quarta-feira, 6 de agosto de 2014

OS POBRES, O LIVRE MERCADO, E A MORALIDADE DESTE ARRANJO

Se uma determinada atividade econômica sempre foi socializada, praticamente todas as pessoas concluem que é assim que tem de ser e que não poderia ser de outra maneira.


Com efeito, à primeira vista, imaginar como o livre mercado faria funcionar um setor até então estatizado é difícil. Décadas de doutrinação estatista nas escolas (públicas e privadas) geraram essa incapacidade de raciocínio. Murray Rothbard certa vez comentou que se o governo fosse o único fabricante de sapatos, a maioria das pessoas seria incapaz de imaginar como o mercado poderia ser capaz de produzi-los. Disse ele:

Se o governo, e somente o governo, tivesse o monopólio da fabricação de sapatos e fosse o dono de todas as revendedoras, como será que a maioria das pessoas iria reagir a quem advogasse que o governo saísse do setor de calçados e o abrisse para empresas privadas? Sem dúvida nenhuma as pessoas iriam bradar: "Como assim? Você não quer que as pessoas, e principalmente os pobres, usem sapatos! E quem iria fornecer sapatos ao povo se o governo saísse do setor? Quais pessoas? Quantas lojas de sapato haveria em cada cidade? Em cada município? Como isso seria definido? Como as empresas de sapato seriam financiadas? Quantas marcas existiriam? Qual material elas iriam usar? Quanto tempo os sapatos durariam? Qual seria o arranjo de preços? Não seria necessário haver regulamentação da indústria de calçados para garantir que o produto seja confiável? E quem iria fornecer sapatos aos pobres? E se a pessoa não tiver o dinheiro necessário para comprar um par?"

Troque a expressão "fabricação de sapatos" por qualquer outra e o raciocínio continua idêntico. Sem uma educação socializada, como os pobres conseguiriam pagar por seus estudos? Se os Correios não fossem estatais, como as pessoas que moram naqueles rincões mais afastados receberiam suas cartas? Sem a Previdência Social estatal e compulsória, os idosos morreriam na miséria! Se o sistema elétrico não estivesse sob o controle do estado, milhares de famílias estariam hoje às escuras! Se a extração de Petróleo não fosse de competência do estado, não haveria gasolina e diesel nas bombas!

Pavorosamente, quando se aceita a "necessidade da socialização", a ideia do absolutismo estatal passa a ser vista com naturalidade. Afinal, se o estado é visto como essencial em várias áreas, por que ele deixaria de ser essencial em outras? 

Para entender essa confusão mental não é necessário muito esforço. 

Tão logo uma atividade foi socializada, torna-se impossível demonstrar, por meio de exemplos práticos, como os indivíduos agindo em um mercado livre e irrestrito poderiam efetuar esta mesma atividade de maneira mais eficiente, mais abundante e mais barata. Por exemplo, como seria possível comparar os Correios estatais a um Correio privado quando a existência deste último é proibida por decreto estatal? Como explicar que o mercado de telefonia seria melhor caso a entrada de concorrência estrangeira fosse liberada, quando sempre tivemos o estado regulando o setor e especificando quem pode e quem não pode entrar?

É como tentar explicar para um povo que sempre viveu na escuridão como as coisas seriam caso houvesse luz. A única coisa que você pode fazer é recorrer a construções imaginárias.

Para ilustrar esse dilema: durante as últimas décadas, homens e mulheres praticando trocas livres e voluntárias (isso se chama livre mercado) descobriram como fazer a entrega da voz humana ao redor do globo em bem menos de um segundo; descobriram como transmitir um evento, como uma partida de futebol ou uma corrida de automóveis, e exibi-lo ao vivo e a cores na casa de qualquer pessoa em qualquer ponto da terra; descobriram como transportar mais 300 passageiros de um continente a outro em questão de horas; descobriram como transportar gás de uma mina remota ao aconchegante lar de alguém em outra cidade a preços inacreditavelmente baixos e sem subsídio; descobriram como entregar vários barris de petróleo do Golfo Pérsico ao oeste americano — meia volta ao mundo — por menos do que o governo cobra para entregar uma carta de 50 gramas ao outro lado da rua!

No entanto, e ainda assim, esses e tantos outros fenômenos rotineiros que o livre mercado nos proporciona ainda não são capazes de convencer a maioria das pessoas de que "os Correios" poderiam ficar a cargo da livre concorrência sem que isso causasse sofrimento aos usuários.

Agora, imagine este outro cenário: suponha que o governo federal, desde seu surgimento, tenha decretado uma lei ordenando que todos os meninos e meninas, desde o nascimento até a maioridade, recebam sapatos e meias "gratuitamente" do governo federal. Imagine que essa prática de receber "sapatos e meias gratuitamente" estivesse em prática desde o descobrimento do país. Por fim, imagine que um de nossos contemporâneos — alguém que acredite nas maravilhas que podem ser alcançadas quando as pessoas são livres para empreender — dissesse: "Não creio que dar meias e sapatos para as crianças deveria ser uma responsabilidade do governo. Isso deveria ser uma responsabilidade das famílias. Tal atividade jamais deveria ter sido socializada. Ela seria muito mais adequadamente efetuada pelo livre mercado".

Quais seriam as reações a essa declaração? Baseando-se em tudo o que ouvimos tão logo uma atividade é estatizada — mesmo que apenas por um curto período de tempo —, a resposta-padrão a essa desestatização seria algo assim: "Ah, mas aí você traria sofrimento para as crianças pobres, que ficariam completamente descalças!"

No entanto, neste exemplo, como se trata de uma atividade que ainda não foi estatizada, somos capazes de mostrar que as crianças pobres estão mais bem calçadas naqueles países em que sapatos e meias são de responsabilidade da família do que naqueles países em que sapatos e meias são responsabilidade do governo. Somos capazes de demonstrar que as crianças pobres estão mais bem calçadas em países que são mais livres do que em países que são menos livres.

Sim, é verdade que o livre mercado ignora os pobres — só que ele ignora os pobres justamente porque ele não reconhece os ricos. O livre mercado não é um "respeitador de pessoas". O livre mercado é simplesmente uma maneira organizacional de criar bens e serviços por meio da livre concorrência. Ou seja, trata-se de um arranjo em que a entrada na arena da produção e da comercialização é livre, não dependendo de autorizações ou permissões estatais. Trata-se de um arranjo que permite que milhões de pessoas cooperem e compitam sem que seja necessário exigir autorizações preliminares de pedigree, nacionalidade, cor, raça, religião ou riqueza. 

Livre mercado significa transações voluntárias; significa uma justiça impessoal na esfera econômica. Livre mercado não tolera protecionismo, subsídios e favores especiais concedidos por aqueles que estão no poder. Por isso, o livre mercado é, em sua essência, contra a coerção, a espoliação, o roubo e todos os outros métodos anti-mercado criados por governos para privilegiar alguns poucos poderosos em detrimento de todo o resto. O livre mercado é o único arranjo que permite que qualquer indivíduo possa concorrer em qualquer área da economia (mas que não dá garantia nenhuma de sucesso). O livre mercado, por fim, permite que os mortais ajam moralmente porque eles são livres para agir moralmente.

Sim, é necessário admitir que a natureza humana é defeituosa, e que essas imperfeições muitas vezes serão refletidas no mercado (e muito mais no governo, setor cujos integrantes detêm o poder e não estão submetidos à concorrência). Porém, o livre mercado é o único arranjo que possibilita a cada indivíduo agir de acordo com sua melhor moral e ser recompensado por isso, ao passo que o estatismo e a abolição da concorrência é o arranjo que premia (ou não pune) os imorais e desleixados.

Nenhum defensor do livre mercado nega a existência de empreendedores salafrários; nós apenas acreditamos — e para isto baseamo-nos na sólida teoria econômica — que, quanto mais livre e concorrencial for o mercado, mais restritas serão as chances de sucesso de vigaristas, e mais honestas as pessoas serão forçadas a se manter. E elas terão de ser honestas não por benevolência ou moral religiosa, mas sim por puro temor de que, uma vez descobertas suas trapaças, elas serão devoradas pela concorrência, podendo nunca mais recuperar sua fatia de mercado e indo a uma irrecuperável falência.

Por outro lado, quanto maior for a regulamentação estatal sobre um setor, mais incentivos existirão para a corrupção, para o suborno, para os favorecimentos e para os conchavos. Em vez de se concentrar em oferecer bons serviços e superar seus concorrentes no mercado, as empresas mais poderosas poderão simplesmente se acertar com os burocratas responsáveis pelas regulamentações, oferecendo favores e, em troca, recebendo agrados como restrições e vigilâncias mais apertadas para a concorrência.

Não há absolutamente nenhum motivo para crer que homens dotados com o poder da coerção — como são os políticos e os empresários que atuam em um mercado fechado pelo governo — irão se comportar mais moralmente do que as pessoas em um ambiente de livre concorrência.

Por isso, o livre mercado é a única opção moral concebível.


POR: Leonard Read foi o fundador do instituto Foundation for Economic Education -- o primeiro moderno think tank libertário dos EUA -- e foi amplamente responsável pelo renascimento da tradição liberal no pós-guerra.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

A SITUAÇÃO EUROPEIA E A HEGEMONIA DA ALEMANHA


O Banco Central Europeu (BCE) está sob pressão. A inflação de preços na zona do euro, no acumulado de 12 meses, foi de apenas 0,5% em junho. Vários comentaristas econômicos seguem recorrendo ao bicho-papão de sempre — os supostos perigos da deflação! — para, com isso, incitar o BCE a adotar medidas mais expansionistas, algo que irá beneficiar apenas os especuladores e onerar ainda mais os poupadores.

A baixa inflação de preços na zona do euro não deveria ser surpresa para ninguém. A região do euro vem apresentando, já há um bom tempo, um crescimento de quase zero na expansão do crédito e na expansão da oferta monetária. Como noticiado pela Reuters, em abril, a taxa de crescimento do agregado monetário M3 acumulada em 12 meses foi de mísero 0,8%. Os empréstimos para o setor privado caíram 1,8% em abril de 2014 em relação a abril de 2013. 

Essa estagnação do crédito vem ocorrendo há um bom tempo, como ilustram os gráficos a seguir sobre a expansão do crédito:



No gráfico C5, a linha pontilhada vermelha mostra a taxa de crescimento dos empréstimos para as empresas da zona do euro. 

No gráfico C6, a linha azul contínua mostra a taxa de crescimento nos empréstimos para consumidores; a linha vermelha pontilhada mostra a taxa de crescimento nos empréstimos para a compra de imóveis; e a linha azul pontilhada mostra a taxa de crescimento de todos os outros tipos de empréstimos para pessoas físicas.

Como se observa, o crédito na zona do euro — não obstante as taxas de juros extremamente baixas — está bem contido e "apertado". Naturalmente, a turma defensora do crédito fácil e farto, e de uma política monetária expansionista, está em polvorosa. O bilionário David Tepper, que gerencia um hedge fund, disse que o BCE está muito atrás da curva. Martin Wolf, do Financial Times, está exigindo do BCE "mais um tiro de bazuca". E o famoso jornalista britânico Ambrose Evans-Pritchard está dizendo que uma fraternidade entusiasta de uma "política monetária rígida" está no controle do BCE, o que estaria jogando a economia europeia no abismo.

Estaria o BCE sendo controlado por algum linha-dura?

Eu certamente gostaria muito que sim, mas duvido. Basta ver as recentes medidas adotadas pela instituição.

No início de junho, o BCE tomou uma decisão inédita: estabeleceu uma taxa negativa para uma de suas três taxas básicas de juros.

Antes de junho, os bancos da zona do euro podiam obter fundos normais do BCE (a chamada "taxa de refinanciamento", que é a principal taxa de juros manipulada pelo BCE) a 0,25%; podiam obter fundos de emergência 0,7%, e podiam depositar voluntariamente dinheiro extra no BCE a 0%. Agora, eles podem obter fundos normais a 0,15%, fundos de emergência a 0,40%, e têm de pagar 0,10% sobre qualquer quantia que depositarem voluntariamente no BCE.

Essa taxa negativa é inédita na zona do euro.

Qual será o impacto de tudo isso? Quase nenhum, creio eu.

Há quem acredite que a taxa de - 0,1% sobre os depósitos voluntários dos bancos no BCE representa uma multa para os bancos que ali deixarem dinheiro "estacionado", e que isso irá estimular os bancos a fazerem outras coisas com esse dinheiro "ocioso". O problema é que essa descrição não é correta. Ela passa a impressão de que os bancos podem emprestar esse dinheiro que está no BCE para empresas e pessoas. Mas os bancos não podem fazer isso.

Os depósitos dos bancos no Banco Central formam as reservas bancárias. Elas não podem ser transferidas ou emprestadas para pessoas e empresas simplesmente porque pessoas e empresas não possuem uma conta no Banco Central. Tudo o que os bancos podem fazer é emprestar ou transferir esse dinheiro para outros bancos. Quando o Banco A faz um empréstimo para o cidadão X, o banco cria dígitos eletrônicos na conta de X. Quando X for gastar esses dígitos, eles irão parar na conta bancária do cidadão Y, que tem conta no Banco B. Ao final, o Banco B irá exigir do Banco A a transferência eletrônica destes dígitos (a chamada 'compensação bancária'). 

Ou seja, no agregado, a quantidade de reservas não se alterou. Isso significa que o sistema bancário não pode se livrar destas reservas. Portanto, a esta nova taxa negativa, o setor bancário irá pagar aproximadamente €220 milhões para o BCE anualmente, e não há quase nada que eles possam fazer quanto a isso (não há com o que se preocupar; essa quantia é apenas um trocado).

Como isso pode ser "economicamente estimulante"? Não sei.

Quantos empréstimos arriscados para empresas pequenas e médias os bancos irão fazer para tentar evitar ao máximo essa "multa" de 0,1% no BCE? Não creio que serão muitos.

A questão é que os bancos da zona do euro não estão concedendo muitos empréstimos (como mostra o gráfico) simplesmente porque ainda estão preocupados com a situação de seus balancetes, que se encontram dizimados após o estouro de bolhas imobiliárias e por calotes dados por governos, empresas e pessoas. Adicionalmente, os bancos compreensivelmente querem evitar os riscos inerentes a conceder novos empréstimos para pessoas e empresas já muito endividadas e com pouca solvência. Para completar, a demanda por novos empréstimos também não parece estar alta.

Após um longo período de acentuada expansão do crédito (vide o gráfico acima), algo que desembocou em uma grande recessão, um período igualmente longo de crescimento nulo (ou até mesmo de contração moderada) do crédito não apenas não deveria ser uma surpresa, como também deveria ser visto como algo eminentemente sensato e totalmente recomendável.

Os gráficos acima não apenas ilustram como a expansão do crédito — e, consequentemente, da oferta monetária — arrefeceu desde 2009, como também mostram o crescimento substancial ocorrido no período anterior à crise. Pensei que, após 2009, a maioria das pessoas já estivesse ciente de que um período de desalavancagem e de restauração dos balancetes dos bancos é inevitável após uma bolha.

A crise financeira não foi um ato divino ou uma manifestação de alguma força da natureza, e, independentemente do prisma que você adote, a temerária expansão do crédito desempenhou um papel fundamental na criação dela; expansão essa que foi generosamente financiada pelo BCE. Os bancos gregos, espanhóis, italianos, franceses e alemães, todos eles pareciam zumbis em 2009, e muitos certamente ainda o são. Por que eu deveria dormir melhor ao saber que o BCE está fazendo de tudo para estimular os bancos a voltar à insensatez do início da década de 2000?

Adicionalmente, vale enfatizar que uma taxa de crescimento de zero ou até mesmo negativa do crédito não significa que ninguém está conseguindo obter um empréstimo; significa apenas que, no agregado, a quantidade de empréstimos que está sendo quitada é maior do que a quantidade de empréstimos que está sendo concedida pelos bancos.

Por fim, uma baixa expansão da oferta monetária tende a explicitar todos os tipos de rigidez estrutural existentes na zona do euro, como mercados de trabalho excessivamente regulados, leis trabalhistas onerosas, gastos governamentais insustentáveis e endividamento excessivo. Nenhuma dessas rigidezes está perto de ser solucionada, e a elite política — totalmente paralisada — sempre considerou o assunto explosivo demais, de modo que abordá-lo é impopular e representaria um suicídio político.

Não sou nenhum entusiasta de bancos centrais e creio que a própria instituição de um banco central — que existe para cartelizar e proteger o sistema bancário, e para permitir que os bancos financiem despreocupadamente os déficits do governo — não existiria em capitalismo pleno. Porém, também sou um realista e sei que os bancos centrais não irão desaparecer tão cedo. Portanto, já que é para existir um banco central, então que ele seja controlado por tipos ríspidos e durões, como o velho Helmut Schlesinger do antigo Bundesbank. Em um banqueiro central, a inatividade é uma virtude. 

Em minha opinião, dentre os principais bancos centrais do mundo, o BCE tem sido o menos irresponsável. Nos últimos anos, o euro tem se mantido relativamente estável — em alguns momentos, chegou a se apreciar ligeiramente — em relação às moedas de seus parceiros comerciais. Para os cidadãos e empresas da zona do euro, isso se traduziu em um aumento moderado de seu poder de compra nos mercados internacionais. Os preços dos produtos importados diminuíram e isso ajudou a manter os preços domésticos bastante estáveis. Pessoas que vivem de renda fixa (aposentados, pensionistas, assalariados e pessoas que vivem de assistencialismo) mantiveram seu poder de compra, algo excepcional durante uma fase de recessão econômica. 

É insensato afirmar que tal ambiente — moeda forte e preços estáveis — afeta o desempenho econômico, e que o desejável seria ter mais carestia e um menor poder de compra para a moeda.



Política: Alemanha x França

Todo o projeto do euro depende do eixo Alemanha-França e pode ser analisado como uma contínua guerra fria entre as elites políticas desses dois países, cada qual com visões muito diferentes — quase antagônicas — sobre política econômica.

Para a elite francesa, o euro sempre foi visto como um veículo criado especialmente para quebrar a hegemonia monetária que a Alemanha usufruía na Europa por meio do robusto marco alemão — a moeda menos inflacionada da segunda metade do século XX — e do todo-poderoso e inflexível Bundesbank. Tão logo o marco alemão fosse abolido e substituído pelo euro, e o Bundesbank estivesse neutralizado e sob o controle de franceses (agora sob o nome de Banco Central Europeu), o puritanismo monetário alemão supostamente se tornaria obsoleto (ou passé, como diriam os franceses), e uma burocracia educada na Sorbonne e na École Polytechnique assumiria o controle, comandaria o show europeu e injetaria um pouco de vigor tipicamente gaulês na coisa toda.

Até uns dois anos atrás, tinha-se a certeza de que a França iria liderar o bloco anti-austeridade dos países do Mediterrâneo contra a Alemanha. Hoje, isso parece uma memória distante.

A elite política francesa está completamente desacreditada e se encontra em um estado de total desmazelo. 

Muitos acreditaram que François Hollande com sua política socialista de tributar pesadamente os ricos seria a face do novo populismo europeu. Mas isso não ocorreu. Ao contrário, aliás. Com índices de aprovação abaixo de 20% (atualmente em 16%), Hollande é um zumbi (ou um "pato manco"). Ele é tão miseravelmente impopular, que Dominique Strauss-Kahn, acusado de abuso sexual, já é mais popular do que ele. Já Nicolas Sarkozy — que sofreu a inédita humilhação pública de ser interrogado pela polícia por 15 horas — está sendo acusado de corrupção, de tráfico de influência e de suborno de dois magistrados.

Todo esse desmazelo resultou em uma votação recorde no nacionalista e totalmente anti-euro Frente Nacional, que conseguiu 25% dos votos para o Parlamento Europeu.

Enquanto isso, Angela Merkel reina soberana na Europa. Na Alemanha, os opositores que estão à sua direita e que são anti-euro — a Alternative für Deutschland — conseguiram apenas 7% dos votos para o Parlamento Europeu em maio. Seus índices de popularidade continuam respeitáveis, a economia alemã não tem rivais na Europa, e não se vê líderes políticos que possam fazer sombra à chanceler.

Merkel pode até não querer exagerar muito em suas exigências pró-austeridade, mas a exigência de reformas estruturais e de austeridade 'moderada' na zona do euro irá continuar. Uma Alemanha política e economicamente forte alivia um pouco a pressão sobre o BCE.

E o BCE, que hoje está sob o comando do italiano Mario Draghi, não é muito popular entre a elite política alemã. Os alemães são céticos quanto às políticas de afrouxamento quantitativo e muitos compartilham das restrições feitas pelo Tribunal Constitucional da Alemanha de que tais políticas nada mais são do que financiamento do governo por meio da criação de dinheiro (claro que são!). Tampouco a frase de Draghi de que fará "tudo o que for necessário" para salvar o euro — o que difundiu a crise da dívida soberana — é popular junto ao governo alemão. 

Por qualquer que seja o ângulo, o fato é que a Alemanha é hoje o porto-seguro da estabilidade na Europa: baixo desemprego, nenhum déficit significativo, crescimento econômico razoavelmente sólido, produtividade crescente e uma estabilidade política que chega a ser tediosa e monótona. Seu poderio econômico não tem rivais e não há líderes políticos que possam fazer sombra a Merkel. Falta agora recuperar o controle do BCE.__________________________________________

Leia também:


Por: Detlev Schlichter, formado em administração e economia.  Trabalhou 19 anos no mercado financeiro, como corretor de derivativos e, mais tarde, como gerente de portfolio.  Nesse meio tempo, conheceu a Escola Austríaca de Economia e, desde então, dedicou seus últimos 20 anos ao estudo autônomo da mesma.  Foi apenas após conhecer a Escola Austríaca que ele percebeu o quão mais profundas e satisfatórias eram as teorias austríacas para explicar os fenômenos econômicos que ele observava diariamente em seu trabalho.  Visite seu website.

Tradução de Leandro Roque

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A DESTRUIÇÃO DA INTELIGÊNCIA

Poucas coisas são tão grotescas quanto a coexistência pacífica, insensível, inconsciente e satisfeita de si, da afetação de inconformismo com a subserviência completa à autoridade de um corpo docente.


Aprender, imitar e introjetar o vocabulário, os tiques e trejeitos mentais e verbais da escola de pensamento dominante na sua faculdade é, para o jovem estudante, um desafio colossal e o cartão de ingresso na comunidade dos seus maiores, os tão admirados professores.

A aquisição dessa linguagem é tão dificultosa, apelando aos recursos mais sutis da memória, da imaginação, da habilidade cênica e da autopersuasão, que seria tolo concebê-la como uma simples conquista intelectual. Ela é, na verdade, um rito de passagem, uma transformação psicológica, a criação de um novo “personagem”, apoiado no qual o estudante se despirá dos últimos resíduos da sentimentalidade doméstica e ingressará no mundo adulto da participação social ativa.

É quase impossível que essa identificação profunda com o personagem aprendido não seja interpretada subjetivamente como uma concordância intelectual, ao ponto de que, no instante mesmo em que repete fielmente o discurso decorado, ou no máximo faz variações em torno dele, o neófito jure estar “pensando com a própria cabeça” e “exercendo o pensamento crítico”.

A imitação é, com certeza, o começo de todo aprendizado, mas ela só funciona porque você imita uma coisa, depois outra, depois uma infinidade delas, e com a soma dos truques imitados compõe no fim a sua própria maneira de sentir, pensar e dizer.

No aprendizado da arte literária isso é mais do que patente. O simples esforço de assimilar auditivamente a maneira, o tom, o ritmo, o estilo de um grande escritor já é uma imitação mental, uma reprodução interior daquilo que você está lendo. A imitação torna-se ainda mais visível quando você decora e declama poemas, discursos, sermões ou capítulos de uma narrativa. Porém nas suas primeiras investidas na arte da escrita é impossível que você não copie, adaptando-os às suas necessidades expressivas, os giros de linguagem que aprendeu em Machado de Assis, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Balzac, Stendhal e não sei mais quantos. Esse exercício, se você é um escritor sério, continua pela vida a fora. Quando conheci Herberto Sales – que Otto Maria Carpeaux julgava o escritor dotado de mais consciência artística já nascido neste país --, ele estava sentado no saguão do Hotel Glória com um volume de Proust e um caderninho onde anotava cada solução expressiva encontrada pelo romancista, para usá-la a seu modo quando precisasse. Já era um homem de setenta e tantos anos, e ainda estava praticando as lições do velho Antoine Albalat.[1] É assim, por acumulação e diversificação dos recursos aprendidos, que se forma, pari passu com a evolução natural da personalidade, o estilo pessoal que singulariza um escritor entre todos. T. S. Eliot ensinava que um escritor só é verdadeiramente grande quando nos seus escritos transparece, como em filigrana, toda a história da arte literária.

Em outros tipos de aprendizado, a imitação é ainda mais decisiva. Nas artes marciais e na ginástica, quantas vezes você não tem de repetir o gesto do seu instrutor até aprender a produzi-lo por si próprio! Na música, quantas performances magistrais o pianista não aprende de cor até produzir a sua própria!

Nas ciências e na tecnologia, o manejo de equipamentos complexos nunca se aprende só em manuais de instrução: o aluno tem de ver e imitar o técnico mais experiente, num processo de assimilação sutil que engloba, em doses consideráveis, a transmissão não-verbal. [2]

Por que seria diferente na filosofia? Compreender uma filosofia não se resume nunca em ler as obras de um filósofo e julgá-las segundo uma reação imediata ou as opiniões de um professor. É impregnar-se de um modo de ver e pensar como se ele fosse o seu próprio, é olhar o mundo com os olhos do filósofo, com ampla simpatia e sem medo de contaminar-se dos seus possíveis erros. Se desde o início você já lê com olhos críticos, buscando erros e limitações, o que você está fazendo é reduzir o filósofo à escala das suas próprias impressões, em vez de ampliar-se até abranger o “universo” dele. Erros e limitações não devem ser buscados, devem surgir naturalmente à medida que você assimila novos e novos autores, novos e novos estilos de pensar, pesando cada um na balança da tradição filosófica e não da sua incultura de principiante. Não seria errado dizer que, entre outros critérios, um professor de filosofia deve ser julgado, sobretudo, pelo número e variedade dos autores, das escolas de pensamento, das vias de conhecimento que abriu em leque para que seus estudantes as percorressem.[3]

Não é preciso mais exemplos. Em todos esses casos, a imitação é o gatilho que põe em movimento o aprendizado, e em todos esses casos ela não se congela em repetição servil porque o aprendiz passa de modelo a modelo, incorporando uma diversidade de percepções e estilos que acabarão espontaneamente se condensando numa fórmula pessoal, irredutível a qualquer dos seus componentes aprendidos.

Mas o que acontece se, em vez disso, o aluno é submetido, por anos a fio, à influência monopolística de um estilo de pensamento dominante, aliás muito limitado no seu escopo e na sua esfera de interesses, e adestrado para desinteressar-se de tudo o mais sob a desculpa de que “não é referência universitária”?

Se durante quatro, cinco ou seis anos você é obrigado a imitar sempre a mesma coisa, e ainda temendo que o fracasso em adaptar-se a ela marque o fim da sua carreira universitária, a imitação deixa de ser um exercício temporário e se torna o seu modo permanente de ser – um “hábito”, no sentido aristotélico.

É como um ator que, forçado a representar sempre um só personagem, não só no palco mas na vida diária, acabasse incapaz de se distinguir dele e de representar qualquer outro personagem, inclusive o seu próprio. Pirandello explorou magistralmente essa situação absurda na peça Henrique IV, onde um milionário louco, imaginando ser o rei, obriga os empregados a comportar-se como funcionários da côrte, até que eles acabam se convencendo de que são mesmo isso.

Toda imitação depende de uma abertura da alma, de uma impregnação empática, de uma suspension of disbelief em que o outro deixa de ser o outro e se torna uma parte de nós mesmos, sentindo com o nosso coração e falando com a nossa voz. Se praticamos isso com muitos modelos diversos, sem medo das contradições e perplexidades, nossa mente se enriquece ao ponto do nihil humanum a me alienum, daquela universalidade de perspectivas que nos liberta do ambiente mental imediato e nos torna juízes melhores de tudo quanto chega ao nosso conhecimento. Não é errado dizer que o julgamento honesto e objetivo depende inteiramente da variedade dos pontos de vista, contraditórios inclusive, que podemos adotar como “nossos” no trato de qualquer questão.

Em contrapartida, o enrijecimento da alma num papel fixo abusa da capacidade de imitação até corrompê-la e extingui-la por completo, bloqueando toda possibilidade de abertura empática a novos personagens, a novos estilos, a novos sentimentos e modos de ver.

Habituado a tomar como referência única o conjunto de livros e autores que compõe o universo mental da esquerda militante, e a olhar com temerosa desconfiança tudo o mais, o estudante não só se fecha num provincianismo que se imagina o centro do mundo, mas perde realmente a capacidade de aprendizado, tornando-se um repetidor de tiques e chavões, caquético antes do tempo.

Quem não sabe que, no meio acadêmico brasileiro, a receita uniforme, há mais de meio século, é Marx-Nietzsche-Sartre-Foucault-Lacan-Derrida, não se admitindo outros acréscimos senão os que pareçam estender de algum modo essa tradição, como Slavoj Zizek, Istvan Meszaros ou os arremedos de pensamento que levam, nos EUA, o nome de “estudos culturais”?

Daí a reação de horror sacrossanto, de ódio irracional, não raro de repugnância física, com que tantos estudantes das nossas universidades reagem a toda opinião ou atitude que lhes pareça antagônica ao que aprenderam de seus professores. Não que estejam realmente persuadidos, intelectualmente, daquilo que estes lhes ensinaram. Se o estivessem, reagiriam com o intelecto, não com o estômago. O que os move não é uma convicção profunda, séria, refletida: é apenas a impossibilidade psicológica de desligar-se, mesmo por um momento, do “eu” artificial aprendido, cuja construção lhes custou tanto esforço, tanto investimento emocional.

Justamente, a convicção intelectual genuína só pode nascer da experiência, do longo demorado com os aspectos contraditórios de uma questão, o que é impossível sem uma longa resignação ao estado de dúvida e perplexidade. A intensidade passional que se expressa em gritos de horror, em insultos, em afetações de superioridade ilusória, marca, na verdade, a fragilidade ou ausência completa de uma convicção intelectual. A construção em bloco de um personagem amoldado às exigências sociais e psicológicas de um ambiente ideologicamente carregado e intelectualmente pobre fecha o caminho da experiência, portanto de todo aprendizado subseqüente.

A irracionalidade da situação é ainda mais enfatizada porque o discurso desse personagem o adorna com o prestígio de um rebelde, de um espírito independente em luta contra todos os conformismos. Poucas coisas são tão grotescas quanto a coexistência pacífica, insensível, inconsciente e satisfeita de si, da afetação de inconformismo com a subserviência completa à autoridade de um corpo docente.

No auge da alienação, o garoto que passou cinco anos intoxicando-se de retórica marxista-feminista-multiculturalista-gayzista nas salas de aula, que reage com quatro pedras na mão ante qualquer palavra que antagonize a opinião de seus professores esquerdistas, jura, depois de ler uns parágrafos de Bourdieu para a prova, que a universidade é o “aparato de reprodução da ideologia burguesa”. Aí já não se trata nem mesmo de “paralaxe cognitiva”, mas de um completo e definitivo divórcio entre a mente e a realidade, entre a máquina de falar e a experiência viva.

Se, conforme se observou em pesquisa recente, cinqüenta por cento dos nossos estudantes universitários são analfabetos funcionais[4] – não havendo razão plausível para supor que a quota seja menor entre seus professores mais jovens --, isso não se deve somente a uma genérica e abstrata “má qualidade do ensino”, mas a um fechamento de perspectivas que é buscado e imposto como um objetivo desejável. 

Não que a presente geração de professores que dá o tom nas universidades brasileiras tenha buscado, de maneira consciente e deliberada, a estupidificação de seus alunos. Apenas, iludidos pelo slogan que os qualificava desde os anos 60 do século XX como “a parcela mais esclarecida da população”, tomaram-se a si próprios como modelos de toda vida intelectual superior e acharam que, impondo esses modelos a seus alunos, estavam criando uma plêiade de gênios. Medindo-se na escala de uma grandeza ilusória, incapazes de enxergar acima de suas próprias cabeças, tornaram-se portadores endêmicos da síndrome de Dunning-Kruger[5] e a transmitiram às novas gerações. Os cinqüenta por cento de analfabetos funcionais que eles produziram são a imagem exata da sua síntese de incompetência e presunção.

Notas:[1] V. Antoine Albalat, La Formation du Style par l'Assimilation des Auteurs (Paris, Alcan, 1901).
[2] V. sobre isso as considerações de Theodore M. Porter em Trust in Numbers. The Pursuit of Objectivity in Science and Public Life,  Princeton University Press, 1995, pp. 12-17.
[3] Digo isso com a consciência tranqüila de haver cumprido esse dever. Ao longo dos anos, introduzi no espaço mental brasileiro mais livros e autores essenciais  do que todos os corpos docentes de faculdades de filosofia neste país, somados aos “formadores de opinião” da mídia popular. Em vez de me agradecer, ou de pelo menos ter a sua curiosidade despertada pela súbita abertura de perspectivas, estudantes e professores, com freqüência, me acusaram de “citar autores desconhecidos” – dando por pressuposto que tudo o que é ignorado no seu ambiente imediato é desconhecido do resto do mundo e não tem a mais mínima importância.
[5] Efeito Dunning-Kruger: incapacidade de comparar objetivamente as próprias habilidades com as dos outros. “Quanto menos você sabe sobre um assunto, menos coisas acredita que há para saber.” V. David McRaney, You Are Not So Smart, London, Oneworld Publications, 2012, pp. 78-81.

Por: Olavo de Carvalho Publicado no Digesto Econômico.

http://olavodecarvalho.org

domingo, 3 de agosto de 2014

MÍSSIL QUE MATA, MAS ESCLARECE

A criminosa derrubada de um avião comercial da Malaysia Airlines teve o efeito de um raio: matou infelizmente a vários, mas — precisamente como fazem tais raios — iluminou com uma claridade terrível um panorama então coberto de trevas.


Densas trevas, sim, que há anos vêm toldando progressivamente os horizontes de política internacional, com óbvios reflexos sobre a política interna dos países onde ainda há liberdade.

Convém que a realidade assim posta em evidência com o fulgor irresistível, mas tão transitório, de um raio, não seja esquecida pela opinião pública.

Bem ao certo, o que houve? Ainda se discutem pormenores. Mas, o fato essencial está aí: um país agressor já tinha invadido e anexado uma região de um país vizinho: a Rússia se empossou ilegalmente e pela violência da Criméia.

Porém, o invasor queria mais. E, para isso, vinha atiçando uma guerra subversiva com pretextos culturais e étnicos contra a vizinha Ucrânia.

Nós conhecemos fenômenos análogos na América Latina alimentados desde Cuba. Alguns crepitam semeando destruição e morte, como as FARC na Colômbia. 

No Brasil, “movimentos sociais” como o MST, o CIMI, apoiados por ONGs e simpatizantes internacionais de esquerda trabalham para criar espécies de secessões, ou áreas onde não mais vigoram plenamente as leis que cimentam a unidade do Brasil. 

Até a maioria dos cidadãos por razões étnicas ou culturais não podem ingressar em alguns desses territórios, submetidos a estatutos especiais.

Esses secessionismos peculiares em cada país e em cada grupo étnico e cultural também dividem a maioria da opinião pública nos países onde existem.

Pois para uns se trata de reivindicações peculiares de minorias culturais, étnicas ou sociais reconhecidas por leis com as quais podem até estar em desacordo. Para outros, a mão do comunismo está por trás.

O segundo grupo é olhado com desdém pelo primeiro. "Comunismo? O comunismo já era! Há em verdade alguns redutos comunistas como Cuba, mas já acabarão por se adaptar ao resto do mundo."

E se houvesse dúvida ali está Vladimir Putin que sem renunciar ao passado soviético, aparece para alguns com uma espécie de novo Carlos Magno vindo do Oriente para derrotar o caos de Ocidente.

Putin conseguiu ir persuadindo certos ingênuos do Ocidente, de que ele estava promovendo na Rússia um enigmático processo de restauração mental e religioso. 

Moscou muito favorecida pelo supercapitalismo, pelas superindústrias e pelos superbancos do Ocidente estaria mudando. O supersuprimento de recursos financeiros, econômicos e técnicos de múltiplas ordens, estava transformando a “nova URSS” de Putin num país moderno.

E Rússia está se impondo como o líder político dos países emergentes conhecidos como BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

E à testa da imensa nação russa instalou-se um personagem que gradualmente – sem conversão e sem explicações – um dia passou a ser tido como grande defensor do cristianismo, dos valores básicos da vida, da família, do casamento, do patriotismo nacional: Vladimir Putin.

A História jamais compreenderá como tal ilusão pôde ganhar pé no momento mesmo em que a velha URSS se metamorfoseava numa “nova URSS” e vem estendendo suas garras em todos os continentes.

Haja vista a cálida e idílica recepção que lhe foi conferida em sua recentíssima gira por Cuba e América do Sul.

Recepção de quem? Dos líderes comuno-populistas que vem efetivando a destruição dos valores que certos ingênuos acham que Putin vai resgatar. 

Similis simili gaudet. O semelhante se regozija com seu semelhante, diz o sábio adágio latino. Isso se evidenciou eloquentemente com gestos, palavras e silêncios astutos dos líderes “chavistas” latino-americanos além do representante castrista com Vladimir Putin! 

Mas nada disto abria os olhos dos enganados.

Até que o crime contra o Boeing 777 da Malaysia Airlines que ceifou 298 vidas foi com um raio em céu sereno. O avião comercial foi atingido por um míssil mortífero, mas esclarecedor. Esclarecedor porque nos faz ver o que há de falacioso no mito do “cristianismo” humanitário de Putin. 

Há pouco mais de 30 anos, em 1º de setembro de 1983, jatos Sukhoi Su-15 soviéticos derrubaram um Boeing 747 da Korean Airlines e mataram todos os seus 269 passageiros e tripulação.

Pretextos diversos foram aduzidos então para o criminoso atentado, mas após investigação ficou averiguado para a história que a derrubada fora intencional, despropositada e ordenada por Moscou.

Certas formas de impiedade têm necessidade de desafogos, e esses são horríveis. Na Ucrânia, “ex”-comunistas, milicianos separatistas e batalhões de mercenários ilegais enviados desde a Rússia estavam perdendo posições.

Os planos de Putin para a anexação do leste ucraniano estavam indo água abaixo. 

Que esta tremenda tragédia faça abrir os olhos dos que foram enganados pela metamorfose cosmética capitaneada pelo líder da KGB para restaurar o império soviético sobre novas bases.

Que Deus onipotente tenha pena dos passageiros do voo MH017 vitimados sem culpa. 

Que Ele pela intercessão de Nossa Senhora poupe aos povos que saibam amá-lO sinceramente não se deixando iludir com enganosos artifícios. Pois detrás deles se esconde um anticristianismo que perpetua o pesadelo soviético comunista.
Por: Luis Dufaur edita o blog Flagelo Russo.

DINHEIRO NÃO COMPRA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE

O investimento de 10% do PIB em educação pode não surtir o efeito desejado, caso o ensino brasileiro não se liberte da doutrinação que o assola, como defende a ONG Escola Sem Partido, que realiza o primeiro congresso a tratar do tema.


Caso a educação pudesse ser feita apenas com dinheiro, sem dúvida, o Brasil teria um ensino de Primeiro Mundo. Com a promulgação pela presidente Dilma Rousseff do Plano Nacional de Educação (Lei Federal 13.005), em 25 de junho último, o Brasil terá de aplicar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação, o que significa uma soma anual de R$ 484 bilhões, considerando o PIB de 2013, segundo o IBGE. Hoje, o País investe 5,8% do PIB em educação e, a partir do quinto ano de vigência do plano, isto é, em 2019, esse investimento terá de ser de 7%, alcançando os 10% no final da vigência do plano, em 2024.

Com os 5,8% que já investe na educação, o Brasil desponta como um dos países que mais investem no setor. Segundo reportagem da “Folha de S. Paulo”, publicada em 5 de junho, “entre os países com maior peso na renda mundial, reunidos no G-20, os desembolsos com a educação variam de 2,8%, na Indonésia, a 6,3% do PIB no Reino Unido, de acordo com a ONU”. Ou seja, o Brasil já está próximo do topo do investimento e, com os 10% do PIB para a educação, tende a se isolar na liderança entre as grandes economias, ficando atrás apenas de nações diminutas, como Lesoto, que lidera investindo 13% do PIB, ou de Cuba, cujas estatísticas sociais – jamais fiscalizadas a sério pela ONU – são tão confiáveis quanto uma nota de 3 reais.

O comprometimento desse porcentual do PIB no ensino foi a grande bandeira da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, liderada pelo ex-líder estudantil Daniel Cara, com uma vasta rede de apoiadores nacionais e internacionais, que vão desde a ONG ActionAid, presente em mais de 40 países, até a Unesco e o Unicef, organismos da ONU para a educação, a cultura e a criança, passando pela Open Society do megainvestidor Georges Soros. Essa medida irá salvar a educação brasileira? A resposta é não. Nas condições em que se encontra o ensino no País, investir 10% do PIB em educação é quase jogar sal em carne podre. E uma das razões para se considerar esse gasto um desperdício e não um investimento é, sem dúvida, o viés ideológico da educação brasileira.

O próprio Plano Nacional de Educação é um sintoma da doutrinação que impera nas escolas do País, tanto públicas quanto privadas. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que sustentou a luta pela aprovação do plano e dos 10% do PIB, é muito mais do que a face de Daniel Cara, fartamente entrevistado pela imprensa como líder do movimento. Seu comitê diretivo conta com 11 entidades, entre elas o Centro de Cultura Luiz Freire, um grupo de esquerda radical de Pernambuco, sediado em Olinda, que defende o controle social dos meios de comunicação, e até o indefectível MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), com 2 mil es­colas em seus assentamentos e a­campamentos, nas quais oferece uma educação à moda cubana, tendo Che Guevara como modelo.

Universidades viraram incubadoras de minorias

Hoje, muitos movimentos sociais não surgem espontaneamente – são fomentados ou até criados pelas universidades, que se tornaram verdadeiras incubadoras de minorias. Na maior parte dos casos, de forma culposa, em decorrência de uma pregação ideológica geral, mas, em alguns casos, de modo doloso, por meio da organização institucional desses movimentos, que contam até com financiamento público, geralmente com verbas destinadas à pesquisa e à extensão universitária.

É o caso, por exemplo, do Centro de Difu­são do Comunismo da Uni­ver­si­dade Federal de Ouro Preto (MG), um programa de extensão vin­culado ao Curso de Serviço Social da universidade, que oferecia bolsas de pesquisas para os alunos participantes de suas atividades de militância política contra o capitalismo.

Apesar de declarar que “não é um programa acadêmico com objetivos político-partidários”, o Centro de Difusão do Comunismo afirma que seu objetivo é “desenvolver o trabalho de ensino, pesquisa e extensão a partir da perspectiva da classe trabalhadora – do ser social que trabalha e é explorado – e lutar por uma sociedade para além do capital!”. O próprio nome não poderia ser mais expressivo: em vez de um “grupo de estudos” do marxismo, como muitos que pululam dentro das universidades pelo País afora, trata-se de um “centro de difusão” do comunismo, o que revela o seu papel de militância política e não de estudo apenas teórico.

Diante desse aparelhamento político da universidade, um advogado de São Luís do Maranhão, Pedro Leonel Pinto, entrou com uma ação popular contra o centro comunista e conseguiu que a Justiça Federal suspendesse o custeio de suas atividades por parte da Universidade Federal de Ouro Preto, que ficou impedida de fornecer professores e disponibilizar suas dependências para as atividades do centro. Todavia, a única medida que deve ter surtido efeito prático foi a suspensão do pagamento das bolsas de extensão para os ativistas do centro, pois a pregação comunista continuou dentro da própria universidade, a despeito da decisão da Justiça.

De 24 de abril a 10 de julho último, por exemplo, o Núcleo de Estudos Marxistas da Federal de Ouro Preto, vinculado ao CNPq, promoveu um encontro sobre a obra do marxista húngaro István Mészáros, realizado nas dependências do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da universidade. Nos cartazes de divulgação das palestras aparece a frase: “Em apoio ao Centro de Difusão do Comunis­mo”. No mês de maio, também nas dependências do instituto, foi realizado um “Encontro com os Traba­­lhadores”, envolvendo quatro sindicatos, promovido pelo Curso de Serviço Social em apoio ao Centro de Difusão do Comunismo. No cartaz de divulgação do evento, uma frase desafiadora: “Ação judicial nenhuma vai impedir nossa luta ao lado dos trabalhadores”.

Minorias com verbas milionárias

Não se trata de um caso isolado, mas de uma tendência. Pelo Brasil afora, núcleos de estudantes de pós-graduação ou graduandos com bolsa de iniciação científica engrossam as fileiras de movimentos como a Marcha das Vadias, a Marcha da Maconha, o Movimento Passe Livre e os black blocs, geralmente associando a militância política com as atividades discentes. O movimento gay, o movimento negro e o movimento feminista são os que mais se beneficiam da doutrinação ideológica que impera nos meios acadêmicos. Hoje, na área de humanidades, não faltam linhas de pesquisa destinadas aos estudos de raça e de gênero, que se tornaram até mais atraentes do que os estudos de classe das velhas gerações do marxismo ortodoxo, calcado no materialismo histórico-dialético.

O próprio movimento negro, que tem raízes numa luta justa contra o racismo, especialmente nos Estados Unidos, adquiriu contornos claramente artificiais, chegando a ser ele próprio segregacionista ao tratar o branco como inimigo e o mulato como um ser desprezível, que só é digno de respeito caso se assuma como negro. No excelente livro “Uma Gota de Sangue”, o geógrafo e sociólogo Demétrio Magnoli disseca a criação artificial de minorias pelo mundo afora, num levantamento à altura dos estudos do economista norte-americano Thomas Sowell, que, analisando as ações afirmativas de países como Estados Unidos, Índia, Ni­gé­ria, Sri Lanka e Malásia, de­monstra a ineficácia das políticas pú­blicas que visam a emancipar as mi­norias e, no mais das vezes, acabam produzindo injustiças e conflitos.

E o que é mais grave: muitas dessas minorias só tomam consciência de si, criando uma história que nunca tiveram, por meio do discurso ideológico produzido nas universidades e fomentado com recursos de poderosas fundações privadas, como a Fundação Ford. De­métrio Magnoli descreve esse fenômeno: “Diferentemente das nações, que emanam de um processo complexo de fabricação de uma história, uma literatura e uma geografia, as ‘minorias’ da globalização emergem apenas de uma postulação étnica superficial. Nações podem até ser interpretadas como imposturas, mas são imposturas nas quais o povo acredita. As ‘minorias’, em contraste, são imposturas nas quais nem mesmo os impostores acreditam”.

Para Demétrio Magnoli, as elites multiculturalistas que formam essas minorias artificiais “não precisam de apoio popular, pois a sua legitimidade se conquista nos salões suntuosos das instituições internacionais”. O autor mostra que só a Fundação Ford destinou 280 milhões de dólares, em 2001, para criar programas de pós-graduação voltados para a formação de “lideranças emergentes de comunidades marginalizadas fora dos EUA”. Segundo outras fontes, de 1962 a 2001, a Fundação Ford investiu só no Brasil 347 milhões de dólares, em valores corrigidos pela inflação. Magnoli afirma que “as subvenções da Fundação replicaram nas universidades brasileiras os modelos de estudos étnicos e de ‘relações raciais’ aplicados nos EUA e consolidaram uma rede de organizações racialistas que começaram a produzir os discursos e demandas dos similares norte-americanos”.

Atentado à dignidade humana

Ora, se até o histórico movimento negro já está perdendo suas raízes legítimas e se tornando um engenho ideológico da academia, o que dizer de movimentos sem qualquer lastro histórico, como a Marcha das Vadias? Tanto no Canadá, onde teve origem, quanto no Brasil, que imita tudo, essa marcha é pura consequência dos estudos de gênero que se disseminaram pelas universidades de todo o mundo. Vá lá que, em metrópoles como São Paulo ou Nova York, onde existem tribos para todos os gostos, esse tipo de marcha pudesse surgir espontaneamente (e nem isso ocorre). Mas o que dizer da modesta cidade de Jataí, no interior de Goiás, com seus 93.759 habitantes? Lá, a “Marcha das Vadias” só existe porque conta com o apoio do Campus UFG, por meio de um grupo de extensão sobre gênero, direitos e violência.

O extremismo ideológico que grassa nas universidades pode chegar ao ponto de destruir a própria dignidade humana, equiparando-se aos experimentos de Joseph Men­gele no ápice do terror nazista. Em 29 de maio último, os alunos do curso de Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense, como parte da disciplina chamada “Corpo e Resistência”, promoveram no Campus de Rio das Ostras o evento “Xereca Satânica”, em que, a pretexto de denunciar o alto índice de estupro, uma mulher teve a vagina costurada no meio da festa. Depois que o evento foi denunciado na grande imprensa, a Polícia Federal chegou a abrir inquérito para apurar responsabilidades, mas provavelmente a investigação não dará em nada, esbarrando na apregoada liberdade estética de seus promotores.

Mais espantoso do que o próprio evento foi a defesa que se tentou fazer dele. O coordenador do curso de Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense, Daniel Caetano, graduado em Cinema e doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade, explicou que a mulher que teve a vagina costurada integra um coletivo de Minas Gerais que foi ao Rio especialmente para participar do evento. E acrescentou: “É um coletivo que está habituado a fazer performances como a que aconteceu, feitas para chocar a sensibilidade das pessoas e fazê-las pensar sobre seus próprios limites”. Ora, se é para testar limites, que se acabe com a tal Comissão da Verdade e se contratem torturadores da ditadura para fazer performances nas universidades.

Daniel Caetano foi ainda mais longe, afirmando taxativamente: “Embora não tenham sido feitos ‘rituais satânicos’ e o título do evento fosse essencialmente provocativo (ao contrário do que o jornalismo marrom afirmou), precisamos dizer que não haverá de nossa parte qualquer censura a atos do gênero”. E desafiou: “Qualquer pessoa em cargo público que porventura se posicionar contra a performance será por nós inquirida acerca de suas atitudes prévias contra os estupros em Rio das Ostras”. Engraçado é que essa gente, quando se trata de combater criminosos armados, sempre fica contra a polícia, alegando que violência não se combate com violência. Mas na universidade ensina a combater o estupro estuprando – o corpo, a inteligência e a dignidade humana.

Efeitos negativos na educação básica

Mas engana-se quem pensa que essa ideologia destrutiva fica restrita às universidades e afeta apenas a qualidade do ensino superior. Ela tem graves consequências na sociedade, especialmente em áreas como saúde e educação. Esse tipo de ativista, até por integrar coletivos ideológicos, participando de amplas redes de relacionamento acadêmico, acaba fazendo especialização, mestrado, doutorado e se tornando autoridade pedagógica, indo pontificar na educação básica sobre gênero, minorias, exclusão. Em que outro lugar um especialista em costurar vagina e teorizar sobre isso arranjaria trabalho? Só mesmo nas Secretarias de Educação, onde poderá pontificar sobre teoria de gênero e “heteronormatividade burguesa”, coordenando a distribuição de camisinhas e kit gay.

Agora pensem quantas camisinhas não dá para distribuir nas escolas com 10% do PIB para gastar? É por isso que, antes de se investir essa fabulosa soma de recursos na educação, seria preciso combater a doutrinação nas escolas. É evidente que o conhecimento não é absolutamente neutro e o professor ou o autor de um livro, na relação com seus alunos e leitores, fatalmente há de misturar alguma crença pessoal em meio aos fatos que leciona. Mas justamente por reconhecer essas limitações humanas, é que a ciência sempre se esforçou para criar métodos que afastassem ao máximo a inevitável subjetividade do indivíduo – e a educação, que serve à ciência e dela se serve, tam­bém esposou esse mesmo prin­cípio, inculcando no mestre a necessidade de cultivar a imparcialidade.

Mas, hoje, ocorre o contrário: ancorando-se em pensadores como o pedagogo Paulo Freire e o filósofo Michel Foucault, o ensino se tornou um instrumento das mais diversas lutas políticas, transformando as escolas num feirão de experimentos de gueto, em que cada minoria julga-se no direito de ter o seu português, a sua matemática, a sua história, a sua geografia, a sua literatura, dilapidando o patrimônio comum que tornou possível o surgimento das grandes civilizações ao longo da história.

Seminário contra a doutrinação
Felizmente, já surgem reações a essa destrutiva politização do ensino. Exemplo disso é a ONG Escola Sem Partido, fundada e coordenada pelo jurista Miguel Nagib, à frente de um grupo de pais e alunos que lutam contra a doutrinação nas escolas. Além do blog que leva seu nome e acumula dezenas de estudos de caso de doutrinação, a ONG realizará na próxima quinta-feira, 24, em Brasília, o I Congresso Nacional so­bre Doutrinação Política e Ideológica nas Escolas, em parceria com a Federação Nacional das Escolas Particulares. O evento será sediado no Colégio Ciman, em Brasília, e terá transmissão ao vivo pela internet, no site da Fenep. O filósofo Olavo de Car­valho será um dos palestrantes, por videoconferência, diretamente dos Estados Unidos, onde reside.

Um fato que chama a atenção no seminário é a presença de professores universitários com doutorado, numa prova de que a fortaleza ideológica da esquerda no ensino superior não é inexpugnável. Luís Lopes Diniz Filho é doutor em Geografia pela USP, professor do Depar­tamento de Geografia da UFPR e autor dos livros “Funda­mentos Epistemoló­gicos da Geografia” (2009) e “Por uma Crítica da Geografia Crítica” (2013). Bráulio Porto de Matos é professor da Faculdade de Edu­cação de Brasília, mestre e doutor em sociologia pela UnB e pós-doutor pela University of Sussex, além de autor de “Pedagogic Authority and Girard’s Analysis of Human Vio­lence” e co-autor de “A Pós-Gra­du­ação no Brasil – Formação e Tra­ba­lho de Mestres e Doutores no País”.

O medievalista Ricardo da Costa é professor do Depar­ta­mento de Teoria da Arte e Música da Uni­ver­sidade Federal do Es­pí­rito e doutor pelo Institut Su­perior d’Investigació Coope­ra­tiva Ivitra. Trajano Sousa de Melo é promotor de Justiça do Minis­tério Público do Distrito Federal e Territórios. Ana Caroline Cam­pagnolo é mestranda em História na Universidade do Estado de Santa Catarina e foi professora de História na rede de ensino pública e privada de seu Estado. Miguel Nagib é advogado e o idealizador de tudo isso. Este que vos escreve completa o quadro de palestrantes. E levo comigo Durkheim, que profeticamente alertava: “De que serviria uma educação que levasse à morte a sociedade que a praticasse?”.
Publicado no Jornal Opção.
Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.




sexta-feira, 1 de agosto de 2014

ESCOLAS SEM LIMITES: O PAPEL DAS UNIVERSIDADES NA CRISE DA AUTORIDADE DOCENTE

Se a Europa criou o Estado do bem-estar social, o Brasil consolida o Estado do mal-estar geral – que começa com a pedagogia do Marquês de Sade nas escolas, onde a razão, vista com desconfiança pela esquerda, cede lugar aos instintos.


(Texto apresentado no 1º Congresso Nacional sobre Doutrinação Política e Ideológica nas Escolas, realizado em Brasília pela ONG Escola Sem Partido, com o apoio da Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares.)


“A verdadeira ciência não é a que se in­crusta para ornato, mas a que se assimila para nutrição.” Essa máxima de Machado de Assis, “o gênio brasileiro”, na precisa definição de um de seus biógrafos, o jornalista Daniel Piza, precocemente falecido, revela a essência do conhecimento, que é o principal nutriente da humanidade desde os seus primórdios, definindo o homo sapiens diante das demais espécies. Nessa frase, Machado usa o termo “ciência” como sinônimo de “educação”, vista não só em sentido amplo, como um aprendizado que permeia a vida, mas também em sentido estrito, como sinônimo de ensino formal, ou de instrução pública, como se dizia em seu tempo.

E, ao dizer que a ciência não po­de ser mero ornato, o escritor critica a sociedade brasileira, que, historicamente, dá mais valor aos títulos que ao conhecimento – tema que Ma­chado desenvolve num de seus contos antológicos, “A Teoria do Me­da­lhão”, em que um pai ensina ao filho como transformar-se num vencedor não por mérito, mas pelo cultivo das aparências. É que “cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro…” – como também ensina Machado, em outro conto, em que explica a inelutável dualidade do ser, que só é capaz de se enxergar como “eu” porque se vê no espelho dos “outros”.

Essa irônica visão machadiana do homem antecipa o pensamento do francês Émile Durkheim, fundador da sociologia como ciência empírica e também pioneiro da sociologia da educação. Para Durkheim, em cada um de nós existem dois seres. “Um – constituído de todos os estados mentais que não se relacionam senão conosco mesmo e com os acontecimentos de nossa vida pessoal – é o que se poderia chamar de ‘ser individual’. O outro é um sistema de ideias, sentimentos e hábitos que exprimem em nós, não a nossa personalidade, mas os diferentes grupos de que fazemos parte, como as crenças religiosas, as práticas morais, as tradições nacionais ou profissionais, as opiniões coletivas de toda a espécie. Esse conjunto forma o ‘ser social’”.

Durkheim observa que os vestígios da autoridade moral da sociedade sobre o indivíduo estão por toda parte na história humana, a começar pela mitologia dos mais diferentes povos. Uma prova do que diz o sociólogo pode ser encontrada na mitologia hebraica (que veio a ser a literatura sagrada do Ocidente, através da Bíblia), em que a primeira sanção no âmbito da humanidade (já que a Queda de Adão e Eva ainda se inscreve no plano divino do Éden) foi o banimento de Caim depois que ele assassina Abel. Expulsar o indivíduo de seu meio social é, sem dúvida, uma dura punição, que se repete, ao longo do tempo, nas mais diversas culturas. Sócrates, por exemplo, preferiu a cicuta ao banimento, rendendo-se a autoridade moral da sociedade grega para melhor condená-la como mártir.

A rigor, banir o indivíduo do seu meio social pode ser até mais doloroso do que privá-lo da liberdade. Na prisão, o indivíduo ainda mantém os laços sociais, seja com familiares, seja com os demais presos. Mas se o banimento pudesse ser total, privando a pessoa do contato físico ou psicológico com outras pessoas, isto é, se em vez de banir o indivíduo da sociedade se pudesse banir do indivíduo o seu ser social, sem dúvida, nada poderia haver de mais doloroso e perceber-se-ia o quanto Durkheim tem razão ao enfatizar que o homem é, no que tem de melhor, uma criação da sociedade. A própria linguagem, que nos faz humanos, é uma construção social e histórica, que herdamos da coletividade.

Um dos mais pungentes contos da literatura em língua portuguesa, o belo “A Terceira Margem do Rio”, do escritor mineiro Gui­ma­rães Rosa, ilustra a tragédia do “ba­ni­mento”, com o relato de um pai que se exila do mundo em uma ca­noa, mas não vai a parte alguma, “só executava a invenção de se per­ma­necer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não mais saltar, nunca mais”.

Esquerda adere ao totalitarismo de Esparta
Durkheim explica que a finalidade da educação é constituir em cada indivíduo este ser social, ou seja, a educação é, por excelência, a tentativa de conjugar o “eu” com os “outros” formando o “nós”, que é a sociedade. O sociólogo constata que cada sociedade, considerada em uma determinada época de seu desenvolvimento, possui um sistema de educação que se impõe aos indivíduos de modo geralmente irresistível. Durkheim é taxativo: “É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos. Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar”. Por isso, não existe a educação perfeita, atemporal, apropriada a todos os homens indistintamente – o que existe, de concreto, é uma educação histórica que varia conforme a época e o meio.

Para Durkheim, “quando se estuda historicamente a maneira pela qual se formaram e se desenvolveram os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem da religião, da organização política, do grau de desenvolvimento das ciências, do estado das indústrias, etc; separados de todas essas causas históricas, os sistemas educacionais tornam-se incompreensíveis”.

O historiador da educação Paul Monroe conta que na Grécia Antiga, a educação tinha como objetivo formar guerreiros, cuja principal virtude era a bravura, moderada pela reverência. Em Esparta, a educação era ainda mais rígida: no século IX antes de Cristo, o Estado espartano, governado por Licurgo, instituiu uma rígida educação das crianças, que, a partir dos sete anos de idade, eram retiradas da guarda direta da mãe e iam morar em casernas públicas, custeadas pelo Estado. Como se vê, a esquerda brasileira, que impôs o ensino obrigatório a partir dos quatro anos, é, de certo modo, herdeira do totalitarismo militar de Esparta.

Os sistemas educacionais geralmente atendem a uma necessidade social. Roma, por exemplo, educava as crianças para que se tornassem homens de ação, apaixonados pela glória militar, necessária à propagação e manutenção do Império. Por isso, Durkheim afirma que, se a educação romana tivesse tido um caráter individualista comparável ao das sociedades contemporâneas, a cidade romana viria por terra e, com ela, a própria civilização latina.

Ensino formal é aprendizagem e iniciação
Com base no estudo da educação real, que permeia a história, Dur­kheim define a educação como sendo “a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social”, e seu objetivo é desenvolver na criança “certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine”. Nas sociedades menos complexas, como as tribos primitivas, a educação da criança se dá de modo quase natural, pela imitação livre da vida adulta, caçando, pescando, engendrando jogos e lutas que simulam guerras, até que os ritos de passagem se encarreguem de sacramentar seu ingresso na sociedade dos adultos.

Mesmo nas antigas comunidades rurais, a infância, tal como a conhecemos hoje, praticamente não existia. A criança, tão logo conseguia firmar-se nos próprios pés, começava a ajudar os adultos nas lides domésticas ou na lavoura, conforme o sexo. No sertão brasileiro, um filho de peão de fazenda, aos 7, 6 ou até mesmo aos 5 anos de idade, já trabalhava como candeeiro de carro de boi, guiando pelas estradas a parelha de animais – uma atividade que exigia destreza e astúcia para compreender a psicologia dos bois de carro, que, mesmo propensos à mansidão, podiam se assustar e causar um acidente, ferindo o jovem candeeiro. Nesse tipo de sociedade primitiva, tribal ou rural, a sociedade, para se perpetuar nas novas gerações, praticamente prescinde de escola – a educação se dá pelo trabalho.

Já nas complexas sociedades urbanas que surgiram com a Revolução Industrial, a educação escolar não só é imprescindível, como se caracteriza pela diversidade, permitindo a existência das mais diversas especializações, que atendem a diferentes segmentos sociais. Todavia, Durkheim sustenta que, por mais diversificada que seja uma sociedade, ela só pode subsistir se entre seus membros existirem laços comuns – e a função essencial da educação é justamente perpetuar esses laços, inculcando na criança valores essenciais à vida coletiva.

Explica o sociólogo que, se um grupo social vive em guerra com sociedades vizinhas, sua educação tende a refletir um forte espírito nacionalista, capaz de forjar os guerreiros necessários à sua defesa. Se, no entanto, sua competição externa se dá pacificamente no campo econômico, a educação de suas escolas tende a ser mais geral e humanista, reforçando a solidariedade orgânica, que, segundo Durkheim, caracteriza as sociedades modernas, calcadas no aprofundamento da divisão social do trabalho.

A sociedade moderna, ao emancipar o homem da solidariedade mecânica da horda, que anula sua condição de indivíduo, possibilita a emergência de um conceito universal de humanidade. E para que surja este homem universal, é preciso que os valores que o norteiam não sejam apenas sociais no sentido de “históricos”, mas sociais no sentido de “humanos”, isto é, suficientemente universais para captar a natureza transcendente da humanidade — aquela que, para Durkheim, reside na consciência coletiva da sociedade moderna.

Por isso, o filósofo da educação Olivier Reboul afirma que o ensino formal, escolar, é um misto de aprendizagem e iniciação – ele não apenas possibilita à criança o aprendizado de determinados conteúdos e técnicas, como também a introduz na ética da sociedade adulta.

Educação divorciada da realidade
E assim chegamos ao cerne do problema da educação brasileira – que se agravou com a doutrinação esquerdista, mas está longe de se limitar a esse fenômeno. A rigor, o ensino brasileiro sempre foi ideológico, mais preocupado em imitar modismos importados do que em refletir sobre a realidade, constituindo o ser social que o país requer.

A educação brasileira sempre foi divorciada da realidade da nação e, por isso, nem sempre foi um meio de edificação intelectual e moral do indivíduo – quase sempre foi um salvo-conduto para o sucesso social. Nas nações que levam a sério o conhecimento, o indivíduo primeiro busca o saber e, como consequência, conquista o diploma. No Brasil, costuma ocorrer o contrário: o sujeito busca avidamente o diploma e, se sobrar tempo, vai à cata de algum conhecimento para fingir que não é de todo ignorante.

Essa tendência vem desde os tempos coloniais, quando os jesuítas, segundo o sociólogo Gilberto Freyre, incutiram nos rapazes brasileiros, desde cedo, o gosto pelo bacharelismo. Analisando o ensino jesuíta na França, Durkheim observa que os jesuítas, procurando ser homens do seu tempo, valorizavam o humanismo e seu culto aos gregos e latinos antigos, mas, sabendo que essa cultura podia pôr em perigo a fé cristã, esvaziavam-na de seu conteúdo pagão, limitando-se a usá-la como instrumento de retórica. Vem daí a vocação do ensino brasileiro para o bacharelismo, a discursividade, o apego aos títulos.

Essa tendência só se agravou com o tempo. Raymundo Faoro, no clássico “Os Donos do Poder”, afirma que, na época do Império, “o letrado se torna letrado para conquistar o cargo, para galgar o parlamento, até que o assento no Senado lhe dê o comando partidário e a farda ministerial, pomposa na carruagem solene”. Enquanto isso, segundo ele, reinava na base da pirâmide a apatia, a indiferença, o alheamento, periodicamente acordados pelos capangas, no interior, ou pelos capoeiras, nas cidades. Os bacharéis, diz Faoro, criaram um Estado maior do que a nação, em que a caça febril ao emprego público não tinha correspondência com a atividade econômica. Qualquer semelhança com o nosso tempo não é mera coincidência.

Segundo o professor e crítico Hélio de Seixas Guimarães, autor do livro “Os Leitores de Machado de Assis”, ao longo de todo o século XIX, o índice de alfabetizados nunca ultrapassou 30% da população brasileira. E, de acordo com o primeiro censo realizado no país, publicado em 1872, apenas 18% da população livre e 15% da população total, incluindo os escravos, sabia ler e escrever. Ou seja, entre 70% e 80% da população brasileira permaneceu analfabeta até o alvorecer do século XX. En­quanto isso, em 1878, a Ingla­ter­ra já tinha alfabetizado 70% de sua po­pulação e a França, 77%. Já os Estados Unidos, bem antes disso, em meados do século XIX, já era considerado uma nação de leitores, com 90% da população branca alfabetizada, centenas de jornais e revistas e edições de livros que su­pe­ravam a casa dos 225 mil exemplares vendidos, cifra que até hoje um escritor brasileiro raramente alcança.

Historicamente, as elites brasileiras nunca se preocuparam em educar a população, daí o completo descaso a que sempre foi relegado o ensino público. O jornalista e escritor carioca Benjamin Costallat, em um crônica publicada em 3 de março de 1927, no “Jornal do Brasil”, descreve uma escola pública do Rio de Janeiro, em que as crianças conviviam com animais, entulhos e esgoto a céu aberto, “sem as mais elementares regras de higiene, na promiscuidade sórdida”, como ele próprio afirma. In­dignado com as pocilgas que se faziam passar por estabelecimentos de ensino, obrigando as crianças a chafurdarem na sujeira, Benjamin Costallat não hesitou em defender o fechamento das escolas públicas de seu tempo, fazendo uma dura afirmação: “Melhor é ver aumentar o número de brasileiros analfabetos do que ver aumentar o número dos porcos brasileiros”.

Cenário promissor para o marxismo

O promissor Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, liderado em 1932 por Fernando Aze­ve­do, Anísio Teixeira e Lourenço Filho, que defendia a implantação do ensino público e gratuito no país, não foi suficiente para reverter a situação calamitosa da educação brasileira, que, para usar um vocábulo caro a pensadores de esquerda, como Pierre Bour­dieu, continuou excludente.

As boas escolas públicas da época eram redutos das classes média e alta. A maioria dos pobres era expulsa pelo funil do exame de admissão, chamado de “primeiro cemitério” pelo padre e educador José Vieira de Vasconcelos. Esse exame foi extinto pela reforma educacional de 1971, promovida pelo regime militar, que criou o 1º grau de oito anos, tornando o ensino obrigatório dos 7 aos 14 anos e dando aos pobres uma sobrevida de quatro anos a mais de escolaridade.

Mas a educação brasileira continuou elitista, enganando os pobres com um ensino profissionalizante que não funcionava, por falta de recursos técnicos e humanos, e reservando à classe média e aos ricos as boas universidades públicas e gratuitas, como a USP e as universidades federais, numa completa inversão de prioridades.

Não poderia haver um cenário mais promissor para a propagação das ideias marxistas, que começaram a se infiltrar no ensino superior já na década de 1930, com Caio Padro Junior, um rico representante da nobreza paulista, e na década de 1940, com Florestan Fernandes, oriundo de uma família paupérrima, que começou a trabalhar aos seis anos de idade para ajudar a mãe, que era lavadeira. Florestan Fernandes tornou-se um dos mais respeitados intelectuais do país e elegeu-se deputado federal pelo PT de São Paulo, exercendo dois mandatos consecutivos, até 1994. Publicou, em 1946, uma tradução da “Crítica da Economia Política”, de Karl Marx, e foi o fundador da “sociologia crítica” no Brasil, calcada no marxismo, tendo sido professor de Fernando Henrique Cardoso.

Esses antigos marxistas ortodoxos, entre os quais se incluem o fervoroso machadiano Astrogildo Pereira e o sociólogo e crítico literário Antonio Candido, decano da USP, que está completando 96 anos hoje [quinta-feira, 24], eram todos filhos do iluminismo, como o próprio Marx, e acreditavam na alta cultura, sendo eles próprios leitores de Shakespeare, de Balzac, de Eça, de Zola e até da Bíblia.

Hoje, quando a universidade brasileira tornou-se obcecada por essa estranha mistura de Paulo Freire com Michel Foucault, a esquerda já não quer saber de reivindicar para o proletariado o acesso à alta cultura – o que esses marxistas pós-modernos querem é simplesmente destruir a cultura, transformando a escola numa terra devoluta, onde esperam cultivar o homem novo, fazendo das crianças verdadeiras cobaias de seus experimentos revolucionários. A guerra selvagem contra o sexo biológico, travada pelos corrosivos estudos de gênero, é um exemplo cabal dessa transformação das crianças em cobaias dos engenheiros sociais.

Hoje, nas escolas, impera a pedagogia do Marquês de Sade. A razão é vista com desconfiança. Em seu lugar, a esquerda universitária entronizou o desejo e, por consequência, os instintos, como se viu no recente evento “Xereca Satânica”, promovido na Universidade Federal Flu­minense, em que uma mulher teve a vagina costurada como atividade pedagógica de uma disciplina acadêmica. Esse ataque sistemático à razão enfraquece o papel do professor da educação básica. Se a mente já não conta e tudo se reduz ao desejo, para que serve o professor? Sua autoridade deixa de ser um mandato social exercido em nome dos pais e da sociedade para se tornar uma instável concessão dos próprios alunos.

A esquerda, que outrora acusava a burguesia de ministrar uma educação sexista, hoje impõe uma educação pornográfica. Os textos paradidáticos adotados na educação básica muitas vezes submetem as crianças a um verdadeiro festival de violência, que vai da chacina à tortura, passando pelo estupro e o incesto, sem contar a indefectível e deletéria discussão sobre drogas, que ocupa o lugar dos modelos positivos, tão necessários à formação das crianças. Para a universidade, a infância é uma invenção burguesa, que precisa ser destruída. A morte da infância dispensa a autoridade paterna; com isso, crianças, jovens e adolescentes tornam-se presas fáceis da ideologia revolucionária – sempre em busca de marionetes humanas.

Nada escapa à sanha destruidora dessa esquerda revolucionária. Se a Europa criou o Estado do bem-estar social, o Brasil está consolidando o Estado do mal-estar geral. Todas as políticas públicas do País desde a redemocratização têm como principal objetivo fomentar um sentimento de culpa nas pessoas normais, acusadas injustamente de excluir homossexuais, mulheres, negros, índios, loucos, drogados, mendigos, menores de rua, deficientes físicos, deficientes mentais e toda sorte de excluídos reais e imaginários que povoam a mística esquerdista.

Até os jovens – que são ostensivamente privilegiados em todos os quadrantes da sociedade brasileira – também foram transformados em oprimidos de manual pela esquerda, que, com o malfadado Estatuto da Juventude, deu um golpe etário na Constituição e, em vez de reduzir a maioridade penal, como esperam quase todos os brasileiros, fez foi adiar a infância até a idade de 29 anos. Quem duvida, leia o artigo 227 da Constituição, modificado pela chamada Emenda Constitucional nº 65, a PEC da Juventude.
Aluno se tornou o verdadeiro regente de sala
Hoje, esse culto à juventude que emana das universidades tende a transformar o aluno no verdadeiro regente de sala. O psicólogo Yves de la Taille, professor da USP, tece críticas às correntes pedagógicas que, no afã de cativar o aluno, olvidam os limites necessários à educação. A tentativa de facilitar o aprendizado interfere até no conteúdo dos currículos e no modo de ministrá-lo em sala de aula.


La Taille observa que muitas “perspectivas educacionais ditas construtivistas”, que procuram alicerçar o ensino na experiência do estudante, acabam reduzindo a história e a geografia às “experiências íntimas” dos alunos e “aos diâmetros que seus pés ou carros podem percorrer”; passam à criança “a idéia de que suas teorias espontâneas têm tanto valor quanto as teorias científicas; dizem ao aluno que “suas formas de falar têm tanta beleza e estilo quanto as formas literárias”.

“Alegando ter o cuidado de respeitar a inteligência infantil, alguns educadores procedem a uma verdadeira ‘sonegação de informações’, a uma sacralização dos erros, a uma proibição quase religiosa da apresentação de modelos”, afirma Yves de la Taille. O psicólogo deixa claro que educação se faz com limites – título de um de seus livros. Afirma La Taille: “A colocação de limites, no sentido restritivo do termo, faz parte da educação, do processo civilizador, e, portanto, a ausência total dessa prática pode gerar uma crise de valores, uma volta a um estado selvagem em que vale a lei do mais forte”.

Yves de La Taille mostra que o limite é fundamental para o amadurecimento do indivíduo e é ferramenta essencial da pedagogia: respeitando limites, o aluno reconhece o outro e aprende a viver em sociedade; transpondo limites, o aluno alcança a maturidade e a excelência, superando suas próprias fraquezas; impondo limites, o aluno garante seu direito à intimidade, à privacidade, tão necessário ao seu autoconhecimento.

É por essa via que o aluno deixa de ser o mimado “sujeito de direitos” da pedagogia progressista e do Estatuto da Criança e do Adolescente para se tornar senhor de si – consciente de que a liberdade custa o caro preço da responsabilidade. A isso se chama mérito, infelizmente banido da escola brasileira, onde a ciência já não é nem mesmo ornato, pois se tornou bandeira da mais nociva ideologia – a que sacrifica o homem concreto no altar de uma humanidade utópica.
Publicado no Jornal Opção.

Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.