domingo, 27 de janeiro de 2013

CICLOS ECONÔMICOS

O papel da quarta proposição fundamental de J. S. Mill na teoria austríaca dos ciclos econômicos

Obs: o artigo a seguir é uma versão resumida de um texto escrito especialmente para a futura revista acadêmica do IMB. Para ver o artigo em seu formato original, com análise gráfica, veja aqui.

1. Introdução

A Quarta Proposição Fundamental de John Stuart Mill (1806-1876), formulada em 1848, no Livro I, capítulo V, dos Principles, na forma de um aforismo ("demanda por commodities não é demanda por mão-de-obra"), é um dos elementos decisivos para distinguir a "macroeconomia" dos austríacos e, particularmente, a de Hayek, da macroeconomia convencional. Nos modelos macroeconômicos modernos, de tintas keynesianas ou não, gastos de consumo e de investimento movem-se sempre no mesmo sentido. Mill, contudo, sugere que a demanda por bens de consumo e a demanda por investimentos podem mover-se em sentidos opostos. É lamentável que Keynes, noventa anos depois, demonstrasse não ter compreendido sua essência e enveredado pelo caminho dos "agregados macroeconômicos", no que foi seguido, infelizmente, pelos monetaristas, o que influenciou de modo negativo toda a macroeconomia ensinada nas universidades e — o que é pior — as práticas dos governos em todo o mundo, desde os anos 30 do século XX até hoje.

A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) plantada por Menger, formulada por Mises em seu tratado monetário de 1912, desenvolvida posteriormente por Hayek nos anos 30, explicada magistralmente por Rothbard e outros austríacos de renome e compatibilizada com a macroeconomia convencional de maneira bastante criativa por Roger Garrison, é formada por sete elementos, que podem ser assim isolados [ver, para maior profundidade, meu Ação, Tempo e Conhecimento, cap. 7]:

(1º) o processo de mercado; (2º) a doutrina da poupança forçada; (3º) a estrutura de capital da economia; (4º) o papel de coordenação intertemporal da taxa de juros; (5º) o efeito Ricardo, o efeito taxas de juros, o efeito preços relativos e o efeito concertina; (6º); a teoria hayekiana do conhecimento e (7º) a Quarta Proposição Fundamental de John Stuart Mill. 

Neste artigo, queremos mostrar o papel que o último desses elementos desempenha na TACE. Antes, parece conveniente, para evitar eventuais ataques de puristas, ressaltar que, embora, obviamente, a Escola Austríaca não contenha algo que se possa chamar de "macroeconomia", não existe nada de errado em utilizar este termo para que possamos compará-la com as teorias alternativas, das quais as principais são a teoria keynesiana e o monetarismo. Como diriam alguns, "Se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha"... De resto, os assuntos tratados pela macroeconomia e pela TACE são rigorosamente os mesmos.

2. As quatro proposições fundamentais de John Stuart Mill

A famosa Quarta Proposição decorre das três primeiras. No entanto, essas últimas parecem envoltas em certo mistério, para quem não leu os Principles of Political Economy de Mill, ou seja, da maneira como anda o ensino de economia hoje, infelizmente, para dez em cada dez economistas jovens. Por isso, para que o leitor não se pergunte por que apenas nos referimos à Quarta Proposição sem fazer qualquer referência às três primeiras, vamos descrevê-las aqui. A Quarta é uma extensão lógica das três primeiras, vale dizer, existe coerência lógica interna entre elas. É importante termos em mente que o quarteto é um resumo da posição dominante clássica na época de Mill e, portanto, anterior ao livro seminal de Menger, o famoso e fenomenal The Principles of Political Economy, de 1871. Vamos aos enunciados das três primeiras proposições:

Primeira: "A indústria é limitada pelo capital" (e, adicionalmente, "todos os aumentos de capital proporcionam, ou são capazes de proporcionar, empregos adicionais na indústria, e isso sem um limite atribuível").

Segunda: "O capital é o resultado da poupança".

Terceira: "A poupança não é um abismo, um negativo, uma ausência, mas é uma utilização produtiva real dos recursos" (e, ainda, "o capital, embora poupado, é o "resultado" da economia e, não obstante, também é consumido)".

E a Quarta Proposição?

Que tal passarmos a palavra ao próprio Mill, no original [The Principles of Political Economy, Book 1, Chapter 5, Section: Fundamentals propositions respecting capital, 9.9]?

Passemos agora para um quarto e fundamental teorema a respeito do Capital, o qual é, talvez, mais frequentemente desconsiderado ou mal interpretado do que qualquer um dos anteriores. O que mantém e emprega a mão-de-obra produtiva é o capital utilizado para colocar a mão-de-obra para trabalhar, e não a demanda por compradores pelos produtos da mão-de-obra quando estes estiverem finalizados. Demanda por commodities não é demanda por mão-de-obra. A demanda por commodities determina em qual setor específico da produção a mão-de-obra e o capital deverão ser empregados; ela determina a direção da mão-de-obra; mas não a quantidade de mão-de-obra empregada ou o valor de seu pagamento. Isso vai depender da quantidade de capital ou de outros fundos diretamente voltados para a manutenção e a remuneração da mão-de-obra.

Para a maioria dos economistas de hoje, isto soa ou como absurdo ou como incompreensível, porque o keynesianismo inoculou em suas mentes exatamente o oposto. No mundo keynesiano a demanda por mercadorias representa enfaticamente a demanda por mão-de-obra, embora esta seja uma demanda derivada daquela. Esta suposição implícita de que adquirir mercadorias (ou quebrar vidraças, como escreveu Bastiat) contribui para empregar trabalhadores — que a Escola Austríaca sempre rejeitou — é que Mill estava tentando negar. Ele estava querendo demonstrar que comprar mercadorias não é o mesmo que empregar o fator de produção trabalho e que aumentos na demanda por mercadorias, ou seja, por bens de consumo, podem até mesmo fazer diminuir o número de pessoas empregadas. Precisamos entender como a lógica dessa proposição depende claramente da validade das três proposições anteriores. Este é nosso passo seguinte.

3. A coerência entre as quatro proposições de Mill

Iniciemos tomando as duas primeiras proposições: (1ª) a indústria é limitada pelo capital; (2ª) o capital é criado pela poupança.

Em primeiro lugar, notemos que o capital proporciona a base para a produção, que pode ser sob a forma de bens de consumo ou de investimento, sendo que estes servem para aumentar o próprio estoque de capital. A poupança é assim definida por Mill: "consumir menos do que o montante produzido é poupar; e este é o processo mediante o qual o capital aumenta".

Correto, mas devemos lembrar, à guisa de parêntesis que, para os austríacos, no entanto, a poupança não é simplesmente a diferença entre produção e consumo — isto é simplesmente entesouramento —, mas é determinada essencialmente pelas preferências intertemporais, em que a taxa de juros determina quanto vai ser consumido hoje e quanto de consumo será postergado para o futuro, ou seja, poupado hoje!

Se a demanda por bens de consumo aumenta, levando em conta que a capacidade da economia de produzir é limitada por sua base de capital, esse aumento no consumo deve diminuir o nível de investimento, ou seja, a produção de bens de capital. Esse aumento na demanda por bens de consumo pode se dar ou por políticas de estímulo à demanda por esses bens ou por uma diminuição no desejo de poupar por parte dos agentes econômicos. No caso keynesiano, obviamente, se dá pelo primeiro motivo.

Como consequência o desvio da produção de bens de capital para a produção de bens de consumo vai diminuir a taxa de crescimento global da economia, porque o crescimento do capital produz impactos maiores sobre a capacidade de crescimento da economia do que o aumento do consumo. Esse movimento para mais consumo e menos investimento tem um efeito imediato sobre a acumulação de capital, mas também um efeito de longo prazo, na medida em que a economia ficará restrita em sua capacidade de acumular capital por meio do próprio crescimento do produto. origem dos eixos.

O aumento na demanda por mercadorias diminui a oferta de poupança e também provoca uma queda equivalente na geração de capital. Com o passar do tempo, esse nível mais baixo de investimento reduzirá a capacidade de produzir tanto mercadorias como capital, restringindo novamente o crescimento do capital no longo prazo.

Em segundo lugar, Mill está convencido de que não é a compra de bens e serviços que gera emprego, mas sim a sua produção, sua oferta. Nisto, podemos dizer que foi um austríaco. O que a demanda determina é o que deve ser produzido (notemos a harmonia dessa afirmativa com o pensamento de Menger e toda a tradição austríaca)! Em suas próprias palavras:

A demanda por commodities determina em que ramo específico da produção o trabalho e o capital devem ser empregados; ela determina a direção [preferiríamos dizer o sentido] do trabalho.

É a decisão prévia de produzir, tomada pelas empresas, que determina o nível de
produção e isso vai depender da quantidade de capital disponível. O produto cresce quando a oferta de capital aumenta. A quantidade de produto é determinada essencialmente pela quantidade de capital. Devemos notar, no entanto, a ausência nesta análise de um fator importantíssimo na Teoria Austríaca, que é a Estrutura de Capital da Economia. Com efeito, Mill parece considerar o capital como algo homogêneo e agregado, composto pelo estoque acumulado, até a data presente, de investimentos em máquinas, equipamentos, instalações e construções, ou seja, o capital físico.

Isto entra em choque flagrante com a análise austríaca — desenvolvida brilhantemente por Böhm-Bawerk — que trata o capital como uma estrutura bastante heterogênea ao longo dos diferentes estágios da estrutura de produção, desde os que produzem bens de capital (bens de ordens mais elevadas) até os que produzem bens consumo (ou bens de ordens baixas, sendo que os bens de consumo final, na nomenclatura adotada por Menger, ainda em 1871, são chamados de bens de primeira ordem. Para os austríacos, portanto, o capital não se resume a máquinas e equipamentos, mas a todos os insumos que estão sendo utilizados nos diferentes estágios do processo de produção, aí incluída a mão de obra e o tempo de produção em cada estágio ou etapa desse processo.

Com o nível de produção determinado pela quantidade de capital, uma queda nesta última geraria também uma queda no nível de produção. O desvio de esforço produtivo (investimento) para o consumo presente ocorrido no primeiro estágio diminuiu o montante de capital disponível e isso vai provocar queda correspondente no nível de produção Em essência, isto está correto, mas não podemos deixar de lado o que escrevemos há pouco, que, não sendo o capital um simples agregado, assim como o produto, essas quedas não são uniformes ao longo da estrutura de capital da economia.

Por fim, aparece o efeito da queda dos níveis de produção sobre o nível de emprego. Mill acrescenta uma condição adicional, a de que os salários reais deveriam pelo menos ser mantidos:

Eu entendo que, se por demanda por trabalho se entende a demanda pela qual os salários aumentam, ou o aumento no número de trabalhadores no mercado de trabalho,a demanda por commodities não se constitui em demanda por trabalho.

Com a queda no valor do capital puxando para baixo o salário médio real que pode
ser pago, o efeito de uma queda na produção é uma queda na procura de trabalho ao nível atual do salário real. Uma vez que é a disponibilidade de capital no agregado o que importa - o que é muito mais do que apenas o "fundo de salários", pois inclui todo o
estoque de itens de capital que podem ser utilizados no processo de produção - a redução
de capital se traduziu em uma redução na demanda por trabalho. Como Mill escreveu:

Cada adição ao capital dá para o trabalho: ou empregos adicionais ou remunerações adicionais

A conhecida função de produção neoclássica relaciona o nível de produto com o nível de emprego. Então, a queda na produção, mantido o salário real provoca uma queda no nível de emprego. Portanto, um aumento na demanda por consumo levou a uma queda no nível de emprego, contrariamente ao que o keynesianismosuporia mais de oitenta anos depois. Conclusão correta, mas que padece do mesmo defeito apontado anteriormente: não é correto tratar a mão de obra, o consumo e o emprego de mão de obra como agregados, já que, como a produção é composta por estágios, em cada um destes haverá um mercado de trabalho específico, com oferta e demanda e as quedas não serão uniformes, pelo contrário, serão desiguais ao longo da estrutura de produção.

A Quarta Proposição segue, então, das três primeiras. Ela mostra que um aumento na demanda por mercadorias (consumo presente) levaria a uma queda na demanda por mão de obra, porque desviaria a utilização de recursos da criação de capital adicional - e é apenas a quantidade de capital que suporta maior emprego. Uma queda na quantidade de capital produzido levaria a uma queda no valor de produção e, portanto, a uma redução no nível de emprego, para que os salários reais pudessem ser mantidos constantes. Mas notemos que essa diminuição na demanda por mão-de-obra não se dará em todos os estágios da estrutura de produção, mas apenas naqueles que produzem bens de ordens mais elevadas, distantes, portanto, do consumo final.

Por "commodities", é claro que Mill está se referindo ao uso da base de recursos de uma economia para produzir formas de produto não geradoras de crescimento, que não fornecem uma base para aumentar o nível de emprego. Para Mill, a produção de bens e serviços não utilizados para agregar valor ao estoque total de capital, ou como insumos em uma empresa produtiva, mas sim como mercadorias para serem vendidas em um armazém, ou como bens e serviços comprados pelos assalariados, não podem aumentar o nível de emprego ao salário real existente.

E este é o ponto de Mill, na concepção neoclássica. Foi uma conclusão que satisfez toda uma geração de economistas e é difícil ver de que forma ela estaria errada. É certamente um argumento válido em seus próprios termos e contexto. É sempre possível aumentar o emprego ao mesmo tempo, se o salário real médio cair. Mas se o objetivo da política (para Mill) é manter ao mesmo tempo o emprego e tornar a comunidade mais próspera, então o foco deve ser na acumulação de capital em seu sentido mais amplo, o que significa que esse conceito deve incluir as mudanças tecnológicas e, possivelmente, até o desenvolvimento de habilidades (capital humano, conceito que não era conhecido por esse nome na época). Apesar de os austríacos discordarem de políticas econômicas, essa conclusão de Mill não anula o fato elementar de que a essência do crescimento econômico é a acumulação de capital, que acontece mediante investimentos e não por estímulos ao consumo presente. Vidraças quebradas só oferecem ganhos para vidraceiros e para a indústria de vidros.

Resumindo a Quarta Proposição: um aumento na demanda por consumo desvia esforços produtivos da acumulação de capital e, portanto, das formas de produção que podem suportar ou apoiar o nível de emprego. Demanda por mercadorias não é demanda por trabalho!

4. Hayek e a Quarta Proposição

A interpretação austríaca da Quarta Proposição pode ser extraída das palavras de Hayek:

Antes de prosseguir, no entanto, será aconselhável a restabelecer a proposição de Mill de uma forma que não deixa dúvidas sobre o seu significado exato. Em primeiro lugar, é provavelmente claro que o modo como a doutrina tem sido geralmente colocada precisa ser corrigido, como temos feito, para substituir bens de consumo por"commodities", e que a demanda por "commodities" terá de ser descrita não como uma simples quantidade, mas como uma demanda ou curva que descreve as quantidades de bens de consumo que serão comprados a preços diferentes. Em segundo lugar, o teste para saber se a demanda por "bens" dos consumidores é "demanda por trabalho" (ou, podemos dizer, demanda pura por inputs) deve ser claramente se um aumento na curva de demanda por bens de consumo aumenta a curva de demanda por inputs (e se uma queda da primeira reduz a última), ou se uma alteração na demanda dos consumidores de bens não causa "mudança na mesma direção, ou talvez mesmo, uma mudança na direção uma mudança na direção oposta, para a demanda pura por inputs. [negritos nossos]

Aí parece bastante claro que Hayek tinha em mente a estrutura de capital que caracteriza a Escola Austríaca.

Este é o ponto de Hayek! Tal como interpretou o efeito-Ricardo não como a simples substituição de homens por máquinas e sim por substituições entre bens de ordens mais elevadas por bens de ordens menos elevadas ao longo da estutura de capital, a Quarta Proposição de J. S. Mill, para Hayek, significa que consumo e investimento, definidos não como agregados, mas como compartimentalizados em estágios, podem e devem normalmente variar em sentidos opostos.

Hayek interpreta o aforismo da Quarta Proposição, sugerindo que Mill procurava enfatizar que é precipitado incorporar demandas derivadas em economia política e tirar conclusões a esmo. As teorias macroeconômicas modernas, em que as demandas pelo produto final e pelos fatores de produção movem-se sempre no mesmo sentido, parecem não dar importância a essa advertência. Esta é a Quarta Proposição de Mill segundo Hayek!

5. A quarta proposição e a TACE

Mill, então, alertou para o perigo da incorporação de demandas derivadas em economia política, mas nas teorias macroeconômicas modernas as demandas pelo produto final e pelos fatores de produção movem-se sempre no mesmo sentido. Assim, na conhecida equação de corte keynesiano Y = C + I, em que Y representa o produto "agregado", C o consumo "agregado" e I o investimento "agregado", se um dos componentes da demanda (C, por exemplo) estiver subindo (caindo), então o outro (I, no caso), necessariamente, também estará subindo (caindo). Essa suposição — errada! — é base para todo o keynesianismo, com seu conhecido efeito multiplicador. Se mostrarmos que ela é falsa, todo o keynesianismo cai por terra! E não é difícil fazer isso.

A formulação austríaca reconhece que as duas demandas podem mover-se em sentidos opostos e essa atenção para com a Quarta Proposição distingue a "macroeconomia" de Hayek — e, por conseguinte, a Escola Austríaca — da macroeconomia keynesiana.

Se o consumo presente está caindo, isto não significa necessariamente que a demanda por trabalho e por outros fatores também esteja caindo: pode significar que a propensão a poupar esteja aumentando e, portanto, que o consumo futuro também vai crescer, o que, se for incorporado às expectativas dos produtores, poderá fazer crescer a produção de bens de consumo futuros e, assim, aumentar a demanda por trabalho no período atual. Para Hayek, em um dado período, os gastos de consumo e de investimento podem e, em condições de pleno emprego (ou de nível natural de emprego), devem mover-se em sentidos contrários.

Mutatis mutandis, se o consumo está aumentando (como consequência, por exemplo, de uma disposição menor a poupar), isto não significa automaticamente que a demanda por trabalho e por outros insumos componentes da Estrutura de Capital esteja também subindo: pode significar que o desejo de poupar esteja caindo e que, portanto, o consumo futuro também vai cair - porque a formação de capital vai declinar e não será lastreada na poupança, que diminuiu -, o que, quando incorporado às expectativas dos produtores, poderá diminuir a demanda por trabalho imediatamente.

Este deslocamento de recursos entre bens de ordens inferiores ("consumo") e bens de ordens superiores ("investimento") e entre os diversos estágios da estrutura de produção — os efeitos Ricardo, preços relativos, taxas de juros e concertina — é que leva à coordenação intertemporal ou à sua ausência: coordenação, quando o deslocamento é provocado por alterações nas preferências temporais e falta de coordenação quando é causado por manipulações monetárias, por crédito não lastreado em poupança.

Como vimos, a demanda por fatores de produção é estritamente uma demanda derivada e, embora não haja qualquer objeção a esse conceito no âmbito microeconômico de análise de equilíbrio parcial, extrapolar, como fez Keynes, da empresa ou da indústria para a economia como um todo e afirmar que a demanda da economia por mão de obra é derivada à la Marshall da demanda por bens de consumo é incorrer na conhecida falácia da composição, que consiste em se admitir que o que é verdade para uma parte do sistema, então também é verdade para todo o sistema. Vejam que isso nos leva à própria macroeconomia! Por exemplo, se a quantidade de pães fabricados por um trabalhador em uma padaria for muito elevada num determinado dia, o rendimento dos seus colegas aumentará, embora a produção dos mesmos possa até ter sido menor naquele dia; porém, se todos os trabalhadores na padaria conseguirem produzir quantidades muito grandes de pães, o rendimento do conjunto poderá ser mais baixo. Se concluíssemos o contrário, incorreríamos na falácia da composição.

A teoria keynesiana, no entanto, não se restringe à demanda por bens de consumo, mas a todas as formas de gastos: quanto maior a demanda agregada, maior a demanda por mão de obra. Este é o ponto fundamental da análise do tipo C + I + G + X - M, sintetizado no início dos anos 40 por Alvin Hansen e John Hicks nas famosas"curvas IS e LM".

Hayek reconhece que no âmbito macroeconômico consumo e investimento podem mover-se em sentidos opostos e esse reconhecimento é básico em suas críticas a Keynes, que desprezou a Quarta Proposição de Mill, já que, na sua visão, isto se daria apenas no caso especial e improvável de uma economia no pleno emprego. Mas consumo e investimento podem se mover no mesmo sentido apenas quando o nível de ociosidade de recursos se move no sentido oposto. Não há custos de oportunidade (ociosidade passada não é um custo) associados a ter mais de ambos os componentes da atividade econômica. Com efeito, foi o desprezo de Keynes em relação à Quarta Proposição de Mill que levou Hayek a se referir à economia keynesiana como "economia da abundância".

Em um ensaio de 1928, Hayek mostra como o mecanismo de preços relativos do mercado desloca recursos das atividades de consumo para atividades de investimento em resposta a mudanças nas preferências intertemporais. Ele mostra como uma queda na demanda por produtos (isto é, no consumo corrente), pode ser associada com um aumento na demanda por trabalho e outros inputs no espectro temporal da estrutura de produção, permitindo assim um aumento no nível de consumo futuro. Estes são os mecanismos de mercado, cuja existência ou é negada ou ignorada ou negligenciada por Keynes.

Eis a essência da TACE: com taxas de juros artificialmente baixas, os consumidores reduzem a poupança e passam a consumir mais, e os empresários aumentam seus gastos com investimento. E então se cria um desequilíbrio entre poupança e investimento. Tem-se uma economia com crescimento insustentável. Essa é, em suma, a lição da crítica austríaca aos bancos centrais, desenvolvida nos anos 1920 e 1930.

Com bastante clareza, o Prof. Roger Garrison observa que, quando as pessoas optam por poupar mais, elas mandam dois sinais aparentemente conflitantes para o mercado: o primeiro é que consumo menor enfraquece a demanda por bens de capital que estão próximos — em termos temporais — do produto final de consumo. Esse é o efeito derivado da demanda. E o segundo é que uma taxa de juros menor, que significa empréstimos a custos menores, estimula a demanda por bens de capital que estão distantes, em termos temporais, do produto final de consumo. Esse é o efeito do desconto temporal — ou simplesmente o efeito da taxa de juros.

Os efeitos derivados da demanda e do desconto temporal estarão em conflito apenas se o "investimento" for concebido como um simples agregado — como é na fórmula keynesiana C + I + G. Na "macroeconomia" da Escola Austríaca, o capital — logo, o investimento — é concebido como uma estrutura. Mudanças na demanda por investimentos, portanto, produzem efeitos distintos sobre os vários estágios da produção (que podem sofrer adições ou subtrações) que compõem a estrutura de capital.

A teoria de Keynes, feita em termos de agregados, negligencia não só a teoria austríaca do capital, mas qualquer outra teoria do capital. Isso motivou Hayek a afirmar de que "os agregados do Sr. Keynes escondem os mecanismos mais fundamentais da mudança". (Para quem desejar aprofundar-se na análise Garrison, aconselhamos o vídeo de sua lecture The Austrian Theory of the Business Cycles, que pode ser acessado emhttp://www.youtube.com/watch?v=5rJceunyCwU)

6. Paradoxo da poupança?

Para a Escola Austríaca, o famoso paradoxo da poupança de Keynes é um absurdo! Segundo Keynes, qualquer redução nos gastos resultaria em excessos de estoques, que por sua vez causariam cortes na produção, demissões e espirais baixistas na renda e nas despesas. A economia entraria em recessão e os empresários iriam investir menos. A "solução" que ele apresentou foi que o governo aumentasse os seus dispêndios. Esse paradoxo da poupança sugere, então, que aumentos na disposição de poupar gerariam desemprego e é, com todas as letras, uma balela! Os ciclos econômicos são provocados por poupança de menos e investimentos demais, e não — como acreditava Keynes — por poupança demais e investimentos de menos.

Sempre pensando em "agregados", Keynes sustentava que o mercado atua perversamente, impedindo que a poupança e o investimento se "equilibrem". Partindo do pressuposto de desemprego e ociosidade de recursos como regra geral, defendia políticas contracíclicas fiscais e monetárias, e, em última instância, uma "socialização abrangente do investimento". Já Friedman, incontestável defensor dos mercados, se baseava em níveis ainda maiores de agregados, podendo-se, nesse sentido, dizer que era um "keynesiano". Aliás, é famosa uma de suas frases, "we are all Keynesians". A Teoria Quantitativa da Moeda negligencia a questão da alocação de recursos e as mudanças nos preços relativos, provocadas pelas injeções de moeda na economia, centralizando sua atenção na relação entre oferta de moeda, estabelecida previamente pelos bancos centrais de acordo com uma "regra x", e "nível geral de preços", outro conceito agregado rejeitado pelos austríacos. Se para Keynes a Grande Depressão fora provocada por poupança demais e investimento de menos, para Friedman ela fora provocada por moeda de menos circulando na economia. Isso não lembra, respectivamente, Krugman e Bernanke?

Para estudar a dinâmica da TACE, recomendo vivamente ao leitor a leitura do livro de Roger Garrison, Time and Money: the Macroeconomics of Capital Structure. Recomendo também a coletânea de artigos de Mises, Haberler, Rothbard e Hayek, compilada por Richard Ebeling e com introdução e sumário de Garrison, The Austrian Theory of the Trade Cycle, editada pelo Mises Institute em 1996. E, por fim, o livro memorável de Rothbard, recém editado pelo Instituto Mises Brasil, A Grande Depressão Americana, com introdução de Paul Johnson.

Quando o banco central aumenta a oferta de moeda, o novo dinheiro entra na economia em pontos específicos da estrutura de capital, e não uniformemente, como supõem os keynesianos e os monetaristas. As chamadas "autoridades monetárias", literalmente, criam dinheiro do nada — já que atualmente não se exige qualquer lastro — e o colocam em circulação. Esse novo dinheiro passa a ser visto como poupança (é o mecanismo da poupança forçada ou artificial), um dos sete elementos da TACE a que já nos referimos no início deste artigo. Assim, a oferta de fundos para empréstimos (crédito) aumenta, mas sem que tenha havido qualquer aumento da poupança. Reagindo ao incentivo de uma taxa de juros menor, os agentes (ação humana) passam a poupar menos e a consumir mais. O resultado não será sustentável, mas uma ausência de coordenação que, por algum tempo, fica encoberta pela injeção desses fundos adicionais de crédito. Os bancos centrais criaram um descompasso entre poupança e investimento!

A dinâmica desse ciclo, na linguagem de Mises, gera tanto investimentos excessivos (sobreinvestimentos) como também investimentos errôneos ou maus investimentos. Essas distorções são agravadas pelo sobreconsumo. Ocabo de guerra que opõe consumidores a investidores leva a economia para além de suas possibilidades, o que é insustentável. A baixa taxa de juros favorece o investimento, mas as restrições cada vez maiores de recursos impedem que a economia atinja esse ponto. As tentativas dos bancos centrais de proverem cada vez maior liquidez só irão agravar os problemas que eles mesmos criaram, porque seus diretores nunca estudaram a TACE. Alguém aí pensou novamente em Bernanle?

7. Considerações finais

O Prof. Gottfried Haberler, referindo-se às injeções artificiais de crédito na economia, mostra sucintamente como essas emissões provocam falta de coordenação na economia:

... o período de produção é muito mais longo do que o período de circulação de dinheiro. O dinheiro recém-criado tende a chegar ao mercado para bens de consumo muito antes de os novos processos terem sido completados e já estarem produzindo bens prontos para o consumo [ver obra citada, pág. 57]

Em outras palavras, se um bem leva, por exemplo, oito meses para ser produzido e para ser posto à venda em uma loja de departamentos, a demanda por esse bem acontecerá antes desses oito meses. Isto é ausência de coordenação. Da mesma forma, não existirá coordenação se outro bem leva seis meses em produção até ser posto em uma prateleira de uma loja, mas a demanda por esse bem surgir depois desses seis meses. Na TACE, o elemento que coordena a demanda com a oferta é a taxa de juros. Por isso, quando os governos alteram artificialmente essa variável, a falta de coordenação será um fato líquido e certo. Haverá escassez imprevista ou formação de estoques indesejados.

Em suma, os sete elementos básicos da TACE e, muito especialmente, a Quarta Proposição de John Stuart Mill simplesmente demolem os argumentos keynesianos em prol de estímulos à demanda, não deixando pedra sobre pedra. Estímulos à demanda não aumentam o emprego de mão de obra e costumam mesmo agravar o problema.

O monetarismo, por sua vez, peca pela agregação, por negligenciar a Quarta Proposição de Mill e por também não trabalhar com uma teoria do capital, qualquer que viesse a ser esta. Por isso, o "remédio" receitado por Friedman para combater grandes recessões — injetar moeda maciçamente na economia — para os austríacos não é remédio, mas veneno, porque provoca ausência de coordenação entre poupança e investimento, vale dizer, entre oferta e demanda.

Podemos encerrar enunciando a Quarta Proposição, agora em uma linguagem austríaca: alterações na demanda por bens de consumo não são acompanhadas por mudanças proporcionais na demanda por mão-de-obra.Adicionalmente, uma queda na demanda por bens de consumo pode acontecer porque os indivíduos mostram-se mais dispostos a poupar, o que, sem dúvida, fortalecerá seu poder de compra no futuro. Mudanças na demanda por trabalho não são um simples espelho da demanda por consumo presente, mas refletem alterações nas preferências intertemporais.



Referências bibliográficas
Ebeling, Richard M. (ed), The Austrian Theory of the Trade Cycle and Other Essays, Ludwig von Mises Institute, Auburn, AL, 1996 (with an Introduction and Summary of Roger W. Garrison 
Hayek, Friedrich A.Money, Capital and Fluctuations: Early Essays, The University of Chicago Press, 1984
Iorio, Ubiratan J.Ação, Tempo e Conhecimento: a Escola Austríaca de Economia, Instituto Mises Brasil, 2011, 1ª Ed., cap. 7
Mises, Ludwig vonAs Seis Lições, Instituto Mises Brasil/Instituto Liberal, S. Paulo, 7ª ed., 2009
 Mises, Ludwig von, The Theory of Money and Credit, Liberty Fund, Indianapolis, s/data
Mises, Ludwig vonHuman Action: a Treatise on Economics, Liberty Fund, Indianapolis, 2007
Mill, John S.The Principles of Political EconomyBook 1, Chapter 5, Section: Fundamentals propositions respecting capital
Rothbard, Murray N.A Grande Depressão Americana, Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2012, com Introdução de Paul Johson
Stephen Kresge (ed.)The Collected Works of F. A. Hayek, Part I, Good Money, Liberty Fund, Indianapolis, 1999

Ubiratan Jorge Iorio é economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Visite seu website.

sábado, 26 de janeiro de 2013

SEM DINHEIRO, NÃO HÁ NEM CIVILIZAÇÃO E NEM PROGRESSO

Este artigo foi extraído do livro "O que o governo fez com o nosso dinheiro", futuro lançamento do IMB

O surgimento do dinheiro

Como surgiu o dinheiro? É claro que Robinson Crusoé, sozinho em sua ilha, não necessitava de nenhum dinheiro. Ele não poderia comer moedas de ouro. Tampouco Crusoé e Sexta-Feira, ao trocarem entre si peixe por madeira, tinham de se preocupar com dinheiro. Porém, quando a sociedade se expande e passa a ser formada por várias famílias, o cenário se torna propício para o surgimento do dinheiro.

Para explicar a função do dinheiro, temos de retroceder no tempo e perguntar: por que, afinal, os homens fazem transações econômicas? Por que eles trocam bens entre si? A troca é a base essencial de nossa vida econômica. Sem trocas, não haveria uma economia real e, praticamente, não haveria sociedade. Quando uma troca é voluntária, ela claramente ocorre porque ambas as partes esperam se beneficiar dessa transação. Uma troca é um acordo entre A e B no qual A transfere seus bens ou seus serviços para B, e B por sua vez transfere seus bens ou seus serviços para A. Obviamente, ambos, por definição, esperam se beneficiar dessa troca, pois cada um valoriza mais aquilo que está recebendo do que aquilo do qual abriu mão. Não fosse assim, não haveria uma troca voluntária.

Quando, por exemplo, Robinson Crusoé troca um peixe por um pedaço de madeira, ele dá mais valor à madeira que está "comprando" do que ao peixe que está "vendendo", ao passo que para Sexta-Feira, ao contrário, dá mais valor ao peixe do que à madeira. De Aristóteles a Marx, o homem erroneamente tem acreditado que uma troca denota algum tipo de igualdade de valor — que se um barril de peixes é trocado por dez toras de madeira, então há uma espécie de igualdade secreta entre tais coisas. A verdade, no entanto, é que a troca só ocorreu porque cada uma das partes valorou os dois produtos de maneira distinta.

Por que a propensão a transacionar é algo tão universal na humanidade? Fundamentalmente, por causa da grande variedade existente na natureza: a variedade que há nos homens e a variedade e a diversidade da localização dos recursos naturais. Cada homem possui um conjunto diferente de habilidades e aptidões específicas, e cada pedaço de terra possui suas características próprias, suas riquezas únicas. É desta variedade — um fato externo e natural — que surge a troca: o trigo produzido em uma localidade geográfica é trocado pelo ferro produzido em outra localidade geográfica; um indivíduo fornece seus serviços médicos em troca do prazer de ouvir uma música tocada em um violino por outro indivíduo. 

A especialização permite que cada indivíduo aprimore suas melhores habilidades, e permite que cada região geográfica desenvolva seus próprios recursos particulares. Se ninguém pudesse transacionar, se cada indivíduo fosse forçado a ser totalmente autossuficiente, a maioria de nós obviamente morreria de fome, e o restante mal conseguiria se manter vivo. A troca é a força vital não só da economia, mas da própria civilização.

Escambo

No entanto, esse processo de troca direta de bens e serviços úteis dificilmente seria capaz de manter uma economia acima de seu nível mais primitivo. Tal troca direta — ou escambo — dificilmente é melhor do que a pura e simples autossuficiência. Por quê? Em primeiro lugar, está claro que tal arranjo permite somente uma quantidade muito pequena de produção. Se João contrata alguns trabalhadores para construir uma casa, com o que ele lhes pagará? Com partes da casa? Com os materiais de construção que não forem utilizados? 

Os dois problemas básicos deste arranjo são a "indivisibilidade" e a ausência daquilo que chamamos de "coincidência de desejos". Assim, se o senhor Silva tem um arado que ele gostaria de trocar por várias coisas diferentes — por exemplo, ovos, pães e uma muda de roupas —, como ela faria isso? Como ele dividiria seu arado e daria uma parte para um agricultor e a outra parte para um alfaiate? Mesmo para os casos em que os bens são divisíveis, é geralmente impossível que dois indivíduos dispostos a transacionar se encontrem no momento exato. Se A possui um suprimento de ovos para vender e B possui um par de sapatos, como ambos podem transacionar se A quer um terno? Imaginem, então, a penosa situação de um professor de economia: ele terá de encontrar um produtor de ovos que queira comprar algumas aulas de economia em troca de seus ovos! 

Obviamente, é impossível haver qualquer tipo de economia civilizada sob um arranjo formado exclusivamente por trocas diretas.

Trocas indiretas

Felizmente, o homem descobriu, em seu infindável processo de tentativa e erro, um arranjo que permitiu que a economia crescesse de forma contínua: a troca indireta. Em uma troca indireta, você vende seu produto não em troca daquele bem que você realmente deseja, mas sim em troca de um outro bem que você, futuramente, poderá trocar pelo bem que você realmente deseja. À primeira vista parece uma operação canhestra e circular. Mas a realidade é que foi exatamente este maravilhoso arranjo o que permitiu — e que segue permitindo — o desenvolvimento da civilização.

Considere o caso de A, o agricultor, que quer comprar os sapatos feitos por B. Dado que B não quer ovos, A terá de descobrir o que B realmente quer — digamos que seja manteiga. O indivíduo A, então, troca seus ovos pela manteiga de C, e então vende a manteiga para B em troca dos sapatos. O indivíduo A irá comprar a manteiga não porque a deseja diretamente, mas sim porque isso o permitirá adquirir os sapatos. Similarmente, o senhor Silva, o dono do arado, venderá seu arado por uma mercadoria que ele possa com mais facilidade dividir e vender — por exemplo, manteiga. Ato contínuo, ele trocará partes de manteiga por ovos, pães, roupas etc. 

Em ambos os casos, a superioridade da manteiga — razão pela qual existe uma demanda extra por ela, que vai além do seu mero consumo — está em sua maior comerciabilidade, ou seja, em sua maior facilidade de ser trocada, de ser vendida, de ser comercializada.

Se um bem é mais comerciável do que outro — se todos os indivíduos estão confiantes de que tal bem será vendido com mais facilidade —, então ele terá uma grande demanda, pois ele será usado como um meio de troca. Ele será o meio pelo qual um especialista poderá trocar seu produto pelos bens de outros especialistas.

Assim como há uma grande variedade de habilidades e recursos na natureza, também há uma grande variedade na comerciabilidade dos bens existentes. Alguns bens são mais demandados que outros, alguns são plenamente divisíveis em unidades menores sem que haja perda de valor, alguns são mais duráveis, e outros são mais transportáveis por longas distâncias. Todas essas vantagens aumentam a comerciabilidade de um bem. Sendo assim, em cada sociedade, os bens mais comerciáveis serão, com o tempo, escolhidos para representar a função de meio de troca. À medida que sua utilização como meio de troca vai se tornando mais ampla, a demanda por eles aumenta, e, consequentemente, eles se tornam cada vez mais comerciáveis. O resultado é uma espiral que se auto-reforça: mais comerciabilidade amplia o uso do bem como meio de troca, o que por sua vez aumenta ainda mais sua comerciabilidade, reiniciando o ciclo. No final, apenas uma ou duas mercadorias serão utilizadas como meios gerais de troca — em praticamente todas as trocas. Tais mercadorias são chamadas de dinheiro.

Ao longo da história, diferentes bens foram utilizados como meios de troca: tabaco, na Virgínia colonial; açúcar, nas Índias Ocidentais; sal, na Etiópia (na época, Abissínia); gado, na Grécia antiga; pregos, na Escócia; cobre, no Antigo Egito; além de grãos, rosários, chá, conchas e anzóis. Ao longo dos séculos, duas mercadorias, o ouro e aprata, foram espontaneamente escolhidas como dinheiro na livre concorrência do mercado, desalojando todas as outras mercadorias desta função. Tanto o ouro quanto a prata são altamente comerciáveis, são muito demandados como ornamento, e se sobressaem em todas as outras qualidades necessárias. Em épocas recentes, a prata, por ser relativamente mais abundante que o ouro, se mostrou mais útil para trocas de menor valor, ao passo que o ouro foi mais utilizado para transações de maior valor. De qualquer maneira, o importante é que, independentemente do motivo, o livre mercado escolheu o ouro e a prata como a mais eficiente forma de dinheiro.

Este processo — a evolução cumulativa de um meio de troca no livre mercado — é a única maneira pela qual o dinheiro pode surgir e ser estabelecido. O dinheiro não pode se originar de nenhuma outra maneira: mesmo que as pessoas repentinamente decidam criar dinheiro utilizando materiais inúteis, ou o governo decrete que determinados pedaços de papel agora são "dinheiro", nada disso pode funcionar se o bem estipulado não possuir um histórico como meio de troca. 

Toda e qualquer demanda por dinheiro ocorre porque as pessoas podem utilizar aquele bem para calcular preços. Incorporado na demanda pelo dinheiro está o conhecimento dos preços do passado imediato. Ao contrário dos bens diretamente utilizados pelos consumidores e pelos empreendedores, a mercadoria a ser utilizada como dinheiro tem de apresentar um histórico de expressão de valores na forma de preços. Antes de tal produto ser definido como dinheiro, ele tem de possuir um passado no qual ele foi utilizado como definidor de preços. É sobre este histórico que a demanda será baseada. 

Porém, a única maneira pela qual isso pode acontecer é começando por uma mercadoria que foi utilizada quando a economia ainda operava sob escambo. Ato contínuo, a essa demanda anterior pelo seu uso direto (por exemplo, no caso do ouro, para ornamentos), é acrescentada a demanda para ele passar a ser utilizado como um meio de troca.[1]

Portanto, o governo é completamente impotente para criar um dinheiro do nada, utilizando um material sem passado algum como meio de troca; o dinheiro só pode surgir e evoluir pelo processo de livre mercado.

O que nos leva, então, à verdade mais importante de toda essa nossa argumentação a respeito do dinheiro: o dinheiro é uma mercadoria. Aprender essa simples lição é uma das tarefas mais importantes do mundo. Com enorme frequência, as pessoas falam de dinheiro como se fosse algo muito acima ou muito abaixo dessa realidade. O dinheiro não é uma abstrata unidade de conta, perfeitamente separável de um bem concreto; não é um objeto inútil que só presta para trocas; não é um "título de reivindicação" sobre os bens produzidos pela sociedade; não é uma garantia de um nível fixo de preços. O dinheiro é simplesmente uma mercadoria. 

O dinheiro difere das demais mercadorias por ser demandado majoritariamente como um meio de troca. Mas, excetuando-se isso, o dinheiro é uma mercadoria — e, como todas as mercadorias, ele possui um estoque real e é demandado por pessoas que querem comprá-lo, que querem portá-lo etc. Como todas as mercadorias, seu "preço" — em termos de outros bens — é determinado pela interação entre sua oferta total, ou estoque, e sua demanda total por pessoas que querem comprá-lo e guardá-lo. (As pessoas "compram" dinheiro ao venderem seus bens e serviços, e "vendem" dinheiro ao comprarem bens e serviços).

Os benefícios do dinheiro

O surgimento do dinheiro foi uma grande dádiva para a humanidade. Sem o dinheiro — sem um meio geral de troca — seria impossível haver uma genuína especialização, uma genuína divisão do trabalho. Consequentemente, seria impossível a economia avançar para além de seu nível mais simples e primitivo. Com o dinheiro, todos os problemas de indivisibilidade e da "coincidência de desejos", que atormentavam a sociedade baseada no escambo, são eliminados. Agora, João pode contratar trabalhadores e pagá-los em... dinheiro. O senhor Silva pode vender seu arado por unidades de... dinheiro.

O dinheiro-mercadoria é divisível em pequenas unidades, e é aceito generalizadamente por todos. Sendo assim, todos os bens e serviços são vendidos por dinheiro, e esse dinheiro é então utilizado para comprar outros bens e serviços que as pessoas desejam. Por causa do dinheiro, é possível se criar uma complexa "estrutura de produção" formada por fatores de produção como bens de capital, mão-de-obra e terra. Todos estes fatores são combinados de modo a aprimorar o processo produtivo em cada estágio da cadeia de produção. E todos estes fatores são pagos em dinheiro.

A criação do dinheiro traz outro grande benefício. Uma vez que todas as trocas são feitas em dinheiro, todas as 'taxas de câmbio' ou 'razões de troca' são expressos em valores monetários, de modo que as pessoas agora podem comparar o valor de mercado de cada bem em relação aos demais. Se um aparelho de televisão é trocável por três onças de ouro, e um automóvel é trocável por sessenta onças de ouro, então nota-se que um automóvel "vale", no mercado, vinte aparelhos de televisão. Tais 'taxas de câmbio' ou 'razões de troca' são os preços, e o dinheiro-mercadoria serve como um denominador comum para todos os preços. 

É o estabelecimento de preços monetários no mercado o que permite o desenvolvimento de uma economia civilizada, pois somente os preços permitem ao empreendedor fazer o cálculo econômico. Podendo fazer o cálculo econômico, os empreendedores podem avaliar o quão corretamente estão satisfazendo as demandas dos consumidores; eles podem avaliar como os preços de venda de seus produtos se comportam em relação aos preços que têm de pagar pelos fatores de produção (seus "custos"). Dado que todos esses preços são expressos em termos monetários, os empreendedores podem determinar se estão auferindo lucros ou sofrendo prejuízos. São esses cálculos que guiam os empreendedores, os trabalhadores e os proprietários de terra e de bens de capital em sua busca pela renda monetária no mercado. Somente esses cálculos permitem que recursos escassos sejam alocados para seu uso mais produtivo — para aqueles investimentos que irão satisfazer da melhor forma possível a demanda dos consumidores.

Praticamente todos os manuais de economia dizem que o dinheiro possui várias funções: ser um meio de troca, ser uma unidade de conta (ou um "mensurador de valores"), ser uma "reserva de valor" etc. No entanto, já deve estar claro que todas essas funções são simplesmente corolários da única grande função do dinheiro: ser um meio de troca. Por sempre ter sido um meio geral de troca, o ouro é a mercadoria mais comerciável. Ele pode ser estocado para servir como meio de troca tanto no futuro quanto no presente, e historicamente todos os preços sempre foram expressos em termos de ouro.[2] Por sempre ter sido uma mercadoria utilizada como meio para todas as trocas, o ouro sempre serviu como unidade de conta tanto para os preços do presente quanto para os preços esperados no futuro. 

É importante entender que o dinheiro só pode ser visto como uma unidade de conta ou como um título de reivindicação sobre bens a partir do momento em que ele passa a servir como um meio de troca. É de sua função como meio de troca que derivam todas as outras suas características, como ser unidade de conta e reserva de valor.

Civilizações só existem e o mundo só se desenvolve quando existe o dinheiro.

[1] Sobre a origem do dinheiro, cf. Carl Menger, Principles of Economics, Glencoe: Free Press, 1950, p. 257-71; Ludwig von Mises, The Theory of Money and Credit, New Haven: Yale University Press, 1951, p. 97-123.
[2] O dinheiro não "mensura" preços ou valores.  O dinheiro é um denominador comum para a expressão de preços e valores. Em suma, os preços são expressos em dinheiro, mas são por ele mensurados.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 

O BÁSICO SOBRE INFLAÇÃO


1. Inflação é um aumento na quantidade de dinheiro e de crédito criado em decorrência desta criação adicional de dinheiro. A principal e mais visível consequência da inflação é a elevação dos preços. Portanto, uma inflação de preços — atenção para o termo correto — é causada unicamente pelo aumento da quantidade de dinheiro na economia. 

2. A quantidade de dinheiro na economia é uma variável decorrente das políticas monetárias do governo — mais especificamente, de seu Banco Central.

3. Um dos principais motivos para a criação de mais dinheiro é a existência de um orçamento deficitário por parte do governo. Orçamentos deficitários são gerados por gastos crescentes e extravagantes, os quais o governo é incapaz de cobrir utilizando exclusivamente suas receitas de impostos. Gastos excessivos decorrem principalmente dos esforços do governo em redistribuir riqueza e renda para setores privilegiados — isto é, esforços para retirar recursos dos produtivos para sustentar os improdutivos de todas as classes. Isto corrompe a ética e desestimula os incentivos trabalhistas tanto dos produtivos quanto dos improdutivos.

4. As causas da inflação de preços não são, como se diz frequentemente, "múltiplas e complexas"; elas são simplesmente a consequência inevitável de uma criação excessiva de dinheiro. Não existe algo como "inflação gerada pelo aumento dos custos". Se salários e outros custos trabalhistas ou de produção forem forçados para cima, mas não houver um aumento na quantidade de dinheiro na economia, e os produtores tentarem repassar estes aumentos aos consumidores elevando os preços de venda, a maioria deles irá apenas vender menos produtos. O resultado será um menor nível de produção e a perda de empregos. Custos maiores podem ser repassados para os preços somente quando os consumidores têm mais dinheiro para pagar por estes preços mais altos. 

5. Controles e congelamentos de preços não podem interromper ou arrefecer a inflação de preços. Eles podem, no máximo, atrasar a sua manifestação. Pior ainda: eles irão sempre desorganizar a economia. Controles de preços simplesmente comprimem ou eliminam por completo as margens de lucro, desarranjam a estrutura de produção da economia, e geram gargalos e escassezes. Todo e qualquer controle de preços e salários implantado pelo governo, ou até mesmo a sua "monitoração", é apenas uma tentativa de políticos de jogar a responsabilidade pela inflação sobre produtores e vendedores, e não em suas próprias políticas monetárias.

6. Uma prolongada inflação nunca "estimula" a economia. Ao contrário, ela desequilibra e desorganiza a estrutura produtiva da economia, direcionando a produção e o emprego para investimentos que mais tarde revelar-se-ão insustentáveis, gerando prejuízos, desperdício de recursos escassos e maior desemprego. O desemprego assim gerado permanecerá em níveis elevados enquanto o salário demandado estiver acima do real valor de mercado — seja por demandas sindicais, por leis de salário mínimo (que mantém adolescentes e mão-de-obra pouco qualificada fora do mercado de trabalho) ou por prolongados e generosos seguros-desemprego.

7. Para se evitar estragos irremediáveis, a noção de que expansões monetárias podem estimular permanentemente a economia deve ser irreversivelmente rejeitada. Adicionalmente, o governo deve ser retirado por completo do controle da oferta monetária, deixando esta área a cargo das forças de mercado. Por fim, o orçamento do governo deve ser equilibrado o mais rapidamente possível, e não de maneira gradualista e indolor. O equilíbrio deve ser alcançado por meio de um acentuado corte de gastos, e não pelo aumento de uma carga tributária já extremamente elevada, que comprime salários e desestimula o trabalho árduo e a produção. 

Henry Hazlitt (1894-1993) foi um dos membros fundadores do Mises Institute. Ele foi um filósofo libertário, economista e jornalista do The Wall Street Journal, The New York Times, Newsweek e The American Mercury, entre outras publicações. Ele é mais conhecido pelo seu livro Economia em uma Única Lição.

SINDICATOS NÃO PODEM BENEFICIAR OS TRABALHADORES EM GERAL


Social-democratas, progressistas e toda a esquerda em geral acreditam firmemente, e erroneamente, que sindicatos são capazes de aprimorar o padrão de vida dos assalariados de todo o sistema econômico. E acreditam que eles conseguem fazer isso por meio da imposição de aumentos salariais. Ao pensarem assim, esses grupos ideológicos cometem a falácia de pressupor que, dado que ganhar mais dinheiro é obviamente um objetivo inteligente para um assalariado buscar, então se todos os assalariados conjuntamente reivindicarem o mesmo para si, tal imposição será igualmente benéfica para todos conjuntamente.



Os proponentes destas ideias se mostram totalmente ignorantes do fato de que aumentos salariais impostos por sindicatos reduzem a quantidade de mão-de-obra demandada e consequentemente geram desemprego tanto para os não-sindicalizados quanto para aqueles trabalhadores cuja habilidade e produtividade geram menos valor do que o novo piso salarial imposto. Mais ainda: menor emprego significa menor produção, e menor produção significa menor oferta de bens e serviços, o que significa preços mais altos. Para coroar tudo, haverá um aumento nos gastos sociais para se conceder benefícios aos desempregados, o que pode levar a um aumento futuro da carga tributária.

A única maneira de se aumentar os salários sem que isso gere um aumento no desemprego é aumentando a quantidade de dinheiro na economia, o que consequentemente tende a elevar o volume de gastos em todo o sistema econômico. Porém, tal fenômeno, assim como o descrito no parágrafo anterior, também levará a um aumento nos preços, e consequentemente não irá aprimorar o padrão de vida dos assalariados.

Expressando estes pontos na tradicional terminologia de oferta e demanda, a única maneira de os salários nominais subirem é havendo uma menor oferta de mão-de-obra — o que significa menos pessoas empregadas — ou havendo mais demanda por mão-de-obra, o que também significa que está havendo uma maior demanda por bens de consumo e, consequentemente, que os preços dos bens de consumo estão mais altos. Logo, por mais surpreendente que isso possa parecer, podemos concluir que salários maiores — sejam eles obtidos por meio de uma menor oferta de mão-de-obra ou por uma maior demanda por mão-de-obra decorrente de um aumento da quantidade de dinheiro na economia — simplesmente não podem aumentar o padrão de vida do assalariado médio. 

Temos de concluir, portanto, que se realmente desejam aumentar o padrão de vida do assalariado médio, os sindicatos estão completamente equivocados em ter como objetivo exigir aumentos salariais. No entanto, este é exatamente o seu supremo objetivo, não havendo nenhum outro objetivo comparável à grandiosidade deste.

Sim, é possível haver um aumento na demanda por mão-de-obra que leve a aumentos salariais e que, ao mesmo tempo, não gere aumento na demanda por bens de consumo e nem aumento de preços. Mas isso só poderia ocorrer caso fosse resultado de um aumento na poupança. E o que permitiria isso seria uma grande redução nos gastos do governo feita em simultâneo a uma equivalente redução de impostos, dentre eles o imposto de renda de pessoa jurídica, o imposto de renda de pessoa física, o imposto sobre ganhos de capital e todos os outros impostos que incidem sobre a receita e o lucro das empresas. Dado que impostos são pagos com fundos que poderiam ser poupados e utilizados em investimento, tal redução de impostos permitirá que tais fundos sejam agora efetivamente poupados e investidos. Essa poupança adicional poderia, consequentemente, ser em grande parte utilizada para pagar os aumentos salariais.

Por conseguinte, os assalariados poderiam aumentar correspondentemente seus gastos em consumo. E isso não representaria um aumento geral do gasto em consumo porque estaria sendo financiado por uma equivalente — aliás, mais do que equivalente — redução nos gastos do governo. Ou seja, o governo reduziu seus gastos para que os trabalhadores pudessem aumentar os próprios. Assim, embora os salários dos trabalhadores tenham aumentado, não houve nada que tornasse possível a elevação generalizada dos preços. 

No entanto, desnecessário dizer que tais reduções de impostos são um anátema absoluto para os sindicatos e seus defensores.

Nunca é demais ressaltar que o que de fato aumenta o padrão de vida dos assalariados é o aumento na produtividade da mão-de-obra — isto é, um aumento na quantidade de bens produzidos por unidade de mão-de-obra. Este aumento de produtividade serve para aumentar a oferta de bens em relação à quantidade de mão-de-obra disponível. E tal aumento na oferta de bens em relação à mão-de-obra leva a uma redução dos preços dos bens em relação aos salários pagos. Caso a quantidade de dinheiro na economia fosse constante ou aumentasse muito pouco, os preços cairiam ao mesmo tempo em que os salários permaneceriam inalterados. Havendo um aumento mais substancial da quantidade de dinheiro na economia, seria possível que os preços permanecessem inalterados ao mesmo tempo em que os salários subissem. Seria possível também que tanto preços e salários aumentassem, mas com os preços subindo menos que os salários. A questão é que, se estiver havendo um aumento contínuo da produtividade, de modo que a quantidade de bens esteja sempre aumentando em relação à quantidade de mão-de-obra disponível, estará havendo um aumento no padrão de vida dos assalariados.

É essencial entender que a base para um aumento da produtividade da mão-de-obra está na quantidade de investimento feito na produção de bens de capital. E investimentos em bens de capital são estimulados por reduções nos gastos do governo acompanhadas por uma equivalente redução naqueles impostos que são pagos com fundos que, uma vez liberados deste encargo, poderão ser substancialmente poupados e investidos em bens de capital.

O problema é que os sindicatos e seus defensores ideológicos são totalmente alheios a estes fatos econômicos. Acima de tudo, eles são ignorantes quanto ao fato de que o padrão de vida dos assalariados não advém necessariamente de um aumento salarial mas sim de uma queda de preços dos bens de consumo e dos serviços. Como explicado acima, a queda nos preços não precisa ser em termos nominais ou absolutos. Basta apenas que seja uma queda relativa, isto é, que os preços aumentem menos que os salários — ou, colocando de outra forma, que os preços ao menos sejam menores do que seriam caso o único fator atuante fosse um aumento na quantidade de dinheiro e do volume de gastos na economia.

Quando finalmente se entende que o real aumento do padrão de vida dos assalariados advém da redução relativa de preços e não do aumento nominal dos salários, não é difícil chegar à conclusão de que os sindicatos não apenas são totalmente ignorantes em relação a como elevar o padrão de vida dos assalariados em geral, mas também atuam diretamente contra os interesses dos assalariados em geral. Em vez de agirem de modo a facilitar investimentos em bens de capital, o que aumentaria a produtividade (logo, os salários) e a oferta de bens de consumo, e consequentemente reduziria os preços relativos destes bens, os sindicatos defendem medidas que necessariamente obstruem esses investimentos, como impostos, encargos sociais e trabalhistas, e maiores gastos com salários.

Sindicatos podem aumentar o padrão de vida de pequenos grupos de trabalhadores, mas apenas ao adquirirem privilégios monopolísticos que limitam o número de trabalhadores que podem ser empregados em uma determinada linha de trabalho ou ao gerarem ou manterem uma necessidade artificial pelos serviços de trabalhadores de determinadas áreas. Porém, nestes casos, os sindicatos estão reduzindo o padrão de vida de outros trabalhadores. Os trabalhadores que forem impedidos de trabalharem em áreas dominadas por sindicatos terão de encontrar empregos em outros setores, nos quais o acréscimo de sua mão-de-obra servirá apenas para reduzir ainda mais os salários. Se houver leis de salário mínimo que proíbam uma redução salarial, então estes trabalhadores desalojados acabarão simplesmente desempregados ou tomando os empregos de outros trabalhadores menos qualificados, os quais ficarão desempregados.

À luz de tudo isso, é possível entendermos como a produtividade da mão-de-obra ao longo dos últimos 225 anos aumentou em uma escala de vários múltiplos, e com um comparavelmente enorme efeito positivo sobre os salários reais (a quantidade de horas de trabalho necessária para se adquirir bens e serviços corriqueiros vem caindo continuamente) e sobre o padrão de vida geral, e sem nenhum efeito negativo sobre a taxa de desemprego. Com efeito, o número total de assalariados empregados também aumentou enormemente, em linha com o aumento populacional possibilitado pelo aumento na produtividade da mão-de-obra e o consequente aumento no padrão de vida.

A única contribuição dos sindicatos a esse processo é impedi-lo ou retardá-lo. A cada avanço ocorrido no mundo empreendedorial, os sindicatos tentam combater o aumento da produtividade sempre que isso ameaça reduzir o número de empregos disponíveis para seus membros. Com efeito, eles abertamente se orgulham de "manter pessoas empregadas" quando deveriam era se orgulhar de criar bens e ser produtivos, aparentemente incapazes de compreender que manter empregos exigindo uma mão-de-obra maior do que a necessária para produzir um determinado bem serve apenas para impedir a produção de outros bens, os quais, conjuntamente a esse bem em particular com o qual eles estão preocupados, poderiam aumentar o padrão de vida dos trabalhadores.

Para continuarem existindo, sindicatos necessitam de um "sangue fresco" que possa ser continuamente sugado. Sua mais abundante e fecunda fonte nas últimas décadas tem sido os funcionários públicos, que hoje formam a maioria de seus membros. Ao fazerem vultosas contribuições para a campanha de políticos corruptos, e ao obrigarem seus membros a votarem em massa nestes políticos, os sindicatos dos funcionários públicos podem garantir salários e aposentadorias magnânimas (para não dizer bizarras) para seus membros, tudo financiado pelos pagadores de impostos do setor privado. Em face das iminentes falências governamentais ao redor do mundo, este processo parasitário vem encontrando crescente oposição. A esperança do setor produtivo é que ele esteja hoje próximo de seu fim.


George Reisman é Ph.D e autor de Capitalism: A Treatise on Economics. (Uma réplica em PDF do livro completo pode ser baixada para o disco rígido do leitor se ele simplesmente clicar no título do livro e salvar o arquivo). Ele é professor emérito da economia da Pepperdine University. Seu website: www.capitalism.net. Seu blog georgereismansblog.blogspot.com Tradução de Leandro Roque

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

EUROPA SE DESARMA E VENDE ARMAMENTO À RÚSSIA

Sem ocultar sua satisfação, a agência Novosti comemora que a Rússia se rearma “como todo o planeta, salvas as exceções notáveis dos europeus e dos EUA”. Precisamente os países que ainda são considerados como grandes obstáculos aos sonhos de domínio universal russo.

Os líderes socialistas da França e da Rússia se encontraram no mês de outubro último em Paris para uma “vasta contemplação do horizonte de assuntos estratégicos” mundiais, cujo conteúdo ficou reservado – informou a agencia oficial russa Novosti.

A agência, entretanto, deixou transparecer o fundo dessa “contemplação estratégica”.

O presidente socialista francês François Hollande ordenou a redação de um “Livro branco” visando à aprovação no primeiro semestre de 2013 de uma lei rebaixando ainda mais a capacidade de defesa da França. 

Falando aos deputados, o chefe do Estado Maior francês, almirante Guillaud, explicou que “o esforço de defesa, que era de 2 % do PIB em 1997, oscilou na última década entre 1,6 % e 1,7 %. Em 2012 é de 1,55%. E por volta de 2015 superará apenas 1,3 %”. 

A extremamente depauperada defesa francesa vai traduzir-se em menos homens, menos armas e menor capacidade de reação.

Sem ocultar sua satisfação, a agência Novosti comemora que a Rússia se rearma “como todo o planeta, salvas as exceções notáveis dos europeus e dos EUA”. Precisamente os países que ainda são considerados como grandes obstáculos aos sonhos de domínio universal russo.

Segundo o Ministério de Finanças da Rússia, sua despesa com o exército aumentará 25% em 2013, ou 3,2% do PIB. Em 2015 o aumento atingirá 3,7%, o equivalente ao triplo do que estará aplicando a França naquele ano.

Moscou não faz segredo de seu objetivo armamentista: “a Rússia relança suas despesas militares porque, na sua visão estratégica, a força está voltando nas relações internacionais”, explicou Thomas Gomart, do reputado Institut Français des Relations Internationales (IFRI). 

Entretanto, a Rússia reconhece a inferioridade de seu complexo militar-industrial e de sua tecnologia. Ela precisa que os ocidentais lhe forneçam os equipamentos de qualidade que ela é incapaz de produzir. 

Precisa, por isso, dos europeus, e agora de seus amigos socialistas franceses. Eis o objetivo não abertamente confessado da reunião.

Fala-se em Moscou do “efeito Mistral” – nome dos quatro porta-helicópteros que a França vai lhe fornecer. Através de sua subsidiária Renault Trucks Defense, a Renault apresentou no salão Interpolitex de Moscou um novo blindado ligeiro, o Sherpa, muito esperado pelos russos.

“Os russos são conscientes de sua inferioridade, garante Thomas Gomart. Quando eles viram em ação os meios franceses e britânicos engajados na Líbia, compreenderam que eram incapazes de fazer o mesmo”.

Nada a ver com as formidáveis despesas e pífios resultados russos na guerra da Geórgia em 2008.

O todo-poderoso presidente Vladimir Putin disse a Hollande que enquanto as aquisições militares russas na França atingiriam 28 bilhões de euros, na Alemanha iriam para 72 bilhões, ou seja, 2,5 vezes o material francês. 

Tudo isso para ser usado um dia contra uma Europa que se desarma.
Luis Dufaur, escritor, edita o blog Flagelo Russo.

UM ENGODO CHAMADO MÉTODO PAULO FREIRE

A ressurreição da múmia comunista chamada Paulo Freire não se observa apenas nos campi cada vez mais estéreis das faculdades, mas também nos campos improdutivos do “messetê”.

Em 1943, foi introduzida no Brasil a Cruzada ABC (Ação Básica Cristã), com sede em Recife, Pernambuco. A Cruzada era um programa de alfabetização baseado no Método Laubach, que incluía, ainda, a bolsa-escola para famílias pobres. (E ainda dizem que o pernambucano Cristovam Buarque, que, com certeza, conhecia o Método Laubach, é o criador do bolsa-escola.) O missionário norte-americano Frank Charles Laubach desenvolveu seu método de alfabetização de adultos inicialmente nas Filipinas, onde, em 30 anos, conseguiu alfabetizar 60% de sua população.

No Brasil, o Método Laubach foi deturpado e substituído pelo Método Paulo Freire:

“Concomitante e subitamente, começaram a aparecer em Pernambuco cartilhas semelhantes às de Laubach, porém com teor filosófico totalmente diferente. As de Laubach, de cunho cristão, davam ênfase à cidadania, à paz social, à ética pessoal, ao cristianismo e à existência de Deus. As novas cartilhas, utilizando idêntica metodologia, davam ênfase à luta de classes, à propaganda da teoria marxista, ao ateísmo e a conscientização das massas à sua ‘condição de oprimidas’. O autor dessas outras cartilhas era o genial Sr. Paulo Freire, diretor do Sesi, que emprestou seu nome à essa ‘nova metodologia’ - da utilização de retratos e palavras na alfabetização de adultos - como se a mesma fosse da sua autoria” (David Gueiros Vieira, in Método Paulo Freire ou Método Laubach?).

O Movimento de Educação de Base (MEB) era uma organização criada pela Igreja Católica, financiada pelo governo João Goulart e administrada por militantes da esquerda católica, muitos dos quais eram membros da Ação Popular, que mais tarde se tornaria um grupo terrorista e promoveria um atentado no Aeroporto de Guararapes, Recife, em 1966. Baseado nas ideias marxistas de Paulo Freire, autor do livro pauleira Pedagogia do Oprimido, o MEB funcionava através de escolas radiofônicas, sob a direção de um líder local (padre ou camponês), em contato com as Ligas Camponesas.

Afinal, o que vem a ser o Método Paulo Freire, tão enaltecido pelos esquerdistas que tomaram de assalto as salas de aula das escolas e das universidades brasileiras? Ninguém melhor do que o historiador Paul Johnson para explicar esse engodo da mais pura ideologia marxista:

“O professor brasileiro Paulo Freire (...) descobriu que qualquer adulto pode aprender a ler em quarenta horas suas primeiras palavras que conseguir decifrar se estiverem carregadas de significação política; (...) apenas a mobilização de toda a população pode conduzir à cultura popular. As escolas são contraprodutivas (...) O melhor caminho a seguir é um rompimento com a educação institucional rumo à educação popular. O método se baseia no uso de palavras e expressões empregadas conscientemente de forma dúbia e duvidosa, de acordo com o conceito que seu autor tem de ‘educação libertadora’ e que pode ser assim resumido no conhecido jargão esquerdista: ‘(...) há uma incompatibilidade estrutural entre os interesses da classe dominante e a verdade...; a verdade está do lado dos oprimidos e não pode ser conquistada senão na luta contra a classe dominante...; a verdade é revolucionária, não deve ser buscada e sim feita’ ” 
(Paul Johnson, in Inimigos da Sociedade - cit. COUTO, 1984: 39).

“O avanço do processo revolucionário comunista antes de Março de 1964, na área da educação, foi em grande parte creditado ao uso do Método Paulo Freire, que tem potencial para materializar, com inegável eficiência, aquela afirmativa de Fred Schwarz: ‘O primeiro passo na formação de um comunista é a sua desilusão com o capitalismo’. Hoje, o método e seu autor vêm sendo reabilitados em vários pontos do país, aparentemente com a mesma função revolucionária de antes. A alfabetização que propicia, baseada nas condições reais em que vive o aluno, explora largamente as contradições internas da sociedade para desmoralizar o capitalismo, e através dele a democracia, deixando a porta aberta para a opção socialista”. 
(COUTO, 1984: 38-9) 

A ressurreição da múmia comunista chamada Paulo Freire não se observa apenas nos campi cada vez mais estéreis das faculdades, mas também nos campos improdutivos do “messetê”: 

“De acordo com os ideais socialistas e coletivos, calcados no princípio da solidariedade, o projeto educacional do MST tem como base teórica Paulo Freire, Florestan Fernandes, Che Guevara, o cubano José Martí, o russo A. Makarenko e clássicos como Marx, Engels, Mao Tsé-Tung e Gramsci”.
(revista Sem Terra, Out-Nov-Dez 1997, pg. 27).

Periodicamente, o mito de palha, que foi secretário de Educação do governo Luíza Erundina na cidade de São Paulo, é incensado na mídia para adoração, como o artigo da Gazeta do Povo, de 19/01/2013, Pela união na construção do saber. Sem direito a contraditório.

Em 2012, o plagiário de Laubach foi declarado por lei patrono da educação brasileira. Não há nome melhor para explicar o grau de mediocridade de nossas escolas e universidades, principalmente as faculdades ligadas à área da educação.

Nota: COUTO, A. J. Paula. O desafio da subversão. Impresso na Gráfica FEPLAM, Porto Alegre, RS, 1984. Por: POR FÉLIX MAIER