segunda-feira, 4 de junho de 2012

DESATAR O NÓ

O que têm em comum o mensalão e a CPI do Cachoeira, implicando a construtora Delta e governadores supostamente envolvidos com uns e outros? Aparentemente, esses fatos podem ser tratados isoladamente, como se não tivessem conexão entre eles, cada um obedecendo a uma lógica específica. Poderiam, também, cair sob uma rubrica mais geral de completa ausência de moralidade púbica, o que já seria bastante revelador do momento que vivemos. Caberia, no entanto, perguntar se não há aí uma questão de ordem estrutural que se faz presente em cada um desses fatos, que sempre ressurgem sob a forma de “escândalos”. Mas é tal a sucessão de escândalos que alguns não parecem mais escandalizar, como se vivêssemos segundo uma rotina do escandaloso. Os últimos anos têm sido a ocasião de desenvolvimento de uma espécie de capitalismo de Estado com tinturas socialistas, alicerçado numa aliança entre sindicatos de trabalhadores e grandes grupos empresariais. Mais particularmente no governo Lula, esse processo foi intensificado, criando toda uma rede de privilégios e favorecimentos que terminou por distorcer as relações de mercado propriamente ditas. De um lado, o discurso contra o “mercado”; de outro, o favorecimento explícito de alguns agentes de mercado, encobertos sob o manto da intervenção “pública”, quando de pública tem muito pouco. Lula criou para si a imagem do vencedor que tudo pode, atendendo uns e outros segundo as circunstâncias, sem nenhuma preocupação com seu efeito sobre as instituições republicanas. De parte de grandes grupos empresariais e bancários, foi criada uma teia de relações pessoais que lhes concedeu e continua a conceder os mais diferentes tipos de benefícios. A justificativa, como sempre, é a da redução do crescimento do PIB, como se os problemas estruturais fossem assim abordados. Outras medidas estruturais nem são aventadas, como redução uniforme de impostos para todos os setores ou aumento dos investimentos públicos via redução do custo da máquina estatal. Acontece que tal tipo de intervenção não é política nem moralmente neutra, expondo problemas estruturais do Estado. Por exemplo, politicamente, benefícios são criados para grupos empresariais que, depois, acabam contribuindo financeiramente para os partidos governamentais que dão sustentação a essa forma de favorecimento. Moralmente, o ambiente torna-se insalubre. Salta aos olhos que uma consequência é o aumento da corrupção e o pagamento de propinas, que terminam entrando no modo mesmo de funcionamento da economia e do Estado. Uma relação capitalista, de mercado no sentido estrito do termo, funciona tendo como base a impessoalidade dos agentes econômicos, pautados por leis e formas tributárias que valem igualmente para todos. Ou seja, essas leis e regras não favorecem ninguém, os benefícios de cada agente econômico dependendo de seu desempenho, conhecimento e competitividade. Relações de mercado caracterizam-se por ser impessoais. O capitalismo de Estado, contudo, retorna a formas mercantilistas de condução da economia, personalizando politicamente as relações econômicas. Lula criou para si a imagem do vencedor que tudo pode, atendendo uns e outros segundo as circunstâncias, sem nenhuma preocupação com seu efeito sobre as instituições republicanas Cachoeira, nesse sentido, não é um acidente de percurso, mas um efeito desse capitalismo de Estado. Sua posição é particularmente significativa, pois ele se insere na interseção de parlamentares, poder público, favorecimentos particulares, contravenção e relações com grandes empresas – no caso, a Delta. De repente, os tentáculos dessa rede da contravenção se estendem para vários Estados e para a União, tecendo uma teia de corrupção, privilégios e esfacelamento dos laços institucionais e morais. Um indivíduo desse quilate se torna personagem nacional. A perversidade parece não conhecer, aqui, nenhum limite. Convém assinalar, neste ponto, que o governo Dilma tem procurado mexer com esses efeitos, enquanto no governo Lula nem combatidos eles eram. O novo governo procura se dissociar deles, o anterior com eles compactuava. Há, portanto, uma sinalização de mudança envolvida, que poderá, talvez, no futuro traduzir-se por uma transformação maior. Embora o combate aos efeitos seja altamente meritório, a abordagem das causas é mais do que nunca necessária. O caso dos governadores supostamente envolvidos seja com o grupo de Cachoeira, seja com a Delta, seja ainda com ambos, mostra bem as relações de tipo pessoal usadas para favorecimentos de alguns, em que a fronteira entre o lícito e o ilícito começa a desaparecer. O atendimento de demandas particulares não resistiria a um teste de universalização, isto é, a sua contribuição para o bem coletivo. Nessa perspectiva, é imprescindível que tais fatos continuem a aparecer publicamente, produzindo na opinião pública uma situação tal de descontentamento que se possa concretizar eleitoralmente. O descalabro moral pode ter repercussões políticas. Bom signo disso é que a ética na política se está tornando novamente uma questão nacional. E a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação é uma condição para que essa transformação se possa operar. A questão maior, porém, consiste em desatar um nó de tipo estrutural, pois se isso não for feito o combate aos efeitos pode tornar-se um trabalho de Sísifo, sempre repetindo o mesmo esforço, jamais chegando ao fim. De um lado, o fortalecimento das intervenções governamentais na economia, favorecendo determinados setores e grupos econômicos, a expensas dos demais, cria “regras” particulares que não só distorcem as relações de mercado, como enfraquecem as relações institucionais e a moralidade pública. De outro, o combate às práticas que são consequência dessas relações se confronta com seu incessante ressurgimento, mudando apenas os personagens. Só desatando esse nó poderá o País descortinar um novo horizonte.Por:Denis Rosenfield - Convidado Fonte: O Estado de S. Paulo, 04/06/2012

MENDIGO RICO

O governo que anexou os pobres à classe média acaba de inventar o mendigo rico.

Com a entrada em cena de Wellington Moreira Franco, o interminável espetáculo do cinismo descambou para o terreno da galhofa. Único integrante do primeiro escalão que jamais conseguiu uma conversa a dois com Dilma Rousseff, o (segundo o cartão de visitas) Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República resolveu chamar a atenção da chefe com uma vigarice estatística de deixar ruborizado até dono de instituto de pesquisa. Graças ao ministro do Nada, foram extintos os pobres que restavam no Brasil Maravilha. Neste 29 de maio, Moreira Franco revelou que, a partir de agora, pertencem à classe média todos os brasileiros cujos rendimentos individuais alcancem de R$ 250 a R$ 850. São 48% ─ quase metade ─ da população. Como explicar a proeza assombrosa? O ministro se dispôs a decifrar o enigma em dilmês castiço: “A classe média foi delimitada ainda de acordo com o grau de vulnerabilidade, ou seja, a probabilidade de retorno à condição de pobreza, definido como o percentual de pessoas que vivem em locais cuja renda per capita caiu abaixo da linha de pobreza em algum momento em cinco anos”, complicou Moreira Franco. Em 2007, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada pareceu ter alcançado o limite da audácia malandra ao descobrir como se faz para mudar de categoria sócio-econômica sem sair do lugar. De um dia para outro, as famílias cuja renda mensal superava a marca dos R$1.063 souberam que haviam sido transferidas para a classe média. Como registra o post reproduzido na seção Vale Reprise, o governo Lula inventou o pobre que sobe na vida sem deixar a pobreza. Ainda mais ousado que os alquimistas do IPEA, Moreira Franco também prometeu criar um “instrumento de pesquisa” chamado Vozes da Classe Média. “Queremos saber quais são as aspirações e os desejos desse novo universo”, explicou o milagreiro de araque. A pesquisa é dispensável: 100% dos entrevistados dirão que tudo o que querem é viver como vive gente da classe média de verdade. Estudos recentes atestam que os mendigos que esmolam nas esquinas de São Paulo ganham, em oito horas de expediente, entre R$35 e R$40 . Em 25 dias, embolsam de R$875 a R$1.000. Os pedintes das ruas, portanto, não têm nada a pedir ao governo Dilma Rousseff. Ganham mais que a classe média do Brasil Maravilha. São mendigos ricos.Por: Augusto Nunes

domingo, 3 de junho de 2012

É UM CIRCO OU NÃO É?

Ultimamente, faço um esforço enorme para não perder a esperança em nosso país, em nossa capacidade de nos comportarmos com um mínimo de respeito pelo interesse público, pelos valores éticos, enfim, por construirmos uma nação digna deste nome. É que, a cada dia, como você, fico sabendo de coisas que me desanimam. Parece que a corrupção tomou conta do Estado brasileiro, que não há mais em quem confiar. O que desanima não são apenas as falcatruas praticadas por parlamentares, ministros, governadores, prefeitos, juízes... O pior é que esses dados refletem uma espécie de norma generalizada que dita o comportamento das pessoas e o próprio funcionamento da máquina pública. Um pequeno exemplo: o precatório. Se ganhas na Justiça uma ação que obriga o governo a te indenizar, ele está obrigado a te pagar, não? Só que ele não paga, não cumpre a decisão judicial, e fica por isso mesmo. A Justiça sabe que sua decisão não foi obedecida e nada faz. Pior, às vezes esse dinheiro é apropriado por altos funcionários da própria Justiça. Enquanto isso, as pessoas que deveriam ser indenizadas esperam 20, 30 anos, sem nada receber. É como um assalto em via pública. Este é um fato corriqueiro num país dominado por uma casta corrupta. E eu, burro velho, embora sabendo disso tudo, não paro de me surpreender. Acontece de tudo, até CPI criada pelo governo. Nunca se viu isto, já que CPI é um recurso da oposição; quer dizer, era, porque a de Cachoeira foi invenção do Lula e seu partido, e conta com o apoio da presidente Dilma. Isso porque, no primeiro momento, os implicados pareciam ser apenas adversários deles, a turma do mensalão. Eis, porém, que novas revelações envolveram gente do PT e aliados do governo, sem falar numa empresa corrupta que é responsável por grande parte das obras do PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento do governo federal. Mas o que fazer, agora, se a CPI já estava criada? Voltar atrás seria impossível, e nem era preciso, uma vez que, dos 30 membros da CPI, apenas sete são da oposição, quer dizer, não decidirão nada. Mas essas revelações punham em risco um dos principais objetivos de Lula, que era usar a CPI para desqualificar o processo do mensalão, prestes a ser julgado pelo STF. Essa intenção foi favorecida por um fato que envolve o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a quem caberá fazer a denúncia da quadrilha chefiada por José Dirceu. O PT tentou desqualificá-lo, apresentando-o como ligado a Demóstenes Torres e, portanto, a Cachoeira. A jogada não deu certo e, além do mais, está aí a maldita imprensa, que insiste em criar problemas, por levar à opinião pública informações inconvenientes. De qualquer modo, a CPI teria que ouvir Carlinhos Cachoeira, e só Deus sabe o que ele poderia revelar. Deus e nós também: nada, como se viu. É que ele se valeu do direito, que a Constituição lhe concede, de permanecer calado para não produzir provas contra si mesmo. Quem quer que tenha inventado isso -sempre em defesa dos inocentes, claro- com frequência favorece aos culpados, uma vez que o inocente, por nada temer, faz questão de contar toda a verdade. Calar, portanto, é confissão de culpa. De qualquer modo, Carlos Cachoeira, a conselho de seu advogado, não respondeu a nenhuma das perguntas que lhe foram feitas, deixando os parlamentares, que inutilmente o interrogavam, em situação constrangedora. Aquela sessão da CPI, em Brasília, só pode ser comparada a um espetáculo circense. E quem é o advogado de Cachoeira? Nada menos que o ex-ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos, que, sentado a seu lado, como um segurança jurídico, ouvia os deputados e senadores se referirem a seu constituinte como "bandido, chefe de uma quadrilha de ladrões". Estava ali por vontade própria ou por imposição do cliente? Não se sabe, mantinha-se indiferente, como se nada ouvisse. Foi por saber Cachoeira culpado de todas aquelas falcatruas que o aconselhou a nada responder. Resta à CPI recorrer às provas documentais. Por isso mesmo, Thomaz Bastos já pediu a anulação delas. Cachoeira pode não ter razão, mas dinheiro não lhe falta. E o espetáculo continua... Por: Ferreira Gullar, Folha de SP

A MISSÃO DE LULA

A proximidade do julgamento do mensalão parece estar desestabilizando emocionalmente o ex-presidente Lula, que se tem esmerado nos últimos dias em explicitar uma truculência política que antes era dissimulada em público, ou maquiada. Nessa fase em que trabalha em dois projetos que se cruzam e parecem vitais para seu futuro, tamanha a intensidade com que se dedica a eles, Lula não tem tido cuidados com as aparências, e arrisca-se além do que sua experiência recomendaria. A pressão sobre ministros do STF, a convocação da CPI do Cachoeira, com direito a cartilha de procedimentos com os alvos preferenciais identificados (STF, imprensa, oposição) e as atitudes messiânicas, sempre colocando-se como o centro do universo político, revelam a alma autoritária deste ex-presidente ansioso pela ribalta política. A eleição de Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo e a obsessão em desmoralizar o julgamento do mensalão (já que não conseguiu adiá-lo para que seus resultados não interferissem na eleição municipal e, além disso, a prescrição das penas resolvesse grande parte dos problemas judiciais do PT) pareciam as duas grandes tarefas do ex-presidente Lula neste momento. Mas ele, de voz própria, revelou seu verdadeiro objetivo político no programa do Ratinho: não permitir que um tucano volte a governar o país. Nunca antes nesse país viu-se um político assumir tão abertamente uma postura despótica, quase ditatorial, quanto a de Lula nessa cruzada nacional contra os tucanos, que tem na disputa pela capital paulista seu ponto decisivo. O PT, aliás, tem seguido a mesma batida de Lula, e se revela a cada instante um partido que não tem como objetivo programas de governo ou projetos nacionais para o país. A luta política pelo poder escancara posturas ditatoriais em todos os níveis, e para mantê-lo vale tudo. Desde rasgar a legislação eleitoral e fazer propaganda ilegal em emissora de televisão na tentativa de desatolar uma candidatura que até agora não demonstra capacidade de competição, até intervenções em diretórios que não obedecem à orientação nacional, como aconteceu agora mesmo em Recife. Vale também mobilizar um esquema policial de uma prefeitura petista, como a de Mauá em São Paulo, para apreender uma revista que apresenta reportagens contrárias aos interesses do PT. A truculência com que foi impedida a distribuição gratuita da revista "Free São Paulo", que trazia uma reportagem de capa sobre o assassinato do prefeito petista de Santo André Celso Daniel, é exemplar do que o PT e seus seguidores consideram "liberdade de imprensa". Os petistas acusam a revista de ser financiada pelo PSDB, o que ainda é preciso provar, mas, mesmo que seja, seria no mínimo incoerente criticarem tal estratégia, já que são estatais de diversos calibres e governos petistas que financiam uma verdadeira rede de blogs chapas-brancas e revistas para defenderem as ações governistas e demonizar seus adversários, em qualquer nível. Da mesma forma, parece ironia que líderes petistas se mostrem indignados com financiamentos eleitorais de caixa 2 de políticos tucanos, como se esse crime fosse uma afronta ao Estado de Direito e não, como disse o ex-presidente Lula tentando minimizar o caso do mensalão, coisa corriqueira no sistema eleitoral brasileiro. O recurso ao caixa 2 e a verbas não contabilizadas é evidentemente uma distorção do nosso sistema eleitoral que tem que ser combatida com rigor, mas o PT há muito perdeu a possibilidade de indignar-se diante deste e de outros malfeitos políticos. Acaba de ser publicado em edição eletrônica (e-book) e deve sair na segunda semana de junho em edição impressa o relatório do Clube de Roma com o título de "2052, previsões globais para os próximos 40 anos", coordenado pelo professor Jorgen Randers da BI Norwegian Business School, especialista em questões climáticas e planejamento de cenários que servirá de base para a programação do Clube de Roma durante a reunião Rio + 20. Randers já esteve no Brasil no início de maio, depois de lançar o relatório, para depoimento no Congresso em preparação para a Rio + 20. Trata-se de um estudo feito por 30 pensadores nos mais variados campos e tem o objetivo de atualizar o famoso estudo do Clube de Roma de quarenta anos atrás intitulado "Os limites do crescimento", que já questionava o modelo de crescimento permanente. Desta vez, o diagnóstico é conclusivo: a Humanidade vem se excedendo no uso dos recursos da Terra. A maneira atual de vida não pode ser mantida por gerações, e está a exigir modificações significativas para evitar colapsos locais antes de 2052. O estudo admite que o processo de adaptação da Humanidade às limitações do planeta já começou, mas a resposta talvez seja lenta demais. A China é considerada um exemplo de país que sabe agir na direção certa, e por isso chegará a 2052 bem preparado. O estudo alerta que continuamos a emitir todos os anos duas vezes mais gases do efeito estufa do que os oceanos e florestas podem absorver. Em consequência, as concentrações de CO2 na atmosfera continuarão aumentando, fazendo com que a temperatura aumente em dois graus em 2052. Se esse processo não for controlado, em 2080 as temperaturas terão aumentado em 2,8 graus centígrados - nível suficiente para iniciar um aquecimento global autossustentado. Segundo o relatório, a principal causa da incapacidade de resolver hoje problemas futuros é o modelo imediatista, com foco político e econômico no curto prazo. Randers defende um sistema de governança de mais longo prazo. No entanto, é pessimista quanto aos resultados, pois não acredita que os governos adotem uma regulamentação que obrigue os mercados a investir em soluções climaticamente corretas, e, segundo ele, não devemos acreditar que os mercados trabalharão em benefício da Humanidade. As previsões do documento do Clube de Roma sobre a economia global também não são nada animadoras. As atuais economias dominantes, especialmente os Estados Unidos, entrarão em estagnação, e países como os que formam os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) terão progressos, mas o PIB mundial crescerá muito mais lentamente, devido à redução do crescimento da produtividade em economias mais maduras. Em 2052, ainda haverá 3 bilhões de pobres no mundo.Por:MERVAL PEREIRA O GLOBO - 03/06

UM FATO E DUAS VERSÕES

Quando a notícia da reunião se tornou pública, ouvi negativas à versão de Gilmar Mendes, mas não vi uma única boca aberta em forma de “o” expressando incredulidade: “Quem? O Lula? Não! Ele jamais seria capaz de uma coisa dessas!”. Se eu compreendi direito, temos duas versões totalmente divergentes sobre a trombada ocorrida na esquina da vida onde recentemente se cruzaram Lula, Nelson Jobim e Gilmar Mendes. Numa das versões, o ministro do STF foi insistentemente pressionado e, por fim, ouviu uma insinuação que entendeu e contestou como se chantagem fosse. Noutra, foi um encontro cordial, em que o trio abordou “questões genéricas, institucionais”. Quase como se estivessem jogando conversa fora. Existem coisas inverossímeis. Claro que verossimilhança e seu antônimo não servem para firmar convicções absolutas, mas ajudam a gente a não fazer papel de bobo. Perante afirmações de difícil comprovação, podemos apelar para esse critério. Assim, por exemplo, se alguém disser que São Francisco de Assis acumulou uma fortuna em esmolas e a enterrou em algum ponto da Úmbria, a gente pode rejeitar a afirmação como falsa. Ela não seria coerente com a história de vida de uma pessoa que levou seu desapego aos bens materiais ao ponto de retirar-se da abonada casa paterna sem ter sequer um bolso para colocar as mãos. Não, não. O Poverello morreu poverello como uma andorinha. Todavia, se nos disserem que Mark Zuckerberg, o mal falado criador do Facebook, atropelou alguém no mundo dos negócios, podemos admitir o fato como provável porque há vários relatos nesse sentido. Assim também, se for atribuída a Carlinhos Cachoeira alguma operação empresarial irregular, a coerência entre a acusação e a imagem pública do cidadão será útil para formar opinião a respeito do episódio em si. Pelo viés oposto, quando lemos que Demóstenes Torres tinha “liaisons dangereuses” com o mundo do crime, foi necessário que se exibissem muitas evidências para criar um convencimento a respeito porque se tratava de algo incompatível com quanto dele até então se sabia. A notícia do encontro entre Lula e o ministro Gilmar Mendes, no escritório do ex-presidente do STF, nos coloca perante uma dessas situações. É inverossímil que os três ali estivessem apenas para tratar de generalidades. Vale lembrar, adicionalmente, que Lula, ao deixar a presidência, informou que dedicaria parte de seu tempo a provar que o mensalão não existiu. Ora, o referido processo, depois de longa jornada através dos anos e das linhas e entrelinhas dos códigos, está em vias de desabar muito peso pesado da política nacional sobre o colo dos onze do STF. Para quem queria provar que o mensalão não existiu, uma absolvição no Supremo (ou um adiamento para as calendas da impunidade geral) seria tudo de bom. Por outro lado, ninguém pode acusar o ex-presidente de excesso de escrúpulos no jogo do poder. Que o diga a ciranda de ministros a que restou constrangida a presidente Dilma. Tampouco se atribuirá a Lula qualquer devoção à sacralidade das instituições ou reverência às melhores regras do jogo político. Eis porque, quando a notícia da reunião se tornou pública, ouvi negativas à versão de Gilmar Mendes, mas não vi uma única boca aberta em forma de “o” expressando incredulidade: “Quem? O Lula? Não! Ele jamais seria capaz de uma coisa dessas!”. É aí que entra, novamente, a questão da verossimilhança. Ela não faz prova. Ela não condena. Sobre ela incide, sempre, poderosa dúvida razoável a serviço dos advogados de defesa. Mas o passado conta. E nem toda história ou biografia ganha o privilégio de uma comissão encarregada de a reescrever ao gosto da freguesia. Pelo menos é o que se espera. Por: PERCIVAL PUGGINA Publicado no jornal Zero Hora.

ENTENDAM A CRISE DO MENSALÃO

A crise do mensalão está se tornando uma briga de casal discutida cinco anos depois do fato. 
Ninguém mais sabe exatamente o que se discute, e estamos criando uma enorme crise institucional que envolve o Supremo Tribunal deste país, uma situação muito perigosa. 
O próximo passo será pedir a censura da imprensa e do Supremo Tribunal. 
Para entender o mensalão é preciso lembrar que o Brasil optou por uma democracia de 42 partidos, o que é absolutamente não administrável. 
Para ter apoio na aprovação do orçamento do Executivo você precisa dialogar com 42 partidos, oferecendo obras, canais de televisão, cargos para padrinhos e amigos, e assim por diante. 
De obra em obra, de comissão por fora em comissão, políticos obtêm suas verbas de campanha e uma graninha à parte. 
Comissões que antigamente eram de 5%, agora são de 20 a 30%, e muitas obras são totalmente desnecessárias a um custo efetivo de 100% administrativamente falando. 
 Há uma piada que explica o mensalão. 
Um político comenta com dois outros: 
"Tá vendo aquela estrada ali? 10% aqui no meu bolso". 
"Tá vendo aquele hospital ali? 20% aqui no meu bolso", diz o segundo. 
"Tá vendo aquela ponte ali?", diz um terceiro. "Não, que ponte? " "Pois é, 100% aqui no meu bolso". 
Se você fosse um administrador que tivesse lido esta piada, e soubesse que você precisa "comprar" alguns deputados, que estratégia você utilizaria para tornar este país mais eficiente ao menor custo possível? 
Você tem todos os dados que precisa. 
Provavelmente você diria ter somente 2 partidos, todos com políticos já ricos e honestos. Ótimo, daqui 1000 anos talvez. 
A segunda opção é dar os 5% de comissão para financiar os custos de campanha, e NÃO FAZER A OBRA ou a ponte da piada. 
Esta é a melhor opção, dentro de todas não muito éticas, eu sei, mas diante das alternativas o que fazer? Esta foi a essência do mensalão. Eu não estou defendendo o PT ou o mensalão, somente constatando que dar um salário de R$ 48.000,00 por mês para alguns deputados é muito melhor do que dar 30% sobre obras inúteis e desnecessárias. 
Portanto, a questão não é o mensalão e sim nossos 48 partidos, e esta briga agora é simplesmente briga de comadres antes da eleição municipal, colocando em risco a reputação do Supremo. 
Os militares, diga-se de passagem, foram os únicos que tentaram corrigir este monstruoso erro democrático. 
Por que a Revolução de 1964 não fechou o Congresso, criando um partido único e dando R$ 48.000,00 de salário para os 500 "membros do partido", como na Rússia, China e Cuba? Um mensalão às claras. 
Os militares mantiveram o Congresso porque queriam criar uma democracia de dois partidos somente, um de oposição e um de situação, o MDB e a ARENA. 
Eles queriam que nossos políticos aprendessem a viver num regime democrático onde a oposição jamais aceitaria um mensalão nem uma comissão, porque eles são o partido de oposição, e não um dos 35 partidos aliados. 
Os militares, no início pelo menos, queriam uma democracia funcional, com dois partidos atuantes. 
Um partido conservador, aquele que acredita em pequenas mudanças, mas continuadamente. 
E um partido de esquerda, aquele que quer mudar tudo que está aí, e fazer uma única revolução para depois nada mais mexer. 
O problema de partidos conservadores está na definição de pequenas mudanças, e quão frequentes. Podem ser pequenas demais e muito pouco frequentes. 
Um partido de esquerda em oposição é a melhor forma de manter o partido conservador atuante, com mudanças frequentes o tempo todo. 
E, um partido conservador em oposição é a melhor forma para obrigar uma esquerda a continuar a fazer mudanças depois da "revolução". 
Um partido de oposição é excelente, 34 partidos aliados uma desgraça. Infelizmente, os militares brasileiros foram totalmente boicotados pela ala que queria um único partido, sem oposição. 
Foram estes que deram força aos militares mais radicais e gerou o AI5 e o fim da nossa democracia de 2 partidos, que não conseguimos implantar até hoje. 
Portanto, não é o mensalão o verdadeiro problema. 
O problema são aqueles que querem um partido único neste país, sem Supremo Tribunal, sem liberdade de imprensa. 
E aqueles que querem 35 partidos aliados ao governo, desfrutando benesses sem fazer nada. 
 Os únicos que queriam somente 2 partidos eram uns poucos militares que já morreram, e que todos os nossos intelectuais e membros da velha imprensa querem que sejam esquecidos. Agora você sabe o porquê. Por:Stephen Kanitz

sábado, 2 de junho de 2012

A ESSÊNCIA DO CONSERVADORISMO

O conservador suspeita de todos os esquemas utópicos. Ele não acredita que, pelo poder do direito positivo, nós podemos resolver todos os problemas da humanidade. Podemos ter a esperança de fazer nosso mundo tolerável, mas não podemos torná-lo perfeito. Uma amiga minha, a quem chamaremos senhorita Worth, teve uma conversa com uma vizinha – senhora Williams, digamos – que, no dia anterior, havia vendido um belo prédio antigo, há muito tempo pertencente à sua família, o qual seria demolido para que muitos automóveis usados fossem postos a venda no lugar. A senhora Williams tinha certos arrependimentos; mas, disse ela em caráter definitivo, “você não pode parar o progresso”. Ela ficou surpresa com a resposta da senhorita Worth, que foi esta: “Não, muitas vezes não; mas você pode tentar”. A Senhorita Worth não acreditava que o Progresso, com P maiúsculo, é uma coisa boa em si mesma. O Progresso pode ser bom ou mau, dependendo da direção a qual se está progredindo. É perfeitamente possível, e não raramente ocorre, de se progredir em direção à beira de um precipício. O pensamento conservador, jovem ou antigo, acredita que todos nós devemos obedecer à lei universal da mudança; mas muitas vezes está em nosso poder escolher quais mudanças aceitaremos e quais mudanças rejeitaremos. O conservador é uma pessoa que se esforça para conservar o que há de melhor em nossas tradições e em nossas instituições, conciliando o que é melhor com a reforma necessária de tempos em tempos. “Conservar” significa “salvar”... (Considere) a maldição do cupido: “Aqueles que mudam o amor antigo pelo novo, oram aos deuses para mudá-lo para pior.” Um conservador não é, por definição, um egoísta ou uma pessoa estúpida; em vez disso, ele é uma pessoa que acredita que há alguma coisa em nossa vida que vale a pena salvar. Conservadorismo, na verdade, é uma palavra com um significado antigo e honrado – mas, um significado quase esquecido pelos americanos até anos recentes. Abraham Lincoln queria ser conhecido como um conservador. “O que é o conservadorismo?”, disse ele. “Não é a preferência pelo antigo e experimentado, acima do novo e do não testado?” É isso; e é também um corpo de convicções éticas e sociais. Porém, a palavra “liberalismo” tem sido preferida entre nós por duas ou três décadas. Mesmo hoje em dia, embora haja um bom número de conservadores nas políticas nacional e estadual, em nenhum grande partido muitos líderes políticos descrevem a si mesmos como “conservadores”. Paradoxalmente, o povo dos Estados Unidos se tornou a principal nação conservadora do mundo exatamente quando deixou de chamar a si mesmo de conservador em seu próprio país. No entanto, com a nossa severa oposição ao radicalismo dos soviéticos e nosso repúdio nacional do coletivismo em todas as suas variedades, um bom número de americanos agora têm muitas dúvidas quanto ao desejo de serem chamados liberais ou radicais. Os liberais, por um bom tempo, foram derivando para a esquerda em direção a seus primos radicais; e o liberalismo, nos últimos anos, passou a significar um anexo para o Estado centralizado e para a impessoalidade sombria do Brave New World, de Huxley, ou de 1984, de Orwell. Homens e mulheres que não se consideram liberais ou radicais estão começando a perguntar a si mesmos no que acreditam e do que deveriam se chamar. O sistema de ideias opostas ao liberalismo e ao radicalismo é a filosofia política conservadora. O que é o Conservadorismo? O conservadorismo moderno tomou forma por volta do início da Revolução Francesa, quando homens de grande visão na Inglaterra e na América perceberam que, se a humanidade existe para conservação dos elementos da civilização que tornam a vida digna de ser vivida, algum corpo coerente de ideias deve resistir ao nivelamento e ao impulso destrutivo de revolucionários fanáticos. Na Inglaterra, o fundador do verdadeiro conservadorismo foi Edmund Burke, cujas Reflections on the Revolution in France mudaram o rumo da opinião pública britânica e influenciaram incalculáveis líderes da sociedade no Continente e na América. Nos recém-criados Estados Unidos, os fundadores da República, conservadores por formação e por experiência prática, estavam determinados a moldar a Constituição que deveria guiar a sua posteridade em caminhos duradouros de justiça e liberdade. Nossa Guerra de Independência Americana não foi uma revolução real, mas antes uma separação da Inglaterra; estadistas de Massachusetts e da Virgínia não desejavam virar a sociedade de cabeça para baixo. Em seus escritos, sobretudo nos trabalhos de John Adams, Alexander Hamilton e James Madison, nós encontramos um conservadorismo sóbrio e provado, fundado sobre uma compreensão da história e da natureza humana. A Constituição que os líderes daquela geração elaboraram tem provado ser o dispositivo conservador mais bem sucedido em toda a história. Os líderes conservadores, desde Burke e Adams, subscreveram certas ideias que podemos demonstrar, resumidamente, mediante definição. Os conservadores desconfiam do que Burke chamou “abstrações” - isto é, absolutos dogmas políticos divorciados da experiência prática e das circunstâncias particulares. Eles acreditam, todavia, na existência de certas verdades permanentes que regem a conduta da sociedade humana. Talvez, os princípios mais importantes que têm caracterizado o pensamento conservador americano são estes: 1. Homens e nações são governados por leis morais; e essas leis têm a sua origem em uma sabedoria superior à humana – a justiça divina. No fundo, problemas políticos são problemas morais e religiosos. O estadista sábio procura apreender a lei moral e reger sua conduta adequadamente. Nós temos uma dívida moral para com nossos antepassados, que nos concederam nossa civilização, e um dever moral para as gerações que virão depois de nós. Esta dívida foi ordenada por Deus. Portanto, não temos o direito de, impudentemente, mexer com a natureza humana ou com tecido delicado de nossa ordem social civil. 2. Variedade e diversidade são as características de uma grande civilização. Uniformidade e igualdade absoluta são a morte de todo verdadeiro vigor e liberdade na existência. Conservadores resistem, com imparcial virilidade, à uniformidade de um tirano ou de uma oligarquia e à uniformidade a qual Tocqueville chamou “despotismo democrático”. 3. Justiça significa que todo homem e toda mulher têm direito ao que lhes é próprio – às coisas que melhor se adaptam à sua própria natureza, às recompensas de sua capacidade e integridade, à sua propriedade e à sua personalidade. A sociedade civilizada requer que todos os homens e mulheres tenham direitos iguais diante da lei, mas essa igualdade não deve se estender à igualdade de condição: isto é, a sociedade é uma grande associação, na qual todos têm direitos iguais – mas não para igualar coisas. A sociedade justa requer liderança sólida, recompensas diferentes para habilidades diferentes e um senso de respeito e dever. 4. Propriedade e liberdade são inseparavelmente conectadas; nivelamento econômico não é progresso econômico. Os conservadores valorizam a propriedade para seu próprio interesse, é claro; mas a valorizam muito mais porque, sem ela, todos os homens e mulheres estão a mercê de um governo onipotente. 5. O poder é repleto de perigos; portanto, o bom estado é aquele no qual o poder é controlado e equilibrado, restringido por constituições e costumes sólidos. Na medida do possível, o poder político deve ser mantido nas mãos de instituições privadas e locais. A centralização é normalmente um sinal de decadência social. 6. O passado é um grande depósito de sabedoria; como Burke disse, “o indivíduo é tolo, mas a espécie é sábia.” Os conservadores acreditam que precisamos nos guiar pelas tradições morais, pela experiência social e por todo o complexo corpo de conhecimentos legados a nós por nossos antepassados. Os apelos conservadores estão para além da opinião precipitada do momento, pela qual Chesterton os denominava de “a democracia dos mortos” - isto é, as opiniões consideradas dos homens e mulheres sábios que morreram antes de nosso tempo, a experiência da espécie humana. O conservador, em suma, sabe que não nasceu ontem. 7. A sociedade moderna necessita urgentemente de uma verdadeira comunidade: e verdadeira comunidade é um mundo distante do coletivismo. A comunidade autêntica é regida por amor e caridade, não por força. Através de igrejas, associações voluntárias, governos locais e uma variedade de instituições, os conservadores se esforçam para manter a comunidade saudável. Os conservadores não são egoístas, mas zelosos do bem-estar público. Eles sabem que o coletivismo significa o fim da comunidade genuína, e substituem uniformidade por variedade e força por cooperação voluntária. 8. Nos assuntos das nações, o conservador americano acredita que seu país deve ser um exemplo para o mundo, mas que não deve tentar reconstruir o mundo à sua imagem. É uma lei da política, bem como da biologia, que todo ser vivente ama, acima de tudo – até mesmo acima de sua própria vida –, sua identidade distintiva, que o diferencia de todos os outros seres. O conservador não aspira à dominação do mundo, nem aprecia a perspectiva de um mundo reduzido a um padrão único de governo e de civilização. 9. Os conservadores sabem que homens e mulheres não são perfectíveis; e nem o são as instituições políticas. Nós não podemos criar um paraíso na Terra, embora possamos fazer um inferno. Somos todos criaturas nas quais bem e mal estão misturados; e, quando as boas instituições negligenciam e ignoram os antigos princípios morais, o mal tende a predominar em nós. Por isso, o conservador suspeita de todos os esquemas utópicos. Ele não acredita que, pelo poder do direito positivo, nós podemos resolver todos os problemas da humanidade. Podemos ter a esperança de fazer nosso mundo tolerável, mas não podemos torná-lo perfeito. Quando o progresso é alcançado, o é através do reconhecimento prudente das limitações da natureza humana. 10. Os conservadores estão convencidos de que mudança e reforma não são idênticas: inovação política e moral pode ser tanto destrutiva como benéfica; e se a inovação é empreendida com espírito de presunção e entusiasmo, provavelmente será desastrosa. Todas as instituições humanas, em certa medida, se alteram de época para época, pois o lento processo de mudança é o meio de conservar a sociedade, exatamente como é, para o corpo humano, o meio de sua renovação. Mas, os conservadores americanos se esforçam para conciliar o crescimento e as modificações essenciais para nossa vida com a força de nossas tradições sociais e morais. Com Lord Falkland, eles dizem: “quando não é necessário mudar, é necessário não mudar.” Eles entendem que homens e mulheres são mais satisfeitos quando podem sentir que vivem em um mundo estável de valores duradouros. O conservadorismo, então, não é simplesmente o interesse das pessoas que têm muitas propriedades e influência; não é simplesmente a defesa de privilégios e de status. A maioria dos conservadores não são nem ricos nem poderosos. Porém, eles fazem até mesmo o mais simples deles obter grandes benefícios de nossa República estabelecida. Eles têm liberdade, segurança pessoal e de sua casa, igual proteção das leis, o direito aos frutos de sua indústria e oportunidade para fazer o melhor que neles há. Eles têm um direito de personalidade em vida e um direito de consolo na morte. Os princípios conservadores são o abrigo das esperanças de todos na sociedade. E o conservadorismo é um importante conceito social para todo aquele que deseja justiça igualitária e liberdade pessoal e todos os amáveis caminhos antigos da humanidade. O conservadorismo não é simplesmente uma defesa do “capitalismo”. (“Capitalismo”, na verdade, é uma palavra cunhada por Karl Marx, projetada desde o início para significar que a única coisa defendida pelos conservadores é a grande acumulação de capital privado.) Mas, o que o verdadeiro conservador faz corajosamente é defender a propriedade privada e uma liberdade econômica, ambas para seu próprio bem e porque elas são meios para atingir grandes fins. Esses grandes fins são mais do que econômicos e políticos. Eles envolvem dignidade humana, personalidade humana, felicidade humana. Eles envolvem até mesmo o relacionamento entre Deus e o homem. Pois o coletivismo radical de nossa época é ferozmente hostil a qualquer outra autoridade: o radicalismo moderno detesta a fé religiosa, a virtude privada, a individualidade tradicional e a vida de satisfações simples. Tudo o que vale a pena ser conservado está ameaçado em nossa geração. A mera oposição negativa e irracional à corrente de acontecimentos, agarrando-se com desespero ao que ainda mantemos, não será suficiente nesta época. Um conservadorismo de instinto deve ser reforçado por um conservadorismo de pensamento e imaginação. Original adaptado de The Intelligent Woman’s Guide to Conservatism (New York: The Devin-Adair Company, 1957). Do Russell Kirk Center. Tradução: José Junio Souza da Costa

A TEMIDA GREVE DA ALIMENTAÇÃO PÚBLICA

Um exercício de imaginação: como seria se a alimentação, feito o transporte público, fosse gerida pelo governo? Má qualidade, filas e corrupção Depois de uma semana de greves de metrôs e ônibus pelo país, políticos e especialistas voltaram a repetir as opiniões de sempre. Dizem que é preciso haver mais planejamento do poder público, que o governo precisa investir mais no transporte coletivo, que a mobilidade urbana deve ser prioridade etc. Recomendações assim são como oferecer uísque a alcoólatras: o remédio que se receita é precisamente a causa do problema. O que impede a melhoria do transporte não é a falta de cuidado do governo, e sim o monopólio público sobre o transporte coletivo. Para chegar a essa constatação, basta imaginar uma notícia comum nos últimos dias tratando de outro serviço essencial: a alimentação. “A semana foi de muito transtorno para quem precisa se alimentar fora de casa. Greves de garçons e cozinheiros paralisaram os serviços de mais de 30 mil restaurantes, padarias e lanchonetes que formam o sistema de alimentação pública municipal. Os trabalhadores pedem aumento real e reajuste dos abonos salariais. Não houve acordo entre o governo e o sindicato até o fim da noite de ontem. Na capital, 6 milhões de pessoas utilizam diariamente o serviço de alimentação coletiva. Todos os estabelecimentos que vendem comida pronta são operados sob concessão por apenas 16 consórcios e cooperativas. A prefeitura e o governo estadual supervisionam a distribuição dos prato feitos e comerciais, planejam o sistema e realizam os repasses para as concessionárias. Sem ter a quem recorrer diante da paralisação dos serviços, usuários chegaram a depredar bares e restaurantes. Outros se arriscaram em lanchonetes clandestinas, aquelas que não foram escolhidas nas licitações do governo e por isso atuam à margem do sistema de abastecimento da cidade. O que impede a melhoria do transporte não é a falta de cuidado do governo, e sim o monopólio público sobre o transporte coletivo A prefeitura alerta que esses serviços, além de ilegais, trazem diversos riscos para os usuários. O sistema oficial, porém, é mal avaliado pelos cidadãos. Pesquisa recente mostra que o número total de queixas à prefeitura contra as comedorias saltou de 119.755, em 2010, para 143.901, em 2011. A demora no atendimento ficou em primeiro lugar entre as dez principais reclamações. Outras queixas comuns são o desrespeito dos garçons, a pouca variação do cardápio e a falta de limpeza nas instalações. O prefeito prometeu ontem mais investimentos na área. ‘Até 2013, esperamos reduzir para 40 minutos o tempo de espera para o almoço’, disse. Ele negou que o aumento dos salários dos garçons e cozinheiros resulte em aumento da tarifa do prato feito, hoje em R$ 30. O Ministério Público investiga supostos repasses ilegais da prefeitura a concessionárias, que fizeram expressivas doações de campanha na última eleição. Os promotores acreditam que esses repasses seriam o principal motivo para a comida custar tão caro mesmo sendo subsidiada pelo governo. Analistas afirmam que seria melhor que o governo deixasse para a iniciativa privada toda a venda de comida pronta. A concorrência entre padarias, botecos e restaurantes, argumentam eles, levaria diversidade e qualidade ao setor, atrairia a classe média e ainda baixaria o custo do serviço popular, como acontece em centenas de outros ramos da economia. Para os analistas, a livre iniciativa e a concorrência poderiam até fazer a cidade ser mundialmente conhecida por seus restaurantes. O sindicato dos garçons, a prefeitura, a associação das concessionárias, o Ministério Público e o governo estadual reagiram veementemente a essa proposta, que qualificaram de ‘irresponsável e neoliberal’. Para as entidades, a ausência do Estado na alimentação poderia resultar na falta de lanchonetes em áreas distantes, além do desabastecimento de comida na cidade. ‘Se algum dia entregarmos o setor de restaurantes a empresários comprometidos apenas com o lucro, criaremos um completo caos’, disse o prefeito.” Por:Por Leandro Narloch, Rodrigo Constantino e Anthony Ling Fonte: Folha de S. Paulo, 31/05/2012

O MAIS CRUEL DOS DIAS...

O mais cruel dos dias para quem tem culpa no cartório confirma que a esperteza, quando é muita, fica grande e come o dono.

Neste sábado, os leitores de VEJA serão confrontados com informações que renovam o prazo de validade da lição de Tancredo Neves: a esperteza, quando é muita, fica grande e come o dono. 
Provas documentais obtidas pela revista atestam que os arquitetos da CPI do Cachoeira, concebida para embaralhar o julgamento do mensalão, montaram uma lista de alvos prioritários que incluiu ministro Gilmar Mendes, o procurador-geral Roberto Gurgel e jornalistas independentes. 
Ruins de mira, os artilheiros trapalhões acabaram acertando o próprio pé ou a testa de bandidos de estimação. 
Depois da quebra do sigilo bancário e fiscal da Construtora Delta, o que deveria ser uma devassa restrita ao estado de Goiás escapou do controle dos parteiros. 
A cachoeira de patifarias vai se mostrando suficientemente caudalosa para alcançar pecadores em qualquer ponto do país ─ e provocar estragos de bom tamanho no coração do poder. 
No mais cruel dos dias para quem tem culpa no cartório, o Brasil soube que o empreiteiro Fernando Cavendish utilizou empresas fantasmas, “laranjas” e notas frias para justificar a saída de dinheiro destinado a figurões incumbidos de ampliar a coleção de contratos multimilionários com o PAC e com governos estaduais. 
Cavendish valeu-se dessas vigarices para alugar, por exemplo, os serviços de “consultoria” do mensaleiro José Dirceu, escalado para aumentar a fatia reservada à Delta entre os fornecedores da Petrobras. 
Dirceu, uma usina de ideias de jerico, foi um dos mais vibrantes defensores da instauração da CPI. 
Não vai dormir por alguns dias. Talvez o console a certeza de que é só mais um na multidão de companheiros afetados pela epidemia de insônia.Por: Augusto Nunes

RITMO DE EXPANSÃO DO BRASIL PERDE ATÉ PARA NAÇÕES EM CRISE

Quando se toma o ritmo de expansão das economias no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado, o Brasil figura apenas na 22ª posição entre os 33 países que já divulgaram os seus dados. E se distancia de seus pares do Brics (grupo das cinco maiores economias emergentes, Rússia, Índia, China e África do Sul), aproximando-se das economias mais afetadas pela turbulência europeia, como os Estados Unidos (2,1%) e Alemanha (1,7%). A China, que cresceu 8,1% de janeiro a março, aparece no topo do ranking, com a Índia em quarto (5,3%) e a Rússia em quinto (4,9%). Com expansão de 2,1%, a África do Sul é a 14 no ranking, oito postos à frente do Brasil. 

 No fim da lista, que tem a Grécia como lanterna (em 33 lugar, com retração de 6,2% no PIB trimestral), estão ainda Portugal (32 colocação e queda de 2,2%), a Itália (31 lugar e PIB negativo de 1,3%) e a Holanda (30 colocação, cujo PIB encolheu 1,1%).”O Brasil é um país com características semelhantes às dos grandes emergentes mas que cresce no ritmo dos europeus”, compara Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, que compilou os dados para o ranking dos PIBs do primeiro trimestre. “Isso é reflexo dos problemas estruturais (Previdência, estrutura tributária, inexistência de planejamento de longo prazo) que persistem no país, cuja solução é adiada governo após governo”. 

 Mesmo com a economia quase estagnada no primeiro trimestre, o Brasil conseguiu se manter à frente do Reino Unido como a sexta maior economia do mundo. Mas a diferença conseguida no fim do ano passado, quando deslocou os britânicos para a sexta posição, agora é bem pequena: enquanto o PIB brasileiro acumulado nos quatro trimestres encerrados em março somava US$ 2,483 trilhões, o do Reino Unido era de US$ 2,417 trilhões. O cálculo é do banco WestLb e leva em conta o dólar médio do primeiro trimestre. Com a alta da moeda americana ante o real nos últimos dois meses, ressalva o banco, o país muito provavelmente voltaria para a sétima posição. “Não houve alteração no ranking comparando-se com o resultado fechado de 2011, apesar da diferença em relação ao Reino Unido ter diminuído. Mas o efeito do câmbio depreciado deve ser maior neste segundo trimestre”, diz Luciano Rostagno, estrategista-chefe do WestLb. 

 Estados Unidos se mantêm como maior economia No agregado dos quatro trimestres até março, os Estados Unidos se mantêm com folga no posto de maior economia do mundo, com PIB de US$ 15,4 trilhões, seguidos da China (US$ 7,56 trilhões), e do Japão (US$ 5,95 trilhões). Apesar do agravamento da crise na Europa, a Alemanha se mantém como a quarta economia, com geração de riquezas de US$ 3,5 trilhões. O PIB de US$ 2,76 trilhões garante a permanência da França em quinto.Por Ronaldo D’Ercole, no Globo

RATOS E COBRAS

Leio no caderno de Ciência do jornal O Globo sobre a grande conquista da neurociência: “Rato paralítico volta a andar”. Diz a matéria: “Uma técnica revolucionária que une estimulação neuronal e reabilitação com auxílio de uma espécie de vestimenta cibernética permitiu que ratos que perderam os movimentos das patas por causa de lesões graves na medula voltassem a anda e até correr em pouco tempo, uma esperança para pessoas com paralisia”. 

Fantástico! Por outro lado, o mesmo jornal noticia que certo Ratinho, com aspecto humano, recebeu o ex-presidente Lula para “entrevista” em seu programa no SBT. Não há estímulo neuronal ou vestimenta cibernética que faça esse Ratinho andar! Sua vocação é rastejar mesmo, como fazem as cobras. Conforme divulgou Lauro Jardim em sua coluna do Radar on-line, a primeira entrevista de Lula após o tratamento do câncer não foi capaz de alterar o ibope do programa, de apenas 8 pontos. 

Por falar em cobra, o ex-presidente Lula levou a tiracolo o candidato Fernando Haddad ao programa. Haddad, para quem não lembra, é aquele do “Kit Gay”, o ministro da Educação que conseguiu desmoralizar de vez com o Enem. É também autor de tese de mestrado sobre o sistema soviético, e de doutorado sobre Marx. 

O programa de entrevista acabou se transfigurando em campanha política do candidato esquerdista, em pleno ano eleitoral. Haddad teve até a cara-de-pau de lançar plataformas de campanha à prefeitura de São Paulo durante o programa, para tentar sair dos míseros 3% de intenção de votos até o momento. Já Lula, que preferiu não comentar as acusações do ministro Gilmar Mendes, encontrou espaço para afirmar que não vai “permitir” novamente um tucano na presidência. 

Todos sabem que o PT em geral e Lula em particular nunca demonstraram muito apreço pelas instituições republicanas, pela divisão de poderes e pelas leis eleitorais. Ainda assim, quando eu soube disso tudo, bateu-me um espírito de Galvão Bueno e automaticamente perguntei: Pode isso, Arnaldo?! Arnaldo não respondeu, mas sei o que qualquer juiz sério diria: cartão vermelho para eles! Por: Rodrigo Constantino

ECONOMIA BRASILEIRA VOLA AO PADRÃO DO VOO DA GALINHA

Com queda dos investimentos das empresas e do governo, o desempenho da economia brasileira no primeiro trimestre ficou abaixo das expectativas mais pessimistas -e os dados não prenunciam uma aceleração tão cedo. Segundo divulgou o IBGE, a produção nacional, reunindo indústria, agricultura e serviços, praticamente não cresceu no período e se mantém perto da estagnação desde a metade do ano passado, a despeito da queda dos juros e da sucessão de pacotes oficiais de estímulo. Tudo somado, o Produto Interno Bruto -ou seja, toda a renda gerada no país- medido de janeiro a março foi apenas 0,2% superior ao dos três meses anteriores. As previsões mais comuns no mercado e em Brasília variavam de 0,3% a 0,6%. O resultado não só é incompatível com a meta do governo Dilma Rousseff de um crescimento de 4,5% neste ano, já sepultada, como põe em risco até o prêmio de consolação de uma taxa acima dos modestos 2,7% de 2011. Não há um cenário de alarme, porque o desemprego se mantém baixo, preserva o consumo das famílias e atenua o desgaste político. Mas a estagnação ameaça as promessas de um caminho mais curto rumo ao desenvolvimento: desde o início do mandato da presidente, foram cinco trimestres consecutivos de expansão abaixo de 1%, o que não acontecia desde o final dos anos 90. PIOR FORA DA EUROPA Entre as maiores economias que já divulgaram os resultados do trimestre, o desempenho brasileiro é o pior fora da Europa. Detalhados, os números evidenciam o impacto da crise global sobre um dos calcanhares de aquiles da economia nacional: a escassez de investimentos para ampliar a capacidade produtiva. Diante das incertezas do quadro internacional, as obras de infraestrutura e as compras de máquinas e equipamentos tiveram a maior queda desde o colapso do final de 2008, no momento mais agudo da crise. Apenas 18,7% da renda nacional foram destinados aos investimentos, abaixo dos 19,5% há um ano. A política econômica tem como meta uma taxa de 25%, para que o crescimento do consumo interno possa ser atendido sem uma escalada da inflação ou das importações. "VOO DE GALINHA" Motor do crescimento na era Lula e alvo principal dos recentes pacotes de Dilma, o consumo das famílias se mantém em alta, mas não exibe mais o antigo fôlego. Para Armando Castelar, da Fundação Getúlio Vargas, o modelo de estimular o consumo de bens duráveis está esgotado. "As famílias estão endividadas. A inadimplência está em alta, apesar da queda do desemprego." Em consequência, o ritmo de expansão anual da economia é decrescente desde o salto de 7,5% comemorado em 2010. "Voltamos ao padrão do voo de galinha." O consumo é insuficiente para uma retomada vigorosa do comércio e dos serviços, que respondem por quase 70% do PIB e são os setores mais resistentes a crises. Para piorar, a agricultura teve resultado desastroso no trimestre em razão dos efeitos da seca no Sul em lavouras de soja. A indústria, setor mais afetado pela freada, teve crescimento, mas graças à comparação com o fraco desempenho no final de 2011. Sábado, Junho 02, 2012 Folha de S. Paulo

O PROBLEMA DA GRÉCIA É OUTRO! IGUAL AO DO BRASIL

O mundo está cansado de ler análises de acadêmicos, uns sugerindo que a Grécia saia do Euro, tipo Paul Krugman, e outros sugerindo que fique mas não acate as demandas da Alemanha, por exemplo. 

Este lenga lenga da Grécia já dura quase dois anos, e já são pelo menos quatro anos que seus problemas são conhecidos. 

Digamos que você é um Eike Batista, disposto a investir. Responda a uma destas questões. 

1. Você investiria na Grécia sabendo que ela decidiu não sair do Euro, e já faz seis meses que está seguindo o prometido? 

 2. Você investiria na Grécia sabendo que ela já saiu do Euro, e já se passaram os piores seis meses e as coisas estão melhorando? 

 3. Você investiria na Grécia não sabendo se ela fica ou sai do Euro, e lendo todas estas análises pró e contra? 

O problema da Grécia é que ela não toma decisões. 

E quem não toma decisões permite que problemas acumulem, não só para si, mas para os outros, como agora a Espanha. 

A inércia de um único país com menos que 2% do PIB da Europa, está começando a contaminar os 98% restantes. Por quê? 

 A Grécia também é gerida por amadores e acadêmicos perfeccionistas que preferem tomar decisões 100% certas, mesmo que demorem quatro anos, do que tomar decisões 80% certas, e rapidamente, correndo o risco de não analisar uma saída academicamente perfeita.  

O Brasil vem acumulando problemas, minha gente, como a Grécia. 

 Como faz falta um Henrique Meirelles neste governo, que pelo jeito abandonou o seu sonho de ser político. Dilma está agora consultando acadêmicos que acham que o Brasil é a fabrica de alfinetes da época de Adam Smith, onde uma intervenção aqui e ali de fato funcionava. 

Acontece que a economia brasileira é muito mais complexa do que isto, e intervir sem entender direito as consequências não previstas é um crime administrativo. Investidores internacionais estão fugindo em pânico do Brasil, razão desta queda de 69.000 para 53.000 pontos da Bolsa. 

A prisão dos executivos da Chevron, a ajuda parcial à Ford e GM, o SuperCade, o BNDES, estão mostrando que seremos novamente um país comandado não por regras éticas, mas por caprichos acadêmicos de desenvolvimentistas que nunca trabalharam na vida, mas sabem tudo do assunto. Por: Stephen Kanitz

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A GRANDE CHANCE DO PLANETA

Sendo mais velhos, estivemos envolvidos na vida pública por um longo período. Sabemos que mudanças levam tempo. Mas nosso otimismo está sendo testado pela falta de urgência na reta final para a Rio+20, este mês. O encontro é uma oportunidade histórica de traçar um futuro sustentável. Mas, neste momento, há uma real chance de esta oportunidade ser desperdiçada. Os países estão divididos sobre meios e fins. A situação causa profunda preocupação. O sucesso, ou o fracasso, da Rio+20 terá profundas repercussões: definirá as aspirações de 3,5 milhões de jovens e dará forma ao mundo que deixaremos às futuras gerações. Foi, é claro, na primeira Cúpula da Terra, há 20 anos, no Rio, que nossa geração de líderes admitiu que focar apenas no crescimento econômico não era mais possível. Num notável rompimento com o passado, reconheceu-se que, num mundo de recursos finitos, o desenvolvimento teria de ir junto com o progresso social e a proteção ao meio ambiente, respeitando o direito de cada país se desenvolver. Nas últimas duas décadas, a ideia do desenvolvimento sustentável revolucionou o pensamento de milhões. O entendimento de nossa responsabilidade comum ajudou a levar 189 líderes mundiais a concordar, em 2000, com a Declaração do Milênio, que abriu caminho às Metas de Desenvolvimento do Milênio. Em muitos países, testemunhamos ação determinada para reduzir a poluição e investir em energia renovável. Quanto mais aprendemos, mais entendemos a gravidade do desafio. E ainda não vimos a necessária coragem e vontade política para transformar boas intenções em ação coletiva efetiva. O resultado de nossa inação está por toda parte. Padrões insustentáveis de produção e consumo continuam a impor demanda excessiva sobre recursos naturais, como a água. A desigualdade entre os países, e dentro deles, aumenta. Crise financeira e preços elevados dos alimentos ampliam o desafio: uma em cada sete pessoas não tem o bastante para comer hoje. A Rio+20 dá aos líderes internacionais a oportunidade de se reunirem para acelerar o progresso das duas últimas décadas. Em primeiro lugar, precisamos aprender com o sucesso das Metas de Desenvolvimento do Milênio. O esforço deve ser intensificado nos anos que restam até 2015. Em segundo, é necessário achar formas de manter o desenvolvimento sustentável no topo da agenda global. Acreditamos que a criação de um conselho, com posição proeminente na ONU, um mandato claro, capacidade e autoridade, poderia fazer a diferença. Em terceiro, a iniciativa energia Sustentável para Todos, do secretário-geral da ONU, requer apoio mais decisivo. A poluição continua sendo um dos maiores problemas mundiais de saúde pública. Precisamos de investimentos para reduzir o uso de combustíveis baseados no carbono e aumentar a eficiência energética. Finalmente, o verdadeiro desenvolvimento sustentável se articula com progresso mais rápido em direção à igualdade de gêneros. Em todo o mundo, as mulheres ainda enfrentam barreiras que as impedem de exercer em plenitude seu papel em nossas economias, parlamentos e sociedades. Se desperdiçamos metade do talento e do potencial mundial, simplesmente não podemos ter sucesso. É nossa responsabilidade - como empresas, membros da sociedade civil e indivíduos - ajudar o crescimento de nossas economias de uma forma que beneficie a todos e salvaguarde o planeta para as futuras gerações. Mas apenas os governos, juntos, podem criar condições para que os esforços sejam bem-sucedidos. Esta é a razão pela qual a Rio+20 é um momento para coragem e visão. Por:FERNANDO HENRIQUE CARDOSO é ex-presidente do Brasil e GRO HARLEM BRUNDTLAND foi primeira-ministra da Noruega.

ATO FALHO

A coisa mais óbvia do mundo é que o golpe de 1964 no Brasil nunca teria acontecido se o presidente João Goulart não tivesse se acumpliciado a Fidel Castro nos seus planos de revolução continental. Um precedente histórico sangrento pode ilustrar a deformidade mental que inspira os trabalhos da Começão de Dinheiro Público, a que um lance de humorismo macabro deu o nome de "Comissão da Verdade". O mundo inteiro sabe do genocídio ruandês ocorrido em 1994, quando, segundo a versão consagrada, a maioria de raça hutu matou a tiros, facadas e machadadas 75% da minoria tutsi – mais de um milhão de pessoas. No curso do morticínio, os tutsis também cometeram crimes, mas o Tribunal Penal Internacional decidiu não investigá-los, sob o pretexto edificante de que estavam previamente justificados como reações compreensíveis da minoria oprimida à violência da maioria agressora. Resultado: os hutus e principalmente seus comandantes militares entraram para os anais da crueldade universal como autores únicos e exclusivos de um massacre despropositado, politicamente inútil e moralmente abjeto. Bernard Lugan, o maior historiador de assuntos africanos que o Ocidente já conheceu, atualmente professor da Universidade de Lyon, trabalhou como consultor do Tribunal e publicou dois livros a respeito da tragédia ruandesa, subscrevendo a narrativa oficial. Decorridos treze anos da sentença, Lugan teve acesso a uma documentação mais completa e, num exemplo raro de coragem e honradez intelectual, confessou que ele e o Tribunal estavam completamente errados: 1) Quem começou a briga foi o general tutsi Paul Kagame, que mandou explodir com dois mísseis soviéticos o avião em que viajava o presidente ruandês Juvenal Habyarimana e, por meio de um golpe de Estado, se fez presidente de Ruanda com o apoio de uma minoria eleitoral ínfima. 2) O massacre não foi iniciativa unilateral dos hutus, mas um conflito generalizado em que as duas facções combatentes agiram de maneira igualmente criminosa: no fim das contas, morreram 600 mil tutsis e 500 mil hutus. A denominação mesma de "genocídio" acaba se revelando inadequada para descrever os acontecimentos, mais propriamente definidos, portanto, como genuína guerra civil. 3) Na confusão que se seguiu ao assassinato do presidente Habyarimana, os militares hutus não cederam a nenhuma tentação de golpe de Estado, mas fizeram o possível para manter a ordem constitucional, acabando por perecer como vítimas de um legalismo abstrato que, naquelas condições, se revelou incapaz de controlar a fúria popular. 4) A minoria tutsi havia governado Ruanda pacificamente durante séculos, amparada num prestígio de casta que a maioria aceitava sem reclamar. Foi a ONU que introduziu à força o critério democrático do "governo da maioria", quebrando de repente a ordem tradicional e desencadeando a crise que culminaria na guerra civil. O resultado final do conflito foi a derrota da democracia impossível e o retorno ao velho sistema africano do governo de casta... com o apoio da própria ONU. 5) A pressão do movimento anticolonialista internacional, em que a URSS e os EUA se deram as mãos, numa estratégia conjunta para a destruição das potências coloniais europeias, forçou o exército francês a se retirar de Ruanda em dezembro de 1993, deixando o país à mercê de tropas nacionais obviamente incapazes de manter a ordem: quatro meses depois, começava a guerra civil, que jamais teria acontecido se os soldados franceses ainda estivessem ali presentes. Ao recusar-se a investigar os crimes cometidos pelos tutsis, a ONU não fez senão camuflar, sob a infalível retórica humanitária , a sua própria parcela de responsabilidade – a maior de todas, sem dúvida -- na produção do morticínio. Se puderem, leiam Rwanda: Contre-Enquête sur le Genocide, Toulouse, Éditions Privat, 2007, onde o grande historiador se revela também um grande homem. Mutatis mutandis, a coisa mais óbvia do mundo é que o golpe de 1964 no Brasil nunca teria acontecido se o presidente João Goulart não tivesse se acumpliciado a Fidel Castro nos seus planos de revolução continental, chegando a acobertar as guerrilhas que já em 1963 estavam em plena atividade no Nordeste brasileiro, orientadas diretamente desde Cuba e sob a direção local do chefe das Ligas Camponesas, Francisco Julião. Quando exclui do seu campo de investigações os crimes cometidos pela esquerda terrorista, a “Comissão da Verdade”, que não passa de uma vulgar equipe de propaganda a serviço da esquerda dominante, busca varrer para baixo do tapete fatos essenciais que, divulgados como merecem, desfariam em pó a lenda de que as guerrilhas nacionais foram uma reação "democrática" ao regime militar instalado no País em abril de 1964 – quase um ano depois de descoberta a guerrilha de Julião. Ao inaugurar a porcaria, o ex-ministro José Carlos Dias, que tem uma longa folha de serviços prestados à esquerda revolucionária, incorreu num ato falho freudiano quando declarou: "Não seremos os donos da verdade, mas seus perseguidores obstinados." O verbo "perseguir" tem às vezes a acepção de "buscar", porém mais frequentemente significa, segundo o dicionário Caldas Aulete, "atormentar, castigar, punir, fazer violência". A Comissão, portanto, já começou a mostrar serviço. Perseguida e acossada, a verdade histórica não tem ali a menor chance de prevalecer.ESCRITO POR OLAVO DE CARVALHO Publicado no Diário do Comércio.

JURISTAS LEGALIZAM CHUVA

A Comissão de Juristas do Senado, que discute mudanças no Código Penal, aprovou ontem proposta para descriminalizar o porte de drogas para consumo próprio. Pelo texto, não haveria mais crime se um cidadão fosse flagrado usando entorpecentes. Atualmente, a conduta ainda é considerada crime, mas sujeita à aplicação de penas alternativas. É o que leio nos jornais. Os doutos senhores, ao que tudo indica, acabam de declarar que a chuva é legal. Em todas as metrópoles do país, zumbis fumam crack a céu aberto, muitas vezes com a presença complacente da polícia, e uma Comissão de Juristas vem agora propor a descriminalização das drogas. O senhores juristas incorrem no mesmo ridículo das passeatas da maconha, que pretendem legalizar o que há muito é permissível. A lei que criminalizava o uso das drogas desde há muito virou letra morta e só agora os legisladores parecem ter percebido a mudança. Nada de novo tenho a dizer sobre o assunto. Ano passado, a Veja nos trazia a surpreendente revelação de que drogas eram consumidas livremente no principal prédio da Universidade de Brasília, inclusive em salas de aula. O site publicava um vídeo com flagrantes de uma festa organizada por alunos da Biologia, onde cerca de 3.000 pessoas participavam do evento, que teve a apresentação de bandas de rock. “Um breve passeio era suficiente para constatar a disseminação da droga no local. Jovens não se preocupavam em esconder a prática e preparavam cigarros de maconha na frente de todos. Grupos usavam salas de aula para dividir os entorpecentes. Tudo dentro do Instituto Central de Ciências (ICC), o prédio-símbolo da universidade. “A Polícia Militar não foi vista no mal iluminado câmpus Darcy Ribeiro, localizado a quatro quilômetros do Congresso Nacional. Em greve, agentes de segurança da universidade também não incomodaram os usuários. Dois porteiros do prédio pareciam cochilar. Não havia qualquer controle que impedisse a presença de menores de idade no local”. Desde há muito as drogas vêm sendo consumidas livremente nas universidades de todo o país. Os campi constituem verdadeiros templos onde os drogados buscam refúgio. Os alunos da USP, sem ir mais longe, preferem arriscar-se a assaltos e estupros a serem perturbados pela presença da polícia. A universidade, no Brasil, é o foco disseminador de duas pragas, as drogas e o marxismo. Isso sem falar em outros males gálicos, como o estruturalismo, lacanismo, desconstrutivismo. Estes, pelo menos não tão letais. As drogas se popularizaram no Brasil através da universidade. Nos tempos em que vivi na Fronteira gaúcha, maconha ou cocaína eram coisas da capital. Bastou a universidade chegar lá e as ruas foram tomadas, à noite, por bandos de jovens drogados. Que o digam Dom Pedrito, Bagé, Livramento. Assim como a universidade, a droga chegou na Campanha para ficar. No final dos anos 50, droga era coisa de marginais. Lembro de ter visto reportagem na revista Cruzeiro, em que um repórter deixava crescer a barba para infiltrar-se junto a presidiários. Na época, antes ainda da tomada do poder em Cuba por Castro e Guevara, barba era distintivo de bandido. Era preciso descer ao “tenebroso mundo do crime” para se conhecer os meandros do mundo da droga. A maconha era conhecida como a erva do diabo. Só tornou-se coisa de gente fina quando passou a ser consumida pelos universitários americanos. Com um nome que indicava sua procedência mexicana, marijuana. Com os Woodstocks e Beatles e roqueiros da vida, a cannabis ganhou status acadêmico. Não por acaso o fumacê brasiliense era animado por bandas de rock. Rock e drogas sempre andaram juntos. Como pretendem as autoridades combater as drogas quando o país recebe de braços abertos Beatles, Rolling Stones et caterva, os grandes difusores internacionais das drogas? Obviamente, nenhum dos alunos que participaram da festa regada a drogas na UnB foi desligado da universidade. Como não foram desligados da PUC de São Paulo, nem da Estácio de Sá no Rio, nem da USP, nem da UFSC ou da UFRGS, nem da Urcamp ou da Funba. Curta é a memória das gentes. Droga se tornou uma questão de equilíbrio social. Pelo jeito ninguém mais lembra quando, em 2003, Anthony Garotinho, então secretário de Segurança do Rio de Janeiro, ficou seriamente preocupado com o caos social decorrente do fim do tráfico: "Imagine se nós conseguíssemos fechar todas as bocas-de-fumo por uma semana e não fosse vendido um papelote de cocaína ou um grama de maconha? O que aconteceria com 700 mil pessoas depois de três dias sem usar droga, em crise de abstinência?” Toda política de repressão às drogas tem redundado em rotundo fracasso. Nos fins de semana em São Paulo – ou em qualquer capital do país – é mais fácil encontrar um baseado do que um melhoral. Que esperam as autoridades para legalizar o consumo de drogas? Ora, direis, então se não se pode combater o roubo e o assassinato, legalize-se tanto o roubo como o assassinato. O argumento não procede. O assassinato tira uma vida, o roubo subtrai bens. A droga não tira nada de ninguém. É o que se chama de crime sem vítima. Não faltará quem argumente que vítima sempre há, no caso o usuário. Pode ser. Mas suicídio não está tipificado como crime em nosso Código Penal. Se suicídio não é crime, porque criminalizar a pressa com que uma pessoa se suicida? A douta Comissão do Senado sugeriu, porém, uma ressalva para a hipótese do uso de drogas. A pessoa poderá responder a processo caso consuma "ostensivamente substância entorpecente em locais públicos, nas imediações de escola ou outros locais de concentração de crianças ou adolescentes ou na presença destes". Nessa hipótese, o usuário ficará sujeito a cumprir uma pena alternativa, se for condenado. A pena envolveria uma advertência sobre os efeitos do consumo de drogas, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Alguém vai proibir raves ou shows de rock no país, que reúnem multidões de adolescentes? Duvido. Na última Virada Cultural organizada pela prefeitura paulistana, a droga correu nas ruas de São Paulo. Proibirá um dia a prefeitura a distribuição generalizada de drogas que ela própria patrocina? Os doutos juristas decidiram que, pela proposta, o simples fato de ser realizada venda de uma substância entorpecente seria considerado tráfico de drogas. — Se a pessoa é surpreendida vendendo, não importa a quantidade, é tráfico — disse o relator. Pelo jeito, estão propugnando a distribuição gratuita de drogas. Como comprar se não há quem venda? A elite de nossos juristas está agindo como formigas enlouquecidas ante um temporal, que já nem sabem para onde vão.Por Janer Cristaldo

SOBRIEDADE

Só não há uma crise institucional no país porque a presidente Dilma está tratando a disputa entre o ex-presidente Lula e o ministro do Supremo Gilmar Mendes de maneira equilibrada, sem envolver o governo. Da mesma maneira, o presidente do Supremo, Ayres Britto, está cuidando de não dar ao fato a dimensão que ele realmente tem, na tentativa de esvaziar suas consequências. O ministro Gilmar Mendes foi apenas o que denunciou a manobra de Lula para adiar o julgamento do mensalão, mas pelo menos outros dois ministros do Supremo estiveram com Lula nos últimos meses: o ministro revisor Ricardo Lewandowski e o ministro Dias Toffoli. E Lula, no relato da conversa por Gilmar Mendes, revelou o que tratou com os dois. Considero a essência do relato do ministro verdadeira, pois só os ingênuos podem acreditar que Lula convidasse um ministro do Supremo para um encontro sem que o assunto principal fosse o julgamento do mensalão. Outros, que fingem acreditar na versão edulcorada de que a reunião foi uma conversa de amigos sobre generalidades, são militantes petistas, empenhados no mesmo movimento de Lula: constranger o Supremo a adiar o julgamento do mensalão, ou pôr em dúvida o seu resultado. Junto a Toffoli, Lula defendeu a tese de que ele deveria participar do julgamento, quando setores jurídicos consideram que deveria se declarar impedido, pois boa parte de sua carreira foi feita no PT. De 1995 até 2000 foi assessor parlamentar da Liderança do PT na Câmara. Nas campanhas presidenciais de Lula em 1998, 2002 e 2006, foi o advogado do partido. Foi subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil de 2003 a 2005, durante a gestão de José Dirceu, acusado pela Procuradoria Geral da República de ser o chefe da quadrilha do mensalão. Em 2007 assumiu a Advocacia Geral da União a convite de Lula, de onde saiu para ser ministro do Supremo. Além de todo esse currículo petista, a namorada de Toffoli foi advogada de mensaleiros. Lula se referiu a Lewandowski, dizendo que ele somente entregaria seu voto de revisor, sem o qual o processo não pode entrar em julgamento, no segundo semestre, mas está sendo pressionado a entregá-lo este mês. Como esteve com Lewandowski recentemente, depreende-se que Lula soube dessa mudança de atitude do revisor do mensalão através do próprio, cuja família tem relação de amizade com a da ex-primeira-dama dona Marisa, em São Bernardo do Campo. O estrago está feito pelo voluntarismo de Lula, que não sabe fazer outra coisa a não ser politizar todas as relações. Um julgamento no Supremo tem, na visão de Lula, só um lado, o do prejuízo que pode causar aos seus projetos políticos. Ele não está preocupado do ponto de vista institucional com as consequências do mensalão, e muito menos com a preservação do Supremo, mas teme que o PT seja atingido nas urnas em caso de condenação de seus membros mais importantes envolvidos no processo, como Dirceu, Genoino ou João Paulo Cunha. Lula não apenas não ‘desencarnou’ do papel de presidente como está encarnando outro personagem, o do soberano que tudo pode Assim como primeiro pediu desculpas ao país pelo que acontecera, em cadeia de TV, para depois afirmar que o mensalão sequer existiu, sendo tentativa de golpe contra seu governo, Lula agora desmente o que prometeu ao sair do Planato. Disse que “desencarnaria” do papel de presidente e não se meteria em política, em crítica à atuação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Pois Lula não apenas não “desencarnou” do papel de presidente como está encarnando outro personagem, o do soberano que tudo pode. Nunca esteve tão ativo politicamente, apesar de seu estado físico evidentemente precário. Como a confirmar que tudo para ele é política, ontem a única referência que fez aos últimos acontecimentos foi oblíqua, dizendo que tem “muita gente” que não gosta dele e que precisa “tomar cuidado” com essa “minoria”. Isso para explicar que falaria em pé para que não dissessem que estava doente. Como se fosse possível, e até desejável, unanimidade em torno de sua figura política, ou que os que são contra ele lhe desejam mal. Tanto Dilma quanto Ayres Britto tiveram a sensatez de não alimentar a disputa pública em que se envolveram Lula e um ministro do Supremo. Ambos presidem Poderes que estão em confronto devido a uma atitude desastrada do expresidente Lula, que mais uma vez demonstra que não tem os cuidados que deveria com a separação e o equilíbrio de poderes, tentando usar sua força política para constranger ministros do STF. Em vários momentos de seu governo, ele agiu assim, notadamente durante as campanhas eleitorais. A presidente Dilma, descrita normalmente como uma pessoa de pavio curto, está se revelando uma hábil política no exercício da Presidência da República. Ao reverenciar as políticas sociais do presidente Lula, ela ressaltou o aspecto positivo da sua liderança política, deixando de lado as questões polêmicas em que anda se envolvendo. A homenagem teve a justa medida de demonstrar sua solidariedade em um momento em que a liderança de Lula está fragilizada, por seus gestos temerários, e a lucidez de não envolver o governo no episódio. O governador do Rio, Sérgio Cabral, não tem razão para se indignar com a ilação de que a quebra de sigilo da empreiteira Delta pode justificar sua convocação para a CPI do Cachoeira. Ele criou as condições para que essas ilações não sejam irresponsáveis, pois sua relação pessoal com Fernando Cavendish quando este era o presidente da Delta dá uma sensação de promiscuidade entre opúblico e o privado que seu próprio governo critica no recentíssimo código de ética. O Código da Alta Administração determina que funcionários do alto escalão devem guardar“distância social conveniente no trato com fornecedores de materiais ou contratantes de prestação de serviços ao Estado, abstendo-se, tanto quanto possível, de frequentar os mesmos lugares e de aparentar intimidade”.Por: Merval Pereira Fonte: O Globo, 31/05/2012

A ECONOMIA DAS FALÁCIAS

O governo brasileiro vem promovendo uma verdadeira marcha à ré em termos de intromissão nas liberdades individuais e econômica. A "coisa" chega a impressionar pela intensidade, pela atrocidade e — naturalmente — pela necedade (um eufemismo para burrice). Semanalmente, para não dizermos diariamente, somos surpreendidos por medidas governamentais que nos fazem pensar que voltamos à metade do século passado, àquele período em que ainda se acreditava que as teorias ditas "desenvolvimentistas" da Cepal poderiam produzir resultados bons. Haja paciência! Neste artigo, vamos apenas mencionar algumas falácias que serviram de base para muitas dessas medidas, ressaltando a tristeza com que escrevemos isso, já que coisas assim deveriam fazer parte apenas de livros de história, para servirem como exemplo daquilo que não deve ser feito. A primeira é a ideia de que A é pobre porque B é rico, A e B podendo ser pessoas, regiões, países, etnias, gêneros, etc. Tal bobagem, derivada da teoria da exploração de Marx, simplesmente desconhece (ou finge desconhecer) que a história é dinâmica. Conduz, por exemplo, à política externa do PT, que parece guiada por um pretenso teorema, segundo o qual o somatório das pobrezas seria igual à riqueza... A segunda deriva da primeira. É a crença de que a tributação deve ser "progressiva", algo como um "corolário ou lema de Robin Hood"... Ora, todo e qualquer tributo nada mais é do que uma extorsão praticada por um agressor, no caso, o estado, contra cidadãos e empresas. Se você é rico, a agressão deverá ser maior do que se você for pobre, segundo os gênios que defendem essa teoria (e não são poucos). Se assim é, para que trabalhar ou empreender para ser rico, então? Mas essa pergunta não passa pela cabeça dos que acreditam nesse conto da floresta de Sherwood... Estas duas primeiras falácias ilustram perfeitamente como é grande a ignorância a respeito das causas da riqueza, que são as recíprocas das causas da pobreza, bem como a absoluta falta de compreensão de que a economia não é um jogo de soma zero. Uma terceira falácia é a ideia de que a legislação trabalhista e seus penduricalhos, como o salário mínimo, os encargos e os sindicatos protegem os trabalhadores, o que, em um governo que tem nos sindicalistas uma de suas bases de apoio, tem sido levado às últimas consequências. Na verdade, como escreveram Mises, Rothbard, Hayek e praticamente todos os austríacos, essa legislação apenas prejudica os trabalhadores, além de provocar desemprego. A quarta é que políticas industriais seriam boas para o crescimento da economia. Ora, essas políticas nada mais representam do que escolhas, por parte dos que detêm o poder, de quais setores serão beneficiados e, consequentemente, de quais serão prejudicados. Além disso, partem do pressuposto teórico de que os burocratas são mais bem informados do que o processo de mercado, para ditarem quais setores são merecedores da ajuda do governo e quais devem ser punidos. Claramente, é um convite a lobistas, um desvio da função empresarial e um convite à corrupção. A quinta é que o protecionismo é bom para enfrentar a concorrência estrangeira. Sem dúvida, esta é uma proposição que mostra que o mercantilismo está mais vivo do que nunca. Querem que você, consumidor, compre, digamos, um carro ou um computador produzido no Brasil, de qualidade duvidosa e preço exorbitante, quando poderia comprar um modelo importado, melhor e mais barato. Ou que voe em duas empresas que oferecem serviços precários e cobram caro, quando poderia voar em outras empresas estrangeiras, com serviços melhores e mais baratos. Sua opção restringe-se a: aceita uma balinha ou uma barra de cereais, senhor? A sexta é que exportar é "bom" e importar é "ruim", tolice que equivale a afirmar que "vender é melhor do que comprar". Haja paciência para suportar tanta ignorância. Em artigo recente, Leandro Roque mostrou a situação ridícula criada pela Receita Federal, que resolveu intensificar a fiscalização nos aeroportos internacionais brasileiros, para evitar que tragamos produtos de "alta periculosidade para a segurança nacional", como computadores, camisas, vinhos e outros produtos de qualidade superior e que podem ser comprados a preços baixos no exterior. A falácia de que comprar é ruim e vender é bom é, pura e simplesmente, mais um exemplo de mercantilismo regado a teorias "macroeconômicas" de sabor keynesiano. Ou seja, duas bobagens em uma! Mamma mia, será que esses caras não conseguem perceber que países não compram e nem vendem nada? Que quem faz isso são pessoas físicas e empresas? E que, em transações livres, quem compra sai satisfeito, assim como quem vende? Ah, o déficit externo, dirão alguns... Caramba, que se dane o déficit (ou o superávit) externo das "contas nacionais", até porque, se a taxa de câmbio for flutuante, a tendência é que eles sejam eliminados! Uma sétima falácia vem sendo usada para sustentar diversos pacotes do governo desde o segundo mandato de Lula: a de que as políticas de estímulos ao consumo seriam ótimas para o crescimento da economia e, de tabela, para esconjurar a maldita "crise internacional". Ora, assim como Esaú, que trocou os privilégios de sua primogenitura por um mero prato de lentilhas, essas políticas conseguem no máximo proporcionar um boom artificial, logo seguido por recessão ou por uma mistura de recessão com inflação, conforme a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) não se cansa de ensinar. Uma derivada dessa falácia é a crença de que o governo é que deve determinar qual deve ser a taxa de juros. E que, se a presidente do país obrigar os bancos oficiais a reduzirem os juros (leia-se, a trabalharem no vermelho), os bancos privados também reduzirão suas taxas de juros. Aquela senhora de Brasília parece desconhecer, primeiro, as verdadeiras causas das altas taxas de juros no Brasil (déficit público, inadimplência, elevada taxa de recolhimento compulsório e altos impostos); segundo, que as taxas reais de juros não obedecem a comandos ou ordens de alguma "sargentona", mas sim a forças de demanda e oferta de fundos; e terceiro, que se pode perfeitamente levar um cavalo até a beira de um rio, mas não se pode obrigá-lo a beber água... Por fim, mostra também absoluto desconhecimento da TACE — o que não é de se estranhar. Juros artificialmente baixos hoje significam necessariamente juros altos amanhã, cara senhora! Finalmente, a falácia mãe, a de que o estado deve ser o "indutor" do crescimento. Com certeza, os mercados são "burros" e os burocratas iluminados, para quem acredita nisso! Além disso, o conhecimento dos burocratas das circunstâncias de tempo e lugar é infinitamente superior aos dos agentes individuais... Ah, quanta pretensão! Não precisamos mais do que um argumento para rebater prontamente essa falácia: quando alguém lhe disser isso, reaja perguntando a seu interlocutor se ele conhece algum exemplo de economia que conseguiu se desenvolver sob a tutela do estado. Fale da antiga URSS, de Cuba, do caos que está vivendo a Venezuela, da ilusão que foi a Suécia. Enfim, há dezenas de exemplos para refutar essa bobagem estatista. Dói saber que a economia do Brasil vem progressivamente, sob a batuta do PT, submergindo nessas falácias e nas políticas que elas geram. Vamos precisar, depois, de décadas para consertar tantas asneiras... Estamos em plena era da economia das falácias. Sinceramente, eu não aguento mais! Por: Ubiratan Jorge Iorio é economista e professor de UERJ.

LULA: MAIS UM RETRATO

Estou republicando este artigo que saiu n'O Globo de 13 de julho de 2010. 

 Obsessão pelo poder :

Como é sabido, o Partido dos Trabalhadores nasceu em 1980. Contudo, muito antes da sua fundação, foi precedido de um amplo processo de crítica das diversas correntes de esquerda realizada na universidade e no calor dos debates políticos. A ação partidária, os sindicatos e as estratégias políticas adotadas durante o populismo (1945-1964) foram duramente atacados. Sem que houvesse um contraponto eficaz, fez-se tábula rasa do passado. A história da esquerda brasileira estaria começando com a fundação do PT. O ocorrido antes de 1980 não teria passado de uma pré-história eivada de conciliações com a burguesia e marcada pelo descompromisso em relação ao destino histórico da classe trabalhadora. O processo de desconstrução do passado permaneceu durante vinte anos, até o final do século XX. As pesquisas universitárias continuaram dando o sustentáculo "científico" de que o PT era um marco na história política brasileira, o primeiro partido de trabalhadores. O estilo stalinista de fazer história se estendeu para o movimento operário. Tudo teria começado no ABC. Mas não só: a história do sindicalismo "independente" teve um momento de partida, a eleição de Luís Inácio Lula da Silva para a presidência do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, em 1975 (na posse, estava presente o governador Paulo Egydio, fato único naquela época). Toda história anterior, desde os anarquistas, tinha sido somente uma preparação para o surgimento do maior líder operário da história do Brasil. A repetição sistemática de que em São Bernardo foi gestada uma ruptura acabou ganhando foro de verdade científica, indiscutível. Lula tinha de negar e desqualificar a história para surgir como uma espécie de "esperado", o "ungido". Não podia por si só realizar esta tarefa. Para isso contou com o apoio entusiástico dos intelectuais, ironicamente, ele que sempre desdenhou do conhecimento, da leitura e da reflexão. E muitos desses intelectuais que construíram o mito acabaram rompendo com o PT depois de 2003, quando a criatura adquiriu vida própria e se revoltou contra os criadores. Mas não bastou apagar o passado. Foi necessário eliminar as lideranças que surgiram, tanto no sindicato, como no PT. E Lula foi um mestre. Os que não se submeteram, aceitando um papel subalterno, acabaram não tendo mais espaço político. Este processo foi se desenvolvendo sem que os embates e as rupturas desgastassem a figura de líder inconteste do partido. Ao dissidente era reservado o opróbrio eterno. A permanência na liderança, sem contestação, não se deu por um choque de ideias. Pelo contrário. Lula sempre desprezou o debate político. Sabia que neste terreno seria derrotado. Optou sempre pela despolitização. Como nada tinha escrito, a divergência não podia percorrer o caminho tradicional da luta política, o enfrentamento de textos e ideias, seguindo a clássica tradição dos partidos de esquerda desde o final do século XIX. Desta forma, ele transformou a discordância em uma questão pessoal. E, como a sua figura era intocável, tudo acabava sem ter começado. A vontade pessoal, fortalecida pelo culto da personalidade, fomentado desde os anos 70 pelos intelectuais, se transformou em obsessão. O processo se agravou ainda mais após a vitória de 2002. Afinal, não só o Brasil, mas o mundo se curvou frente ao presidente operário. Seus defeitos foram ainda mais transformados em qualidades. Qualquer crítica virou um crime de lesa-majestade. O desejo de eliminar as vozes discordantes acabou como política de Estado. Quem não louvava o presidente era considerado um inimigo. Os conservadores brasileiros - conservadores não no sentido político, mas como defensores da manutenção de privilégios antirrepublicanos - logo entenderam o funcionamento da personalidade do presidente. Começaram a louvar suas realizações, suas palavras, seus mínimos gestos. Enfim, o que o presidente falava ou agia passou a ser considerado algo genial. Não é preciso dizer que Lula transformou os antigos "picaretas" em aliados incondicionais. Afinal, eles reconheciam publicamente seus feitos, suas qualidades. E mereceram benesses como nunca tiveram em outros governos. É só esta obsessão pelo poder e pelo mando sem qualquer questionamento que pode ser uma das chaves explicativas da escolha de Dilma Rousseff como sua candidata. Marco Antonio Villa é historiador.