sexta-feira, 5 de abril de 2013

INTELECTUAIS E RAÇA - O ESTRAGO INCORRIGÍVEL


Há tantas falácias ditas sobre raça, que é difícil escolher qual é a mais ridícula. No entanto, uma falácia que costuma se sobressair é aquela que afirma haver algo de errado com o fato de que as diferentes raças são representadas de forma numericamente desproporcional em várias instituições, carreiras ou em diferentes níveis de renda e de feitos empreendedoriais.

Cem anos atrás, o fato de pessoas de diferentes antecedentes raciais apresentarem taxas de sucesso extremamente discrepantes em termos de cultura, educação, realizações econômicas e empreendedoriais era visto como prova de que algumas raças eram geneticamente superiores a outras.

Algumas raças eram consideradas tão geneticamente inferiores, que a eugenia foi proposta como forma de reduzir sua reprodução. O antropólogo Francis Galton chegou a exortar "a gradual extinção de uma raça inferior".

E as pessoas que diziam essas coisas não eram meros lunáticos extremistas. Muitos deles eram Ph.D.s oriundos de várias universidades de ponta, lecionavam nas principais universidades do mundo e eram internacionalmente reputados.

Reitores da Universidade de Stanford e do MIT estavam entre os vários acadêmicos defensores de teorias sobre inferioridade racial — as quais eram aplicadas majoritariamente aos povos do Leste Europeu e do sul da Europa, uma vez que, à época, era dado como certo o fato de que os negros eram inferiores.

E este não era um assunto que dividia esquerda e direita. Os principais proponentes de teorias sobre superioridade e inferioridade genética eram figuras icônicas da esquerda, de ambos os lados do Atlântico.

John Maynard Keynes ajudou a criar a Sociedade Eugênica de Cambridge. Intelectuais adeptos do socialismo fabiano, como H.G. Wells e George Bernard Shaw, estavam entre os vários esquerdistas defensores da eugenia.

Foi praticamente a mesma história nos EUA. O presidente democrata Woodrow Wilson, como vários outros progressistas da época, eram sólidos defensores de noções de superioridade e inferioridade racial. Ele exibiu o filme O Nascimento de uma Nação, que glorificava a Ku Klux Klan, na Casa Branca, e convidou vários dignitários para a sessão.

Tais visões dominaram as primeiras duas décadas do século XX. 

Agora, avancemos para as últimas décadas do século XX. A esquerda política desta era já havia se movido para o lado oposto do espectro das questões raciais. No entanto, ela também considerava que as diferenças de sucesso entre grupos étnicos e raciais era algo atípico, e clamava por uma explicação única, vasta e arrebatadora.

Desta feita, em vez de os genes serem a razão predominante para as diferenças nos êxitos pessoais, o racismo se tornou o motivo que explicava tudo. Mas o dogmatismo continuava o mesmo. Aqueles que ousassem discordar, ou até mesmo questionar o dogma predominante em ambas as eras, era tachado de "sentimentalista" no início do século XX e de "racista" na era multicultural.

Tanto os progressistas do início do século XX quanto os novos progressistas do final do século XX partiram da mesma falsa premissa — a saber, que há algo de estranho quando diferentes grupos raciais e étnicos alcançam diferentes níveis de realizações.

No entanto, o fato é que minorais raciais e étnicas sempre foram as proprietárias — ou gerentes — de mais da metade de todas as principais indústrias de vários países. Dentre estas minorias bem-sucedidas, temos os chineses na Malásia, os libaneses na África Ocidental, os gregos no Império Otomano, os bretões na Argentina, os indianos em Fiji, os judeus na Polônia, os espanhóis no Chile — entre vários outros.

Não apenas diferentes grupos raciais e étnicos, como também nações e civilizações inteiras apresentaram níveis de realizações extremamente distintos ao longo dos séculos. A China do século XV era muito mais avançada do que qualquer país europeu. Com o tempo, no entanto, os europeus ultrapassaram os chineses — e não há nenhuma evidência de ter havido alterações nos genes de nenhuma destas civilizações.

Dentre os vários motivos para estes diferentes níveis de realizações está algo tão simples quanto a idade. A média de idade na Alemanha e no Japão é de mais de 40 anos, ao passo que a média de idade no Afeganistão e no Iêmen é de menos de 20 anos. Mesmo que as pessoas destes quatro países tivessem absolutamente o mesmo potencial intelectual, o mesmo histórico, a mesma cultura — e os países apresentassem rigorosamente as mesmas características geográficas —, o fato de que as pessoas de determinados países possuem 20 anos a mais de experiência do que as pessoas de outros países ainda seria o suficiente para fazer com que resultados econômicos e pessoais idênticos sejam virtualmente impossíveis.

Acrescente o fato de que diferentes raças se desenvolveram em diferentes arranjos geográficos, os quais apresentaram oportunidades e restrições extremamente diferenciadas ao seu desenvolvimento, e as conclusões serão as mesmas.

No entanto, a ideia de que diferentes níveis de realização são coisas atípicas — se não sinistras — tem sido repetida ad nauseam pelos mais diferenciados tipos de pessoas, desde o demagogo de esquina até as mais altas eminências do Supremo Tribunal.

Quando finalmente reconhecermos que as grandes diferenças de realizações entre as raças, nações e civilizações têm sido a regra, e não a exceção, ao longo de toda a história escrita, restará ao menos a esperança de que haja pensamentos mais racionais — e talvez até mesmo alguns esforços construtivos para ajudar todas as pessoas a progredirem.

Até mesmo um patriota britânico como Winston Churchill certa vez disse que "Devemos Londres a Roma" — um reconhecimento de que foram os conquistadores romanos que criaram a mais famosa cidade britânica, em uma época em que os antigos bretões eram incapazes de realizar esta façanha por conta própria.

Ninguém que conhecesse os iletrados e atrasados bretões daquela era poderia imaginar que algum dia os britânicos criariam um império vastamente maior do que o Império Romano — um império que abrangeria um quarto de toda a área terrestre do globo e um quarto dos seres humanos do planeta.

A história apresenta vários exemplos dramáticos de ascensão e queda de povos e nações, por uma variada gama de motivos conhecidos e desconhecidos. Mas há um fenômeno que não possui confirmação histórica, um fenômeno que, não obstante esta ausência de exemplos práticos, é hoje presumido como sendo a norma: igualdade de realizações grupais em um dado período do tempo.

As conquistas romanas tiveram repercussões históricas por séculos após a queda do Império Romano. Um dos vários legados da civilização romana foi o alfabeto latino, o qual gerou versões escritas dos idiomas da Europa ocidental séculos antes de os idiomas do Leste Europeu serem transformados em letras. Esta foi uma das várias razões por que a Europa ocidental se tornou mais desenvolvida que a Europa Oriental em termos econômicos, educacionais e tecnológicos.

Enquanto isso, as façanhas de outras civilizações — tanto da China quanto do Oriente Médio — ocorreram muito antes das façanhas do Ocidente, embora a China e o Oriente Médio posteriormente viessem a perder suas vantagens.

Há tantas reviravoltas documentadas ao longo da história, que é impossível acreditar que um único fator sobrepujante seja capaz de explicar tudo, ou quase tudo, do que já aconteceu ou do que está acontecendo. O que realmente se sabe é que raramente, para não dizer nunca, ocorreram façanhas iguais alcançadas por diferentes pessoas ao mesmo tempo.

No entanto, o que mais temos hoje são grupos de interesse e movimentos sociais apresentando estatísticas — que são solenemente repercutidas pela mídia — alegando que, dado que os números não são aproximadamente iguais para todos, isso seria uma prova de que alguém foi discriminatório com outro alguém.

Se os negros apresentam diferentes padrões ocupacionais ou diferentes padrões gerais em relação aos brancos, isso já basta para despertar grandes suspeitas entre os sociólogos — ainda que diferentes grupos de brancos sempre tenham apresentado diferentes padrões de realizações entre si.

Quando os soldados americanos da Primeira Guerra Mundial foram submetidos a exames mentais durante a Primeira Guerra Mundial, aqueles homens de ascendência alemã pontuaram mais alto do que aqueles de ascendência irlandesa, sendo que estes pontuaram mais alto do que aqueles que eram judeus. Carl Brigham, o pioneiro do campo da psicometria, disse à época que os resultados dos exames mentais do exército tendiam a "desmentir a popular crença de que o judeu é altamente inteligente".

Uma explicação alternativa é que a maioria dos imigrantes alemães se mudou para os EUA décadas antes da maioria dos imigrantes irlandeses, os quais por sua vez se mudaram para os EUA décadas antes da maioria dos imigrantes judeus. Alguns anos depois, Brigham viria a admitir que a maioria dos mais recentes imigrantes havia sido criada em lares onde o inglês não era a língua falada, e que suas conclusões anteriores, em suas próprias palavras, "não possuíam fundamentos".

Nessa época, os judeus já estavam pontuando acima da média nacional dos exames mentais, e não abaixo. 

Disparidades entre pessoas do mesmo grupo, em qualquer área que seja, não são obviamente uma realidade imutável. Mas uma igualdade geral de resultados raramente já foi testemunhada em qualquer período da história — seja em termos de habilidades laborais ou em termos de taxas de alcoolismo ou em termos de quaisquer outras diferenças — entre aqueles vários grupos que hoje são ajuntados e classificados como "brancos".

Sendo assim, por que então as diferenças estatísticas entre negros e brancos produzem afirmações tão dogmáticas — e geram tantas ações judiciais e trabalhistas por discriminação — sendo que a própria história mostra que sempre foi comum que diferentes grupos seguissem diferenciados padrões ocupacionais ou de comportamento?

Um dos motivos é que ações judiciais não necessitam de nada mais do que diferenças estatísticas para produzir vereditos, ou acordos fora de tribunais, no valor de vultosas somas monetárias. E o motivo de isso ocorrer é porque várias pessoas aceitam a infundada presunção de que há algo de estranho e sinistro quando diferentes pessoas apresentam diferentes graus de êxito pessoal.

O desejo de intelectuais de criar alguma grande teoria que seja capaz de explicar padrões complexos por meio de algum simples e solitário fator produziu várias ideias que não resistem a nenhum escrutínio, mas que não obstante têm aceitação generalizada — e, algumas vezes, consequências catastróficas — em vários países ao redor do mundo.

A teoria do determinismo genético, que predominou no início do século XX, levou a várias consequências desastrosas, desde a segregação racial até o Holocausto. A teoria atualmente predominante é a de que algum tipo de maldade explica as diferenças nos níveis de realizações entre os vários grupos étnicos e raciais. Se os resultados letais desta teoria hoje em voga gerariam tantas mortes quanto no Holocausto é uma pergunta cuja resposta requereria um detalhado estudo sobre a história de rompantes letais contra determinados grupos odiados por causa de seu sucesso.

Estes rompantes letais incluem a homicida violência em massa contra os judeus na Europa, os chineses no sudeste asiático, os armênios no Império Otomano, e os Ibos na Nigéria, entre outros. Exemplos de chacinas em massa baseadas em classes sociais e voltadas contra pessoas bem-sucedidas vão desde os extermínios stalisnistas do kulaks na União Soviética até a limpeza promovida por Pol Pot de pelo menos um quarto da população do Camboja pelo crime de serem pessoas cultas e de classe média, crime este que era evidenciado por sinais tão tênues quanto o uso de óculos.

Minorias que se sobressaíram e se tornaram mais bem-sucedidas do que a população geral são aquelas cujo progresso provavelmente em nada está ligado ao fato de terem ou não discriminado as maiorias politicamente dominantes. No entanto, foram exatamente estas minorias que atraíram as mais violentas perseguições ao longo dos séculos e dos países ao redor do mundo.

Todos os negros que foram linchados durante toda a história dos EUA não chegam ao mesmo número de homicídios cometidos em apenas um ano contra os judeus na Europa, contra os armênios no Império Otomano ou contra os chineses no sudeste asiático.

Há algo inerente aos sucessos de determinados grupos que inflama as massas em épocas e lugares tão distintos. O que seria? Esse fenômeno inflama não apenas as massas, como também leva a genocídios cometidos por governos, como os da Alemanha nazista ou o regime de Pol Pot no Camboja. Podemos apenas especular as razões, mas não há como fugir desta realidade.

Aqueles grupos que ficam para trás frequentemente culpam seu atraso nas malfeitorias cometidas por aqueles grupos mais bem-sucedidos. Dado que a santidade não é comum a nenhum ramo da raça humana, é óbvio que nunca haverá escassez de pecados a serem mencionados, inclusive a arrogância e a insolência daqueles que calham de estar no topo em um determinado momento. Mas a real pergunta a ser feita é se esses pecados — reais ou imaginários — são de fato o motivo destes diferentes níveis de êxitos pessoais.

O problema é que os intelectuais — pessoas de quem normalmente esperaríamos análises racionais que se contrapusessem à histeria das massas — frequentemente sempre estiveram na vanguarda daqueles movimentos que promovem a inveja e o ressentimento contra os bem-sucedidos. Tal comportamento é especialmente perceptível naquelas pessoas que possuem diplomas mas que não possuem nenhuma habilidade economicamente significativa que lhes permita obter aquele tipo de recompensa que elas esperavam ou julgavam ter o direito de auferir.

Tais pessoas sempre se destacaram como líderes e seguidoras de grupos que promoveram políticas anti-semitas na Europa entre as duas guerras mundiais, o tribalismo na África, e as mudanças sociais no Sri Lanka, um país que, outrora famoso por sua harmonia intergrupal, se rebaixou, por influência de intelectuais, à violência étnica e depois se degenerou em uma guerra civil que durou décadas e produziu indescritíveis atrocidades.

Intelectuais sempre estiveram por trás da inflamação de um grupo contra outros, promovendo a discriminação e a violência física em países tão díspares quanto Índia, Hungria, Nigéria, Tchecoslováquia e Canadá.

Tanto a teoria do determinismo genético como sendo a causa dos diferentes níveis de realizações pessoais quanto a teoria da discriminação como o motivo destas diferenças, ambas contraditórias e criadas por intelectuais, geraram apenas polarizações raciais e étnicas. O mesmo pode ser dito da ideia de que uma dessas teorias tem de ser a verdadeira.

Essa falsa dicotomia de que uma delas tem de ser a verdadeira deixa aos grupos mais bem-sucedidos duas opções: ou eles se assumem arrogantes ou se assumem culpados criminalmente. Da mesma forma, deixa aos grupos menos exitosos a opção entre acreditar que sempre foram inerentemente inferiores durante toda a história ou que são vítimas da inescrupulosa maldade de terceiros.

Quando inumeráveis fatores fazem com que a igualdade de resultados seja virtualmente impossível, reduzir estes fatores a uma questão de genes ou de maldade é a fórmula perfeita para se gerar uma desnecessária e perigosa polarização, cujas consequências frequentemente são escritas em sangue ao longo das páginas da história.

Dentre as várias e ignaras ideias a respeito de grupos raciais e étnicos que polarizaram as sociedades durante séculos e ao redor de todo o mundo, poucas foram mais irracionais e contraproducentes do que os atuais dogmas do multiculturalismo.

Aqueles intelectuais que imaginam que, ao utilizar uma retórica multicultural que redefine e até mesmo revoga o conceito de atraso, estarão ajudando grupos raciais e étnicos que ficaram para trás estão, na realidade, levando estas pessoas para um beco sem saída.

O multiculturalismo é um tentador paliativo aplicado àqueles grupos que ficaram para trás porque ele simplesmente afirma que todas as culturas são iguais, ou "igualmente válidas", em algum sentido vago e sublime. De acordo com este dogma, as características culturais de todas as etnias e raças seriam apenas diferentes — nem melhores nem piores.

No entanto, tomar emprestadas características particulares de outras culturas — como os algarismos arábicos que substituíram os algarismos romanos, mesmo nas culturas ocidentais oriundas de Roma — implica que algumas características não são simplesmente diferentes, mas sim melhores, inclusive os números utilizados. Algumas das mais avançadas culturas de toda a história pegaram emprestados comportamentos e características de outras culturas; e isso pelo simples fato de que até hoje nenhuma coleção única de seres humanos foi capaz de criar as melhores respostas para todas as questões da vida.

Todavia, dado que os multiculturalistas veem todas as culturas como sendo iguais ou "igualmente válidas", eles não veem nenhuma justificativa para as escolas insistirem, por exemplo, que as crianças negras aprendam seu idioma materno. Em vez disso, cada grupo é estimulado a se apegar ferreamente à sua própria cultura e a se orgulhar de suas próprias glórias passadas, reais ou imaginárias.

Em outras palavras, membros de grupos minoritários que são atrasados educacionalmente e economicamente devem continuar se comportando no futuro como sempre se comportaram no passado — e, se eles não conseguirem os mesmos resultados dos outros, então a culpa é da sociedade. Essa é a mensagem principal do multiculturalismo.

George Orwell certa vez disse que algumas ideias são tão insensatas, que somente um intelectual poderia acreditar nelas. O multiculturalismo é uma dessas ideias. A intelligentsia sempre irrompe em indignação e ultrajes a qualquer "diferença" ou "disparidade" de resultados educacionais, econômicos ou outros — e denuncia qualquer explicação cultural para esta diferença de resultados como sendo uma odiosa tentativa de "culpar a vítima".

Não há dúvidas de que algumas raças ou até mesmo nações inteiras foram vitimadas por terceiros, assim como não há dúvida de que câncer pode causar morte. Porém, isso é muito diferente de dizer que as mortes podem automaticamente ser imputadas ao câncer. Você pode pensar que intelectuais seriam capazes de fazer essa distinção. Mas muitos não são.

Ainda assim, intelectuais se veem a si próprios como amigos, aliados e defensores das minorias raciais, ao mesmo tempo em que empurram as minorias para a estagnação cultural. Isso permite à intelligentsia se congratular e se lisonjear de que estão ao lado dos anjos contra as forças do mal que estão conspirando para manter as minorias oprimidas.

Por que pessoas com altos níveis de capacidade mental e de talentos retóricos se entregam a este tipo de raciocínio deturpado é um mistério. Talvez seja porque elas não conseguem abrir mão de uma visão social que é extremamente lisonjeira para eles próprios, não obstante quão deletéria tal visão possa ser para as pessoas a quem elas alegam estar ajudando.

O multiculturalismo, assim como o sistema de castas, encurrala e amarra as pessoas naquele mesmo segmento cultural e social no qual elas nasceram. A diferença é que o sistema de castas ao menos não alega beneficiar aqueles que estão na extremidade inferior.

O multiculturalismo não serve apenas aos interesses ególatras dos intelectuais; ele serve também aos interesses de políticos que têm todos os incentivos para promover uma sensação de vitimização — e até mesmo de paranóia — entre grupos de cujos votos eles precisam em troca de apoio material e psicológico.

A visão multicultural do mundo também serve aos interesses daqueles que estão na mídia e que prosperam ao explorar os melodramas morais. O mesmo pode ser dito de todos os departamentos universitários voltados para estudos étnicos e sociais, bem como de toda a indústria de assistentes sociais, de especialistas em "diversidades" e da ampla gama de vigaristas que prosperam ao fazer proselitismo racial.

Os maiores perdedores de toda essa história são aqueles membros das minorias raciais que se permitem ser conduzidos para esse beco sem saída do ressentimento e da raiva, mesmo quando há várias outras avenidas de oportunidades disponíveis. E todos nós perdemos quando a sociedade fica polarizada.

Thomas Sowell , um dos mais influentes economistas americanos, é membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford. Seu website: www.tsowell.com.

PROPOSTAS PARA UMA REFORMA BANCÁRIA COMPLETA E ESTABILIZADORA


A crise financeira mundial vem explicitando a instabilidade do nosso atual sistema bancário, que opera sob reservas fracionárias. Após o estouro da bolha imobiliária americana, vários bancos faliram nos EUA, o que levou o governo americano a utilizar dinheiro público para trazer alguma estabilidade ao setor. Na Europa, a situação segue caótica. Sempre que a situação parece estar se tranquilizando, surgem novas notícias de que algum grande banco de algum país está insolvente e necessitando de novos pacotes de socorro. Caso tal pacote de socorro não seja concedido, o temor é o de que todo o sistema bancário do país pode se tornar insolvente — o que, por conseguinte, pode contaminar os bancos de todo o continente.

As causas das crises bancárias são as mesmas: os bancos detêm o privilégio de criar dinheiro do nada para conceder crédito para empresas e para pessoas físicas. Durante o processo de expansão artificial do crédito — orquestrado pelo Banco Central em conjunto com o sistema bancário de reservas fracionárias —, uma bolha especulativa é desencadeada, dando início a uma fase de crescimento econômico que, nas palavras do próprio Alan Greenspan, pode ser caracterizada por uma "exuberância irracional". 

Esta fase da expansão creditícia provoca uma série de desequilíbrios e descoordenações na economia real, fazendo com que vários projetos e empreendimentos de longo prazo, que antes da expansão do crédito se mostravam desvantajosos, se tornem agora, por causa da queda dos juros, aparentemente (muito) lucrativos. A expansão do crédito gera um aumento da quantidade de dinheiro na economia. Como consequência, a renda nominal das pessoas aumenta, o que gera nos empreendedores a crença de que haverá demanda futura para seus investimentos de longo prazo.

No entanto, por causa desta inflação monetária, os preços dos bens e serviços na economia começam a subir, o que leva o Banco Central a subir os juros e os bancos a cobrarem mais caro por seus empréstimos. No final deste ciclo, quando a expansão creditícia — que não pode se perpetuar para sempre — for desacelerada, a realidade virá à tona, o mercado inevitavelmente apontará os erros cometidos durante esta época de exuberância, e todos os empreendimentos que foram iniciados porque pareciam lucrativos revelar-se-ão excessivamente ambiciosos e acabarão sendo um grande desperdício. 

A redução da expansão do crédito faz com que a renda nominal dos consumidores, que até então era crescente, se estagne. Como os preços ainda seguem crescendo, e como os consumidores estão mais endividados, sua capacidade de consumo estará afetada. A demanda esperada para os investimentos não se concretiza. 

Vários bens de capital produzidos durante o período da euforia, bem como vários empreendimentos imobiliários, se tornam ociosos, revelando que sua produção foi um erro e um esbanjamento desnecessário (o que os fez ser distribuídos incorretamente no tempo e no espaço) porque os empreendedores se deixaram enganar pela abundância do crédito, pela facilidade de seus termos e pelos juros baixos estipulados pelas autoridades monetárias.

O resultado de tudo isso é que o padrão de vida dos consumidores não aumentou em nada. Pelo contrário: os consumidores estão agora relativamente mais pobres em decorrência de todos estes investimentos errôneos e insustentáveis que foram empreendidos em decorrência da expansão artificial do crédito, investimentos estes que imobilizaram capital e recursos escassos para seus projetos, recursos estes que agora não mais estão disponíveis para serem utilizados em outros setores da economia. No geral, a economia está agora com menos capital e menos recursos escassos disponíveis. 

Todos estes empreendimentos que foram iniciados porque pareciam lucrativos não teriam sido feitos caso não houvesse ocorrido uma expansão artificial do crédito. Tais empreendimentos não foram financiados por um aumento na poupança real dos cidadãos. Ninguém reduziu seu consumo para que recursos escassos fossem liberados para ser utilizados nestes empreendimentos. Tudo foi possibilitado pela simples criação de dinheiro pelos bancos. A criação de dinheiro pelo sistema bancário faz com que haja uma disputa por recursos: de um lado, consumidores aumentam seu consumo; de outro, empreendedores aumentam seus investimentos. O resultado é que os preços e salários da economia aumentam.

Quando a expansão creditícia é interrompida e o processo de reajuste é estabelecido, as empresas que fizeram os investimentos errôneos entram em dificuldades financeiras. Consequentemente, elas começam a ter dificuldades em quitar seus empréstimos tomados junto aos bancos. Muitas dão o calote. Isso faz com que os bancos sofram reduções no valor de seus ativos (empréstimos são ativos). Caso se torne óbvio que um determinado banco está em dificuldades, seus correntistas podem querer sacar o dinheiro de suas contas, levando o banco imediatamente à falência. A quebra de um banco pode gerar um efeito dominó, levando à queda de todo o sistema bancário.

A resposta a esse tipo de crise financeira e bancária sempre envolve um aumento da regulamentação estatal sobre os bancos, como um aumento das exigências de capital e da proibição de determinadas operações. Mas tais medidas apenas atacam os sintomas, deixando impávida a raiz real do problema: a capacidade dos bancos, com o aval e com o incentivo do governo, de criar dinheiro do nada para expandir o crédito.

A reforma bancária

No capítulo 9 do meu livro Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos, apresento um detalhado processo de transição rumo à única ordem financeira que, sendo totalmente compatível com o sistema de livre iniciativa, pode eliminar as crises financeiras e as recessões econômicas que ciclicamente afetam as economias mundiais. Tal proposta de reforma financeira internacional é, obviamente, extremamente relevante em nossa época atual, tendo em vista os recentes acontecimentos no sistema bancário europeu. Como explico em detalhes ao longo dos nove capítulos do meu livro, qualquer reforma futura irá fracassar tão miseravelmente quanto as reformas passadas caso ela não ataque as raízes dos problemas atuais e seja baseada nos seguintes princípios:


1. Abolição da prática das reservas fracionárias e o restabelecimento de 100% de reservas para todos os depósitos em conta-corrente e demais depósitos que na prática funcionem como conta-corrente (como aqueles depósitos em poupança que podem ser movimentados por meio de cheque ou cartão de débito);

2. Abolição dos bancos centrais, que, além de serem intrinsecamente perniciosos por atuarem como uma agência de planejamento central, também estimulam e intensificam o risco moral ao funcionarem como emprestadores de última instância. Adicionalmente, um banco central se torna imediatamente desnecessário caso o primeiro princípio seja aplicado; e

3. Desestatização do dinheiro, que atualmente nada mais é do que uma moeda fiduciária, sem nenhum lastro, emitida monopolisticamente pelo estado, sem nenhuma restrição. Deve haver completa liberdade de escolha da moeda (a tendência é que o ouro seja a escolha predominante).

Esta reforma radical e definitiva marcaria essencialmente a culminação da queda do Muro de Berlim e do real socialismo, uma vez que ela significaria a aplicação dos mesmos princípios de liberalização e de propriedade privada àquela esfera — setor bancário e monetário — que até hoje é sinônimo de planejamento central (pois controlada pelos bancos "centrais"), de extremo intervencionismo (o governo estipula a taxas de juros e impõe todo um emaranhado de regulamentações ao setor), e de monopólio estatal (as leis de curso forçado, as quais impõem a aceitação obrigatória do papel-moeda fiduciário emitido pelo estado) — medidas com desastrosas consequências, como temos visto.

Devo enfatizar que o processo de transição — descrito detalhadamente em meu livro, e sintetizado na próxima seção — também permite, desde o início, a estabilização imediata do sistema bancário, impedindo o seu atual colapso e a inevitável contração monetária que ainda pode ocorrer se os bancos continuarem tendo seus empréstimos caloteados e se, em um ambiente de crescente perda de confiança no sistema bancário, os correntistas decidirem sacar um significativo volume de depósitos bancários. Mais ainda: ele permite a total, ou quase total, abolição da dívida pública do país.

O que fazer

Este objetivo — a estabilização do sistema bancário —, o qual os governos ocidentais estão desesperadamente tentando alcançar por meio dos mais variados e pirotécnicos planos (que envolvem a compra maciça de ativos "tóxicos" em posse dos bancos, como hipotecas caloteadas; uma impossível garantia federal a todos os depósitos bancários; e até mesmo a total estatização do sistema bancário), poderia ser alcançado muito mais rapidamente e efetivamente, e de maneira muito menos danosa para a economia de mercado, se a primeira medida da minha proposta de reforma fosse imediatamente implantada: lastrear a quantidade total de depósitos bancários à vista (em conta-corrente e equivalentes) com dinheiro. 

Mais especificamente, o banco central imprimiria e daria aos bancos a quantidade de cédulas necessárias para lastrear 100% dos depósitos bancários. Obviamente, essa impressão de dinheiro não seria de modo algum inflacionária, pois este novo dinheiro iria para os cofres dos bancos e ali permaneceria não com o intuito de ser emprestado, mas sim de satisfazer qualquer necessidade de saques, retiradas e transferências.

Concomitantemente, todos os outros ativos bancários (empréstimos pendentes, investimentos, títulos do governo etc.) nos balancetes dos bancos seriam transformados em quotas de fundos de investimento, cujo gerenciamento passaria então a ser a principal atividade dos bancos.

E quem serão os proprietários destas quotas destes fundos de investimento? A proposta é que seus proprietários sejam aqueles que estão hoje em posse de títulos da dívida do governo. A ideia é simples: os proprietários dos títulos do governo abririam mão deles e, em troca, receberiam quotas de valor correspondente nestes fundos de investimento. Os títulos da dívida do governo seriam consequentemente cancelados.

Esta medida eliminaria, se não toda, ao menos uma grande parte da dívida pública do país, algo que beneficiaria todos os cidadãos, uma vez que dali em diante eles não mais teriam de pagar impostos para arcar com o serviço da dívida. Adicionalmente, os atuais detentores destes títulos do governo não seriam afetados, pois a atual renda fixa que eles auferem com os títulos seria substituída por quotas que, desde o momento da reforma, já teriam um valor de mercado e uma taxa de retorno conhecidos. No que mais, existem outros passivos governamentais (por exemplo, as pensões da Previdência Social) que também podem ser convertidos em títulos e consequentemente trocados por quotas nestes novos fundos de investimento, com efeitos econômicos altamente benéficos.

Teríamos então a seguinte situação:

a) Depósitos à vista (conta-corrente e outros que funcionem como conta-corrente) 100% lastreados por cédulas de dinheiro (sendo que esta porcentagem tem de ser mantida sob toda e qualquer circunstância);

b) Todos os outros ativos bancários transformados em fundos mútuos e gerenciados pelos bancos. Títulos da dívida do governo que estavam em posse dos bancos são cancelados e abolidos de seus balancetes.

Deste ponto em diante, a atividade dos bancos consistiria em gerenciar os fundos de investimento criados com seus ativos. Empréstimos seriam concedidos normalmente: um depositante compraria novas quotas nestes fundos (nada mais que um depósito a prazo) e o banco investiria este dinheiro, emprestando para empresas e pessoas físicas. Durante o período do empréstimo, o emprestador obviamente não teria como utilizar seu dinheiro. Adicionalmente, os bancos continuariam incorrendo naquelas outras atividades legítimas que eles sempre praticaram, como transferências bancárias, pagamento de contas e demais serviços, podendo cobrar os correspondentes preços de mercado por estes serviços.

Deste ponto em diante, com os bancos operando com 100% de reservas, a expansão artificial do crédito iria desaparecer completamente. Nesta etapa, o banco central estaria limitado a aumentar a oferta monetária em uma pequena porcentagem — sugere-se 2% ao ano, que é a taxa histórica do crescimento da oferta mundial de ouro —, sendo que este aumento seria utilizado para financiar uma fatia dos gastos do governo. De forma alguma este dinheiro poderá ser usado para fazer operações de mercado aberto (ou seja, manipular os juros) ou para expandir o crédito. 

Estas reformas levariam à quase completa eliminação das crises financeiras e das recessões econômicas. A partir deste estágio, o comportamento dos poupadores, consumidores e empreendedores no livre mercado estaria estreitamente coordenado pelas taxas de juros naturalmente formadas no mercado de poupança e empréstimo.

O estabelecimento de um sistema bancário com 100% de reservas é uma condição necessária para a abolição definitiva do banco central, que seria a etapa final. Com efeito, tão logo o sistema bancário esteja subordinado aos mesmos princípios jurídicos que governam todos os outros empreendimentos (como a proibição de fraude e de falsificação de dinheiro, e o respeito à propriedade alheia), a completa liberdade bancária — com plena liberdade de entrada e de concorrência no setor — deve ser permitida, e o banco central deve ser abolido. 

A abolição do banco central exigirá que o atual dinheiro fiduciário, o qual apenas o banco central tem o poder de emitir, seja substituído por uma forma de dinheiro privado. É impossível dar um salto no escuro e do nada estabelecer um padrão monetário artificial que não tenha surgido ao longo de um processo evolucionário. Sendo assim, a nova forma de dinheiro provavelmente irá consistir naquele elemento que a humanidade historicamente sempre considerou como sendo dinheiro por excelência: o ouro.

(Como exatamente poderá ser feita esta transição do dinheiro de papel para o ouro é um outro debate, também coberto em meu livro).

Concluo esta seção com um importante alerta: naturalmente (e nunca é demais ser repetitivo), esta solução que proponho só é válida em um contexto de uma irrevogável decisão de se estabelecer um sistema bancário sujeito a 100% de reservas sobre depósitos à vista. Qualquer uma das reformas mencionadas acima, caso adotada sem a prévia e resoluta convicção de se alterar o sistema bancário e financeiro da maneira sugerida, seria totalmente desastrosa: um sistema bancário que continuasse operando com reservas fracionárias (orquestrado por um banco central) iria gerar — em um efeito cascata, em decorrência do dinheiro criado para lastrear os depósitos — uma expansão inflacionária sem precedentes na história, uma que certamente poderia aniquilar todo o nosso sistema econômico.

Benefícios

Além da redução drástica da dívida pública (e, dependendo, da resolução do problema previdenciário), quais os benefícios de um sistema bancário com 100% de reservas, cuja moeda é o ouro?

1) Um sistema com 100% de reservas impossibilita crises bancárias. Havendo 100% de reservas para seus depósitos à vista, não há como os bancos terem problemas de liquidez. Correntistas podem sacar seu dinheiro no momento em que quiserem e na quantia que desejarem. Os bancos não se tornarão insolventes em decorrência desses saques.

2) Este sistema impede a ocorrência de crises econômicas cíclicas. O privilégio de operarem apenas com reservas parciais para seus depósitos permite que os bancos possam criar dinheiro do nada para conceder empréstimos. Tais empréstimos não exigem nenhuma abstenção de consumo (poupança) por parte do depositante. Cria-se o fenômeno do investimento sem a prévia poupança. Esta expansão do crédito gera um aumento da quantidade de dinheiro na economia e leva a um crescimento econômico artificial, o qual inevitavelmente se reverte em recessão algum tempo depois. Bancos operando com 100% de reservas tornam tal expansão creditícia impossível.

3) A abolição da prática das reservas fracionárias está em completa harmonia com o conceito de propriedade privada. Mantendo reservas de 100%, os princípios tradicionais do direito de propriedade também são aplicados aos depósitos bancários. Bancos não mais podem emprestar dinheiro cuja custódia lhes foi confiada.

4) O modelo de padrão-ouro proposto estimula um crescimento econômico estável e sustentável. Prejuízos em decorrência de investimentos errôneos e insensatos podem ser evitados. Com um crescimento médio anual de 2% na produção de ouro e de 3% na economia, os preços dos bens e serviços diminuíram aproximadamente 1% ao ano. Isso levaria a aumentos salariais reais, dispensando a necessidade de tensas negociações sindicais. As pessoas não mais teriam de perder tanto tempo pesquisando oportunidades de investimento no mercado financeiro para tentar proteger o poder de compra do seu dinheiro. Apenas deixar seu dinheiro guardado já lhe permitiria usufruir um crescente aumento em seu poder de compra.

5) Este sistema colocaria um fim nas especulações financeiras. A criação de dinheiro pelos bancos permite que eles próprios, bem como seus contumazes tomadores de empréstimos, se enriqueçam facilmente. A tentação em praticar atos fraudulentos e inescrupulosos é praticamente irresistível. Os incentivos para se ser honesto, responsável, poupador, trabalhador e voltado para o longo prazo são rejeitados em prol da oportunidade de se enriquecer de modo rápido e fácil pela simples criação de dinheiro, prejudicando terceiros que terão seu poder de compra reduzido.

6) Um padrão-ouro com reservas de 100% é um poderoso limitador ao crescimento do estado. Uma grande fatia dos gastos governamentais atuais é financiada diretamente pela criação de dinheiro. O sistema bancário de reservas fracionárias, em conjunto com o banco central, cria dinheiro do nada e o empresta ao governo. Se esta opção for abolida, o estado seria restringido e deixaria mais espaço para o setor privado. 

7) Este sistema proposto promove a paz. Sem a capacidade de criar dinheiro do nada para financiar o esforço de guerra, algo que oculta de maneira eficaz os reais custos militares de conflitos contra populações, as guerras dos dois últimos séculos poderiam ter sido evitadas. No mínimo, sua intensidade seria muito reduzida.

Em suma: este novo sistema bancário não apenas impediria injustiças e evitaria sofrimentos, como também permitiria um crescimento econômico constante, harmonioso e estável.


Jesús Huerta de Soto , professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor da monumental obra Money, Bank Credit, and Economic Cycles.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

PRODUÇÃO VERSUS CONSUMO - A C CONFUSÃO QUE CAUSA MISÉRIA


Há duas visões fundamentais em relação à economia. Uma é dominada pela filosofia econômica do século XIX, sob a influência dos economistas clássicos britânicos, como Adam Smith e David Ricardo. A outra é dominada pela filosofia econômica do século XVII, sob a influência do Mercantilismo. Esta última voltou a dominar a filosofia econômica do século XX, em grande parte sob a influência de Lord Keynes.

O que distingue essas duas visões é o seguinte: no século XIX, os economistas identificaram que o problema fundamental da economia era como expandir a produção. Implícita ou explicitamente, eles perceberam que a base tanto da atividade econômica quanto da teoria econômica estava no fato de que a vida e o bem-estar do homem dependem da produção de riqueza. A natureza do homem faz com que ele necessite de riqueza; seus critérios mais elementares o fazem desejar riqueza. O problema, disseram esses economistas, é como produzir a riqueza. A teoria econômica, portanto, dava como fato consumado o desejo de se consumir, e se concentrava em como desenvolver meios e maneiras de aumentar a produção.

No século XX, os economistas voltaram a assumir a visão diretamente oposta. Ao invés de o problema ser como expandir continuamente a produção em vista de um desejo ilimitado por riqueza — dado que são infinitas as possibilidades de se aprimorar a satisfação das necessidades do homem —, passou-se a acreditar erroneamente que o problema na verdade seria como expandir o desejo de se consumir, de modo que o consumo possa se adequar à produção. A teoria econômica do século XX passou a ver a produção como um fato consumado, e se concentrou em como desenvolver meios e maneiras de aumentar o consumo. Passou-se a acreditar que o problema da economia não é a produção de riqueza, mas sim a produção do consumo.

Essas duas premissas básicas — diametralmente opostas e mutuamente excludentes — acerca do problema fundamental da economia estão para a teoria econômica assim como as contradições da metafísica estão para a filosofia. Ponto a ponto, ou elas resultam em conclusões opostas ou fazem com que raciocínios opostos cheguem à mesma conclusão. Elas determinam a teoria econômica tão profunda e fundamentalmente, que dão origem a dois sistemas completamente distintos de pensamento econômico.

Duas visões sobre o emprego

O seguidor da premissa "producionista" do século XIX entende acima de tudo que não existe algo como "o problema de se criar empregos". Há o problema de se criar empregos remunerativos, mas não o de se criar empregos. Em qualquer momento, afirma o producionista, há tanto trabalho a ser feito — e tantos empregos em potencial a serem preenchidos — quanto há desejos humanos ainda não satisfeitos e que poderiam ser satisfeitos com uma maior produção de riqueza; e como esses desejos são ilimitados, a quantidade de trabalho a ser feita — o número de empregos em potencial a serem preenchidos — também é ilimitada.

Portanto, argumenta o producionista, o emprego de mais e melhores maquinários não causa desemprego. As máquinas meramente permitem que os homens — na medida em que eles não preferem o lazer — produzam mais e, com isso, satisfaçam suas necessidades de maneira melhor e mais completa. Tampouco uma jornada mais longa de trabalho ou o emprego de mulheres, crianças, estrangeiros ou pessoas de raça e religião minoritárias impedem que outros também arrumem empregos. Isso apenas torna possível uma expansão da produção.

Já o seguidor da premissa "consumista" do século XX possui outra visão em relação às máquinas e ao emprego de mais pessoas. Ele considera cada expansão da produção como uma ameaça para parte daquilo que já está sendo produzido. Ele imagina que a produção é limitada pelo desejo de se consumir. Ele teme que esse desejo possa ser insuficiente e, por conseguinte, ele teme que uma expansão da produção em qualquer segmento irá necessariamente forçar uma contração da produção em algum outro segmento. 

Consequentemente, ele teme que o trabalho efetuado pelas máquinas irá deixar menos trabalho a ser feito pelas pessoas, que o trabalho efetuado pelas mulheres irá deixar menos trabalho a ser feito pelos homens, que o trabalho efetuado por crianças irá deixar menos trabalho a ser feito por adultos, que o trabalho efetuado por judeus irá deixar menos trabalho a ser feito por cristãos, que o trabalho efetuado por negros irá deixar menos trabalho a ser feito por brancos, e que o trabalho extra de uns significa uma escassez de trabalho disponível para outros.

Nem o producionista nem o consumista desejam longas horas de trabalho ou defendem o trabalho infantil. Nesses dois quesitos, ambos chegam à mesma conclusão. Porém, seus motivos são completamente distintos. O consumista não deseja longas horas de trabalho e nem defende o trabalho infantil porque ele acredita que há um problema com o que fazer com os produtos resultantes. Para ele, tais medidas gerariam um aumento na produção, o que necessariamente faria com que outros produtos deixassem de ser produzidos e consequentemente outros trabalhadores ficassem desempregados. Já o producionista não deseja longas horas de trabalho e nem defende o trabalho infantil porque ele não atribui nenhum valor à fadiga e ao esforço prematuro. O problema, aos olhos do producionista, não é o que fazer com os produtos adicionais produzidos pelas longas horas de trabalho ou pelo trabalho infantil — somente uma intensa necessidade de produtos adicionais necessitaria dessa mão-de-obra adicional —, mas sim como elevar a produtividade da mão-de-obra a um nível em que as pessoas possam se dar ao luxo de ter tempo para o lazer e de dispensar o trabalho de suas crianças.

Riqueza por meio da escassez?

Como o consumista imagina que a produção está limitada pelo desejo de se consumir (ao invés de o consumo ser naturalmente limitado pela capacidade da produção), ele não valoriza a riqueza, mas sim a ausência de riqueza. Por exemplo, após a Segunda Guerra Mundial, ele imaginou que a relativa ausência de casas, automóveis, aparelhos de televisão e geladeiras na Europa era na verdade uma benção para a economia européia, pois significava que havia uma grande e reprimida demanda por consumo. Similarmente, ele imaginou que a relativa abundância desses bens nos EUA era na verdade uma desvantagem para a economia americana, pois significava que o desejo de se consumir era baixo, havendo portanto uma fraca demanda por consumo.

Para o teórico consumista, a prosperidade depende da ausência de riqueza, e a pobreza é consequência de sua abundância; para ele, o desejo de se consumir — essa inestimável mercadoria, cuja oferta é mais limitada que a de diamantes — é algo produzido pela ausência de riqueza e consumido pela presença de riqueza. É baseando-se nesse princípio que o consumista se delicia com guerras e destruição, pois as vê como fontes de prosperidade, ao passo que atribui a pobreza resultante das depressões à "produção exagerada".

O consumista não acredita que a destruição de riqueza é a única maneira de se atingir a prosperidade. Embora creia ser de difícil realização, ele tem esperanças de que a oferta de sua preciosa mercadoria — o desejo de consumir — pode no entanto ser aumentada por meio de medidas positivas. Uma dessas medidas é uma alta taxa de natalidade. Ao se trazer mais pessoas ao mundo, traz-se também mais desejo de consumo ao mundo. A existência de um grande número de pessoas, diz o consumista aos empresários, possibilitará às empresas ter sobre quem descarregar seus bens que de outra forma seriam supérfluos.

Os negócios irão prosperar porque sua oferta de bens encontrará uma contrapartida nesse suposto aumento do desejo de se consumir bens. Na ausência de uma alta taxa de natalidade, ou em conjunto com uma alta taxa de natalidade, o consumista acredita que a propaganda pode fazer com que o outrora saciado consumidor tenha novos desejos. E, em um plano um pouco diferente, o progresso tecnológico, argumenta o consumista, pode fornecer novos usos para uma crescente oferta de bens de capital, os quais de outra forma não teriam "onde serem investidos". Ou, se tudo o mais falhar, pode-se recorrer ao governo para que ele forneça um consumo ilimitado — mesmo na ausência de desejo. Ou talvez, espera o consumista, um país pode ser afortunado o bastante para estar na iminência de sofrer ataques de inimigos externos, o que o obrigará a incorrer na necessidade de manter um amplo aparato de defesa. De toda forma, o consumista imagina que o governo será capaz de promover a prosperidade caso saia consumindo os produtos das pessoas.

A produção limita o consumo

O producionista, obviamente, tem uma visão diferente em relação a estas questões. Ele argumenta que o nascimento e a criação de filhos sempre constituem uma despesa para os pais. Ao criarem seus filhos, os pais têm de gastar com eles um dinheiro que, de outra forma, teria sido gasto para proveito próprio. É claro que os pais — ou, ao menos, é de se esperar — consideram que o dinheiro será mais bem e mais prazerosamente gasto com seus filhos; porém, ainda assim, trata-se de uma despesa. E se eles tiverem uma quantidade alta o bastante de filhos, serão reduzidos à pobreza.

Trata-se de um fato, argumenta o producionista, que todos podem observar em qualquer grande família que não possua uma renda correspondentemente alta. A presença de crianças não faz com que os pais gastem mais do que gastariam de outra forma; apenas faz com que eles gastem de modo diferente do que gastariam na ausência de filhos. Eles compram comida de bebê, brinquedos e bicicletas ao invés de gastarem com mais jantares em restaurantes, em um carro melhor ou em férias mais extravagantes. Não há nenhum estímulo adicional à produção. A produção simplesmente é redirecionada para uma diferente distribuição de demanda.

Poderia ocorrer um aumento na produção, afirma o producionista, apenas se os pais tivessem de arrumar um emprego extra, ou tivessem de trabalhar mais horas para sustentar seus filhos, e ainda assim serem capazes de manter seu padrão de vida anterior. E quando as crianças crescerem, o mercado de consumo adicional que eles supostamente representarão para imóveis, automóveis e afins irá se materializar apenas se eles, os filhos agora adultos, forem capazes de produzir um valor equivalente a esses bens e com isso ganharem o dinheiro com o qual poderão comprar tais bens. Será apenas em decorrência de sua produção, e não em decorrência de seu desejo de consumir, que eles serão capazes de constituir um mercado de consumo adicional.

Tecnologia e bens de capital

O valor do progresso tecnológico, afirma o producionista, não está na criação de "oportunidades de investimento" para a crescente oferta de bens de capital. Se o conceito de bens de capital for corretamente entendido — isto é, aqueles bens que seu comprador utiliza para produzir outros bens que serão vendidos —, então nunca haverá algo como uma falta de "oportunidades de investimento" para bens de capital. Enquanto houver desejo por mais e melhores bens de consumo, haverá necessidade de uma maior oferta de bens de capital.

Por exemplo, dez milhões de automóveis de uma dada qualidade requerem o emprego do dobro da quantidade de bens de capital — o dobro da quantidade de aço, de vidro, de pneus, de tintura, de motores e de maquinários — em sua produção do que requerem cinco milhões de automóveis. Se a intenção for aprimorar a qualidade dos automóveis, então uma maior quantidade de bens de capital será necessária para a produção do mesmo número de automóveis. Por exemplo, um dado número de carros da qualidade de uma Toyota irá requerer para a sua produção uma quantidade de bens de capital maior do que a necessária para produção do mesmo número de carros da qualidade de um Volkswagen simples; o mesmo número de carros da qualidade de um Cadillac irá requerer uma quantidade ainda maior de bens de capital; e o mesmo número de carros da qualidade de uma Rolls Royce irá requerer ainda mais bens de capital.

O mesmo princípio se aplica a imóveis de diferentes tamanhos e qualidades. Uma dada quantidade de casas de oito quartos requer o emprego de uma quantidade de bens de capital maior do que a requerida para o mesmo número de casas de sete quartos e da mesma qualidade. Um dado número de casas de tijolo requer uma oferta de bens de capital maior do que requer o mesmo número de casas de madeira e do mesmo tamanho daquelas; os tijolos ou quaisquer outros materiais mais caros constituem uma maior oferta de bens de capital porque uma maior quantidade de mão-de-obra é necessária para produzi-los. O mesmo princípio se aplica a alimentos e vestuários, a móveis e eletrodomésticos, a utensílios, máquinas e a quaisquer outros bens. Enquanto houver desejo por uma maior quantidade de qualquer bem de consumo, e enquanto todos os bens de consumo produzidos ainda não forem da melhor qualidade possível, haverá uma necessidade de uma maior oferta de bens de capital. 

À medida que a tecnologia avança

O producionista também argumenta que, caso haja uma interrupção no progresso tecnológico, não haverá uma aumento na oferta de bens de capital; e, consequentemente, não seremos capazes de explorar qualquer porção considerável das virtualmente ilimitadas "oportunidades de investimento" que já existem dentro do atual padrão de tecnologia vigente.

O valor do progresso tecnológico, afirma o producionista, consiste no fato de que ele nos permite obter uma maior oferta de bens de capital, e não que ele resolve o problema do que fazer com essa maior oferta. Os avanços tecnológicos que tornaram possível a construção de canais e ferrovias no século XIX, e o desenvolvimento da indústria do aço, foram valiosos não porque eles absorveram bens de capital, como dizem os consumistas, mas porque eles possibilitaram a acumulação de bens de capital. O consumista não entende que os bens de capital somente podem ter sua oferta expandida por meio de uma expansão de sua produção, e que é exatamente isso que o progresso tecnológico possibilita. Não tivessem ocorrido os avanços tecnológicos que possibilitaram as primeiras ferrovias da década de 1830, não teria sido viável a oferta dos bens de capital necessários para a expansão e aprimoramento das ferrovias na década de 1840; não fosse isso, tal feito seria viável apenas ao custo da expansão de alguma outra indústria.

Consequentemente, não tivesse havido nenhuma avanço tecnológico na construção e operação de ferrovias na década de 1840, a oferta de bens de capital na década de 1850 teria sido menor, tanto para as ferrovias quanto para as outras indústrias. E assim teria sido década após década, caso os avanços tecnológicos ocorridos no setor ferroviário ou em qualquer outra indústria não tivessem ocorrido.

Para que continue havendo acumulação de capital, o progresso tecnológico é indispensável. Apenas ele pode possibilitar contínuos aumentos na produção; e apenas contínuos aumentos na produção podem possibilitar uma contínua acumulação de capital. O consumista não está ciente de que exatamente aquilo que ele considera ser a solução (um alto nível de consumo) para seu suposto problema (a baixa demanda) é na verdade a fonte daquilo que ele imagina ser o problema. Tampouco está ele ciente de que, quando ele defende o progresso tecnológico como a solução para o problema do que fazer com mais bens de capital, ele está se confrontando a si próprio com o problema do que fazer com uma maior oferta de bens de consumo, a qual mesmo ele admite ser resultado do progresso tecnológico. O consumista tem assim de lidar com o dilema de explicar como é que o progresso tecnológico pode aumentar a taxa de lucro — ao, como ele próprio diz, "aumentar a demanda por capital" — ao mesmo tempo em que, como ele próprio admite, aumenta a produção de bens de capital — algo que, como ele próprio diz, reduz a taxa de lucro em decorrência da "sobreprodução".



Consumismo e parasitismo

A ideia de que, ao se consumir um produto, seu produtor será beneficiado — pois terá o trabalho de tornar possível tal consumo — é absurda, diz o producionista. Somente o uso do dinheiro pode emprestar a essa afirmação a mínima aparência de plausibilidade. Se realmente tal afirmação fosse verdade, então todo escravo deveria se regozijar a cada novo desejo de seu mestre, dado que a satisfação desse desejo exigiria do escravo mais trabalho. Um escravo deveria ficar agradecido caso seu mestre desejasse uma reforma em sua casa, uma melhoria nas estradas, mais comida, mais festas etc.; pois o fornecimento dos meios que possibilitariam a satisfação desses desejos daria ao escravo ainda mais trabalho.

A crença de que o consumo do governo beneficia e ajuda o sistema econômico segue o mesmo raciocínio — argumenta o producionista — da crença de que o consumo do mestre beneficia e sustenta o escravo. Trata-se de uma crença cujo absurdo equipara-se apenas à injustiça criada. É o meio através do qual grupos de interesse parasitas, que utilizam o governo como agente da pilhagem, procuram iludir suas vítimas, fazendo-as a imaginar que estão sendo beneficiadas e auxiliadas por aqueles que estão ali justamente para confiscar os frutos de seu trabalho e não dar nada em troca.

O único benefício econômico que alguém pode dar a um produtor, argumenta o producionista, é quando esse alguém troca seus próprios produtos ou serviços pelos produtos ou serviços desse produtor. É por meio daquilo que esse alguém produz e oferece em troca que ele irá beneficiar os produtores, e não por meio daquilo que ele consome.

Se alguém consome os produtos ou serviços de outros sem oferecer produtos ou serviços em troca, ele estará consumindo à custa dos produtores.

O uso do dinheiro torna esse ponto um tanto menos óbvio, mas não menos verdadeiro. Quando o dinheiro é utilizado, os produtores não trocam bens e serviços diretamente, mas indiretamente. O comprador troca seu dinheiro pelos bens de um vendedor. O vendedor, por conseguinte, troca esse dinheiro pelos bens de outros vendedores, e assim por diante. Porém, cada comprador dessa série deverá ou já ter vendido bens e serviços equivalentes àqueles que ele compra, ou ter obtido seus fundos de alguém que já o fez.

O fato de que, em uma economia monetária, todos mensuram seu benefício de acordo com a quantidade de dinheiro que se obtém em troca dos bens e serviços que vendem é algo que faz os consumistas crerem que o mero gasto de dinheiro é uma virtude, e que a prosperidade econômica pode ser atingida por meio da simples criação e gasto de quantidades cada vez maiores de dinheiro — isto é, por meio de uma política de inflação monetária.

Como resposta, o producionista argumenta que, para cada pessoa que gastou dinheiro que foi recém-criado, e que, por meio disso, obteve bens e serviços sem que tenha produzido bens e serviços equivalentes, haverá outra pessoa que sofrerá uma perda correspondente. Sua perda, diz o producionista, pode assumir a forma ou de uma redução do estoque de capital, ou de uma diminuição de seu consumo, ou de uma não recompensa pelo trabalho adicional que tiveram de efetuar — uma perda que corresponde precisamente aos bens e serviços correspondentes que foram obtidos pelos compradores que nada produziram.

A defesa que o consumista faz daqueles que consomem sem produzir, com o argumento de que estes estão assegurando a prosperidade daqueles que produzem, é, de acordo com o producionista, uma reação patológica a um mundo econômico o qual o consumista imagina ser gerido pela patologia. O consumista sempre tem diante de si a patologia do "avarento", aquele sujeito que guarda todo o seu dinheiro debaixo da cama. O consumista é atormentado pela visão de pilhas de dinheiro trancadas dentro de um cofre, sem nunca serem utilizadas. Ele acredita que uma parte da humanidade é guiada pela despropositada meta de trabalhar sem receber — o que requer, para a sua realização, a existência de outra parte da humanidade ávida por aceitar receber sem trabalhar.

Esse é o significado da crença de que um grupo de homens deseja apenas produzir e vender, mas não comprar e consumir, e sua necessária contrapartida é a existência de outro grupo de homens que querem comprar e consumir, mas que não irão produzir e vender. No mundo do consumista, imagina-se que os produtores produzam apenas pelo prazer de obter dinheiro, para em seguida guardá-lo para sempre. O consumista está sempre pronto para dar-lhes dinheiro em troca de seus bens — ele propõe (1) que se tome deles o dinheiro que, segundo sua crença, eles não irão gastar, para em seguida entregá-lo para alguém que irá, ou (2) que se imprima mais dinheiro e se permita que eles, os produtores, acumulem papel enquanto outros adquirem seus bens.

Deixar o dinheiro guardado não é o único fenômeno que aflige o consumista. Quando nada da realidade se adapta à sua causa, o consumista é exímio em apontar causas totalmente imaginárias que, segundo ele, levarão a inevitáveis catástrofes econômicas. Invariavelmente, a solução defendida é fazer com que aqueles que nada produziram possam consumir à custa daqueles que produzem. O objetivo sempre será o de demonstrar a necessidade e os efeitos benéficos do parasitismo — apresentar o parasitismo como uma fonte de prosperidade geral.

A racionalidade da vida econômica

Em decorrência das avassaladoras absurdidades e contradições do consumismo, e a brutal perversão de valores que ele produz, pode-se apenas concluir que seu apoio se fundamenta nos interesses a que ele obviamente serve: o parasitismo. Isso, é claro, não libera o economista da tarefa de identificar os erros particulares de cada argumento consumista. Isso, no entanto, desqualifica todo consumista como economista. Nenhum cientista, de qualquer campo que seja, pode aceitar a ideia de que a realidade é irracional ou que é necessária uma ação irracional para lidar com ela.
Aqueles economistas da atualidade que proclamam aberta e provocativamente que o mundo econômico é "não-euclidiano", fazem-no abertamente. É assim que eles gostariam que o mundo econômico fosse. Se eles simplesmente acreditassem que a vida econômicaparecesse ser irracional, mas ao mesmo tempo não desejassem que ela fosse irracional, eles jamais diriam que ela de fato é.

Após o mais básico exame do assunto, ao invés de correrem em defesa do consumismo, eles não iriam descansar enquanto não tivessem identificado os erros que os fizeram acreditar que a vida econômica possuía a aparência da irracionalidade; e, quanto maior fosse essa aparência para eles, mais eles iriam perceber o quão grande era sua própria ignorância, e com mais afinco eles iriam trabalhar para superá-la e evidenciar os erros em que acreditaram. É isso que distingue um economista de um Lord Keynes.

George Reisman é Ph.D e autor de Capitalism: A Treatise on Economics. (Uma réplica em PDF do livro completo pode ser baixada para o disco rígido do leitor se ele simplesmente clicar no título do livro e salvar o arquivo). Ele é professor emérito da economia da Pepperdine University. Seu website: www.capitalism.net. Seu blog georgereismansblog.blogspot.com

Tradução de Leandro Roque

UMA EQUAÇÃO INFALÍVEL

No Brasil dos anos 1970, a autossuficiência na produção de alimentos ainda estava muito distante da realidade. Éramos um grande importador, e o brasileiro gastava, em média, 48% de sua renda com alimentação.


Vivíamos constantes crises de abastecimento, importávamos grãos, carnes e leite. O café era o grande pilar da balança comercial brasileira. Manteve-se assim até a crise do petróleo, que, em 1973, derrubou seu consumo em todo o mundo, provocando um deficit de mais de US$ 1 bilhão em nossa magra balança comercial.

Gastando muito com petróleo e com a importação de alimentos, não havia como imaginar o Brasil exportador de hoje. Perseguíamos tão somente a autossuficiência.

Nesse contexto de crise e sob a inspiração de brasileiros visionários, surgiu a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Eliseu Alves concebeu a Embrapa, que foi fortalecida e ampliada nos anos seguintes pelo então ministro da Agricultura, Alysson Paulinelli.

Aliou-se vontade política à inovação. Uma equação infalível, que fez reduzir o gasto médio do brasileiro com as refeições de cada dia a menos de 20% de sua renda.

Até o surgimento da Embrapa, o Brasil praticava nos trópicos uma agricultura importada das regiões temperadas, dependente de tecnologias que não foram concebidas para as nossas condições naturais. Toda a agricultura relevante do mundo situava-se fora da região dos trópicos, na América do Norte, na Europa e na Argentina.

Não havia, ainda, exemplo de agricultura tropical, nem se acreditava muito que isso fosse realmente possível. As próprias políticas governamentais, orientadas exclusivamente para a industrialização e a substituição de importações industriais, traziam implícito o conformismo com a inferioridade de nossa agricultura.

Em pouco tempo, fizemos nossa revolução verde, conquistando o cerrado, e o Brasil tornou-se o terceiro produtor agrícola do mundo e o segundo em exportações.

E não é simplificar as coisas dizer que essa nova história começou com a Embrapa. Foi essa instituição pública genuinamente brasileira que liderou a invenção de uma agricultura com identidade própria: a primeira agricultura tropical do mundo, moderna, eficiente e ambientalmente sustentável.

Toda essa aventura no caminho do conhecimento voltado para o uso na produção foi obra de brasileiros que fecharam os ouvidos para os gritos da política e para o ceticismo dos que sempre subestimaram nossa capacidade de resolver problemas. A Embrapa provou algumas coisas, e a primeira delas é que a excelência na educação sempre dá frutos.

Ela buscou profissionais em universidades rurais, já na época um modelo diferenciado de ensino e pesquisa, no padrão das universidades americanas. E investiu na profissionalização desses brasileiros, mostrando que nenhum país pode se desenvolver sem pesquisa e inovação próprias, patrocinadas pelo Estado.

Por último, provou que o Brasil, quando acredita e quer, é capaz de grandes feitos. Quando vejo a Embrapa e tudo o que ela fez, é como se estivesse vendo, refletida num espelho, a imagem do Brasil que podemos ser.

Mas o tempo passa e o mundo não para. Os saltos da ciência e as novas possibilidades tecnológicas, criadas pelos avanços no conhecimento científico, chamam a Embrapa a um novo começo.

Estamos chegando à fronteira da tecnologia existente e precisamos ocupar um novo espaço, o da biotecnologia moderna, com as técnicas da transgenia e da nanotecnologia.

Com tudo o que aprendeu com o seu passado, a Embrapa certamente vai saber andar no futuro. Essa é minha homenagem pelos 40 anos dessa instituição.

Obrigada por tudo, Embrapa. Conte sempre comigo, Embrapa. Por: Kátia Abreu Folha de SP

quarta-feira, 3 de abril de 2013

O DRAMA DA ECONOMIA

Difícil imaginar o PT administrando a inevitável recessão, a explosão dos preços e a maxidesvalorização cambial. Mas é isso que terá que acontecer, sem choro e nem vela.

O noticiário está pródigo em informar os problemas econômicos do governo Dilma Rousseff. Pouco a pouco a maré montante da elevação dos preços está cobrando a conta. O populismo explícito do PT não permite que os problemas fundamentais da inflação, quais sejam, a frouxa política monetária e o excesso de gastos públicos, sejam combatidos. O governo optou por combater as consequências, ou seja, os índices de preços. A cada momento novas medidas tópicas são anunciadas: redução de impostos, congelamento de preços básicos, como combustíveis e, mesmo, redução do preço da energia elétrica. Ainda houve o pedido aos prefeitos eleitos para não elevarem tarifas de transportes coletivos, no primeiro semestre.

Nada disso tem resolvido e a inflação claramente mudou de patamar. Alguns índices já superam, no acumulado, a taxa anual de 8%. O caminho dos dois dígitos está sendo trilhado rapidamente. A aceleração inflacionária é um fato.

A escolha pela administração tópica da inflação está provocando seríssimo desalinhamento dos preços relativos. A Petrobras está sangrando à morte e, com ela, está levando todo o setor sucro-alcooleiro, que é fundamental para a matriz energética e também para a geração de renda no campo. O mesmo parece acontecer com a precificação da energia elétrica, em face da divulgação dos gigantescos prejuízos da Eletrobrás. É claro que uma situação assim exige correção, que precisa vir o quanto antes. Evidente que o ajuste irá provocar súbita elevação da inflação, que exigirá, por sua vez, um ajuste cambial.

O dilema de Dilma Rousseff é saber quando enfrentar o problema. O calendário eleitoral está distante e os desequilíbrios não poderão esperar fechar as urnas. Resta saber como o eleitorado reagirá diante do ajuste nos preços relativos e no câmbio. E também diante da provável divulgação de taxas de inflação superiores a dois dígitos.

Esse cenário faz prever o acirramento das campanhas salariais. É bom lembrar que estão puxando a inflação os preços “livres”, especialmente os dos alimentos, que incidem diretamente sobre a população mais pobre, a grande massa eleitoral. Todas as medidas em prol da distribuição de renda estão sendo anuladas com a simples elevação da inflação e esse fato econômico terá óbvias e fortes consequências políticas.

A causa do drama é o erro de diagnóstico dos formuladores do PT. Essa gente chegou ao poder convencida de que tinha um caminho alternativo para administrar a economia, driblando a lei da escassez. Seus autores de referência são Marx e Keynes. Colocaram como prioridade o crescimento econômico, como se fosse possível, em um ambiente desequilibrado, manter o desenvolvimento. O PT escolheu conscientemente estimular o consumo, mediante elevação dos gastos públicos e do afrouxamento da política monetária. A maquiagem dos preços tornou imprescindível a valorização cambial, que está destruindo o que restou da indústria nacional. Os desequilíbrios ficaram grandes e insustentáveis.

O corolário é que a situação imporá ajustes, a um preço político incalculável. Difícil imaginar o PT administrando a inevitável recessão, a explosão dos preços e a maxidesvalorização cambial. Mas é isso que terá que acontecer, sem choro e nem vela. É o imperativo da lei da escassez se impondo, a despeito da vontade dos governantes. Preços, salários e câmbio terão que passar por ajustes inevitáveis. Quem viver verá. Por: Nivaldo Cordeiro 

terça-feira, 2 de abril de 2013

O CHIPRE REVELA A REALIDADE DO SISTEMA BANCÁRIO


Durante a semana passada, analistas financeiros, economistas, políticos e correntistas bancários ao redor de todo o mundo se mostraram ultrajados com o fato de que os líderes europeus — mais especificamente os alemães, que atualmente comandam as principais decisões tomadas em Bruxelas e Frankfurt — pudessem se mostrar tão politicamente temerários, tão economicamente ignorantes e tão emocionalmente insensíveis a ponto de violar a santidade dos depósitos bancários a fim de financiar um pacote de socorro para o Chipre.

Esse coro de condenações pode ter sido decisivo em dar ao parlamento cipriota a confiança necessária para rejeitar de forma unânime as medidas impostas, na esperança de que Berlim ou a Rússia — país natal de boa parte dos correntistas dos bancos cipriotas — iriam se apressar em conceder o pacote de socorro sem exigir contrapartidas.

A decisão de tributar em 10% os depósitos acima de €100.000 e em 7% os depósitos menores que €100.000 — desta forma, infligindo dor tanto nos correntistas mais ricos quanto nos mais pobres — foi descrita quase que universalmente como uma trapalhada histórica. No entanto, e curiosamente, o erro foi justamente o fato de os burocratas da União Europeia terem optado por fazer as coisas de modo aberto e explícito, de uma maneira que não fosse camuflada por truques financeiros. Em vez de optarem pela inflação monetária ou por simplesmente tomar dinheiro de uns para repassar para outros, optaram por uma tributação que incide diretamente sobre aqueles que estão sendo socorridos.

Como escreveu Detlev Schlichter,

A maioria das pessoas nos países desenvolvidos já se acostumou a não se preocupar com a saúde de seu sistema bancário. Elas foram, ao longo de décadas, condicionadas a acreditar que todos os bancos, por serem regulados pelo estado, são também protegidos pelo estado. Sim, mas tal proteção ocorre justamente para que os bancos possam incorrer em ainda mais riscos e se tornarem ainda mais alavancados. A "proteção" garantida pelo estado criou em todos os países um sistema bancário monstruoso que está engolindo os recursos do próprio estado. É impossível encarar os eventos no Chipre como uma surpresa chocante em pleno 2013.

Perdoem-me, mas minha empatia pelos correntistas cipriotas é bastante limitada. Se você é correntista de um banco cipriota, independentemente de seus depósitos serem maiores ou menores que €100.000, quem você acha que estava garantindo seus depósitos? A Fada Madrinha? Você realmente pensou que em um país tão minúsculo e com um sistema bancário tão bizarramente inchado — um sistema bancário que por anos, e de forma muito pública, vinha adquirindo títulos do governo grego! —, seu governo teria os recursos necessários para proteger todos os correntistas? O socorro dos dois maiores bancos do Chipre está estimado em 60% do PIB do país! E depois do que ocorreu na Grécia, você realmente pensou que os alemães estariam dispostos a continuar pagando sozinhos as contas de todos os outros países?

Se isso que está sendo proposto ao Chipre fosse realmente uma expropriação, como muitos estão dizendo, então o ato de se abster dessa expropriação — isto é, o expropriador simplesmente não fazer nada — significaria que a 'vítima' estaria mantendo sua propriedade, certo? O problema é que se a União Europeia não fizesse nada nesta situação, a maioria dos correntistas, inclusive aqueles que têm menos de €100.000, seriam totalmente dizimados. A escolha dos cipriotas, portanto, não é entre manter tudo ou pagar uma 'taxa', mas sim entre pagar uma 'taxa' ou perder praticamente tudo.

A realidade é que os correntistas do Chipre já estão pagando e continuarão pagando por todos os tipos de pacotes de socorro e de estímulos. Seja por meio de uma baixa taxa de juros sobre seus depósitos, seja por meio de inflação monetária, de maiores impostos, de maiores custos para empréstimos, ou pelo acúmulo de uma insustentável dívida pública, os cipriotas arcarão com o fardo de sua prodigalidade incorrida no passado. Não há como escapar. O problema é que o plano de socorro criado para o Chipre foi transparente demais, simples demais e direto demais para sobreviver em um mundo dependente do engano, da fraude e da ofuscação. Ele já estava morto antes mesmo de ter sido criado.

Ao redor de todo o mundo, os bancos centrais estão ativamente buscando metas de inflação propositadamente altas. Ora, não seria a inflação monetária — que permite aos governos cobrir parte de seus déficits por meio da criação de dinheiro, medida essa que transfere poder de compra dos poupadores para os tomadores de empréstimo — uma espécie de imposto sobre depósitos? No Reino Unido, por exemplo, os britânicos estão vivendo há três anos com uma taxa de inflação de preços de 3% e juros sobre seus depósitos de praticamente 0%. Espera-se que tal situação continue por pelo menos mais dois anos. Ninguém protesta. No entanto, um imposto de 6,75% no Chipre, a ser cobrado uma só vez sobre os depósitos, é visto como um ato de suprema traição?

[Aqui vale um parênteses para fazermos um comparativo com a situação brasileira. Um brasileiro comum que colocou seu dinheiro na poupança ganhou, de maio até hoje, 5,35%. Se ele tiver deixado o dinheiro parado na conta-corrente, ele não ganhou nada. Se ele for do tipo que tem de transacionar diariamente com dinheiro vivo — como fazem, por exemplo, trabalhadores informais —, ele também não ganhou nada.

Neste mesmo período, o INPC (que mensura a inflação para as famílias mais pobres) foi de 6,77%, os alimentos subiram 19,20%, os serviços encareceram 8,75%, e o IGP-M (que reajusta o aluguel e outros serviços, como TV a cabo) subiu 8,29%. 

Conclusão: aquele coitado que deixou o dinheiro na conta-corrente ou aquele que precisa de grandes quantias de dinheiro vivo diariamente (porque é informal) perdeu 19,20% do seu poder de compra em termos de alimentação, 8,29% em termos de aluguel, e 8,75% em termos de serviços.]

Muitos estão lamentando o fato de que, sendo o Chipre membro da zona do euro, seu governo não pode inflacionar e desvalorizar sua moeda para sair desta enrascada. Mas por que tal medida seria moralmente superior? Perder uma parte de seus depósitos não é diferente de perder poder de compra por meio da desvalorização monetária e da inflação. Ambas as medidas resultam em perda do poder aquisitivo. Pedir para um correntista abrir mão de parte de seu dinheiro é uma atitude que ao menos lida com o problema de forma honesta e imediata. 

A mesma dinâmica é válida para os fundos de um pacote de socorro. Suponha que a União Europeia aceite conceder mais dinheiro para socorrer os bancos do Chipre. A consequência disso é que os cipriotas, no futuro, terão de pagar os juros e a amortização dessa dívida. Portanto, ao aceitarem um pacote de socorro hoje, eles irão sobrecarregar as gerações futuras com um fardo cuja criação não foi responsabilidade delas. Como isso seria justo e moralmente aceitável?

No que mais, não é correto dizer que os correntistas dos bancos cipriotas — muitos deles cidadãos russos em busca de um paraíso fiscal — são totalmente inocentes e não foram cúmplices neste comportamento imprudente de seus bancos. Segundo relatos da Bloomberg, ao longo dos últimos cinco anos, os depósitos em euros nos bancos cipriotas apresentaram um rendimento cumulativo superior a 24%, quase o dobro do rendimento proporcionado por contas bancárias equivalentes na Alemanha. Os bancos do Chipre foram capazes de oferecer tais retornos porque se expuseram a ativos de alto risco (como os títulos do governo grego). O que há de tão errado em pedir que aqueles que incorreram em altos riscos com o intuito auferir retornos maiores aceitem perder algo quando suas decisões se revelam erradas?

Os cidadãos do Chipre, como membros da União Europeia, tinham a opção de colocar seus depósitos em qualquer banco da União Europeia. Mesmo se pagarem as taxas propostas no pacote de socorro, os correntistas do Chipre — ao menos os mais antigos, aqueles que mantiveram seu dinheiro nos bancos do Chipre por um longo período de tempo — terão ganhado mais dinheiro por terem mantido sua poupança em aplicações de alto retorno nos bancos do Chipre do que se tivessem depositado nos bancos alemães, cujo retorno é bem menor. Sendo assim, que Rubicão é esse que estamos atravessando?

O temor internacional que predominou na semana passada não era de que o cidadão comum do Chipre não mais fosse capaz de conseguir se sustentar, ou de que mafiosos russos fossem perder parte de suas questionáveis fortunas, mas sim de que uma corrida bancária no Chipre fosse levar a pânicos similares na Grécia, na Espanha ou no mundo em geral. Como resultado, os problemas vivenciados por uma insignificante economia estão sendo vistos como uma ameaça a todo o edifício financeiro global. Este é apenas mais um sinal de que nosso sistema financeiro atual se baseia exclusivamente na confiança — algo que, no final, pode ser totalmente efêmero.

Não obstante os insuperáveis desafios matemáticos que aqueles países extremamente endividados têm de enfrentar, os investidores seguem tendo a confiança de que os bancos centrais serão capazes de engendrar um retorno ao crescimento econômico sustentável sem criar uma inflação galopante e sem desencadear uma nova recessão por meio de um prematuro aperto monetário. Isso, mesmo na melhor das circunstâncias, já seria uma tarefa vultosa. Mas se um pequeno problema como o Chipre foi capaz de abalar toda essa confiança, quão robusta ela realmente é?

No final, este episódio do Chipre deixa ainda mais evidente o quão deletéria é a existência de seguros governamentais sobre depósitos bancários. Ao oferecer a ilusão de segurança sistêmica aos depósitos bancários, as garantias governamentais acabam por encorajar a imprudência tanto dos bancos quanto dos depositantes. Se você é um banqueiro e sabe que o governo irá proteger os depósitos de seus correntistas, qual o seu estímulo em ser prudente e não fazer apostas arriscadas no mercado? Se você é um correntista e sabe que o governo está protegendo seu dinheiro, qual o seu estímulo em procurar se informar sobre as atitudes de seu banco? Qual o seu estímulo em procurar bancos prudentes e em evitar bancos arrojados? Mais ainda: qual o estímulo de um banqueiro ser prudente em vez de arrojado?

Seguros sobre depósitos fornecem aos bancos os mesmos incentivos que um seguro federal contra enchentes fornece a imobiliárias que querem construir em zonas suscetíveis a inundação. Aversão ao risco e preferência dos consumidores são poderosas forças que poderiam trazer uma extremamente necessária disciplina ao sistema bancário. No atual arranjo, o banco que for mais prudente e honesto perderá mercado para os imprudentes e desonestos, pois estes poderão por algum tempo oferecer retornos maiores.

Peter Schiff é o presidente da Euro Pacific Capital e autor dos livros The Little Book of Bull Moves in Bear Markets, Crash Proof: How to Profit from the Coming Economic Collapse e How an Economy Grows and Why It Crashes. Ficou famoso por ter previsto com grande acurácia o atual cataclisma econômico. Veja o vídeo. Veja também sua palestra definitiva sobre a crise americana -- com legendas em português 


Tradução de Leandro Roque

O "ACORDO DO CHIPRE"E O DESENLACE DO SISTEMA BANCÁRIO DE RESERVAS FRACIONÁRIAS


O "acordo do Chipre" — que é como o arranjo tem sido amplamente rotulado pela mídia — pode representar o penúltimo ato do colapso que está ocorrendo em câmera lenta do sistema bancário de reservas fracionárias. Este colapso começou, na prática, com a implosão das instituições de poupança e empréstimo dos EUA no final dos anos 1980. 

[N. do T.: as Savings and loan association são instituições financeiras americanas que captam fundos — e pagam juros aos seus investidores — para investi-los principalmente em hipotecas, e que podem também oferecer depósitos em conta-corrente e outros serviços bancários. A crise desse setor começou em 1986 e só acabou em 1995].

Esta tendência continuou com as crises monetárias do México em 1994, do Sudeste Asiático em 1997, da Rússia em 1998 e da Argentina em 2001, crises estas nas quais o sistema bancário de reservas fracionárias teve um papel decisivo. O deslindamento do sistema bancário de reservas fracionárias se tornou visível até mesmo para correntistas comuns dos países desenvolvidos durante o colapso financeiro de 2008, o qual desencadeou algumas corridas bancárias a algumas das maiores e mais veneradas instituições financeiras do mundo (Northern Rock, Countrywide Financial, Bear Stearns, Lehman Brothers, Merrill Lynch, Fannie Mae, Freddie Mac, Washington Mutual, Wachovia, Citigroup e AIG). O colapso total só foi evitado porque o Federal Reserve concedeu um pacote de socorro multitrilionário (US$16 trilhões) aos bancos americanos e também aos estrangeiros.

No entanto, de uma forma ainda mais intensa do que a inédita crise financeira de 2008, os recentes eventos no Chipre podem ter desferido o golpe moral no sistema bancário de reservas fracionárias. Um sistema bancário de reservas fracionárias só pode continuar operando normalmente enquanto seus correntistas tiverem a plena confiança de que, independentemente das agruras financeiras que venham a acometer o banco no qual seu dinheiro está "depositado", eles sempre poderão retirar todo o seu dinheiro deste banco, a qualquer momento e sem nenhuma perda. Em um sistema de reservas fracionárias, sistema este em que bancos operam tecnicamente insolventes (pois nunca têm dinheiro para honrar todos os seus compromissos), a confiança é tudo. Se a confiança se esvair, o sistema entra em colapso.

Desde a Segunda Guerra Mundial, os seguros governamentais sobre depósitos bancários, lastreados pelos poderes de criação de dinheiro do banco central, passaram a ser vistos como a inabalável garantia que sanciona esta confiança. Com efeito, por causa desta 'garantia', o sistema bancário de reservas fracionárias passou a ser visto pelos correntistas como sendo, na prática, um sistema bancário com 100% de reservas — afinal, desde a criação dos seguros para os depósitos, os correntistas passaram a agir com a tranquilidade de quem acredita que seu dinheiro de fato está "lá no banco". "Na pior das hipóteses", pensam eles, "os bancos centrais irão simplesmente criar o dinheiro do nada".

Perversamente, as várias crises envolvendo o sistema bancário de reservas fracionárias que citei acima apenas reforçaram esta crença entre os correntistas, pois os bancos que apresentavam problemas sempre foram prontamente socorridos — especialmente os grandes e menos estáveis. Daí surgiu a doutrina do "grande demais para quebrar".

Por causa desta doutrina, correntistas cujos depósitos estavam acima do valor garantido pelo governo — bem como pessoas que compraram títulos emitidos por bancos que querem se recapitalizar — quase sempre foram integralmente restituídos quando algum grande banco falia, pois era senso comum que a confiança em todo o sistema bancário era algo frágil e evanescente, que se quebraria e se dissiparia completamente mesmo que somente uma grande instituição falisse.

Voltando ao acordo do Chipre. De um ponto de vista pró-livre mercado, ele está longe do ideal. A solução livre-mercadista não envolveria restrições a saques (€300 por dia), não imporia controles de capital fascistas sobre residentes domésticos (pessoas estão sendo revistadas nos aeroportos, pois não se pode sair do país com mais de €3.000) e investidores estrangeiros, não limitaria o uso do dinheiro (transações totais com qualquer tipo de cartão será limitadas a €5.000 por mês) e não obrigaria os pagadores de impostos do restante da zona do euro a contribuir com o pacote de socorro de €10 bilhões para os bancos do Chipre. 

Não obstante, o acordo de fato transmite uma salutar mensagem para os correntistas e credores de bancos de todo o mundo. Tal mensagem está em obrigar tanto os correntistas cujos depósitos estão acima do valor segurado (acima de €100.000) quanto os compradores de títulos bancários a arcarem com parte do custo do pacote de socorro.

Estes credores que compraram títulos dos dois maiores bancos do Chipre perderão tudo, e já foi anunciado que os grandes correntistas do banco estatal Laiki (que foi liquidado) poderão também perder absolutamente tudo. Já os grandes correntistas do Banco do Chipre perderão algo entre 30 e 60% de seus depósitos. Os pequenos correntistas de ambos os bancos, cujas contas estão totalmente seguradas — pois são menores que €100.000 — não perderão nada.

O bom resultado de tudo isso é que os correntistas, tanto os segurados quanto os não-segurados, na Europa e ao redor do mundo, irão se tornar muito mais cautelosos ou até mesmo mais desconfiados ao lidar com bancos de reservas fracionadas. Eles estarão bem mais propensos a correr aos bancos e sacar seu dinheiro ao mais mínimo sinal ou rumor de instabilidade. Isso irá induzir os bancos a alterar radicalmente as fontes de financiamento que eles utilizam para conceder empréstimos. A esperança é que eles diminuam a criação de dinheiro (que, em última instância, utiliza o dinheiro depositado em depósitos à vista por correntistas) e passem a utilizar mais a emissão de títulos e até mesmo seu capital próprio.

Como foi relatado na terça-feira, tal mudança de postura já vem sendo esperada por muitos analistas:

Uma possível consequência do acordo de ontem é a reação em cadeia que pode ser gerara sobre a maneira como os bancos se financiam, disseram analistas. Bancos tipicamente se financiam por meio de alguma combinação entre depósitos de correntistas, lançamento de ações, e emissão de diversos tipos de títulos, os quais são lastreados por um conjunto de ativos de alta qualidade que vão para o balancete do financiador do banco.

A consequência do socorro ao Chipre pode ser a de que os bancos passarão a ser mais propensos a utilizar títulos condicionalmente conversíveis — contingent convertible bonds, os CoCos — para levantar dinheiro, dado que sua capacidade de sobrecarregar ativos emitindo títulos poderá ultrapassar os limites estipulados pelas regulamentações, disse Chris Bowie, da Ignis Asset Management Ltd de Londres.

"É de se esperar algumas fugas de depósitos e uma mudança no padrão de financiamento, o qual passará a ser formado por uma combinação entre títulos, capital próprio e ações", disse Bowie, que é chefe do departamento de administração de carteira de crédito da Ignis, a qual gerencia aproximadamente US$ 110 bilhões.

Se isso de fato ocorrer, será uma mudança significativa e um passo rumo a um sistema financeiro mais de acordo com os princípios do livre mercado; um sistema financeiro no qual o radical descasamento entre o prazo de maturação de ativos e de passivos — como ocorre quando os bancos utilizam depósitos a vista para financiar empréstimos de longo prazo — é eliminado de uma vez por todas.

Algumas crises bancárias a mais na zona do euro — especialmente uma em que os correntistas segurados sejam obrigados arcar com o socorro — irão provavelmente fazer com que a fé nos seguros governamentais dos depósitos se evapore por completo, levando junto a confiança no sistema bancário de reservas fracionárias. E então pode ser que surja naturalmente no mercado um sistema em que títulos, ações e genuínos depósitos a prazo que não podem ser sacados antes do prazo de maturação se tornem as fontes exclusivas de financiamento para empréstimos bancários. Depósitos à vista, movimentáveis ou não por meio de cheques ou cartão de débito (conta-corrente e poupança), seriam segregados e mantidos em depósitos bancários que realmente mantenham 100% de reservas e realizem toda uma gama de serviços de pagamento, de caixas eletrônicos a cartões de débito.

Embora esta conjectura possa soar excessivamente otimista, é fato que hoje estamos muito mais próximos de tal arranjo do que antes do "acordo do Chipre" ter sido efetivado. É claro que estaríamos ainda mais perto se não houvesse nenhum pacote de socorro e se todo o ônus de uma quebra bancária recaísse exclusivamente sobre os credores e correntistas dos bancos falidos (em vez de ser socializado com os pagadores de impostos). Caso isso ocorresse — isto é, caso todo o ônus ficasse para credores e correntistas —, a real natureza do sistema bancário de reservas fracionárias seria explicitada de modo que qualquer leigo entenderia.
Joseph Salerno é o vice-presidente acadêmico do Mises Institute, professor de economia da Pace University, e editor do periódico Quarterly Journal of Austrian Economics.

Tradução de Leandro Roque

segunda-feira, 1 de abril de 2013

DETESTO LUCRO... DOS OUTROS

É comum se ouvir no Brasil a expressão “sem fins lucrativos” como um qualificativo para a instituição referida. A lógica nos leva (ou aos ignorantes) a crer que aquele que tem lucro não presta. Na verdade, quase sempre é o contrário. Até poderiam usar algo como “não distribui dividendos a ninguém” para algumas ONGs se mostrarem mais simpáticas a seus pretensos patrocinadores.


Lucro é como mulher bonita. Quem não tem, quer a do vizinho. Trabalhar, progredir, ganhar mais, comprar um carro, uma casa, uma aliança, viajar, são desejos humanos atávicos. Imutáveis. A mesma roupa e o sapato recomendados por Mao não resistiram a dois dias de liberdade. Todos foram para o lixo e as grifes encheram as ruas de Shanghai.

Já foi pecado ter lucro. Hoje a Igreja reza e luta para que seus euros e ouros sejam bem empregados a fim de fugir do prejuízo destruidor. Entrar no céu era privilégio dos pobres. Hoje está mais compreensível, para a alegria dos listados na Forbes.

Os que se intitulam de “esquerda” por sua vez, adoram dizer: “Eles só pensam em lucro.” Mas querem salários maiores, às vezes, até dezessete por ano, e reclamam, aos gritos, quando não recebem dividendos de suas ações da estatal de seu coração ou de algum banco mais lucrativo.

A simples e ideológica posição contra o lucro, na maior parte das vezes, traduz a incapacidade do indivíduo de gerar resultados ou, pior ainda, movida pela inveja (na definição clássica do Zuenir Ventura) daqueles que, por profissionalismo, o fazem.A geração legítima de lucros – significando o resultado positivo da atividade econômica, sem ajudas e apadrinhamentos oficiais, contando apenas com a capacidade empresarial de disputar o mercado, com produtos onde preço, qualidade e serviço são definidores das escolhas do consumidor – é o motor principal da sociedade moderna e globalizada.

Arguir contra o lucro, sobre o qual incidem impostos que devem ser aplicados corretamente em benefício da população, também serve para o discurso falso e oportunista destinado a agradar, enganando as multidões com linguajar incendiário contra os “empresários gananciosos” e aqueles que “só pensam em lucros” Mas a história tem dado às nações que respeitam, estimulam e engrandecem os que são capazes de gerar lucros posições de liderança e, a seus povos, mais dignidade. Por: Antenor Barros Leal Fonte: O Globo, 28/03/2013

LENTA PIORA NA SITUAÇÃO MACROECONÔMICA

As condições macroeconômicas vêm piorando lenta e firmemente no Brasil. Minha percepção é de que isso vai se consolidar ainda mais ao longo do ano. Os gráficos acima ilustram o que foi dito. Comecemos pelo setor externo: a balança comercial vem se enfraquecendo repetidamente, pois de um saldo de quase US$ 50 bilhões em 2007, atingimos US$ 14 bilhões para os 12 meses terminados em fevereiro.


Na MB, projetamos um número de US$ 7,5 bilhões para o ano de 2013, decorrente da ampliação do déficit do petróleo (inclusive por conta de mais de US$ 4 bilhões em compras internadas no ano passado, mas só registradas neste exercício), do contínuo enfraquecimento das exportações de manufaturados (que caíram 19% em fevereiro frente o mesmo período do ano passado) e de uma expansão mais modesta da receita da venda de produtos básicos ao exterior, em razão de menores cotações.

O possível colapso cambial da Argentina, a difícil situação da Venezuela na área externa e a significativa piora no cenário europeu reforçam nossa percepção, inclusive reduzindo o estímulo ao crescimento do PIB. Ao mesmo tempo, o déficit de conta corrente vem piorando significativamente, como se vê no gráfico 1. Nos 12 meses terminados em fevereiro, o déficit já atingiu US$ 63,5 bilhões e o próprio Banco Central projeta US$ 68 bilhões para este ano.

Nós, na MB, trabalhamos com um déficit de US$ 72 bilhões. Certamente esse número ainda é financiável sem grandes dificuldades, mas, pela primeira vez, o déficit não será coberto pela entrada de investimento direto, que projetamos encerrar o ano com US$ 55 bilhões, inferior aos US$ 63,7 bilhões apurados nos 12 meses encerrados em fevereiro. O enfraquecimento contínuo da nossa competitividade e a menor atratividade do País como o destino de investimentos levam a essa situação.

A segunda área onde a tendência de piora é evidente é a da inflação. O gráfico número 2 mostra a contínua elevação dos preços desde meados do ano passado, tendo o IPCA-15 em 12 meses atingido 6,4% em março. Pior que isso é a contínua elevação do índice de difusão, segundo o qual 75% das 365 categorias de preços e serviços tiveram elevação neste mês. E não é uma elevação qualquer, pois nada menos que 30% de todas as categorias de preços subiram mais de 10% nos últimos 12 meses. Ou seja, estamos falando de uma elevação generalizada de preços.

Finalmente, a política fiscal é cada vez mais expansionista e mais opaca. O festival de truques contábeis já passou há muito tempo do razoável, e é responsável, por exemplo, por uma ressalva no balanço no BNDES, exigido pelos auditores, como mostrou o Estadonesta semana. Ao mesmo tempo, o verdadeiro orçamento paralelo em que se transformaram os restos a pagar do Tesouro Nacional tornam de muito pouco valor a estatística do resultado primário como indicador válido da política fiscal. É por isso que, como muitos outros analistas, olhamos para a evolução da dívida bruta como indicador da sanidade das finanças e, neste caso, há uma piora evidente, como se vê no gráfico número 3.

Não é de surpreender que a confiança do consumidor esteja francamente em baixa há vários meses, a despeito da reduzida taxa de desemprego que temos até agora. Do lado da produção, a confiança da indústria também não decola (gráfico 4). É por isso que a perspectiva de elevação dos investimentos é cada vez menor, exceto pela forte recuperação da demanda de caminhões em virtude da grande safra agrícola atual. O teto para o crescimento do PIB continua em 3%.

A qualidade da política econômica vem caindo, assim como a da regulação. É bastante evidente que a antecipação da campanha presidencial recém-ocorrida só piora esta trajetória, uma vez que todas as ações de política econômica passarão antes pelo critério de impacto eleitoral. Dois exemplos dão abundantes evidências dessa proposição, a saber, a política anti-inflacionária e a questão das tarifas de energia elétrica.

A administração de preços passou a ser o centro da política anti-inflacionária e depois da cesta básica parece que virão medidas tentando evitar elevação das tarifas de ônibus. Ora, no ambiente de alta mais ou menos generalizada de preços e custos, essas medidas são claramente inócuas no que tange à redução da inflação.

Os cigarros representam um caso que vale a pena observar: no IPC do IGP-M de fevereiro, o item despesas diversas subiu 17% (em 12 meses), resultado de uma elevação de 30% dos cigarros no período. Apenas para lembrar, essa elevação deveria ter ocorrido em dezembro de 2011, mas não ocorreu para evitar que a inflação do ano ultrapassasse os 6,5%.

Mesmo no caso de reduções de impostos que sejam definitivas, a desoneração tem um efeito limitadíssimo sobre a dinâmica dos preços, pois ocorre uma vez só e, em geral, não é totalmente repassada ao varejo. Isso porque as empresas têm enfrentado uma elevação generalizada de custos e uma redução persistente de margens, algo que todas as análises de balanço de empresas abertas e fechadas revelam. Dessa forma, a redução de imposto é rapidamente compensada por alguma elevação de custos recentemente ocorrida.

É por isso que a frenética sucessão de pacotes administrando preços não produz efeitos significativos sobre a inflação. É o fracasso de uma visão "contábil" da inflação, ilustrada num artigo recente de um entusiasmado analista que disse que, se não fosse o choque agrícola do ano passado, a depreciação do real em relação ao dólar e os aumentos de 25% a 40% nos fretes rodoviários, a inflação de 2012 teria ficado abaixo de 4,5%!

A questão dos preços de energia elétrica ilustra a perda de qualidade na política econômica, pois, para evitar o repasse dos custos decorrentes do uso das térmicas (que levaria a uma elevação de algo como 12% nas tarifas, com potenciais problemas eleitorais), as autoridades de área estão fazendo barbaridades regulatórias, tão bem ilustradas no recente artigo de Claudio Sales aqui no Estado (10/03).

Em suma, estamos mesmo presos a uma armadilha de crescimento baixo, à qual tenho me referido mais de uma vez neste espaço. Por: José Roberto Mendonça de Barros O Estado de SP