quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A BUSCA PELO LUCRO LEVOU AO FIM DA ESCRAVIDÃO

Há quem jure que a busca pelo lucro é algo cruel, abusivo, ultrajante, imoral e maléfico. É fato que há pessoas desonestas que recorrem a métodos inescrupulosos para obter lucros em seus empreendimentos, mas basear-se em tais pessoas para fazer uma condenação automática do lucro é uma postura ignorante.

A verdade é que foi a busca pelo lucro o que aniquilou aquela milenar abominação que foi a escravidão humana. Eliminar a capacidade das pessoas de buscar o lucro significaria reimplantar a escravidão no mundo. E creio que nenhum de nós quer isso de volta.

A escravidão era um sistema econômico

O que até hoje ainda não é corretamente entendido é que a escravidão era a base do sistema econômico vigente no mundo antigo — como na Grécia e em Roma.

Todo o sistema escravocrata se baseava praticamente em um só objetivo: obter excedentes. É claro que os defensores da escravidão sempre recorriam a justificativas criativas para defender o sistema escravocrata, mas, no final, tudo se resumia a obter excedentes. Pode-se dizer, portanto, que a escravidão era uma espécie depoupança coercivamente impingida.

Um indivíduo rudimentar e despreparado irá, caso seja abandonado à própria sorte, gastar praticamente tudo o que ele ganha. Se ele conseguir auferir algum excedente, ele provavelmente irá gastar este excedente em luxos, prazeres, frivolidades ou em coisas piores. Enquanto ele não desenvolver um caráter mais forte, enquanto ele não adquirir uma personalidade mais estável, sobrará muito pouco de seu excedente para ser utilizado em outras coisas.

Um escravo, por outro lado, jamais aufere rendimentos e, consequentemente, não tem como gastá-los. Todo o excedente produzido por um escravo é transferido para seu senhor. Foi exatamente este tipo de arranjo gerador de excedentes o que tornou Roma um império rico.

Mas então surgiu a Europa cristã. Antes do advento do cristianismo, não se encontra uma única cultura antiga que proibia a prática da escravidão; a escravidão era vista como algo absolutamente normal. Sendo assim, a Europa abolir o sistema escravocrata que havia herdado de Roma foi uma mudança monumental.

Os europeus substituíram a escravidão — de maneira lenta e por causa de seus princípios cristãos, e não em decorrência de algum plano consciente e deliberado — adotando as seguintes posturas:

1. Desenvolvendo o hábito da frugalidade e da poupança em nível individual. Isso requereu uma total mudança de postura e um enfoque vigoroso em virtudes como a temperança (autocontrole) e a paciência.

2. Substituindo o arranjo de "produção forçada de excedentes" pelo lucro. Para isso, os europeus tiveram de recorrer à criatividade para alterar totalmente a natureza de suas atividades comerciais. Eles tiveram de inovar, inventar e se adaptar para conseguir mais excedentes por meio do comércio.

Sob um novo sistema que acabou sendo rotulado de capitalismo, a poupança e a criatividade se tornaram os novos geradores de excedentes, e nenhum ser humano teve de ser escravizado.

Um mundo sem lucros

Por outro lado, temos exemplos bem recentes do que acontece quando uma cultura proíbe o lucro. Pense em tudo o que ocorreu em paraísos socialistas como a URSS de Stalin, a China de Mao, e as nações escravizadas do Leste Europeu, e no que ainda ocorre na Coréia do Norte e em Cuba.

São exemplos lúgubres que ilustram exatamente o que ocorre quando toda uma população é escravizada pelo partido dominante. Nestes sistemas, o indivíduo é obrigado a trabalhar e a produzir, mas é proibido de usufruir os frutos e os rendimentos de seu próprio trabalho, tendo até mesmo o seu consumo restringido pelo governo.

O lucro fornece incentivos para se trabalhar e empreender. Quando ele é abolido, não apenas o ato de trabalhar e de empreender perde sua função, como também aqueles que querem prosperar não têm como fazê-lo de maneira honesta. E isso leva ou ao desespero ou à criminalidade.

O lucro é obtido por meio de trocas comerciais inovadoras e recompensadoras. Se o lucro é eliminado, tem-se a escravidão. O formato dessa escravidão pode ser variável, mas será uma escravidão de algum tipo.

Com efeito, este resultado será o mesmo não importa se a eliminação do lucro ocorrer por meio do comunismo (em que o lucro é punido com a pena capital) ou do fascismo (em que todo o lucro é direcionado para os amigos do regime).

A questão principal é o excedente produzido:
Se o excedente pode ser produzido e acumulado pelo cidadão comum por meios honestos, a escravidão pode ser eliminada.
Se os cidadãos honestos não tiverem a permissão de produzir e de manter seus próprios excedentes (sendo seus excedentes confiscados ou pelo estado ou pelos parceiros do estado), o resultado será alguma forma de escravidão.

O lucro é simplesmente uma ferramenta — uma maneira de gerar excedentes sem a coerção imposta pela escravidão.

O que nos leva à conclusão definitiva: é impossível se livrar simultaneamente da escravidão e do sistema de lucros. Você pode eliminar um dos dois, mas sempre que eliminar um, ficará inevitavelmente com o outro.

O lucro se baseia nas virtudes

Para se viver em uma civilização que prospera por meio do lucro, é necessário que o ser humano saiba domar todos aqueles seus instintos mais primitivos — algo típico dos animais —, como a inveja. É necessário saber desenvolver o autocontrole, a paciência, a temperança e, principalmente, saber se concentrar em algo maior do que meras possessões materiais — afinal, é exatamente o materialismo o motor da inveja e do igualitarismo.

É vergonhoso que o Ocidente tenha, ao longo dos últimos séculos, se afastado de suas virtudes tradicionais, e passado a considerá-las vícios burgueses ou meras superstições. Se algum dia finalmente perdermos todas as nossas virtudes, o sistema de lucros perderá sua proteção e não mais será visto como um motor da prosperidade, e a antiga e extinta prática da escravidão irá voltar.

Nossas ações têm consequências.

Por: Paul Rosenberg  presidente da Cryptohippie USA, uma empresa pioneira em fornecer tecnologias que protegem a privacidade na internet. Ele é o editor FreemansPerspective.com, um site dedicado à liberdade econômica, à independência pessoal e à privacidade individual.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A DIGNIDADE SE DÁ POR MEIO DA PRODUÇÃO

Então você é um sujeito decente e de bom coração, que não fala mal dos outros pelas costas nem falta com respeito aos mais velhos. Logo, o mundo lhe deve uma vida de prosperidade e realizações, certo?

Aqui vai um segredo. Independente do que você pensa que a sociedade lhe deve pelo fato de você ser gente boa, a verdade é que o sustento da sua vida vai depender da sua capacidade de produzir ou de aproveitar os frutos da produção de alguém.

Seja sincero, quantas vezes você sustentou pessoas desconhecidas pelo mero fato de elas serem gente boa (não gente boa com você, mas gente boa assim em abstrato)?

"A sociedade está cheia de pessoas que precisam de coisas," escancara essa citação improvável de David Wong,

Elas precisam de casas para morar, comida para se alimentar, elas precisam de entretenimento e de relações sexuais satisfatórias… Ou você começa a atender essas necessidades aprendendo algum tipo específico de habilidade, ou o mundo irá lhe rejeitar, não importa o quão gentil, bondoso e educado você seja. Você acabará pobre, solitário, e jogado no frio.

Produzir é criar valor a partir da combinação e realocação de recursos escassos em bens ou serviços. Como regra, toda pessoa depende da urgência da produção para que seja possível desfrutar do consumo essencial à vida e à felicidade humana. O mais relevante fator de produção é o trabalho, por sua utilidade não ser específica a determinado fim. "O trabalho humano é ao mesmo tempo apropriado e indispensável", dizia Ludwig von Mises, "para a realização de todos os modos de produção e processos imagináveis."

Dizem que o trabalho dignifica o homem. Mas não é qualquer trabalho. O trabalho de um ladrão pode envolver muito esforço e técnica. Mas subtrair valor de uma vítima não enobrece o criminoso. É o trabalho produtivo que dignifica o produtor.

Transferências de renda podem aliviar a miséria, mas não têm sido capazes de fazer com que seus recipientes sejam criadores de valor. Ninguém quer ser um recipiente onde se jogam esmolas. Não queremos ser um passivo para a sociedade. Queremos ter consciência de que nosso trabalho está gerando valor, de que nossa sociedade seria um lugar mais pobre sem a nossa presença. Quando produzimos, tornamo-nos um ativo social. Tornamo-nos dignos.

A miséria envergonha. Calouros universitários acham bonitinho pintar a cara e pedir trocado no sinal. Mas pessoas realmente pobres sentem vergonha ao pedir esmola. Depender de caridade coloca o pedinte numa posição inferior a quem se pede.

Há quem ache que a solução é exaltar a pobreza, tratar a pobreza com respeito, dignidade e fotografias do Sebastião Salgado. Mas não devemos dignificar a pobreza (até porque não resolve, como revela essa matéria). Devemos dignificar o pobre. Devemos exigir reformas políticas que diminuam o custo do trabalho, permitindo que os pobres produzam mais do que consomem, que sejam ativos sociais.

Há muito chão a percorrer. Segundo relatório da FGV, só os obstáculos da legislação trabalhista brasileira custam de 17% a 48% do salário do trabalhador.

Ao incluir [itens como gastos com treinamento e capacitação e despesas gerenciais e administrativas] o gasto total com um trabalhador fica aproximadamente 183% maior do que o salário em carteira em um contrato de trabalho que dure 12 meses.

Para dificultar ainda mais a produtividade do pobre,

O atual modelo de acesso ao FGTS com multa de 40%, além do aviso prévio indenizado, o seguro-desemprego e a possibilidade de manter-se um tempo trabalhando na informalidade, os trabalhadores têm incentivos em manter alta rotatividade entre empregos, criando menos investimentos em qualificação e afetando negativamente a produtividade total da economia.

Se fosse possível abolir a pobreza involuntária por decreto, eu assinaria esse decreto. Mas a pobreza não pode ser revogada com uma assinatura. Ela precisa ser superada. O melhor que o governo pode fazer é preparar um ambiente em que as forças produtivas dos indivíduos possam atuar, que as barreiras para o emprego sejam diminuídas, que a abertura de empresas seja facilitada e, não podemos esquecer, que a propriedade que o pobre produziu seja dele.

Sempre haverá os que são improdutivos involuntariamente e a esses devemos direcionar nossa compaixão e caridade. Mas se tratarmos o sujeito que se recusa a produzir da mesma forma que tratamos o que acorda cedo para suar a camisa, estaremos diminuindo o valor do suor, do esforço, da produção.

O ócio empobrece. A esmola (caridosa ou coercitiva) ameniza a pobreza. Mas só a produtividade verdadeiramente enriquece e dignifica.

Por: Diogo Costa  presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seus artigos já apareceram em publicações diversas, como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Diogo é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York. Seu blog: http://www.capitalismoparaospobres.com

OS CINCO PILARES DA LIBERDADE ECONÔMICA

O grande debate entre capitalismo e socialismo sofre de uma enorme falta de clareza a respeito de suas respectivas definições. É imperativo entender que há uma diferença intransponível entre "capitalismo genuíno" e "capitalismo corporativo", ou, como dizem, capitalismo de compadres. 

O que exatamente você entende por 'capitalismo'?

Diariamente, por exemplo, lemos sobre como a bagunça econômica na Europa representa uma "crise do capitalismo". Oi? Já faz mais de cem anos que os governos europeus não mais deixam suas economias crescerem por conta própria, sem coagi-las com regulamentações, sem tributar espoliativamente o público, sem inundar o sistema financeiro com dinheiro falso criado do nada, sem cartelizar o sistema produtivo, beneficiando os amigos do regime, sem criar inúmeros benefícios assistencialistas, sem financiar colossais programas de obras públicas e por aí vai.

Alguns defensores da liberdade de mercado acreditam que o termo "capitalismo" deveria ser descartado permanentemente porque gera confusão. As pessoas podem pensar que você preconiza o uso do estado para defender o capital contra o trabalho, o uso de políticas públicas para defender importantes empresários contra os consumidores ou a imposição de prioridades políticas que favoreçam os negócios à custa do trabalho.

Se um termo explica uma ideia com grande acurácia, ótimo. Mas se ele causa confusão, então tem de ser alterado. A linguagem é algo que está em constante evolução. Nenhum arranjo específico de letras pode embutir em si um significado imutável. E o que está em jogo neste debate sobre a liberdade de mercado (ou o capitalismo ou o laissez-faire ou o livre mercado) é um conteúdo de profunda importância.

É com o conteúdo, e não com as palavras, que devemos nos importar. Não é exagero algum dizer que o futuro da civilização, o qual está cada vez mais periclitante, depende disso.

A seguir, cinco elementos essenciais a esta ideia de liberdade de mercado, ou seja lá como você queira chamar este arranjo. Trata-se de meu breve resumo sobre a visão liberal clássica a respeito da sociedade livre e de seu funcionamento, visão esta que não se resume apenas à economia, mas sim a tudo de que depende nossa vida.

Vontade 

Mercados se resumem ao exercício da escolha humana em todos os níveis da sociedade. Tais escolhas se estendem a todos os setores e a todos os indivíduos. Você pode escolher o seu trabalho. Ninguém pode obrigar você a ter um emprego que você não queira, mas você também não pode obrigar nenhum empregador a lhe contratar. Da mesma forma, ninguém pode obrigar você a comprar nada, mas você também não pode obrigar ninguém a vender algo para você. 

Este direito à liberdade de escolha reconhece a infinita diversidade que existe dentro de todo o conjunto de indivíduos que forma uma sociedade (ao passo que políticas governamentais têm necessariamente de supor que as pessoas nada mais são do que meras unidades perfeitamente permutáveis). Algumas pessoas sentem uma vocação para viver uma vida de oração e contemplação em uma comunidade de religiosos fervorosos. Outras possuem um talento para gerenciar ativos em fundos de alto risco. Já outras preferem as artes, ou a contabilidade, ou qualquer outra profissão ou vocação que você puder imaginar. Qualquer que seja sua vocação, você pode segui-la livremente, desde que o faça de maneira pacífica, sem iniciar violência ou coerção contra terceiros.

Você tem liberdade de escolha; porém, em suas relações com terceiros, "acordo" ou "concordância" é a palavra-chave. Isto implica a máxima liberdade para todos os indivíduos na sociedade. Também implica um papel máximo para aquilo que chamam de "liberdades civis". Implica ter liberdade de expressão, liberdade de consumo, liberdade de comprar e vender, liberdade publicitária e assim por diante. Nenhum arranjo de escolhas possui privilégios legais sobre outros.

Propriedade

Caso houvesse uma infinita abundância de recursos no mundo, não haveria necessidade de propriedade sobre os recursos. Porém, considerando a realidade do mundo em que vivemos, sempre haverá potenciais conflitos sobre recursos escassos. Estes conflitos podem ser resolvidos por meio de uma simples e brutal guerra por estes recursos, ou pelo reconhecimento de direitos de propriedade. Se quisermos paz em vez de guerra, vontades e escolhas em vez de violência, produtividade em vez de pobreza, todos os recursos escassos — sem exceção — terão de ser propriedade privada.

Todos os indivíduos podem utilizar sua propriedade de qualquer maneira que seja pacífica. Não há limites para a acumulação nem a necessidade de permissão para acumulações. A sociedade não pode declarar que alguém já está excessivamente rico (e que, logo, parte de sua riqueza deve ser confiscada) e nem proibir o asceticismo ao declarar que alguém é excessivamente pobre (e que, logo, terceiros devem ser roubados para que se possa enriquecer o pobre). Em situação alguma pode alguém pegar o que é seu sem sua permissão. Você tem plena liberdade de estipular como será a distribuição de sua propriedade para seus herdeiros após você morrer, sem que ninguém confisque uma fatia desta sua propriedade.

O socialismo realmente não é uma opção para o mundo material. Não é possível haver propriedade coletiva de qualquer coisa que seja materialmente escassa. Alguma facção sempre acabará exercendo o controle dos recursos em nome da sociedade. Inevitavelmente, esta facção será a mais poderosa da sociedade — ou seja, o estado. É por isso que todas as tentativas de se criar socialismo sobre bens ou serviços escassos sempre degenera em sistemas totalitários.

Cooperação

Vontade e propriedade garantem a qualquer indivíduo o direito de viver em um estado de total isolamento, em um estado de pura autarquia. Por outro lado, tal arranjo não levará ninguém muito longe. O indivíduo que assim deseja viver será pobre e sua vida, muito curta. Indivíduos necessitam de outros indivíduos para poder viver uma vida melhor. Nós incorremos em atividades comerciais para melhorarmos mutuamente nossa situação. Cooperamos por meio do trabalho. Criamos e desenvolvemos todas as formas de associação mútua: comercial, familiar e religiosa. A vida de cada um de nós é aprimorada pela nossa capacidade de cooperar, de alguma forma, com outras pessoas.

Em uma sociedade baseada em vontades e desejos, em propriedade e cooperação, redes de associações humanas se desenvolvem ao longo do tempo e do espaço para criar as complexidades da ordem social e econômica. Ninguém é o senhor da vida de ninguém. Se quisermos ser bem sucedidos em nossas vidas, temos de aprender a bem servir outros indivíduos — nossos clientes — da melhor maneira possível. Empresas e empreendedores servem a seus consumidores. Gerentes servem a seus empregados assim como os empregados servem à sua empresa.

Uma sociedade livre é uma sociedade de relações humanas extensivas. É uma sociedade de amizade ampliada para todos os setores. É uma sociedade de prestação de serviço, de benevolência e de cuidado para com a qualidade dos serviços ofertados para todos os indivíduos.

Aprendizado

Ninguém nasce sabendo muito a respeito de qualquer coisa. Aprendemos com nossos pais e professores, mas, ainda mais importante, aprendemos com os infinitos pedaços de informações que chegam a nós a cada instante do dia ao longo de todas as nossas vidas. Observamos o sucesso e o fracasso de terceiros, e aprendemos com eles. Acima de tudo, somos livres para aceitar ou rejeitar estas lições. Isso vai de cada um. Em uma sociedade livre, temos a liberdade de emular os outros, acumular sabedoria e colocá-la em prática, ler e absorver ideias, extrair informações de toda e qualquer fonte, e adaptá-las ao uso que mais nos aprouver.

Todas as informações com as quais nos deparamos ao longo de nossas vidas são bens gratuitos e não-escassos, desde que obtidas não-coercivamente. Elas não estão sujeitas às limitações da escassez porque são infinitamente copiáveis. Você, eu e todas as outras pessoas da sociedade podemos ter uma mesma informação e ainda assim ela não será escassa. A informação é algo que pode ser propriedade coletiva, sem limitações.

E é justamente neste ponto que encontramos o lado "socialista" do sistema capitalista. As receitas para o sucesso e para o fracasso estão disponíveis em todos os cantos, e plenamente livres para serem estudadas e utilizadas — ou descartadas. É por isso que a própria noção de "propriedade intelectual" é hostil à liberdade: ele sempre implica a coerção de pessoas e, consequentemente, a violação dos princípios da vontade, da autêntica propriedade e da cooperação.

Concorrência

Quando as pessoas pensam em capitalismo, provavelmente 'concorrência' é a primeira ideia que vem à mente. Porém, tal ideia é amplamente mal compreendida e interpretada. Concorrência não significa a necessidade da existência de vários ofertantes de todos os tipos específicos de bens e serviços, ou a necessidade da existência de um determinado número de produtores de qualquer coisa. Concorrência significa apenas a não existência de limites legais (coercivos) à entrada no mercado, o que significa que, falando mais diretamente, não deve haver restrições à maneira como podemos servir uns aos outros. E, realmente, há infinitas maneiras nas quais isto pode ocorrer.

Nos esportes, a competição possui um único objetivo: vencer. Na economia de mercado, a competição também possui um objetivo: atender ao consumidor com um grau de excelência continuamente crescente. Esta excelência pode vir na forma de uma oferta de produtos ou serviços mais baratos e de melhor qualidade, ou na forma de novas inovações que atendam às necessidades das pessoas de forma mais eficiente e barata do que os produtos e serviços já existentes. Competição não significa "aniquilar" os concorrentes; significa se esforçar para fazer um serviço melhor do que todos os seus concorrentes. 

Qualquer ato competitivo é um risco, um salto rumo a um futuro desconhecido. Se o julgamento foi certo ou errado, isto é algo que será ratificado pelo sistema de lucros e prejuízos. Lucros e prejuízos são sinais enviados pelo mercado que servem como mensurações objetivas: eles mostram se os recursos estão sendo utilizados corretamente ou não. Estes sinais são derivados dos preços cobrados pelos empreendedores e pelos custos nos quais eles incorrem para produzir, e são estabelecidos livremente no mercado — o que significa dizer que os preços atuais são um mero reflexo de todos os acordos prévios que foram feitos entre indivíduos com liberdade de escolha.

Ao contrário dos esportes, não há um ponto de chegada para a competição do mercado. Trata-se de um processo que nunca acaba. Não há um vencedor final; há um contínuo e ininterrupto rodízio de excelência entre os competidores. E qualquer um pode entrar no jogo, desde que participem dele pacificamente.

Resumo

Aí está, portanto: vontade, propriedade, cooperação, aprendizado e concorrência. Eis aí, a meu ver, a essência do capitalismo, exatamente como ele foi descrito pela tradição liberal-clássica, a qual foi aprimorada pelos teóricos sociais austríacos do século XX. Não se trata exatamente de um sistema, mas sim de um arranjo social — para todas as épocas e lugares — que favorece o desenvolvimento humano.

Não é difícil, portanto, especificar a visão política de genuínos liberais: se algo se encaixa nestes requisitos, somos a favor; se não, somos contra. Donde vem a pergunta: a atual crise mundial é realmente uma crise do capitalismo? Ao contrário, um autêntico capitalismo é a solução para os maiores problemas do mundo atual.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

VAMOS CULPAR OS ALEMÃES!


A Alemanha voltou a ser o espantalho favorito. Poucas coisas são tão populares quanto criticar alemães. O governo americano, a Comissão Europeia e o FMI recentemente se entregaram a este esporte e passaram a condenar a Alemanha pelo fato de sua economia estar apresentando grandes superávits comerciais e um grande saldo na conta-corrente de seu balanço de pagamentos. Paul Krugman contribuiu com a seguinte pérola:

O problema é que a Alemanha continua mantendo seus custos trabalhistas em níveis altamente competitivos e vem apresentando enormes superávits comerciais desde o estouro da bolha — e, em uma economia mundial deprimida, isso torna a Alemanha uma parte significativa do problema.

Apenas no surreal estado atual da discussão econômica ser 'altamente competitivo' pode ser considerado algo deletério. Esta crítica à Alemanha, aliás, não é nada nova; ele remonta à década de 1950. Porém, não mais estamos vivendo na década de 1950. A Alemanha não possui moeda própria e há muito pouco de genuinamente "alemão" em uma exportação alemã.

Um BMW produzido na Alemanha e vendido na Espanha contém peças oriundas de todos os cantos do mundo. A maior parte da mão-de-obra utilizada na construção do automóvel de fato será alemã, mas as inovações tecnológicas reduziram os custos desta mão-de-obra para aproximadamente 10% do preço final de um carro na Europa. O retorno do capital irá para os acionistas, que podem estar em qualquer lugar do mundo. A BMW pode distribuir dividendos para um acionista espanhol, o qual poderá utilizar estes euros para comprar bens espanhóis. Dizer que um BMW é um produto da Alemanha é algo bastante forçado.

A Alemanha também faz parte de um arranjo de moeda única. Reclamar do superávit comercial de uma região dentro de uma área de moeda única é como reclamar que, dentro de um mesmo país, há um superávit comercial de um estado em relação a outro ou de uma cidade em relação a outra.

Aliás, podemos nos aprofundar ainda mais e reduzir esta discussão ao nível individual para esclarecer melhor o argumento e, com isso, ressaltar sua tolice. Nós temos um superávit em conta-corrente em relação ao nosso empregador e um déficit em conta-corrente em relação ao nosso supermercado. Nosso empregador compra mais de nós do que nós compramos dele, e o oposto é válido para nossa relação com o supermercado. No entanto, não estamos reclamando do supermercado, exigindo que seu gerente compre mais de nossos bens e serviços.

Adicionalmente, o superávit comercial da Alemanha com outros países europeus ou com membros da zona do euro foi reduzido à metade entre 2007 e 2012. Ao mesmo tempo, o superávit da Alemanha com o resto do mundo mais do que triplicou. Essa é exatamente a consequência esperada de uma abertura comercial, de um aumento na divisão do trabalho e da especialização possibilitada pelo enfoque em áreas em que se possui vantagens comparativas. Criticar essa tendência é criticar as próprias razões declaradas para a criação da União Europeia.

Por motivos difíceis de serem compreendidos, a Comissão Europeia determinou que terá de intervir caso um país-membro apresente um superávit da conta-corrente do balanço de pagamentos superior a 6% do PIB durante um período de três anos. No ano passado, o superávit da Alemanha foi de 7%, e provavelmente será bastante similar este ano. 

Um dos princípios básicos por trás da criação da União Europeia é justamente a livre comercialização de bens e serviços, e a livre movimentação de mão-de-obra e capital. Sendo assim, se a livre comercialização de bens, serviços, mão-de-obra e capital levar a um superávit de 10%, 20% ou mais, qual o problema? Por que esta regra sequer existe? Por que a Comissão Europeia quer impor uma restrição que limita a movimentação de bens, serviços e capitais? A União Europeia não foi criada para estimular a eliminação de limitações injustificadas? A UE não deveria se surpreender caso alguns países queiram deixar o arranjo, uma vez que ela própria está impondo regras ilógicas.

Por trás de toda esta crítica à Alemanha está, como sempre, o fantasma do mercantilismo. Dentro da mentalidade mercantilista, uma transação comercial voluntária sempre gera um ganhador e um perdedor, sendo que a realidade é que, se a transação foi voluntária, então ambos os lados se beneficiam. Segundo os mercantilistas, a Alemanha supostamente está produzindo mais do que está consumindo. Obviamente, isso é uma falácia — bastante comum — que alguns adoram explorar visando a benefícios políticos. Cada euro gasto em um carro alemão ou em qualquer outro produto alemão será recebido como renda por alguém que, por sua vez, irá gastar esta renda. Há um elo direto entre produção e gastos. A Lei de Say nos diz que a (correta) oferta cria sua própria demanda. O consumo nunca necessita ser estimulado: tudo o que é produzido é consumido, seja para na produção de outros bens (investimento), seja na satisfação pessoal (consumo).

Como era de se esperar, a "solução" proposta por estes mercantilistas a este problema imaginário é obrigar a Alemanha a aumentar seus gastos governamentais. Isso, segundo eles, estimularia o crescimento dos outros países da União Europeia. Pouco importa que a Alemanha já tenha uma relação dívida/PIB de 82%, bem acima dos 60% que alguns anos atrás era vista como excessiva. Trata-se de uma solução-padrão keynesiana que constantemente vai contra a lógica econômica. Cada euro que o governo gasta é um euro que foi retirado dos cidadãos e que poderia ter sido gasto por ele. Tudo o que governo pode fazer com seus gastos é alterar quem irá receber esse dinheiro. Tudo o que ele pode fazer é alterar quem irá receber um pedaço do bolo. Mas ele não pode aumentar o tamanho do bolo.

Quando a Alemanha tinha sua própria moeda, a crítica era idêntica. E, mesmo naquele arranjo, a crítica continuava sendo infundada. Naquela época, um superávit na conta-corrente do balanço de pagamentos alemão significava um equivalente déficit na conta de capitais. Essa saída de capitais ia financiar os gastos governamentais da Itália ou da França, ou então investimentos em fábricas e equipamentos na Espanha, em Portugal, na China ou em qualquer outro lugar do mundo. Novamente, palavras como superávit ou déficit são remanescentes de nosso passado mercantilista e não têm absolutamente nada a ver com coisas positivas ou negativas.

Se a Alemanha possui custos trabalhistas mais competitivos e é capaz de fabricar produtos melhores, qual o problema? Por que isso deveria ser tolhido em nome do "bem comum"? Desde quando uma produção eficiente é ruim para os consumidores? A União Europeia não foi criada para tornar a Europa mais competitiva ao permitir que os recursos pudessem circular livremente e ir para onde eles fossem mais eficientemente utilizados? As críticas à Alemanha feitas pela Comissão Europeia e pelo FMI são ainda mais descabidas quando se leva em consideração as razões dadas para a existência destas instituições.

O ministro das finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, membro do partido de centro-direita União Democrática Cristã, o mesmo de Angela Merkel, estava totalmente correto quando disse que "O superávit comercial da Alemanha não é nenhum motivo de preocupação nem para a Alemanha, nem para a zona do euro e nem para a economia mundial". Na realidade, a Alemanha deveria ser louvada, e não repreendida. Sua eficiência produtiva é um dos poucos fatores que ainda seguem estimulando a economia mundial.

Por: Frank Hollenbeck Ph.D. em economia e leciona na Universidade Internacional de Genebra.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A CORAGEM SE DÁ POR MEIO DO EMPREENDORISMO


E se o Brasil começasse a levar a sério o Dia do Empreendedor? É o 5 de outubro, data da aprovação do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, que não importa agora. Importa celebrar aquelas pessoas que estão abrindo novos caminhos sem a certeza de que alguém irá segui-las, celebrar quem está apostando alto em projetos que acabarão abandonados, superados ou copiados. Vamos celebrar as futuras falências, o fracasso iminente.

Nassim Taleb escreve em Antifragile a mensagem que deveria acompanhar a celebração de um Dia do Empreendedor:

A maioria de vocês irá fracassar, acabarão desrespeitados, empobrecidos, mas nós somos gratos pelos riscos que estão tomando e pelos sacrifícios que vocês estão fazendo para o crescimento econômico do planeta e para tirar os demais da pobreza. Vocês são a fonte da nossa antifragilidade. Nossa nação agradece a vocês.

Por que comemorar o fracasso, e não apenas o sucesso? Porque a estrada do sucesso futuro é pavimentada com as ruínas dos fracassos passados. A falência cumpre na economia o papel que a falsificação de hipóteses cumpre na ciência experimental. "Alguém que não encontrou uma coisa está fornecendo conhecimento aos demais", diz Taleb, "conhecimento do melhor tipo, aquele da ausência (do que não funciona)." 


Cada vez que você entra em um restaurante bom, que lhe agrada, lembre do outro empreendedor, que naufragou com seu outro restaurante menos agradável, mas que ajudou o processo de aprendizado de todo o setor de alimentação. Se o setor de restaurantes parece imune a crises, agradeça ao fato de ser um setor de maior rotatividade, com alto índice de falências. A fragilidade de cada estabelecimento deixa mais robusto o setor como um todo.

Enquanto cada empreendedor caminha com prudência em sua luta por sobreviver, a sociedade se beneficia de quem está mais disposto a correr altos riscos. Para que haja mais empreendedores com maior ousadia, precisamos elevar moralmente o status da atividade empresarial. Continua Taleb:

A fim de progredir, a sociedade moderna deveria tratar empreendedores arruinados da mesma maneira que honramos soldados mortos, talvez não com tanta honra, mas usando exatamente a mesma lógica.

Não é difícil encontrar empreendedores arruinados. Cerca de metade das empresas no Brasil não consegue sobreviver mais de três anos. Apenas uma minoria atravessa a marca dos cinco anos com vida. Como já disse em outro lugar, para abrir uma empresa no Brasil, gasta-se 152 dias com a obtenção de todas as licenças, inspeções e registros necessários. Leva-se quatro anos para fechá-la. No mesmo período, é possível abrir e fechar 7 empresas em Cingapura.

Até quando os empreendedores vencem no mercado, seu sucesso pode ser logo perturbado pelo que Werner Sombart e Joseph Schumpeter chamavam de destruição criadora. A próxima inovação pode sepultar a anterior. Deirdre McCloskey dá um exemplo:

Pense nas mais recentes cadeiras de praia, dobráveis e de lona, antes vendidas por U$40 e que agora custam U$6. Elas levaram à falência companhias que faziam as cadeiras de alumínio mais antigas. Por sua vez essas levaram à falência as velhas cadeiras dobráveis de madeira, que por sua vez levou à falência as ainda mais antigas cadeiras de madeira não dobráveis.

As pequenas grandes maravilhas do mundo contemporâneo foram trazidas por empreendedores. Foram eles que fizeram com que o smartphone que você tem no bolso (ou que está usando para ler esse texto) tenha uma capacidade de processamento superior a todo o projeto Apolo no ano em que o homem foi à lua.

Também foi o empreendedorismo que ajudou a cortar a pobreza mundial pela metade nas duas últimas décadas. E os pobres não apenas enriquecem como objetos do empreendedorismo alheio. Eles abandonam o poço da pobreza pela escalada do empreendedorismo próprio — especialmente quem estava amarrado ao fundo, como os Dalit, a casta dos "intocáveis" na Índia.

O New York Times relata a transformação dos intocáveis. Estagnados em meio a preconceito social e político histórico, os Dalit nasciam pobres e morriam sem esperança de mobilidade social. A constituição indiana "relegou os Dalit à base da pirâmide social e os condenava a empregos de baixo status, como barbearia e trabalhos com couro". Nas salas de aula, as crianças Dalit tinham que se sentar no chão. Os pais não podiam ir ao mesmo templo ou beber da mesma água das castas superiores.

Até que algo aconteceu. Os Dalit começaram a "combater o sistema de castas com o capitalismo." Com a abertura comercial indiana em curso há mais de vinte anos, os intocáveis aproveitaram a oportunidade para abrir suas próprias empresas e contratar funcionários da sua própria casta. Formaram sua própria câmara de comércio e indústria,

Um próspero centro de líderes empresariais que ignoram por completo a intervenção do governo, realizando contato diretamente com candidatos qualificados e preenchendo ordens de compra de outras empresas Dalit.

Resultado? A diferença salarial entre os intocáveis e as outras classes caiu de 36% em 1983 para 21% em 2011, "menor que a diferença salarial entre trabalhadores brancos e negros nos Estados Unidos. A desigualdade educacional caiu pela metade."

A ascensão econômica traz ascensão social. Ashok Khade, um empresário Dalit, ainda se lembra de como era a vida antes do capitalismo, apesar de hoje ser recebido com saudação pelos líderes locais quando chega de BMW prata em sua vila natal.

'Esse é um período de ouro para os Dalit', diz Chandra Bhan Prasad, pesquisadora e ativista Dalit que hoje defende o capitalismo entre os intocáveis. 'Por causa da nova economia de mercado, a sinalização material está substituindo a sinalização social. Os Dalit já podem comprar sua posição na economia de mercado. A Índia está passando de uma sociedade de castas para uma sociedade de classe.'

(Fazemos filmes de atletas em provas de superação e de artistas psicologicamente torturados. Mas não celebramos o suficiente nossos empreendedores. Pense nas novelas. Quantos vilões eram empreendedores? E quantos heróis?)

Os pobres brasileiros podem exercitar a mesma coragem dos intocáveis indianos se suas oportunidades econômicas forem ampliadas. Devemos diminuir o custo de abrir e operar uma empresa para que o caminho do empreendedorismo esteja aberto à base da nossa pirâmide social. Muitos irão fracassar. Por isso é importante honrar cada tentativa. Outros irão ter sucesso, e servirão de exemplo para novas gerações:

Por: Diogo Costa  presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seus artigos já apareceram em publicações diversas, como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Diogo é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York. Seu blog: http://www.capitalismoparaospobres.com

A FALÁCIA DA DESMILITARIZAÇÃO DA POLÍCIA

No País em que latrocidas e estupradores são chamados de “reeducandos”, o governo federal quer que o policial que mata um sequestrador para salvar o refém seja chamado de “homicida”


Criar um “SUS” da segurança pública, unificar as polícias e despir a PM de sua farda – eis as propostas que prometem revolucionar a segurança pública no País. Praticamente unânimes entre os acadêmicos especializados na área, essas ideias conquistam cada vez mais adeptos em Brasília. É o que se percebe nas discussões da Comissão Especial de Segurança Pública do Senado, instalada em 2 de outubro deste ano com o objetivo de debater e propor soluções para o financiamento da segurança pública no Brasil. Criada por iniciativa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a comissão é presidida pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) e tem como relator o senador Pedro Taques (PDT-MT).
“O sistema de segurança pública no Brasil está absolutamente falido” – com essa declaração, proferida numa audiência pública realizada no dia 13 de novembro último, o senador Pedro Taques resumiu um sentimento das ruas que hoje encontra guarida até nos quartéis. Cada vez mais estão surgindo depoimentos de policiais militares colocando em descrédito a própria corporação a que pertencem. É o caso do livro O Guardião da Cidade (Editora Escrituras, 2013, 256 páginas), do tenente-coronel Adilson Paes de Souza, fruto de sua dissertação de mestrado “A Educação em Direitos Humanos na Polícia Militar”, defendida na Faculdade de Direito da USP em 2012, sob a orientação do cientista político Celso Lafer.

Nesse trabalho acadêmico, festejado por toda a imprensa, o tenente-coronel da PM paulista defende a ampliação da carga horária do estudo de direitos humanos na formação dos oficiais da Polícia Militar, como forma de combater a tortura. Em artigo anterior, procurei demonstrar que se trata de uma falácia. O Curso de Formação de Oficiais é praticamente um curso completo de Direito e, como se sabe, é impossível estudar qualquer disciplina do Direito sem tratar dos direitos humanos, uma vez que a Constituição de 88, base legal de todas as disciplinas jurídicas, é alicerçada, de ponta a ponta, nos direitos da pessoa humana.


Sobrevivendo na Gestapo brasileira
Em vários momentos do livro, influenciado por pensadores de esquerda, que vêm na polícia um braço armado do sistema capitalista, Paes de Souza, de modo quase indisfarçável, compara a Polícia Militar brasileira com a Gestapo de Adolf Hitler. Chega a descrever o produto das ações da PM como um novo campo de concentração nazista. Com base em artigo da psicóloga e psicanalista Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, sintomaticamente intitulado “Violência, Massacre, Execuções Sumárias e Tortura”, o tenente-coronel cita como exemplo desses casos, os 111 mortos do Carandiru, em 1992, os 493 mortos quando dos ataques do PCC em 2006 e a Operação Castelinho em 2002, “que constituiu uma emboscada”, com 12 mortos – todos bandidos do PCC, acrescente-se, já que o coronel não o faz em sua tese.

Para a psicóloga Maria Auxiliadora Arantes, citada no livro O Guardião da Cidade, tais acontecimentos “são crimes filhotes de um Estado que deixou intacto um aparelho de matar e que não puniu os que o montaram”. O tenente-coronel Adilson Paes de Souza corrobora literalmente suas palavras, tanto que acrescenta a elas a seguinte frase: “De fato, Auschwitz faz-se presente”. Reparem: Paes de Souza está comparando o trabalho da Polícia Militar – instituição em que atuou durante 28 anos, chegando a tenente-coronel – com a violência das forças nazistas nos campos de concentração de Hitler. Justamente num momento em que a PM está sob o fogo cerrado dos formadores de opinião.

O cientista político Celso Lafer, responsável pela dissertação de mestrado de Adilson Paes de Souza na USP, deveria ter-lhe feito uma pergunta singela antes de aceitar a orientação de seu trabalho: “Onde o senhor estava, na condição de tenente-coronel da Polícia Militar, quando seus subordinados de farda se tornaram exemplos atuais da Gestapo de Hitler, torturando e executando pessoas?” Antes de pontificar sobre os problemas da Polícia Militar, apresentando soluções mirabolantes do conforto de uma cátedra universitária, o tenente-coronel deveria ter respondido para si mesmo essa pergunta. Na condição de tenente-coronel da Gestapo brasileira (a se crer nos seus próprios conceitos), ou Paes de Souza foi cúmplice do holocausto que denuncia ou foi omisso diante dessa carnificina que imputa à PM. Em qualquer dos casos, deveria refletir com mais profundidade sobre o assunto, antes de se arvorar a defender tese, escrever livro e contribuir, ainda que involuntariamente, para a difamação sistemática de que a PM é vítima na imprensa e nas universidades.

Não é possível sobreviver durante 28 anos num aterro sanitário moral e dele sair com a alma cheirando a talco, como canta Gilberto Gil. Em seu livro, citando o economista Albert Hirschman, Paes de Souza fala que os membros de uma instituição podem abandoná-la ou criticá-la quando se sentem descontentes. O autor não diz, mas, no caso da Polícia Militar, a via mais frequente é a omissão: o policial se esconde numa carreira burocrática, evitando o confronto das ruas e, com isso, pode pontificar sobre direitos humanos sem correr riscos. O tenente-coronel sobreviveu ao horror que denuncia foi por essa terceira via? Sem essa explicação, suas reflexões e denúncias sobre a PM perdem muito da autoridade que poderiam ter.


Depoimentos de PM homicidas
Para exemplificar as críticas que faz à polícia, Adilson Paes de Souza colheu o depoimento de dois policiais militares condenados por homicídio e se valeu também de dois depoimentos colhidos pelo jornalista Bruno Paes Manso, do jornal O Estado de S. Paulo. Em junho de 2012, Manso defendeu no Departamento de Ciências Políticas da USP a tese de doutorado “Crescimento e Queda dos Homicídios em São Paulo entre 1960 e 2010”, em que faz uma “análise dos mecanismos da escolha homicida e das carreiras no crime”. Essa tese de Manso já havia lhe rendido o livro O Homem X: Uma Reportagem sobre a Alma do Assassino em São Paulo (Editora Record, 2005), no qual o tenente-coronel buscou os dois depoimentos.

Os policiais ouvidos por Paes de Souza ganharam os apelidos de “Steve” e “Mike”, geralmente dados aos policiais que trabalham nas ruas. O policial Steve foi condenado a mais de 20 anos de reclusão por um homicídio a tiros e facadas. “No auge da prática do ato, senti que estava cheio de ódio e acabei descarregando tudo sobre o corpo da vítima. Tinha um sentimento de ódio generalizado de tudo”, afirma o policial. De origem nordestina, ele contou que seu pai era PM aposentado e costumava conversar com toda a família na hora do jantar sobre o sentimento de honra que envolvia a profissão. Inspirando-se no pai, Steve, ao completar 18 anos, ingressou na polícia, por meio de concurso público.

“Fui designado para trabalhar numa unidade da Polícia Militar na periferia da cidade de São Paulo. Comecei a ver uma realidade que não conhecia: favelas, meninas estupradas, pessoas pobres vítimas de roubo, o que causou revolta”, conta Steve. Movido por essa revolta, diz que começou a trabalhar além do horário normal, prendendo o máximo possível de bandidos, na esperança de acabar com a criminalidade na região. O PM conta que, numa ocasião, prendeu em flagrante dois ladrões que tinham roubado um supermercado, mas na noite do mesmo dia viu os dois na rua. Quando os abordou, soube que fizeram um acordo com o delegado, inclusive deixando na delegacia uma parte da propina para o policial.

“Nesse momento, percebi que a corrupção existente nos distritos policiais da área onde trabalhava gerava a impunidade dos delinquentes”, afirma Steve, que passou a frequentar velórios de policiais mortos em serviço, alimentando ainda mais sua revolta com a impunidade dos bandidos. Foi aí que decidiu fazer justiça com a própria farda: “Eu era juiz, promotor e advogado. Levava a vítima para um matagal, concedia-lhe um minuto para oração e a sentenciava a morte”. Essa vida de justiceiro fardado destruiu sua família. Sua mulher chegou a tentar o suicídio. E, na cadeia, sofreu maus-tratos e não teve a solidariedade dos colegas: os policiais que o visitavam estavam mais preocupados em sondá-lo para saber se não seriam delatados, em virtude de outras ocorrências.

Um dos entrevistados pelo repórter Bruno Paes Manso, citado na dissertação do tenente-coronel Paes de Souza, também relata que se via em guerra contra os criminosos e, movido pelo ideal de resolver o problema da criminalidade, trabalhava praticamente o dobro: as oito horas regulamentares pagas pelo Estado somadas às oito em que combatia o crime de graça, por sua própria conta e risco. Esse policial contou ter deparado com vários casos graves, que só via em filmes. Certa vez, atendeu a uma ocorrência em que uma criança de quatro anos foi estuprada e ele, junto com outros policiais militares, evitou o linchamento do estuprador. “Nesse momento, achou um contrassenso ter que proteger quem havia praticado uma monstruosidade contra uma menina. Sentiu revolta”, relata Paes de Souza.


Mais confrontos, mais mortes
Esse é praticamente o padrão dos depoimentos de policiais militares condenados por homicídio: 1) imersão idealista do policial no combate ao crime; 2) revolta com a impunidade dos criminosos; 3) justiça com a própria farda; 4) prisão, arrependimento e transferência da culpa para a corporação militar. O livro Sangue Azul(Editora Geração Editorial, 2009), baseado no depoimento de um soldado da PM do Rio de Janeiro ao documentarista Leonardo Gudel, também segue esse padrão. E, de acordo com as entrevistas concedidas pelo autor, parece que o recém-lançado Como Nascem os Monstros (Editora Topbooks, 2013, 606 páginas), romance do policial carioca Rodrigo Nogueira, condenado e preso por homicídio, também não foge à regra.

Um sargento preso por homicídio e ouvido por Bruno Paes Manso explica que o “assassinato é uma importante ferramenta no cotidiano perigoso do policial militar que trabalha na rua”, e acrescenta que “se os policiais fossem proibidos de matar seria melhor que parassem de trabalhar”. Esse mesmo policial diz ainda: “Sem contar que a bandidagem está cada vez ficando mais ousada, mais armada e respeita cada vez menos a polícia. Isso é explicado dessa forma, isso não foi a polícia que motivou. Hoje tem muito mais reação, o pessoal enfrenta, por isso tem mais morte”. O tenente-coronel Paes de Souza, do alto de sua tese da USP, classifica essa fala do sargento como simplista, por afirmar que mais criminalidade significa mais confronto e, consequentemente, mais mortes.

Ora, simplista é o modo como o tenente-coronel, desprezando seus 28 anos de experiência como policial, deixa-se seduzir pela inútil retórica da academia e utiliza esses depoimentos para corroborar teses injuriosas a respeito da Polícia Militar, que a acusam de ser uma máquina assassina, nazista, semelhante a Auschwitz. Quando atribuem à Polícia Militar o suposto “genocídio da juventude negra”, calúnia que já foi corroborada até por membros do Poder Judiciário, os acadêmicos escondem dois detalhes cruciais: primeiro, muitos jovens negros das periferias são recrutados pelo narcotráfico e matar ou morrer são verbos que conjugam diariamente; segundo, a Polícia Militar emprega muito mais negros do que as universidades que a criticam. Então, a ser verdade o que diz a academia, esses policiais não seriam genocidas, mas suicidas: estariam matando deliberadamente seus próprios familiares.

O tenente-coronel e os demais acadêmicos que escrevem teses sobre segurança pública acreditam que basta perorar sobre direitos humanos no ouvido de um soldado para que ele saia à rua com flores na boca do fuzil, ajudando velhinhas no semáforo e pegando crianças no colo, até que surja um marginal armado e esse policial, consciente de seus deveres, saque da farda um exemplar da Constituição e atire no rosto do bandido seus direitos humanos, para que o criminoso estenda os pulsos com cidadania e seja algemado com dignidade. É óbvio que a terrível complexidade da segurança pública não se rende a golpes de retórica sobre direitos humanos.


Policial só se equipara a médico
Uma análise verdadeiramente profunda dos depoimentos dos homicidas da PM revela a complexa natureza do trabalho policial, que, em qualquer tempo e lugar, é inevitavelmente insalubre para a alma. O policial é como o médico: sem uma dose sobre-humana de frieza, ele não será capaz de proteger vida nenhuma, pois o medo do sangue, da mutilação, do cadáver, irá acovardá-lo diante do dever a ser cumprido. Por isso, ser policial não é para qualquer um. Os policiais homicidas tentam enganar a própria consciência quando dizem que a corporação os transformou em violentos. O potencial de violência já estava presente neles ou não teriam sonhado em ser policial, uma profissão que, em algum momento, há de exigir violência para que as leis sejam cumpridas. Afinal, se bandido ouvisse conselho, não entraria no crime.

Polícia não é assistência – é contenção. Ela é chamada justamente quando as normas da cultura e os mandamentos da lei já não são suficientes para manter o indivíduo no bom caminho e alguém precisa contê-lo. Por isso, a polícia tem de ser viril. A testosterona que faz o bandido violento é a mesma que faz o policial corajoso. Daí a importância de se separar ontologicamente o policial do criminoso. Ao contrário do que acreditam os acadêmicos, o policial tem que tratar o bandido como inimigo, sim. O soldo sozinho – por maior que seja – não é capaz de separar o policial do criminoso, pois a natureza mais profunda de ambos e o ambiente em que vivem se alimentam da mesma virilidade masculina, responsável por mais de 90% dos crimes violentos em qualquer cultura humana em todos os tempos.

O policial de rua, obrigado a enfrentar o crime de arma em punho e não de uma sala refrigerada da USP, é como um médico num campo de refugiados ou em meio a uma epidemia letal: se trabalhar só pelo dinheiro, ele voltará para casa na hora, pois não há salário que pague sua própria vida, permanentemente em risco. Para compensar os riscos da profissão, o policial precisa ser tratado como herói. Especialmente num País como o Brasil em que a criminalidade soma cerca de 63 mil homicídios por ano (de acordo com estudos do Ipea). O policial precisa ter a certeza de que, ao tombar no campo de batalha, sua morte não será em vão: a sociedade irá cultuá-lo como herói diante de sua família enlutada e o bandido que o matou será severamente punido.

No Brasil, ocorre justamente o contrário: enquanto a morte de bandidos é cercada de atenção pelas ONGs dos direitos humanos e gera violentos protestos de rua em São Paulo e Rio, a morte de um policial não passa de uma efêmera nota de rodapé no noticiário e, em muitos casos, sua família não recebe nem mesmo a visita das autoridades da própria segurança pública, temerosas do que possam pensar os formadores de opinião. Já em países como os Estados Unidos, um bandido reluta em matar um policial, pois sabe que o assassinato será motivo de comoção pública e a pena que o aguarda será à altura dessa indignação cívica com a morte de um agente da lei.


Completa inversão de valores
Mas não basta tratar como herói o policial – também é preciso tratar o bandido como bandido. O ser humano é um ser relativo e não consegue julgar em absoluto, mas somente por meio de comparação. Por isso, ao mesmo tempo em que se enaltece o policial corajoso e honesto, é preciso punir verdadeiramente o criminoso, para marcar a diferença entre ambos. O policial se revolta ao proteger de linchamento o estuprador de uma criança ou ao levar para o hospital o bandido ferido que tentou matá-lo porque sabe que seu trabalho heroico e humanitário foi inútil: logo, esses bandidos serão postos na rua para cometer novos homicídios e estupros.

Mesmo o estuprador de uma criança ou o homicida que queima viva sua vítima têm direito a todas as regalias da legislação penal, travestidas de direitos humanos. Até criminosos que matam ou estupram mulheres gozam de benefícios absurdos, como a famigerada visita íntima. A Resolução CNPCP Nº 4, de 29 de junho de 2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, instituiu de vez a visita íntima como um direito do preso qualquer que seja a gravidade do seu crime. No seu artigo 4º, a resolução deixa claro que “a visita íntima não deve ser proibida ou suspensa a título de sanção disciplinar”; ou seja, mesmo se o preso promover rebeliões e mortes na cadeia, a visita íntima continuará sendo assegurada a ele como um direito sagrado, à custa da segurança da sociedade. É óbvio que a mulher que se presta a lhe servir de repasto sexual também há de lhe fazer outros favores associados diretamente ao crime, como passar recados para seus comparsas que estão fora das grades.

É por isso que quando uma patrulha da PM leva um criminoso ferido para o hospital, muitas vezes junto com um policial também ferido na troca de tiros, os policias que assim agem precisam ser tratados como heróis. É sua única recompensa. Não há salário que pague esse gesto. Não é fácil para nenhum ser humano salvar a vida de seu próprio algoz sabendo que aquele criminoso que tentou matá-lo não será punido como merece, pois, na cadeia, continuará comandando o crime, com direito a saídas temporárias, visitas íntimas e outras regalias. A legislação penal é tão moralmente hedionda que um dos assassinos do jornalista Tim Lopes, depois de preso, jogou água quente em sua companheira dentro da própria cela. E esse novo crime bárbaro só foi possível porque o Estado brasileiro – cúmplice contumaz de bandidos – garante a famigerada visita íntima até para um monstro dessa espécie.


Feministas contra a polícia
Mas, por incrível que pareça, até as feministas – que criticam violentamente a polícia – defendem as visitas íntimas para presos, consideradas uma extensão dos direitos humanos e classificadas como “direitos sexuais”. Ora, direito sexual é como o direito de expressão: toda pessoa tem o direito de falar, mas não tem o direito de obrigar o outro a ouvi-la. O preso não pode ser impedido de sonhar com uma mulher ou até de satisfazer solitariamente sua libido. Mas isso não significa que ele tem o direito de manter relações sexuais dentro da cadeia, mesmo que seja com sua esposa. E a razão é simples: seu desejo sexual não pode ser posto acima da segurança da sociedade. É óbvio que, durante a visita íntima, não há meio de controlar o preso. Ele pode usar a visita – e sempre usa – para transmitir recados aos comparsas fora da cadeia, daí o comando que o cárcere continua tendo sobre o crime organizado. Praticamente todas as centrais telefônicas do PCC são administradas por mulheres de presidiários. E mulher de preso inevitavelmente o obedece, sob pena de ser morta.

O mesmo se dá com a alimentação do preso. Não deixar um latrocida morrer de fome e sede na cadeia é garantir-lhe um direito humano básico, mas permitir que ele escolha o cardápio, por meio de rebeliões, como ocorre com muita frequência nos presídios brasileiros, não passa de um abuso com o dinheiro de suas vítimas. Hoje, até o criminoso que queima sua vítima viva tem direito a remissão de pena não por dias trabalhados, por horas de estudo e, pasmem, até pela simples leitura de romances na cadeia. Ou seja, o que os acadêmicos chamam de “direitos humanos” são, na verdade, privilégios civis, que deveriam ser privativos do cidadão que respeita as leis e não do bandido que fere o contrato social e, por isso, tem de ser excluído da esfera da cidadania enquanto cumpre sua pena.

Hoje, a inversão de valores é tanta que, oficialmente, por meio das políticas públicas do governo federal, o policial militar se tornou o inimigo público número um, enquanto se concede ao criminoso o monopólio dos direitos humanos. A Resolução nº 8, de 21 de dezembro de 2012, da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, sob o comando da ministra Maria do Rosário, estabelece em seu artigo 1º que, quando um bandido morre em confronto com a polícia, na descrição de sua morte nos registros oficiais não deve mais ser usada a expressão “resistência seguida de morte” e, sim, “homicídio decorrente de intervenção policial”.

A alegação é que os policiais utilizam o chamado “auto de resistência” para esconder execuções. Ora, nos casos em que isso ocorre, não vai ser mudando as palavras que o crime deixará de ser praticado. Mais do que a nomenclatura, o que importa em qualquer crime é a investigação. E essa não deixará de ser feita caso um auto de resistência levante suspeitas, a não ser que as autoridades responsáveis pelo controle externo da polícia se omitam. Prova disso é que dezenas de policiais militares são expulsos da corporação em todo o País. Classificar esse tipo de ocorrência como “resistência seguida de morte” é uma questão de respeito com o policial. É um absurdo que, após uma troca de tiros com assaltantes de bancos armados de fuzil, o policial tenha de descrever a morte de um dos bandidos como “homicídio decorrente de intervenção policial”.


Criminoso é “reeducando”, policial é “homicida”
A sociedade honesta e trabalhadora, que não se acumplicia com bandidos, não pode aceitar essa calúnia legalizada contra a polícia, tachando previamente de “homicida” o policial que mata para proteger a sociedade, cumprindo seu dever constitucional. Se numa investigação sobre um auto de resistência ficar provado que não houve confronto, mas execução, então que o policial seja punido. O que não se pode aceitar é que o policial seja antecipadamente tachado de homicida mesmo quando é obrigado a matar para proteger vidas. Na prática, é essa a mancha que o policial terá de carregar em sua imagem, caso seja obrigado a registrar a morte de um bandido em confronto como “homicídio”. Isso é ainda mais grave quando se compara o tratamento de “homicida” que querem dar ao policial com o tratamento de “reeducando” que a Justiça dá a latrocidas e estupradores nas cadeias.

Atentem para esta fórmula de inversão dos valores: policial que mata um sequestrador é “homicida”, até que prove o contrário; já o sequestrador que mata o refém vira “reeducando” quando é preso e condenado pela Justiça. Como se pode notar, há uma completa inversão dos valores morais: o policial é culpado até que prove sua inocência; já o bandido é inocente como uma criança de escola (“reeducando”), justamente quando sua culpa foi provada e sentenciada nos tribunais. Esses fatos mostram que os acadêmicos que criticam a Polícia Militar não estão preocupados com a segurança da população honesta e trabalhadora – querem é atacar a sociedade capitalista, como se não fossem justamente os mais pobres os que mais perdem com o enfraquecimento da polícia? Os ricos podem contratar segurança privada. E os pobres? E a classe média? O que será deles sem a polícia?

A grande verdade é que a Polícia Militar não é necessariamente pior do que as demais instituições humanas. Convém relembrar uma máxima do economista Albert Hirschman não aproveitada na tese do tenente-coronel Paes de Souza: “Sob qualquer sistema econômico, social ou político, indivíduos, firmas e organizações, em geral estão sujeitas a falhas de eficiência, racionalidade, legalidade, ética ou outros tipos de comportamento funcional. Não importa quão bem estabelecidas as instituições básicas de uma sociedade; alguns agentes, ao tentarem assumir o comportamento que deles se espera, estão fadados ao fracasso, ainda que por razões acidentais de quaisquer tipos”.

Ou seja, todas as demais instituições indispensáveis à Justiça, como o Judiciário, o Ministério Público, a OAB, a Polícia Federal e a Polícia Civil, para citar as principais, estão sujeitas a gravíssimas falhas por parte de seus membros. Um juiz que mata um inofensivo e desarmado vigilante de supermercado, como já ocorreu no Brasil, é infinitamente mais criminoso do que um policial desesperado, que, depois de escapar por pouco das balas de um assaltante, resolve terminar de matá-lo ao se dar conta de que ele está ferido. É errada essa atitude do policial? Sem dúvida. Mas é compreensível, tanto que a maioria da população, equivocadamente, a aprova. E a única forma de inibir essa justiça vicária feita com a própria farda é dar ao policial a certeza de que ele pode entregar o bandido aos tribunais, que a sociedade será vingada mesmo assim – sem visitas íntimas, sem saídas temporárias, sem indultos de Natal, sem celulares na prisão, sem regime semiaberto, sem remissão de pena e sem as demais regalias dadas ao criminoso.

É bom lembrar que leis mais duras serviriam inclusive para punir os maus policiais, que também existem, mas, hoje, acabam ingressando no crime organizado ao serem expulsos da corporação. Se os maus elementos de cada instituição humana fossem enforcados nas tripas dos maus elementos das outras, não sobrariam condenados nem tripas. A maldade humana está relativamente bem distribuída em todas as instituições. Por isso, é tolice creditar os problemas da segurança pública à Polícia Militar, como insistem em fazer os acadêmicos e até policiais influenciados por eles. Tortura, corrupção e truculência não são privativas da PM. E a injustiça com a PM é ainda mais grave quando se leva em conta o contexto em que a corporação atua – a miséria moral dos mais ferozes criminosos, que não têm o menor respeito pela vida humana. Por isso, é tolice achar que, desmilitarizando a PM, se resolvem todos os problemas da segurança pública. Mesmo se isso fosse verdade, seria um desatino desmilitarizar a polícia justamente quando os bandidos andam com fuzis nas ruas e transformaram até as cadeias em quartéis crime.

Publicado no Jornal Opção.

Por: José Maria e Silva, sociólogo e jornalista, edita o blog Palavracesa.

domingo, 1 de dezembro de 2013

"DEMÊNCIA DIGITAL" ALARMA CORÉIA DO SUL E ALEMANHA

A Coreia do Sul é um dos países mais conectados digitalmente no mundo, mas desde 1990 vem registrando o crescimento do problema da “adicção à Internet” entre adultos e jovens, de acordo com o jornal The Telegraph.

Essa adicção está evoluindo para o que os sul-coreanos chamam de “demência digital”. O termo designa uma deterioração das capacidades cognitivas que antes só se viam em pessoas que sofreram graves lesões no crânio ou doenças psiquiátricas. 

“O uso excessivo de smartphones e jogos digitais dificulta o desenvolvimento equilibrado do cérebro”, explicou ao jornal “Joong Ang Daily”, de Seul, o médico Byun Gi-won, do Centro para o Equilíbrio Cerebral.

“Os usuários ‘pesados’ tendem a desenvolver o lado esquerdo de seus cérebros, deixando no subdesenvolvimento ou no estancamento o lado direito” – acrescentou. Do lado direito depende a concentração mental, e sua falência afeta a atenção e a memória, danos que se verificam num 15% dos casos de “demência digital” precoce.

Os pacientes desta nova patologia exibem também subdesenvolvimento emocional, sendo que as crianças correm mais riscos do que os adultos porque seus cérebros ainda estão crescendo.

Segundo os médicos, a situação está piorando na medida em que a média de jovens entre 10 e 19 anos que usam smartphones mais de sete horas por dia cresceu até 18,4%, um aumento de 7% em relação ao ano passado. 

Mais de 67% dos sul-coreanos possuem smartphone, o maior índice do mundo. Nos adolescentes a proporção é de mais de 64%, segundo o Ministério para as Ciências. O governo calcula que 20% dos menores de idade sofrem depressão e ansiedade quando fica sem mexer com celular.

O neurocientista alemão Manfred Spitzer publicou em 2012 o livro Digital Dementia, alertando pais e professores para o perigo que correm as crianças que ficam muito tempo diante de laptops, tablets, celulares ou outros aparelhos eletrônicos. 

Segundo o Dr. Spitzer, os déficits no desenvolvimento cerebral são irreversíveis. Para ele, os equipamentos digitais deveriam ser banidos das escolas alemãs antes que os jovens se tornem adictos.

Por sua vez, a BBC Brasil noticiou que os ministérios da Educação e da Saúde sul-coreanos pediram que as escolas organizem acampamentos visando livrar as crianças dos atrativos negativos da adicção a Internet e a concomitante “demência digital”.

Por: Luis Dufaur editor do blog Valores Inegociáveis.

ESCRITORES E PEDÓFILOS

Um dia perguntaram a Gore Vidal se ele gostaria de mudar alguma coisa na sua biografia. O escritor respondeu: "A minha mãe". 

Em três palavras, Vidal "vintage": uma mistura de ironia e crueldade. E de presciência, talvez: se é verdade que todas as famílias felizes são iguais, então cada família ressentida é ressentida à sua maneira. 

O verniz da família Vidal estalou recentemente depois de o escritor, morto em 2012, ter deixado o seu patrimônio (tradução: US$ 37 milhões, cerca de R$ 84 milhões) à Universidade Harvard. 

A família respondeu com um livro no qual alega que Vidal teria vivido anos de terror com a possibilidade de William Buckley, seu fiel inimigo, o denunciar como pedófilo. Buckley teria provas de vários crimes sobre menores. Infelizmente, os descendentes de Buckley confessam que o "dossiê Vidal" foi jogado fora depois da morte do patrono. Como quem joga uma roupa velha. 

Perfeito. Não há provas. Apenas uma mancha: Vidal era pedófilo e não se fala mais do assunto. 

Uma mancha dessas não é apenas destrutiva de uma reputação. É destrutiva e macabra porque Vidal já não está entre os vivos para responder. Se bater em gente indefesa é sinal de covardia, o que será bater em gente morta? 

Mas o "caso Vidal", que agitou as águas literárias, coloca uma questão mais séria: será que o comportamento pessoal de um artista, e mesmo o comportamento alegadamente criminal dele, diminui ou altera a qualidade da sua obra? 

O jornalista Mark Lawson, que analisou o caso no jornal "The Guardian", diz que não. E relembra vários exemplos de condutas privadas reprováveis que nem por isso desqualificam o autor. O antissemitismo de Richard Wagner não deve ser um impedimento para apreciar a sua música. 

E, claro, convém não esquecer Roman Polanski, que abusou de uma menor nos Estados Unidos e, por causa disso, nunca mais lá regressou. O crime de Polanski desqualifica os filmes que ele fez? 

A minha resposta também é negativa: existe uma autonomia na criação estética que não se confunde com a biografia ética. Admito apenas uma exceção a essa regra (já irei a ela), mas pretender julgar qualquer obra com as falhas de conduta do criador seria inaugurar uma "caça às bruxas" que deixaria os nossos museus e as nossas bibliotecas irremediavelmente mais pobres. 

O antissemitismo de Céline não retira uma vírgula à grandeza romanesca da sua obra. Martin Heidegger merece ser lido, e bem lido, independentemente dos entusiasmos pelo nazismo. 

E, para recuarmos na história, não passa pela cabeça de ninguém condenar a pintura de Caravaggio simplesmente porque ele era um delinquente e um provável homicida. 

Exceções à regra? Apenas uma: quando o próprio autor não respeita a separação entre a ética e a estética, usando a segunda para esconder a primeira. A misantropia de Evelyn Waugh não me incomoda porque os seus romances não procuram sublimar ou ocultar o ser intratável que ele era. 

Mas confesso algumas dificuldades em levar a sério o humanismo moralista de Arthur Miller quando sei que esse humanismo não era praticado pelo próprio em relação ao filho com síndrome de Down, que ele abandonou no asilo e conscientemente rasurou da sua biografia. 

Repito: não espero que um artista seja um santo. Mas também não tolero que ele se faça passar por santo. E, sobretudo, que faça sermões aos outros exigindo essa santidade. 

Finalmente, a separação entre a conduta ética e a autonomia estética funciona para ambos os lados. A violação de Polanski não retira qualidade aos seus filmes. Mas a qualidade dos filmes não o absolve da violação (e da fuga), mesmo sabendo que a vítima já o perdoou publicamente. 

Acreditar que a vida estética está cima da lei é apenas repetir o mesmo tipo de "diletantismo ético" que produziu horrores mil na história moderna. Se Polanski regressar aos Estados Unidos, a Justiça que trate do que é da Justiça. Os filmes bastam-se e bastam-me. 

E Gore Vidal? Começo e acabo com o óbvio: no século 20 americano, não encontro maior ensaísta. Nem melhor escola de estilo para qualquer candidato ao "métier". 

O que Vidal fazia nas horas livres não é da minha conta. E, perante a ausência de provas (e de vítimas), não é da conta de ninguém. 

Por: João Pereira Coutinho Folha de SP