sábado, 4 de agosto de 2012

O SURGIMENTO DOS LUCROS E DOS PREJUIZOS


A NATUREZA ECONÔMICA DOS LUCROS E DOS PREJUÍZOS

Em um sistema capitalista de organização econômica, os empreendedores determinam como serão os processos de produção.  Porém, nesta tarefa, caso haja livre concorrência e uma genuína liberdade de entrada no mercado, eles sempre estarão total e incondicionalmente sujeitos à soberania do público consumidor. 
Aqueles empreendedores que se mostrarem incapazes de produzir, da melhor e mais barata maneira possível, os bens e serviços que os consumidores estão demandando com mais urgência, sofrerão prejuízos e serão, em última instância, eliminados de sua posição empreendedorial.  Outros empreendedores que tenham maior capacidade administrativa e que saibam melhor como servir aos consumidores substituirão estes que fracassaram.
Se não houvesse incertezas no mundo, se a economia fosse um arranjo uniforme e homogêneo, e se todas as pessoas fossem capazes de antecipar corretamente o estado futuro do mercado, os empreendedores não teriam lucros e nem sofreriam prejuízos.  Eles apenas comprariam seus fatores de produção a preços que, já no instante da compra, refletiriam completamente os preços futuros dos bens por eles produzidos.  Neste arranjo, simplesmente não haveria espaço nem para lucros nem para prejuízos.
O que possibilita o surgimento do lucro é a ação empreendedorial em um ambiente de incerteza.  Um empreendedor, por natureza, tem de estar sempre estimando quais serão os preços futuros dos bens e serviços por ele produzidos.  Ao estimar os preços futuros, ele irá analisar os preços atuais dos fatores de produção necessários para produzir estes bens e serviços futuros.  Caso ele avalie que os preços dos fatores de produção estão baixos em relação aos possíveis preços futuros de seus bens e serviços produzidos, ele irá adquirir estes fatores de produção.  Caso sua estimação se revele correta, ele auferirá lucros.
Portanto, o que permite o surgimento do lucro é o fato de que aquele empreendedor que estima quais serão os preços futuros de alguns bens e serviços de maneira mais acurada que seus concorrentes irá comprar fatores de produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do mercado, estão hoje muito baixos.  Consequentemente, os custos totais de produção — incluindo os juros pagos sobre o capital investido — serão menores que a receita total que o empreendedor irá receber pelo seu produto final.  Esta diferença é o lucro empreendedorial.
Por outro lado, o empreendedor que estimar erroneamente os preços futuros dos bens e serviços irá comprar fatores de produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do mercado, estão hoje muito altos.  Seu custo total de produção excederá a receita total que ele irá receber pelo seu produto final.  Esta diferença é o prejuízo empreendedorial.
Assim, lucros e prejuízos são gerados pelo sucesso ou pelo fracasso de se ajustar as atividades produtivas de acordo com as mais urgentes demandas dos consumidores.  Tão logo este ajuste correto seja alcançado, lucros e prejuízos desaparecem.  Os preços dos fatores de produção chegam a um nível em que os custos totais de produção coincidem com o preço do produto final.  Lucros e prejuízos são fenômenos que só existem constantemente porque a economia está sempre em contínua mudança, o que faz com que recorrentemente surjam novas discrepâncias entre os preços dos fatores de produção e os preços dos bens e produtos por eles produzidos, e consequentemente haja a necessidade de novos ajustes.
A função do empreendedor
A função essencial do empreendedorismo é descobrir em quais mercados estão ocorrendo estas discrepâncias entre os preços atuais dos fatores de produção e os preços futuros dos bens e produtos por eles produzidos.  Uma vez descoberto este mercado, o empreendedor organizará os fatores de produção (mão-de-obra e bens de capital), produzirá os bens e serviços demandados pelos consumidores e auferirá lucros.
Muitas vezes, esta discrepância de preços poderá ser decorrente do fato de que novos métodos tecnológicos ainda não foram empregados em seu máximo potencial, de modo que a demanda dos consumidores ainda não foi satisfeita da melhor forma possível.  Mas não necessariamente será sempre assim.  Mudanças na economia, especialmente na demanda dos consumidores, podem exigir ajustes que nada têm a ver com aprimoramentos e inovações tecnológicas.  O empreendedor que simplesmente aumenta a produção de um bem ao acrescentar um novo equipamento às suas atuais instalações, sem fazer nenhuma mudança em seu método tecnológico de produção, continua sendo tanto empreendedor quanto aquele indivíduo que inaugura um novo método de produção.
A atividade de um empreendedor não é a de meramente experimentar novos métodos tecnológicos, mas sim a de selecionar, entre vários métodos tecnologicamente exequíveis, aqueles mais aptos a suprir os consumidores — da maneira mais barata possível — com os bens e serviços que eles estão demandando com mais urgência.  Se um novo método tecnológico será ou não capaz de efetuar este propósito, isso é algo que será provisoriamente decidido pelo empreendedor e, finalmente, pela conduta do público consumidor.  A questão não é se um novo método deve ser considerado uma solução mais "elegante" para um problema tecnológico; é se, sob determinadas condições econômicas, ele é o melhor método possível para se suprir os consumidores da maneira mais barata alcançável.
As atividades do empreendedor consistem em tomar decisões.  Ele determina com que propósito os fatores de produção devem ser empregados.  Quaisquer outros atos que ele porventura efetue são meramente secundários à sua função empreendedorial.  E é isso que os leigos não parecem entender.  Eles confundem atividades empreendedoriais com a condução das questões administrativas e tecnológicas de uma empresa.  Para eles, os reais empreendedores não são os acionistas, os fornecedores do capital, os organizadores e os especuladores, mas sim os empregados contratados pela empresa.  Os primeiros seriam apenas parasitas ociosos que embolsam os lucros e os dividendos.
Sim, é indiscutível que é possível alguém produzir sem ter de trabalhar manualmente.  Mas é impossível produzir sem ter bens de capital, que são os fatores de produção que foram produzidos anteriormente em outros processos produtivos de outras empresas.  Estes bens de capital são escassos — isto é, eles não são suficientes para se produzir todas as coisas que um empreendedor gostaria de produzir.  Daí surge o problema econômico: empregá-los de tal maneira que eles produzam somente aqueles bens que satisfaçam as mais urgentes demandas dos consumidores.  Nenhum bem pode deixar de ser produzido apenas porque os fatores necessários para sua produção estavam sendo utilizados — desperdiçados — na produção de outros bens para os quais a demanda do público era menos intensa.
Em um arranjo capitalista, é a função do empreendedor determinar o modo como se dará a alocação de capital entre os vários ramos da produção.  Em um arranjo socialista, tal função passa a ser do estado, o aparato social da coerção e da opressão.  Porém, como demonstrado em outra ocasião, em uma economia socialista não há nenhum método de cálculo econômico.  E, sendo impossível o cálculo econômico, a junta socialista não tem como saber como deve se dar a alocação de capital.
Há uma simples regra prática para se distinguir empreendedores de não-empreendedores.  Os empreendedores são aqueles sobre quem recai a incidência de prejuízos sobre o capital empregado.  Economistas amadores costumam confundir lucros com determinados tipos de receitas.  Mas é impossível não ser capaz de distinguir prejuízos sobre o capital empregado.
A democracia do mercado
Os consumidores, ao optarem por comprar ou por se abster de comprar, estão elegendo aqueles empreendedores que eles, os consumidores, consideram ser os que mais bem satisfazem suas necessidades.  Trata-se de um plebiscito que acontece diariamente.  Os consumidores determinam quem permanece na ativa e quem vai à falência, quem deve gerenciar o capital e quem não deve, e quanto cada empreendedor deve lucrar.
Como ocorre em todos os atos de escolha, a decisão dos consumidores é feita com base na experiência; sendo assim, tal ato sempre e necessariamente se refere ao passado.  Não há experiência quanto ao futuro.  A urna do mercado exalta aqueles que, no passado imediato, mais bem serviram aos consumidores.  No entanto, a escolha não é inalterável e pode ser diariamente corrigida.  Os eleitos que desapontarem o eleitorado são rapidamente rebaixados de posto.
Cada voto concedido pelos consumidores acrescenta muito pouco à esfera de ação do eleito.  Para ascender aos níveis mais altos do empreendedorismo, ele tem de receber um grande número de votos, repetidos continuamente durante um longo período de tempo, apresentando uma prolongada série de feitos bem-sucedidos.  Ele tem de passar por um novo julgamento a cada dia, submetendo-se continuamente a uma reeleição, por assim dizer.
Empreendedores não são nem perfeitos e nem bons, em qualquer sentido metafísico.  Eles devem sua posição exclusivamente ao fato de que são os mais bem capacitados para a consecução das funções que as outras pessoas incumbiram a eles.  Eles auferem lucros não porque são espertos ao desempenhar suas tarefas, mas porque são mais espertos, ou menos canhestros, do que as outras pessoas.  Eles não são infalíveis e frequentemente cometem erros graves.  Mas eles são menos sujeitos a erros e trapalhadas do que as outras pessoas.  Ninguém pode reclamar dos erros de um empreendedor apenas dizendo que outros deveriam estar no lugar dele.  Se o descontente sabe melhor como a tarefa deve ser feita, então por que ele próprio não preenche este nicho de mercado e se aproveita desta grande oportunidade de lucros? 
Em uma economia cujo mercado não seja sabotado pela interferência do governo e de suas agências reguladoras que utilizam de violência para bloquear a concorrência, a entrada no ramo empreendedorial é aberta para todos.  Aqueles que sabem como se aproveitar de qualquer oportunidade de negócios sempre irão encontrar o capital necessário.  O mercado está sempre repleto de capitalistas ansiosos para encontrar maneiras mais proveitosas de empregar seus recursos e à procura de pessoas com ideias engenhosas, com cuja parceria eles podem efetuar os mais lucrativos projetos.
As pessoas frequentemente não conseguem perceber esta característica inerente ao capitalismo porque elas não entendem o significado e os efeitos da escassez de capital.  A tarefa do empreendedor é selecionar, dentre uma variedade de projetos tecnologicamente exequíveis, aqueles que irão satisfazer as mais urgentes das ainda não satisfeitas necessidades do público.  Aqueles projetos para cuja consecução não há capital suficiente não devem ser realizados.  O mercado está sempre abarrotado de visionários que querem empreender esquemas impraticáveis e inexequíveis.  São estes sonhadores que sempre reclamam da cegueira e da insensibilidade daqueles capitalistas que não são tolos o bastante para financiar suas fantasias.  É claro que investidores frequentemente cometem erros na escolha de seus investimentos.  Mas estas falhas consistem justamente no fato de terem preferido um projeto insustentável a um outro que teria satisfeito as mais urgentes necessidades do público consumidor.
Um empreendedor aufere lucros ao servir satisfatoriamente os consumidores e não ao fazer aquilo que sonhadores desapegados da realidade gostariam que ele fizesse.
A função social dos lucros e dos prejuízos
Lucros nunca são um fenômeno normal e corriqueiro.  Eles surgem onde há uma discrepância entre o uso atual dos fatores de produção e o uso possível destes fatores de modo a fazer com que o material e os recursos mentais disponíveis satisfaçam da melhor maneira possível os desejos do público.  Lucros são a recompensa para aqueles empreendedores que descobrem esta discrepância; e eles desaparecem tão logo a discrepância seja totalmente removida.  Na imaginária construção de uma economia uniforme e homogênea, onde inexiste a incerteza, não há lucros.  A soma dos preços dos fatores de produção, levando-se em consideração a preferência temporal das pessoas, coincida com o preço do produto final.
Quanto maior forem as discrepâncias antecedentes, maiores serão os lucros auferidos pela sua remoção.  As discrepâncias podem muitas vezes ser consideradas excessivas.  Mas é inapropriado aplicar o epíteto "excessivo" aos lucros.
As pessoas dizem que há 'lucros excessivos' quando analisam os lucros auferidos ao capital empregado no empreendimento, e mensuram o lucro como porcentagem deste capital.  Este método advém do costumeiro procedimento aplicado a sociedades e corporações para se especificar a atribuição de quotas do lucro total para os sócios ou acionistas.  Estes homens contribuíram de diversas maneiras para a realização do projeto e irão dividir entre si os lucros e os prejuízos proporcionalmente à contribuição de cada um.
Porém, o que cria lucros e prejuízos não é o capital empregado.  Ao contrário do que pensava Marx, o capital não "gera lucro".  Bens de capital são objetos sem vida que, por si sós, não realizam nada.  Se eles forem utilizados de acordo com uma boa ideia, haverá lucros.  Se eles forem utilizados de acordo com uma ideia equivocada, haverá prejuízos ou, na melhor das hipóteses, não haverá lucros.  É a decisão empreendedorial o que cria tanto lucros quanto prejuízos.  É dos atos mentais, da mente do empreendedor, que os lucros se originam, essencialmente.  O lucro é um produto da mente, do sucesso de se saber antecipar o estado futuro do mercado.  É um fenômeno espiritual e intelectual.
Condenar qualquer lucro como sendo 'excessivo' pode levar a situações tão absurdas quanto aplaudir uma empresa que, outrora muito lucrativa, passou a desperdiçar capital e a produzir ineficientemente a custos mais altos.  Esta redução na eficiência e, consequentemente, nos lucros logrou apenas fazer com que os cidadãos fossem privados de todas as vantagens que poderiam usufruir caso os bens de capital desperdiçados por esta empresa fossem disponibilizados para a produção de outros produtos.
Ao repreender alguns lucros como sendo 'excessivos' e consequentemente penalizar empreendedores eficientes com uma elevação de impostos para "compensar" os altos lucros, a sociedade está prejudicando a si própria.  Tributar lucros é o equivalente a tributar quem se mostrou bem-sucedido em servir ao público. 
O único objetivo de toda e qualquer atividade produtiva é empregar o menor número possível de fatores de produção de tal modo que eles produzam a maior quantidade possível de bens.  Quanto menor a quantidade de insumos necessária para a produção de um bem, maior será a quantidade de fatores de produção — escassos por natureza — disponível para ser empregada na manufatura de outros bens.  No entanto, e ironicamente, quanto mais um empreendedor se mostra bem-sucedido nesta difícil tarefa, mais ele é difamado e mais a sociedade exige que ele seja tributado mais rigorosamente.  Aumentar os custos por unidade produzida — ou seja, aumentar o desperdício — passou a ser exaltado como uma virtude.
A mais espantosa manifestação desta total incapacidade de compreender o objetivo da produção e a natureza e a função dos lucros e prejuízos pode ser vista na popular superstição de que o lucro é apenas um valor adicionado aos custos de produção (fenômeno conhecido como markup), com seu valor dependendo exclusivamente do arbítrio do vendedor.  É exatamente esta crença que está por trás de todos os programas estatais de controle de preços ou de especificação de margens de lucros [até o início dos anos 1990, os supermercados brasileiros tinham sua margem de lucro tabelada pelo governo; e, atualmente, algumas concessionárias de rodovias também são proibidas de ultrapassar um determinado valor em sua margem de lucro].
Todas as pessoas, empreendedoras e não-empreendedoras, olham com desconfiança para qualquer lucro auferido por terceiros.  A inveja é um defeito e uma fraqueza comum aos homens.  As pessoas são avessas a aceitar o fato de que elas próprias poderiam ter auferido estes lucros caso tivessem demonstrado a mesma iniciativa, a mesma presciência e o mesmo julgamento dos empreendedores bem-sucedidos.  Seu ressentimento é tanto mais violento quanto mais elas estão subconscientemente cientes deste fato.
Não existiriam lucros se não houvesse um ímpeto do público em adquirir os bens e serviços oferecidos pelo empreendedor bem-sucedido.  Porém, as mesmas pessoas que se esforçam para adquirir estes bens e serviços são aquelas que vilipendiam os empreendedores e dizem que seus lucros são abusivos e imerecidos.
A opinião pública tolera os lucros apenas se eles não excederem o salário pago a um empregado.  Todo o excedente é caluniado como sendo injusto.  O objetivo da tributação é, de acordo com o princípio de 'tributar quem ganha mais', exatamente o de confiscar este excedente.  Não levam em conta que, sem lucros, não há investimentos futuros, o que levará a uma escassez de bens e serviços e, no final, a uma redução do padrão de vida de todos.
Uma das principais funções dos lucros é direcionar o controle do capital para aqueles que sabem como empregá-lo da melhor maneira possível para satisfazer o público.  Empreendedores que sofrem seguidos prejuízos vão à falência e, consequentemente, liberam capital e recursos para serem utilizados por empreendedores mais bem sucedidos.  Empreendedores que obtêm seguidos lucros se tornam mais capazes de obter capital e recursos de empreendedores menos eficientes, que estão desperdiçando estes recursos escassos.
Quanto mais lucros um empreendedor obtém, maior será sua riqueza, mais influente ele será na condução de seus empreendimentos.  Lucros e prejuízos são os instrumentos por meio dos quais os consumidores passam o controle das atividades produtivas para as mãos daqueles mais capacitados para servi-los.  Qualquer medida que seja tomada para se restringir ou confiscar os lucros irá debilitar esta função de mercado que eles exercem.  A máquina econômica se tornará, do ponto de vista do público consumidor, menos eficiente e menos ágil em suas respostas.
O invejoso homem mediano imagina que os lucros dos empreendedores são totalmente gastos em consumo próprio, de maneira hedonista.  Uma parte, de fato, é consumida.  Porém, só irão alcançar riqueza e influência no âmbito dos negócios aqueles empreendedores que consumirem apenas uma fração de suas receitas e reinvestirem a grande fatia restante em suas empresas.  O que faz com que pequenas empresas se tornem grandes não é o seu gasto, mas sim sua poupança e sua acumulação de capital.


Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia"

"DNA DO MENSALÃO",


03/08/2012
 às 17:21 \ Feira Livre

‘DNA do mensalão’, 

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA.
FERNANDO GABEIRA
O mensalão, para os juízes, é um processo de 50 mil folhas. Para mim, é matéria de memória. Maio de 2005 é um marco na política brasileira. Mas não um relâmpago em céu azul.
É um marco porque ficou evidente, naquele mês, que o PT jamais cumpriria uma de suas maiores promessas de campanha: ética na política. A entrevista do então presidente Lula em Paris, tentando justificar o mensalão, ainda menciona a responsabilidade ética do partido, mas com uma dose de convicção tão pequena que entendi como um adeus à bandeira do passado. Eu já havia deixado o PT e a base do governo em 2003. O escândalo do mensalão foi, no entanto, uma tomada de consciência popular de que a ética na coalizão do governo era só propaganda.
O termo mensalão cresceu porque foi bem escolhido. Roberto Jefferson, ao usá-lo pela primeira vez, não ignorava o apelo popular de um aumentativo. Na TV, as feiras de carros são anunciadas como feirão, as lojas de atacado, como atacadão e até os estádios de futebol, Engenhão, Barradão, Mineirão, seguem o mesmo caminho. Um setor que ainda acreditava nas promessas do PT se sentiu traído, como se o armário do quarto escondesse um amante: Ricardão.
Não foi um relâmpago em céu azul. Lula estava cansado de perder eleições. Decidiu disputar em 2002 com as condições profissionais dos adversários. Começou aí a necessidade de captar em grande escala. Programas de TV são dispendiosos. Mulheres grávidas desfilando a esperança, muitas câmeras, luz, gruas, tudo isso custa dinheiro.
Uma vez no poder, era preciso controlar os aliados, garantir sua sobrevivência política e, em troca, sua fidelidade. Agora o dinheiro corria mais fácil.
A primeira tentativa de combater o estrago do mensalão foi afirmar que jamais existiu com rigor temporal. Não havia pagamentos mensais, dizia a defesa. Mas que importância legal tem isso? O dinheiro era distribuído aos líderes dos partidos amigos. O apartamento do deputado José Janene, do PP, era chamado de pensão pelos deputados que o frequentavam. Talvez lhes pagasse quinzenalmente. Seria apenas um quinzenão.
Segundo a ex-mulher de Valdemar Costa Neto, em depoimento na Câmara, ele gastou numa só noite de cassino o equivalente a US$ 300 mil. Pode muito bem ter dado o cano nos deputados naquele mês, ou pago apenas um vale para acalmá-los. Quem jamais saberá?
A segunda tentativa de atenuar os estragos do mensalão foi o uso da novilíngua: eram apenas sobras de campanha, mero crime eleitoral. Tão brando que nem poderíamos chamar esse dinheiro de caixa 2, mas de recursos não contabilizados. Era tanto dinheiro em cena que recursos não contabilizados não conseguiam explicá-lo. Surgiram, então, empréstimos do Banco Rural e do BMG. O dinheiro foi emprestado por bancos que não cobram juros nem acossam devedores. Bancos amigos.
O relatório da CPI indicou com bastante clareza de onde veio o dinheiro: do Banco do Brasil e da Visanet. Naufragou ali a última atenuante: o dinheiro do mensalão, num total de R$ 100 milhões, é público.
Lembro-me como se fosse hoje do depoimento de Duda Mendonça. Ele anunciou a alguns deputados que iria falar. E falou: recebeu dinheiro do PT no exterior, pouco mais de R$ 10 milhões, que nunca mais retornariam ao País.
O episódio do mensalão não evitou que Lula vencesse as eleições em 2006 e, quatro anos mais tarde, elegesse Dilma Rousseff. A força eleitoral do PT manteve-se e as consequências políticas pareciam neutralizadas. O dinheiro continuou fluindo em campanhas milionárias e o partido, como os comunistas italianos, poderia até montar uma sólida estrutura econômica alternativa. Mas as consequências políticas não morrem tão cedo.
O julgamento do caso vai recolocá-lo na agenda política. Não acredito que possa modificar o curso das eleições. Será apenas uma nova dimensão a considerar. Muito se falou que a CPI do Cachoeira iria ofuscar o julgamento do mensalão. Deve ocorrer o contrário: o julgamento vai conferir importância à CPI do Cachoeira. A mensagem é simples: mesmo quando não há consequências políticas imediatas, a corrupção ainda tem toda uma batalha legal pela frente.
O PT vai se distanciar do mensalão, Dilma também. Dilma distanciou-se da Delta, de Fernando Cavendish, mas seu governo continua a irrigar os cofres da empresa fantástica. É compreensível a distância. No caso do mensalão, ela nos faz crer que todo o mecanismo foi montado pelo cérebro do ex-ministro José Dirceu, que operava num paraíso de inocentes. No da Delta, a distância convida-nos a crer que tudo se passou numa obscura seção goiana da empresa.
Nas paredes de cadeia sempre há esta inscrição: aqui o filho chora e a mãe não ouve. A mãe do PAC finge que não ouve os choros da Delta. Grande administradora, não desconfiou que a empresa que mais trabalhava nas obras do PAC era, na verdade, um antro de picaretagem. Assim como Lula não sabia que houve o mensalão. Todo aquele dinheiro rolando a partir da campanha de 2002 era um milagre político. É um senhor que me ajuda, como diria a mulher bonita vivendo súbita prosperidade. É tudo um tecido de mentiras que ainda não se rasgou no Brasil. No mensalão era uma agência de publicidade de Marcos Valério que despejava grandes somas nas contas dos políticos. O nome dela era DNA. Recentemente, foram as empresas fantasmas da Delta que realizaram essa tarefa.
Em 2005 ainda havia um mínimo de combatividade parlamentar para buscar a verdade. Hoje nem com isso podemos contar. O mensalão arrasta-se como um vírus mutante pela História moderna do Brasil. Mas a corrupção não é uma fatalidade genética. E o grande equívoco de alguns marxistas vulgares é supor que ela é um componente natural, insuperável, diante do qual a única reação sensata é tirar proveito.
Sete anos o Brasil esperou para julgar o mensalão. Sete anos mais vamos esperar pelo júri da Delta. E mais poderíamos esperar, não fora para tão longa sede tão curta a vida. Por: Fernando Gabeira
PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA

PREJUÍZO NA PETROBRÁS DIRIGIDA PELO PT


Petrobras registra 1º prejuízo em treze anos

Petrolífera brasileira perdeu R$ 1,35 bilhão no segundo trimestre; última perda trimestral foi verificada entre janeiro e março de 1999, de R$ 1,53 bilhão

O governo argentino poderá ainda regular as exportações de combustíveis
Perdas com importações de combustíveis e defasagem do preço da gasolina afetaram o resultado (Christian Castanho)
A Petrobras reportou prejuízo líquido de 1,346 bilhão de reais no segundo trimestre de 2012, ante lucro líquido de 10,943 bilhões de reais no mesmo período do ano passado. É a primeira vez que a estatal apresenta resultado negativo em 13 anos. O último trimestre com perda no balanço da estatal havia sido o primeiro de 1999, quando a empresa reportou prejuízo de 1,539 bilhão de reais, conforme a consultoria Economática. Em janeiro daquele ano, o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso eliminou a âncora cambial – e a moeda brasileira sofreu forte desvalorização de 42,8% no trimestre. O impacto da medida do governo foi determinante para o prejuízo da estatal.
O número revelado pela petrolífera surprendeu o mercado. Analistas ouvidos pela Agência Estado esperavam que a estatal anunciasse o pior número trimestral desde 2002, mas ainda assim um lucro – de cerca de 3 bilhões de reais.
Neste trimestre, o péssimo desempenho da empresa é explicado, entre outras razões, pelo resultado financeiro negativo, causado pelo efeito do câmbio nas dívidas em dólar, e pela operação de venda no mercado doméstico de combustíveis importados com preços locais menores que os valores pagos pela estatal no exterior. O saldo financeiro líquido da Petrobras ficou negativo em 6,407 bilhões de reais no período, revertendo o número positivo de 2,901 bilhões de reais apurado no segundo trimestre de 011.

As dívidas em dólares e a retenção do valor a mais pago pela gasolina importada (sem o repasse ao consumidor) já haviam contribuído para a queda do lucro da Petrobras no primeiro trimestre, na comparação com o mesmo período do ano anterior, conforme explicado em maio pelo então diretor Financeiro e de Relações com Investidores, Almir Guilherme Barbassa. Na oportunidade, o lucro líquido da Petrobras ficou em 9,214 bilhões de reais, o que havia representado uma retração de 16,1% sobre os três primeiros meses do ano passado.
Entre abril e junho deste ano, o Ebitda – lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortizações – da empresa somou 10,599 bilhões de reais, com queda de 33,3% em relação ao mesmo intervalo de 2011.
Ainda conforme a Economática, o prejuízo de 1999 foi o maior da história da estatal. A consultoria diz ainda que o número atual é o maior prejuízo com despesas financeiras da história da Petrobras. 
Faturamento – A receita líquida da companhia alcançou 68,047 bilhões de reais entre abril e junho, com alta de 11,5% sobre o segundo trimestre de 2011. A variação positiva reflete o maior volume de combustíveis vendido no mercado doméstico, assim como os maiores preços de venda de diesel e gasolina. Desde 1º de novembro do ano passado, os preços praticados pela estatal na refinaria tiveram alta de 10% na gasolina e de 2% no diesel.
A companhia também anunciou uma segunda rodada de aumentos, de 7,83% na gasolina e 3,94% no diesel. Os novos preços entraram em vigor apenas em 25 de junho e, por isso, o impacto no resultado trimestral foi pequeno.
Esse reajuste, assim como outro aumento de 6% no diesel aplicado a partir de 16 de julho, deverão impulsionar os resultados da Petrobras a partir do terceiro trimestre.
Produção – Já a produção total de óleo e gás natural da Petrobras somou 2,57 bilhões de barris diários no segundo trimestre, com retração de 1,07% na comparação com o mesmo período do ano anterior. Em relação ao primeiro trimestre de 2012, o indicador apresentou retração de 4%.
Quando considerada apenas a produção nacional de petróleo, LGN e gás, o indicador teve redução de 1,68% entre abril e junho, ante o mesmo intervalo de 2011, somando 2.332 milhões de barris diários. Na comparação com o primeiro trimestre, o desempenho doméstico foi 4% menor.
(com Agência Estado)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

DIREITO DE LEGÍTIMA DEFESA


Abaixo segue a justificação para o Projeto de Lei 3722/12 do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB/SC), que disciplina as normas de aquisição, posse, porte e circulação de armas de fogo e munições em território nacional. Eu li o projeto na íntegra, e trata-se de uma boa lei. Ainda tem muitas restrições ao direito de possuir uma arma, mas não sei se deve ser diferente, especialmente em um país como o Brasil. A Lei representa um avanço e tanto frente ao modelo atual, que praticamente desarmou, a despeito da vontade dos brasileiros, toda a população inocente, facilitando a vida dos bandidos. Se você concorda com o direito individual de legítima-defesa, então ajude a divulgar este projeto e a pressionar o Congresso.

Justificação para PL 3722/12

A regulamentação sobre armas de fogo no Brasil atualmente tem sede nas disposições da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o chamado Estatuto do Desarmamento, norma jurídica que foi concebida sob a ideologia do banimento das armas de fogo no país. Contudo, desde sua promulgação, a dinâmica social brasileira tem dado provas incontestes de que a aludida Lei não se revela em compasso com os anseios da população, muito menos se mostra eficaz para a redução da criminalidade no país, a impingir sua revogação e a adoção de um novo sistema legislativo.

A par do grande impacto que causaria na sociedade brasileira, o Estatuto do Desarmamento ingressou no mundo jurídico sem a necessária discussão técnica sobre seus efeitos ou, tampouco, sua eficácia prática para a finalidade a que se destinava: a redução da violência. Fruto de discussão tênue e restrita ao próprio Congresso, sua promulgação ocorreu bem ao final da legislatura de 2003, ou, como identifica o jargão popular, no “apagar das luzes”.

Muito mais do que uma norma técnica no campo da segurança pública, a Lei n. 10.826/2003 é uma norma ideológica. Através dela, se modificou significativamente a tutela sobre as armas de fogo no Brasil, passando-se a adotar como regra geral a proibição à posse e ao porte de tais artefatos, com raríssimas exceções. Toda a construção normativa se baseia nessa premissa, ex vi das disposições penais que nela se incluem, coroadas com o teor de seu art. 35, pelo qual, radicalmente, se pretendia proibir o comércio de armas e munição em território brasileiro. Este dispositivo teve sua vigência condicionada à aprovação popular, por meio de referendo convocado na própria norma para outubro de 2005.

Realizada tal consulta, a proibição foi rejeitada pela população brasileira, com esmagadora maioria de votos, num total de quase sessenta milhões, marca superior às alcançadas pelos presidentes eleitos pelo voto democrático.

Naquele exato momento, a sociedade brasileira, expressamente consultada, externou seu maciço descontentamento para com a norma, repudiando veementemente a proibição ao comércio de armas no país e, por conseguinte, toda a estrutura ideológica sobre a qual se assentou a construção da Lei n. 10.826/2003.

Muitas são as razões que podem justificar o resultado do referendo. A maior delas, sem dúvida, foi a constatação prática de sua ineficácia na redução da criminalidade. Em todo o ano de 2004 e nos dez meses de 2005, período em que as restrições à posse e ao porte de arma vigoraram antes do referendo, mesmo com forte campanha de desarmamento, na qual se recolheu aproximadamente meio milhão de armas, os índices de homicídio não sofreram redução. Em 2003, de acordo com o “Mapa da Violência 2011”, estudo nacional mais completo disponível sobre o assunto, ocorreram no Brasil mais de 50 mil homicídios, número semelhante ao verificado em 2004 e não divergente dos registrados nos anos seguintes.

Não há dúvida de que tais fatos foram observados na prática da vida social, onde basta a leitura de jornais ou a audiência à TV para se tomar conhecimento do que ocorre à nossa volta. O resultado não poderia ser outro, pois, se a norma não se mostrava eficaz para a redução da violência, não haveria razão para que a população abrisse mão do seu direito de autodefesa.
E desde então os números, tecnicamente analisados, somente comprovam isso.

Após a promulgação do Estatuto do Desarmamento, o comércio de armas de fogo e munição caiu noventa por cento no país, dadas às quase intransponíveis dificuldades burocráticas que foram impostas para a aquisição desses produtos. Dos 2.400 estabelecimentos especializados registrados pela polícia federal no ano 2000, sobravam apenas 280 em 2008.

Essa drástica redução, comemorada de forma pueril por entidades desarmamentistas, não produziu qualquer redução nos índices de homicídio no país, pela simples e óbvia constatação de que não é a arma legalizada a que comete crimes, mas a dos bandidos, para os quais a lei de nada importa.

Voltando aos números do Mapa da Violência, desta vez em sua edição mais recente, edição 2012, tem-se que, dos vinte e sete estados brasileiros, os homicídios, depois da vigência do estatuto, cresceram em nada menos do que vinte. E onde não aumentaram, possuem comum o investimento na atuação policial, como os programas de repressão instaurados no Estado de São Paulo e a política de ocupação e pacificação do Rio de Janeiro, mas absolutamente nada relacionado a recolhimento de armas junto ao cidadão.

Emblemática é a comparação direta entre os Estados que mais recolheram armas e os índices de homicídio. Nas campanhas de desarmamento, Alagoas e Sergipe foram os campeões em recolhimento de armas. Desde então, o primeiro se tornou também o estado campeão de homicídios no país e, o segundo, quadruplicou suas taxas nessa modalidade de crime.

Não bastasse isso, com a sociedade desarmada, os jornais e noticiários hoje estampam diariamente o crescimento na criminalidade geral, com roubos indiscriminados, arrastões em restaurantes e invasões a residências, demonstrando que a certeza de que a vítima estará desarmada somente torna o criminoso mais ousado. Aliás, os números mais recentes da polícia de São Paulo mostram um assustador crescimento nos índices de latrocínio em residências, evidenciando que os criminosos não só passaram a invadir muito mais os lares do cidadão, mesmo com ele e sua família dentro, como também, impiedosamente, passaram a assassiná-los naquele que deveria ser o seu reduto de segurança, o lar.

E não só no Brasil se confirma a total ineficácia de políticas de desarmamento na redução da criminalidade. A própria ONU, mesmo sendo a “mãe” da tese de desarmamento, através do mais amplo e profundo estudo já realizado sobre homicídios em âmbito global – o Global Study on Homicide – United Nations Office on Drugs and Crime –, pela primeira vez na História reconheceu que não se pode estabelecer relação direta entre o acesso legal da população às armas de fogo e os índices de homicídio, pois que não são as armas do cidadão as que matam, mas as do crime organizado, em face das quais, como se disse, a lei não tem relevância.

O mesmo estudo ainda identifica exemplos em que, se relação estatística houver entre os dois fatos, esta será inversamente proporcional, com locais em que a grande quantidade de cidadãos armados é concomitante a baixíssimos índices de violência.

Na mais recente decisão de um governo sobre o assunto, o Canadá abandonou um sistema implantado há catorze anos para o registro de todas as armas longas do país, tornando-o, a partir de agora, dispensável, simplesmente porque se comprovou, com a experiência prática, que as armas do cidadão não come-tem crimes. É o mundo evoluindo no tratamento do assunto, mesmo em nações que um dia foram exemplos globais do ideal desarmamentista.

O desarmamento civil, portanto, é uma tese que, além de já amplamente rejeitada pela população brasileira – o que, por si só, já bastaria para sua revogação –, se revelou integralmente fracassada para a redução da violência, seja aqui ou em qualquer lugar do mundo em que implantada. Ao contrário, muito mais plausível é a constatação de que, após o desarmamento, muito mais cidadãos, indefesos, tornaram-se vítimas da violência urbana. Considerados o resultado do referendo, em outubro de 2005, e todos os supervenientes estudos que sobre o tema se promoveram, natural se esperar que a norma brasileira de regulação das armas de fogo sofra radical modificação, para que seus termos passem a traduzir legitimamente o anseio popular e os aspectos técnicos hoje dominantes no campo da segurança pública. Se o Brasil rejeitou o banimento das armas e essa ideia não trouxe qualquer melhoria para a população, não há qualquer sentido em se manter vigente uma legislação cujos preceitos decorrem de tal proibição.

A proposta que ora se apresenta visa corrigir essa distorção legislativa, oferecendo à Sociedade Brasileira um novo sistema regulatório, baseado, não na já rejeitada e fracassada ideia de simples desarmamento, mas na instituição de um controle, rígido e integrado, da circulação de armas de fogo no país.

Pela proposta ora posta em discussão, permite-se o acesso do cidadão brasileiro aos mecanismos eficazes para sua autodefesa, conforme vontade por ele expressamente manifestada, e, ao mesmo tempo, se possibilita ao Estado controlar com eficácia, a fabricação, a comercialização e a circulação de tais artefatos, podendo identificar e punir com rapidez qualquer eventual utilização irregular que deles se faça.

É fundamental registrar que não se está propondo a liberação indistinta da posse e do porte de armas de fogo, muito longe disso. O que a norma pretende é conciliar a manifesta vontade popular, a técnica prevalente na questão da segurança pública e o controle do Estado sobre a circulação de armas de fogo e munições no país.

Além disso, a proposta consolida dispositivos normativos já existentes em normas regulamentares, compilando-os em diploma legal único, permitindo seja empregado com um novo conceito, passível de identificação como verdadeiro “Estatuto de Regulamentação das Armas de Fogo”.

É neste propósito que apresento aos nobres pares a presente proposta, certo de contar com seu melhor entendimento nesta contribuição para o aperfeiçoamento do nosso ordenamento jurídico.
Por: Rodrigo Constantino

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

SOBRE JUÍZES E ADVOGADOS


Nestes dias em que começa a ser julgado o mensalão, sempre é bom relembrar Swift e as Viagens de Gulliver. Ao viajar pelo País dos Cavalos, os Houyhnhnms, Gulliver explicava ao soberano daquele reinado o funcionamento da lei em sua pátria, a Inglaterra. O texto é de 1726. Ou de hoje, se quisermos.

Eu disse existir entre nós uma sociedade de homens educados desde a juventude na arte de provar, por meio de palavras multiplicadas para esse fim, que o branco é preto e que o preto é branco, segundo eram pagos para dizer uma coisa ou outra.

Todo o resto do povo é escravo dessa sociedade. Por exemplo, se o meu vizinho tenciona ficar com a minha vaca, contrata um advogado para provar que deve tirar-se a vaca. Nesse caso, tenho de contratar outro advogado para defender os meus direitos, pois é contrário a todas as normas da lei permitir-se a um homem falar em seu próprio nome. Pois bem, nessas condições, eu, que sou o verdadeiro dono, me vejo a braços com duas grandes desvantagens: primeiro, o meu advogado, habituado quase desde o berço a defender a falsidade, está completamente fora de seu elemento quando precisa advogar a justiça, ofício não natural, em que sempre se empenha com grande inépcia, senão com má vontade. A segunda desvantagem reside em que o meu advogado tem de proceder com muita cautela, para que não o censurem e aborreçam os colegas, como a alguém que degradasse o exercício da profissão.

Donde nasce que tenho apenas dois métodos para conservar a minha vaca. O primeiro consiste em peitar o advogado de meu adversário, pagando-lhe honorários dobrados, e levando-o a trair o seu cliente, com uma insinuação de que a justiça pende para o seu lado. O segundo, em fazer o meu advogado crer que a minha causa pareça a mais injusta possível, admitindo que a vaca pertence a meu adversário e isto, se for feito com perícia,atrairá por certo o favor dos juízes.

Ora, Vossa Excelência deve saber que esses juízes são pessoas designadas para dirimir todas as controvérsias e, escolhidas entre os mais hábeis advogados, depois de velhos ou preguiçosos e, tendo o ânimo inclinado durante toda a existência contra a verdade e a equidade, vêem-se em tão fatal necessidade de favorecer a fraude, o perjúrio e a opressão, que eu soube haverem alguns recusado um pingue suborno da parte para a qual pendia a justiça, a fim de não prejudicar a corporação, fazendo uma coisa que não lhes condizia com a natureza nem o ofício.

É máxima entre esses advogados que tudo o que já foi feito pode legalmente fazer-se outra vez e têm, por conseguinte, o especial cuidado de registrar todas as decisões anteriormente tomadas contra a justiça ordinária e a razão comum dos homens. E apresentam-nos, sob o nome de precedentes, como autoridades que justificam as teorias mais iníquas; nunca deixando os juízes de decidir na conformidade delas.

Ao defender uma causa, evitam cuidadosamente entrar no mérito da questão; mas são estrondosos, violentos e enfadonhos no discorrer sobre todas as circunstâncias que não vêm ao caso. Por exemplo, no sobredito caso, não querem saber quais os direitos ou títulos que tem o meu adversário à minha vaca, mas se a dita vaca era vermelha ou preta, se tinha os chifres curtos ou compridos, se o campo em que eu a apascentava era redondo ou quadrado, se era ordenhada dentro ou fora de casas, a que doenças estava sujeita, e assim por diante; depois disso, consultam os precedentes, adiam a causa de tempos a tempos e chegam, dez, vinte ou trinta anos depois, a uma conclusão qualquer.

Importa observar também que essa sociedade tem uma algaravia ou geringonça especial que os outros mortais não entendem, e na qual são escritas todas suas leis, que eles tomam o especial cuidado de multiplicar, por onde conseguiram confundir de todo o ponto a própria essência da verdade e da falsidade, da razão e da sem razão; por maneira que são precisos trinta anos para decidir se o campo, que me legaram há seis gerações os meus antepassados, pertence a mim ou pertence a um estranho que mora a trezentas milhas de distância.

No julgamento das pessoas acusadas de crimes contra o Estado, é muito mais curto e louvável o processo; sonda o juiz, primeiro, a disposição dos que se encontram no poder; depois, não lhe é difícil enforcar ou salvar o criminoso, preservando rigorosamente as devidas formas da lei. 

A essa altura, interrompendo-me, disse meu amo ser lástima que criaturas dotadas de tão prodigiosas habilidades de espírito, como haviam de ser, forçosamente, esses advogados pela descrição que eu fizera, não fossem antes estimulados a instruir os outros na discrição e no saber. Respondendo a isso, afiancei a Sua Excelência que em todos os pontos alheios ao seu ministério eram, de regra, entre a casta mais ignorante e mais estúpida; a mais desprezível na conversação ordinária, inimigas declarada de todo o saber e de todos os conhecimentos, e igualmente disposta a perverter a razão geral dos homens assim em outros assuntos como nos de sua profissão.

Por Janer Cristaldo

EMPREENDEDORISMO, EFICIÊNCIA DINÂMICA E ÉTICA


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O conceito austríaco de eficiência dinâmica



O termo "eficiência" é derivado etimologicamente do verbo latim ex facio, que significa "obter algo de". A aplicação à economia do conceito de eficiência como sendo a capacidade de "obter algo de" antecede o mundo romano e pode ser datado à Grécia antiga, onde o termo Oeconomia foi primeiramente utilizado para se referir à administração eficiente do lar de uma família. 

Vale lembrar que Xenofonte, em sua obraOeconomicus, escrita em 380 a.C., explica que há duas maneiras distintas de se aumentar o patrimônio da família; cada uma de suas maneiras equivale a um conceito distinto de eficiência. A primeira maneira corresponde ao conceito estático de eficiência, e consiste na administração austera e sensata dos recursos disponíveis (ou os recursos existentes na natureza), evitando que eles sejam desperdiçados. De acordo com Xenofonte, a melhor maneira de se alcançar esta eficiência estática é mantendo o lar em bom estado. 

No entanto, junto com o conceito estático de eficiência, Xenofonte introduz um conceito distinto, o da eficiência "dinâmica", o qual consiste na tentativa de se aumentar o patrimônio por meio da criatividade empreendedorial — ou seja, mais pelo comércio e pela especulação do que pelo esforço em se evitar o desperdício dos recursos já disponíveis. Esta tradição de fazer uma clara distinção entre os dois diferentes conceitos de eficiência, a estática e a dinâmica, durou até a Idade Média. Por exemplo, São Bernardino de Siena escreveu que os lucros dos comerciantes eram justificáveis não somente por causa de sua sensata administração dos recursos disponíveis, mas também, e principalmente, pela assunção dos riscos e perigos (do latim pericula) inerentes a qualquer especulação empreendedorial. 

Infelizmente, o desenvolvimento da física mecânica, que começou na Era Moderna, teve uma influência bastante negativa sobre a evolução do pensamento econômico, especialmente após o século XIX, quando a ideia de eficiência dinâmica já estava quase que totalmente esquecida pela ciência econômica. 

Tanto o austríaco Hans Mayer, antes da Segunda Guerra Mundial, quanto Philip Mirowski, atualmente, enfatizaram que a economia neoclássica convencional desenvolveu-se como sendo uma cópia perfeita da física mecânica do século XIX — utilizando o mesmo método formal, mas substituindo o conceito de energia pelo de utilidade, e aplicando os mesmos princípios de conservação, maximização do resultado e minimização de perdas. O autor mais representativo desta tendência negativa foi Leon Walras, que, em sua monografia de 1909, "Economics and Mechanics", afirmou que as fórmulas matemáticas de seu livro Elements of Pure Economics eram idênticas àquelas da física matemática. 

Em suma, a influência da física mecânica erradicou a dimensão criativa, especulativa e dinâmica que estava implícita na ideia de eficiência econômica desde o início, e tudo o que restou foi o aspecto estático e reducionista, o qual consiste unicamente em minimizar o desperdício dos recursos econômicos (os quais já estão disponíveis e são conhecidos). Esta mudança ocorreu não obstante o fato de que, na vida real, nem os recursos e nem a tecnologia são "dados constantes"; eles variam continuamente como resultado da criatividade empreendedorial. 

O conceito reducionista da eficiência estática teve uma enorme influência teórica e prática no século XX. Os socialistas fabianos Sydney e Beatrice Webb nos fornecem um bom exemplo. Este casal se sentia extremamente abalado com o "desperdício" que eles acreditavam ser gerado pelo sistema capitalista, e por isso fundaram a London School of Economics como um esforço para promover a reforma socialista do capitalismo. O objetivo desta reforma socialista seria eliminar o desperdício e tornar o sistema econômico mais "eficiente". Com o tempo, os Webbs não mais guardavam segredo e passaram a confessar abertamente sua calorosa admiração pela "eficiência" que acreditavam ter observado na Rússia soviética, ao ponto de Beatrice chegar a declarar que "Apaixonei-me pelo comunismo soviético." 

Outro autor completamente influenciado pelo conceito estático de eficiência econômica foi o próprio John Maynard Keynes, que, em sua introdução à edição alemã de A Teoria Geral, em 1936, afirmou abertamente que suas políticas econômicas sugeridas "se adaptam muito mais facilmente às condições de um estado totalitário". Keynes também elogiou copiosamente o livro Soviet Communism, que Sidney e Beatrice Webb haviam publicado três anos antes. 

Adicionalmente, nos anos 1920 e 1930, o conceito estático de eficiência econômica se tornou o ponto central de toda uma nova disciplina, que passou a ser chamada de "economia do bem-estar", a qual foi desenvolvida a partir de abordagens alternativas, dentre as quais a abordagem de Pareto é mais conhecida. 

De uma perspectiva paretiana, um sistema econômico está em um estado de eficiência quando ninguém é capaz de melhorar sua situação sem necessariamente piorar a situação de outra pessoa. 

Nossa principal crítica à economia do bem-estar é que ela reduz o problema da eficiência econômica a um simples problema matemático de maximização, no qual todos os dados econômicos são presumidos como sendo já conhecidos e constantes. No entanto, estas presunções são completamente equivocadas: todos os dados da economia estão em contínua mudança em decorrência da criatividade empreendedorial. 

E é exatamente por esta razão que temos de introduzir um novo conceito, o da eficiência dinâmica, o qual deve ser entendido como a capacidade de estimular a criatividade empreendedorial e a coordenação. Em outras palavras, a eficiência dinâmica consiste na capacidade empreendedorial de descobrir oportunidades de lucro e de coordenar e superar quaisquer desajustes sociais ou descoordenações. 

Em linguagem de economia neoclássica, o objetivo da eficiência dinâmica não deve ser o de empurrar o sistema em direção à fronteira de possibilidades de produção, mas sim o de expandir e aprimorar a criatividade empreendedorial e, com isso, "deslocar" a curva de possibilidade de produção continuamente para a direita. 

A palavra "empreendedorismo" é derivada etimologicamente do termo latim in prehendo, que significa "descobrir", "ver", "perceber" algo. Neste sentido, podemos definir empreendedorismo como sendo a capacidade tipicamente humana de reconhecer as oportunidades de lucro que aparecem no ambiente e agir apropriadamente para tirar proveito delas. 

Empreendedorismo, portanto, envolve um tipo especial de alerta, a capacidade de estar sempre vigilante e atento. Também totalmente aplicável à ideia de empreendedorismo é o verbo "especular", o qual advém do termo latim specula, que se refere às torres das quais as sentinelas conseguiam ver ao longe e detectar qualquer coisa que se aproximasse. 

Toda e qualquer ação empreendedorial não apenas cria e transmite novas informações como também coordena o até então descoordenado comportamento dos agentes econômicos. Sempre que um indivíduo descobre ou cria uma oportunidade de lucro e compra barato um determinado recurso e o revende a um preço mais alto, ele está fazendo com que o comportamento até então descoordenado dos proprietários daquele mesmo recurso (os quais muito provavelmente estavam esbanjando-o e desperdiçando-o) seja harmonizado com o comportamento daqueles que necessitam deste recurso. Portanto, a criatividade e a coordenação são dois lados de mesma moeda ("empreendedorial"). 

Do ponto de vista dinâmico, um indivíduo, uma empresa, uma instituição ou até mesmo todo um sistema econômico será tanto mais eficiente quanto mais ele promover a criatividade e a coordenação empreendedorial. 

E desta perspectiva dinâmica, o objetivo realmente importante não é tanto o de evitar o desperdício de determinados meios considerados como já conhecidos e disponíveis, mas sim o de continuar descobrindo e criando novos meios e fins. 

Para uma abordagem mais ampla deste assunto, recomendaria as principais obras de Mises, Hayek, Kirzner e Rothbard sobre a ideia de o mercado ser um processo dinâmico conduzido pelo empreendedorismo e sobre a noção de concorrência como sendo um processo de descoberta e criatividade. 

Em minha opinião, estes autores austríacos são os que nos fornecem o mais exato conceito de eficiência dinâmica, o qual se diferencia daquele conceito mais imperfeito de eficiência dinâmica desenvolvido tanto por Joseph Schumpeter quanto por Douglass North. 

North e Schumpeter oferecem perspectivas totalmente opostas. Enquanto Schumpeter considera exclusivamente o aspecto da criatividade empreendedorial e seu poder destrutivo (cujo processo ele chama de "destruição criativa"), Douglass North se concentra em outro aspecto, o qual ele chama de "eficiência adaptativa", ou a capacidade coordenadora do empreendedorismo. Portanto, o verdadeiro conceito austríaco de eficiência dinâmica, aquele desenvolvido por Mises, Hayek e Kirzner, combina a dimensão criativa com a dimensão coordenadora; já Schumpeter e North estudam ambos estes conceitos de maneira separada, fracionada e reducionista. 

Eficiência dinâmica e ética 

Qual a relação íntima que existe entre a ética e o conceito da eficiência dinâmica acima apresentado? 

A convencional teoria econômica neoclássica baseia-se na ideia de que as informações do mercado são objetivas e conhecidas por todos (em termos probabilísticos ou exatos), e que a questão da maximização de utilidade não possui absolutamente nenhuma ligação com considerações morais. 

Adicionalmente, o ponto de vista estático — o qual é dominante no ensino atual de economia — leva à conclusão de que os recursos são, de certa maneira, dados e conhecidos por todos, e que, portanto, o problema econômico de sua distribuição é separado e diferente do problema de sua produção. Mas a verdade é que, se os recursos já são dados e conhecidos, é de vital importância investigar qual a melhor maneira de alocar entre diferentes pessoas tanto os meios de produção disponíveis quanto os bens de consumo por eles produzidos. 

Toda esta abordagem neoclássica se esfacela como um castelo de areia caso optemos por seguir o conceito dinâmico do processo de mercado, fundamentado na teoria do empreendedorismo e na noção de eficiência dinâmica acima explicadas. Desta perspectiva, cada ser humano possui uma capacidade criativa ímpar e específica, a qual o permite continuamente perceber e descobrir novas oportunidades de lucro. O empreendedorismo consiste na capacidade tipicamente humana de criar e descobrir novos meios e fins, e é a mais importante característica da natureza humana. 

Se os meios, os fins e os recursos nunca são dados e conhecidos por todos, mas sim são continuamente criados do nada em consequência da ação empreendedorial de seres humanos, então resta claro que o fundamental problema ético não mais é o de como distribuir de maneira justa tudo aquilo que já existe, mas sim o de como promover a criatividade e a coordenação empreendedorial. 

Consequentemente, no campo da ética social, chegamos à fundamental conclusão de que a ideia de que seres humanos são agentes criativos e coordenadores implica a axiomática aceitação do princípio de que cada ser humano possui o direito natural de se apropriar de todos os resultados de sua criatividade empreendedorial. Ou seja, a apropriação privada dos frutos da descoberta e da criação empreendedorial é um princípio autoevidente das leis naturais. 

E é assim porque, se um indivíduo empreendedor não pudesse reivindicar para si aquilo que ele criou ou descobriu, sua capacidade de detectar oportunidades de lucro estaria completamente bloqueada, e seu incentivo para agir desapareceria. Adicionalmente, este princípio é universal no sentido de que ele pode ser aplicado para todas as pessoas, a todos os momentos, em todos os lugares. 

Impedir que a ação humana seja totalmente livre, coagindo-a de modo a proibir que as pessoas tenham o direito de possuir integralmente tudo aquilo que elas empreendedoristicamente, criaram não apenas é dinamicamente ineficiente, uma vez que obstrui sua criatividade e capacidade de coordenação, como também é fundamentalmente imoral, uma vez que tal coerção impede os seres humanos de desenvolverem aquilo que é, por natureza, inerente a eles: sua capacidade inata de imaginar e criar novos meios e fins para tentar alcançar seus próprios objetivos e aspirações. Exatamente por estes motivos, não somente o socialismo e o intervencionismo, mas também toda e qualquer forma de estatismo e tributação, são não apenas dinamicamente ineficientes, como também eticamente injustos e imorais. 

Vale enfatizar que a força da criatividade empreendedorial também se manifesta no desejo de se ajudar os mais pobres e na busca sistemática por situações em que terceiros estão necessitados, com o intuito de ajudá-los. Com efeito, a coerciva intervenção estatal, por meio dos mecanismos típicos do chamado "estado de bem-estar social", neutraliza e, em grande medida, obstrui o esforço empreendedorial de se ajudar um semelhante que está passando por dificuldades. Os incentivos para o auxílio ao próximo são tolhidos e a tarefa acaba sendo transferida para o aparato estatal, o qual, justamente por funcionar fora de um ambiente de eficiência dinâmica, simplesmente não tem como agir de maneira correta. 

Adicionalmente, de acordo com nossa análise, nada é mais (dinamicamente) eficiente do que a justiça (entendida em seu sentido correto). Se pensarmos no mercado como um processo dinâmico, então a eficiência dinâmica, entendida como coordenação e criatividade, é resultante do comportamento de seres humanos que seguem determinadas leis morais (principalmente no que diz respeito à vida, à propriedade privada e ao cumprimento de contratos). 

Somente quando o exercício da ação humana está sujeito a estes princípios éticos é que ela pode gerar processos sociais dinamicamente eficientes. Portanto, do ponto de vista dinâmico, a eficiência é incompatível com os diferentes modelos de igualdade ou justiça (contradizendo o segundo teorema fundamental da economia de bem-estar). A eficiência advém de apenas uma ideia de justiça: aquela baseada no respeito à propriedade privada, ao empreendedorismo e, como veremos mais abaixo, também aos princípios da moralidade pessoal. Sendo assim, não há nenhuma contradição entre eficiência e justiça — desde que, por "justiça", entendamos seu conceito genuíno, e não aquele especificado pelos filósofos sociais. 

O que é justo não pode ser ineficiente, e o que é eficiente não pode ser injusto. Uma análise dinâmica revela que a justiça e a eficiência são dois lados da mesma moeda, o que também confirma a ordem consistente e integrada que existe no espontâneo universo social das interações humanas. 

Por fim, abordemos algumas ideias sobre a relação entre eficiência dinâmica e os princípios da moralidade pessoal, especialmente no campo da família e das relações sexuais. 

Até aqui, analisamos a ética social e discutimos os princípios essenciais que fornecem a estrutura que possibilita a eficiência dinâmica. Mas é fora deste âmbito que estão os mais íntimos princípios da moralidade pessoal. A influência dos princípios da moralidade pessoal sobre a eficiência dinâmica quase nunca são estudados e, em todo caso, são considerados como se fossem separados e distintos da ética social. No entanto, creio que esta separação é completamente injustificada. 

Com efeito, existem princípios morais de grande importância para a eficiência dinâmica de qualquer sociedade, os quais estão sujeitos a este aparente paradoxo: a incapacidade de segui-los em um nível pessoal gera enormes custos em termos de eficiência dinâmica; porém, a tentativa de impor estes princípios morais por meio da força estatal irá gerar ineficiências ainda mais severas. Logo, certas instituições sociais são necessárias para transmitir e estimular estes princípios morais individuais, os quais, por sua própria natureza, não podem ser impostos pela violência e pela coerção, mas são, não obstante, de grande importância para a eficiência dinâmica de qualquer sociedade. 

É principalmente através da religião e da família que os seres humanos, geração após geração, conseguem internalizar estes princípios e, assim, aprendem a mantê-los e a transmiti-los para seus filhos. Os princípios relacionados à moralidade sexual, à criação e à preservação da instituição da família, à fidelidade entre os cônjuges, ao cuidado com os filhos, ao controle de nossos instintos primitivos, e à superação e coibição da inveja são todos de crucial importância para todo e qualquer bem sucedido processo social de criatividade e coordenação. 

Como Hayek nos ensinou, tanto o progresso da civilização quanto o desenvolvimento econômico e social requerem uma população em constante expansão que seja capaz de sustentar e absorver, em meio a este contínuo aumento no número de pessoas, o crescimento ininterrupto no volume de conhecimento social gerado pela criatividade empreendedorial. A eficiência dinâmica depende da criatividade das pessoas e de sua capacidade de coordenação; e, tudo o mais constante, ela tende a crescer quando o número de seres humanos aumenta. Mas tal eficiência dinâmica só pode acontecer dentro de uma determinada estrutura de princípios morais que governe as relações familiares. 

No entanto, como afirmei, isto representa um paradoxo. Toda a estrutura de princípios morais pessoais não pode ser imposta pela coerção violenta. A imposição de princípios morais pela força ou pela coerção irá gerar uma sociedade fechada e inquisitorial, privando os seres humanos de suas liberdades individuais, as quais englobam o empreendedorismo e a eficiência dinâmica. 

Este fato revela exatamente a importância de métodos alternativos e não coercitivos de orientação social que mostrem às pessoas os mais íntimos e pessoais princípios morais, e estimulem sua incorporação e observância. Podemos concluir que, tudo o mais constante, quanto mais firmes e mais duradouros são os princípios morais individuais de uma sociedade, maior tenderá a ser sua eficiência dinâmica. 

Jesús Huerta de Soto  professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor da monumental obra Money, Bank Credit, and Economic Cycles.

O JULGAMENTO DA HISTÓRIA


"O mais atrevido e escandaloso esquema de corrupção e de desvio de dinheiro público flagrado no Brasil", segundo a definição do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no seu memorial conclusivo, começa a ser julgado hoje pelo STF. A palavra "história" está um tanto desgastada. Quase tudo, de casamentos de celebridades a jogos de futebol, é rotineiramente declarado "histórico". O adjetivo, contudo, deve ser acoplado ao julgamento do mensalão - e num duplo sentido. A Corte Suprema está julgando os perpetradores de uma tentativa de supressão da independência do Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, dará um veredicto sobre um tipo especial de corrupção, que almeja a legitimidade pela invocação da História (com H maiúsculo).

Silvio Pereira, o "Silvinho Land Rover", então secretário-geral do PT, tornou-se uma figura icônica do mensalão, pois, ao receber o veículo, conferiu ao episódio uma simplória inteligibilidade: corruptos geralmente obtêm acesso a "bens de prazer" e a "bens de prestígio" em troca de sua contribuição para os esquemas criminosos. No caso, porém, o ícone mais confunde do que esclarece. "Vivo há 28 anos na mesma casa em São Paulo, me hospedo no mesmo hotel simples há mais de 20 anos em Brasília, cidade onde trabalho de segunda a sexta", disse em sua defesa José Genoino, então presidente do PT e avalista dos supostos empréstimos multimilionários tomados pelo partido.

Genoino quer, tanto por motivos judiciais quanto políticos, separar sua imagem da de Silvinho - e não mente quando aborda o tema da honestidade pessoal. Os arquitetos principais do núcleo partidário do mensalão não operavam um esquema tradicional de corrupção, destinado a converter recursos públicos em patrimônios privados. Eles pretendiam enraizar um sistema de poder, produzindo um consenso político de longo alcance. O episódio deveria ser descrito como um acidente necessário de percurso na trajetória de consolidação da nova elite política petista.

José Dirceu, o "chefe da quadrilha", opera atualmente como lobista de grandes interesses empresariais, não compartilha o estilo de vida monástico de Genoino, mas também não parece ter auferido vantagens pecuniárias diretas no episódio em julgamento. O então poderoso chefe da Casa Civil comandou o esquema de aquisição em massa de parlamentares com o propósito de assegurar a navegação de Lula nas águas incertas de um Congresso sem maioria governista estável. Dirceu conduziu a perigosa aventura em nome dos interesses gerais do lulismo - e, imbuído de um característico sentido de missão histórica, aceitou o papel de bode expiatório inscrito na narrativa oficial da inocência do próprio presidente. Há um traço de tragédia em tudo isso: o mensalão surgiu como "necessidade" apenas porque o neófito Lula rejeitou a receita política original formulada por Dirceu, que insistira em construir extensa base governista sustentada sobre uma aliança preferencial entre PT e PMDB.

A corrupção tradicional envenena lentamente a democracia, impregnando as instituições públicas com as marcas dos interesses privados. O caráter histórico do episódio em julgamento deriva de sua natureza distinta: o mensalão perseguia a virtual eliminação do sistema de contrapesos da democracia, pelo completo emasculamento do Congresso. A apropriação privada fragmentária de recursos públicos, por mais desoladora que seja, não se compara à fabricação pecuniária de uma maioria parlamentar por meio do assalto sistemático ao dinheiro do povo. Os juízes do STF não estão julgando um caso comum, mas um estratagema golpista devotado a esvaziar de conteúdo substantivo a democracia brasileira.

No PT, "Silvinho Land Rover" será, para sempre, um "anjo caído", mas o tesoureiro Delúbio Soares foi festivamente recebido de volta, enquanto Genoino frequenta reuniões da direção e Dirceu é aclamado quase como mártir. O contraste funciona como súmula da interpretação do partido sobre o mensalão. Ao contrário do dirigente flagrado em prática de corrupção tradicional, os demais serviam a um desígnio político maior - um fim utópico ao qual todos os meios se devem subordinar. São, portanto, "heróis do povo brasileiro", expressão regularmente usada nas ovações da militância petista a Dirceu.

O PT renunciou faz tempo à utopia socialista. Na visão do "chefe da quadrilha", predominante no seu partido, o PT é a ferramenta de uma utopia substituta: o desenvolvimento de um capitalismo nacional autônomo. Segundo tal concepção, o lulismo figuraria como retomada de um projeto deflagrado por Getúlio Vargas e interrompido por FHC. Nas condições postas pela globalização, tal projeto dependeria da mobilização massiva de recursos estatais para o financiamento de empresas brasileiras capazes de competir nos mercados internacionais. A constituição de uma nova elite política, estruturada em torno do PT, seria componente necessário na edificação do capitalismo de Estado brasileiro. Sobre o pano de fundo do projeto de resgate nacional, o mensalão não passaria de um expediente de percurso: o atalho circunstancial tomado pelas forças do progresso fustigadas numa encruzilhada crucial.

A democracia é um regime essencialmente antiutópico, pois seu alicerce filosófico se encontra no princípio do pluralismo político: a ideia de que nenhum partido tem a propriedade da verdade histórica. Na democracia as leis valem para todos - mesmo para aqueles que, imbuídos de visões, reclamam uma aliança preferencial com o futuro. O "herói do povo brasileiro" não passa, aos olhos da lei, do "chefe da quadrilha" consagrada à anulação da independência do Congresso. Ao julgar o mensalão, o STF está decidindo, no fim das contas, sobre a pretensão de uma corrente política de subordinar a lei à História - ou seja, a um projeto ideológico. Há, de fato, algo de histórico no drama que começa hoje. 
Por: Demétrio Magnóli O Estado de S Paulo

BATMAN RESSURGE


Fui ver o filme novo do Batman ontem. Gostei muito. Não só pelos efeitos especiais, mas pela mensagem. Sim, não foge àquele padrão americanófilo maniqueísta, de luta entre o bem e o mal. Sim, há algo de pulsão de morte nessa mania de destruir NY (Gothan é claramente NY) nas telas dos cinemas. Sim, há a visão redentora de que sempre se derrota as forças malignas no final.

Mas não é só isso. Batman é um símbolo da boa luta, uma idéia que persiste, apesar dos pesares, do niilismo que se espalha, do medo que o terrorismo produz nas pessoas, da angústia da falta de sentido no mundo e no mal. O Batman usa máscara pois não é um indivíduo, um messias salvador, e sim esta crença de que vale a pena fazer a coisa certa, resistir e lutar, ainda que a luta nunca tenha fim, uma vitória definitiva.

O Batman pode ser um garoto que compra briga com vândalos que espancavam um mendigo desconhecido na rua. Pode ser um homem que se joga nos trilhos de um trem para salvar uma estranha. O Batman é aquele que aceita o fardo de sacrificar alguns prazeres hedonistas se for por uma causa nobre. Batman tem senso de dever cívico. Sim, ele é a esperança. Resta saber quem consegue viver sem ela...

Bane, o novo vilão, é o mal em pessoa, ou seja, a completa ausência de empatia pelo próximo. Quando o caos anárquico se instala em Gothan City, a turba dá vazão a seus instintos mais destrutivos. A pilhagem começa, mostrando o perigo da crença na luta de classes, que jamais serve para construir algo bom, e sim para destruir o que existe. Os tribunais do povo são instaurados, como no Terror de Robespierre, com sentenças sumárias decididas pelo novo ditador. Sem o império da lei, a ordem dá lugar à tirania.

Como um dos heróis diz no filme, não adianta esperar ajuda de fora. É de dentro da cidade que terá de vir a força para resistir e virar o jogo. E não é sempre assim? Aqueles que esperam uma salvação exógena estão fadados ao fracasso. Os americanos conseguiram reconstruir sua cidade, retomar suas vidas, ainda que a “terra da liberdade” esteja com menos liberdade atualmente. Os fundamentalistas islâmicos, os comunistas, os nazistas, os niilistas, todos os antiamericanos continuam com suas metas patológicas de transformar NY em cinzas, mas a cidade resiste.

Há quem veja nas gigantescas torres arquitetônicas o símbolo da arrogância, da hubrisamericana, um convite ao ataque terrorista. Balela. É como culpar o rico em sua Ferrari pelo assalto que sofre. O sucesso, nos Estados Unidos, sempre foi admirado, em parte porque era fruto da meritocracia, de um modelo de livre concorrência onde um “self-made man” podia ir longe apenas com seu talento e esforço. Isso está mudando, mas não por culpa do sucesso, e sim dos invejosos igualitários, que enxergam no sucesso alheio um alvo a ser destruído.

Parte da explicação é que o modelo deixou de ser livre, e cada vez mais se parece com o capitalismo de compadres do resto do mundo, onde as conexões com o governo valem mais que o mérito pessoal. A saída não é acusar as torres, o sucesso, a riqueza, e sim apontar as falhas do novo modelo e resgatar o antigo. De nada adiantará culpar NY pelo terrorismo de que é alvo. A culpa é dos que não toleram o sucesso e a liberdade dos outros.

Infelizmente, estes sempre existirão, alienados e preparados para colocar em ações suas forças destrutivas. E por isso NY vai sempre precisar de Batman. Não um super-herói que, como um messias salvador, derrota sozinho as forças do mal. E sim como a idéia que persiste, não em todos, claro, ou nem mesmo na maioria; mas em alguns, em uma minoria que aceita o fardo, que abraça a luta porque é a coisa certa a fazer, ainda que isso possa significar enorme sacrifício pessoal. Estes fazem a diferença. Estes mantêm a chama da liberdade acesa.

Como disse Virgílio em Eneida: Tu ne cede malis sed contra audentior ito (não ceda ao mal, mas lute mais bravamente contra ele). Por: Rodrigo Constantino


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

UMA QUESTÃO DE SOBERANIA NACIONAL


Problema a ser resolvido: o de terras que se tornaram exíguas pelo crescimento da população indígena

A Advocacia Geral da União (AGU) publicou no dia 16 de julho uma portaria, de nº 303, regulamentando a decisão do Supremo Tribunal Federal, referente às condicionantes do caso da Raposa Serra do Sol. Trata-se de um ato administrativo, jurídico, que obriga a todos os órgãos do Estado a seguirem suas orientações.

A questão é particularmente interessante, pois a Funai e o Ministério Público Federal, com apoio de ONGs, movimentos sociais e entidades da Igreja Católica, como o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), continuavam atuando como se o Supremo nada tivesse decidido a respeito. Com pedidos de esclarecimento ao STF e com embargos declaratórios procuraram não seguir as novas diretrizes.

O ministro Luís Adams, em uma clara atitude de respeito à lei, de afirmação dos princípios republicanos, declarou que não era mais possível o país conviver com tal grau de insegurança jurídica. Colocou-se na posição própria de um defensor do Estado de direito.

As reações não tardaram com a própria Funai, ONGs e movimentos sociais procurando impedir a aplicação da nova norma, sugerindo a sua suspensão e outros movimentos análogos. Tiveram durante esses três anos todo o tempo de expor as suas posições, que foram convenientemente analisadas em um Parecer da própria AGU, nº 153/2010/DENOR/CGU/AGU.

Nele, aparece com particular clareza como a Funai se recusa a seguir as diretrizes do STF, utilizando, com tal fim, todos os subterfúgios possíveis, que aparecem sob a forma de esclarecimentos administrativos. O caso é particularmente importante por mostrar a autonomia com a qual a Funai está acostumada a tratar desse assunto, procurando, praticamente, se instituir como um poder independente.

Mais especificamente esse órgão estatal questionava a competência dos órgãos ambientais, a atuação das Forças Armadas e a ampliação das áreas indígenas já demarcadas, além de procurar obstaculizar a construção de usinas hidrelétricas sem prévia consulta às comunidades indígenas (leia-se a própria Funai e as ONGs nacionais e internacionais), cujo exemplo maior é o conjunto de obstáculos colocados à construção de Belo Monte.

Vejamos alguns exemplos:

O artigo 1 estabelece: “(VIII) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.”

Ora, esse era um problema particularmente importante, pois havia uma confusão de competência entre o Instituto Chico Mendes e a Funai no que toca ao usufruto dos índios nas unidades de conservação, com esse último órgão pretendendo ter ingerência nessa área. Seguindo as determinações do STF, a AGU equaciona a questão afirmando a responsabilidade do órgão ambiental sobre áreas ambientais, dirimindo a confusão administrativa existente. O meio ambiente foi claramente preservado.
A Funai se recusa a seguir as diretrizes do STF

O artigo 1 estipula: “(XVII) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada.” Tal artigo é complementado pelo artigo 4 que traz a seguinte especificação: “O procedimento relativo à condicionante XVII, no que se refere à vedação de ampliação de terra indígena mediante revisão de demarcação concluída, não se aplica aos casos de vício insanável ou de nulidade absoluta.”

Ora, esse é um dos itens que a Funai, o MPF e as ONGs nacionais e internacionais, além dos movimentos sociais, mais relutam em seguir por colocar um ponto final à insegurança reinante. Na verdade, tinham o objetivo introduzir um argumento falacioso, presente em sua arguição ao Parecer da AGU, de que todas as demarcações e homologações já existentes, que já cobrem em torno de 13% do território nacional, não seriam válidas, pois feitas com outros critérios do que os atuais.

Na verdade, estavam – e estão – propugnando por uma revisão e ampliação de todos os territórios indígenas, como se o que foi feito no passado não tivesse nenhum valor legal. Isto equivaleria a uma total insegurança jurídica que seria produzida pelos contestáveis critérios – ideológicos – atuais.

Fica, contudo, um problema a ser resolvido, que é basicamente social e demográfico, o de terras que se tornaram exíguas pelo crescimento da população indígena. Esse problema pode – e deve – ser equacionado pelo Poder Público mediante a compra de terra para essas comunidades, que seriam atendidas em seus legítimos pleitos sem trazer prejuízos para os agricultores que se encontram no seu entorno ou em suas proximidades. Os conflitos desapareceriam e as diferentes comunidades seriam atendidas em um clima de cooperação e concórdia. Ocorre que muitas entidades e ONGs vivem do acirramento dos conflitos, tirando deles proveito.

O artigo 1 estabelece: “(VI) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Funai.”

Trata-se de um ponto, que diria elementar, de reafirmação da soberania nacional. No entanto, a Funai e ONGs nacionais e internacionais procuraram nos últimos anos criar condições para o estabelecimento futuro de “nações” indígenas. Tal projeto poderia atentar contra a própria soberania nacional. Imaginem, por exemplo, se a defesa das fronteiras nacionais pelas Forças Armadas devesse estar subordinada à consulta à Funai e às comunidades indígenas representadas também por ONGs internacionais.

Por último, o artigo 1 estabelece: “(I) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, 6º, da Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei complementar.”

Desta forma, são assegurados os direitos da União no que diz respeito, basicamente, ao aproveitamento dos recursos energéticos do país, principalmente hídricos, que já vinham sendo mesmo contestados fora de áreas indígenas. A decisão final não é de competência de ONGS e movimentos sociais. {Por: Denis Rosenfield

Fonte: O Globo, 30/07/2012