quarta-feira, 7 de novembro de 2012

LIVRE MERCADO, MORALIDADE E CESARISMO

LeBon

O socialismo pavimenta o caminho para a tomada do poder pelos criminosos, pois ele avança em conjunto com a desintegração da ordem moral.


Gustave Le Bon, já em 1898, viu onde iríamos parar: “O socialismo moderno é muito mais um estado mental que uma doutrina”.



No livro Psychology of Socialism de Gustave Le Bon, há um excepcional aviso contra a experimentação socialista. “Não devemos nos iludir”, escreveu Le Bon, “como alguns fizeram, a ponto de permitir que o socialismo mostre sua finalidade para que se prove sua fraqueza, pois o socialismo imediatamente dará origem ao cesarismo e prontamente se suprimirá todas as instituições democráticas”. Isso foi publicado por Le Bon em 1898 e desde então tem sido invariavelmente profético quando se vê a Revolução Bolchevique na Rússia dezenove anos depois e a Revolução Nacional Socialista na Alemanha em 1933-34. Quando os princípios socialistas tomaram o controle na Rússia e na Alemanha, o cesarismo em Lênin, Stálin e Hitler logo apareceu. A liberdade de expressão logo foi espezinhada juntamente com os direitos de propriedade. Quando Le Bon escreveu Psychology of Socialism, a palavra “totalitarismo” não havia sido inventada. Uma palavra bem mais antiga designava a mesma coisa: era o “cesarismo”.

Foi Caio Júlio César quem cruzou o Rio Rubicão com suas legiões em 49 a.C. para derrubar a constituição romana para que pudesse instituir uma ditadura absoluta. “A maior e praticamente única contribuição de César foi a destruição da república” disse John Dickinson no livro Death of a Republic. “Na apatia dos eleitores [...] César viu uma oportunidade para introduzir um novo método [...] Era o método da desordem: as brigas de rua e intimidações levadas a cabo por bandidos. Era mais barato que o suborno [...] Eleitores que poderiam ser induzidos a votar apenas mediante suborno, por outro lado também poderiam ser forçados a ficar em casa caso corressem sérios riscos de danos físicos ou até risco de perder a vida; Deste modo, o corpo de votantes pôde ser reduzido aos poucos que votariam da maneira que o líder da bandidagem desejasse”.

Não foi acidental o fato de que os bolcheviques e nazistas também tenham contado com criminosos e gangues. A emersão de forças similares aqui nos Estados Unidos deveria servir também como aviso. Uma vez inseridos certos elementos no cerne da sociedade, deixa de ser possível o retorno à liberdade. Uma vez que se permitir que os criminosos intimidem a sociedade, é quando se aceitou ser acorrentado; e essas correntes não são fáceis de remover. Daí em diante todos estão subjugados pelo poder do crime organizado – ou qualquer nome que se chame isso, mesmo que eles usem slogans nobres. O sistema de mercado atual, assim como o sistema republicano desde os primórdios, dependem dos conceitos de lei e ordem e das instituições fundadas segundo esses princípios. Mas agora nós temos algo diferente.

Quando um demagogo declara que um empresário ou comerciante trabalhando legalmente é um ladrão, há aí um corolário nessa afirmação; nomeadamente diz-se aí que os ladrões e criminosos são os libertadores. Tão logo o bandido de rua é glorificado, o respeitável empresário ou comerciante é vilipendiado. “Tão logo nos adentramos um pouco no mecanismo das civilizações”, escreveu Le Bon, “logo descobrimos que uma sociedade com suas instituições, crenças e artes representam um tecido de ideias, sentimentos, costumes e modos de pensar [...] é essa coesão que constitui sua força”. Substitua sentimentos morais por sentimentos imorais e o que se consegue? Substitua empresários e comerciantes por criminosos e o quê se construiu? O que se alcança é um Estado criminoso – como a Alemanha Nazista ou a Rússia Soviética. Pode se chamar isso de liberdade, democracia ou socialismo, mas o que se tem é o gangsterismo; ou em outras palavras, o cesarismo.

Como manter a criminalidade distante? Como se opor ao cesarismo? A liberdade depende da intensidade das nossas convicções morais, assim como o livre mercado. “Nenhuma sociedade se mantém firmemente unida a menos que sua herança moral esteja firmemente estabelecida não em códigos, mas na natureza dos homens”, escreveu Le Bon, “[a sociedade] decai quando ela se fragmenta; e quando sua herança moral é finalmente desintegrada, a sociedade está fadada a desaparecer...” E o que é mais perturbador na nossa sociedade contemporânea? A derrocada moral está demasiadamente evidente em meio a uma epidemia de trapaças, roubos e mentiras. Seria necessário nos dar ao trabalho de dar esses exemplos?

Tampouco o crescente desuso de sólidos princípios pode se considerar como insignificante. Sem dúvida fomos tomados por uma corrupção generalizada das ideias. Por conta dessa corrupção perdemos nosso senso de certo e errado, amizade e inimizade. Parece que não podemos mais distinguir um criminoso de um patriota, um inimigo de um parceiro. Quanto mais se sobe na academia, governo ou mídia, maior fica o ego, mais perturbado fica o intelecto e mais atenuado fica o amor pelo país. Alguns meses atrás, um oficial da inteligência aposentado que voltava para a América após anos de trabalho no exterior, escreveu o triste comentário: “Morando no estrangeiro desde 1984, posso honestamente dizer que esse não é o mesmo país”.

A erosão do caráter romano, escreveu Dickinson, foi uma das “causas fundamentais da instabilidade da república...”. E a erosão do caráter americano está sujeito a produzir um resultado similar nos dias de hoje. A liberdade e o livre mercado podem ser sustentados apenas por uma forte moral. Quando a moralidade desaparece, o que toma o seu lugar deve ser definitivamente imoral (seja qual for a roupagem, mesmo que seja algo que venha em nome da defesa dos “pobres”). Logicamente, o socialismo pavimenta o caminho para a tomada do poder pelos criminosos, pois ele avança em conjunto com a desintegração da ordem moral. É como Patrick Buchanan observou: “Os Estados Unidos sofreram uma revolução cultural, moral e religiosa [...] Enquanto os conservadores venceram a Guerra Fria contra o comunismo político e econômico, nós perdemos a guerra cultural para o marxismo [...] que é agora a cultura dominante”. (Veja o documentário Cultural Marxism: The Corruption of America.)

A contradição na observação de Buchanan é óbvia. A Guerra Fria não foi vencida no final das contas e o sistema de livre mercado dificilmente pode ser considerado vitorioso. Ele foi flanqueado por um ataque em suas bases culturais. Assim que cumprido, uma erosão generalizada do sistema econômico e político é consequência certa. Junto do colapso da moralidade vem o colapso do discernimento. Hoje em dia não há uma solidez de julgamento nas classes dirigentes que consiga sustentar o sistema de mercado por mais uma década. Até mesmo Gustave Le Bon, já em 1898, viu onde iríamos parar: “O socialismo moderno é muito mais um estado mental que uma doutrina”. Segundo ele, “O que torna o socialismo tão ameaçador é [...] suas já instauradas mudanças de grande porte causadas na mente das classes dirigentes. A burguesia moderna não está mais certa dos seus direitos. Ou sequer estão certos de qualquer coisa. Eles dão atenção a tudo e tremem diante do mais deplorável falaz”.

Apesar do “deplorável falaz” de Le Bon, as revoluções advêm de cima, e não de baixo. Raramente são as massas que insurgem; são as classes dirigentes que adotam novas ideias – ou perdem a fé nas antigas. Essa crise de fé, esse colapso de moralidade e senso comum, é algo absolutamente real. Não devemos ter ilusões de que uma futura guinada em direção ao socialismo será algo temporário. Na verdade, ele promete deixar tudo mais inteligível (NT.: No sentido de mostrar seus verdadeiros objetivos). “O corpo social é um organismo delicado”, escreveu Le Bon, “que deveria ser tocado o mínimo possível”. Hoje em dia, é claro, o corpo social tem sido molestado em todas as partes. E assim nós esperamos a vinda de César.Por: POR JEFFREY NYQUISt Publicado no Financial Sense.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O ÓBVIO ESOTÉRICO



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Neste país, o óbvio vai-se tornando cada vez mais um segredo esotérico, só acessível a um círculo de iniciados: num campeonato de esquerdismo, vence, por definição, o mais esquerdista.




A derrota do sr. José Serra em São Paulo demonstra, pela enésima vez, que é impossível vencer o PT e seus aliados sem fazer precisamente as duas coisas que a oposição tem evitado a todo preço: (1) livrar-se do resíduo ideológico “politicamente correto”, adotando um discurso conservador sem concessões nem atenuações; (2) denunciar incansavelmente a aliança criminosa de partidos comunistas e quadrilhas de narcotraficantes – o Foro de São Paulo.

Quem duvida que o sucesso de Magalhães Neto, em contrapartida, deveu muito à nostalgia de um conservadorismo linha-dura que o seu nome de família ainda evoca na imaginação do eleitorado baiano? Antonio Carlos Magalhães nunca foi um conservador em sentido estrito, mas, faute de mieux, a esquerda fez dele o símbolo quintessencial da direita, e, ao menos nos seus últimos anos, ele vestiu a camiseta com alguma bravura, cujo prestígio agora reverte em benefício do seu neto.

Uma das razões mais óbvias do triunfo da esquerda, não só no Brasil mas em toda parte, é a solidariedade profunda, a aliança inquebrantável entre seus setores moderados e radicais, sempre articulados para bater no adversário com duas mãos. Na direita, ao contrário, os moderados, menos ciosos do seu futuro político que da imagem que exibem na mídia esquerdista, tratam de marcar distância dos radicais, seja fingindo ignorá-los, seja mesmo insultando-os, ao menos da boca para fora.

A mensagem que isso transmite ao eleitor é clara: o esquerdismo é um remédio bom, do qual se pode, no máximo, discutir a dosagem; o direitismo, ao contrário, é um veneno que só pode ser bom em doses mínimas.

É preciso ter subido muito na escala da idiotice para não entender que isso é a política de quem já se acostumou tanto com a derrota que já não pode viver sem ela.

O PT não se inibe de aliar-se ao PSOL, ao PSTU, aos Sem-Terra e até, mais discretamente, às Farc. Mas quem pode imaginar os homens do DEM – para não falar de José Serra – posando numa foto em visita, mesmo de pura cortesia, ao Instituto Plínio Correia de Oliveira ou ao Clube Militar? Cito essas entidades de caso pensado: elas nada têm de radical, mas assim as rotulou a mídia esquerdista para isolá-las da direita oficial, que, como sempre, aceitou servilmente jogar segundo a regra imposta pelo adversário.

O mais elementar bom-senso político ensina que toda maioria moderada precisa dos radicais - ou de quem o pareça - para dizer em público o que ela não pode dizer. Ensina também que a minoria enfezada só pode ser posta sob controle quando inserida numa aliança. A esquerda já aprendeu isso há décadas. A direita nem começou a pensar no assunto.

Na França, a vitória da esquerda teve como causa principal ou única a impossibilidade de um diálogo entre a direita gaullista e o Front National. Nos EUA, em 2008, John McCain jamais teria perdido a eleição se não houvesse caprichado tanto naquele bom-mocismo centralista que os conservadores abominam. E no Brasil o sr. José Serra teria tido uma carreira mais brilhante se atirasse à lata de lixo da História um passado esquerdista que, quanto mais ostentado, mais honra e eleva a imagem dos seus inimigos. Desculpem-me por insistir no óbvio, mas, neste país, o óbvio vai-se tornando cada vez mais um segredo esotérico, só acessível a um círculo de iniciados: num campeonato de esquerdismo, vence, por definição, o mais esquerdista. O eleitorado brasileiro é maciçamente conservador, mas, não tendo quem o represente na política, acaba votando a esmo, conforme simpatias de momento ou interesses de ocasião que no fim o tornam tão corrupto, ao menos psicologicamente, quanto os políticos que ele despreza. O voto interesseiro vai, necessariamente, para quem está no poder, para quem controla a usina de favores. A oposição teria tudo a ganhar se contrapusesse a esse estado de coisas um discurso ideologicamente carregado, restaurando o senso da política como conflito de valores em vez de mera disputa de cargos. Mas ela não vai fazer isso. Há tempos ela já se persuadiu de que acumular derrotas é mais confortável do que fazer um exame de consciência.Por: POR OLAVO DE CARVALHO Publicado no Diário do Comércio.

DOS ESTADOS UNIDOS À EUROPA

1. Os americanos vão hoje às urnas. Não sou vidente. Não vou cansar o leitor com análises detalhadas sobre os "swing states", os votos colegiais, as últimas pesquisas. Tudo é possível.
Mas, dentro do possível, confesso que gostaria muito que Mitt Romney ganhasse. Eu sei, heresia: lemos a imprensa "liberal" (no sentido americano da palavra, ou seja, esquerdista) e Romney é apresentado como um fanático que acredita em extraterrestres. Pior: um fanático que pretende entregar os Estados Unidos à plutocracia doméstica, de que ele faz parte.

Barack Obama, pelo contrário, é a personificação da bondade e do realismo. Mesmo Guantánamo, que continua a funcionar, tem outro sabor com Obama: no tempo de Bush, a prisão era o inferno terreno e a prova da malignidade republicana. Com Obama, Guantánamo é um jardim de infância.

Sejamos sérios: o julgamento sobre Obama, quatro anos depois, não pode ser brando ou entusiasmante. Fato: em 2008, Obama recebeu de herança uma nação quebrada. Novo fato: em 2008, Obama dispunha de condições incomparáveis --aprovação popular em níveis estratosféricos, Congresso favorável etc.-- para fazer mais e melhor.

Não fez. Um crescimento econômico que se arrasta penosamente nos 2% é tímido, para usar um eufemismo. O desemprego perto dos 8% seria o suficiente para que ele perdesse a reeleição. E a República, agravando o desvario iniciado por George W. Bush, continua dramaticamente endividada --e a endividar-se.

Como escreveu certeiramente Tim Stanley, no "Daily Telegraph", o problema de Obama não é ser o anti-Bush. É, ironia das ironias, repetir os erros de Bush ao permitir um Estado sem controle na despesa e disposto a infiltrar-se na vida comum do cidadão comum.

É por isso que a eleição de hoje não é apenas mais uma eleição na história da América. É, como afirma Romney e sobretudo o seu candidato a vice, Paul Ryan, uma espécie de plebiscito sobre o tipo de sociedade que a América pretende ser no século 21.

Para Obama, o ideal seria que a América se aproximasse da Europa e do modelo de bem-estar social.

Infelizmente, alguém deveria explicar ao presidente Obama que a crise corrente que ameaça destroçar a União Europeia está diretamente relacionada com a insustentabilidade desse modelo social.

Cuidado, América: para Europa, já basta a que temos.

2. E por falar em Europa: leio no "Times Literary Supplement" uma passagem notável das memórias de Madame de Staël.

Conto rápido: já depois da Revolução de 1789, o ministro de guerra Louis de Narbonne-Lara discursava na Assembleia Legislativa.

A páginas tantas, o infeliz ministro introduziu no discurso a expressão "apelo aos mais distintos membros desta Assembleia". Foi a revolta geral, com os jacobinos a relembrarem ao ministro que, naquela Assembleia, todos os membros eram igualmente distintos.

A história é interessante para conhecermos a cabeça do fanatismo igualitário em ação. Mas mais interessante é a observação de Madame de Staël: "para os jacobinos", escreve ela, "a aristocracia de talento era tão repugnante como a aristocracia de berço".

Relembro esta história, hoje, ao saber que na mesma França da Bastilha o presidente François Hollande pretende banir do sistema educativo os deveres de casa.

Corrijo: Hollande não quer banir os deveres. Pretende apenas que eles sejam integralmente realizados na escola, não em casa. Isso permitirá que as diferenças socioeconômicas das famílias não tenham qualquer interferência no respectivo mérito escolar dos filhos. Todos iguais, todos na escola.

Claro que, para sermos perversos, poderíamos perguntar ao senhor presidente o que tenciona ele fazer se alguns alunos, em manifesto desrespeito igualitário, violarem a medida. Como?

Estudando na escola e, depois, estudando um pouco mais em casa, ou nos cafés, ou nas bibliotecas. Será permitida essa busca da excelência extracurricular?

Ou o Estado francês, em nome da igualdade, também pretende instalar um policial em cada casa, café ou biblioteca, disposto a vigiar e punir o mais leve sintoma de curiosidade intelectual?

Esperemos pelas cenas dos próximos capítulos. Por: João Pereira Coutinho, Folha de SP

A CHINA PODERÁ SER O TITANIC DO SÉCULO XXI


“A desaceleração econômica corrente em Pequim não é nem cíclica nem resulta de uma demanda externa fraca por bens chineses. Os males econômicos da China têm raízes muito mais profundas”.


“Tudo o que você acha que sabe sobre a China está errado”, escreveu peremptoriamente Minxin Pey, da acatada revista Foreign Policy. A China não é a potência econômica, política e militar que se acha comumente, explicou.

A afirmação pega de surpresa, mas Pey apresenta uma argumentação sólida e convincente em seu artigo.

De início, Pey sublinha que enganos do gênero não são coisa nova. “Nos últimos 40 anos”, escreve, “os americanos demoraram a perceber o quanto seus rivais estrangeiros decaíram. Nos anos 70, eles pensavam que a União Soviética era um gigante. No fim dos anos 80, temiam que o Japão fosse superar economicamente os Estados Unidos”.

Para ele, o Ocidente está cometendo erro de apreciação análogo em relação à China.

A seguir ele enumera sinais assustadores da fragilidade chinesa: “desaceleração persistente do crescimento econômico, grande quantidade de bens sem vender, crescimento dos empréstimos bancários podres, bolha imobiliária prestes a estourar, e uma luta acirrada pelo poder no topo combinada com intermináveis escândalos políticos. Muitos fatores que favoreceram a ascensão da China — como dividendo demográfico, descaso pelo meio ambiente, mão de obra super barata e acesso virtualmente ilimitado a mercados externos — estão minguando ou desaparecendo”, diz Pey.

No entanto, o mundo político e a grande mídia fingem não perceber, agem enganosamente e desinformam o público. O caso da política adotada pelo presidente Obama na Ásia é um caso paradigmático, entre muitos outros.

O Center for American Progress e o Center for the Next Generation, dois think tanks de esquerda, reforçaram essa visão enviesada com um relatório prevendo que a China terá 200 milhões de estudantes diplomados em 2030, e, em função disso, pintando um quadro deprimente do declínio americano.

Os promotores dessa visão errada sobre a China já não podem fingir que não percebem a anarquia e o eventual desabamento catastrófico da economia e do estado de coisas ditatorial vigente no país.

Então, pretendem que a China estaria passando apenas por uma crise econômica cíclica como já se verificou em países capitalistas, ligada à crise maior que assola a União Europeia e, em menor medida, aos EUA, e à queda da demanda internacional.

Porém, diz Pey, “a desaceleração econômica corrente em Pequim não é nem cíclica nem resulta de uma demanda externa fraca por bens chineses. Os males econômicos da China têm raízes muito mais profundas: um Estado autoritário dilapidando capital e afugentando o setor privado, ineficiência sistêmica e falta de inovação, uma elite governante rapace interessada exclusivamente no enriquecimento pessoal e na perpetuação de seus privilégios, um setor financeiro dolorosamente subdesenvolvido, e crescentes pressões ecológicas e demográficas”.

Infelizmente, esse descompasso entre a percepção americana da força chinesa e a realidade da fraqueza chinesa tem consequências adversas reais. 

Pey pede que a opinião pública americana e seu governo – e o mesmo vale para o Brasil – reavaliem as premissas básicas de sua política com a China e considerem seriamente uma estratégia alternativa.

Do contrário, poderemos ser tragados por catástrofes impensadas.

Como foi impensado o afundamento do Titanic para seus ricos e despreocupados passageiros, que dançavam no salão enquanto o iceberg rasgava irreparavelmente o ventre do famoso e infeliz navio símbolo da prosperidade.
Por: Luis Dufaur, 

sábado, 3 de novembro de 2012

ALGUNS CONSELHOS PARA AQUELES QUE GENUINAMENTE QUEREM AJUDAR OS POBRES

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Se você está preocupado com a 'justiça social' e quer genuinamente ajudar os pobres a subir na vida de maneira permanente e independente, há alguns procedimentos que você pode seguir.

Sua primeira e imprescindível obrigação para com os pobres é: não se torne um deles e não faça com que outros se tornem um deles. Será muito mais difícil ajudar pessoas pobres se você ou seu vizinho se tornar pobre. Assim como você não deve se tornar pobre, você também não deve defender políticas que levem ao empobrecimento de ricos na crença de que isso levará ao enriquecimento dos pobres. Para o pobre, não interessa se foi você ou o seu vizinho que empobreceu por meio de medidas do governo; a situação dele não melhorará. Um rico empobrecido não cria um pobre enriquecido. A economia não é um jogo de soma zero.

Não sendo pobre, você tem uma escolha: você pode dar o peixe para os pobres comerem ou você pode lhes arrumar um emprego e ensiná-los a pescar o peixe por conta própria — isto é, ensiná-los a serem seres humanos produtivos.

O que nos leva à sua segunda obrigação: se você quer ensinar os pobres a serem independentes e capazes de se auto-ajudar, comece dando o exemplo ainda dentro de sua própria casa. Crie seus filhos de maneira austera. Filhos independentes e não-mimados se tornam mais produtivos, mais solícitos, mais realistas e menos propensos a roubar ou a ser desonestos. No futuro, seu filho poderá servir de exemplo comportamental para aquelas pessoas que você está preocupado em ajudar.

Dado que todos vivemos no mesmo planeta (e não há como fugir dele — vivos), todos enfrentamos o mesmo problema sobre como alocar recursos escassos da maneira mais eficiente possível do modo a satisfazer desejos cada vez maiores (já são quase 7 bilhões de pessoas na terra). Há duas maneiras de se alocar recursos: 1) por meio da força, ou seja, por meio de decretos e coerções governamentais; ou 2) voluntariamente, por meio do sistema de preços fornecido pelo mercado. 

Esta segunda maneira é mais duradoura e, logo, preferível para ser adotada com o intuito de sustentar a vida de um enorme número de pessoas. Por isso, é também sua obrigação explicar às pessoas — principalmente aos seus amigos igualmente sedentos por 'justiça social' — como funciona uma economia de mercado e por que apenas ela pode criar a maior quantidade possível de bens e serviços para os mais pobres, melhorando seu padrão de vida. Todo e qualquer sistema econômico socialista sempre culmina em escassez e em racionamento de recursos, exatamente o contrário do que você quer para os mais pobres.

Sua terceira obrigação para com os pobres é dar bons exemplos, de modo que eles se sintam estimulados a emular seu sucesso. Não minta, não roube, não trapaceie e não tome dinheiro das pessoas, tampouco utilize o governo para fazer isso por você. Não enriqueça por meio de políticas governamentais. Não aceite dinheiro nem privilégios do governo — dado que o governo nada cria, tudo o que ele lhe dá foi adquirido coercivamente de terceiros (na esmagadora maioria dos casos, contra a vontade de seus legítimos proprietários), uma medida que gera apenas ressentimento destes pagadores de impostos. Uma civilização que é erigida sobre o roubo e sobre privilégios não pode ser duradoura. Dê o exemplo não contribuindo para o perpetuamento deste arranjo.

Em um futuro muito próximo, será cada vez mais difícil para um indivíduo preservar sua riqueza. Governos falidos ao redor do mundo — consequência econômica inevitável de estados assistencialistas e inchados — estarão sedentos para confiscar quaisquer ativos remanescentes em uma desesperada tentativa de prolongar sua sobrevivência (mas sempre em nome do "bem público"). Os direitos individuais serão abolidos em nome do 'bem comum' e várias leis serão criadas com o intuito de tornar ilegal qualquer medida que vise a proteger a riqueza dos indivíduos mais ricos — e aí sim veremos uma verdadeira caça às bruxas.

Algumas pessoas acreditam que poderão evitar problemas caso voluntariamente entreguem seu dinheiro para o governo (ou peçam para que o governo o tribute). Pode ser, mas o fato é que durante a hiperinflação da França nos anos 1790, os ricos que não fugiram foram decapitados. Talvez a França tenha sido um caso extremo, mas a história mostra que sempre que os ricos foram pilhados por políticos populistas, os resultados não foram bonitos. Portanto, não empreste sua retórica e nem dê seu apoio a políticos ou movimentos políticos que defendam o confisco direto da riqueza dos mais ricos. Além de os pobres nunca terem sido beneficiados por tais medidas (algo economicamente impossível), você estará apenas aumentando o número de pobres.

Portanto, sua quarta obrigação para com os pobres é assegurar parte da sua riqueza para as gerações futuras. Dado que você genuinamente quer ajudar os pobres, acumule o máximo possível de ativos, trabalhe bastante e produza muita riqueza durante seu tempo de vida. Ao produzir riqueza, você não apenas estará empregando pessoas e enriquecendo-as também, como estará produzindo para toda a humanidade uma maior quantidade de bens e serviços. É assim que você fará com que as pessoas subam na vida. 

Caso prefira o assistencialismo puro, você também tem a opção de distribuir toda a sua riqueza quando se aposentar ou quando morrer. Quanto mais riqueza você produzir, mais você poderá distribuir. Você tem liberdade de escolha. Em vez de folgadamente defender o esbulho da riqueza alheia, crie você próprio a sua riqueza e então a distribua para os pobres — ou, melhor ainda, empregue-os neste processo de criação de riqueza.

Durante este processo, você terá de saber manter seus ativos a salvo do perigo, evitando que sejam confiscados pelo governo ou que simplesmente sejam esbanjados e dissipados. É neste quesito que você terá seus maiores problemas, muito embora várias famílias já tenham demonstrado ser possível manter sua riqueza ao longo de gerações. Sua riqueza provavelmente estará na forma de ativos produtivos que são difíceis de serem movidos de um país para o outro. Isso tornará mais difícil se proteger do governo doméstico, que estará ávido para confiscar sua riqueza quando ele precisar do dinheiro. Conclusão: você terá de diversificar seus ativos ao redor do mundo, de modo que, quando o governo de um país se tornar muito ganancioso (sempre para ajudar os pobres), você terá outra base de operações da qual operar. Isso irá garantir que você se mantenha fiel à sua primeira obrigação para com os pobres. Quem disse que é fácil concorrer com o amor do governo pelos pobres?

Caso continue preferindo ensinar a pescar em vez de dar o peixe, sua quinta e última obrigação para com os pobres é legar em herança sua riqueza para alguém (ou para um grupo de pessoas) que irá dar continuidade ao seu trabalho de fazer deste mundo um lugar melhor para os pobres viverem, com uma maior produtividade e uma mais eficiente alocação de ativos. Esta poderá ser a tarefa mais difícil de todas. 

Ser caridoso com a riqueza dos outros é uma delícia. Arregaçar as mangas e produzir por conta própria aquilo que você quer ver distribuído já é um pouco mais trabalhoso. Mas seu amor genuíno aos pobres servirá de estímulo todas as manhãs. Boa sorte!

Hans F. Sennholz  (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos.  Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou.  Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997.  Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.

Tradução de Leandro Roque

NÃO SE DEIXE EDUCAR PELO ESTADO


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Não é nenhuma coincidência que os governos de todos os países do mundo queiram estar no controle da educação das crianças. Os serviços de educação fornecidos pelo aparato estatal supostamente devem ser vistos como uma evidência da bondade do estado e da preocupação de seus burocratas para com nosso bem-estar. Mas o real objetivo é bem menos bajulador, e muito fácil de entender: se toda a propaganda governamental inculcada nas salas de aula conseguir criar raízes dentro das crianças à medida que elas crescem e se tornam adultas, estas crianças não serão nenhuma ameaça ao aparato estatal. Elas mesmas irão prender os grilhões aos seus próprios tornozelos.

H.L. Mencken certa vez disse que o estado não quer apenas fazer com que você obedeça às suas ordens inquestionavelmente. O estado quer fazer com que você queira obedecê-lo voluntariamente. E isso é algo que a educação controlada pelo estado — não importa muito se as escolas são públicas ou privadas, desde que seja o estado quem esteja ditando os currículos — faz muito bem.

Um pensador político há muito esquecido, Étienne de la Boétie, nunca deixava de se questionar por que as pessoas sempre toleravam regimes opressivos. Afinal, os governados estão em maioria esmagadora em relação aos governantes. Sendo assim, as pessoas poderiam pôr um fim a todo o autoritarismo se elas realmente quisessem. E, no entanto, isso raramente acontecia.

Por ora, gostaria apenas de entender como pode ser que tantos homens, tantos burgos, tantas cidades, tantas nações suportam às vezes um tirano só, que tem apenas o poderio que eles lhe dão, que não tem o poder de prejudicá-los senão enquanto eles têm vontade de suportá-lo, que não poderia fazer-lhes mal algum senão quando preferem tolerá-lo a contradizê-lo. Coisa extraordinária, por certo; e, porém, tão comum que se deve mais lastimar-se do que espantar-se ao ver um milhão de homens servir miseravelmente, com o pescoço sob o jugo, não obrigados por uma força maior, mas de algum modo (ao que parece) encantados e enfeitiçados apenas pelo nome de um...

Chamaremos isso de covardia? ... Se cem, se mil aguentam os caprichos de um único homem, não deveríamos dizer que eles não querem e que não ousam atacá-lo, e que não se trata de covardia e sim de desprezo ou desdém? Se não vemos cem, mil homens, mas cem países, mil cidades, um milhão de homens se recusarem a atacar um só, de quem o melhor tratamento fornecido é a imposição da escravidão e da servidão, como poderemos nomear isso? Será covardia? ... Quando mil ou um milhão de homens, ou mil cidades, não se defendem da dominação de um homem, isso não pode ser chamado de covardia, pois a covardia não chega a tamanha ignomínia. . . Logo, que monstro de vício é esse que ainda não merece o título de covardia, que não encontra um nome feio o bastante . . . ?

De la Boétie concluiu que a única maneira pela qual qualquer regime poderia sobreviver seria se o público lhe desse seu consentimento. Tal consentimento poderia ser tanto um apoio entusiasmado quanto uma resignação estóica. Mas se tal consentimento desaparecesse, os dias do regime estariam contados.

E, de fato, é necessário um sistema educacional enormemente distorcido para fazer com que as pessoas emprestem seu consentimento a qualquer arranjo estatal. Afinal, o que é o estado? É um grupo dentro da sociedade que clama para si o direito exclusivo de controlar e espoliar a vida de todos. Para isso, ele utiliza um arranjo especial de leis que permite a ele fazer com os outros tudo aquilo que esses outros são corretamente proibidos de fazer: atacar a vida, a liberdade e a propriedade.

Por que uma sociedade, qualquer sociedade, permitiria que tal quadrilha desfrutasse incontestavelmente desse privilégio? Mais ainda: por que uma sociedade consideraria legítimo esse privilégio? É aqui que o controle da mente entra em cena. A realidade do estado é inquestionável: trata-se de uma máquina de extorsão, pilhagem e autoritarismo — tudo isso em larga escala. Sendo assim, por que tantas pessoas clamam por sua expansão? Aliás, por que sequer toleramos sua existência? A própria ideia da instituição estado é tão implausível por si só que é preciso que ele, o estado, coloque sobre si um manto de santidade para que consiga apoio popular

E é por isso que a educação autônoma — a verdadeira educação — é uma enorme ameaça para qualquer regime. É por isso que ela é combatida tão veementemente pelo estado e seus burocratas. Se o estado perder o controle daquilo que entra em sua mente, ele perde o segredo de sua própria sobrevivência.

E o estado já está começando a perder este controle. A mídia tradicional, aquela que sempre se esforçou disciplinadamente para carregar água na peneira pelo estado desde tempos imemoriais, já está se sentindo ameaçada por vozes independentes na internet. Não creio que hoje qualquer pessoa com menos de 25 anos leia algum jornal. Algumas escolas públicas nos EUA já estão implementando um programa abertamente despótico, mas necessário para sua sobrevivência: as crianças têm de usar braceletes eletrônicos que monitoram sua exata localização durante os horários de aula. A intenção clara é se certificar de que as crianças estão comparecendo regularmente à escola para ouvir o que o estado tem a lhes dizer.

Como tudo isso irá acabar? Impossível saber de antemão, mas os prospectos da liberdade são animadores. Por mais que a mídia e a classe política operem em conjunto para sustentar a santidade do estado, tal blindagem já foi rompida. E esta tendência é irreversível.

É por isso que o nosso desafio é o mais radical que já foi apresentado ao estado. Nossa intenção não é tornar o estado mais "eficiente", ou dar ideias de como ele pode aumentar suas receitas. Tampouco queremos mudar seu padrão de protecionismo, de privilégios e de redistribuição de riqueza. Nossa intenção não é dizer qual programa de subsídio é o melhor e qual deve ser alterado, ou qual tipo de imposto faria com que o sistema fosse gerido mais harmoniosamente. Não queremos alterações pontuais no estado. Rejeitamos o atual sistema por completo.

E não nos opomos a essa máquina de extorsão, pilhagem e autoritarismo que é o estado por ele ser 'ineficiente' ou 'improdutivo'. Nós nos opomos ao estado porque extorsão, pilhagem e autoritarismo nunca podem ser medidas moralmente aceitáveis.

O estado moderno nada mais é do que uma disputa de poder entre quadrilhas, cada qual visando seus próprios interesses e os de sua base de apoio. Quem está interessado apenas em liberdade, não apenas está sem representação como também é obrigado a sustentar ambos os grupos. Por isso, não imploramos pelas migalhas que eventualmente caem da mesa do banquete totalitário. Tampouco queremos um assento a esta mesa. O que queremos é derrubar a mesa totalmente.

Há muito trabalho a ser feito. Um número incontável de indivíduos foi persuadido de que é do interesse deles ser roubado, proibido de adquirir bens estrangeiros, ter seu poder de compra destruído e ter de obedecer a todas as ordens ditadas por uma elite governamental que na realidade não está nem aí para nosso bem-estar e cujo único objetivo é aumentar seu poder e sua riqueza à custa do nosso padrão de vida.

A mais letal e antissocial instituição da história da humanidade continua a se autodescrever como sendo a fonte essencial de toda a civilização. A partir do momento em que o governo assumiu o controle da educação, as pessoas aprenderam que o estado está ali para protegê-las da pobreza, dos remédios estragados e até dos dias chuvosos; para dar estímulos quando a economia estiver ruim e para nos defender de todos aqueles elementos perigosos ou gananciosos que estão fora da máquina estatal (pois dentro dela eles não existem). Esta visão, por sua vez, é diariamente reforçada e intensificada pela mídia impressa e eletrônica, os porta-vozes do regime.

Se o público foi iludido, cabe a nós a imprescindível tarefa de desiludi-lo. É necessário rasgar o manto de santidade sob o qual o estado se esconde. Esta é a tarefa mais crucial de nossa época. E qualquer um pode fazer sua parte.

Comece consigo próprio. Eduque-se. Aprenda tudo o que puder sobre uma sociedade livre. Leia os grandes, como Frédéric Bastiat, Ludwig von Mises, Murray Rothbard, Henry Hazlitt, Hans Sennholz, George Reisman, Tom Woods,Thomas DiLorenzo e Jesús Huerta de Soto. À medida que você for aprofundando seus conhecimentos, compartilhe o que você está lendo e aprendendo. Crie um blog. Crie um canal no YouTube. Oragnize um grupo de estudos. O que quer que faça, aprenda e espalhe seu conhecimento. Jamais pare.

Se foi por meio da propaganda que as pessoas irrefletida e insensatamente aceitaram as alegações do estado, então será por meio da educação que elas serão trazidas de volta ao seu juízo.

Com a mídia — o suporte indispensável do estado — em franca decadência, será cada vez mais difícil para o aparato estatal fazer com que suas alegações sejam prontamente aceitas; será difícil o estado continuar persuadindo as pessoas a aceitarem suas mentiras e propagandas.

Você certamente já ouviu dizer que a pena é mais poderosa que a espada. Pense na espada como se ela fosse o estado. Pense na pena como se ela fosse você divulgando as ideias da liberdade. Qual, no final, terá mais chances de ganhar os corações e a mente das pessoas?

Tenha sempre em mente esta constatação de Étienne de la Boétie: todo e qualquer governo depende do consentimento das pessoas; tão logo o público retirar seu consentimento, qualquer regime estará condenado.

É por isso que o regime ora nos ridiculariza, ora nos teme. E é por isso que, não obstante todos os horrores que lemos diariamente, podemos ter a ousadia de olhar para o futuro com alguma esperança.

Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.


Tradução de Leandro Roque

ENGANA QUE A GENTE PAGA

Coisa de 200 anos atrás, jornalistas do “Times” de Londres já utilizavam um critério original para saber o que deviam ou não apurar e publicar. “Notícia, diziam, é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado; o resto é propaganda.”

Desse ponto de vista, tudo que o governo fala, em qualquer país, deve ser entendido como propaganda e marketing. Claro, não é mesmo? Os governantes só falam aquilo que gostariam de ver publicado com o devido destaque.

No Brasil de hoje, isso faz muito sentido. Os governos, em todos os níveis, carregam na propaganda, em volume e conteúdo. Reparem, por exemplo, nos anúncios do Banco do Brasil e da Caixa.

Tem financiamento barato para todo mundo, quem toma empréstimo está felicíssimo porque comprou seu carro ou abriu seu negócio, todos prosperam e por isso riem o tempo todo. Um espetáculo: não tem inadimplência, os juros são baratíssimos. Parece que só os mais bobos, ou desconfiados, não correm lá para pegar dinheiro fácil.

Pode-se dizer que aqueles bancos estão no mercado, disputando clientes com as outras instituições. Mas não é bem assim. A propaganda dos bancos federais, assim como da Petrobras, outras estatais e de ministérios, não oferece propriamente um produto. Seu principal propósito é passar uma imagem positiva do país e, sobretudo, das ações do governo.

Regra do jogo, pode-se argumentar. Trata-se de propaganda paga, o governo, como qualquer outro anunciante, diz o que quer e ninguém é obrigado a acreditar.

Sabemos que não é bem assim. Nem precisa argumentar muito. É intuitivo. Trata-se de dinheiro público, mesmo no caso dos bancos comerciais, como BB e Caixa. Eles não funcionam como os privados. Recebem dinheiro do governo, já foram resgatados com injeções de capital público mais de uma vez e todo mundo sabe que não vão quebrar porque o governo, ou seja, o contribuinte, estará lá para cobrir eventuais buracos.

Necessariamente, portanto, deveriam agir de modo diferente, como instituições públicas, e estas, como todo governo, têm compromisso com a informação correta.

O que nos leva ao outro lado da história. Hoje em dia, entende-se que mesmo empresas privadas têm compromisso com o público. Propaganda enganosa não pode ser tolerada. Claro, é difícil definir e apurar a tentativa de ludibriar o consumidor, mas é outro problema, de regulação.

E, se isso vale para empresas privadas, por que não se aplica ao governo, suas empresas e suas repartições? Na verdade, a propaganda enganosa pública é mais grave, porque o governo tem também a obrigação de informar e, assim, orientar a sociedade.

Isso é especialmente importante no caso da política econômica. O governo, ator decisivo em qualquer economia, precisa dizer claramente o que vai fazer, prestar contas regularmente sobre o que está fazendo, dar as regras do jogo, mostrar como vê o andamento da situação e esclarecer o cenário com o qual trabalha.

Há rituais definidos para isso, aqui no Brasil e em toda parte. Os ministérios da área econômica e o Banco Central divulgam regularmente suas mensagens. Assim, em qualquer país organizado, os agentes econômicos, ao planejar e agir, consideram os cenários do governo para crescimento, inflação, arrecadação, gastos orçamentários etc.

Por isso, quando o nosso Ministério da Fazenda sustenta que o país crescerá 4,5%, quando todo mundo já viu que não vai dar, isto é, sim, um tipo de propaganda enganosa. Idem quando o Banco Central diz que cumpriu a meta de inflação quando o índice bateu em 6,5%, dois pontos acima. Há mesmo uma confusão, que parece deliberada, entre meta, centro da meta e margem de tolerância. Resultado: ficamos sem saber se o objetivo de fato é uma inflação de 4,5% (a meta ou o centro) ou qualquer coisa abaixo de 6,5% (o teto da margem de tolerância) ou até mais do que isso, como ocorreu recentemente.

Do mesmo modo, é uma informação enganosa quando o governo jura que vai cumprir a meta de superávit primário sem truques. Nestes casos, a informação do governo causa menos danos porque todo mundo já sabe que o cenário oficial não vai se realizar. Vale para todos os anúncios do setor público, federal, estadual e municipal, que simplesmente afirmam que tudo vai maravilhosamente bem.

Mas isso desmoraliza a informação pública e cria o ambiente, negativo, de que é assim mesmo: o governo mente e a gente não acredita ou deixa pra lá. Só que nós, cidadãos e contribuintes, fazemos o papel de trouxas. Nós pagamos pela farsa. Por: Carlos Alberto Sardenberg, O GLOBO

A VOLTA DO PERFEITO FRACASSADO BRASILEIRO

Os desenvolvimentistas ficaram longe do comando da política econômica no país da volta das eleições livre até o fim do governo Lula, com exceção do relâmpago governo Itamar e suas políticas pró-fusquinhas.

Nesse período, talvez justamente por causa disso, o país conseguiu realizar dois importantes avanços: econômico, com a estabilidade macroeconômica, e social, com uma melhora na distribuição de renda e no padrão de vida do brasileiro médio.

Mas, no governo Dilma, infelizmente eles voltaram. Não é difícil entender como conseguiram, mas é fácil ver que é algo a se lamentar.

De fato, com a crise mundial, vários governos passaram a adotar políticas impensáveis há pouco tempo.

O governo suíço estabeleceu um piso para a sua moeda. O Fed (banco central americano) escolhe setores a serem beneficiados através da compra de papéis diretamente no mercado. O governo americano assumiu a gestão de empresas para evitar a falência. O governo argentino persegue consultorias com previsões de inflação diferentes das oficiais, expropria empresas e impõe controles comerciais e cambiais.

Parece que, de repente, todos os experimentos econômicos, por mais esdrúxulos, são permitidos para substituir o fracasso do mercado. No Brasil, os desenvolvimentistas voltaram com o seu receituário para resolver os problemas do país.

Eis: basta desvalorizar a moeda, reduzir a taxa de juros para padrões internacionais e com isso obter maiores taxas de crescimento, mesmo com a inflação mais alta. Basta escolher os setores da indústria a serem beneficiados com crédito subsidiado, aumento das alíquotas de importação, redução selecionada de impostos, estabelecimento de um mínimo de conteúdo nacional na compra governamental.

Voltar com essa mesma combinação de políticas fracassadas no passado é esquecer as lições da história.
Em primeiro lugar, o Banco Central do Brasil deveria continuar com um único mandato: baixa inflação.

Num país com tradição de taxas de inflação elevadas, brincar com a inflação é um crime. É oferecer uma cervejinha para um ex-alcoólatra. É arriscar com a volta da indexação da economia, com consequências nefastas para os ganhos sociais dos últimos anos. Política monetária simplesmente não é capaz de gerar crescimento econômico sustentado.

O argumento de que até o país mais desenvolvido do mundo, os EUA, tem um duplo mandato para a política monetária (e que portando deveríamos imitá-lo) é um equívoco.

Os EUA estão em guerra contra a depressão econômica. Numa guerra vale muita coisa. Mas essa certamente não é a situação brasileira.

Desenvolvimentistas se inspiram nas experiências asiáticas para justificar a escolha de setores prioritários da indústria. Mas mesmo os burocratas considerados mais competentes do mundo, os japoneses, escolheram, em geral, empresas "losers" em vez de "winners" na implantação da sua política industrial. Na Coreia, os setores beneficiados não registraram taxas de crescimento da produtividade maiores do que os demais, e várias empresas beneficiadas simplesmente faliram. Uma leitura mais apropriada é que os países foram bem sucedidos apesar da intervenção dos seus burocratas.

Mesmo que burocratas asiáticos soubessem escolher os setores de forma apropriada, os nossos não sabem. A nossa experiência atesta que quem se beneficia das benesses governamentais, em geral, são empresas grandes, com poder de pressão e lobby, e em setores com déficit comercial, sem relação com eficiência.

Quem paga a conta são os consumidores e os produtores (que se tornam ineficientes), obrigados a comprar, respectivamente, produtos e insumos caros e de baixa qualidade.
O peruano Álvaro Vargas Llosa escreveu os livros "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano" (Bertrand Brasil) e "A Volta do Idiota" (Odisseia), este se referindo ao retorno do velho populismo na região, com Hugo Chávez, Evo Morales e Néstor Kirchner. O termo é ofensivo, talvez apropriado para os políticos. No caso dos desenvolvimentistas, cabe lamentar a volta do perfeito fracassado brasileiro.

Por: EDUARDO DE CARVALHO ANDRADE, 45, doutor em economia pela Universidade de Chicago, é professor da faculdade Insper

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O ESTUDO DA ECONOMIA, OS ECONOMISTAS, AS PREVISÕES ECONÔMICAS E O CIDADÃO COMUM


As ciências naturais se baseiam, em última análise, em fatos constatados por experiências em laboratório. As teorias físicas e biológicas são colocadas em confronto com esses fatos e são rejeitadas quando conflitam com eles. A perfeição dessas teorias tanto quanto o aperfeiçoamento da tecnologia e da terapêutica dependem de pesquisas de laboratório cada vez maiores e melhores. 

Essas experiências consomem tempo, esforços árduos de especialistas e gastos materiais vultosos. A pesquisa não pode mais ser conduzida por cientistas sem recursos, por mais talentosos que sejam. A pesquisa, hoje em dia, é feita em enormes laboratórios financiados pelos governos, pelas universidades, por fundações e por grandes empresas. O trabalho nessas instituições tornou-se uma rotina profissional. 

Os técnicos que lá trabalham registram fatos e experiências que serão usados pelos pioneiros — os quais às vezes são os próprios experimentadores — na elaboração de suas teorias.

No que concerne ao progresso das teorias científicas, a contribuição do pesquisador comum é apenas auxiliar. Às vezes, entretanto, suas descobertas têm aplicação prática imediata para a melhoria de métodos utilizados na atividade econômica e na terapêutica.

Por ignorarem a diferença epistemológica radical entre as ciências naturais e as ciências da ação humana, as pessoas pensam que para aprimorar o conhecimento econômico é necessário organizar a pesquisa econômica segundo os já testados métodos dos institutos de pesquisa médica, física e química. Grandes somas são gastas no que é denominado de pesquisa econômica. Na realidade, esses institutos não fazem mais do que estudar a história econômica do passado recente.

É certamente louvável que se estimule o estudo da história econômica. Entretanto, por mais instrutivo que seja o resultado de tais estudos, não se deve confundi-los com o estudo da economia. Deles não se pode esperar que resultem fatos ou dados no sentido com que esses termos são usados em relação a eventos testados em laboratório. Não fornecem material para a construção a posteriori de hipóteses e teoremas. Ao contrário, esses estudos são desprovidos de qualquer significação se não forem interpretados à luz de teorias elaboradas a priori sem qualquer referência a eles. Nenhuma controvérsia relativa às causas de um evento histórico pode ser esclarecida com base no exame de fatos, sem que se recorra a específicas teorias praxeológicas.

A criação de institutos para a pesquisa do câncer pode eventualmente contribuir para a descoberta de métodos destinados a combater e prevenir essa doença maligna. Mas um instituto de pesquisa sobre o ciclo econômico não pode oferecer qualquer ajuda a quem deseja evitar a recorrência de depressões. Por mais exatos e confiáveis que sejam, os dados apurados em relação às depressões econômicas do passado são de pouca utilidade para o nosso conhecimento. Os especialistas não discordam quanto aos dados; discordam quanto aos teoremas a que devem recorrer para interpretá-los.

Mais importante ainda é o fato de ser impossível coletar dados relativos a um evento concreto sem considerar quais são as teorias adotadas pelo historiador desde o início de seu trabalho. O historiador não relata todos os fatos, mas apenas aqueles que considera relevantes, em função das suas teorias; omite os dados que considera sem importância para a interpretação dos eventos. Se adotar teorias erradas, seu relato torna-se praticamente inútil.

Nenhuma análise de um momento da história econômica, ainda que de um período muito recente, por mais fiel que seja, pode substituir o raciocínio econômico. A economia, da mesma maneira que a lógica e a matemática, é um exercício de raciocínio abstrato. A ciência econômica não pode ser experimental e empírica. O economista não precisa de instalações custosas para realizar os seus estudos. Precisa apenas da capacidade de pensar lucidamente e de discernir, diante da infinidade de eventos que lhe são apresentados, entre os essenciais e os meramente acidentais.

Não há nenhum conflito entre a história econômica e a ciência econômica. Cada ramo do conhecimento tem seu próprio mérito e utilidade. Os economistas nunca pretenderam subestimar a importância da história econômica. Os autênticos historiadores também nunca se opuseram ao estudo da economia. O antagonismo entre essas duas disciplinas foi deliberadamente provocado pelos socialistas e pelos intervencionistas, que não puderam refutar as objeções, levantadas pelos economistas, às suas doutrinas. A Escola Historicista e os Institucionalistas tentaram desvirtuar a ciência econômica e substituí-la por estudos "empíricos" com o evidente propósito de neutralizar os argumentos dos economistas. A história econômica, para eles, foi um meio de destruir o prestígio da ciência econômica e de difundir as teses do intervencionismo.

A economia como profissão

Os primeiros economistas se dedicavam apenas ao estudo dos problemas de economia. Sua preocupação, ao fazer conferências e escrever livros, era a de transmitir aos seus concidadãos os resultados de suas reflexões. Tentavam, assim, influenciar a opinião pública para que prevalecessem as políticas mais consistentes. Nunca imaginaram que a economia pudesse ser concebida como uma profissão.

O desenvolvimento da profissão de economista é uma sequela do intervencionismo. O economista profissional é o especialista ao qual se precisa recorrer para que sejam elaboradas as várias medidas de intervenção do governo na atividade econômica. É um especialista no campo da legislação econômica, a qual, nos dias de hoje, tem invariavelmente o objetivo de perturbar o funcionamento da economia de mercado.

Existem milhares e milhares desses especialistas profissionais empregados nos órgãos do governo, nos diversos partidos políticos e grupos de pressão, nas redações dos jornais e revistas. Outros são contratados por empresas como consultores ou têm seu escritório independente. Alguns gozam de reputação nacional ou internacional; muitos acham-se entre as pessoas de maior prestígio de seu país. Ocorre serem frequentemente convidados a dirigir grandes bancos ou grandes empresas; são eleitos para o legislativo; são designados ministros do governo. Como grupo profissional, chegam a rivalizar com os advogados no comando político do país. O papel destacado que representam é uma das características mais marcantes dessa nossa época de intervencionismo.

Não há dúvida de que uma classe de homens tão influentes compreende indivíduos extremamente talentosos, até mesmo pessoas das mais eminentes de nosso tempo. Mas a filosofia que inspira as suas atividades limita-lhes a visão. Em virtude de suas relações com partidos políticos e grupos de pressão, que procuram obter privilégios especiais para os seus membros, passam a ter uma visão unilateral. Fecham os olhos às consequências de longo prazo das políticas que defendem; só se importam com os interesses imediatos do grupo a que estão servindo.

O objetivo final de seus esforços é a prosperidade de seu cliente à custa de outras pessoas. Procuram convencer-se de que o destino da humanidade coincide com os interesses de curto prazo de seu grupo; tentam vender essa ideia para o público. Ao lutarem por um preço maior da prata, do trigo ou do açúcar, por salários maiores para os membros do seu sindicato ou por uma tarifa sobre produtos estrangeiros mais baratos, proclamam estar lutando pelo bem supremo, por liberdade e por justiça, pelo florescimento de sua nação e pela civilização.

O público encara a prática de lobby com desconfiança e suspeição, e culpa os lobistas pelos aspectos funestos da legislação intervencionista. Entretanto o mal tem raízes mais profundas. A filosofia dos vários grupos de pressão está entranhada nas assembléias legislativas. Nos parlamentos de hoje existem representantes dos pecuaristas, das cooperativas agrícolas, das minas de prata, dos vários sindicatos, das indústrias que não podem suportar a concorrência com produtos estrangeiros sem a adoção de tarifas protecionistas, e de muitos outros grupos de pressão. Poucos são os que colocam os interesses da população acima dos interesses do seu grupo. 

O mesmo ocorre nos vários órgãos da administração pública. O ministro da agricultura se considera um defensor dos interesses dos produtores agrícolas; seu principal objetivo consiste em aumentar o máximo possível os preços dos produtos agrícolas. O ministro do trabalho se considera um defensor dos sindicatos; sua primeira meta é fazer com que os sindicatos sejam temidos e respeitados. Cada ministério cuida de sua própria vida e seus interesses conflitam com os de outros ministérios.

Muita gente atualmente deplora a falta de verdadeiros estadistas. Ora, onde predominam as ideias intervencionistas, só aqueles que se identificam com os objetivos de um grupo de interesse podem fazer uma carreira política. A mentalidade de um líder sindical ou de um dirigente de associação rural não é a mesma que a de um estadista de visão. O verdadeiro estadista procura invariavelmente estabelecer políticas de longo prazo; aos grupos de pressão só interessam os resultados de curto prazo. A causa do lamentável fracasso do regime de Weimar e da Terceira República francesa foi o fato de seus políticos não serem mais do que representantes dos interesses de grupos de pressão.

A previsão econômica como profissão

Quando os empresários finalmente se dão conta de que a expansão econômica criada pela expansão artificial do crédito acabará invariavelmente resultando numa recessão, torna-se importante para eles saber quando ocorrerá essa mudança da conjuntura. Procuram então o economista, na presunção de que ele poderá responder a essa questão.

O economista sabe que o boom deverá resultar numa depressão; mas não sabe e nem pode saber quando ocorrerá a crise. Depende das circunstâncias específicas de cada caso.

Inúmeros eventos políticos podem influenciar os acontecimentos. Não existem regras para predizer a duração do boom e quando ocorrerá a consequente depressão. E mesmo que essas regras existissem, de nada adiantariam aos empresários. O que um determinado empresário precisa, a fim de evitar perdas, é saber que a crise é iminente, enquanto os outros empresários ainda estão pensando que o boom irá perdurar. Essa específica percepção lhe permitirá ajustar convenientemente os seus negócios de maneira a passar incólume pela crise. Se o fim do período de boom pudesse ser calculado segundo alguma fórmula, todos os empresários saberiam qual seria esse momento. Seus esforços para se ajustarem a essa informação provocariam imediatamente o surgimento de todos os fenômenos da depressão. Seria tarde demais para que qualquer deles pudesse deixar de ser penalizado.

Se fosse possível saber a situação futura do mercado, o futuro não seria incerto. Não haveria nem lucro e nem perda empresarial. O que as pessoas esperam dos economistas está além da capacidade do ser humano.

A própria ideia de que o futuro seja passível de previsão, de que algumas fórmulas possam substituir aquela percepção específica que é a essência da atividade empresarial, e de que o conhecimento dessas fórmulas possa permitir que qualquer pessoa assuma o comando da atividade econômica é, sem dúvida, uma consequência do conjunto de falácias e equívocos que alimentam as atuais políticas anticapitalistas. Não há, no conjunto da obra habitualmente denominada de filosofia marxista, a menor referência ao fato de que a principal razão de ser da ação humana é preparar-se para um futuro incerto. O fato de o termo especulador ser atualmente utilizado com uma conotação pejorativa demonstra claramente que os nossos contemporâneos nem sequer suspeitam do que consiste o problema fundamental da ação humana.

Discernimento empresarial não é algo que possa ser comprado ou vendido. O empresário bem-sucedido que consegue auferir lucros é precisamente aquele cujas ideias não são as adotadas pela maioria das pessoas. Para obter lucros, não basta fazer uma previsão correta; é preciso prever melhor do que os outros. O prêmio vai para os dissidentes que não se deixaram enganar pelos erros comumente aceitos pela maioria. O que dá origem ao lucro do empresário é o atendimento de futuras necessidades que os seus concorrentes não souberam identificar.

Os empresários e os capitalistas só colocarão em risco o seu próprio bem-estar material se estiverem plenamente convencidos da consistência de seus planos. Jamais arriscariam o seu patrimônio só porque um especialista assim os aconselhou. Os tolos que aplicam recursos nas bolsas de valores ou de mercadorias, seguindo informações confidenciais, estão fadados a perder o seu dinheiro, qualquer que seja a fonte de sua "informação".

Na realidade, qualquer empresário judicioso tem plena consciência da incerteza do futuro. Tem consciência de que o economista, no máximo, pode elaborar uma interpretação dos dados estatísticos do passado, mas não uma informação segura sobre o que irá ocorrer no futuro. Para o capitalista e para o empresário, as opiniões dos economistas sobre o futuro valem apenas como conjecturas discutíveis. São céticos e não se deixam enganar facilmente.

Mas, como consideram importante e útil conhecer todas as informações de relevância para os seus negócios, interessam-se por jornais e revistas especializados em prognósticos econômicos. Com a preocupação de estar a par de todas as informações disponíveis, as grandes empresas empregam equipes de economistas e estatísticos.

As previsões econômicas não podem fazer desaparecer a incerteza do futuro e nem destituir a atividade empresarial de seu caráter intrinsecamente especulativo. Mesmo assim, podem prestar alguns serviços, uma vez que reúnem e interpretam dados disponíveis sobre as tendências econômicas e sobre a evolução econômica do passado recente.

A economia e o cidadão

A economia não pode ser relegada às salas de aula e aos departamentos de estatística, e nem pode ser deixada a cargo de círculos esotéricos. A economia é a filosofia da vida humana e da ação, e diz respeito a todos e a tudo. É o âmago da civilização e da própria existência do homem.

Mencionar este fato não significa ceder à fraqueza tão comum que consiste em supervalorizar a importância de seu próprio ramo do conhecimento. Não são os economistas que atribuem essa importância à ciência econômica; são as pessoas em geral.

Todos os temas políticos da atualidade tratam de problemas comumente denominados de econômicos. Todos os argumentos usados hoje em dia nos debates sociais e políticos são de natureza essencialmente praxeológica e econômica. Todas as mentes se preocupam com doutrinas econômicas. Filósofos e teólogos parecem estar mais interessados em problemas econômicos do que nos problemas que as gerações passadas consideravam objeto da filosofia e da teologia. Os romances e as peças teatrais de hoje tratam, todos, de temas humanos — inclusive as relações sexuais — sob o ângulo de doutrinas econômicas. O mundo todo, consciente ou inconscientemente, pensa em economia. Ao se filiar a um partido político, ao colocar o seu voto, o cidadão implicitamente está manifestando-se sobre teorias econômicas.

Nos séculos XVI e XVII, a religião era o tema central das controvérsias políticas européias. Nos séculos XVIII e XIX, na Europa como na América, a questão dominante era governo representativo versus absolutismo. Hoje, é economia de mercado versus socialismo.

Esse é, certamente, um problema cuja solução depende inteiramente da análise econômica. É inútil recorrer aslogans vazios ou ao misticismo do materialismo dialético.

Ninguém tem como fugir à sua responsabilidade pessoal. Quem — seja quem for — não usar o melhor de sua capacidade para examinar esses problemas estará voluntariamente submetendo seus direitos inatos a uma autodesignada elite de super-homens. Em assuntos tão vitais, confiar cegamente nos "entendidos" e aceitar passivamente mitos e preconceitos vulgares equivale a renunciar à sua própria autodeterminação e submeter-se à dominação de outras pessoas. Para o homem consciente, nada é mais importante na atualidade do que a economia. Está em jogo o seu próprio destino e o de sua descendência.

São muito poucos os que podem contribuir com alguma ideia que produza consequências para o acervo do pensamento econômico. Mas todos os homens sensatos precisam familiarizar-se com as lições da economia. Nos dias que correm, esse é um dever cívico primordial.

Queiramos ou não, o fato é que a economia não pode continuar sendo um esotérico ramo do conhecimento, acessível apenas a um grupo de estudiosos e de especialistas. A economia lida com problemas fundamentais da sociedade; concerne a todos e pertence a todos. É a preocupação mais importante e mais característica de todos os cidadãos.

A economia e a liberdade

O papel proeminente que as ideias econômicas representam na administração pública explica por que os governos, os partidos políticos e os grupos de pressão procuram restringir a liberdade de pensamento econômico. Procuram propagar a "boa" doutrina e silenciar as "más" doutrinas. Para eles, a verdade não tem força suficiente para impor-se por si mesma. Para poder prevalecer, a verdade precisa ser respaldada pela ação violenta da polícia ou de outros grupos armados. A verdade de uma doutrina depende de que seus defensores sejam capazes de derrotar pela força os partidários das outras doutrinas. F ica implícita a noção de que Deus ou alguma entidade mítica dirige o curso das atividades humanas e confere a vitória aos que lutam pela boa causa. O poder vem de Deus e sua missão sagrada é exterminar os heréticos.

Não vale a pena repisar as contradições e inconsistências dessa doutrina de intolerância e perseguição de dissidentes. Jamais em tempo algum o mundo conheceu um sistema de propaganda e de opressão tão bem arquitetado como o que é adotado pelos governos contemporâneos, pelos partidos políticos e pelos grupos de pressão. Apesar disso, todos esses edifícios desmoronarão como castelos de cartas, tão logo uma grande ideologia os enfrente.

Não só nos países governados por bárbaros ou por déspotas, mas também nas assim chamadas democracias ocidentais, o estudo de economia está praticamente proscrito. A discussão pública sobre os problemas econômicos ignora quase que inteiramente tudo o que os economistas disseram nos últimos duzentos anos. Preços, salários, juros, lucros são manipulados como se sua determinação não estivesse sujeita a qualquer lei. Os governos decretam e tentam impor valores máximos para as mercadorias e mínimos para os salários. As autoridades exortam os empresários a reduzir os lucros, a diminuir os preços e a aumentar os salários, como se esses assuntos dependessem apenas da boa vontade dos indivíduos. 

Nas relações econômicas internacionais, as pessoas recorrem irresponsavelmente a um mercantilismo primário. São poucos os que têm consciência dos erros de todas essas doutrinas em voga, e que compreendem por que tais políticas invariavelmente provocam desastres.

Esta é a triste realidade. Mas só há uma maneira de modificá-la: prosseguir, sem descanso, na busca da verdade.

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O TAMANHO NÃO CONTA

Sérgio Dávila escreveu nesta Folha a favor da polarização em política. Será que o sistema brasileiro, com seus 30 partidos, é mais desejável do que o sistema bipartidário norte-americano, onde republicanos e democratas se alternam no poder? Dávila pensa que não --e pensa muito bem.
Há anos que, em Portugal, travo a mesma batalha: a democracia lusa estaria melhor servida se existissem dois grandes partidos --um de esquerda, outro de direita-- capazes de deterem maiorias sólidas e de serem solidamente responsabilizados por seus atos.
Não é uma batalha fácil: sempre que alguém levanta a bandeira do bipartidarismo, chovem acusações de fechamento democrático e de horror ao pluralismo. Em minha defesa, só posso invocar o nome de um dos maiores apologistas da "sociedade aberta": o filósofo Karl Popper.
Em 1987, Popper, então com 85 anos, esteve em Lisboa para uma notável conferência sobre a sua vida e, em especial, a sua teoria da democracia.
Sobre a vida, os fatos são conhecidos: nascido em Viena em 1902, Popper atravessou a Primeira Guerra Mundial; encantou-se com o comunismo; desencantou-se logo a seguir; assistiu, horrorizado, à ascensão do nazismo; e construiu uma impressionante obra filosófica no exílio.
Mas nesse encontro em Lisboa, o velho filósofo concentrou-se sobretudo na sua teoria da democracia. Para Popper, a democracia é um problema eminentemente prático e técnico. Ela procura saber como remover os maus governantes sem derramamento de sangue.
Naturalmente que cabe ao povo, pela força do voto, essa punição exemplar. Mas Popper sublinhava que essa punição só é verdadeiramente exemplar --um "dia do juízo final", dizia ele-- em sistemas tendencialmente bipartidários.
A afirmação pode soar bizarra: o aumento do número de partidos deveria significar mais escolha, mais ideias em circulação, melhor distribuição de poder e influência.
Um erro, avisava Popper. Para começar, a existência de muitos partidos traz dificuldades acrescidas à formação de governos coesos --para não falar do funcionamento e da duração desses governos.
Em Portugal, esse aviso é uma evidência empírica: desde a instauração da democracia, há mais de 35 anos, o país teve oito governos de coalização. Nenhum deles --repito: nem um-- chegou ao fim do seu mandato. Só governos de um único partido o conseguiram.
Aliás, o atual governo de coalização ilustra o ponto: eleito há pouco mais de um ano, as fissuras são já gritantes. Poucos creem na sua sobrevivência a curto prazo.
Mas há mais: sistemas pluripartidários tendem a conceder aos pequenos partidos um poder que pode revelar-se, ironicamente, antidemocrático. Se a democracia significa a escolha da maioria, não cabe a uma minoria determinar a vontade livremente expressa das maiorias.
Os pequenos partidos, explicava Popper, acabam por adquirir um poder desproporcionado na formação de governos e no processo decisório desses governos.
Finalmente, o argumento de peso: enganam-se os que pensam que sistemas bipartidários têm menor flexibilidade ideológica. Os dois grandes partidos americanos, por exemplo, apresentam uma capacidade de reforma e autocrítica internas sem paralelo com qualquer outro sistema pluripartidário.
Essa capacidade --mais: esse imperativo de reforma e autocrítica-- está diretamente ligada com a dimensão e o significado das derrotas eleitorais.
Nos Estados Unidos, quem perde, perde a sério. A derrota não é apenas um prejuízo facilmente dissolúvel em dezenas de pequenos partidos. É uma derrota clara que exige uma resposta clara de explicação para essa derrota; e de busca de novas ideias para regressar ao poder.
Como dizia Popper, nas democracias bipartidárias os partidos vivem "em alerta permanente". O que significa uma atenção redobrada (e permanente) às necessidades reais do país e, claro, ao comportamento do partido rival na forma como governa e nas decisões que toma enquanto está no poder.
Bipartidarismo é maturidade, escrevia Dávila. Acrescento: maturidade e qualidade. Quem disse que o tamanho não conta estava só a pensar na quantidade das siglas partidárias.
Por: João Pereira Coutinho, Folha de SP

SANTA CIÊNCIA

Policiais inspecionam casas ao redor da sede do governo em Áquila, cidade mais afetada pelo terremoto
E o anedótico aconteceu: sete cientistas italianos foram condenados a seis anos de prisão. Motivo?

Foram incapazes de prever o terremoto de Áquila, em 2009, que matou mais de 300 pessoas. "Homicídio culposo", decretou o tribunal: antes do terremoto propriamente dito, vários tremores de baixa intensidade tinham assolado a região. Os cientistas deveriam ter feito "mais".

O quê, por exemplo?

Ninguém sabe. Nem sequer a ciência: vários geólogos foram consultados durante e depois da sentença. O pasmo e a indignação eram gerais: não é possível, cientificamente falando, prever com rigor um terremoto. Como é possível a um tribunal de um estado democrático condenar a ciência por ser incapaz de fazer o impossível?

Boa pergunta. Infelizmente, ela ignora o espírito do nosso tempo: um tempo que não aceita a inevitabilidade de qualquer desastre natural; um tempo que procura sempre falhas humanas, demasiado humanas, para explicar o imponderável.

De certa forma, continuamos em pleno século 18, repetindo velhos argumentos com roupagens novas. Em 1755, por exemplo, Lisboa foi devastada pelo Grande Terremoto. A hecatombe representou o início de uma discussão filosófica que percorreu a Europa religiosa e letrada.

Para os religiosos, o terremoto era um castigo divino destinado a punir a licenciosidade dos homens. O italiano Gabriel Malagrida (1689 - 1761) foi um dos rostos mais fervorosos desse fervor: o sismo tinha sido um castigo, sim, mas era apenas um primeiro aviso. Os homens que se preparassem para o verdadeiro Juízo Final - e que se arrependessem dos seus pecados entretanto.

Para as inteligências seculares, com Voltaire à cabeça, o terremoto era o oposto: a prova acabada de que Deus não existia. Ou, se existia, não passava de um demiurgo cruel, entretido a esmagar as suas criaturas.

No debate sobre o Grande Terremoto de Lisboa, cada um aproveitou a desgraça para cavalgar os seus próprios preconceitos ideológicos.

O que poucos fizeram foi aceitar o básico: que Lisboa tremera; que o mar engolira a cidade; e que os incêndios destruiram tudo o resto.

Passaram 250 anos. Mas o progresso material do Ocidente não eliminou da nossa cabeça hominídea a necessidade de encontrar uma causa que tudo explique e justifique. E se Deus é um luxo a que não nos podemos permitir, como dizia um personagem célebre de Woody Allen, alguém tem que ocupar o Seu lugar.

E esse alguém somos nós, homens, herdeiros da técnica e fazedores de ciência. Nós somos os responsáveis pela destruição do planeta. Nós temos a obrigação de o salvar.

E se por acaso um cataclismo natural emerge sem aviso, nós somos responsáveis pela falta de aviso. As religiões tradicionais podem ter recuado como princípio e fim das explicações mundanas. Mas esse trono não ficou vazio. A Santa Ciência (com maiúscula) ocupou o seu lugar.

Hoje, sete geólogos são condenados por não terem evitado o inevitável e por não terem previsto o imprevisível. Amanhã, não será de admirar que os tribunais comecem a condenar os médicos por não terem abolido a morte dos pacientes; ou então os astrofísicos por não terem abolido os meteoritos gigantes e potencialmente fatais.

O ideal, aliás, era condenar já, por antecipação e precaução, a Humanidade inteira. Assim, quando um desses meteoritos aqui chegar, os tribunais não serão culpados por não terem encontrado a tempo alguém para culpar.