segunda-feira, 27 de agosto de 2012

SORRIA! VOCÊ ESTÁ SENDO RASTREADO


Informações de 500 milhões de consumidores são cruzadas para traçar um perfil detalhado. E quase ninguém sabe disso


Natasha Singer, The New York Times

Ela sabe quem você é. Sabe onde você mora e sabe o que você faz.

Vasculha a vida mais do que o próprio FBI ou o IRS (Serviço da Receita dos EUA), ou do que o apurado olhar digital do Facebook e do Google. É muito provável que ela saiba coisas sobre você como idade, raça, sexo, peso, altura, estado civil, escolaridade, tendência política, hábitos de consumo, preocupações com a saúde da família, sonhos para férias – e assim por diante.

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Neste momento, em Conway, cidade do Estado de Arkansas, sudeste do país, mais de 23 mil servidores capturam, comparam e analisam dados de consumidores para uma empresa de alta tecnologia que, ao contrário dos grandes nomes do Vale do Silício, raramente aparece nas manchetes.

É a Acxiom Corporation, o discreto gigante de uma indústria multibilionária conhecida como marketing de bancos de dados.

Poucos consumidores ouviram falar da Acxiom, que também atua no Brasil (mais informações na página ao lado), onde tem um registro de 175 milhões de pessoas. Analistas afirmam que ela tem o maior banco de dados de consumidores de todo o mundo – e que quer conhecer muito mais. Seus servidores processam mais de 50 trilhões de “transações” de dados por ano.

Segundo executivos da empresa, o banco de dados contém informações de 500 milhões de consumidores ativos em todo o mundo, com cerca de 1.500 categorias de dados por pessoa.

Esta coleta e análise de dados em grande escala – baseada em informações disponíveis em registros públicos, pesquisas com consumidores e outros meios – são perfeitamente legais. Entre os clientes da Acxiom estão grandes bancos, montadoras, lojas de departamentos – e todas as companhias importantes que procuram conhecer os clientes.

Para a Acxiom, o modelo é lucrativo. Entretanto, os lucros carregam um custo para os consumidores. Autoridades do governo dos EUA afirmam que a legislação atual talvez não esteja preparada para lidar com a rápida expansão de um setor em que as empresas muitas vezes coletam e vendem informações financeiras e de saúde que em geral são sigilosas.

É como se o minério de nossas vidas digitais fosse escavado, refinado e vendido para quem oferece o maior lance, em geral sem o nosso conhecimento – por empresas cuja existência a maioria das pessoas desconhece.
Julie Brill, da Comissão Federal de Comércio dos EUA, diz que gostaria que as empresas informassem às pessoas os dados que coletam, como os coletam, com quem elas os compartilham e como são utilizados. “Se a pessoa é listada como diabética ou grávida, o que acontece com esta informação? Para onde ela vai?”, questiona. “Nós, enquanto sociedade, precisamos definir as regras”.
PRIVACIDADE


Em folhetos, a Acxiom se promove como “líder global de ideias inovadoras para tratar do problema da privacidade dos consumidores e conquistar a confiança do público”. Mas especialistas em segurança e entidades de defesa do consumidor ouvidos pela reportagem a retratam como uma companhia que privilegia interesses de clientes sobre os dos consumidores.

Os folhetos da Acxiom, por exemplo, anunciam um sistema especial de segurança para que os dados enviados por clientes sejam codificados. No entanto, especialistas em segurança que examinaram o site da Acxiom para o New York Timesdescobriram descuidos fundamentais no formulário usado por consumidores que buscam acesso aos seus próprios perfis. (A Acxiom afirma que corrigiu a falha.)

Em uma economia digital em crescimento, a Acxiom tem técnicas avançadas para garimpar e refinar dados. Ela contratou talentos da Microsoft, Google, Amazon e MySpace e usa uma poderosa estratégia multiplataforma para prever o comportamento do consumidor.

Evidentemente, muitos anúncios já são personalizados, baseado nas atividades dos usuários. Basta pensar nos “cookies”, pedaços do código de computador, inseridos nos browsers para acompanhar a navegação. Mas, segundo analistas, a Acxiom funde o que sabe sobre o nosso comportamento offline, online e no celular, criando retratos detalhados. Seus executivos chamam essa estratégia de uma “visão de 360 graus” dos consumidores.

“A vantagem é que ela tem um banco de informações offline coletado por 40 anos, o que pode ampliar sua capacidade no mundo digital”, diz Mark Zgutowicz, analista do banco de investimentos Piper Jaffray.
Defensores da privacidade temem que as técnicas levem a uma nova era da divisão dos consumidores de acordo com um perfil. Jeffrey Chester, diretor executivo do Centro para a Democracia Digital, uma organização sem fins lucrativos de Washington, afirma: “É o Big Brother do Arkansas”.

RASTREAMENTO

Scott Hughes, dono de uma pequena empresa que tem uma conta no Facebook, é o consumidor ideal da Acxiom. Na realidade, foi criado por ela. Hughes é um personagem fictício usado como exemplo em uma apresentação da Acxiom para investidores em 2010. Comprador frequente, ele foi elaborado para mostrar o poder da estratégia multiplataforma.

Na apresentação, ele entra no Facebook e vê que sua amiga Ella acabou de se tornar fã da Bryce Computers, uma loja de eletrônicos imaginária e cliente da Acxiom. O post de Ella sugere a Hughes que entre na fan page da Bryce Computers e dê uma olhada em uma impressora.

A navegação parece inofensiva. Mas ela aciona um sistema que reconhece os consumidores, lembra do seu comportamento de compra, os classifica e cria um anúncio sob medida.

Quando Hughes clica em um link para a loja online da Bryce, por exemplo, o sistema o reconhece por sua atividade no Facebook e mostra-lhe uma impressora do seu interesse. Ele se registra no site, mas não compra o produto na hora, então o sistema o segue online. E, vejam só, na manhã seguinte, enquanto vê as notícias de beisebol na ESPN.com, o anúncio da impressora aparece novamente.

À noite, ele volta ao site da Bryce onde, afirma a apresentação, “é reconhecido instantaneamente”. Então o site faz uma oferta mais atraente: um desconto de US$ 10 e frete gratuito.

Não é uma oferta aleatória. A Acxiom tem um sistema de classificação, o PersonicX, que define os consumidores em uma das 70 categorias socioeconômicas e faz a oferta de acordo com ela.

A ferramenta classifica Hughes numa categoria de pessoas de classe média alta que usam serviços bancários pela internet, assistem à programação esportiva, dão atenção ao preço dos produtos – e respondem às ofertas de frete gratuito.

Corretamente catalogado, Hughes compra a impressora.

O sistema não para aí. Depois, ele envia descontos para cartuchos de tinta e papel, e sugere que ele doe a impressora antiga a uma escola próxima.

SOFISTICAÇÃO

Analistas dizem que as empresas fazem isso para que os consumidores informem espontaneamente outros dados pessoais – nomes, endereços de e-mail e número de celular. Assim, anúncios personalizados podem ser oferecidos a qualquer momento, em todo lugar.

No entanto, existe uma tênue diferença entre personalização e perseguição. Embora muitas pessoas gostem de ofertas sob medida, outras estão convencidas de que elas ocultam uma vigilância abusiva e até manipuladora.
“Olhando friamente, perceberemos que o objetivo é enganar o consumidor”, diz Dave Frankland, diretor de pesquisa de informações da empresa Forrester Research. “Por outro lado, seu negócio é entregar os anúncios para as pessoas certas”.

Décadas antes da internet que existe hoje, um empresário chamado Charles Ward plantou as sementes da Acxiom. Em 1969, Ward fundou em Conway a empresa de processamento de dados Demographics Inc., em parte para ajudar o Partido Democrata a conquistar eleitores. Na época, a Demographics e o seu solitário computador usavam catálogos telefônicos públicos para elaborar listas de mala direta para campanhas.
Hoje, a Acxiom tem em seu banco de dados cerca de 190 milhões de indivíduos e 126 milhões de domicílios apenas nos Estados Unidos. Além disso, ela trabalha com 47 das 100 maiores empresas do país listadas pela revista Fortune, em alguns casos, administrando os bancos de dados dos consumidores. E também trabalhou com o governo dos EUA depois dos ataques terroristas de 11 de setembro, fornecendo informações sobre 11 dos 19 sequestradores.

Para ampliar seus serviços, ela intensificou as contratações recentemente. Em julho, nomeou para o cargo de CEO Scott E. Howe, ex-vice-presidente corporativo do grupo de publicidade da Microsoft. E contratou Phil Mui, ex-gerente de produtos do Google Analytics, para o cargo de diretor de produtos e engenharia.
Em entrevistas, Howe definiu a Acxiom como uma “refinaria de dados” do novo milênio. A descrição posiciona a Acxiom mais como uma prestadora de serviços analíticos de altíssima velocidade, capaz de competir com Facebook e Google, em vez de um espião dos consumidores.

No entanto, quanto mais as empresas do setor garimpam dados pessoais, mais se tornam alvos de hackers – e das entidades de defesa do consumidor.

Este ano, a revista Advertising Age classificou a Epsilon, outra empresa de marketing de dados, como a maior agência de publicidade dos EUA, e a Acxiom em segundo. A Epsilon ficou relativamente conhecida no ano passado depois de uma grave falha de segurança que expôs endereços de e-mail de milhões de clientes de empresas como Citibank, JP Morgan Chase, Target, Walgreens e outros. Em 2003, também a Acxiom teve problemas de segurança.

Apesar disso, aqueles que defendem a privacidade dizem que estão mais preocupados com os sistemas de classificação, que dividem as pessoas entre aquelas que têm grande valor (e que recebem promoções e descontos melhores), e as que têm baixo valor.

Ser excluído de uma promoção para um pacote de férias não é tanto o problema, segundo Pam Dixon, diretora executiva do World Privacy Forum, uma organização sem fins lucrativos de San Diego, na Califórnia. Mas se os algoritmos julgarem que não vale a pena enviar a certas pessoas, por exemplo, ofertas de cursos universitários ou serviços de saúde, o resultado pode ser negativo. “Com o tempo, há uma porção de oportunidades que não serão vistas”, diz Dixon.

LEGISLAÇÃO

Até agora, as empresas operavam sem o público saber. Ao contrário de agências que coletam e vendem informações financeiras sigilosas sobre a capacidade de crédito de determinadas pessoas ou para fins de emprego, empresas como a Acxiom não são obrigadas por lei a mostrar aos consumidores o que sabem sobre eles, para que possam corrigir eventuais erros.

É possível que a situação mude. Este ano a Comissão Federal de Comércio dos EUA divulgou um documento pedindo mais transparência das empresas e solicitando ao Congresso do país que conceda aos consumidores o direito de acesso às informações a seu respeito.

O “Catálogo de Produtos de Dados sobre Consumidores” da Acxiom oferece centenas de detalhes de indivíduos ou domicílios. As empresas podem comprar dados precisos das residências em que as pessoas estão preocupadas, por exemplo, com alergias, diabetes ou “necessidades da terceira idade”. Além disso, estão à venda dados de financiamento de imóveis e renda.

Em geral, clientes compram os dados para preservar seus melhores consumidores ou encontrar clientes em potencial – ou ambas as coisas.

Mas o catálogo oferece informações que assustam os que defendem a privacidade, preocupados com o risco de mau uso delas. Elas incluem interesses de pessoas – obtidos, diz o catálogo, “de compras e de pesquisas respondidas por elas” – como “famílias cristãs”, “dietas/emagrecimento”, “jogos de cassino”, “aumente sua renda” e “fumo/tabaco”. A Acxiom vende também dados de raça, etnia e país de origem.

Por e-mail, a diretora de privacidade da Acxiom, Jennifer Barrett Glasgow, diz que os dados de raça e etnia são usados para “aprofundar o conhecimento destas comunidades para fins de marketing”.

Joel R. Reidenberg, especialista em privacidade e professor da Fordham Law School, afirma que isso é preocupante porque a classificação por raça pode ser incorreta e uma pessoa pode não querer ser visada por este tipo de marketing.

DIREITOS

A Acxiom tem um formulário online de solicitação de dados, anunciado como uma maneira fácil de os consumidores acessarem as informações coletadas. Entretanto, o processo não é tão fácil assim.

No início de maio, a repórter do New York Times decidiu solicitar seus dados à Acxiom, como qualquer consumidor deveria poder. Mas antes, pediu ajuda a um especialista em segurança do jornal. Ele examinou o site e observou que o formulário não utilizava um protocolo criptografado padrão – chamado https – usado no comércio eletrônico. Ao testá-lo usando um software que captura dados enviados pela internet, ele viu que o número de identidade não foi criptografado. A repórter foi aconselhada a não solicitar o seu arquivo, por causa do risco.

Ashkan Soltani, um pesquisador independente da área de segurança e ex-especialista em proteção de identidade da Comissão Federal do Comércio, também examinou o site da Acxiom e chegou à mesma conclusão.

Jennifer Barrett Glasgow, da Acxiom, diz que o site sempre usou o https, mas no dia seu sistema de segurança detectou um “link defeituoso”. Desde então, a falha foi consertada.

No dia 25 de maio, a repórter fez a solicitação online à Acxiom e incluiu um cheque de US$ 5 enviado por Correio, exigido para cobrir os custos. A resposta só chegou no fim de julho, depois que esta reportagem foi publicada, com uma lista de endereços em que ela morou nos últimos anos. Os dados detalhados – informações financeiras, histórico de compras, viagens, saúde, hábitos de lazer – não são revelados.

“Nós não temos a capacidade de encontrar dados de uma pessoa específica”, diz Barrett Glasgow. “Não há uma ferramenta para buscar pelo nome”.

A Comissão de Comércio dos EUA não quis comentar os procedimentos. Mas Jon Leibowitz, presidente da comissão, afirma que os consumidores deveriam ter o direito de ver e corrigir detalhes a seu respeito coletados e vendidos pelas empresas. “Eles não passam de uns paparazzi digitais que coletam informações de todos nós, sem ser vistos”.
/ TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

domingo, 26 de agosto de 2012

CONHEÇA OS CINCO VILÕES DO CRESCIMENTO DO BRASIL


Embora já tenha conquistado o posto de sexta maior economia do mundo em 2011, o Brasil ainda se vê às voltas com dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que destoam do papel assumido pelo país na cena internacional nos últimos anos.

Tal conjunto de entraves, o chamado "Custo Brasil", impede um crescimento mais robusto da economia, minando a eficiência da indústria nacional e a competitividade dos produtos brasileiros.

"Por muito tempo, as empresas aproveitaram-se dos juros altos para ganhar dinheiro, aplicando seus lucros no mercado financeiro com vistas a maiores retornos. Porém esse cenário está mudando", afirmou à BBC Brasil André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.Segundo especialistas, o recente cenário da queda dos juros deixou tais entraves ainda mais evidentes.

Na prática, com essas aplicações agora menos rentáveis, as empresas começam a deslocar o excedente de capital do setor financeiro para o setor produtivo, investindo na expansão dos próprios negócios.

Nessa transição, o 'Custo Brasil' acaba ficando mais transparente, apontam os analistas.

Na semana passada, o governo anunciou um pacote de R$ 133 bilhões em concessões ao setor privado de rodovias e ferrovias brasileiras pelos próximos 25 anos, na tentativa de contornar graves gargalos da infraestrutura do país.

A decisão foi comemorada, porém ainda há um longo caminho a percorrer. Confira os cinco principais vilões do crescimento da economia brasileira, que, segundo as últimas previsões, não deve crescer acima de 1,75% neste ano.
1) Infraestrutura precária

Segundo um estudo do Departamento de Competitividade de Tecnologia (Decomtec), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), as empresas têm uma despesa anual extra de R$ 17 bilhões devido à precariedade da infraestrutura do país, incluindo péssimas condições das rodovias e sucateamento dos portos.


Além de mais caro, transporte rodoviário sofre com infraestrutura deteriorada

Como resultado, os custos logísticos acabam encarecendo o produto final. De acordo com um levantamento do instituto ILOS, cerca de 30% do preço da tonelada soja produzida em Mato Grosso e exportada do porto de Santos, por exemplo, referem-se apenas aos gastos com transporte do grão.

"O Brasil também fez uma opção pelo transporte rodoviário, mais caro do que outros meios, como ferrovias ou hidrovias", afirmou Márcio Salvato, coordenador do curso de Economia do Ibmec.

Além da infraestrutura, o país também sofre com as altas tarifas de energia elétrica, apesar de cerca de 70% de sua matriz energética ser proveniente de hidrelétricas, consideradas mais limpas e baratas.

Uma pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Fierj), publicada no ano passado, mostrou que o custo médio de energia no Brasil é 50% superior à média global e mais do que o dobro de outras economias emergentes.
2) Déficit de mão de obra especializada



Falta de mão de obra especializada atravanca crescimento da economia

Em alguns setores da indústria, o Brasil já vive "um apagão de mão de obra", com falta de profissionais qualificados capazes de executar tarefas essenciais ao crescimento do país.

Segundo o mais recente levantamento feito pela consultoria Manpower com 41 países ao redor do mundo, o Brasil ocupa a 2ª posição entre as nações com maior dificuldade em encontrar profissionais qualificados, atrás apenas do Japão.

Entre os empresários brasileiros entrevistados para a pesquisa, 71% afirmaram não ter conseguido achar no mercado pessoas adequadas para o trabalho.

Para efeitos de comparação, na Argentina o índice é de 45%, no México, de 43% e na China, de apenas 23%.

"Se no Japão o maior entrave é o envelhecimento da população, o problema no Brasil é a falta de qualificação profissional", afirmou à BBC Brasil Márcia Almström, diretora da Recursos Humanos da filial brasileira da Manpower.

De acordo com uma pesquisa divulgada neste ano pelo Ipea, o governo direcionou apenas 5% do PIB em 2010 para a educação, contra 7% do padrão internacional.

"Sofremos com a falta de profissionais de nível técnico, de operações manuais e de engenheiros", acrescentou Almström.

Atualmente, segundo a consultoria McKinsey, apenas 7% dos trabalhadores brasileiros têm diploma universitário, atrás da África do Sul (9%) e da Rússia (23%).
3) Sistema tributário complexo

Segundo o relatório 'Doing Business' do Banco Mundial, são necessárias 2.600 horas por ano para empresas de médio-porte brasileiras somente para pagar impostos, contra 415 na Argentina, 398 na China e 254 na Índia.

"Já passou da hora para que o Brasil simplifique seu sistema tributário", disse André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.


Impostos em cascata encarecem produto brasileiro

Um dos exemplos da alta complexidade tributária no Brasil pode ser verificado no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Como está presente em todos as etapas da cadeia produtiva, seu recolhimento ocorre diversas vezes e leva à cobrança de imposto sobre imposto, também conhecido de "imposto em cascata".

"São 27 legislações, uma para cada estado, além de alíquotas diferentes para cada produto. Isso sem falar na alíquota interestadual", afirmou Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria e professor da FGV-SP. "Isso dificulta a vida do empresariado brasileiro", acrescentou.

O resultado são produtos menos competitivos, que chegam mais caros às gôndolas e sofrem maior concorrência dos estrangeiros.
4) Baixa capacidade de investimentos público e privado

Historicamente, a taxa de investimentos tanto pública quanto privada é baixa no Brasil, em torno de 18% do PIB.

Especialistas consideram que seria necessário elevar esse patamar para, pelo menos, 25% do PIB, de forma a permitir um crescimento sustentável da economia.

Isso porque, sem investimentos, para a compra de novos maquinários ou para a construção de novas rotas de escoamento, por exemplo, há uma menor eficiência produtiva, o que encarece e diminui a competitividade dos produtos brasileiros.

"É preciso que o governo faça os ajustes necessários para aumentar a confiança do empresariado e, assim, incentivar o investimento", acrescentou Salto.
5) Burocracia excessiva


Argentina, de Cristina Kirchner, oferece menos burocracia do que o Brasil de Dilma Rousseff

Segundo o Banco Mundial, entre 183 países o Brasil ocupa o 126º lugar quando se analisa a facilidade de se fazer negócios, abaixo da média da América Latina (95º) e atrás de países como Argentina (115º), México (53º), Chile (39º) e Japão (22º).

Até obter retorno sobre seus investimentos, cabe aos empresários brasileiros vencer uma via-crúcis, que, inclui, entre outras etapas, 13 procedimentos apenas para abrir um negócio, ou 119 dias.

Na Argentina, são necessários 26 dias, no Chile, 7 e na China, 14.

Entre tais procedimentos estão, por exemplo, a homologação da empresa em diferentes órgãos de supervisão, o registro dos funcionários e licenças ambientais.

"Ao fim e ao cabo, o custo das empresas é extremamente alto, antes mesmo que elas produzam qualquer centavo", afirmou Salvato.

Por: Luís Guilherme Barrucho

Da BBC Brasil em São Paulo

PRIMAVERA ÁRABE E INVERNO NO ITAMARATY



Vacilantes, tropeçamos demais, apoiamos ditadores em queda, perdemos parceiros, dinheiro, valores. Nos livros, seremos só nota de rodapé. Do lado errado 

A Primavera Árabe aconteceu e o Itamaraty não viu. Os nossos diplomatas não souberam lidar com a situação, não apoiaram os movimentos democráticos e perderam o espaço no Oriente Médio conquistado ao longo de décadas.Seja qual for o nome que se queira dar, trata-se do maior acontecimento mundial desde o fim da guerra Fria. Ninguém previu. As teorias civilizacionais que existiam até então, como as de Bernard Lewis e Samuel Huntington, afirmavam ser impossível esse tipo de coisa acontecer nas sociedades muçulmanas.

Mas depois que o processo começou, todas as chancelarias no mundo afora revisitaram seus conceitos, ajustaram suas equações e adaptaram as suas políticas externas para a região, menos o Brasil.

Nós demoramos muito a tomar uma posição. E até hoje nossa posição continua pouco clara. Vacilamos repetidas vezes. Em mais de um momento, ficamos do lado de ditadores em declínio. Assim pelo menos é como nos veem o Ocidente e os próprios revolucionários.

Os votos do Brasil no Conselho de Segurança da ONU falam muito mais alto do que qualquer palavra diplomática. Fomos tímidos em relação à Tunísia e Egito. Fomos contra a intervenção na Líbia, mesmo Gaddafi dizendo que trucidaria a população de Benghazi.

Aludimos à possibilidade de uma tragédia maior se o mundo se metesse, como se ela já não estivesse suficientemente clara. O Ministério das Relações Exteriores comprou a ideia de que a Líbia se tornaria um caos, quase que como justificando o governo de força.

Pois bem, os líbios foram às urnas e elegeram um governo moderado. Os problemas estão longe de serem resolvidos, e muita instabilidade ainda está por vir, mas a vida naquele país está significativamente melhor. Ao menos o povo tem o próprio destino nas mãos, e começa a criar suas instituições.

Em agosto de 2011, enquanto as tropas do Conselho Nacional de Transição se lançavam sobre Trípoli, conquistando a capital, não muito longe dali apoiávamos outro ditador.

Chegamos a ponto de mandar uma missão à Síria que na prática respaldou o governo de Assad. Àquela altura já eram 2.000 civis mortos pela repressão, e Brasília dividiu as responsabilidades com os movimentos pela democracia. Hoje, calcula-se já 20 mil mortos.

O Brasil perdeu "parceiros", credenciais e até dinheiro investido de empresas nacionais. O pior, no entanto, foi ter aberto mão de suas virtudes como nação democrática não colonial, signatária da Declaração Universal dos Direitos Humanos, para defender um velho cenário no Oriente Médio em ruínas.

Na foto, junto aos revolucionários e movimentos democráticos, posaram europeus e americanos.

O discurso do Itamaraty nesses casos foi o de não intervenção. Nem mesmo diplomatas antigos confiam mais apenas nesse princípio para a ordem internacional. Em Angola, Haiti ou Honduras, para citar alguns exemplos, esqueceram-se dele, lembrando a necessidade de não ser indiferente às conjunções críticas.

O Itamaraty tropeçou demais. Daqui a cem anos, os livros de história vão falar dos eventos que mudaram uma parte central do mundo. O Brasil vai aparecer em uma nota de roda pé do lado errado dessas transformações.

Primavera lá. Inverno de ideias aqui.

Por: Marcelo Coutinho  Folha de S Paulo

STF CORRE PERIGO


No julgamento do mensalão o Supremo Tribunal Federal (STF) está decidindo a sua sorte. Mas não só: estará decidindo também a sorte da democracia brasileira. A Corte deve servir de exemplo não só para o restante do Poder Judiciário, mas para todo cidadão. O que estamos assistindo, contudo, é a um triste espetáculo marcado pela desorganização, pelo desrespeito entre seus membros, pela prolixidade das intervenções dos juízes e por manobras jurídicas.

Diferentemente do que ocorreu em 2007, quando do recebimento do Inquérito 2.245 - que se transformou na Ação Penal 470 -, o presidente Carlos Ayres Britto deixou de organizar reuniões administrativas preparatórias, que facilitariam o bom andamento dos trabalhos. Assim, tudo passou a ser decidido no calor da hora, sem que tenha havido um planejamento minimamente aceitável. Essa insegurança transformou o processo numa arena de disputa política e aumentou, desnecessariamente, a temperatura dos debates.

Desde o primeiro dia, quando toda uma sessão do Supremo foi ocupada por uma simples questão de ordem, já se sinalizou que o julgamento seria tumultuado. Isso porque não interessava aos petistas que fosse tomada uma decisão sobre o processo ainda neste ano. Tudo porque haverá eleições municipais e o PT teme que a condenação dos mensaleiros possa ter algum tipo de influência no eleitorado mais politizado, principalmente nas grandes cidades. São conhecidas as pressões contra os ministros do STF lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente agiu de forma indigna. Se estivesse no exercício do cargo, como bem disse o ministro Celso de Mello, seria caso de abertura de um processo de impeachment.

A lentidão do julgamento reforça ainda mais a péssima imagem do Judiciário. Quando o juiz não consegue apresentar brevemente um simples voto, está sinalizando para o grande público que é melhor evitar procurar aquela instância de poder. O desprezo pela Justiça enfraquece a consolidação da democracia. Quando não se entende a linguagem dos juízes, também é um mau sinal. No momento em que observa que um processo acaba se estendendo por anos e anos - sempre havendo algum recurso postergando a decisão final - a descrença toma conta do cidadão.

Os ministros mais antigos deveriam dar o exemplo. Teriam de tomar a iniciativa de ordenar o julgamento, diminuir a tensão entre os pares, possibilitar a apreciação serena dos argumentos da acusação e da defesa, garantindo que a Corte possa apreciar o processo e julgá-lo sem delongas. Afinal, se a Ação Penal 470 tem enorme importância, o STF julga por ano 130 mil processos. E no ritmo em que está indo o julgamento é possível estimar - fazendo uma média desde a apresentação de uma pequena parcela do voto do ministro Joaquim Barbosa -, sendo otimista, que deverá terminar no final de outubro.

Esse julgamento pode abrir uma nova era na jovem democracia brasileira, tão enfraquecida pelos sucessivos escândalos de corrupção. A punição exemplar dos mensaleiros serviria como um sinal de alerta de que a impunidade está com os dias contados. Não é possível considerarmos absolutamente natural que a corrupção chegue até a antessala presidencial. Que malotes de dinheiro público sejam instrumento de "convencimento" político. Que uma campanha presidencial - como a de Lula, em 2002 - seja paga com dinheiro de origem desconhecida e no exterior, como foi revelado na CPMI dos Correios e reafirmado na Ação Penal 470.

A estratégia do PT é tentar emparedar o tribunal. Basta observar a ofensiva na internet montada para pressionar os ministros. O PT tem uma vertente que o aproxima dos regimes ditatoriais e, consequentemente, tem enorme dificuldade de conviver com qualquer discurso que se oponha às suas práticas. Considera o equilíbrio e o respeito entre os três Poderes um resquício do que chama de democracia burguesa. Se o STF não condenar o núcleo político da "sofisticada organização criminosa", como bem definiu a Procuradoria-Geral da República, e desviar as punições para os réus considerados politicamente pouco relevantes, estará reforçando essa linha política.

Porém, como no Brasil o que é ruim sempre pode piorar, com as duas aposentadorias previstas - dos ministros Cezar Peluso, em setembro, e Ayres Britto, em novembro - o STF vai caminhar para ser uma Corte petista. Mais ainda porque pode ocorrer, por sua própria iniciativa, a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Haverá, portanto, mais três ministros de extrema confiança do partido - em sã consciência, ninguém imagina que serão designados ministros que tenham um percurso profissional distante do lulopetismo. Porque desta vez a liderança petista deve escolher com muito cuidado os indicados para a Suprema Corte. Quer evitar "traição", que é a forma como denomina o juiz que deseja votar segundo a sua consciência, e não como delegado do partido.

Em outras palavras, o STF corre perigo. E isso é inaceitável. Precisamos de uma Suprema Corte absolutamente independente. Se, como é sabido, cabe ao presidente da República a escolha dos ministros, sua aprovação é prerrogativa do Senado. E aí mora um dos problemas. Os senadores não sabatinam os indicados. A aprovação é considerada automática. A sessão acaba se transformando numa homenagem aos escolhidos, que antes da sabatina já são considerados nomeados.

Poderemos ter nas duas próximas décadas, independentemente de que partido detenha o Poder Executivo, um controle petista do Estado brasileiro por intermédio do STF, que poderá agir engessando as ações do presidente da República. Dessa forma - e estamos trabalhando no terreno das hipóteses - o petismo poderá assegurar o controle do Estado, independentemente da vontade dos eleitores. E como estamos na América Latina, é bom não duvidar. 
Por: Marco Antonio Villa O Estado de S. Paulo

DEBATEDORES BRASILEIROS



Embora esteja, do ponto de vista da coerência formal, no topo da hierarquia dos discursos, a lógica corresponde, na verdade, ao nível mais tosco e elementar do pensamento.

Se há uma coisa que brasileiro gosta, é de discutir. Gosta principalmente de escavar contradições no discurso alheio, exibindo-as com o ar triunfante de quem pegou o adversário de calças na mão.

O nome dos que se dedicam a isso é legião. Valem-se, para tanto, de noções elementares de lógica, que lhes revelam os segredos da coerência silogística e lhes permitem facilmente perceber onde as consequências não se seguem das premissas ou clamam, coitadinhas, por uma premissa faltante.

Com base nisso o discutidor pode, sem qualquer inibição, jogar no rosto do oponente – ou vítima – as acusações de "sofisma" e "falácia”, palavras que hoje em dia estão entre as mais populares nos debates eletrônicos. A elas acrescentam-se, para piorar as coisas, os nomes dos vinte e sete estratagemas erísticos de Arthur Schopenhouer, que tive a infeliz ideia de publicar e comentar em português, na ilusão de que os leitores os usariam para corrigir-se a si mesmos em vez de atormentar seus vizinhos.

Num momento em que cada um se nomeia fiscal infalível da coerência alheia, cabe lembrar aos distintos que o próprio Aristóteles, inventor ou primeiro formulador das regras da lógica e das Refutações Sofísticas, advertia que esses instrumentos de nada valiam sem um longo adestramento preliminar nas artes da linguagem e no exercício da compreensão.

Com muita prudência, ele antepôs ao aprendizado da silogística (e da sua irmã desnaturada, a sofística), os tratados sobre a interpretação, as categorias (ou tipos de predicados), os antepredicamentos (ou níveis de predicação), a psicologia do discurso (ou retórica) e a arte de distinguir entre as contradições reais e aparentes (a tópica, ou dialética). No topo de tudo isto foi que ele colocou a técnica do discurso científico coerente, à qual deu o nome de analítica, e mais tarde foi chamada de "lógica".

Saltando sobre todo esse aprendizado preliminar, como quem se alçasse direto do térreo ao quinto andar sem passar pelas escadas nem pelo elevador, nossos debatedores acreditam poder medir e julgar a coerência do discurso alheio sem precisar ter a percepção correta das nuances de sentido, dos níveis de predicação (categórico, modal, hipotético, etc), das variações de significado conforme o público e a situação de discurso e, por fim, do jogo dialético onde aquilo que parece absurdo sob certo aspecto é uma verdade óbvia sob outro aspecto.

A lógica é uma espécie de geometria euclidiana do discurso. Aristóteles ensina que ela só se aplica diretamente ao discurso científico formal, onde as nuances, as cores, as ambiguidades poéticas e as figuras de linguagem da fala corrente e da escrita literária já foram eliminadas por um árduo trabalho de depuração conceitual e de redução de tudo a significados estáveis e uniformes.

Ignorando essa obviedade, que lhes jogaria nas costas o pesadíssimo encargo de um sério adestramento nas artes da linguagem, os lógicos do território bloguístico, bem como do Orkut e do Facebook, amealham triunfos fáceis, mas perfeitamente ilusórios, apontando "falácias" e "sofismas" naquilo que não entendem.

Fazem isso porque as regras da lógica, malgrado a obscuridade da sua formulação técnica explícita, são de fato aquilo que existe de mais simples, esquemático e até instintivo no pensamento humano, algo como a aritmética elementar, onde as quatro operações, uma vez apreendidas, podem continuar sendo aplicadas automaticamente a números cada vez maiores, sem a necessidade de nenhum aprendizado suplementar.

Embora esteja, do ponto de vista da coerência formal, no topo da hierarquia dos discursos, a lógica corresponde, na verdade, ao nível mais tosco e elementar do pensamento. Um gato, quando se prepara para dar um salto, avalia a proporção entre a altura do obstáculo e a força de empuxe que suas pernas terão de investir no empreendimento. Isso corresponde, esquematicamente, a uma equação trigonométrica, que é um tipo de raciocínio silogístico.

Essa habilidade o gato compartilha com outros animais espertos, como os cães e os leões, mas também com alguns que não são tão notáveis pela inteligência, como os cavalos e as ovelhas. Mas nenhum gato jamais conseguiu distinguir uma figura de linguagem de um conceito formal, ou apreender nuances de sentido conforme a relação entre falante e ouvinte e muito menos lidar com duas proposições contraditórias que são ambas verdadeiras em sentidos diferentes.

Eis por que os debatedores internéticos preferem se ater ao automatismo fácil das regras lógicas, aplicando-as de modo raso e sonso a discursos polivalentes e polissêmicos que, para se prestar a isso, teriam de passar antes por um complexo e dificultoso trabalho de interpretação literária, compreensão em profundidade e formalização conceitual. Trabalho que às vezes resulta completamente impossível.

Esse é o motivo, também, pelo qual aconselho a meus alunos que não entrem no estudo das áreas filosóficas mais técnicas e mais dependentes da lógica antes de adquirir uma sólida cultura literária universal, o domínio de vários idiomas, um apurado senso das figuras de linguagem e, enfim, uma compreensão adequada do que leem.

Como já se observa pelos erros de gramática que pululam nas suas sentenças como girinos em volta da mamãe sapo, os fiscais da coerência alheia se abstêm dessa precaução e acreditam poder abrir caminho no mundo dos debates intelectuais armados tão somente de automatismos lógicos ao alcance de um gato ou de um jumento.

Por: Olavo de Carvalho  Publicado no Diário do Comércio.

QUEM VOTA MERECE


Quem me lê sabe que faz mais de vinte anos que não voto. Meu último voto, confesso sem pejo algum, eu o dei a Collor. Não por seus belos olhos. Mas porque o outro candidato era Lula. Hoje, se ainda votasse, entre Lula e Maluf, votaria no “esforçado filho do imigrante árabe”, como já foi chamado. No que, suponho, não seria reprovado por nenhum petista. Afinal, Maluf hoje é unha e carne com Lula.

Político, escrevia eu há pouco, é um homem que mente. As regras do jogo o impelem necessariamente a mentir. O que importa é arrebanhar votos. Político diz o que cada platéia pede. E omite tudo o que cada platéia rejeita. Se não mente por intenção, mente por omissão. Se não mente hoje, mentirá amanhã. Políticos pertencem a partidos. Precisam seguir a política de seus partidos, mesmo que dela discordem. Se o partido decide fazer coligação com um canalha, o candidato tem de aderir ao canalha. Se for preciso bajular grupos religiosos que não passam de operosos caça-níqueis, bajulados sejam.

O último Censo trouxe dados significativos sobre a expansão de igrejas de uma forma ou outra ligadas ao cristianismo no país. O segmento que mais cresceu foi o dos evangélicos, passando de 15% em 2000 para 22%, um aumento de cerca de 16 milhões de pessoas (de 26 milhões para 42 milhões). 

A religião evangélica que mais cresceu entre 2000 e 2010 foi a Assembléia de Deus, passando de 8,4 milhões para 12,3 milhões. Já a Igreja Universal do Reino de Deus perdeu quase 300 mil adeptos, passando de 2,102 milhões para 1,873 milhões. Os católicos foram comidos pela concorrência, passando de 73,6% em 2000 para 64,6% em 2010, uma redução de 12,2%. Em 20 anos, a queda foi de 22,4%. 

Junto ao crescimento dos evangélicos, houve uma pulverização sem precedente dos mesmos na última década, na cidade de São Paulo. É o que leio no Estadão. Segundo os novos dados do Censo, o número de evangélicos sem laços com uma igreja determinada aumentou mais de quatro vezes entre 2000 e 2010, enquanto a quantidade de fiéis que frequentam templos menores cresceu 62% nesse período. Juntos, esses dois grupos foram responsáveis por 96% do crescimento do rebanho evangélico da capital em uma década, de 825 mil fiéis. 

Ainda segundo o jornal, o crescimento dos evangélicos não determinados em São Paulo foi tão grande que eles hoje representam a terceira maior corrente religiosa da cidade – perdem para os católicos e os sem religião, mas ultrapassaram a Assembléia de Deus, denominação evangélica que tem o terceiro maior rebanho do País.

Segundo o antropólogo Ronaldo de Almeida, "há uma diversificação e uma maior infidelidade a uma instituição específica. O sujeito ainda se identifica principalmente como evangélico, mas hoje ele molda sua experiência religiosa. Quando quer ouvir um louvor com mais música, vai a uma igreja, quando quer cura, vai a outra, quando busca mensagem espiritual mais forte, busca outras."

A antropóloga Diana Nogueira, por sua vez, faz um paralelo com pessoas que querem perder peso e vão migrando de médico em médico. "A religião fortalece e ajuda as pessoas, mas não resolve muitos dos desafios que uma vida de periferia urbana lhes impõe. Com isso, algumas dessas pessoas vão de igreja em igreja, buscando soluções".

É o que chamo de fé à la carte. São igrejas voltadas a nichos específicos. Se este deus não me serve, busco outro. Aqui perto de onde moro há uma Igreja da Comunidade Metropolitana, voltada para o público homossexual, dirigida por uma pastora lésbica. Tampouco faltam igrejas ao gosto de roqueiros adeptos do thrash metal ou surfistas. Pagando bem, que mal tem?

É óbvio que candidato algum seria insensível a tal clientela. José Serra, por exemplo, tem tentado atrair o apoio de líderes evangélicos na cidade. Para tanto, o tucano criou um comitê evangélico na campanha. Como este apoio aos operadores de caça-níqueis não cai bem junto a outros setores do eleitorado, os encontros com líderes religiosos não são divulgados em sua agenda pública, mas têm ocorrido desde abril. Algumas igrejas, como a Convenção Geral das Assembléias de Deus e a Igreja Mundial, já declararam apoio a Serra. 

A Igreja Mundial, para quem não sabe, é aquela fundada pelo apóstolo milionário Valdemiro Santiago, que usa o dinheiro da igreja para comprar bens pessoais, como fazendas no Pantanal e cabeças de gado. Somando tudo, gado, terras e benfeitorias, o investimento total de Valdemiro chega a R$ 50 milhões em dinheiro vivo, mais do que a maioria dos prêmios da Mega-Sena acumulada. É um eleitor de vulto.

O outro candidato mais cotado à Prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno, foi mais ecumênico. Disse ontem que, se for eleito, gostaria de uma igreja em cada quarteirão. "Vou preservar todas as igrejas, regularizando a situação delas, e gostaria que em cada quarteirão houvesse uma igreja pregando o amor ao próximo".

Hábil, não manifestou preferência por esta ou aquela igreja. Quer um caça-níqueis em cada quarteirão, seja lá qual fé professar. Segundo o candidato, a linha religiosa das pessoas evita mortes e crimes. "As pessoas não matam ou roubam porque a lei proíbe, mas porque têm uma linha religiosa. Existe igreja porque a população é temente a Deus, porque a população acredita".

Nunca deve ter dado pelo menos uma trecheada na Bíblia, livro em que o bom deus dos judeus ordena matanças e saques a todas as tribos que não o cultuam. Parece tampouco conhecer a sociedade em que vive, onde as pessoas matam e roubam, apesar de a lei proibir matar e roubar.

Os tais de evangélicos, que tanto crescem, têm feito em tempo recorde a fortuna de pastores que há muito deviam estar na cadeia. E só não estão devido a uma estúpida legislação que releva exploração da fé pública, extorsão e lavagem de dinheiro em nome de uma suposta liberdade de crença. A estes vigaristas, os candidatos oferecem apoio e pedem apoio.

E não poderia ser diferente. Os evangélicos são legião e são eleitores. Os candidatos precisam de votos. Compactuar com a vigarice se impõe. 

Quem neles vota, bem que os merece.

Por: Janer Cristaldo

SOBRE A HuMANA MESQUINHARIA E A GRATIDÃO E A GENEROSIDADE



Ainda não morreu o dia e está provocando intensa celeuma no Facebook a revelação feita hoje por Mônica Bérgamo, na Folha de São Paulo, da linha dura do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, em julgamentos recentes. Anteontem, numa das turmas do STF, o ministro negou habeas corpus para um carcereiro acusado de peculato em Tatuí, em São Paulo, condenado por furtar o farol de milha de uma moto. O valor, apurado em perícia: R$ 13.

Em outro julgamento, contra um pescador que fisgou ilegalmente doze camarões em Santa Catarina, o ministro foi voto vencido: Gilmar Mendes e Cesar Peluzo, da mesma turma, defenderam o trancamento das ações. Em um terceiro julgamento, sobre o furto de uma bermuda, acompanharam Lewandowski: o réu tinha antecedentes criminais.

Lewandowski, se alguém ainda lembra da primeira sessão de julgamento do mensalão – ou Ação Penal 470, como preferem os petistas – é aquele ministro que deu seqüência à manobra protelatória do renomado defensor de um dos mensaleiros, Márcio Thomaz Bastos, ao reivindicar o desmembramento dos processos, alegando que um juiz de primeira julgaria mais rapidamente que o STF. Sua intenção era que o tribunal julgasse apenas três dos réus, que têm foro privilegiado, encaminhando os outros 35 para a primeira instância.

Nesta sua chicana – pois de chicana se trata - teve como cúmplice Lewandowski, o ministro revisor do processo, que puxou do bolso um improviso de setenta páginas, cuja leitura durou 80 minutos. Para debater uma questão já julgada – e negada – pelo tribunal, o desmembramento do processo.

O ministro trazia seu voto pronto. Sabia que o chicaneiro-mor do mensalão alegaria a necessidade do desmembramento. Isto é, o ministro julgador agiu em concerto com a defesa dos réus. Que vote pela absolvição dos réus é direito seu – escrevi na ocasião. Que participe de uma manobra espúria para absolvê-los, isto se chama cumplicidade.

A celeuma ora provocada se deve ao fato de Lewandowski ter absolvido, ontem, o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), da acusação de beneficiar a agência de publicidade de Marcos Valério com um contrato na Câmara em troca de R$ 50 mil. O ministro também votou pela absolvição do empresário – que em 2003 distribuiu milhões de reais a políticos do PT e outros partidos que apoiavam o governo Lula no Congresso - e de dois ex-sócios acusados de participar dos mesmos crimes atribuídos a João Paulo.

A indignação dos leitores, em primeiro lugar, não procede. Se um homem vai ser julgado, isto significa que pode ser absolvido ou condenado. Considerar que todo juiz está obrigado a condená-lo é o mesmo que instaurar um tribunal de execuções. Lewandowski tem o sagrado direito de absolver ladrões de milhões e condenar ladrões de merrecas e de uma dúzia de camarões. Para isso foi togado. Mas não é isto que está em jogo, e sim a visão abrangente do ministro.

Um homem que furta um farol de milha de uma moto ou fisga doze camarões ao arrepio da lei merece mesmo ser condenado. Que mais não seja por sua curta visão, ao arriscar a liberdade por centavos. É um mesquinho, de cérebro de minhoca. Outra coisa é pensar mais alto. Quem rouba 50 mil é pessoa que tem projetos, ambições.

Treze merrecas mal dá para comer um sanduíche. Cinqüenta mil reais já têm funções mais nobres: conforto da família, uma viagem à Europa, um cruzeiro pelo Mediterrâneo. Roubar farol de milha é muita tacanhice. Já formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta é pensar grande. 

Uma coisa é apropriar-se de 13 reais. Isto até desmerece o Brasil no concerto das nações. Que país emergente é esse em que um cidadão arrisca sua liberdade por dois dólares? Merece cadeia mesmo. Outra coisa é uma generosa distribuição de renda entre os denodados políticos quem têm por missão administrar o país.

"Eu acho que o juiz não deve ter medo das críticas, porque o juiz vota ou julga com sua consciência e de acordo com as leis, não pode se pautar pela opinião pública", declarou hoje Lewandowski, após participar de uma audiência pública no STF. Não pode mesmo. O ministro é um homem corajoso. Apadrinhado pela mulher do capo di tutti i capi, ao medo sobrepõe a gratidão. Como dizia Hernández, nos conselhos do Viejo Vizcacha: 

Lo que más precisa el hombre
tener, según yo discurro,
es la memoria del burro,
que nunca olvida ande come. 

Como o burro de Fierro, Lewandowski não esquece onde come. No julgamento dos próximos réus, todos eles homens de larga visão e ligados ao partido do governo, terá inúmeras ocasiões de manifestar sua gratidão.

Ainda ontem, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que fez acordo com o Grupo OK, do senador cassado Luiz Estevão, para o repasse à vista de R$ 80 milhões aos cofres públicos pelo desvio de recursos das obras do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP). Há 12 anos, Estevão foi acusado de fazer parte de uma rede de corrupção que entre 1994 e 1999 se apropriou de R$ 169 milhões destinados à construção de uma nova sede do Tribunal Regional de Trabalho de São Paulo. O valor total do acordo chega a R$ 468 milhões. Anunciado com estardalhaço como o "maior valor em casos de corrupção do Brasil e talvez do mundo", o dinheiro do acordo, no entanto, está longe de compensar o prejuízo de R$ 169 milhões - valor estimado nos anos 1990. Com correções, esse rombo seria de quase R$ 1 bilhão. 

O ex-senador não está preso nem precisa de habeas corpus. Com a nonchalance de um balconista que errou no troco, afirma que pagará os R$ 468 milhões à União. "Por incrível que pareça, embora eu negue o crime, é melhor eu pagar e tirar esse aprisionamento. Tem o ditado 'devo, não nego e pago quando puder'. Eu sou contrário: não devo, nego e pago sob coação".

Generoso, o Estevão. Pelo acordo, o ex-senador – cujo patrimônio ele próprio estima em R$ 20 bilhões - dará uma entrada de R$ 80 milhões e outras 96 parcelas de R$ 4 milhões. Argent de poche. Em troca, terá o processo que corre na Justiça suspenso e parte dos mais de 1.200 imóveis em seu nome serão liberados. E estamos conversados. Não se fala mais sobre o assunto. Ministro algum lembrou de exigir dos outros réus a devolução do farol de milha ou dos doze camarões.

Seja generoso como o ex-senador. Para não se incomodar com picuinhas, paga meio bilhão de reais. Mas não ouse roubar um farol de milha, furtar uma bermuda ou pescar uma dúzia de camarões ao arrepio da lei. 

Ministro que se preze pensa grande, abomina tais mesquinharias e as pune com todo o rigor da lei.

Por Janer Cristaldo

ASSIM SE DESTRÓI UM PAÍS



  
Concurso Público - Ed Abril


Ao ler um artigo recente fui obrigado a expor algo que venho percebendo há muito tempo em nosso país, o enorme contingente de jovens que almeja a carreira pública. O artigo se chama: “Por que o Brasil não consegue crescer ainda mais?” do autor holandês Kieren Kaal. Em dado momento ele fala, com muita precisão, o seguinte: “Uma economista brasileira muito inteligente contou-me em uma casa de samba sobre os novos planos para a sua carreira. ‘Serei fiscal da Receita. Cinco mil euros de salário inicial, um horário de trabalho legal e me aposentar cedo. O que eu quero mais?’

Um sorriso debochado brilhou no seu rosto. Quando eu a conheci, essa jovem talentosa de 20 e poucos anos ainda tinha ambições muito diferentes. Ela seria uma escritora brilhante ou uma empresária – não uma funcionária pública enferrujada. Mas a tentação é grande. Nada menos que três em cada cinco jovens brasileiros sonham com um emprego no governo, de preferência como funcionário público federal”.

Pois bem, o que tenho visto diariamente na prática docente é justamente isso, um grupo de jovens cuja maior ambição é a de se preparar em um curso técnico/superior para um futuro concurso público estadual, ou preferencialmente federal, para garantirem suas vidas logo no início delas, e assim poderem ter a certeza de que daqui a alguns anos irão se aposentar e morrer em paz. É deprimente entrar em uma turma de Direito e perguntar aos alunos quantos dali pretendem fazer concurso e, em torno de 90% (ás vezes mais) levantarem seus braços. Estamos mediocrizando o país.

Enquanto isso, o governo tal qual um leviatã, no melhor modelo hobbesiano, parasita as poucas empresas, retirando o máximo possível por meio da carga tributária, atraindo alguns dos mais promissores talentos do mercado por meio de salários e planos de carreira que o setor privado não tem como fazer frente, dentre outras formas de prejudicar o setor privado.Não há dúvida que funcionários públicos são indispensáveis ao funcionamento do Estado. Não há dúvida que são necessários para a estrutura social. Contudo devemos lembrar que o Estado não produz nada. Desculpe, sinto informar que nosso país possui uma economia doentia onde existem cidades que se sustentam única e exclusivamente dos vencimentos dos servidores públicos, das transferências de renda (bolsa-família etc), e nas aposentadorias dos mais velhos. Toda a economia girar em torno de recursos oriundos dos cofres públicos é absurdo.

Não deixa de ser irônico ver nos editais de alguns concursos exigirem o estudo de matemática e/ou economia. No caso da economia é triste porque geralmente não é economia, mas sim uma cartilha político-partidária de acordo com o “P” que esteja no comando do país/estado/município do certame. Mas, voltando a ironia, é de certa forma absurdo que certos orgãos peçam que seus futuros funcionários estudem matemática ou economia, visto que basta realizarem alguns cálculos básicos, matemática elementar, e irão perceber o buraco que o país está se metendo.

Vejamos, então, pelos dados colocados pelo jornalista holandês: Nada menos que três em cada cinco jovens brasileiros sonham com um emprego no governo, de preferência como funcionário público federal”, o que temos então:

- 3 jovens desejam ser funcionários públicos recebendo, em média, 5mil Euros/Mês;
- 2 jovens vão para o setor privado. Vamos considerar que abram empresas e tenham um rendimento igual de 5.000 Euros/Mês, pagando uma tributação média de 40% ao mês, isso totaliza 2.000 Euros/mês por pessoa, ou 4.000 Euros/Mês a cada dois jovens.

Dessa forma, já no primeiro mês temos o seguinte quadro caótico para o Estado:

Funcionários remunerados
03
Valor do vencimento individual
¢ 5.000,00
Total mensal
¢ 15.000,00

Contribuintes privados
02
Valor de tributos individuais
¢ 2.000,00
Total mensal
¢ 4.000,00

Diferença
¢ – 11.000,00 mês

Ou seja, por um cálculo simples, sem entrar em um cálculo atuarial, econômico ou financeiro, sem qualquer espécie de projeção estatística ou temporal já é possível perceber o enorme déficit mensal. Em um ano estamos falando de 132 mil Euros. Não estou nem pensando em fazer cálculos mais elaborados, porque nesse caso a realidade iria ser muito mais crítica para ser demonstrada. A matemática básica é suficiente.

Enquanto isso, a demagogia oficial se vale do “Estado do bem estar social” para buscar votos, para prometer o impossível, sacrificar as gerações futuras, emitindo um cheque sem fundo, que a maior parte de seus técnicos sabe que não tem como pagar, e seus políticos não-técnicos, que desconhecem totalmente a ciência econômica para sequer saberem o que estão criticando.

Acusam o neo-liberalismo, mal sabem o que é liberalismo, de haver quebrado o mundo em 1929, e repetido a dose em 2008, e esquecem que, em ambos os casos, houve interferência direta dos governos nas crises antes das quebras. Tudo bem, aceito todas as acusações, contudo gostaria que me respondessem uma única coisa: como irão fechar as contas acima, sem recorrerem a mais impostos? Porque se o fizerem poderá chegar o dia em que irão inviabilizar as empresas, e como disse antes, quem mantém toda essa estrutura é o setor produtivo, ninguém mais.
Por: Sandro Schmitz

SUBSÍDIOS


O problema dos subsídios aos investimentos públicos

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Empreendedores só levam adiante projetos que sejam lucrativos. Isso significa que eles irão utilizar os meios de produção, que são escassos, de maneira a satisfazer primeiro as necessidades mais urgentes; nenhum capital ou mão-de-obra serão utilizados para satisfazer necessidades menos urgentes enquanto houver uma necessidade mais urgente ainda não atendida. 

Quando o governo intervém tornando lucrativo um projeto que, caso contrário, geraria prejuízos, todos falam das necessidades que serão assim atendidas; ninguém fala das necessidades que deixarão de ser atendidas em decorrência de o governo ter retirado recursos disponíveis para estes setores e os desviado para suas obras de cunho político. Só se considera o benefício proporcionado pela ação do governo, e não o seu custo. 

Não cabe ao economista dizer o que o povo deve preferir e nem como deve usar os seus recursos. Mas é de seu dever chamar a atenção de todos para os custos das decisões do governo. Isso o diferencia do charlatão, que só fala dos benefícios da intervenção sem jamais se referir aos malefícios que ela acarreta. 

Consideremos, por exemplo, um caso que podemos hoje analisar objetivamente porque é um assunto passado, embora não um passado muito distante. Suponhamos que uma estrada de ferro, cuja construção e operação não seriam economicamente viáveis — isto é, não seriam lucrativas — seja viabilizada pela concessão de um subsídio do governo. Costuma-se dizer, em situações como essa, que a estrada de ferro não seria lucrativa no sentido usual do termo e que, portanto, não despertaria o interesse dos empresários e dos capitalistas. Mas contribuiria para o desenvolvimento de toda uma região promovendo o tráfego, o comércio e a agricultura, dando assim uma importante contribuição para o progresso da economia. 

Segundo os defensores do ativismo estatal, tudo isso precisaria ser levado em consideração ao se avaliar a conveniência de se executar a estrada de ferro. Não podemos nos ater a efêmeras considerações de lucratividade. Para o interesse privado, a construção da estrada de ferro pode parecer desaconselhável, mas do ponto de vista do interesse público sua construção seria benéfica. Logo, o governo deve agir.

Esse raciocínio está inteiramente errado. É claro que não se pode negar que a construção da estrada de ferro beneficia os habitantes da região por ela servida. Ou, melhor dizendo, beneficia os proprietários de terras da região e todos aqueles que ali investiram mas que não conseguem transportar sua produção sem incorrer em grandes custos de transporte. Alega-se, geralmente, que a estrada de ferro irá desenvolver as forças produtivas da região atendida. 

Mas o economista tem de colocar a questão de forma diferente: o estado usa o dinheiro dos contribuintes para subsidiar a construção, a manutenção e a operação da linha que, sem esse subsídio, não poderia ser construída e operada. Estes subsídios irão inevitavelmente desviar uma parte da produção daqueles locais cujas condições naturais são mais favoráveis à produção para outros locais menos adequados a esse propósito. Estará sendo cultivada uma terra que, devido à sua distância dos centros de consumo e devido à sua baixa fertilidade, não possibilitaria a existência de uma agricultura rentável, a não ser que fosse favorecida pelo subsídio dado ao sistema de transporte, para cujo custo de construção os empresários locais não teriam condições de contribuir proporcionalmente. 

Sem dúvida, estes subsídios contribuem para o desenvolvimento econômico da região. Sem eles, a produção ali seria menor. Mas o aumento de produção nesta região favorecida pelo subsídio governamental deve ser contrastado com o ônus imposto sobre a produção e o consumo nas regiões que terão que pagar por essa política do governo. As terras mais pobres, menos férteis e mais distantes estão sendo subsidiadas com a arrecadação de impostos que estão ou onerando a produção de terras melhores ou sendo arcados diretamente pelos consumidores. As empresas localizadas em regiões menos adequadas terão condições de aumentar a produção, enquanto as empresas mais bem localizadas terão de restringir a sua produção. Há quem considere isso "justo" ou politicamente correto, mas não devemos nos iludir e acreditar que desta forma a satisfação geral estará sendo aumentada; na realidade, está sendo diminuída. 

O aumento de produção na região servida pela estrada de ferro subsidiada não deve ser considerado como "benéfico do ponto de vista da prosperidade nacional". Estes benefícios significam apenas que um certo número de empresas estará operando em locais que, não fossem os subsídios, seriam considerados inadequados. Os privilégios concedidos pelo estado a suas empresas favoritas, ainda que indiretamente através do subsídio à estrada de ferro, não são diferentes dos privilégios que o estado concede diretamente a empresas menos eficientes. No final das contas, dá no mesmo o estado subsidiar ou conceder privilégios a um sapateiro, por exemplo, a fim de habilitá-lo a competir com a indústria de calçados, ou favorecer o proprietário de terras — cuja competitividade é menor em virtude de sua localização — utilizando recursos oriundos de impostos para pagar parte do custo de transporte de seus produtos. 

Pouco importa se o estado efetua o investimento improdutivo diretamente ou se ele subsidia uma empresa privada para viabilizar a realização de um projeto antieconômico. O efeito sobre a economia é o mesmo, em ambos os casos. Tampouco importa o método usado para conceder o subsídio. Não importa se o produtor menos eficiente é subsidiado para que possa produzir ou aumentar sua produção ou se o produtor mais eficiente é incentivado a não produzir ou reduzir sua produção. Pouco importa se a doação é feita para produzir ou para não produzir, ou se o governo apenas compra as mercadorias e as retira do mercado. Em ambos os casos os cidadãos pagam duas vezes — uma vez como contribuintes, que são os que indiretamente pagam os subsídios, e depois uma vez mais como consumidores, ao ter de pagar preços maiores pelos bens que desejam comprar. 

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

DEPRESSÃO; DEFLAÇÃO; HIPERINFLAÇÃO

Depressão com deflação ou depressão com hiperinflação - a escolha da Europa e dos EUA
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O que o Banco Central americano pode fazer e o que ele irá fazer são duas coisas diferentes.

O Federal Reserve pode monetizar absolutamente qualquer coisa. Ele pode criar dinheiro digital e comprar qualquer ativo que escolher. Não há restrições legais sobre o que ele pode ou não monetizar.

Se ele fizesse isso, e se ele continuasse fazendo isso, o valor do dólar cairia a zero. Isso produziria uma hiperinflação. O resultado seria a destruição de todos os credores que emprestaram dólares. Os devedores poderiam pagar todos os seus empréstimos com a simples venda de um ovo ou de um maço de cigarros. Foi exatamente assim que agricultores endividados saldaram suas dívidas durante a hiperinflação da Alemanha e da Áustria em 1923.

Os economistas conselheiros do Federal Reserve sabem disso. Os banqueiros americanos sabem disso. Ben Bernanke sabe disso.

Chegará o dia em que o pessoal do Comitê de Política Monetária do Federal Reserve terá de escolher entre puxar o anzol ou se livrar da isca. Eles terão de decidir entre inflação de preços maciça (20%) ou hiperinflação (mais várias rodadas de Quantitative Easing). Eles terão de decidir entre recessão ou hiperinflação.

Eles realmente entenderão que a escolha é entre Grande Depressão 2 versus hiperinflação? Não creio. Eles se acostumaram a manipular a economia ao longo de 90 anos entre recessões e surtos de crescimento. Somente uma vez houve uma genuína depressão: 1930-40. Aquela depressão só se tornou deflacionária, 1931-34, porque o seguro federal sobre depósitos (Federal Deposit Insurance Corporation, de 1934) ainda não havia sido criado. Os correntistas tiraram seu dinheiro dos bancos e não o redepositaram. Isso levou à falência de milhares de bancos, o que criou uma deflação monetária. O processo de reservas fracionárias foi implodido.

Durante este período, o Fed inflacionou a base monetária com o intuito de impedir este fenômeno, ao contrário dos relatos de Friedman e Schwartz em seu famoso livro "A Monetary History of the United States" (1963). O que aconteceu é que, de 1931 a 1933, os correntistas americanos frustraram os planos do Fed. Um gráfico produzido pela sucursal do Fed de St. Louis deveria para sempre silenciar aqueles economistas que creem que Friedman e Schwartz provaram a "complacência" do Fed. Mas não irá, é claro. A história contada por Friedman e Schwartz é conveniente demais para ser utilizada como ferramenta de pressão para novas rodadas de inflação monetária. Friedman e Schwartz escreveram o livro mais importante da história a favor da inflação monetária, pois os meios acadêmicos acreditam universalmente nele. A única seção do livro que sempre é citada pelos economistas convencionais é a seção sobre as ações do Fed no início dos anos 1930. A história é analítica e historicamente mentirosa.

Hoje, os correntistas poderiam novamente repetir a mesma atitude do início da década de 1930. Se a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) não tivesse o suporte de uma linha de crédito de US$600 bilhões que sai do Congresso americano, falências bancárias seguidas de deflação monetária poderiam ocorrer novamente nos EUA. Mas existe uma linha de crédito. Isso acalma os correntistas.

O credor — o Congresso americano — é o maior devedor do mundo. O Congresso americano está incorrendo em déficit orçamentário anual de US$1,2 trilhão por ano. Mas existem bancos centrais para cobrir a dívida: os BCs do Japão, da China e dos EUA. Os correntistas americanos acreditam que o Congresso pode socorrer a FDIC, e que esta pode socorrer os bancos americanos. Consequentemente, eles deixam seu dinheiro nos bancos. Se eles retirarem dinheiro do banco A, irão redepositá-lo no banco B. O sistema não perderá depósitos e nem reservas. Não haverá deflação. O sistema bancário de reservas fracionárias sobrevive.

O sistema vem funcionando há um bom tempo. O dia do juízo final vem sendo continuamente postergado. Isso deu aos bancos centrais muita confiança. Sua confiança na capacidade de manipular o sistema vem crescendo. O sistema superou o colapso do Lehman Brothers. Isso fez os planejadores centrais crerem que qualquer nova liquidação de crédito poderá ser feita de maneira ordeira. Caso contrário, eles sempre poderão intervir mais uma vez.

Postergando o dia do ajuste de contas

O líder do Banco Central Europeu (BCE) vem há meses, verbalmente, jogando o jogo do adiamento, ao mesmo tempo em que vem inflacionando fervorosamente. Mario Draghi vem dizendo que o BCE não irá monetizar a dívida dos PIIGS, mas ele já está fazendo isso indiretamente, permitindo que os bancos centrais nacionais e os bancos comerciais comprem títulos dos PIIGS e então utilizem esses títulos como colateral para a obtenção de empréstimos do BCE.

Tal postura é idêntica às garantias verbais de Angela Merkel, que repetidamente diz não irá vender a Alemanha para os eurocratas ao mesmo tempo em que vende seguidamente a Alemanha para os eurocratas.

No dia 26 de julho, Draghi fez um discurso em Londres. Ele finalmente deixou sua retórica alcançar as verdadeiras práticas do BCE. Ele disse o seguinte: "Em nosso mandato, o BCE está pronto para fazer tudo o que for necessário para preservar o euro. E, creiam-me, será o bastante."

Minutos depois, as bolsas mundiais subiram no mínimo 1%. A bolsa da Espanha subiu enormes 6% em poucas horas.

O que Draghi fez, na verdade, foi dar um grito de desespero. Ele não sabe o que fazer, exceto inflacionar. Ele sabe que terá de quebrar o Tratado de Maastricht que criou a União Europeia, mas também sabe que não possui outra opção. Ele, na prática, revogou os limites impostos pelo tratado sobre as ações do BCE. Ele sabe que a Espanha está próxima do calote. O BCE terá de comprar títulos espanhóis; no mínimo, terá de fornecer os fundos para que alguma outra agência compre títulos do governo da Espanha. A reunião de cúpula realizada há menos de dois meses já se desintegrou. Os juros sobre os títulos espanhóis de dez anos já ultrapassou a cifra mágica (e considerada sustentável) dos 7%.

O sistema bancário europeu vem sendo estimulado unicamente pela inflação monetária. Há sinais de que isso não poderá perdurar por muito mais tempo, mas os banqueiros centrais têm enorme confiança em seus poderes. Eles acreditam que impressão de dinheiro pode postergar qualquer grande crise. Eles acreditam que impressão de dinheiro sempre funcionará como um ás na manga. Keynesianos e políticos pensam exatamente da mesma forma. Eles realmente creem que a autoridade exclusiva e monopolística do governo para supervisionar a criação de dígitos é a base da prosperidade.

Investidores investem dígitos eletrônicos chamados de dinheiro. Eles estão convencidos de que a capacidade dos bancos centrais de criar dígitos pode trazer uma segurança infalível para seus dígitos. Eles creem que, enquanto o número total de dígitos criados pelos bancos centrais estiver sempre aumentando, uma combinação prudente de dígitos direcionados para determinados investimentos irá garantir uma taxa de retorno positiva, mensurada em dígitos. Este é o segredo para qualquer estratégia de investimento que dependa do lema "dígitos investidos hoje, mais dígitos a serem investidos amanhã": é necessário haver uma oferta sempre crescente de dígitos.

Você poderia pensar que investidores julgariam o sucesso de seus investimentos tendo por base um aumento da produção de bens tangíveis, e não de dígitos. Mas a vasta maioria dos investidores parte do princípio de que a criação de bens ocorrerá automaticamente, desde que a oferta de dígitos siga aumentando. Eis o mantra desta geração: "O sistema de produção de bens depende de um contínuo aumento da oferta de dígitos".

É por isso que não há nenhuma resistência às monetizações feitas pelos bancos centrais. Ao contrário: há aplausos e regozijos. Os jornalistas seguem o raciocínio dos economistas. Os economistas adotaram o mantra dos dígitos com o fanatismo fervoroso de um sacerdote. Milton Friedman é o seu sumo sacerdote.

Friedman, e não Keynes

Keynes defendia o aumento dos gastos do governo para salvar o sistema. Tal política é universalmente aceita por economistas acadêmicos. Mas há um problema com este cenário: as taxas de juros. Para aumentar seus gastos sem elevar impostos (o que seria fatal em uma recessão), o governo terá de tomar dinheiro emprestado. De quem? A que taxa de juros?

Keynes, em termos analíticos, disse muito pouco sobre bancos centrais, mas a existência de um banco central está no âmago da capacidade dos governos de aumentarem suas dívidas. Economistas podem recitar o quanto quiserem o mantra dos "gastos do governo"; o fato é que tal medida não responde à pergunta universal imposta pela ciência econômica: "a que preço?" Gastos não podem ser aumentados continuamente se não houver uma fonte que permita o aumento contínuo destes gastos. Contabilidade básica.

É aí que Friedman entra em cena. Keynes foi o profeta dos gastos governamentais. Friedman foi o técnico em contabilidade. Ele era o responsável pelo gerenciamento dos livros contábeis. Não fosse Friedman, Keynes & Cia. teriam sumido de cena durante a Segunda Guerra Mundial.

Keynes foi o profeta acadêmico do inchaço do governo. Friedman foi o sumo sacerdote da importância da existência de grandes bancos centrais. O sumo sacerdote está ali para arrecadar o dinheiro. Todo profeta necessita de um sumo sacerdote, caso contrário a religião desaparece.

Durante décadas, Friedman argumentou que, para a economia prosperar, bastaria o sistema bancário criar dinheiro a uma taxa de 3 a 5% ao ano.

Nunca vi ninguém fazer a seguinte observação: 5% é um valor 66% maior do que 3%. Logo, a recomendação de Friedman está longe de poder ser classificada, mesmo que remotamente, como proponente da 'estabilidade monetária'. Não obstante, os monetaristas adotaram seu mantra. Consequentemente, os mais famosos acadêmicos defensores do livre mercado aceitaram universalmente a legitimidade de um monopólio estatal, o banco central, bem como um cartel autorizado e regulado pelo governo, o sistema bancário de reservas fracionárias. Somente os economistas seguidores da Escola Austríaca rejeitaram este arranjo legal. Mas havia poucos deles naquela época. Nenhum tinha influência.

Keynes recebeu o crédito de supremo economista da era, mas Friedman foi mais importante em termos operacionais. Keynes promoveu os gastos governamentais, mas pouco disse sobre bancos centrais. Em contraste, foi Friedman quem forneceu a justificativa teórica para o financiamento dos déficits governamentais por meio de compras de títulos da dívida do governo pelo banco central.

O problema era este: os déficits durante grandes recessões eram tão grandes, que um aumento contínuo de 3 a 5% na oferta monetária não seria suficiente. Era necessário mais. Os bancos centrais então assumiram seu monopólio e o colocaram para uso imediato: expansão ilimitada da oferta monetária. Foi isso que o Fed fez em 2008.

A previsibilidade de uma taxa constante de inflação monetária nunca foi honrada. A defesa friedmaniana dos bancos centrais foi bem recebida pelos economistas keynesianos. Seu limite de 3 a 5%, obviamente, foi ignorado. Nenhum banco central aderiu a esse limite, assim como nenhuma Receita Federal aderiu à ideia de que o imposto de renda retido na fonte fosse uma medida meramente temporária para auxiliar o esforço de guerra. Friedman forneceu as bases intelectuais para esta medida também.

Uma vez que você consagra o sacerdócio, você descobrirá que as limitações que você havia especificado não mais são levadas a sério pelo sacerdote. É sempre assim.

Friedman forneceu repetidas justificativas teóricas para as ações do governo federal, mas sempre dizendo que oficialmente defendia um governo limitado. Nas duas áreas mais importantes da política econômica — tributação da renda e legitimidade do banco central —, ele defendia exclusivamente o governo federal.

Uma vez consagradas, as agências governamentais deixaram de prestar atenção às restrições práticas desejadas por Friedman ao exercício de seus poderes. Essa é a maldição de todos aqueles que recomendam uma determinada política para tornar o governo mais eficiente. Ela meramente aprofunda a expansão dos poderes do governo sobre novas áreas da economia. Ato contínuo, os políticos e os bancos centrais simplesmente ignoram os limites que supostamente deveriam restringir suas ações. A liberdade passa a ser irrevogavelmente solapada. O nariz supostamente eficiente do camelo se torna a porta de entrada para a tenda.

Limites à hiperinflação

O principal limite é uma unidade monetária de valor zero. A ideia por trás da hiperinflação é fazer com que o governo seja capaz de comprar bens e serviços sem elevar impostos, algo sempre impopular. Esta política deixa de funcionar quando o valor da unidade monetária cai a zero. Neste ponto, a unidade monetária possui apenas uma única função econômica prática: pagar as dívidas. Como o estado obriga as pessoas a aceitarem sua moeda, pois ela é de curso forçado, ninguém pode recusar o pagamento de dívidas com uma moeda que não vale mais nada.

Tão logo o estado paga suas dívidas por meio da hiperinflação, os benefícios oriundos da criação de mais inflação deixam de existir para o estado. Ele não mais pode adquirir nada de valor.

A economia regride ao escambo antes de a hiperinflação atingir seu limite teórico de poder de compra nulo. As autoridades tributárias não conseguem arrecadar impostos facilmente em uma economia de escambo. A maioria das transações não é registrada. Se uma empresa tiver de relatar suas transações, ela pagará seus impostos ao final do período fiscal. Porém, neste ínterim, o poder de compra da moeda já haverá caído substancialmente. Uma conta tributária é uma dívida. Dinheiro hiperinflacionado é excelente para o pagamento de dívidas.

Sendo assim, o governo começa tudo de novo. Ele extingue a moeda antiga. Ele corta vários zeros. Todo o processo recomeça. Neste meio tempo, a classe média desaparece. Fundos de pensão perdem seu valor. Títulos não valem nada. O sistema político sofre uma grande derrota. O governo havia prometido segurança e justiça, mas entregou insegurança e injustiça.

Em períodos de paz, a Europa ocidental vivenciou uma hiperinflação somente em duas nações: Alemanha e Áustria, de 1921 a 1923. Após a Segunda Guerra Mundial, a Hungria teve a pior inflação da história, mas sua duração foi curta. E ela não era uma economia industrial. Israel teve uma hiperinflação em meados da década de 1980, mas recuou antes da destruição total do shekel. A Argentina teve hiperinflação no final da década de 1980.

Uma das piores hiperinflações da história ocorreu no Brasil de 1980 até meados da década de 1990. As estatísticas foram catastróficas. O fenômeno se estendeu por quinze anos. Não conheço nenhum outro caso de hiperinflação que tenha durado mais de três anos. É por isso que considero a inflação brasileira a pior hiperinflação da história moderna. As autoridades políticas não fizeram nada para interrompê-la. O Banco Central seguiu inflacionando desimpedidamente. A devastação da classe média foi quase que total. 

Meu ponto é este: bancos centrais estão cientes dos efeitos de curto prazo da hiperinflação. Tais efeitos provocam perdas na produção. Eles desorganizam o sistema econômico e prejudicam os bancos, principalmente os grandes. Bancos emprestam dinheiro. Em uma hiperinflação, o dinheiro que os bancos recebem como quitação de empréstimos está acentuadamente desvalorizado.

A estrutura do capital da nação é solapada. Quem empresta dinheiro a longo prazo é destruído. Uma vez findado o período da hiperinflação, eles não têm mais dinheiro para emprestar. Aqueles que previram a hiperinflação e compraram ativos como imóveis, como alguns fazem, terão ativos ilíquidos durante a recessão que virá após a hiperinflação. Se eles tiverem comprado moedas estrangeiras, estarão em ótima situação, mas poucos fazem isso.

Bancos centrais conhecem o básico da prática bancária. Eles sabem da ameaça que a hiperinflação representa para o sistema bancário. A ordem social é ameaçada. Suas próprias pensões e aposentadorias são ameaçadas. Logo, eles não são propensos à hiperinflação.

Conclusão

Não creio que uma hiperinflação na Europa ou nos EUA seja inevitável. Creio que seja improvável. Mas creio firmemente que um grande calote seja inevitável. Os governos darão o calote quando aqueles trabalhadores que estão contribuindo para a Previdência e para toda a rede de Seguridade Social do governo descobrirem que (1) isso não é do interesse próprio deles e (2) eles estão hoje em maior número do que os aposentados, realidade essa que não mais existirá quando eles forem os aposentados.

Banqueiros centrais são arrogantes. Eles realmente creem que estão no controle de tudo. Eles realmente creem que a impressão de dinheiro feita por planejadores centrais (eles próprios) é mais poderosa do que as forças de livre mercado (investidores). Eles realmente creem que podem encontrar um meio termo sutil entre colapso deflacionário e hiperinflação. Assim, eles não irão frear completamente o trem. E também não irão hiperinflacionar a menos que os políticos consigam obrigá-los a isso.

Paul Volcker é o modelo. Ao assumir a presidência do Fed em agosto de 1979, ele reverteu as políticas inflacionistas de seu antecessor, G. William Miller, o inventor das metas de inflação. Miller foi persuadido por Jimmy Carter a renunciar após apenas 18 meses no cargo. Volcker se manteve firme em seus propósitos desinflacionistas de agosto de 1979 a 13 de agosto de 1982. Nesta data, quando o Fed voltou a inflacionar, o público já havia perdido o medo da inflação. A economia americana havia passado por duas fortes recessões durante curto período.

Volcker salvou o dólar e o mercado de títulos do governo. Quem pagou o preço foram os políticos: primeiro Carter, que perdeu sua reeleição em 1980. Depois Reagan, que enfrentou altos índices de impopularidade no início de seu governo. Mas Reagan sobreviveu à tempestade porque a economia já havia se recuperado em 1984, quando ele se reelegeu tranquilamente, esmagando seu rival Walter Mondale.

A alavancagem é muito maior hoje. A alavancagem dos grandes bancos é substantivamente maior. O público ainda confia em Bernanke e Draghi. Os investidores acreditam que os bancos centrais podem salvar o sistema da catástrofe. Eu não. Mas eu acredito que bancos centrais têm duas opções de catástrofes: deflação/depressão versus hiperinflação/depressão. Creio que, enquanto for possível, eles farão de tudo para navegar entre os dois. Porém, quando a realidade finalmente se impuser e a situação se tornar crítica, eles arriscarão uma deflação controlada, recorrendo a pacotes de socorro seletivos, voltados especificamente para os maiores bancos.

Bancos centrais não existem para salvar os governos. Políticos vêm e vão. Não são importantes. Bancos centrais existem para salvar seus clientes: os grandes bancos. Eles sabem em quão pão devem passar a manteiga.

A hiperinflação será uma possibilidade real caso os bancos centrais passem para o controle direto de políticos.

Por: Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história.