe precursora já partiu de Caracas para preparar a visita de Chávez ao Brasil, e que ele se submeterá a um exame de scanner no Hospital Sírio-Libanês em São Paulo. Há, no entanto, grupos políticos ligados a Chávez que são contra a vinda dele ao Brasil, alegando as mesmas razões anteriores, de segredo e segurança. Na Venezuela, há a certeza de que no Hospital Sírio-Libanês o presidente venezuelano será mais bem tratado, mas também de que as informações sobre sua doença, até agora mantidas em segredo de Estado, serão reveladas em boletins médicos, mesmo que certas informações possam ser enquadradas no sigilo médico. O mais provável é que Chávez tenha sido convencido por Lula, com quem conversou pelo telefone sobre seu tratamento, a fazer alguns exames no hospital paulista e receber orientações, numa atitude de desespero diante da gravidade da doença, que tem resistido à quimioterapia e à radioterapia em Cuba. Há informações de que o presidente teve problemas intestinais devido à evolução da doença, já em processo de metástase. A questão central, no entanto, continua sendo a eleição de outubro. Numa corrida contra o tempo, Chávez tem seis meses até as urnas para tentar a reeleição, e está fazendo o possível e o impossível para manter-se em condições de enfrentar uma campanha eleitoral que certamente será a mais dura que ele já enfrentou. Embora sua popularidade aumente à medida que suas aparições na televisão se tornam cada vez mais emotivas, misturando a política com a fé religiosa, ele pode não ter tempo de vida útil. Sua reação à doença até o momento vem obedecendo uma escala descrita por Elisabeth Kübler-Ross no que é conhecido como “o modelo Kübler-Ross” de reações a notícias trágicas ou doenças terminais, descrito no livro “On death and dying” (“Sobre a morte e o morrer”), de 1969, publicado no Brasil pela editora Martins Fontes. Nem todas as pessoas afetadas passam pelas cinco etapas desse processo doloroso. A médica suíça, que morreu em 2004, explicava que essas etapas não se sucedem necessariamente nessa ordem, e nem todos os pacientes passam por todas elas, mas que todos passarão por pelo menos duas delas. Normalmente, as pessoas passam por essas etapas em um efeito que ela chamou de “montanha-russa”, indo de uma para outra diversas vezes até o desfecho. Na véspera de viajar para Cuba para os exames que confirmaram que tinha um novo tumor, em fevereiro, Chávez apareceu em público para afirmar que o câncer “se fora” de seu corpo. Assim como, quando regressou de Cuba depois da primeira operação, declarou-se “curado”. Essa é a primeira etapa, a da “negação”. A segunda etapa seria a “ira”, quando a pessoa se indigna com o que está acontecendo, considerando-se injustiçada: “Como isso pode estar acontecendo a mim?”. A terceira etapa é a da negociação, que parece ser aquela em que está o presidente venezuelano a esta altura de sua tragédia pessoal. O apelo que fez para que tenha mais alguns anos de vida para fazer o que falta é típico do indivíduo que tenta retardar o final. A “depressão” é a etapa seguinte, quando a pessoa começa a assumir a inexorabilidade da doença. A médica Elisabeth Kübler-Ross diz que essa etapa é importante de ser vivida pelo paciente, e não é recomendável que se tente tirar a pessoa da depressão. A última etapa seria a da “aceitação”.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Apertem os cintos que o piloto chegou!

O governo Dilma parece ter perdido qualquer resquício ínfimo que sobrava de bom senso. As últimas medidas econômicas demonstram desespero e irresponsabilidade. O uso dos bancos estatais como instrumento de estímulo de crédito já foi testado no passado, sempre com resultados lamentáveis. O editorial econômico do Estadão toca no ponto: A história do Banco do Brasil está cheia de exemplos que comprovam como o uso de um banco público para forçar as instituições privadas a reduzirem o custo do dinheiro acaba por enfraquecer os próprios bancos públicos. Não satisfeito com o uso irresponsável do Banco do Brasil para estimular mais o crédito e pressionar mais a inflação, foi a vez da Caixa ser usada da mesma forma, sob comando central do governo Dilma. Como relata a Folha, o juro cobrado no cheque especial vai cair de 8% para pouco mais de 1% ao mês, como se bastasse o desejo político para fornecer mais crédito sem impacto inflacionário. O que estamos vendo é a bolha brasileira de crédito em gestação, incentivada pelo próprio governo e o Banco Central, suposto guardião do poder de compra da moeda. Quando estourou a bolha de crédito nos EUA, a esquerda logo culpou o mercado, e pediu mais controle estatal. Os liberais apontaram que o próprio governo e o Fed estimularam a bolha. Liberais sempre perguntam "quem vigia o vigia?", pois desconfiam da concentração de poder e dos incentivos no setor público. Governantes costumam focar no curto prazo, pois estão de olho nas próximas eleições. Pergunto então: Quando a bolha de crédito no Brasil, hoje em formação, estourar, de quem será a culpa? Do mercado? Ou do governo, que derruba a taxa de juros na marretada, com intuito demagógico? Apertem o cinto, pois o piloto não sumiu; pior que isso!, ele chegou cheio de vontade, mas é um doido alucinado que não liga para os limites físicos do "avião" que comanda. Quando o cenário benigno externo mudar, os esqueletos que estão sendo jogados para baixo do tapete vão emergir com todo seu odor putrefato e sua feiúra assustadora. Alguns sinais de esgotamento já começam a aparecer. Como mostra reportagem de O Globo, pesquisa da KPMG diz que o Brasil é o país mais caro para se fazer negócio entre os emergentes. Diz a matéria: A KPMG afirma que além de ser menos competitivo entre os emergentes analisados, os custos empresariais no Brasil se aproximam dos níveis de países desenvolvidos. Por exemplo, os custos no Brasil são apenas 7% mais baixos em relação aos Estados Unidos, enquanto a China, que lidera a lista, tem custos 25,8% menores que os dos americanos, seguida pela Índia (-25,3%), México (-21%) e Rússia (-19,7%). As cigarras brasileiras estão comemorando, pensando que o verão vai durar para sempre, que a vida melhorou e os pilares das mudanças são sólidos e estruturais. Doce ilusão! O enriquecimento tem muito mais ligação com fatores exógenos (China e custo de capital negativo nos países desenvolvidos), e com o aumento de crédito sem lastro (sem respaldo em aumento de poupança doméstica). Quando chegar o inverno, o sofrimento não vai ser um espetáculo bonito. As cigarras terão um duro encontro com a realidade. O governo petista está plantando as sementes de uma grande crise à frente. É um dos governos mais irresponsáveis que já se viu. Está ameaçando as importantes conquistas dos últimos anos, como o controle inflacionário. Quem viver, verá.Por: Rodrigo Constantino

As pernas curtas da mentira

ESCRITO POR GRAÇA SALGUEIRO | 05 ABRIL 2012 Graça Salgueiro revela quem é Carlos Beltrão do Valle, o falso órfão que gritava histrionicamente “eles mataram meu pai!” durante a série de agressões cometidas contra militares da reserva, no dia 29, no Rio. A jornalista também traz informações sobre Luiz Felipe Monteiro Garcez, o “Pato”, petista de carteirinha que covardemente cuspiu no coronel-aviador Juarez Gomes. No passado 29 de março, o País viu estarrecido uma manifestação grotesca, abjeta e vil, onde primaram o desrespeito e a falta de educação por parte de uma turba de aproximadamente 300 pessoas, a maioria jovens entre 16 e 20 e poucos anos, que agrediam com insultos e cusparadas a octogenários militares que entravam ou saíam do Clube Militar. Chamou-me a atenção em particular a forma teatral como se manifestavam, sem perceber que serviam de idiotas úteis para interesses outros, desconhecidos deles. Não foi surpresa tomar conhecimento, depois, que os “manifestantes pela verdade” foram pagos para representar, não se sabe por quem, embora possamos imaginar. Um oficial que participou infiltrado entre os manifestantes viu e ouviu ao final da balbúrdia um homem de terno e gravata que telefonava para alguém e relatava sua satisfação com o “sucesso” do evento. Elogiava o “vigor” com que os manifestantes gritavam e mostravam ódio aos militares - embora sequer soubessem quem eles eram e muito menos quais seriam seus “feitos assassinos” - e pedia ao interlocutor que enviasse o dinheiro rapidamente para pagar pelos bons serviços prestados da turba delirante. Coronel de Artilharia (R) Amerino Raposo Filho, integrante da Força Expedicionária Brasileira, é agredido verbalmente por "estudante" comunista que sequer sabe quem é e o que fez este herói nacional. Na nota que escrevi antecedendo o artigo do Aluizio Amorim, me perguntava perplexa se não seria uma cena teatral aquele rapaz que aparece no vídeo deitado no chão, gritando para os policiais “eles mataram meu pai!”, uma vez que ele é muito jovem para que tal fato acontecesse no período em que os militares governaram. Com a ajuda de um grupo de amigos descobrimos que, de fato, tudo não passava de encenação. O jovem, supostamente órfão, chama-se Carlos Beltrão do Valle, tem 29 anos, cursa o mestrado de “Memória Social” e tem pai, além de uma irmã e um irmão, todos vivos, saudáveis e trabalhando. Seu pai, o engenheiro Romildo Maranhão do Valle, foi membro do Partido Comunista Revolucionário Brasileiro (PCBR), uma dissidência guerrilheira do PCB fundada em 1964. Seu tio, Ramires Maranhão do Valle, também fazia parte da organização terrorista e foi morto em 27 de outubro de 1973, quando entrou em confronto com a Polícia, na Praça Combate, em Jacarepaguá. Ranúsia Alves Rodrigues havia sido presa naquela manhã e já no primeiro depoimento contou os vários assaltos que o bando havia praticado e que naquela noite haveria um “ponto” [1] no local acima citado. Na chegada ao ponto, Ranúsia e os policiais foram recebidos a bala, havendo o confronto no qual os quatro integrantes do Comando Central (Ranúsia, Ramires, Almir e Vitorino) morreram. Portanto, "a família inteira assassinada pelo Regime Militar", por quem este rapaz clama no vídeo para justificar sua presença naquele ato de vandalismo, resume-se a um tio seu, que ele sequer conheceu, e que não era nenhum homem de bem, mas um terrorista morto em combate e que havia assassinado o delegado Octávio Gonçalves de Oliveira, covardemente pelas costas, numa ação conjunta com a ALN e a VAR-PALMARES, em 25 de fevereiro de 1973. Teria assassinado covardemente, também pelas costas, Salatiel Teixeira Rollins, ex-membro do Comando Central que havia saído da prisão um ano antes, em 22 de julho de 1973; participou do assalto ao Banco Francês-Brasileiro em Porto Alegre, em 14 de março de 1973; em 4 de junho, junto com a ALN e a VAR-PALMARES, do assalto ao “Bob’s” de Ipanema; e, em 29 de agosto do mesmo ano, do assalto a uma clínica médica em Botafogo, no Rio [2]. Quanto ao rapaz que desfere uma cusparada no coronel-aviador Juarez Gomes, quando saía do evento no Clube Militar, é um desocupado profissional, de 25 anos de idade, de nome Luiz Felipe Monteiro Garcez, cognome “Pato”, estudante do curso “Produção Cultural” do IFRJ desde 2010 e freqüentador do Diretório do PT no Rio de Janeiro. Seu último emprego foi um cargo comissionado de Assistente Executivo de Projetos Especiais no município de Maricá (RJ), nomeado pelo prefeito Washington Luiz Cardoso Siqueira, do PT. Em seu blog “Pato” escreveu em 2008: “Fiz parte do movimento estudantil secundarista. Hoje porém por culpa dos estudos acabei me afastando dele. Porém pretendo me engajar no movimento estudantil universitário” (sic). E ainda em seu mural do FaceBook ele admitiu orgulhoso, várias vezes, que cuspiu em um idoso indefeso e que sequer lhe dirigiu a palavra, e o faria de novo. Desses dois elementos temos as fichas completas com riqueza de detalhes, mas o objetivo deste artigo é apenas demonstrar a farsa da dor dos que se manifestavam em honra de seus parentes, mortos ou desaparecidos pelos “assassinos” e “torturadores” militares que se encontravam naquele dia no Clube Militar, que, diga-se de passagem, não estavam ali para “comemorar” a data histórica de 31 de Março, mas para debater, junto com conferencistas civis, e levar ao público assistente a verdadeira história que a tal “Comissão da Verdade” quer omitir e que não são nem nunca foram acusados de crime algum. E são dados como os citados acima que a tal comissão nega-se, peremptoriamente, não só a ouvir mas permitir que o público tome conhecimento. Será que Carlos Beltrão conhece o passado desse seu tio, um criminoso covarde que assassinava pelas costas, sem qualquer chance de defesa, pessoas que ele considerava seus inimigos? E Luiz Felipe, conhece o que esta gente praticou e de que maneira morreu, ao defendê-las expelindo tanto ódio? É isto que a tal “comissão” pretende: esconder a verdade dos fatos e usar, mais uma vez, jovens ignorantes e manipuláveis para servir de bucha de canhão para seus propósitos sórdidos, mas, como a mentira tem as pernas curtas, não podemos permitir que toda a população permaneça nessa ignorância defendendo bandidos sanguinários como se fossem vítimas imoladas no altar da liberdade e da democracia.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Israel x Irã: menos "aliados", mais inimigos

Khamenei é muito mais perigoso e mais capacitado que Ahmadinejad para formar novas alianças, como a já iniciada com o Egito. O Irã afirma que ajudará a qualquer país que lute contra Israel. Como afirmei no artigo anterior, Obama rejeitou qualquer atitude mais efetiva em relação ao Irã, dizendo que novas “ações diplomáticas” ainda podem surtir efeito. Tal como Chamberlain em 1938 o queniano que preside os Estados Unidos prefere ações pacifistas. Com a enorme diferença que Chamberlain, ao que tudo consta, acreditava piamente em Herr Hitler, mas Obama sabe muito bem com quem está tratando, mas prefere negociar porque não se considera intimamente comprometido com o estado judeu. Pelo contrário, ao que tudo indica, é muçulmano e implicitamente prefere uma vitória do Irã que o livraria da chatice de ter que dialogar com Netanyahu ou outros líderes judeus. Por outro lado, até os grãos de areia do Saara sabiam que a “primavera árabe” nada mais era do que a tomada do poder pelos fundamentalistas islâmicos em todos os países no entorno de Israel. Além dos mal intencionados que sabiam do que se tratava, só os tolos e idiotas úteis, que vibraram com o “fim das ditaduras” árabes e a queda dos terríveis ditadores Mubarak, Kadhafi, e ainda torcem contra Assad, comemoraram a vitória destes movimentos antissionistas. Após a revolução que derrubou Mubarak as relações entre Egito e Israel se deterioraram. A Fraternidade Muçulmana, apesar de dizer que respeitará os Acordos de Camp David, não descarta negociar aquelas partes que considera “humilhantes” para o Egito. O Parlamento votou a favor da deportação do embaixador de Israel, Yaakov Amitai e a retirada do embaixador egípcio em Israel, já que “o Egito, após a revolução, nunca será amigo da ‘entidade sionista’ (note-se o uso desta terminologia que tinha acabado no Egito desde a paz selada por Begin e Sadat), o inimigo número um da nação árabe, e pediu um boicote por parte dos países árabes às companhias que fazem negócios com Israel como “apoio à resistência palestina”. O presidente do Parlamento, Saad al Katatni, formou um comitê parlamentar para monitorar as demandas exigidas do Executivo, como informou o jornal Al Masry al Youm. Estas exigências incluem a revisão de todas as relações e convênios com “este inimigo” que representa uma ameaça verdadeira para a segurança e os interesses nacionais egípcios. Além de exigir o fim imediato da exportação de gás, ainda sugere que o país deveria rever sua posição de subscritor do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) até que Israel o subscreva também. O historiador libanês Kamal Salibi afirmou que os árabes não são bons na guerra. Se pudessem guerrear como, por exemplo, os russos, Israel teria deixado de existir há muitos anos, nem teria comemorado seu primeiro aniversário [1]. “A Síria e o Egito tentaram três vezes e a Jordânia duas. O Hamas e OLP há décadas fustigam Israel com guerrilha, terrorismo e ataques de baixa densidade de foguetes, mas jamais chegaram sequer perto de ameaçar a existência de Israel”. No entanto, a ameaça agora não é de um país árabe mal armado, mas de um Irã com capacidade de ataques de grande densidade com armas nucleares. Ninguém se engane que a derrota de Ahmadinejad perante Ali Khamenei, que conseguiu maioria no Majlis, mudará alguma coisa para melhor: só conterá, talvez, as diatribes furiosas do primeiro contra Israel, mas Khamenei é muito mais perigoso e mais capacitado a formar novas alianças, como a já iniciada com o Egito. O Irã afirma que ajudará a qualquer país que lute contra Israel. Não ficou claro se exportaria armas ou expertise nuclear, mas dada a ameaça do Parlamento egípcio de rever o TNP, é bem possível. Enquanto isto, a guerra de nervos prossegue: Netanyahu ameaça a toda hora atacar o Irã, mas como disse Bernard Shapiro [2] numa entrevista ao site Accuracy In Media: “Estou farto de israelenses, americanos – todos que falam demais! Se tenciona atacar o Irã, faça-o logo. Não fiquem falando sem parar de uma forma desagradável e nauseante! Por seu lado o Irã novamente ameaçou ontem (18/03) o fechamento do Estreito de Hormuz: o Ministro da Inteligência, Ali Falahian, afirmou que os EUA e a Europa devem esperar respostas duras do Irã, como o fechamento do Estreito, às sanções, principalmente o corte de relações com os bancos iranianos[3]. Como já escrevi antes, é muito mais ameaças visando relaxamento de sanções, pois existem na área quatro porta-aviões nucleares americanos e franceses e mais de uma dúzia de caça-minas e helicópteros com a mesma finalidade dos dois lados do estreito. ESCRITO POR HEITOR DE PAOLA INTERNACIONAL - ORIENTE MÉDIO

Dois séculos de arbítrio

Enquanto o Brasil já teve diversas Constituições com inúmeras emendas, os Estados Unidos continuam com a mesma Constituição escrita pelos “pais fundadores”, com menos de 30 emendas em dois séculos. Há algo de muito errado com a forma pela qual tratamos este fundamental documento. No livro A história das Constituições brasileiras, o historiador Marco Antonio Villa disseca os maiores absurdos das várias Constituições que tivemos. Na sua apresentação, a síntese é perfeita: “Não é exagero afirmar que os últimos 200 anos da nossa história têm como ponto central a luta do cidadão contra o Estado arbitrário. E, na maioria das vezes, o Estado ganhou de goleada”. Somos mesmo um país sui generis, que não pode ser levado muito a sério. Infelizmente, desprezamos com vontade os mais básicos valores republicanos. Ao colocarmos em textos constitucionais verdadeiras aberrações (veremos alguns exemplos adiante), acabamos por estimular uma cultura de desrespeito às regras básicas. Uma enxurrada de leis inconstitucionais é aprovada, apenas para não pegar, ou então para jogar em descrédito a própria Constituição. A coisa começou muito mal em nosso país. Nossa primeira Constituição foi monárquica, de 1824, e não distinguia recursos familiares daqueles oriundos do Erário nacional. Um dos artigos diz: “Os palácios e terrenos nacionais, possuídos atualmente pelo senhor D. Pedro I, ficarão sempre pertencendo aos seus sucessores; e a nação cuidará nas aquisições e construções que julgar convenientes para a decência e o recreio do imperador e sua família”. Eis que tinha início a prática do patrimonialismo, com o respaldo constitucional. Outras Constituições vieram em 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Mas as idiossincrasias brasileiras deixariam sua marca registrada em todas. O viés autoritário foi maior algumas, mas esteve presente em todas elas. Em 1930, por exemplo, um decreto não deixava margem à dúvida. O governo exerceria “discricionariamente em toda a sua plenitude as funções e atribuições não só do poder Executivo, como também do poder Legislativo”. Por decreto, seis ministros do Supremo Tribunal Federal foram aposentados. Os governos estaduais foram assumidos por interventores que respondiam ao poder central. Não havia limites constitucionais ao poder do estado. Conforme aponta o autor, foi na Constituição de 1934 que se inaugurou a “minúcia e o pormenor”, ou seja, a “indistinção entre a legislação ordinária e a constitucional”. A quantidade de artigos mais que dobrou em relação a Constituição anterior. Um dos artigos falava sobre as multas de mora, a defesa contra os efeitos das secas nos estados do Norte mereceu outro artigo, e até o vestibular foi constitucionalizado. Além disso, fruto dos tempos, o conceito de segurança nacional ganhou enorme destaque, deixando espaço bem menor para os direitos e garantias individuais. O modelo de inspiração passava a ser o europeu, sob regimes totalitários. Até mesmo a “melhoria da raça” foi preocupação dos constituintes, que delegaram ao governo a tarefa de “estimular a educação eugênica”. Os liberais nunca estiveram tão menosprezados como nesta época. Um trecho do livro merece ser citado na íntegra, pois ele retrata a triste realidade de nosso país: “O palácio é vizinho do campo do Fluminense, nas Laranjeiras. Enquanto o ditador lia monocordicamente o discurso – Vargas nunca foi um bom orador –, ao fundo era possível ouvir os brados dos torcedores saudando os gols do Fluminense. Em meio aos gritos de gols, Vargas dissertava enfadonhamente sobre as benesses da ditadura e da supressão das liberdades democráticas”. Há tempos que o povo brasileiro parece não se importar muito com as perdas das liberdades, desde que tenha um jogo emocionante de futebol para assistir! O culto ao poder central, outra mancha recorrente em nossa história, mostrou-se forte como nunca. Bandeiras e hinos estaduais foram proibidos, e assim permaneceram por oito anos. Foi nesta Constituição que inúmeras “conquistas” trabalhistas foram impostas também. Somente o sindicato regularmente reconhecido pelo estado teria o direito de representação legal dos que participavam da categoria. O “pai dos pobres” criava a máfia sindical que perdura até os dias de hoje. Na Constituição de 1946, o lobby dos jornalistas conseguiu incluir em um artigo este fantástico privilégio: “Durante o prazo de quinze anos, a contar da instalação da Assembléia Constituinte, o imóvel adquirido, para sua residência, por jornalistas que outro não possua, será isento do imposto de transmissão e, enquanto servir ao fim previsto neste artigo, do respectivo imposto predial”. Parece piada, mas como dizia o recém-falecido Millôr, o Brasil é o país da piada pronta! A Constituição seguinte foi criada pelo regime militar, onde o arbítrio foi enorme com a justificativa – em parte verdadeira – de que ele era necessário para combater a ameaça comunista. Aliás, as tentativas recorrentes de grupos comunistas instaurarem no Brasil um modelo nos moldes soviéticos serviu várias vezes como motivo ou pretexto para avanços do estado sobre nossas liberdades. Eis um enorme custo que esta ideologia nefasta deixou para o país, mesmo que os revolucionários não tenham chegado ao poder pela luta armada. Por fim, chegamos na “Constituição Cidadã”, liderada por Ulysses Guimarães na fase da redemocratização. Trata-se da mais longa das Constituições, com 250 artigos e mais 70 nas disposições transitórias. Ela já recebeu 67 emendas, uma média de 3 por ano de vida. Sua abrangência é espantosa. Como afirma Villa: “É difícil encontrar algo da vida social que a Constituição não tenha tentado normatizar”. A “Constituição Besteirol”, como a apelidou o saudoso Roberto Campos, representa a melhor ilustração da típica crença nacional de que é possível resolver todos os males que assolam o país com base em leis. Talvez se ela fosse promulgada um ano depois, após a queda do Muro de Berlim, as coisas pudessem ser um pouco diferentes. Mas o fato é que o texto denota claro ranço ideológico em prol do socialismo light ou da social-democracia, além de boas pitadas nacionalistas. A Carta mais parece um programa político-econômico, quando determina, por exemplo, a “busca do pleno emprego” como objetivo, ou quando limita as taxas de juros reais em 12% ao ano. Fora isso, há trechos esquizofrênicos também, como a garantia da propriedade privada ao lado da afirmação de que a propriedade atenderá a sua função social (sabe-se lá o que é isso e quem define), ou então a igualdade de todos perante as leis, e em seguida os privilégios de classes e etnias. E, para ridicularizar de vez o documento, o Colégio Pedro II mereceu menção especial, com garantia de que seria mantido na órbita federal. De fato, como pensar em ter uma Constituição que não legisla sobre um colégio?! Um último capítulo do livro é dedicado ao Supremo Tribunal Federal, supostamente o guardião da Constituição do país. O que Marco Antonio Villa argumenta, entretanto, é que esta crucial instituição republicana tem falhado sistematicamente em sua função precípua, adotando postura subserviente ao poder Executivo com incrível freqüência. Não custa lembrar que o escândalo do “mensalão” ainda não foi julgado, enquanto alguns crimes já começam a prescrever. Este é apenas um exemplo entre vários. Outro exemplo foi o confisco do Plano Collor, que não poderia ser considerado constitucional de forma alguma. Em resumo, o Brasil é mesmo um país complicado, com pouco apreço pelo império das leis. Mais parece uma República das Bananas, cuja Carta Magna trata de infindáveis aspectos insignificantes para uma Constituição, além de preservar incrível dose de arbítrio ao poder Executivo. Nossas Constituições, em outras palavras, acabam refletindo a cultura do povo, esta crença ingênua no estado forte e messiânico, que tudo pode e nada teme. Por: Rodrigo Constantino

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Estudo da OCDE

Estudo da OCDE mostra que países com menos recursos naturais investem mais no ensino e valorizam capacidades e conhecimentos do povo THOMAS FRIEDMAN THE NEW YORK TIMES Frequentemente alguém me pergunta: “Que país você admira, além do seu?” Minha resposta é sempre a mesma: Taiwan. “Taiwan? Por que Taiwan?”, as pessoas perguntam. É muito simples: porque Taiwan é uma rocha nua em um mar repleto de tufões sem recursos naturais que lhe permitam sobreviver – ela precisa importar até areia e cascalho da China para construção –, mas tem a quarta maior reserva financeira do mundo. Porque em vez de escavar a terra e minerar o que quer que encontre em baixo dela, Taiwan cultiva seus 23 milhões de habitantes, seu talento, energia e inteligência – homens e mulheres indistintamente. Sempre digo a meus amigos em Taiwan: “Vocês são as pessoas mais privilegiadas do mundo. Como foi que conseguiram ter tanta sorte? Vocês não têm petróleo, não têm minério de ferro, florestas, diamantes, ouro, apenas alguns pequenos depósitos de carvão e gás natural – e por causa disso desenvolveram hábitos e uma cultura que lhes permitiram aprimorar os talentos do seu povo, e os converteram no recurso mais valioso e mais autenticamente renovável do mundo hoje. Como foi que conseguiram tanta sorte assim?” Pelo menos, era o que eu achava instintivamente. Agora, aí estão as provas. Uma equipe da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) acaba de apresentar um pequeno, mas fascinante, estudo que estabelece a correlação entre o desempenho no exame do Programa de Avaliação Internacional de Alunos (o Pisa), que a cada dois anos aplica testes de matemática, ciências e compreensão de leitura para alunos de 15 anos de 65 países, e os ganhos totais obtidos com seus recursos naturais como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país participante. Em resumo, como se saem os alunos do ensino médio dos EUA em matemática em comparação com a quantidade de petróleo que bombeamos ou de diamantes que exploramos? Os resultados indicaram uma “significativa relação negativa entre o dinheiro que os países obtêm dos recursos naturais e o conhecimento e a capacidade de sua população de ensino médio”, disse Andreas Schleicher, que supervisiona os exames do Pisa para a OCDE. “Trata-se de uma avaliação global de 65 países que participaram do mais recente exame do Pisa”. Petróleo e Pisa não se misturam. (Veja o mapa de dados) Como diz a Bíblia, acrescentou Schleicher: “Durante 40 anos, Moisés guiou os judeus em meio a grandes dificuldades através do deserto rumo à terra prometida no Oriente Médio, onde não havia petróleo. Mas, no fim, Moisés conseguiu. Hoje, Israel é uma das economias mais inovadoras e sua população tem um padrão de vida que a maioria dos países ricos em petróleo da região não tem condições de oferecer”. Recursos. Portanto, segure o petróleo e valorize o conhecimento. Segundo Schleicher, nos resultados do último Pisa estudantes de Cingapura, Finlândia, Coreia do Sul, Hong Kong e Japão destacaram-se por suas notas elevadas e seus escassos recursos naturais, enquanto Catar e Casaquistão se destacaram por ter as rendas mais elevadas em razão do petróleo e as notas mais baixas do Pisa. (Arábia Saudita, Kuwait, Omã, Argélia, Bahrein, Irã e Síria apresentaram os mesmos resultados num teste semelhante de 2007 das Tendências do Estudo Internacional de Matemática e Ciências, TIMSS na sigla em inglês, enquanto, um fato interessante, estudantes do Líbano, Jordânia e Turquia – países do Oriente Médio com escassos recursos naturais – obtiveram resultados melhores.) Mas estudantes de muitos países ricos em recursos naturais da América Latina, como Brasil, México e Argentina, obtiveram uma classificação ruim. A África não foi testada. Canadá, Austrália e Noruega, países que também dispõem de abundantes recursos naturais, continuam com boas notas no Pisa, em grande parte, afirma Schleicher, pois os três países adotaram políticas destinadas a economizar e investir a receita proporcionada por tais recursos, em vez de consumi-los. Somando tudo isso, os números mostrarão que, se quisermos realmente saber qual será o desempenho de um país no século 21, não deveremos contar seus recursos de petróleo ou suas minas de ouro, mas seus professores extremamente eficientes, pais zelosos e estudantes aplicados. “Os resultados do aprendizado na escola, hoje, permitem prever com bastante acerto os resultados em termos sociais e da riqueza que os países colherão no longo prazo”, diz Schleicher. Os economistas conhecem há muito tempo essa “doença holandesa”, que aparece quando um país se torna tão dependente da exportação de recursos naturais que sua moeda se valoriza enormemente e, como resultado, sua indústria nacional fica esmagada sob montanhas de produtos de importação baratos, enquanto suas exportações encarecem demais. O que a equipe do Pisa revelou é uma doença relacionada a essa situação: parece que as sociedades que dependem fundamentalmente de seus recursos naturais criam pais e jovens que perdem em parte seus instintos, hábitos e incentivos para se esforçarem e aperfeiçoarem seus talentos. Por outro lado, diz Schleicher, “em países dotados de escassos recursos naturais – como Finlândia, Cingapura ou Japão – a educação apresenta grandes resultados e confere uma situação social elevada, ao menos em parte porque o público em geral compreendeu que o país precisa sobreviver valorizando seus conhecimentos e suas capacidades, e elas dependem da qualidade da educação… Os pais e filhos destes países sabem que o talento do seu filho decidirá as chances que ele terá na vida e nada mais poderá salvá-los e, portanto, eles criam toda uma cultura e um sistema educativo ao seu redor”. Ou, como afirma meu amigo indiano-americano, K.R. Sridhar, fundador da empresa Bloom Energy de células de combustível do Vale do Silício: “Quando você não tem recursos materiais, passa a explorar o recurso de sua engenhosidade”. É por isso que os países com o maior número de companhias listadas no Nasdaq são Israel, China/Hong Kong, Taiwan, Índia, Coreia do Sul e Cingapura – nenhum dos quais dispõe de recursos naturais para explorar. Mas no estudo há também uma importante mensagem para o mundo industrializado. Nestes tempos difíceis para a economia, nós nos sentimos tentados a respaldar nosso padrão de vida atual incorrendo em responsabilidades financeiras ainda maiores para o futuro. Evidentemente, numa recessão prolongada o estímulo também influi, mas “a única maneira possível é criarmos nossa solução proporcionando a um número maior de pessoas o conhecimento e a capacidade de competir, colaborar e conectar de modo a levar nosso país para frente”, afirma Schleicher. Em suma, ele prossegue, “o conhecimento e a capacidade tornaram-se a moeda global das economias do século 21, embora sem um banco central que imprima esta moeda. É claro que é sensacional ter petróleo, gás e diamantes, que permitem comprar empregos. Mas, no longo prazo, acabarão enfraquecendo a sociedade, a não ser que exista o hábito de construir escolas e adotar uma cultura de aprendizado para a vida toda. “O que nos manterá caminhando para a frente”, diz Schleicher, será sempre “nossa contribuição pessoal”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA É COLUNISTA E ESCRITOR

A incompetência virou elogio

MARCO ANTONIO VILLA O Globo - 27/03/12 O governo Dilma Rousseff lembra o petroleiro João Cândido. Foi inaugurado com festa, mas não pôde navegar. De longe, até que tem um bom aspecto. Mas não resiste ao teste. Se for lançado ao mar, afunda. Não há discurso, por mais empolgante que seja, que consiga impedir o naufrágio. A presidente apresenta um ar de uma política bem-intencionada, de uma tia severa e até parece acreditar no que diz. Imagina que seu governo vai bem, que as metas estão cumpridas, que formou uma boa equipe de auxiliares e que sua relação com a base de sustentação política é estritamente republicana. Contudo, os seus primeiros 15 meses de governo foram marcados por escândalos de corrupção, pela subserviência aos tradicionais oligarcas que controlam o Legislativo em Brasília e por uma irritante paralisia administrativa. Inicialmente, a presidente vendeu a ideia que o Ministério não era dela, mas de Lula. E que era o preço que teria pagado por ser uma neófita na política nacional. Alguns chegaram até a acreditar que ela estaria se afastando do seu tutor político, o que demonstra como é amplo o campo do engodo no Brasil. Foi passando o tempo e nada mudou. Se ocorreram algumas mudanças no Ministério, nenhuma foi por sua iniciativa. Além do que, foi mantida a mesma lógica na designação dos novos ministros. Confundindo cara feia com energia, a presidente continuou representando o papel de hábil executiva e que via a política com certo desprezo, como se os seus ideais de juventude não estivessem superados. Como sua base não é flor que se cheire, acabou até ganhando a simpatia popular. Contudo, não se afastou deste jardim, numa curiosa relação de amor e ódio. Manteve o método herdado do seu padrinho político, de transformar a ocupação do Estado em instrumento permanente de negociação política. E ainda diz, sem ficar ruborizada, que não é partidária do toma lá dá cá. Dá para acreditar? O Ministério é notabilizado pela inoperância administrativa. Bom ministro é aquele que não aparece nos jornais com alguma acusação de corrupção. Para este governo, isto basta. Sem ser enfadonho, basta destacar dois casos. Aloizio Mercadante teve passagem pífia pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Se fosse demitido na reforma ministerial - aquela que a presidente anunciou no último trimestre do ano passado e até hoje não realizou -, poucos reclamariam, pois nada fez durante mais de um ano na função. Porém, como um bom exemplo do tempo em que vivemos, acabou promovido para o Ministério da Educação. Ou seja, a incapacidade foi premiada. O mesmo, parece, ocorrerá com Edison Lobão, que deve sair do Ministério de Minas e Energia para a presidência do Senado, com o beneplácito da presidente. O que fez de positivo no seu ministério? Numa caricata representação de participação política, Dilma patrocinou uma reunião com o empresariado nacional para ouvir o já sabido. Todas as reclamações ou concordâncias já eram conhecidas antes do encontro. Então, para que a reunião? Para manter a aura da Presidência-espetáculo? Para garantir uma fugaz manchete no dia seguinte? Será que ela não sabe que não tem o poder de comunicação do seu tutor político e que tudo será esquecido rapidamente? Uma das maiores obras da atualidade serve como referência para analisar como o governo trata a coisa pública. Desde quando foi anunciada a transposição de parte das águas do Rio São Francisco, inúmeras vozes sensatas se levantaram para demonstrar o absurdo da proposta. Nada demoveu o governo. Além do que estava próxima a eleição presidencial de 2010. Dilma ganhou de goleada na região por onde a obra passaria - em algumas cidades teve 92% dos votos. Passaria porque, apesar dos bilhões gastos, os canteiros estão abandonados e o pouco que foi realizado está sendo destruído pela falta de conservação. Enquanto isso, estados como a Bahia estão sofrendo com a maior seca dos últimos 30 anos. E, em vez de incentivar a agricultura seca, a formação de cooperativas, a construção de estradas vicinais e os projetos de conservação da água desenvolvidos por diversas entidades, a presidente optou por derramar bilhões de reais nos cofres das grandes empreiteiras. A falta de uma boa equipe ministerial, a ausência de projetos e o descompromisso com o futuro do país são evidentes. O pouco - muito pouco - que funciona na máquina estatal é produto de mudanças que tiveram início no final do século XX. A ausência de novas iniciativas é patente. Sem condições de pensar o novo, resta ao governo maldizer os países que estão dando certo em vez de aprender as razões do êxito, reforçando um certo amargor nacional com o sucesso alheio. No passado a culpa era imputada aos Estados Unidos; hoje este papel está reservado à China. Como em um conto de fadas, a presidente acredita que tudo terá um final feliz. Mas, até agora, o lobo mau está reinando absoluto na floresta. Basta observar os péssimos resultados econômicos do ano passado quando o Brasil foi o país que menos cresceu na América do Sul. E a comparação é com o Paraguai e o Equador e não com a Índia e a China. Não é descabido imaginar que a presidente foi contaminada pelo "virus brasilienses". Esta "espécie", que prolifera com muita facilidade em Brasília, tem uma variante mais perigosa, o "petismus". A vacina é a democracia combinada com outra forma de governar, buscando a competência, os melhores quadros e alianças programáticas. Mas em um país marcado pela subserviência, a incompetência governamental se transformou em elogio.

Adiante, para trás!

Adiante, para trás! por Ubiratan Jorge Iorio, terça-feira, 3 de abril de 2012 O governo brasileiro anuncia uma nova política industrial, com a reformulação nas linhas de financiamento para investimento e capital de giro do Banco Nacional de Desenvolvimento, Econômico e Social (BNDES), a ampliação dos setores favorecidos (isto é, o aumento no número dos "amigos do rei"), redução das taxas de juros e maiores prazos para pagamento. A previsão de mais essa agressão aos pagadores de tributos — mascarada de "inventivos à competitividade" — é de um aumento de gastos de cerca de R$ 18 bilhões. Leia comigo parte da matéria publicada pelo O Estado de São Paulo no dia 1º de abril (infelizmente, não é uma brincadeira com a data): Haverá mudanças nas regras de atuação dos fundos de desenvolvimento regional para alavancar investimentos em infraestrutura. Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal poderão atuar neste mercado, oferecendo empréstimos com recursos do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste e do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia. O risco das aplicações deve ser transferido do Tesouro para os bancos. As medidas, preparadas pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, serão anunciadas amanhã pela presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. O Estado apurou que as principais alterações no BNDES serão no Revitaliza e nas linhas do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Estes programas foram criados no governo Lula para ajudar setores que enfrentavam forte concorrência de produtos importados, mas que são grandes geradores de emprego. PSI. O governo ampliará em R$ 18 bilhões o limite de financiamento das linhas do PSI, com subvenção do Tesouro Nacional. Subirá para R$ 227 bilhões o volume de empréstimo do banco com taxas de juros subsidiadas. Esta será a quarta mudança no PSI desde o seu lançamento em julho de 2009 para enfrentar a crise internacional. As novas condições de financiamento vão valer até dezembro de 2013. Será criada, dentro do PSI, uma linha para financiar projetos estratégicos com o objetivo de reduzir o custo de obra. A nova linha terá aporte de R$ 8 bilhões com taxas de juros de 5% ao ano. Os projetos terão que ser aprovados por uma comissão interministerial. Os juros ficarão um ponto porcentual menor na linha do PSI destinada a financiar a aquisição de máquinas e equipamentos. Para micro, pequenas e médias empresas (MPME), o custo do empréstimo cai de 6,5% para 5,5%. Para as grandes empresas, de 8,7% para 7,7% ao ano. O BNDES ampliará o limite a ser financiado. Até 100% para as empresas de menor porte e de até 90% do investimento para as grandes. A linha para as MPME passa de R$ 3 bilhões para R$ 13 bilhões. A linha para financiar a aquisição de ônibus e caminhões o juro cortado de 10% para 7,7% ao ano. O prazo será ampliado de 96 para 120 meses. O financiamento, então, será de até 100% para as MPMEs e 90% para as grandes. Para os exportadores, as taxas de juros serão de 9% para as grandes empresas e de 7% para as demais. O limite do investimento a ser financiado sobe de 90% para 100% e o prazo de pagamento será ampliado de 24 para 36 meses. Esta linha ganhará um reforço de R$ 1 bilhão. Haverá uma queda nos juros de 5% para 4% no financiamento para capital inovador. No Procaminhoneiro, para autônomos, o prazo passa de 36 para 48 meses. Passa de R$ 100 milhões para R$ 150 milhões o volume de recursos que podem ser liberados por grupo econômico. O Revitaliza tem linhas para capital de giro, investimento e a exportação. Uma fonte do governo informou que serão anunciadas mudanças nas linhas para exportadores por meio do Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC) para ampliar as empresas com acesso aos recursos. O Banco do Brasil é o líder no mercado. Parece o enredo de um filme de terror, mas não é. Parece uma piada de mau gosto, mas não é. Parece um retrocesso de 50/60 anos no tempo. E é! Notemos que, de acordo com o noticiário, o governo já havia liberado para a indústria nos últimos seis anos algo em torno de R$ 97,5 bilhões e, mesmo com todas essas "bondades" para os empresários amigos (leia-se "maldades" contra os consumidores e pagadores de tributos) o crescimento industrial não chega a pífios 3% ao ano. Nos anos 50 e 60 do século passado, era forte a influência dos "estruturalistas" da Cepal, que ditavam aberrações semelhantes à que o governo brasileiro agora anuncia. É incrível como mercantilismo está de volta, com todos os seus malditos ingredientes: protecionismo, intervencionismo, dirigismo, nacionalismo, inflacionismo e outros "ismos", todos denotativos de uma absoluta ignorância do funcionamento do processo de mercado e, mais amplamente, das causas que levam as economias a crescerem de forma autossustentada. É inacreditável que os economistas do governo ainda falem em "projetos estratégicos"! Estratégicos para quem? Podem ser para suas cabeças iluminadas, para os empresários contemplados com as benesses e para lobistas e políticos a seu serviço, mas, certamente, não têm nada de estratégico no que diz respeito aos verdadeiros empreendedores, aos pagadores de impostos (eu me recuso a usar a expressão "contribuintes") e aos consumidores. Na verdade, os verdadeiros empreendedores no conceito da Escola Austríaca serão prejudicados de saída, porque não foram escolhidos para serem favorecidos, os tributos mais cedo ou mais tarde poderão aumentar para financiar a festa e os consumidores serão obrigados a pagar mais caro por bens e serviços de qualidade inferior, pois esta é uma das consequências líquidas e certas das políticas protecionistas. Isto para não falarmos dos incentivos à corrupção que medidas desse tipo sempre acarretam. Essas novas medidas do governo brasileiro, então, prejudicam enormemente o verdadeiro empreendedorismo e, onde quer que não exista empreendedorismo e onde quer que o arcabouço institucional prejudique a função empresarial, não existe lugar para o progresso. Mas, por incrível que pareça, nem todos pensam assim, a começar pelos economistas do governo. Prevalece uma aversão ao empreendedor, provocada por uma mistura de influências históricas, culturais e midiáticas que forjaram durante muitos anos uma mentalidade antiempresarial muito forte e não temos dúvidas de que esse é um dos fatores que prejudicam o desenvolvimento da economia desses países. Nessas sociedades, pode-se detectar uma verdadeira aversão à atividade empresarial. E, além disso, uma ignorância absoluta dos fatores que motivam os empreendedores a investirem. A presidente do Brasil, por exemplo, só para citarmos uma pessoa importante e que diz possuir um mestrado em Economia na Unicamp, há poucos dias fez questão de demonstrar essa minha afirmativa, quando "conclamou" os empresários brasileiros a... investirem! Se isto fosse dito há 50/60 anos, ainda valeria a pena comentar, mas hoje, em 2012, sinceramente, eu me recuso a fazê-lo... Qualquer pessoa pode ser um empresário, mas apenas algumas pessoas podem ser empreendedores, porque os atributos de vontade, perspicácia, inventividade e capacidade decisória sob condições de incerteza e de assumir riscos são virtudes que a maioria dos seres humanos não possui. Fulano, por exemplo, pode ser muito inventivo, mas detestar correr riscos; ou Beltrano ter muita vontade, mas não possuir capacidade decisória. Abrir uma empresa e mantê-la sempre voltada para atender aos interesses dos consumidores é o que garante e justifica moralmente o lucro, porque se trata de uma verdadeira aventura e, em muitos países em que o Estado parece fazer de tudo para interpor obstáculos entre os que produzem e os que consomem, é mesmo um ato de heroísmo. O empreendedor, ao exercer sua função empresarial, deverá naturalmente ser obrigado a enfrentar os competidores que já estão estabelecidos, a dar respostas positivas para as inovações que surgirem e a lutar contra interesses já estabelecidos e que se sentirão ameaçados, o que os levará, já que sua vontade é de que tudo permaneça da maneira como está, a reagir, muitas vezes utilizando recursos não recomendados pela ética, como o de valer-se de proteções de grupos políticos que ocupam o poder. Além disso, precisa fazer com que os trabalhadores que dependem de sua iniciativa se sintam estimulados. Definitivamente — e contrariamente ao que a maioria das pessoas pensa — qualquer obstáculo à livre iniciativa e ao empreendedorismo é, também, em empecilho ao progresso e ao desenvolvimento da economia e da sociedade. A função empresarial e o empreendedorismo são plenamente exercidos quando o governo é limitado, quando existe respeito aos direitos de propriedade, quando as leis são boas e estáveis e quando prevalece a economia de mercado. Por isso, uma ordem social que estimule as virtudes do empreendedorismo deve estimular o florescimento desses quatro atributos. O novo pacote do governo, nesse sentido, é um verdadeiro desastre. Um desastre de R$ 18 bilhões, que vai ser colocado nas nossas contas! Acordai, consumidor brasileiro!

Sinal amarelo no comercio

ROLF KUNTZ - O Estado de S.Paulo Há um enorme sinal amarelo nas contas externas, aceso pela redução de preços e de volumes de commodities embarcadas em portos brasileiros. Até a relação semicolonial com o mercado chinês pode ficar menos confortável. De janeiro a março, o déficit comercial com a China, US$ 292 milhões, foi 484% maior que o do primeiro trimestre de 2011, US$ 50 milhões. O superávit comercial do Brasil com todos os parceiros ficou em modestíssimos US$ 2,4 bilhões, valor 23,6% menor que o de janeiro a março do ano passado, pela comparação das médias diárias. A rápida erosão da conta de mercadorias torna urgente a adoção de medidas para destravar a indústria - de preferência, mudanças permanentes e de maior alcance que o novo pacote anunciado ontem. Em março, 14 das 23 principais commodities comercializadas pelo Brasil foram vendidas por preços inferiores aos de um ano antes. Em nove casos, houve redução combinada de cotações e de volumes. Algumas das quedas mais desastrosas: farelo de soja, com perda de 11,8% na quantidade e de 9,5% no preço; açúcar em bruto, com 43,7% e 3,6%; alumínio, com 17,6% e 11,9%. Apesar disso, houve um pequeno aumento da receita desse conjunto, proporcionado pelas vendas de alguns poucos produtos, como a soja em grão, com preço 3,8% menor e quantidade 47,9% maior que a de março de 2011. No caso do suco de laranja, a tonelagem foi 8,3% menor, mas o preço médio foi 35,8% superior. O Banco Central reduziu de US$ 23 bilhões para US$ 22 bilhões o superávit comercial projetado para o ano. O resultado de 2011 foi US$ 29,7 bilhões. A mediana das previsões do mercado financeiro e das consultorias ficou em US$ 19 bilhões, na última sexta-feira, segundo a pesquisa semanal do BC. Mas há estimativas bem mais inquietantes, como aquelas elaboradas pelo Iedi, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Os cálculos foram baseados em três cenários. No básico, levam-se em conta as quedas de preços estimadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), de 14% para as commodities não energéticas e de 4,9% para as energéticas. No segundo, classificado como favorável, os preços médios do ano repetem os de dezembro de 2011. No terceiro, as cotações voltam aos níveis de janeiro de 2009. Para simplificar o trabalho, os autores do estudo mantiveram os volumes de commodities embarcados em 2011 e a receita dos demais produtos. No cenário básico (FMI), o superávit comercial cairá para US$ 13,2 bilhões. No quadro favorável, o saldo diminuirá para US$ 23,7 bilhões. No terceiro, o resultado será um buraco de US$ 41,3 bilhões. Nos dois últimos casos, as estimativas são até otimistas, segundo os autores do trabalho, porque as quantidades exportadas também devem ser afetadas pela desaceleração da economia global. Preços de janeiro de 2009 correspondem às condições de um mundo em recessão. Na projeção do FMI, o volume do comércio mundial cresce 3,8%, variação ainda positiva, mas bem pior que a de 2011, estimada em 6,8%. Todas as projeções, até as mais sofisticadas, envolvem alguma simplificação, mas nem por isso deixam de ser instrutivas. Esses três cenários são úteis porque realçam a enorme e perigosa dependência do Brasil, neste momento, das condições de comércio de matérias-primas e bens intermediários padronizados e produzidos em massa. Durante anos, a receita comercial brasileira foi reforçada pela valorização desses produtos, em grande parte resultante do rápido e prolongado crescimento econômico chinês. No primeiro trimestre, a China proporcionou 14,3% da receita comercial do Brasil e se manteve como principal país importador de produtos brasileiros - mas quase exclusivamente de commodities. De certa forma, o Brasil se tornou refém do crescimento da China. Os responsáveis pela política econômica e pela diplomacia comercial negligenciaram a abertura de espaços nos grandes mercados desenvolvidos e, ao mesmo tempo, deixaram deteriorar-se o poder de competição da indústria de transformação. A sucessão de pacotes e pacotinhos circunstanciais é um reconhecimento implícito, mas incompleto, dos problemas de um setor manufatureiro enfraquecido no mercado externo e acuado no mercado interno pelos produtores de fora. O governo insiste na política de incentivos restritos e de alcance conjuntural, combinados com medidas protecionistas. Age como se os principais problemas do produtor nacional viessem de fora, quando obviamente são made in Brazil e refletem deficiências internas muito bem conhecidas. A presidente Dilma Rousseff as enumerou amplamente, na reunião da semana passada com empresários de vários setores. Mas continua incapaz de traduzir esse conhecimento em política de gente grande e país sério.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Crime sem castigo

Crime sem castigo Fernando Henrique Cardoso, O GLOBO Houve tempo em que se dizia que ou o Brasil acabava com a saúva ou a saúva acabaria com o Brasil. As saúvas andam por aí, não acabaram, nem o Brasil acabou. Será a mesma coisa com a corrupção? Que ela anda vivinha por aí não restam dúvidas, que acabe com o Brasil é pouco provável, que acabe no Brasil, tampouco. Mas que causa danos enormes é indiscutível. Haverá quem diga que sempre houve corrupção no País e pelo mundo afora, o que provavelmente é certo, mas a partir de certo nível de sua existência e, pior, da aceitação tácita de suas práticas como "fatos da vida", se ela não acaba com o País, deforma-o de modo inaceitável. Estamo-nos aproximando desse limiar. Há formas e formas de corrupção, especialmente das instituições e da vida política. As mais tradicionais entre nós são o clientelismo - a prática de atender os amigos, e os amigos dos amigos, nomeando-os para funções públicas -, a troca de favores e o patrimonialismo, isto é, a confusão entre público e privado, entre Estado e família. Tudo isso é antigo e deita raízes na Península Ibérica. A frase famosa "é dando que se recebe", de inspiração dita franciscana, referia-se mais à troca de favores do que ao recebimento de dinheiro. Por certo, um sistema político assentado nessas práticas já supõe o desdém pela lei e é tendente a permitir deslizes mais propriamente qualificados como corrupção. Mesmo quando não haja suborno de funcionários ou vantagem pecuniária pela concessão de favores, prática que os juristas chamam de prevaricação, os apoios políticos obtidos dessa maneira são baseados em nomeações que implicam gasto público. Progressivamente, tais procedimentos levam a burocracia a deixar de responder ao mérito, ao profissionalismo. Com o tempo, as gorjetas e mesmo o desvio de recursos - o que mais diretamente se chama de corrupção - aumentam como consequência desse sistema. Nos dias que correm, entretanto, não se trata apenas de clientelismo, que por certo continua a existir, ao menos parcialmente, mas de algo mais complexo. Se o sistema patrimonialista tradicional já contaminava nossa vida política, a ele se acrescenta agora algo mais grave. Com o desenvolvimento acelerado do capitalismo e com a presença abrangente dos governos na vida econômica nacional, as oportunidades de negócios entremeados por decisões dependentes do poder público ampliaram-se consideravelmente. E as pressões políticas se deslocaram do mero favoritismo para o "negocismo". Há contratos por todo lado a serem firmados com entes públicos, tanto no âmbito federal como no estadual e no municipal. Crescentemente, os apoios políticos passam a depender do atendimento do apetite voraz de setores partidários que só se dispõem a "colaborar" se devidamente azeitados pelo controle de partes do governo que permitam decisões sobre obras e contratos. Mudaram, portanto, o tipo de corrupção predominante e o papel dela na engrenagem do poder. Dia chegará - se não houver reação - em que a corrupção passará a ser condição de governabilidade, como ocorre nos chamados narcoestados. Não, naturalmente, em função do tráfico de drogas e do jogo (que também se podem propagar), mas da disponibilidade do uso da caneta para firmar ordens de serviço ou contratos importantes. Não por acaso se ouvem vozes, cada vez mais numerosas, na mídia, no Congresso e mesmo no governo, a clamar contra a corrupção. E o que é mais entristecedor, algumas delas por puro farisaísmo, como ainda agora, em clamoroso caso que afeta o Senado e sabe Deus que outros ramos do poder. O perigo, não obstante, é que se crie uma expectativa de que um líder autoritário ou um partido-salvador seja o antídoto para coibir a disseminação de tais práticas. Em outros países já vimos líderes supostamente moralizadores se engolfarem no que diziam combater, e a experiência com partidos "puritanos", mesmo entre nós, tem mostrado que nem eles escapam, aqui ou ali, das tentações de manter o poder ao preço por ele cobrado. Quando este passa a ter a conivência com o setor gris da sociedade, lá se vão abaixo as belas palavras, deixando um rastro de desânimo e revolta nos que neles acreditaram. A experiência histórica mostra, contudo, que há caminhos de recuperação da moral pública. Na década de 1920, nos Estados Unidos, havia práticas dessa natureza em abundância. O controle político exercido por bandos corruptos aboletados nas câmaras municipais, como em Nova York, por exemplo, onde o Tammany Hall deixou fama, é arquiconhecido. As ligações entre o proibicionismo do álcool e o poder político, da mesma forma. Pouco a pouco, sem nunca, por certo, eliminar a corrupção completamente, o caráter sistêmico desse tipo de procedimento foi sendo desmantelado. À custa de quê? Pregação, justiça e castigo. Hoje, bem ou mal, os "graúdos", ao menos alguns deles, também vão para a cadeia. Ainda recentemente, em outro país, a Espanha, depois de rumoroso escândalo, alto personagem político foi condenado e está atrás das grades. Não há outro meio de restabelecer a saúde pública senão a exemplaridade dos líderes maiores, condenando os desvios e não participando deles, o aperfeiçoamento dos sistemas de controle do gasto público e a ação enérgica da Justiça. A despeito do desânimo causado pela multiplicação de práticas corruptas e pela impunidade vigente, há sinais alvissareiros. É inegável que os sistemas de controle, tanto os tribunais de contas como as auditorias governamentais e as Promotorias, estão mais alerta e a mídia tem clamado contra o mau uso do dinheiro e do patrimônio públicos. A ação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a validade da Lei da Ficha Limpa mostram que o clamor começa a despertar reações. Mas é preciso mais. Necessitamos de uma reforma do sistema de decisões judiciais, na linha do que foi proposto pelo ministro Peluso, para acelerar a conclusão dos processos e dificultar que bons advogados posterguem a consumação da justiça. Só quando se puserem na cadeia os poderosos que tenham sido condenados por crimes de colarinho branco, o temor, não da vergonha, mas do cárcere coibirá os abusos. Não nos esqueçamos, porém, de que existe uma cultura de tolerância que precisa ser alterada. Não faltam conhecidos corruptos a serem brindados em festas elegantes e terem quem os ouça como se impolutos fossem. As mudanças culturais são lentas e dependem de pregação, pedagogia e exemplaridade. Será pedir muito? E não nos devemos esquecer de que a responsabilidade não é só dos que transgridem e da pouca repressão, mas da própria sociedade - isto é, de todos nós -, por aceitar o inaceitável e reagir pouco diante dos escândalos.

E o real cobra seu preço

E o real cobra seu preço Ferreira Gullar, Folha de SP Informações recentes parecem indicar que a economia brasileira caminha inexoravelmente para uma situação crítica, de difícil solução. A se efetivar tal previsão, dela resultaria uma crise política que poria em questão a hegemonia lulista sobre o sistema de poder. A título de especulação, vamos tentar avaliar a natureza dessa crise futura e suas consequências. Mas, para isso, será necessário examinar o processo político e econômico que ajudou a criar a situação crítica a que se referem economistas e analistas da matéria. Ninguém põe em dúvida o fato de que os governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso introduziram mudanças importantes no processo econômico brasileiro, criando condições para um crescimento saudável e sustentado. Graças a essas medidas, o Brasil se livrou da inflação crônica que inviabilizava o crescimento da produção e consumia o valor dos salários. Aquelas foram medidas necessárias, mas não suficientes. Lula assumiu a Presidência da República em 2003 e, muito embora tenha combatido todas aquelas medidas, resolveu adotá-las e usá-las como um modo de consolidar seu prestígio político e ampliá-lo. Graças a isso, pôde eleger Dilma Rousseff sua sucessora e, com isso, estender para diante seu projeto político. A verdade, porém, é que, como não tinha um programa de governo nem muito menos um projeto estratégico para o país, valeu-se da estabilidade econômica e do momento propício do crescimento mundial para ampliar seus programas assistencialistas e propiciar aumentos salariais que beneficiaram amplas camadas da população mais pobre. O crescimento do mercado interno, entre outros fatores, permitiu que o país passasse relativamente ileso pela crise que atingiu a economia mundial a partir de 2008. Noutras palavras, desde que o petismo assumiu o governo, nenhuma medida foi tomada para atender às novas condições criadas pelo próprio crescimento da economia. De fato, o que se fez foi onerar os setores produtivos, ampliar a máquina estatal e aumentar as despesas públicas. O número de ministros subiu de 27 para 39 -ou 40, já nem sei- e, com eles, o número de funcionários concursados e não concursados. Seguindo o exemplo do Executivo, a Câmara, o Senado e o Judiciário criaram novos encargos para o Tesouro, aumentando o deficit público. Naturalmente, todas essas medidas -que ampliaram o consumo e mantiveram o crescimento da economia- deixam a população otimista, disposta a gastar, ainda que se endividando a cada dia. E tudo isso, sem que se pague salário justo a professores e médicos, que desempenham papel vital para a sociedade. Mas essa gastança aproxima-se do fim, porque ou se põe termo a ela, ou o país caminhará para o impasse. As mais recentes informações, colhidas nos institutos de pesquisa, compõem um quadro preocupante, a começar pelo índice de crescimento da economia que, no último ano, ficou em apenas 2,7%, abaixo de quase todos os país da região, exceto Guatemala e El Salvador. Esse dado poderia ser visto como um fato conjuntural, não fossem outros, igualmente preocupantes, como o índice de investimento, que ficou em 19% do PIB, contra o índice de 23% da região, enquanto a produtividade do trabalhador brasileiro ocupa o 15º lugar na América Latina. Por outro lado, nossa produção industrial perde competitividade, devido à desvalorização do dólar, mas também aos encargos que oneram a folha de pagamento. Noutras palavras, o país chega ao limite de seus gastos, quando a solução para o impasse seria investir na infraestrutura (portos, estradas de ferro, rodovias) e na formação de profissionais de alto nível técnico. A saída é cortar os gastos supérfluos com a máquina estatal e desonerar de impostos e taxas o custo da produção. Mas, para isso, teria que contrariar os interesses dos partidos da base aliada e o poder das centrais sindicais, aliados do governo. Dilma teria que topar essa briga. Se esse diagnóstico está correto, a lua de mel lulista com o poder parece aproximar-se do fim. Podem até ganhar as eleições deste ano e as de 2014. Não sei. O certo é que, cedo ou tarde, a realidade cobra seu preço.

domingo, 1 de abril de 2012

Itália

Itália - ANTONIO DELFIM NETTO FOLHA DE SP - 28/03/12 A Itália, com o premiê Mario Monti, parece disposto a reencontrar-se e fazer o que tem de ser feito para readquirir sua competitividade dentro da moeda única, o euro. Entre 2001 e 2011, enquanto o custo da mão de obra por unidade produzida no setor privado passou de 100 para 105 na Alemanha, ele cresceu de 100 para 130 na Itália. Isso significa, grosseiramente, uma valorização da velha lira italiana em relação ao velho marco alemão, fixada definitiva e irretratavelmente dentro do euro, da ordem de 24% para exportações e importações para a "Eurolândia", os 17 países que adotam o euro. A isso se soma pelo menos mais 10% ou 12% da valorização do euro em relação à "paridade" de US$ 1,15 por ? 1, o que mostra uma "supervalorização" da velha lira, em torno de 35% em relação às suas importações e exportações para fora da "Eurolândia". Como 50% das exportações italianas são para fora da zona, podemos estimar uma "valorização" real da lira, fixada virtualmente dentro do euro, da ordem de 30%! Não é sem razão que, de meados dos anos 1990 a 2010, as exportações físicas italianas caíram de 5% das exportações mundiais para menos de 3%. As famílias italianas têm bons ativos não financeiros e não viveram um boom imobiliário. A situação financeira do setor privado é bem melhor do que na maioria dos países da "Eurolândia", mas, infelizmente, a dívida pública bruta/PIB do país é da ordem de 120%, com 50% nas mãos de não residentes. O problema é que, com a alta da taxa de juros de seus papéis, a Itália despende 4,5% do PIB anual apenas para servi-la. Reduzir a relação dívida/PIB é fundamental para dar credibilidade à política econômica e facilitar seu financiamento. Mario Monti teve pouco tempo para formular seu programa, mas começou dizendo clara e duramente aos italianos: "Temos um problema estrutural, e problema estrutural se resolve com reforma estrutural!". É o que tem feito. O esforço inicial para a volta ao equilíbrio fiscal se apoiou no aumento de impostos (mais ou menos dois terços) e num corte de despesas (um terço). Agora, o governo está num processo de "mineração", constrangendo moralmente os sindicatos, os empresários e os banqueiros para devolverem parte dos seus exorbitantes "privilégios". Talvez para mostrar a seriedade de seus propósitos, Monti, um católico fervoroso, que vai à missa todo fim de semana acompanhado de sua mulher, acaba de propor a eliminação da isenção de impostos sobre a igreja em seus empreendimentos comerciais. Isso renderá 600 milhões, só 0,02% do pacote de economia de 30 bilhões, mas tem imensa simbologia! Bem que poderíamos copiá-lo...

De Varsóvia a Havana

De Varsóvia a Havana - DEMÉTRIO MAGNOLI O Estado de S.Paulo - 29/03/12 O papa não é o mesmo, a cidade é outra e os tempos mudaram, mas o paralelo é incontornável. Quando, em 1979, João Paulo II falou numa Varsóvia submersa no som dos sinos que repicavam, começou a acabar a história do comunismo europeu. Ontem, em Havana, Bento XVI falou aos cubanos, retomando os antigos temas da verdade, da liberdade de consciência, de fé e de expressão. Será esta a centelha do colapso de um comunismo caribenho que copiou os traços essenciais do sistema inventado na URSS de Stalin? Não é a primeira visita papal a Cuba. João Paulo II falou em Havana em 1998, iniciando uma ambígua aproximação entre a Igreja e o regime. De lá para cá, como explica a blogueira Yoani Sánchez, "podemos rezar em voz alta, mas criticar o governo continua a ser pecado, blasfêmia". Há 14 anos a sentença final do papa foi sobre a liberdade do espírito. Será viável retalhar o princípio da liberdade em fatias, tolerando uma delas para conservar o veto às demais? A interlocução entre a Igreja de Cuba e o governo dos Castros propiciou a libertação recente de dezenas de prisioneiros de consciência. Entretanto, na maioria dos casos, a liberdade foi reduzida a um "direito à deportação", uma barganha que reforça a narrativa política do governo cubano. Dias atrás, o arcebispo de Havana permitiu a remoção de um grupo de dissidentes que se abrigara na Igreja da Caridade e publicou uma nota no jornal do Partido Comunista, escrita nos tons inconfundíveis do oficialismo. A liberdade de religião poderá florescer num edifício social erguido sobre o dogma do monopólio partidário da verdade? Cuba é irrelevante sob os pontos de vista da economia e da geopolítica globais. É, contudo, um teatro fundamental para o debate sobre o tema da liberdade. Os Castros reconheceram, literalmente, o fracasso do sistema cubano. Mas os muros da ilha caribenha continuam cobertos pela palavra de ordem apocalíptica que condensa a doutrina do poder: "Socialismo ou morte". A disjunção lógica encontra uma solução dupla, nas esferas da política e da linguagem. Política: as reformas destinadas a criar uma economia mista, estimulando a iniciativa privada e emulando o "modelo chinês". Linguagem: a produção de um novo significado para "socialismo", que passa a designar exclusivamente o papel dirigente do Partido Comunista. Terá futuro um regime que admite fatias diversas de liberdade, mas rejeita de modo absoluto o exercício das liberdades políticas? No universo da lógica, o reconhecimento oficial do fracasso do sistema traz implícita a admissão da falibilidade histórica do Partido Comunista. Disso seguiria o corolário da abertura política, com a promoção de um debate nacional sobre as alternativas disponíveis de organização do poder e da economia. No entanto, paradoxalmente, Raúl Castro escolheu a última conferência partidária como ocasião para reiterar a regra de ouro do partido único, repetindo o argumento de que todas as demais correntes de pensamento representariam "interesses estrangeiros". A tradição comunista identifica o partido com o proletariado, uma classe social que seria portadora da chave do futuro. Os comunistas cubanos inovam ao identificar o partido com a própria nação, uma proposição com consequências radicais. Seria realista imaginar a hipótese de uma abertura política conduzida por um regime que não distingue o dissidente do espião? O destino de Cuba tem implicações decisivas para a esquerda latino-americana. Na Europa, as esquerdas aprenderam a lição da URSS e abraçaram o princípio da liberdade política. Na América Latina, onde o pensamento de esquerda se tingiu de nacionalismo e antiamericanismo, um Muro de Berlim mental continua em pé. O teorema da "ditadura virtuosa", que serve como álibi para a fidelidade ao regime castrista, reflete a alma dessa esquerda. "Por que insistir nas liberdades, se há saúde e educação?", indagam quase todos os nossos "intelectuais progressistas". O teorema está apoiado no material quebradiço de que são feitas as lendas. A Cuba pré-revolucionária, de Fulgêncio Batista, já exibia indicadores sociais invejáveis, enraizados nos padrões singulares de colonização da ilha. Mas a lenda deve ser preservada, pois forma a gramática de um precioso livro de memórias. Afinal, sem ela, o que fazer com a pilha incomensurável de artigos, ensaios e discursos consagrados à canonização do castrismo? Às vésperas da visita de Bento XVI, a Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro aprovou duas moções que solicitam o fechamento da prisão de Guantánamo e o encerramento do embargo econômico americano a Cuba. Na mesma sessão, curvou-se à vontade de dois parlamentares, do PCdoB e do PSOL, rejeitando moções que pediam o indulto para os presos políticos remanescentes e a concessão de autorização de viagem a Yoani Sánchez. As moções aprovadas, como as rejeitadas, incidem sobre decisões políticas de Estados soberanos - mas, felizmente, ninguém se lembrou do argumento da soberania nacional para poupar os EUA da crítica justa. O critério dúplice usado pelos senadores espelha a duplicidade geral que contamina a esquerda brasileira quando estão em jogo as liberdades e os direitos humanos. Mas como exigir coerência de princípios daqueles que ainda vivem à sombra de um Muro de Berlim ideológico? Bento XVI pisou em solo cubano mencionando os "presos e seus familiares", palavras simples que não foram pronunciadas nenhuma vez por Lula ou Dilma Rousseff. Cuba não é a Polônia de 1979. Ela não participa de um sistema internacional em colapso nem dispõe da oportunidade de se incorporar a um sistema alternativo, próspero e democrático, constituído pela Europa Ocidental. A ilha caribenha marcha, numa aventura difícil e incerta, rumo a um capitalismo sem liberdades políticas. Seria esse o novo horizonte utópico da esquerda latino-americana?

Cada vez mais barato, robô já substitui até trabalhador chinês

Raquel Landim e Renato Cruz, de O Estadod e S. Paulo SÃO PAULO - Na fabricante de carretas Noma, no interior do Paraná, não tem gente fazendo força. São os robôs espalhados pela fábrica que carregam as peças pesadas. São também robôs que soldam as diferentes partes dos veículos. Antes privilégio de grandes corporações, os robôs estão invadindo as linhas de produção de pequenas e médias empresas no mundo todo e prometem mudanças importantes na divisão global do trabalho, com prejuízo para os países emergentes. Está em curso uma mudança no sistema fabril que pode significar um novo estágio da revolução industrial. Hoje, comprar um robô custa praticamente o mesmo que pagar o salário de um operário chinês. Dados preparados pela consultoria Gavekal mostram que o custo unitário de um robô industrial atingiu cerca de US$ 48 mil no ano passado, uma diferença pequena para os US$ 44 mil pagos a um funcionário pela gigante de montagem Foxconn durante dois anos. Na verdade, os chineses recebem menos que isso na Foxconn - que, entre vários outros produtos, faz os iPhones e iPads da Apple -, mas o cálculo considera um fictício operário que trabalhasse 24 horas - como um robô. As jornadas de trabalho da China são pesadas, mas ainda não chegam a tanto. O resultado dessa aproximação de custos é que até a Foxconn já anunciou que pretende "empregar" 1 milhão de robôs até 2014. Outra evidência do avanço da robótica é que a demanda por robôs industriais está indo além do setor automotivo, que já é tradicional nessa área. Em 2006, as montadoras respondiam por 36% dos robôs utilizados no planeta. Esse porcentual caiu para 28% em 2010. O setor elétrico e eletrônico, que detinha 18% dos robôs, saltou para 26%. Também se destacam os fabricantes de plásticos, produtos químicos e cosméticos. "Estamos diante de uma tecnologia de ruptura. O excesso de mão de obra vai deixar de ser uma vantagem e as empresas vão começar a retornar para países com mão de obra qualificada, baixos custos e boa infraestrutura", disse José Roberto Mendonça de Barros, sócio-diretor da MB Associados. "A robótica é um dos fatores que vai ajudar a indústria a renascer nos Estados Unidos". Mendonça de Barros projeta que, até 2015, o mundo vai assistir atônito a uma mudança radical nas relações de trabalho. Yuchan Li, analista da Gavekal baseada em Hong Kong e autora dos cálculos, disse ao Estado por e-mail que "é difícil colocar um prazo definitivo, mas que há sinais de que a revolução já está ocorrendo". Segundo ela, as mudanças são mais rápidas em alguns países, como a Coreia do Sul, do que em outros. O movimento é inevitável. De um lado, o esforço de países como a China para reforçar o mercado local, melhorando a renda e as condições de trabalho, acaba elevando os custos da mão de obra. De outro, os robôs acabam sendo beneficiados pela chamada Lei de Moore. Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, previu, na década de 1960, que a capacidade dos microprocessadores dobraria a cada dois anos. Isso faz com que os eletrônicos possam ser, a cada ano, mais potentes e mais baratos. E o mesmo acontece com os robôs. Substituição. A crise global enfrentada desde a quebra do Lehman Brothers ajudou a acelerar o processo, porque forçou as empresas a buscar novas maneiras de reduzir seus custos e melhorar suas magras margens de lucro. Mas são duas tendências estruturais, para as quais não há sinal de alteração no curto prazo, que alimentam o processo: a queda do preço dos robôs e o aumento dos salários, particularmente na China, mas também no Brasil. Marcos Noma, dono da empresa paranaense, conta que os robôs que utiliza chegavam a custar R$ 800 mil há 10 anos e hoje não passam de R$ 200 mil. "Foi isso que permitiu o nosso investimento", diz. A queda dos preços globais dos robôs não foi tão significativa quanto relata o empresário brasileiro, mas não deixou de ser relevante. Entre 2000 e 2010, o custo médio de um robô industrial caiu 23%, conforme a Gavekal. A consultoria não possui dados tão antigos para os salários na Foxconn, mas entre 2003 e 2010, a remuneração dos operários da empresa na China cresceu 140%. Considerada o chão de fábrica do mundo, os custos na China estão subindo porque o país não vai conseguir oferecer trabalhadores suficientes para acompanhar o crescimento da manufatura global, apesar do seu 1,3 bilhão de habitantes. Muitas empresas estão elevando sua produção a uma taxa anual de 10%, enquanto a oferta de trabalho na China cresce apenas 2% - reflexo da política do filho único adotada pelo governo comunista. A China deve continuar a ser uma grande produtora global de manufaturas, mas é provável que daqui para frente as empresas instaladas no país se dediquem cada vez mais a atender o mercado interno, cujo consumo precisa acelerar para garantir um crescimento sustentável da economia. Empresas americanas e europeias, que produziam na China para atender seus mercados de origem, já começam a fazer o caminho de volta. Os populosos e pobres países asiáticos, como Vietnã ou Bangladesh, devem ser os mais prejudicados pelas mudanças tecnológicas, mas o Brasil não vai passar imune. Algumas empresas brasileiras começam a recorrer a robôs para melhorar a qualidade e fazer frente a falta de mão de obra qualificada. O grande problema é que a indústria brasileira enfrenta hoje uma séria falta de competitividade, por conta da infraestrutura ruim e da segunda energia mais cara do mundo, o famoso custo Brasil. Com os robôs substituindo chineses, são esses fatores que vão determinar a instalação da indústria global nos novos tempos. Estratégia Para Yuchan Li, da Gavekal, a China pode provar, com a automação, que seu diferencial, no mercado mundial, é a capacidade de fabricar em larga escala, e não a mão de obra barata. Além disso, as empresas do país têm a chance de combater a imagem de exploradoras dos trabalhadores, de quem impõe jornadas de trabalho desumanas em ambientes insalubres. Na semana passada, Tim Cook, presidente da Apple, visitou as fábricas da Foxconn na China. O executivo foi verificar pessoalmente as condições de trabalho nas instalações da fornecedora, e acabou anunciando um acordo para acabar com as ilegalidades apontadas pela Fair Labor Association (FLA), associação independente autorizada pela Apple a avaliar as condições de trabalho nas fábricas chinesas. O anúncio, no entanto, acabou criando temores de queda de renda entre os funcionários da Foxconn. Muitos acreditam que, sem as horas extras além do que é permitido pela legislação, não vão conseguir se sustentar. De uma forma ou de outra, a fabricante do iPhone e do iPad resolveu tomar medidas para impedir que os problemas da Foxconn acabem prejudicando sua imagem. No lançamento do novo iPad, um grupo de ativistas foi à loja da Apple na Quinta Avenida, em Nova York, para protestar contra as condições de trabalho na China. No começo do ano, cerca de 150 funcionários da unidade da Foxconn em Wuhan ameaçaram cometer suicídio coletivo, saltando do alto do edifício. Sua exigência era a melhora das condições de trabalho. Em 2010, pelo menos 18 funcionários da Foxconn tentaram suicídio, com 14 mortes. No ano seguinte, foram mais quatro mortes. A decisão da Foxconn de anunciar um investimento massivo em robôs pode ser vista como uma maneira de enfrentar os custos crescentes da mão de obra, mas também como um jeito de fazer frente a essa situação.