segunda-feira, 8 de julho de 2013

ALGUÉM E NINGUÉM

Mais que um simples escândalo literário e editorial, a FLIP deste ano é um delito de malversação de dinheiro público do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Embratel, da Petrobrás e da Eletrobrás.

Tentando justificar a ausência de escritores liberais e conservadores na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) deste ano, assim se pronunciaram os seus mais destacados representantes:

Miguel Conde, curador: “Não acho que escritores associados à direita sejam numerosos. Tenho até dificuldade em pensar em nomes.”

Sérgio Miceli, membro da principal mesa de debates : “Bons pensadores à direita são peça rara no país.”

Milton Hatoum, conferencista encarregado da palestra de abertura : “De escritor importante no Brasil, não me lembro de nenhum de direita.”

Dada a relevância dos personagens, não creio exagerar ao supor que suas opiniões e seu nível de cultura exemplificam a média dos participantes, excetuada a hipótese, hedionda mas plausível, de que ela vá daí para baixo.

Nesse sentido, a FLIP é a mais espetacular amostra viva da completa destruição da alta cultura no país, substituída pela tagarelice autopromocional de usurpadores e carreiristas barbaramente incultos e infinitamente presunçosos, cuja sobrevivência no cenário intelectual só se deve a três fatores: (1) proteção governamental, (2) interbadalação mafiosa, (3) sistemática e preventiva exclusão dos adversários reais e possíveis.

O fator 3 vem sendo aplicado com tal perseverança, que acabou por moldar a cabeça dos seus mesmos praticantes. Primeiro eles se recusam a falar de um autor, depois concluem, do seu próprio silêncio, que ele não existe. Sua regra áurea é o argumentum ad ignorantiam: “Tudo aquilo que eu não sei ou que esqueci é inexistente, nulo ou irrelevante.”

Os três citados mostraram mais ignorância da cultura brasileira do que se poderia tolerar – mas não aprovar – em alunos de ginásio.

Não vou discutir com esses palhaços. Vou fornecer ao leitor um breve mostruário daquilo que eles, tomando a sua própria ignorância como medida da realidade, dizem ser inexistente ou quase.

Eis aqui, colhidos a esmo, uns poucos nomes de escritores e outros intelectuais brasileiros de ontem e de hoje, todos mais que consagrados (muitos internacionalmente), tidos como “de direita” seja por eles próprios, seja por seus detratores esquerdistas:

Afonso d’Escragnolle Taunay

Alberto Oliva

Ângelo Monteiro

Antônio Olinto

Antônio Paim

Arthur César Ferreira Reis

Augusto Frederico Schmidt

Bruno Garschagen

Bruno Tolentino

Carlos Lacerda

Cornélio Penna

Demétrio Magnoli

Denis Rosenfield

Diogo Mainardi

Dora Ferreira da Silva

Eduardo Gianetti da Fonseca

Eduardo Prado

Eugênio Gudin

Gerardo Mello Mourão

Gilberto de Mello Kujawski

Gilberto Freyre

Gustavo Corção

Heitor de Paola

Heraldo Barbuy

Ignácio da Silva Telles

Irineu Strenger

Ives Gandra da Silva Martins

João Camilo de Oliveira Torres

João de Scantimburgo

Joaquim Nabuco

Jorge Caldeira

José Américo de Almeida

José Guilherme Merquior

José Osvaldo de Meira Penna

Josué Montello

Júlio de Mesquita Filho

Leonardo Prota

Leonel Franca (Pe.)

Lúcio Cardoso

Luís Viana Filho

Luiz Felipe Pondé

Machado de Assis

Manuel Bandeira

Maria José de Queiroz

Mário Ferreira dos Santos

Mário Guerreiro

Mário Vieira de Mello

Maurílio Penido (Pe.)

Miguel Reale

Milton Campos

Nelson Rodrigues

Nicolas Boer

Octavio de Faria

Oliveira Lima

Oliveira Vianna

Otto Maria Carpeaux (primeira fase)

Paulo Francis (segunda fase)

Paulo Mercadante

Paulo Ricardo de Azevedo (Pe.)

Pedro Calmon

Percival Puggina

Plínio Barreto

Rachel de Queiroz

Reinaldo Azevedo

Renato Cirell Czerna

Ricardo Velez Rodriguez

Roberto Campos

Roberto Fendt Júnior

Rodrigo Gurgel

Romano Galeffi

Roque Spencer Maciel de Barros

Ruy Barbosa

Vicente Ferreira da Silva

Vilém Flusser

Wilson Martins.

Faço a lista no improviso e de memória, porque tenho alguma e porque estudei. Os anões da FLIP não sabem nada, não são intelectuais exceto no sentido muito elástico e gramsciano do termo, isto é, agentes de organizações de esquerda encarregados de “ocupar espaços” na mídia, nas universidades e no movimento editorial e ali abrir vagas para seus parceiros de militância, vetando o acesso de candidatos politicamente indesejáveis. O establishmentesquerdista recompensa-os generosamente ao ponto de induzir cada um à ilusão de que é mesmo, como diria Léon Bloy, “aquilo que se convencionou chamar de alguém” -- e de que tudo o mais é um vasto ninguém.

Mais que um simples escândalo literário e editorial, a FLIP deste ano é um delito de malversação de dinheiro público do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Embratel, da Petrobrás e da Eletrobrás. Pessoas que desconhecem a cultura brasileira não têm nenhum direito de representá-la e de ser subsidiadas para isso pelos já tão espoliados e exaustos contribuintes. A FLIP não é um acontecimento da esfera intelectual, é só mais um episódio banal da corrupção avassaladora que tomou conta deste país.

* * *

Assinalo aqui, de passagem e com imensa tristeza, o recente falecimento de um queridíssimo amigo, o escritor e filósofo Paulo Mercadante, uma das inteligências mais lúcidas e produtivas que este país já conheceu.

Comunista na juventude, Paulo rompeu com o Partido após a denúncia dos crimes de Stálin por Nikita Kruschev em 1956, e formou, com Antônio Paim e outros, o núcleo do que viria a ser a corrente liberal do pensamento brasileiro nas décadas seguintes.

Paulo Mercadante foi o homem mais gentil, bondoso e generoso que conheci, além de autor de pelo menos um clássico indiscutível (A Consciência Conservadora no Brasil) e de notáveis ensaios filosóficos que pairam léguas acima das cabecinhas da FLIP.

Por: Olavo de Carvalho   Publicado no Diário do Comércio.

AS FARC SÃO UM BANDO TERRORISTA?

Meu repúdio ao Foro de São Paulo é o repúdio ao comunismo, à ideologia totalitária, sanguinária por antonomásia: o marxismo, que não tem nada a invejar de seu par: o nacional-SOCIALISMO.


Sim, sem dúvida. Porém, é só isso? Não. Isso é reduzir as FARC. Não ter em conta seu caráter político foi um erro enorme nos últimos 20 anos. Isso inclui o governo Uribe. Se fosse só um bando terrorista há tempo teria sido derrotado.

Primeiro: as FARC fazem parte do Partido Comunista Colombiano (PCC), quer dizer, as FARC são constitutivas de um partido político que advoga por elas e que tem os mesmos objetivos.

Segundo: as FARC-PCC são uma organização de ideologia marxista-leninista. Marxismo e terrorismo não são antagônicos, ao contrário: sem o terrorismo, sem a violência, sem a repressão e a mentira, é impossível aplicar o marxismo.

Terceiro: o mais perigoso das FARC-PCC não é o terrorismo, senão suas pretensões políticas enquadradas em um contexto internacional para a imposição de um regime comunista. Então, se as FARC-PCC resolvem deixar ou entregar as armas, sua meta última continua em pé: o comunismo. Então, quando o ex-presidente Uribe diz que o Foro de São Paulo apóia o terrorismo, se equivoca. O Foro de São Paulo apóia o COMUNISMO: impor regimes comunistas na América Latina.

A grande maioria dos partidos e movimentos que conformam o Foro de São Paulo vivem “condenando a violência”, porém têm em comum a defesa de “princípios” revolucionários. O Polo “Democrático” Alternativo é membro do Foro de São Paulo e não tem braço armado, porém advoga pela “superação” do capitalismo e rumar para um modelo “alternativo”, para assim ter uma economia “solidária” e lindezas desse tipo. Aqui na Colômbia, com ou sem o PCC-FARC, desejam impôr, por bem ou por mal, um regime comunista. Meu repúdio ao Foro de São Paulo é o repúdio ao comunismo, à ideologia totalitária, sanguinária por antonomásia: o marxismo, que não tem nada a invejar de seu par: o nacional-SOCIALISMO.

Tradução: Graça Salgueiro


domingo, 7 de julho de 2013

O PESSIMISMO DE VARGAS LIOSA

Passei meu fim de semana na agradável companhia de Mario Vargas Llosa. Ou nem tão agradável assim. É que seu último livro, "A civilização do espetáculo", é obra de alguém um tanto rabugento. Não posso alegar surpresa, pois já tinha lido a resenha de Jerônimo Teixeira na VEJA, assim como o artigo de João Pereira Coutinho na Folha.

Sem dúvida se trata de um Mario Vargas Llosa mais pessimista, cansado com a degradação cultural de nossa época. David Hume fez um alerta importante, porém: "O hábito de culpar o presente e admirar o passado está profundamente arraigado na natureza". 

Devemos ter cuidado para não exagerar na dose do pessimismo, idealizando um passado inexistente. Como mostram Jerônimo e Coutinho, nem tudo é espetáculo na atualidade. Há coisas muito boas, decentes, refinadas, sofisticadas, sendo produzidas por aí, que apenas não ganham as manchetes e capas de jornais. 

Dito isso, considero o alerta pessimista feito por Vargas Llosa bastante pertinente sim. Entendo perfeitamente sua decepção diante da “pós-modernidade”. O zeitgeist é esse mesmo: vivemos na época em que os idiotas pululam, controlam tudo em nome da “democratização” de todas as áreas e do combate ao “preconceito”.

Mataram os critérios minimamente objetivos de julgamento estético. Tomar consciência do problema, relatado de forma exacerbada pelo Prêmio Nobel, consiste no primeiro passo para se evitar o pior, ou para mantermos um pingo de sanidade individual frente à massificação da “cultura”. Como diz Vargas Llosa:

A ingênua ideia de que, através da educação, se pode transmitir cultura à totalidade da sociedade está destruindo a “alta cultura”, pois a única maneira de conseguir essa democratização universal da cultura é empobrecendo-a, tornando-a cada dia mais superficial.

Na era pós-moderna, tudo é horizontal, não pode mais existir hierarquia. Com isso, a linha divisória que separava superior e inferior desaparece. Não existe mais civilização e primitivismo atrasado, pois tudo se confunde, é errado afirmar a superioridade de um frente ao outro. “A derrocada dessas distinções é agora o fato mais característicos da atualidade cultural”.

Vargas Llosa, velho defensor da democracia liberal e da economia de mercado, tenta evitar o tipo de ataque marxista à “sociedade do espetáculo”, como aquele feito por Guy Debord. Para ele, o fenômeno é cultural antes de tudo, não um epifenômeno da vida econômica e social. Mas o escritor peruano não consegue evitar duras críticas ao mercado globalizado que, ao universalizar tudo, contribui para massificar tudo.

Aqui discordo um pouco, pois a globalização permite o contato com inúmeras culturas diferentes, que ajuda a enriquecer quem está aberto a elas, sem recusar valores minimamente objetivos. Mas o alerta tem seu ponto, e merece ser citado:

A indústria cinematográfica, sobretudo a partir de Hollywood, “globaliza” os filmes, levando-os a todos os países, e, em cada país, a todas as camadas sociais, pois, tal como os discos e a televisão, os filmes são acessíveis a todos, não exigindo, para sua fruição, formação intelectual especializada de tipo nenhum. Esse processo se acelerou com a revolução cibernética, a criação das redes sociais e a universalização da internet.

Esse tipo de fenômeno, segundo Vargas Llosa, representa um sério obstáculo à criação de indivíduos independentes, capazes de julgar por conta própria o que apreciam e admiram. Considero essa visão pessimista demais, ao tratar todos como cães de Pavlov diante da tentação midiática. Mas não dá para negar que muitos sucumbem a isso sim. 

Talvez para a grande maioria, o bom passa a ser confundido com aquilo que é mais vendido, e sucesso passa a significar apenas boas vendas comerciais. “O único valor existente é agora o fixado pelo mercado”, constata o escritor, confundindo-se com um típico crítico de esquerda.

A “civilização do espetáculo” seria marcada pela busca incessante por diversão e distração. Literatura light, fácil, rápida, exigindo o mínimo de esforço intelectual e ao mesmo tempo causando no leitor a impressão de que ele é moderno, de vanguarda, revolucionário. Movimentos de massa que “desindividualizam” o indivíduo, perdido em meio ao clima tribal, como parte da horda primitiva. 

Drogas cada vez mais consumidas na busca por prazeres momentâneos, livrando o indivíduo de preocupação e responsabilidade, reflexão e introspecção, “atividades eminentemente intelectuais que parecem enfadonhas à cultura volúvel e lúdica”.

Proliferação de seitas moderninhas que visam à substituição das antigas e milenares religiões, ofertando conforto imediato e fugas espontâneas às angústias da vida. Humor banal como entretenimento: “Na civilização do espetáculo, o cômico é rei”. A transformação dos próprios intelectuais em “bufões” se quiserem, de alguma maneira, ainda influenciar o rumo das ideias em sua sociedade.

O estímulo exagerado de imagens: “Hoje vivemos a primazia das imagens sobre as ideias”. A superficialidade dos slogans das redes sociais. Políticos que cada vez mais só trabalham sua forma, em vez do conteúdo. A frivolidade valoriza mais a aparência que a essência. Banalização do sexo, transformação do erótico em pornografia vulgarizada. Revista Caras como ícone da modernidade, onde a fofoca sobre os famosos importa mais do que informação de fato. O próprio jornalismo alimentando essas paixões baixas do ser humano, de forma totalmente sensacionalista e mórbida.

É muito pessimismo para um domingo, eu sei. Nem tudo é assim como diz Vargas Llosa. Mas me parece inegável que ele tem um ponto, e que faz bem em expor seu alerta. Muitas pessoas com maior sensibilidade e independência acabam optando pelo autoexílio, pelo ostracismo autoimposto, pelo silêncio. E isso só deixa mais espaço para os idiotas. 

Por isso considero legítimo o ataque do escritor à “civilização do espetáculo”, uma vez que é sempre bom lembrar que “a vida não só é diversão, mas também drama, dor, mistério e frustração”. Poucos querem ser lembrados disso atualmente, na era do Prozac...
Por: Rodrigo Constantino

PENSAR ESTÁ SE TORNANDO ALGO OBSOLETO

A educação não somente foi negligenciada no sistema educacional atual, como também já foi quase que completamente substituída pela doutrinação ideológica.

Embora seja humanamente impossível responder a todos os e-mails e cartas que os leitores me enviam, muitos deles são bastante interessantes e intelectualmente instigantes, tanto no sentido positivo quanto no sentido negativo.

Por exemplo, um jovem me enviou um e-mail pedindo as fontes em que eu havia me baseado para citar alguns fatos negativos sobre o desarmamento em um artigo recente. É sempre bom checar os fatos — especialmente se você checar os fatos de ambos os lados da questão.

Em contraste, um outro sujeito simplesmente me criticou por tudo o que eu havia dito nesse artigo. Ele não pediu as minhas fontes e nem quis saber se elas existiam; ele simplesmente saiu fazendo afirmações em contrário, como se essas suas assertivas fossem automaticamente corretas pelo simples fato de estarem sendo pronunciadas por ele, algo que, em sua mente, invalidaria automaticamente tudo o que eu havia escrito.

Ele se identificou como médico, e as alegações que ele fez sobre armas eram as mesmas que haviam sido feitas anos atrás em uma revista médica — alegações que já foram inteiramente desacreditadas desde sua publicação. Ele poderia ter aprendido isso caso houvesse me dado a oportunidade de responder às suas provocações, de um modo que nos engajássemos em um debate. Porém, ele próprio deixou claro desde o início que sua carta não tinha o objetivo de gerar um debate, mas sim apenas de me acusar e me denunciar. 

Esse tipo de comportamento se tornou um procedimento padrão no mundo atual.

É sempre surpreendente — e apavorante — constatar quantos assuntos extremamente sérios não são discutidos seriamente hoje em dia; as pessoas simplesmente saem emitindo afirmativas e contra-afirmativas, tudo de maneira generalizada. Seja em debates de internet ou até mesmo em programas de televisão, as pessoas simplesmente tentam calar seu opositor falando mais alto do que ele ou simplesmente recorrendo a frases de efeito de cunho emotivo.

Há inúmeras maneiras de fazer parecer que se está argumentando sem que na realidade se esteja produzindo absolutamente nenhum argumento coerente.

Décadas de educação escolar e universitária simplificada — para não dizer idiotizante — certamente têm algo a ver com a atual situação, mas isso não explica tudo. A educação não somente foi negligenciada no sistema educacional atual, como também já foi quase que completamente substituída pela doutrinação ideológica. A doutrinação que hoje é feita por professores e instituições supostamente educacionais é amplamente baseada na simples vocalização das mesmas pressuposições básicas e não-comprovadas de sempre.

Se as instituições educacionais de hoje — desde escolas a universidades — estivessem tão interessadas em diversidade de ideias quanto estão obcecadas com diversidade racial e sexual, os estudantes ao menos adquiririam experiência ao ver as pressuposições que existem por trás de diferentes visões, e entenderiam a função da lógica e da evidência ao debaterem tais diferenças. No entanto, a realidade é que um estudante pode passar por todo o seu ciclo educacional, desde o jardim de infância até seu doutoramento, sem entrar em contato com absolutamente nenhuma visão de mundo que seja fundamentalmente diferente daquela que prevalece dentro do espectro de opiniões autorizadas e politicamente corretas que domina o nosso sistema educacional.

No que mais, a perspectiva moral da visão ideológica predominante é completamente maniqueísta: as pessoas imbuídas dessas ideias realmente se veem como anjos combatendo todas as forças do mal — seja o assunto em questão o desarmamento, o ambientalismo, o racismo, o homossexualismo, o feminismo ou qualquer outro ismo.

Um monopólio moral é a antítese de um livre mercado de ideias. Um indicativo desta noção de monopólio moral dentre a intelligentsia esquerdista é o fato de que as instituições que estão majoritariamente sob seu controle — escolas, faculdades e universidades — são justamente aqueles que usufruem muito menos liberdade de expressão do que o resto da sociedade.

Por exemplo, ao passo que a defesa e até mesmo a promoção da homossexualidade é comum nos campi universitários — e comparecer a palestras e aulas que fazem tal promoção é frequentemente algo obrigatório nos cursos introdutórios —, qualquer crítica ao comportamento homossexual é imediatamente rotulada de "reacionarismo", "preconceito" e "incitação ao ódio", sujeita a imediata punição.

Enquanto porta-vozes de vários grupos raciais e étnicos são livres para denunciar com veemência "os brancos" por seus pecados passados e presentes, verdadeiros ou imaginários, qualquer estudante branco que similarmente venha a denunciar as transgressões ou os desvarios de grupos não-brancos garantidamente será punido, se não expulso.

Até mesmo estudantes que não defendem ou não promovem absolutamente nada podem ter de pagar um preço caso não concordem com a lavagem cerebral que ocorre nas salas de aula. Recentemente, nos EUA, um aluno da Florida Atlantic University que se recusou a pisotear um papel em que estava escrito a palavra "Jesus", a mando de seu professor, foi suspenso pela universidade. Felizmente, a história veio a público e gerou uma onda de protestos fora do mundo acadêmico.

A atitude deste professor pode ser descartada e ignorada como sendo um caso isolado de extremismo, mas o fato é que o establishment universitário saiu solidamente em sua defesa e atacou implacavelmente o estudante. Tal atitude mostra que a podridão moral que impera na academia vai muito mais além do que um simples professor adepto da doutrinação e da lavagem cerebral.

Estamos hoje vivenciando todo o esplendor do anti-intelectualismo que se espalhou por metástase ao longo de todo o mundo acadêmico. As universidades se tornaram tão dominadas por uma insistência na inviolabilidade de um determinado pensamento grupal, que qualquer professor "forasteiro", que não compactue com a predominância deste pensamento gregário, não mais pode falar a respeito de um determinado assunto sem antes ter sido devidamente credenciado por seus pares. Uma simples pesquisa sobre o tratamento dispensado a acadêmicos que ousam questionar a santidade do aquecimento global mostra bem esse ponto.

Já houve uma época em que um curso universitário era considerado um meio de introduzir as pessoas a uma ampla gama de assuntos que lhes permitiria pensar e falar inteligentemente sobre várias questões que estivessem afetando suas vidas. O pensamento coletivista — que hoje é predominante no meio universitário — rejeita tal ideia, conferindo o monopólio de determinadas questões apenas àquelas pessoas que são reconhecidas como "especialistas" por seus pares.

Este método educacional que recorre à intimidação e à simples repetição de frases de efeito de cunho emocional evidencia a completa falência do sistema educacional. Se professores universitários — teoricamente a nata intelectual da sociedade, pessoas que por vocação e profissão deveriam ser as mais rígidas seguidoras do rigor intelectual — agem assim, como podemos esperar que o restante da população apresente discernimentos mais profundos? 

Para sobreviver e progredir, seres humanos precisam saber pensar. Porém, estamos cada vez mais terceirizando esta função para acadêmicos, que por sua vez pautam o conteúdo da mídia. Tal terceirização de pensamento ajuda a explicar por que há hoje uma escassez de pensamentos originais e significativos. 

O fracasso do sistema educacional vai muito além da ausência de um aprendizado útil. O real fracasso está naquilo que de fato é ensinado — ou melhor, doutrinado — nas salas de aula, algo evidenciado pelos formandos que as universidades cospem para o mundo, seres incapazes de apresentar qualquer resquício de pensamento original. 

Jamais se preocupe em se aprofundar em qualquer assunto: os "especialistas" cujos empregos se resumem a promover a agenda do establishment político e cultural já têm tudo explicado para você.

Por: Thomas Sowell, um dos mais influentes economistas americanos, é membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford. Seu website: www.tsowell.com.

Publicado no site do Instituto Ludwig Von Mises Brasil.

Tradução: Leandro Roque

sábado, 6 de julho de 2013

AMESTRANDO PROLETÁRIOS

O conhecimento verdadeiro não tem cor, sexo ou classe. E, quando tem, então não é conhecimento verdadeiro.


O problema do pensamento politicamente correto é que ele nada tem de correto. Pior: na ânsia de impedir qualquer ofensa a grupos ou minorias, ele converte-se na mais grotesca ofensa que existe para esses grupos ou minorias.

A revista alemã "Der Spiegel" relata um caso que merece partilha: parece que a Universidade Livre de Berlim decidiu publicar um guia interno para que os alunos de famílias proletárias possam ser mais facilmente integrados na vida acadêmica. E que nos diz o guia?

Coisas sensatas. Primeiro, informa os estudantes da instituição que os coleguinhas proletários não se sentem naturalmente confortáveis em ambientes não proletários.

Mas o guia vai mais longe e exorta os alunos de classe média a gerar o ambiente ideal para que os coleguinhas proletários se sintam em casa. Como? Por exemplo, aconselhando a classe média a não criticar ou ridicularizar nenhuma afirmação dos coleguinhas proletários.

Para os autores do guia, os alunos proletários são como certas espécies zoológicas que é necessário proteger em "habitat" adequado. E isso implica não os assustar e, logicamente, não os alimentar com doses arcaicas de conhecimento "burguês" e "reacionário".

Como é evidente, o pensamento politicamente correto das patrulhas parte de duas ideias profundamente ofensivas.

A primeira ideia é a defesa explícita de que alunos de famílias proletárias estranham e definham em ambientes eruditos. Sim, seria possível fazer uma lista de intelectuais gerados pelo proletariado --de Jack London a D.H. Lawrence-- que marcaram a história da cultura ocidental.

As patrulhas politicamente corretas não conhecem essa lista. Preferem a caricatura do filho do operário fabril que só consegue ser feliz e "autêntico" no meio da fuligem. Livros, para ele, dão soneira. Ou coceira, tanto faz.

Mas é a segunda recomendação que impressiona pela sua evidente discriminação. Para as patrulhas, sempre que um aluno proletário abre a boca, é preciso ser condescendente para escutar as alarvidades que ele diz.

A universidade não é uma universidade, com a missão de corrigir erros e procurar algum conhecimento válido para todos. A universidade é uma grande encenação --ou, melhor ainda, uma sessão coletiva de terapia onde ninguém está certo (ou errado) porque todos estão certos (ou errados).

O que o pensamento politicamente correto produz não é difícil de imaginar: a perpetuação do estigma de alunos proletários e a impossibilidade de eles aprenderem alguma coisa (na universidade) para ascenderem social e economicamente (na vida profissional).

Quando se sai da universidade exatamente como se entrou, é preciso perguntar que mecanismo de atraso explica o resultado. Ironia: o atraso é promovido por aqueles que imaginam lutar contra ele.

Depois de críticas severas da imprensa alemã, o guia da Universidade Livre de Berlim foi retirado para "reformulação". Mas ele deveria ensinar duas lições preciosas aos fanáticos do pensamento politicamente correto.

Para começar, ele ensina como é tirânico falar em nome de grupos inteiros. Porque não existem grupos inteiros. O proletariado não existe. Os negros não existem. Os gays, as mulheres, os anões não existem.

O que existe são indivíduos diversos, com histórias ou interesses diversos. Haverá proletários que não gostam de livros. Haverá proletários que não vivem sem eles.

E haverá burgueses, genuínos burgueses, para quem ler, escrever e pensar são formas medievais de tortura. Conheço vários.

A caricatura do "proletário" como um jumento apedeuta diz mais sobre as patrulhas politicamente corretas do que sobre o proletariado que elas julgam defender.

Por último, respeitar as pessoas não significa tratá-las como crianças. Ou como velhos dementes a quem sorrimos e aplaudimos sempre que eles tentam vestir as cuecas pela cabeça.

O conhecimento verdadeiro não tem cor, sexo ou classe. E, quando tem, então não é conhecimento verdadeiro.

Um guia decente para uma universidade decente só precisava de duas mensagens: "bem-vindo" e "mostra o que vales". Nada mais.

Por: João Pereira Coutinho, português, é escritor e doutor em ciência política.

Publicado no jornal Folha de São Paulo.

O PREFEITO ESTÁ NU


Seguindo as recentes manifestações que começaram como um protesto contra o aumento de 20 centavos na tarifa do ônibus em São Paulo, mas que acabaram sendo um protesto contra tudo que tem revoltado os brasileiros, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad propôs aumentar os impostos da gasolina — que já são mais de 53% — para fazer com que este aumento de arrecadação cubra a diminuição do preço da passagem de ônibus; "o dono de carro de São Paulo subsidiaria o transporte público de sua cidade" é o que pretende seu plano.

É este o pensamento político predominante hoje em dia.

Veja bem o que Haddad está dizendo. Ele deseja algo ("diminuir o preço da passagem de ônibus"), portanto as pessoas deveriam ser forçadas a dar isto a ele. (Em nenhum momento se vislumbra a ideia de como o livre mercado poderia alcançar este resultado pacificamente. Pense em quantos bens de consumo o mercado mesmo obstruído pelo governo tornou universal e acessível mesmo para os mais pobres.)

Se eu ou você reivindicássemos isso em nossas vidas privadas, seríamos considerados bruscos. E se empreendêssemos ações concretas para conseguir estes objetivos, seríamos presos por roubo ou extorsão, merecidamente.

Por que as regras normais e sensatas da moralidade não se aplicam a prefeitos e outros ocupantes de cargos públicos? Obviamente isto é um absurdo. Como pode um subconjunto de seres humanos possuir direitos e poderes que não são possuídos por todos?

Quando éramos crianças, todos nós fomos ensinados a não bater nos outros, não pegar o que é dos outros sem permissão e a não quebrar nossas promessas. Se precisamos da cooperação de outras pessoas, o que se espera é que recorramos a persuasão. O uso da força é proibido. Estes são princípios consistentes que sustentam toda sociedade decente, e espera-se que sigamos estes princípios quando nos tornamos adultos. Na verdade, tanto a lei criminal quanto o direito civil incorporam estes princípios em suas proibições de assassinatos, assaltos, roubos, furtos e quebras de contratos.

Porém, quando um politico defende que se obrigue as pessoas a seguir seus grandes planos, as regras normais são suspensas e substituídas por regras diferentes. No mundo político, pessoas que nunca importunaram ninguém podem ser coagidas a participar de um esquema de um político por nenhum motivo. A única coisa que alegam é que o esquema não iria funcionar se não contasse com a participação de todos.

Bem, desculpem-me, mas esta justificativa não basta.

E o fato de que apenas levantar esta questão soa como algo tão estranho nos mostra o quanto a política está distante da moralidade normal. Numa sociedade educada, simplesmente não se costuma comparar um político com um criminoso comum. Mas pense a respeito. Imagine que Haddad fosse seu vizinho e ele bolasse um plano para uma associação comunitária que fosse prover diversos serviços, incluindo passagem de ônibus com desconto. "Meu plano não irá funcionar a menos que todos participem", ele diz. Então ele ameaça todos que se recusarem a participar. O que você iria pensar deste homem? Se ele exigisse seu dinheiro sob a mira de um revólver, você chamaria a polícia, não?

Política, força e moralidade

Então porque esta exceção moral para prefeitos? Força agressiva é força agressiva. Será que importa quem aplica a força? O fato é que aquele que se recusa a participar de um programa do governo — previdência social, saúde pública, transporte subsidiado ou gratuito — não importunou ninguém. Ele não coagiu ninguém. Ele simplesmente cuidou da própria vida. Portanto, o governo deveria deixa-lo em paz. O princípio "viva e deixe viver" parecia ser levado mais em conta antigamente. Mas agora parece estar quase que completamente em desuso. Ninguém quer encarar este problema. De onde os funcionários públicos tiram a autoridade para compelir pessoas pacíficas a financiar e participar de seus programas sociais? Alguém poderia responder que a autoridade vem do próprio povo. Mas como? Já vimos que nem eu e nem você temos autoridade para iniciar agressão contra outros. Se nós ainda assim fizermos isso, somos criminosos. Então como todos nós juntos podemos ter tal autoridade? Não podemos.

Os direitos do todo não podem ser maiores que a soma dos direitos de suas partes. Frédéric Bastiat escreveu emA lei,


Se cada homem tem o direito de defender — até mesmo pela força — sua pessoa, sua liberdade e sua propriedade, então os demais homens têm o direito de se concertarem, de se entenderem e de organizarem uma força comum para proteger constantemente esse direito.
O direito coletivo tem, pois, seu princípio, sua razão de ser, sua legitimidade, no direito individual. E a força comum, racionalmente, não pode ter outra finalidade, outra missão que não a de proteger as forças isoladas que ela substitui. 
Assim, da mesma forma que a força de um indivíduo não pode, legitimamente, atentar contra a pessoa, a liberdade, a propriedade de outro indivíduo, pela mesma razão a força comum não pode ser legitimamente usada para destruir a pessoa, a liberdade, a propriedade dos indivíduos ou dos grupos.

Ninguém conseguiu até hoje refutar o argumento de Bastiat. Não existe refutação para isso. Além disso, este princípio é uma ideia que forjou a liberdade norte-americana, e, consequentemente, do resto do mundo. Foi o que Thomas Jefferson quis dizer quando escreveu que "todos os homens são criados iguais" na Declaração da Independência americana. Com certeza ele não quis dizer que as pessoas são iguais em inteligência, talento, disposição, ambição, força física etc. E ele não poderia querer dizer simplesmente que eles deveriam ser iguais perante a lei, porque seria muito primário; podemos imaginar uma sociedade em que a lei trate todos muito mal, porém, igualmente mal. Mesmo a igualdade de liberdade não representa o que Jefferson quis dizer, porque existiram sociedades em que praticamente todos possuíam uma pequena e igual porção de liberdade.

Não precisa haver nenhuma dúvida sobre o que Jefferson quis dizer. Roderick Long nos lembra que Jefferson pegou emprestado a filosofia da Declaração de John Locke, o qual era bastante claro sobre o que ele queria dizer por igualdade. Em seu Segundo Tratado sobre o Governo, Locke diz que igualdade é um estado


onde a reciprocidade determina todo o poder e toda a jurisdição, ninguém tendo mais que os outros; evidentemente, seres criados da mesma espécie e da mesma condição, que, desde seu nascimento, desfrutam juntos de todas as vantagens comuns da natureza e do uso das mesmas faculdades, devem aindaser iguais entre si, sem subordinação ou sujeição. . . .[ênfases inseridas]

Locke prossegue para elaborar o que Long chama de "igualdade de autoridade":


[S]endo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens. . . . Dotados de faculdades similares, dividindo tudo em uma única comunidade da natureza, não se pode conceber que exista entre nós uma "hierarquia" que nos autorizaria a nos destruir uns aos outros, como se tivéssemos sido feitos para servir de instrumento às necessidades uns dos outros, da mesma maneira que as ordens inferiores da criação são destinadas a servir de instrumento às nossas.

Portanto, se Fernando Haddad, cidadão privado, não pode legitimamente forçar você e eu a pagar pela passagem de ônibus de outra pessoa quando compramos gasolina para nós, o prefeito Fernando Haddad também não pode — mesmo se 99,99% das pessoas apoiasse a ideia. A moralidade não é apropriadamente determinada pela regra da maioria.

As pessoas permitiram que suas liberdades fossem retiradas porque não conseguiram seguir o senso comum e a lógica simples. Negligenciaram o fato de que políticos não podem ter nenhum poder que indivíduos privados não possuam. Engoliram a propaganda de que todas as pessoas foram criadas iguais, mas que algumas são mais iguais que outras. O povo se tornou os súditos que tinham medo de contar ao Rei que ele estava sem roupa com receio de serem considerados estúpidos. E os políticos têm toda a intenção de nos explorar desta mesma forma.

Onde está o corajoso garoto que gritou que o Rei estava nu?

O texto foi levemente adaptado apenas substituindo o nome do político (Hillary Clinton) e a intervenção (saúde pública).

Por: Sheldon Richman é vice presidente da The Future of Freedom Foundation e editor da revista mensal Future of Freedom.Durante 15 anos foi o editor da The Freeman, publicada pela Foundation for Economic Education.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

'DILMA E SEUS GOVERNOS"

Dilma Rousseff é caso único na História do Brasil. Já iniciou, em apenas sete meses, três vezes o seu governo. Em janeiro assumiu a Presidência. Parecia que a sua gestão iria começar. Ledo engano. Veio a crise em maio – caso Palocci – e ela rearranjou o núcleo duro do poder. Seus entusiastas saudaram a mudança e espalharam aos quatro ventos que, naquele momento, iria efetivamente dar início ao seu governo. Mera ilusão. Veio nova crise em junho, esta no Ministério dos Transportes. Seguiram-se demissões de altos funcionários – ontem já chegaram a 27. Em seguida, foi anunciado que agora – agora mesmo – é que iria começar a sua Presidência. Será?


No país das Polianas, sempre encontramos justificativas para o injustificável. Os defensores, meio que envergonhados da presidente, argumentam que ela recebeu uma herança maldita. Mas não foi essa “herança” que a elegeu presidente? Não permaneceu cinco anos na Casa Civil participando e organizando essa “herança”? Herança, como é sabido, é algo recebido de outrem. Não é o caso. A então ministra da Casa Civil foi uma participante ativa na organização da base partidária que sustenta o governo no Congresso Nacional. Tinha e tem absoluta ciência do que representam essas alianças para o erário.

Fingir indignação, falar em limpeza – quando o vocabulário doméstico invade a política, é sinal de pobreza ideológica -, dizer que agora, sempre agora, só vai aceitar indicações que tenham a ficha limpa, isso é um engodo. Quer dizer que no momento em que formou o Ministério a ficha limpa era irrelevante? Ficha limpa é para coagir aliados? E que aliados são esses que são constrangidos pelo currículo?

Os sucessivos reinícios de governo são demonstrações de falta de rumo e de liderança. O PAC não é um plano de governo. É uma junção aleatória de obras realizadas principalmente pelo governo e por empresas estatais. É um todo sem unidade alguma. Não há uma concepção de projeto nacional, nada disso. Além da falta de organicidade, os cronogramas de todas as obras estão atrasados. O governo não consegue realizar, de forma eficaz, nenhum empreendimento. Quando algo chama a atenção, não é por seu efeito para o desenvolvimento do País. Muito ao contrário. É por gasto excessivo, desvio de recursos, inutilidade da obra ou atraso no prazo de entrega. E, algumas vezes, é uma cruel somatória desses quatro fatores.

O País está sem rumo. Mantém indicadores razoáveis no campo econômico, contudo muito abaixo das nossas potencialidades. Basta lembrar que neste ano a taxa de crescimento será a mais baixa entre os países da América do Sul (não estamos falando de China, Índia ou Coreia do Sul, mas de Paraguai, Equador e Peru). A economia ainda é movida pelo que foi estruturado durante os primeiros anos do Plano Real e por medidas adotadas em 2009, ante a crise internacional.

A falta de liderança é evidente. Os últimos quatro meses foram de abalos permanentes. E nos primeiros cem dias a presidente teve uma trégua. Foi elogiada até pelo que não fez. Politicamente, o ano começou em abril e, de lá para cá, o governo toda semana foi tendo algum tipo de problema. Ora no relacionamento com a base, ora no cotidiano administrativo. O problema central é que Dilma não se conseguiu firmar como liderança com vida própria. É vista pelos líderes da base como alguém que deve ser suportada até o retorno de Lula. A questão – para eles – é aguentar a destemperança presidencial. Claro que o preço compensa. Porém a rispidez e os gritos da presidente revelam que ela própria sabe que não é levada a sério. Vez por outra, o passado deve rondar os pensamentos da presidente. Ela, em alguns momentos, exige uma obediência ao estilo do velho “centralismo democrático” leninista. Sonha com Trotsky, Bukharin e Kamenev, mas convive com Collor, Sarney e Renan.

Nas crises que enfrentou, não conseguiu encontrar solução razoável. Ao contrário, desarrumou a articulação existente e foi incapaz de substituí-la por algo mais eficiente. Deixou rastros de insatisfação e desejos de vingança. A trapalhada com o PR e a demora em resolver de vez as denúncias são mais evidências da falta de capacidade política. Criou na Esplanada dos Ministérios a versão petista do “onde está Wally?”. Agora o jogo é adivinhar, entre mais de três dúzias de ministros, quem será o próximo a cair em desgraça. Algo meio stalinista (é o passado novamente?). Com tanto estardalhaço, Dilma nem acabou com a corrupção nem conseguiu fazer a máquina governamental funcionar. E quem perde é o País.

A cada fracasso de Dilma, mais cresce o clamor da base (e do PT, principalmente) para o retorno de Lula. Difícil acreditar que o criador não imaginasse como seria o governo da sua criatura. Pode ter sido uma jogada de mestre. Respeitou a Constituição (não patrocinando o terceiro mandato), impôs uma candidatura-poste, venceu com o seu prestígio a eleição e será chamado cada vez mais para apagar incêndios. Ou seja, a possibilidade de ser passado para trás é nula. Dessa forma, transformou-se no personagem fundamental para manter a estabilidade da aliança do grande capital nacional e estrangeiro, fundos de pensão das estatais, políticos corruptos e oportunistas de toda ordem. É também o único que consegue fazer a articulação com o andar de baixo, dando legitimidade ao projeto antinacional. Sem ele, tudo desmorona.

Dilma vai administrando (e mal) o cotidiano. A fantasia de excelente gestora, envergada no governo Lula e na campanha presidencial, revelou-se um figurino de péssima qualidade. Como nos velhos sambas, a quarta-feira já chegou. Um pouco cedo, é verdade. O carnaval mal começou. E dos quatro dias de folia, nem acabou o primeiro. Por: Marco Antonio Villa

quinta-feira, 4 de julho de 2013

O PIBINHO AMERICANO

Os números do PIB americano trouxeram um pouco de bom-senso aos espíritos dos mais afobados


A imprensa brasileira tem usado a expressão "pibinho" para descrever -e ridicularizar- o nosso crescimento econômico na era Dilma. Muito dessa expressão representa uma reação bem brasileira ao eterno excesso de otimismo do ministro da Fazenda ao falar sobre o futuro da economia.

Pois a divulgação final dos números do crescimento nos Estados Unidos, no primeiro trimestre do ano, foi recebida com o mesmo sentimento de frustração pelos mercados financeiros. Esperava-se um aumento do PIB da ordem de 2,4% ao ano e o número final foi de apenas 1,8% ao ano, um verdadeiro "pibinho".

Na métrica usada pelo IBGE no Brasil, teríamos na maior economia do mundo, nestes primeiros três meses do ano, um crescimento de 0,45%, ante 0,60% no Brasil.

Mas é importante entender que os EUA vivem uma dinâmica econômica bastante diferente da brasileira e, nessas condições, comparar taxas de crescimento pode levar a conclusões erradas e perigosas.

No Brasil, a dificuldade de crescer vem principalmente do esgotamento de um ciclo criado pela ocupação de espaços ociosos de oferta na economia, em resposta principalmente a estímulos fiscais e de crédito criados pelo governo.

Nos Estados Unidos, ainda é muito grande a ociosidade em partes importantes do tecido econômico, principalmente no mercado de trabalho e no sistema bancário, e por isso a economia vem trabalhando bem abaixo de seu potencial.

Por outro lado, a política fiscal nesta primeira metade do ano tem sido um fator de contração da demanda, com uma redução importante do deficit das contas públicas.

A atividade econômica, medida apenas no setor privado da economia, cresceu nestes primeiros três meses do ano a uma taxa anual bem mais elevada (2,75%). Ou seja, a política fiscal de ajuste do deficit orçamentário, depois de vários anos de política fiscal expansionista anticíclica, está reduzindo em mais de 1% ao ano o crescimento americano em 2013.

Mesmo com esse freio funcionando deliberadamente, a economia já se encontra em uma fase inicial de recuperação do crescimento, depois de mais de cinco anos de crise financeira. Um fato que deve ser comemorado por todos os países, desenvolvidos ou emergentes, com entusiasmo.

Foi nesse ambiente de retomada de um crescimento sustentado que o Federal Reserve, o banco central dos EUA, comunicou ao mercado que começaria a normalizar a política monetária até o fim de 2013.

Em entrevista logo após a reunião do Fomc -equivalente ao nosso Copom-, o presidente do Fed descreveu uma agenda muito cuidadosa e cheia de qualificações dos próximos passos na direção de uma política monetária clássica.

Claramente ele temia uma reação exagerada dos mercados e que uma alta nos juros americanos, muito acima da desejada pela autoridade monetária, poderia abortar essa recuperação.

Apesar do cuidado de suas palavras, essa decisão provocou um abalo importante nos negócios financeiros pelo mundo afora. Os juros dos títulos do Tesouro americano de dez anos de prazo --que já vinham aumentando em razão das expectativas-- deram um pulo de mais de 0,5 ponto percentual, arrastando nesse movimento as Bolsas de Valores no mundo todo e as moedas dos países emergentes.

Na rudimentar opinião dos mercados, uma normalização dos juros nos EUA vai fazer com que a maior parte do dinheiro que circula hoje em países como o Brasil volte correndo para Wall Street, deixando à míngua essas economias.

Mas números do PIB norte-americano, divulgados anteontem, trouxeram um pouco de bom-senso aos espíritos dos mais afobados ao mostrar que a tão cantada normalização dos juros vai ter que esperar dias melhores na maior economia do mundo.

Com isso, certa calma voltou aos mercados emergentes, com queda nos juros, fortalecimento das moedas desses países e uma tímida recuperação dos preços das ações.

Minha expectativa é que nas próximas semanas essa percepção de que o dia do ajuste final só ocorrerá em 2014 consolide esse movimento de recuperação dos mercados emergentes.
Por: Luiz Carlos Mendonça de Barros Folha de SP

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O GOLPE DO PT

É claro que a reforma política é fundamental para avançarmos no processo democrático, e não é à toa que há anos buscam-se fórmulas para aperfeiçoar nosso sistema político-partidário, responsável principal pelas distorções na atividade política.


Quando os manifestantes nas ruas dizem que não se sentem representados pelos partidos políticos, e criticam a defasagem entre representante e representado, estão falando principalmente da reforma política.

Mas há apenas uma razão para que o tema tenha se tornado o centro dos debates: uma manobra diversionista do governo para tentar assumir o comando da situação, transferindo para o Congresso a maior parte da culpa pela situação que as manifestações criticam.

O governo prefere apresentar o plebiscito sobre a reforma política como a solução para todos os males do país e insistir em que as eventuais novas regras passem já a valer na eleição de 2014, mesmo sabendo que dificilmente haverá condições de ser realizado a tempo, se não pela dificuldade de se chegar a um consenso sobre sua montagem, no mínimo por questões de logística.

A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ministra Cármen Lúcia, convocou para terça-feira uma reunião com todos os presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) para começar a organizar a logística para um possível plebiscito.

Ao mesmo tempo, a diretoria de Tecnologia do TSE já começou a estudar qual a maneira mais rápida de montar uma consulta popular nas urnas eletrônicas. Só depois dessas reuniões, o TSE terá condições de estimar o tempo previsto para implementar o plebiscito, e até mesmo sua viabilidade, já que o sistema binário (de sim ou não) pode não ser suficiente para a definição de temas tão complexos quanto o sistema eleitoral e partidário.

Mas já há movimentos dentro do governo no sentido de que o prazo mínimo de um ano para mudanças nas regras eleitorais, definido pela Constituição, seja reduzido se assim o povo decidir no plebiscito. Ora, isso é uma tentativa de golpe antidemocrático que pode abrir caminho para outras decisões através de consultas populares, transformando- nos em um arremedo de república bolivariana.

A questão certamente acabará no Supremo, por inconstitucional.

A insistência na pressa tem boas razões. O sonho de consumo do PT seria mudar as regras do jogo com a aprovação das candidaturas em listas fechadas, em que o eleitor vota apenas na legenda, enquanto a direção partidária indica os candidatos eleitos.

Como o partido com maior apelo de legenda, o PT teoricamente seria o de maior votação.

Mas, se as mudanças não acontecerem dentro do cronograma estabelecido pelo Palácio do Planalto, será fácil culpar o Congresso pela inviabilização da reforma política, ou o TSE.

Já no 3º Congresso do PT, em 2007, o documento final - que Reinaldo Azevedo, da "Veja", desencavou - defende exatamente os pontos anunciados pela presidente Dilma em seu discurso diante dos governadores e prefeitos.

Ela própria admitiu que gostaria que do plebiscito saíssem o voto em lista e o financiamento público de campanha. Até mesmo a Constituinte exclusiva, que acabou sendo abortada, está entre as reivindicações do PT desde 2007. "Para que isso seja possível, a reforma política deve assumir um estatuto de movimento e luta social, ganhando as ruas com um sentido de conquista e ampliação de direitos políticos e democráticos", diz o documento do PT.

Para os petistas, "a reforma política não pode ser um debate restrito ao Congresso Nacional, que já demonstrou ser incapaz de aprovar medidas que prejudiquem os interesses estabelecidos dos seus integrantes".

A ideia de levar a reforma para uma Constituinte exclusiva tem como objetivo impedir que "setores conservadores" do Congresso introduzam medidas como o voto distrital e o voto facultativo, "de sentido claramente conservador", segundo o PT.

De acordo com o mesmo documento, "a implantação, no Brasil, do financiamento público exclusivo de campanhas, combinado com o voto em listas preordenadas, permitirá contemplar a representação de gênero, raça e etnia".

Portanto, a presidente Dilma está fazendo nada menos que o jogo do seu partido político, com o agravante de ser candidata à Presidência da República na eleição cujas regras pretende alterar.
Por: Merval Pereira O Globo

terça-feira, 2 de julho de 2013

DEMOFOBIA EM MARCHA

Norberto Bobbio, em artigo muito lúcido, mostra que a democracia surge dos choques entre a praça e o palácio. Ele cita Guicciardini: "Entre o palácio e a praça existe uma densa névoa ou um muro tão grande que pouco sabe o povo sobre o que fazemos governantes e por que o fazem, como se o assunto dos dirigentes fosse algo feito na Índia". Atualizando a reflexão, Bobbio adianta que ainda não contamos com uma eficaz sociologia da praça.

Manifestações de rua significam a multidão de pessoas indignadas com os palácios. A praça reúne muitos indivíduos, a sua forma aberta permite livres discussões. Quem para ela se dirige tem alvo comum: reivindicar direitos, ouvir líderes. "Na democracia representativa (...) a praça é amais visível consequência do direito de reunião ilimitado quanto ao número de pessoas que possam exercitá-lo juntas e ao mesmo tempo" (Bobbio). Finaliza o pensador: "Palácio e praça são expressões polêmicas para designar, respectivamente, governantes e governados, sobretudo o seu relacionamento de incompreensão recíproca,estranheza, rivalidade, ainda hoje como no trecho de Guicciardini. (...)Vista do palácio a praça é o lugar da liberdade licenciosa; visto da praça o palácio é o lugar do poder arbitrário. Se caia praça, o palácio também é destinado a cair" (Il Palazzo e la Piazza).

No ofício de analisar as formas de atuação coletiva, leio com frequência políticos, colegas da universidade, estudantes, sindicalistas, profissionais da imprensa. Fiquei preocupado com as visões da praça expressas em várias entrevistas e textos. O foco dado à baderna e ao vandalismo diminuiu muito a percepção do importante fenômeno. Terra onde o Estado domina a sociedade e se põe a serviço de setores diminutos nas políticas públicas, o Brasil demonstra, desde sua origem histórica, a demofobia que preside o absolutismo. A certidão política de batismo vem do século 16, quando a razão de Estado está no auge. Para os governantes e intelectuais que defendem a razão estatal, o mundo divide-se, como expõe Guicciardini, citado por Bobbio, entre quem merece respeito, porque vive nos palácios, e a plebe que habita a praça. Tal assimetria estabelece uma divisão na ordem coletiva (acima os dirigentes, abaixo os "cidadãos comuns"). Ela é a marca dos Estados que ainda não conhecem os efeitos das revoluções democráticas. Neles a multidão dos que pagam impostos obedece sem questionar. E quem controla os impostos manda sem prestar contas. A força democrática de um país é medida pelo vigor, nele, da prática cunhada pelos revolucionários ingleses, a accountability. As revoluções modernas ensinaram aos soberanos lições básicas de responsabilidade.

Os conservadores atacam os "simples cidadãos", neles vendo ameaças ao poder estabelecido. Eles exorcizam o "perigo" representado pela soberania popular. Sempre que o elo político é invocado, do Renascimento ao século 21, o povo,com seus conflitos, é posto fora dos escalões estatais porque, na lição platônica, ele segue o contrário da harmonia. François Hotmann, jurista e autor do tratado intitulado Franco Galia, teme o Her omnes (Senhor Todo Mundo), apelido dado por Lutero à massa. Os documentos gerados na literatura grega ou romana mostram desconfiança no povo.Este,para os latinos, é o "populo exturbato ex profugo", o "vulgus credulum, imprudens vel impudens, stolidum", etc. (Zvi Yavetz:La Plèbe et le Prince). "O povo", diz Etienne de la Boétie, "não tem meios para bem julgar porque é desprovido do que fornece ou confirma o bom juízo, as letras, os discursos e a experiência. Como não pode julgar, ele acredita nos outros. A multidão acredita mais nas pessoas do que nas coisas, ela é persuadida pela autoridade de quem fala, e não pelas razões ditas" (Mémoires touchant l'Édit de Janvier 1562).

Gabriel Naudé, teórico do maquiavelismo que norteia o governo de Mazarino, diz ser preciso cautela com a "fera de múltiplas cabeças, vagabunda, errante,louca,estulta, sem freio, sem espírito nem julgamento. O juízo do povo sempre é tolo e seu intelecto, fraco. A populaça, fera cruel, enfurece e morde com frequência. Ela odeia as coisas presentes, deseja as futuras, celebra as pretéritas, sendo inconstante,sediciosa,briguenta, famélica de boatos, inimiga do repouso e da tranquilidade". A massa, arremata, é "inferior às feras, pior do que as feras e mil vezes mais tola dos que as feras" (Considérations Politiques sur les Coups d'État).

Donoso Cortés, fonte de terríveis governos, não enxerga na pobreza a origem das massas revoltas. A inveja e o desejo de poder atravessam a praça, açulada pelos demagogos: "O germe revolucionário reside nos desejos superexcitados da multidão pelos tribunos que a exploram e beneficiam. 'Sereis como os ricos', vejam aí a fórmula das revoluções socialistas contra as classes médias. 'Sereis como os nobres', vejam aí a fórmula das revoluções das classes médias contra os nobres. 'Sereis como os reis', vejam aí a fórmula das revoluções dos nobres contra os reis".

As manifestações que abalam o Brasil seriam expressões do ressentimento invejoso conduzido por ambiciosos e delirantes.

O juízo negativo sobre a praça gerou o Brasil de Vargas, de 1964 e do AI-5. A esquerda clássica ostenta idêntica ojeriza à rua.Basta recordar a doutrina leninista sobre a "consciência vinda de fora". No Partido, máquina feita para derrubar o Estado burguês e construir a ditadura "proletária", intelectuais superiores definiriam o destino das massas. Caso contrário, Sibéria nelas.

É tempo de mudar a visão da praça. É tempo de saudar a democracia, apesar dos seus percalços.É tempo de recusar regimes plebiscitários que reduzem a praça ao monossilábico"sim", ou "não". É tempo de iniciar o diálogo democrático. A etimologia e a semântica proclamam: democracia é poder do povo, não de privilegiados e palacianos operadores do poder estatal. Se cair a praça, ensina Bobbio, tombam os palácios. E o remédio é oferecido por Donoso Cortés: a ditadura. 
Por: Roberto Romano O Estado de S. Paulo

SÓ HÁ UMA CURA: A POLÍTICA

Para os males da Polis, a política é sempre o remédio, mesmo quando é também a doença.


Só se cura a política, seja qual for o estágio da anomalia, com mais política.

A voz das ruas, em regra invocada como sintoma de rejeição à política, nada mais é que o grito primal da política.

Mesmo os que fazem da antipolítica estandarte servem-se da mais antiga e desonesta das formas de ação política: o falso moralismo. Veem o mar revolto e lançam sua rede na expectativa não de acalmá-lo, mas de fisgar alguns cardumes.

É preciso cuidado com os rufiões da revolta alheia. A antipolítica, que criminaliza a política para comandá-la, deságua sempre em ditadura -ou seja, nada mais do que a política em sua manifestação mais odiosa e atrasada.

O Brasil já viveu algumas vezes essa experiência; já cansou-se da dobradinha formada por populismo e autoritarismo, cuja consequência é viciar e desmoralizar as instituições. O Brasil sabe que por aí não há soluções, senão mais e mais problemas.

O que as ruas nos dizem é que é necessário um basta à demagogia e à desonestidade, que resultam naquilo que os protestos expressam: a má qualidade dos serviços públicos -nos transportes, na saúde, na educação, na segurança, na justiça-, a corrupção dos agentes públicos, os temores com a alta da inflação.

Não se pede revolução, mas decência.

Fala-se em insatisfação difusa. Espremendo-se, porém, os slogans, chega-se ao vilão da história: o Estado -aí compreendidos os três Poderes, que de fato merecem o que estão recebendo.

Afinal, falamos de um Congresso dissociado da vontade popular, de líderes políticos contestados por seus representados, de serviços públicos de má qualidade e de uma Justiça morosa.

O Legislativo fica sempre com a maior carga, não por ser o pior, mas o mais transparente. E é o menos problemático, já que, de quatro em quatro anos, renova sua composição nas urnas.

O Executivo renova apenas seu comando -Presidência, governos estaduais e prefeituras-, mas não seu estamento burocrático, em grande parte aparelhado pelos partidos políticos.
O Poder Judiciário, por sua vez, renova-se muito lentamente, dada a vitaliciedade dos seus cargos.

Parece-me, portanto, evidente que também este Poder tem de ouvir a voz das ruas. Não para ser reverente a gritos contingentes, mas para se submeter a seu valor permanente, que é a observância do Estado Democrático de Direito.

Enquanto os parlamentares e os chefes de executivos têm seus nomes e fotos publicados diariamente nos jornais e são apontados nas ruas, os membros do Judiciário são desconhecidos da população.

Não fosse a cobertura intensa do julgamento do processo do mensalão, aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) saborearia o anonimato.

A impunidade é a expressão mais perversa da injustiça. E não se trata de fenômeno recente. Registre-se que este debate se mantém, há mais de um século, atualíssimo.
Mudou alguma coisa? As ruas sabem que não.

A política vai mal, o povo não se sente representado pelos partidos -e isso precisa mudar. Mas, no Brasil de hoje, nenhum Poder está em condições de puxar a orelha do outro.
Não podemos, no entanto, encarar a nossa história, a nossa formação, como um fatalismo. Podemos e devemos mudar essa escrita.

O passado não existe para oprimir a nossa inteligência, mas para nos instruir rumo ao futuro, para nos advertir sobre os erros que já foram cometidos.

Todos navegam nas mesmas águas, turvas e poluídas. O saneamento requer humildade, bom senso e ação conjunta, para que o parágrafo único, do artigo 1º da Constituição -"todo o poder emana do povo"- seja honrado. Por: Kátia Abreu Folha de SP


segunda-feira, 1 de julho de 2013

QUANDO SER NAZISTA É SER DE ESQUERDA

Triste sina a da direita no Brasil – escrevia eu há oito anos. Em países mais civilizados, ser de direita é apenas não concordar com as propostas da esquerda, direito legítimo de todo cidadão. No Brasil, direita significa portar toda a infâmia do mundo. Que o diga Clóvis Rossi. Em crônica de 2005, afirmou: “É um caso de estudo para a ciência política universal. Já escrevi neste espaço uma e outra vez que o PT fez a mais radical e rápida guinada para a direita de que se tem notícia na história partidária do planeta”. 


Isto é: se o PT se revela corrupto, ele não é mais esquerda. É direita, porque só a direita é corrupta. Mesmo que o PT seja hoje o mesmo desde que nasceu, mesmo que os grandes implicados na corrupção – Genoíno, Mercadante, Zé Dirceu, Lula – sejam seus pais fundadores. Segundo Rossi, o PT guinou para a direita. E por que guinou para a direita? Porque suas falcatruas foram trazidas à tona. Permanecessem submersas, o partido continuaria sendo de esquerda. 

Há uma boa década venho falando naquilo que os franceses chamam de glissement idéologique. O conceito de esquerda sempre muda, à medida em que se corrompe. A direita é o repositório de todos os males do mundo, inclusive os das esquerdas. Pois quando as esquerdas cometem crimes – ou “erros”, como preferem seus líderes – é que não eram de esquerda, mas de direita.

Jornalista pode ser corrupto, canalha e até mesmo medíocre. Mas sempre tem espírito de síntese, ou não é jornalista. Tomei conhecimento há pouco de um vídeo antigo, de 2008, onde Mino Carta, este impoluto porta-voz oficioso do PT, revela notável espírito de síntese. Ser de esquerda, para Mino, é defender a liberdade e igualdade. Mas se o regime vira ditatura, mesmo tendo partido das melhores intenções, o regime é de extrema-direita.

Trocando em miúdos: ditadura de esquerda não existe. É o que o jornalista quis dizer mas não ousou dizer. Talvez porque tal afirmação soe um tanto pornográfica nos dias que passam. Temos então que tanto Stalin como Fidel Castro eram de direita. Segundo Clóvis Rossi, o PT também. E as esquerdas permanecem intactas no sétimo céu das intenções sublimes. 

Já o inverso é permissível. Você pode ter sido de direita a vida toda. Mas se se converte ao socialismo, vira esquerda desde criancinha. Que o diga Luís Fernando Verissimo. Em sua crônica no Estadão de hoje, comenta uma entrevista de Daniel Cohn-Bendit para o último Journal du Dimanche, sobre o que acontece no Brasil, na Turquia e o que aconteceu nas recentes "primaveras" árabes e em 68 em Paris: “Forçando um pouco a cronologia, Cohn-Bendit diz que 68 foi o preâmbulo de 81, quando a esquerda chegou ao poder na França”. E bota forçar a cronologia nisso, pois o presidente logo após 68 foi Georges Pompidou.

Refere-se a François Mitterrand, político arrivista condecorado pelo nazismo que, após ter optado pelo socialismo, virou esquerdista desde criancinha. Hoje, o episódio é pouco conhecido até mesmo pelos franceses, e já perdi alguns amigos por tê-lo relembrado. Relembro então de novo. 

Retornemos 33 anos atrás. Eu voltava da Inglaterra com uma amiga. Seriam seis da tarde. Em Paris, mal cheguei em casa, liguei a televisão. Na tela, aos poucos foi surgindo uma imagem. Começou pela testa e foi descendo, em fatias. Antes que tivesse chegado aos cílios, percebi que não era a careca de Giscard d’Estaing. O vencedor das eleições na França, naquele 10 de maio, era Mitterrand. Mesmo a imprensa internacional foi surpreendida. Havia apostado na vitória de Giscard. Só quando caminhões de champanhe começaram a abandonar o QG de Giscard, os jornalistas perceberam que a notícia estava ailleurs.

Minha amiga, gaúcha em trânsito pela Europa, apavorou-se. Confundida pela associação que a imprensa brasileira fazia entre o socialismo francês e o socialismo soviético, queria pegar passaporte e voltar ao Brasil antes que o novo governo fechasse as fronteiras. Verdade que nem só ela se confundiu. Empresários franceses empacotaram seus dinheiros e tentaram sair do país através de discretas fronteiras suíças. Medo bobo. Como bom francês, Mitterrand não iria sacrificar o bem-estar de seus conterrâneos em nome de um ideal besta. Socialismo mesmo - le vrai - a França só recomenda para o Terceiro Mundo.

A eleição de Mitterrand é um desses mistérios que confunde qualquer analista político. Ninguém desconhecia sua participação no governo pró-nazista de Vichy, do qual recebeu, na primavera de 43, a Francisque, a mais alta condecoração conferida pelo marechal Pétain. Tampouco era desconhecida sua participação decisiva, como ministro do Interior, na guerra da Argélia e nas torturas praticadas pelo Exército francês. Defensor de uma Argélia francesa, Miterrand reprimiu com ferocidade os movimentos insurrecionais. Em setembro de 53, declarou: "Para mim, a manutenção da presença francesa na África do Norte, de Bizerte a Casablanca, é o primeiro imperativo de toda política". Em 54, afirmou na tribuna da Assembléia Nacional: "A rebelião argelina não pode encontrar senão uma forma terminal: a guerra". 

Um golpe de imprensa empanava sua trajetória, o falso atentado nas cercanias do Luxembourg. Na noite de 15 de outubro de 59, ao sair da brasserie Lipp, Mitterrand, então senador pela Nièvre, sentiu-se perseguido por um carro. Ele faz um desvio pela avenue de l’Observatoire, pára sua 403, pula uma cerca viva e se joga de bruços na grama. Uma rajada de metralhadora é disparada sobre seu carro. No dia seguinte, o fato está na primeira página de todos os jornais, do Le Monde ao Humanité, o jornal oficial do PC francês.

Aos 43 anos, o político ambicioso vira herói. A glória é efêmera. Três dias depois, o jornal Rivarol, entrevista um dos agressores de Mitterrand, que afirma ter sido o próprio Mitterrand que encomendara o atentado, para fazer subir sua cota de popularidade. O desmonte da farsa caiu no vazio. Processado por ultraje à magistratura, após a cassação de sua imunidade parlamentar, Mitterrand será beneficiado por um non-lieu, como também seus "agressores".

Ex-colaborador de um governo pró-nazista, condecorado por este mesmo governo, mentor da guerra na Argélia e responsável pela tortura de milhares de argelinos, anticomunista ferrenho numa França que sempre nutriu simpatias pelo regime soviético, farsante vulgar capaz de forjar um atentado para ganhar votos, nada disto impediu Mitterrand de derrotar Giscard em 81, com 52,22% dos votos expressos, e de eleger-se por mais um setenato em 88.

Empunhando a bandeira do socialismo, Mitterrand, político de extração nazista e queridinho de Pétain, enganou não só os franceses como o mundo todo. Na época, também se falou em mudanças. Mudou algo na França de 1981 para cá? Estruturalmente, nada. Mudaram apenas fatores que nada têm a ver com orientação política, mas dependem da economia e imigração, como maior desemprego e avanço do islamismo. Se algo novo ocorreu na França de lá para cá foi sua adesão ao euro, mas isso nada tem a ver com socialismo ou Mitterrand.

Para Verissimo, quando opta pelo socialismo, até nazista é de esquerda.

Por: Janer Cristaldo