sexta-feira, 14 de novembro de 2014

APÓS APROVAR LEI PARA PORTE DE ARMAS, CRIMINALIDADE NA CIDADE DE CHICAGO DESPENCA

Estado de Illinois aprovou recentemente uma lei permitindo cidadãos portarem armas de fogo; até o final do ano, estima-se que o estado tenha 100 mil cidadãos armados.


O número de crimes diminuiu desde que o estado norte-americano de Illinois aprovou o porte de armas por civis. Desde Julho deste ano o porte de armas está permitido para cidadãos maiores de 21 anos que possuírem a autorização legal emitida pela polícia.

De acordo com os órgãos oficiais, Chicago, a maior cidade do estado, registrou 20% menos prisões por assaltos em comparação com o ano passado, 20% menos roubos de casas, 26% menos roubos de veículos e a taxa de homicídios caiu 56%.

“Não é nenhuma coincidência que as estatísticas de criminalidade tenham começado a cair desde que o porte foi permitido. Apenas a ideia de que criminosos não sabem quem está armado e quem não está já possui um efeito dissuasor”, diz Richard Pearson, diretor-executivo da Associação de Rifles do Estado de Illinois.

Recentemente, as próprias autoridades chamaram de “modelo de cidadão” um homem de 86 anos que impediu um assalto após atirar no suspeito. Ele estava numa loja da AT&T quando a ação ocorreu. O tiro disparado debilitou o suspeito, que foi logo preso por policiais. O homem não teve seu nome revelado.

Outro estudo, da Crime Prevention Research Center, mostrou que o número de cidadãos norte-americanos com licença de porte de armas cresceu 147% nos últimos 7 anos, enquanto as taxas de homicídios e crimes violentos caíram 22%.

“Existe uma porção de estudos acadêmicos sobre isso, e se você olhar nos estudos que sofreram revisão por pares, a conclusão é que a grande maioria encontrou algum benefício no porte armas sobre as taxas de criminalidade – e, o melhor, sem custos”, diz John Lottr Jr., presidente do Centro de Pesquisas para Prevenção de Crimes, que conduziu o estudo acima.

A demanda por armas no estado cresceu desde que a lei foi aprovada. No site da polícia do estado, existe uma nota explicando a demora que alguns cidadãos estão passando para receberem o Registro de Identificação de Portador de Arma de Fogo (FOID Card): a demanda pelo serviço está batendo recordes e muitos candidatos erram na hora de preencher o formulário, atrasando o processo. A expectativa é de que até o final do ano 100 mil portadores de armas de fogo residam no estado.

A permissão para o porte de armas em Illinois exige pelo menos 16 horas de aulas de tiro e custa em torno de US$ 600 (R$1.346). Entre outras exigências estão uma ficha de crimes limpa há pelo menos 5 anos, não estar sob processo de prisão e ser maior de 21 anos. Se aprovado para obter o FOID Card, o cidadão terá direto de portar armas portáteis de cano curto, como pistolas e revólveres. Do site: http://spotniks.com/primeira-pagina/

OVOS AO POVO

As espirais da vida, em que pese repetirem através da história a essência da humanidade e seus comportamentos, muitas vezes desnorteiam e apontam para desfechos inesperados. É como se atirássemos em algo e acertássemos em outro. E isso acontece porque, como ensinou Nicolau Maquiavel, temos a tendência de imaginar as coisas como queremos que sejam e não como elas são. Por exemplo, não é incomum ocorrer frustrações em negócios provavelmente promissores, em previsões de economistas e videntes que dificilmente dão certo, em expectativas com relação a pessoas que pareciam uma coisa e reagiram de outro modo.


Evidentemente, as espirais ou constantes que vem e vão através dos fatos podem ser manipuladas, forjadas para apontar artificialmente em certas direções e, assim, manejar aspirações e sentimentos. Nesse aspecto se distingue o poder político, especialmente o governamental, que é capaz de forma eficiente de utilizar técnicas de manipulação e táticas de convencimento da opinião publica.

Campanhas são momentos privilegiados em que as técnicas e táticas se evidenciam com vigor. O marketing, então, se torna preciosa arte de construir imagens que agradem aos eleitores e marqueteiros ensinam candidatos a falar, a se expressar corporalmente, a se comportar e, sobretudo, a representar no palco iluminado da política.

No caso do PT, além de se orientar pelo marqueteiro funciona com seu próprio modo de ser e sempre utilizou as seguintes táticas: a mentira, a intimidação, a repetição como mantras de certas ideias como aquelas que denigrem o oponente, a atribuição aos outros dos próprios erros, o incitamento ao ódio entre ricos e pobres e entre negros e brancos, o posicionamento petista como único capaz de proteger e salvar os pobres e oprimidos. Enfim, petistas são maniqueístas: nós somos os bons, os demais são os ruins.

E tem as pesquisas usadas como táticas de campanha, que também podem induzir e confundir eleitores. Nesta eleição ficou evidente no primeiro turno que os grandes institutos erraram feio e muito. Naturalmente, eles se defendem, mas tudo indica que se confirmaram as palavras do ministro e estadista inglês de origem judaica, Disraeli: “a estatística é uma forma nobre de mentira”.

Façamos, então, um pequeno cálculo com relação ao primeiro turno para ver se o inglês tinha razão:

A última pesquisa IBOPE/TV Globo e Estadão de 04/10 mostrava o seguinte resultado:

Dilma 40%

Aécio 24%

Marina 21%

A pesquisa Datafolha/Jornal Folha de S. Paulo e TV Globo na mesma data apontava para:

Dilma, 40%

Aécio 24%

Marina 22%

Pois bem, 142.822.046 foi o total de votantes. 104.023.802 foram os votos válidos, ou seja, 38.798.244 brasileiros votaram em branco, anularam o voto ou se abstiveram de votar o que significa 27,17% dos votos válidos.

De acordo com os votos válidos, 104.023.802, tivemos a seguinte situação pelo TSE:

Dilma teve 43.267.668 votos, que representam 41,59% dos votos válidos.

Aécio teve 34.897.211 votos que representam 33,55% dos votos válidos.

Marina teve 22.176.619 votos que representam 21,32% dos votos válidos.

Tomando em consideração o total de votantes, 142.822.046, que é base de cálculo dos institutos de pesquisa teremos o seguinte resultado:

Dilma teve 43.267.668 votos que representam 30,29% do total de votos.

Aécio teve 34.897.211 votos, que representam 24,43% do total de votos.

Marina teve 22.176.619 dos votos que representam 15,53% do total dos votos.

Como se vê, as pesquisas erraram muito. Mas deixemos a aridez dos cálculos onde se utilizou a regra três e vejamos algumas notícias da economia:

O Estado de S. Paulo - 30/08/2014: investimento e indústria afundam e o Brasil entra em recessão.

O Estado de S. Paulo – 11/09/2014: prévia da FGV indica piora no emprego.

Folha de S. Paulo – 01/10/2014: economia do governo desaba para 10% da meta deste ano.

O Estado de S. Paulo – 09/10/2014: com a inflação tendo atingido 6,75% em doze meses o secretário de Política econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, recomendou ontem o seguinte: “os brasileiros tem uma série de outros produtos substitutos para a carne, como frangos e ovos, que vêm representando comportamento benigno este ano”.

Na Revolução Francesa a rainha Maria Antonieta mandou dar brioche ao povo que pedia pão e acabou guilhotinada. As espirais da história às vezes se repetem com outras formas e com sinais trocados, mas sempre com a mesma essência humana. A presidente/candidata que se cuide.

Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga www.maluvibar.blogspot.com.br

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A TOLERÂNCIA RELIGIOSA E O ESTADO LAICO


“Ninguém, nem um indivíduo, nem igrejas, não!, nem mesmo comunidades têm algum título apropriado para invadir os direitos civis e os bens terrenos dos outros, sob a desculpa da religião.” (John Locke)

Durante seu exílio na Holanda, John Locke escreveu em latim a suaEpistola de Tolerantia, que foi traduzida e publicada anonimamente em 1689 na Inglaterra, sob o título de A Letter Concerning Toleration. Nesta carta, Locke defende a liberdade religiosa em amplo sentido, e propõe a separação total dos poderes político e religioso. Para a época, em que pessoas ainda podiam ser queimadas por causa da crença religiosa, tais idéias eram revolucionárias.

Locke considerava que as guerras, torturas e execuções, em nome da religião, eram na verdade culpa da intervenção indevida de crenças religiosas no mundo político, e não do cristianismo em si. O alvo principal de Locke, portanto, era a Igreja Católica Romana, que não aceitava a separação dos poderes religioso e civil de forma alguma. Muito daquilo defendido por Locke na carta tornou-se lugar-comum, e hoje é aceito sem dificuldades. No entanto, ainda restam resquícios fortes de uma intolerância religiosa e de uma mistura perversa entre os diferentes poderes mundanos e divinos. Neste sentido é que se torna útil rever os principais argumentos do filósofo.

Para Locke, a comunidade é “uma sociedade de homens, constituída somente para que estes obtenham, preservem e aumentem seus próprios interesses civis”. Por interesse civil, ele entendia a vida, a liberdade e a salva-guarda do corpo e a posse de bens externos. O magistrado civil, portanto, tem como dever assegurar a cada um dos indivíduos a posse justa desses bens, através da execução imparcial de leis equânimes.

As questões ligadas à fé, portanto, não dizem respeito ao magistrado. Ou seja, “o cuidado das almas não está sob responsabilidade do magistrado civil”. Ninguém pode ser compelido à crença numa coisa qualquer por meio de força externa. O religioso deve usar como arma a persuasão dos argumentos, nunca a espada. Em resumo, “todo poder do governo civil relaciona-se apenas com os interesses civis dos homens, está limitado aos cuidados com as coisas deste mundo e não tem nada a ver com o mundo que virá depois”.

Uma igreja é uma sociedade de membros voluntariamente ligados para um fim comum, que está voltado para questões da alma. Locke encara tais associações livres como qualquer outro tipo de união voluntária, e, por isso, suas regras são de caráter interno, aderindo quem quer. Por outro lado, “nenhuma igreja é obrigada pelo dever da tolerância a manter em seu seio qualquer pessoa que, depois de continuadas admoestações, ofenda obstinadamente as leis da sociedade”. Este outro lado da moeda tem sido ignorado com certa freqüência atualmente.

Entra para uma determinada igreja quem quer, e ela, em contrapartida, possui suas próprias regras. Isso quer dizer que o governo civil não tem direito de invadir tais associações, contanto que suas regras não firam os princípios básicos civis, da vida, liberdade e propriedade. Locke é claro neste ponto: “Este é o direito fundamental e inextirpável de uma sociedade espontânea, o de expulsar quaisquer de seus membros que transgridam as regras da instituição, sem, no entanto, adquirir, pela admissão de novos membros, qualquer direito de jurisdição sobre os que não fazem parte dela”. Como exemplo atual, podemos pensar na pressão para que a Igreja Católica aceite o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, o que significa uma invasão absurda das liberdades da própria igreja.

Muitos confundem tolerância com aceitação, mas estão errados. O próprio Locke defende a tolerância com base no princípio grego de indiferença, ou seja, não se faz necessário aceitar como legítima ou verdadeira a crença alheia, bastando tolerar os diferentes cultos. Uma igreja não deve ser forçada a aceitar certos grupos por imposição do governo. Ninguém deve ser obrigado a respeitar uma crença que considera estúpida ou falsa. Os diferentes grupos devem se tolerar mutuamente, e só. Se a religião não deve invadir o campo do magistrado civil, muitos esquecem que o contrário também é verdadeiro.

O Estado laico é uma avenida de mão dupla. Os regimes comunistas foram um bom exemplo dessa confusão nefasta. O Estado estabelecido por eles não era laico, mas anti-religioso. Não havia tolerância alguma, mas sim perseguições religiosas. A carta de Locke não defende em momento algum a substituição do poder religioso pelo civil, e sim sua divisão. Um dos grandes males da modernidade foi, sem dúvida, a substituição do Deus religioso pelo Deus Estado. Há claros limites para o poder estatal, sob risco de exterminar a liberdade individual caso sejam avançados estes limites.

A tolerância religiosa exige que cultos diferentes convivam entre si. Cada um terá “certeza” de que está com a verdade ao seu lado, que conhece o único caminho da salvação, mas é crucial que as escolhas dos demais sejam toleradas. O pecado, apenas por ser pecado, nunca deve ser punido pelo magistrado. Locke diz: “Mesmo os pecados da mentira e do perjúrio em nenhum lugar são puníveis pelas leis, exceto nos casos em que a verdadeira baixeza da coisa e a ofensa contra Deus não são consideradas, mas somente a injúria cometida contra os vizinhos e contra a comunidade”.

Os crentes de cada seita costumam encontrar bastante dificuldade para compreender que blasfêmia e heresia são conceitos restritos somente à sua fé particular. Para quem não comunga da mesma fé, não faz sentido algum falar em blasfêmia, pois não há crença de que se trata de algo sagrado. A reação que charges satíricas do profeta Maomé num jornal dinamarquês causaram, denota esta intolerância ainda existente, especialmente no Islã. Quando Salman Rushdie escreveu Os Versos Satânicos, um romance que critica a religião muçulmana, ele foi condenado à morte pelo aiatolá Khomeini. Um caso evidente de completa intolerância religiosa e mistura da religião com o governo.

Por mais que uma seita esteja completamente certa de que a verdade está ao seu lado, jamais deve buscar o uso da força para fazer valer tal crença. Segundo Locke, “o objetivo das leis não é prover a verdade das opiniões, porém a segurança e integridade da comunidade, e a pessoa e as posses de cada homem em particular”. A verdade deve prevalecer através do convencimento pacífico. Locke entende que, “se a verdade não penetra no entendimento por sua própria luz, ela será ainda mais fraca por qualquer força emprestada que a violência pode lhe adicionar”.

Cabe destacar que a tolerância de Locke tinha certos limites, o que deve ser colocado em contexto, já que sua época era de extrema intolerância. Para ele, “não podem ser tolerados aqueles que negam a existência de Deus”. Ele argumenta da seguinte forma: “As promessas, os pactos e os juramentos que formam as ligaduras da sociedade humana não podem ter valor para um ateísta”. Tal como para Dostoievsky depois, Locke acreditava que “a retirada de Deus, mesmo que só em pensamento, a tudo dissolve”.

O problema com esta postura é que ela é totalmente especulativa, e parte de uma crença subjetiva que é extrapolada. Em outras palavras, não passa de um preconceito. Vários ateus ou agnósticos vivem de forma adequada no que diz respeito ao convívio social, isto é, não agridem as liberdades alheias. Para Locke, isso podia não parecer possível, mas a verdade é que a experiência nos prova o contrário. Neste caso, creio que Humboldt estava certo: “A moralidade humana, até mesmo a mais elevada e substancial, não é de modo algum dependente da religião, ou necessariamente vinculada a ela”. Mas talvez fosse injusto exigir de Locke, em pleno século XVII, que até os ateus fossem tolerados. Ele já estava à frente do seu tempo o suficiente sem chegar a tanto.

Por fim, vale mencionar apenas uma importante restrição à tolerância: aquela com os intolerantes. Para Locke, “aqueles que, sob o pretexto da religião, desafiam qualquer tipo de autoridade que não esteja associada a eles em sua comunhão eclesiástica, desses eu digo que não têm o direito de ser tolerados pelo magistrado, assim como não podem ser tolerados aqueles que não aceitam e não ensinam o dever de tolerar os homens em assuntos de mera religião”.

É impossível ler esse trecho e não se lembrar do fanatismo islâmico atual, onde muitos pregam um jihad – ou guerra santa – contra os “infiéis”. Creio que Karl Popper resumiu de forma brilhante esse limite da tolerância: “Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”.

Espero que a mensagem de Locke, disseminada há mais de três séculos, ainda possa ser melhor compreendida e assimilada pelas pessoas. O mundo seria um lugar muito melhor se houvesse ampla tolerância religiosa, inclusive com os ateus, e se os poderes do governo e da religião fossem de fato completamente separados. Desde Locke, muito se conquistou nesse sentido. Mas ainda resta um longo caminho pela frente. 

Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

MANIFESTO DOS ECONOMISTAS PELO DEBATE ECONÔMICO SÉRIO

Este manifesto tem uma proposta bastante simples: mudar o debate econômico no Brasil para algo sério e profundo.

A economia brasileira, em que pesem os espetaculosos efeitos especiais produzidos por João Santana na campanha eleitoral, não é Hollywood. Não há economistas do bem e economistas do mal. Qualquer tentativa maniqueísta em prol de tal divisão subestima a complexidade do debate e impossibilita a verdadeira discussão em favor de melhorias de política econômica.

Por definição, o economista é o caçador da melhor alocação dos recursos escassos disponíveis, numa perseguição conduzida sob a égide e a ponderação de três preceitos: eficiência, equidade e liberdade.

Evidentemente, há pesos diferentes para cada um dos três elementos, a depender da escola de pensamento. Mas, em menor ou maior grau, cada um dos pontos da tríade deve ser considerado pela profissão. Essa é sua raison d’être. Se você não valoriza cada um dos pés desse tripé, não pode ser um economista. Ponto final.

Mais do que isso, se Platão está certo em dizer que ninguém é voluntariamente mau, arrisco dizer que qualquer cidadão, de fato, está preocupado com eficiência, equidade e liberdade em uma sociedade democrática. Portanto, se você não é um economista, está também convidado a subscrever este manifesto.

Nesse sentido, é estupefaciente o manifesto dos “Economistas pelo desenvolvimento e pela inclusão social”, assinado, entre outros, por Luiz Gonzaga Belluzzo e Maria da Conceição Tavares.

O documento, em tom crítico aos economistas tradicionalmente alinhados à ortodoxia, toma para si o monopólio da preocupação em prol do desenvolvimento com inclusão social, conforme explicita-se em seu primeiro parágrafo:

“A campanha eleitoral robusteceu a democracia brasileira através do debate franco sobre os rumos da Nação. Dois projetos disputaram o segundo turno da eleição presidencial. Venceu a proposta que uniu partidos e movimentos sociais favoráveis ao desenvolvimento econômico com redistribuição de renda e inclusão social. A maioria da população brasileira rejeitou o retrocesso às políticas que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais.”

A nossa iniciativa é uma resposta ao manifesto supracitado. Não se trata aqui de entrar no mérito técnico de qual o melhor caminho para o desenvolvimento com inclusão social - embora também o faremos ao final deste texto, pois não fugimos ao debate.

O objetivo é rechaçar a hipótese ventilada pelos economistas heterodoxos de que seus antagonistas são contrários ao desenvolvimento e/ou à inclusão social, tampouco representam “o retrocesso às políticas que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais.”

Além de estupefaciente e ofensiva - pois eu me sinto pessoalmente ofendido quando atribuem a mim a despreocupação com questões distributivas -, a assertiva chega a ser curiosa. Foi esse modelo heterodoxo que causou, grosso modo, a interrupção da queda de desigualdade no Brasil desde 2012.

Depois de dez anos consecutivos de melhora, a desigualdade, quando pensada em termos estatisticamente significativos, para de cair em 2012, conforme aponta a Pnad de 2012 e documento IPEA n 159. Há evidências semelhantes em outros trabalhos do IPEA com metodologia diferente da Pnad (e mais parecida com aquelas realizadas por Piketty) ou mesmo no recentemente divulgado aumento do número de miseráveis.

Isso posto, fica a pergunta: a qual desenvolvimento com inclusão social se refere o documento dos economistas heterodoxos? Os economistas do bem querem insistir num modelo que falha em eficiência, equidade e liberdade e os economistas do mal é que são culpados?

Se você, a exemplo de Belluzzo, Tavares e outros, se autoimpõe uma superioridade moral, como se pertencesse a um grupo exclusivo detentor de preocupações distributivas, não há possibilidade de um debate construtivo. A priori, já está decidido o vencedor da discussão, o único provedor da ética e da moral.

A construção de uma síntese na ciência econômica exige uma antítese efetiva à tese. Isso não será possível enquanto um lado da discussão tentar desqualificar o outro, acusando-o de atender a interesses do setor financeiro e de negligenciar a inclusão social. Ao conferir contornos maniqueístas à discussão, impede-se o próprio progresso da ciência e, por conseguinte, da política econômica.

Todos estamos preocupados com o desenvolvimento econômico com redução da desigualdade.O debate sério não pode refutar esta afirmação. A preocupação não está nos fins, mas, sim, nos meios, na forma adequada de atingi-lo.

Em nenhum momento, houve um economista ortodoxo sério sequer defendendo a redução ou interrupção dos programas sociais. O pacto social está definido como política de Estado - e não de governo - desde a Constituição de 1988. Desde então, o gasto social aumenta.

Conforme muito bem descrito pela última carta do Fundo Verde (há um gráfico maravilhoso que eu gostaria de usar aqui mas não tenho a autorização), o déficit das contas públicas atual - o maior da história - decorre menos da aceleração dos gastos e mais da queda de receita. É a arrecadação caindo, sobretudo, pela queda nas taxas de crescimento. O debate sério, muito além de focar gastos sociais que todos julgam intocáveis, deve endereçar a questão do crescimento. Como retomá-lo, com celeridade e intensidade?

Evidentemente, há cortes a se fazer no orçamento. Gastar R$ 30 bilhões por ano com seguro-desemprego não combina com um país em pleno emprego. Ver dispêndios com pensões da ordem de R$ 90 bilhões anuais sugere alguma falta de critério. A questão do abono salarial segue a mesma linha. São avanços a serem perseguidos, claro, e de certa forma consensuais. O grande desafio está além, centrado em retomar o crescimento, pois, sem ele, a própria dinâmica distributiva estará em risco.

Em adição, quando se defende pelo lado dos ortodoxos a menor interferência do Estado, não se fala do social. Trata-se de sua interferência direta na economia, numa espiral infinita - você faz uma intervenção para corrigir um problema e cria outros três; dai tem de atuar nesses três, inventando outros nove; e por aí vai.

Nada tem a ver com o Bolsa Família, mas com o Bolsa Empresário, outros R$ 30 bi por ano dados a uma pequena porção de privilegiados. Os subsídios são totalmente discricionários, não horizontais, e sem o devido escrutínio sobre sua eficácia. Nada é medido ou testado. Quando custou? Quanto rendeu? Onde vejo a análise? Qual a transparência?

Critica-se aqui a política de campeões nacionais, uma meia dúzia de amigos do rei escolhidos a priori, ferindo a força motriz do capitalismo, associada à competição, à perseguição por eficiência e à inovação. Viagens à Brasília passam a ter melhor custo-benefício do que gastos com Pesquisa e Desenvolvimento.

Questionamos a percepção de que podemos conviver com uma inflação alta por bastante tempo, como tem sido. Conforme demonstra a crítica de Lucas, o trade-off entre inflação e desemprego só existe no curtíssimo prazo - em pouco tempo, o nível de emprego volta ao anterior, com inflação mais alta. Pensar em inclusão social sem dar a devida atenção à inflação é bastante desafiador, pois esse é o mecanismo clássico de concentração de renda.

É por esse debate salutar que brigamos. Estou certo de que o professor Belluzzo, um homem probo e intelectual, pode participar de discussão muito mais profícua do que a de acusar dissonantes de “reverberar o jogral dos porta-vozes do mercado financeiro”. Qualquer postura diferente seria negar sua própria trajetória, de extensa e respeitada produção acadêmica, sob o risco de ser rebaixado à segunda divisão.

Se você também é favor de um debate de maior profundidade, muito além do maniqueísmo, gostaria de convidá-lo a assinar comigo este manifesto. 
Por: Felipe Miranda

terça-feira, 11 de novembro de 2014

OS CORPOS DO CRIME

1. Que dizer do rosto da atriz Renée Zellweger?


Explico ao leitor que passou férias na Lua: em noite de prêmios de Hollywood, Renée Zellweger apareceu no tapete vermelho. E o rosto não era o de Renée Zellweger. Tinha apenas uma vaga semelhança com o original, escondido sob golpes de bisturi e outras originalidades da cirurgia estética.

O caso circulou pelo mundo e o mundo, pasmo e levemente ofendido, perguntou: como é possível destruir um rosto e comprar outro para exibição pública?

Entendo a pergunta. Sobretudo quando falamos de uma atriz: destruir o rosto, ou seja, destruir a capacidade de o usar como matéria-prima de tensões e emoções, é um ato de vandalismo que desafia as leis da lógica.

Mas as causas da mudança em Renée não são difíceis de compreender. Feministas várias, indignadas com a indignação geral, acusaram a tirania falocêntrica de Hollywood de submeter as mulheres à ditadura da "juventude eterna". O bisturi pode desafiar as leis da lógica, sim. Mas ele se explica pelas leis trabalhistas.

Lamento, mas não mordo inteiramente. E prefiro olhar para a filmografia da senhora. Em 20 anos de carreira, que podemos dizer do caso Renée Zellweger?

Simples: a atriz não tem um único filme que possamos considerar "decente" (para usar um eufemismo).

E, nos filmes menos embaraçosos (como "Cold Mountain" ou "Cinderella Man"), o que espanta é a ausência de uma personalidade forte —uma "marca autoral", como se costuma dizer; ou como se costumava assistir nos filmes de Bette Davis, Audrey Hepburn ou Natalie Wood.

As personagens de Renée Zellweger são baças, monocórdicas —em uma palavra, "desinteressantes".

E se existe quem acredite que um ator interessante nem sempre nasce de uma pessoa interessante, eu discordo: terminei de ler a biografia de Laurence Olivier, escrita por Philip Ziegler, e o fascinante ator só é explicável pela fascinante pessoa que existia antes de entrar no palco. Só um ser humano completo (e complexo) vira um ator idem.

Tudo isso para dizer o quê?

Uma conclusão muito simples: quando você precisa mudar o exterior por capricho é porque não existe grande coisa no interior para começar.

2. A revista americana "Men's Health" elegeu o soldado Noah Galloway como "o corpo mais perfeito do mundo". Pormenor: Noah Galloway não tem um braço e não tem uma perna. Mas isso não impediu a revista de fazer capa com o veterano de guerra e coroá-lo com semelhante epíteto adônico.

Era George Orwell, creio, quem dizia que o mais difícil no mundo era enxergar a realidade que temos diante dos olhos. Orwell tinha razão. Porque Noah Galloway não tem "o corpo mais perfeito do mundo". Tem um corpo amputado, que só por covardia politicamente correta é possível classificar como "o mais perfeito do mundo".

Covardia e, pior que isso, uma desavergonhada falta de respeito pela deficiência física.

Ponto prévio: a deficiência física não tem nada de especial. É um fato moralmente neutro —como ser alto ou baixo, magro ou gordo, bonito ou feio.

Mas não é um fato esteticamente neutro: o Corcunda de Notre Dame não está no mesmo patamar de Gisele Bündchen. E afirmar que um corpo sem um braço e uma perna é "o mais perfeito do mundo" soa tão ridículo como coroar Dilma Rousseff como a mulher mais bela do Brasil.

O que parece "moderninho" e "despreconceituoso" resvala tristemente para o anedótico e para o insultuoso.

E, ironia maior, demonstra um desconforto com a própria ideia de deficiência física que se procura "normalizar" desesperadamente (e pateticamente) com delírios hiperbólicos de sentido inverso.

Porque esse é o problema eterno do pensamento politicamente correto: para proteger a "sensibilidade" das minorias, as brigadas preferem a falsificação constante da realidade. Essa falsificação é sempre mais ofensiva do que qualquer discriminação real.

O pessoal da "Men's Health" deveria saber que há deficiências maiores do que não ter braços ou pernas. Não ter cabeça, por exemplo, é mil vezes pior.
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

"CONSCIÊNCIA EM PAZ"

O lado ruim da vitória de Dilma Rousseff nestas eleições, para não ficar gastando latim depois da missa, é que Dilma Rousseff ganhou. O lado bom é que agora está garantido, sem margem de erro, que ela ficará no cargo só mais quatro anos; no dia 1º de janeiro de 2019 terá de ir embora. É um alívio. Desde o seu primeiro dia na Presidência sempre houve a possibilidade angustiante de que continuasse lá para um segundo mandato. Agora não há mais essa aflição. Ao contrário, cada dia de seu governo, a partir de janeiro próximo, será um dia a menos. Não se trata de ver a vida em cor-de-rosa; todo otimismo, quando se pensa um pouco, é uma forma de impostura, pois faz promessas sem garantia de entrega. Mas, no caso, o segundo mandato de Dilma será realmente o último – não é promessa, é o que manda a lei. Eis aí uma das vantagens da certeza: acaba com as esperanças, é verdade, mas também acaba com as dúvidas. Desde o último domingo, foi-se a esperança de que Dilma devolvesse já agora a cadeira de presidente. Em compensação, foi-se a dúvida sobre o montante ainda a saldar. Tudo considerado, a conta provavelmente está de bom tamanho – ou, numa adaptação livre da filosofia política do deputado Tiririca, muito melhor não fica.


Louvado seja o Senhor por essas pequenas graças. É claro que todo mundo tem o direito de esperar da vida pública bem mais do que uma simples notificação sobre o montante exato dos “restos a pagar”. Mas o que se vai fazer? É o que temos no momento. O Brasil, por decisão da metade e mais um pouco dos seus eleitores, foi mantido sob o comando de pessoas moralmente primitivas, que acabam de ser premiadas por levar a atividade política à fronteira do crime – e não têm nenhuma razão, portanto, para mudar de conduta. É perfeitamente possível que Dilma, o ex-presidente Lula e o PT tentem impor a partir de agora a ideia de que já houve o “plebiscito” entre o país do bem e o país do mal de que tanto falaram durante a campanha eleitoral. O país do bem, que consideram ser o deles, ganhou, e com isso deixa de ser legítimo discordar de suas decisões ou querer um Brasil diferente do seu. Dilma, é verdade, só pode ficar outros quatro anos, mas já está resolvido no comitê central dos vencedores que em 2018 Lula voltará para mais oito, e depois disso talvez nem seja preciso fazer eleição nenhuma. Acontece que as coisas não têm de ser obrigatoriamente assim – não enquanto a outra metade dos brasileiros acreditar que continua tendo direitos políticos e civis, e que não está condenada a aceitar esse país do futuro pronto.

Dilma anunciou que ia “fazer o diabo” para ganhar a eleição. Fez e ganhou; pode dar parabéns a si mesma, pois em toda a sua vida pública talvez nunca tenha cumprido com tanto rigor uma promessa. Mas não pode querer que o cidadão de vida limpa se torne cúmplice da fraude que ela própria, seu patrono e seu partido montaram para ganhar a eleição. Sua vitória não obriga ninguém a adotar uma moral parecida com a sua. Não transforma o errado em certo, nem faz com que seja uma pessoa melhor do que é. Também não muda os fatos. O zero de crescimento da economia em 2014 continuou sendo zero depois da contagem final dos votos. As provas de corrupção na Petrobras, já registradas pela máquina judiciária, não podem ser apagadas. Eleições servem unicamente para escolher quem vai governar. Não resolvem problemas, nem conferem aos ganhadores virtudes que não têm – e obviamente não querem dizer que os perdedores estejam errados, ou devam alguma penitência.

Dilma, Lula e o PT pregam que os não eleitores de Dilma são “nazistas”, ou um bando de “Herodes” babando para matar o Menino Jesus. Foi a sua obra-prima na campanha – e um demonstrativo perfeito de quantos escrúpulos têm. Lula e redondezas inventaram que o adversário era alcoólatra, drogado e vadio. Falsificaram até o dicionário, para colar nele a acusação de “agredir mulheres”. Ninguém precisa achar-se um Herodes só porque preferiu votar em Aécio. Justamente ao contrário, os 51 milhões de brasileiros que fizeram essa escolha continuam com o direito integral de dormir com a consciência em paz. É por aí que o jogo tem de seguir.
Por: J. R. Guzzo Publicado na Veja

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A DITADURA DA MILITÂNCIA

O PT, cuja essência é autoritária sempre requereu para si o monopólio do poder, da virtude e da verdade. Logrou ascender ao cargo mais alto da República na quarta vez depois da escalada persistente de Luís Inácio da Silva, cuja imagem cuidadosamente construída simbolizou o proletário para estar de acordo com a teoria de classes de Karl Marx. Ele nunca foi um proletário – homem pobre com família numerosa que só tem por bens sua prole – e sim, por breve tempo, esteve entre os metalúrgicos que compõem a elite do operariado.

Conquistado o poder o PT se desfez do monopólio da virtude, pois se no Brasil a corrupção é histórica e endêmica, a militância petista dos altos cargos transformou seu partido no mais corrupto de toda nossa história.

Quanto ao monopólio da verdade evidenciou-se na prática ao contrário, ou seja, da propaganda enganosa às contabilidades criativas o governo do PT fez da mentira sua arma de sustentação e manutenção no poder. Nesta linha de conduta os petistas abusaram do contraditório, contradizendo o que antes afirmavam como o próprio Luís Inácio que se disse uma metamorfose ambulante.

Além do mais, petistas nunca erram sendo os outros são sempre os culpados. Em outra estratégia o governo dividiu para governar estimulando o ódio entre ricos e pobres e, num esdrúxulo recorte da luta de classes promoveu o embate entre brancos e negros, heterossexuais e homossexuais.

Na recente campanha que terminou com uma pequena diferença a favor de Rousseff a exacerbação da mentira teve contornos sórdidos e logrou transformar primeiro, Marina, depois Aécio, em monstros perniciosos que ao lado dos banqueiros matariam os coitadinhos dos pobres de fome e lhes tiraria todos os benefícios presenteados pelo pai Lula. Marina seria a vacilante, a homofóbica. Aécio o bêbado que batia em mulher. Essas e outras sandices eram difundidas incessantemente na propaganda eleitoral gratuita, em palanques onde Rousseff “fez o diabo” e Luís Inácio parecia necessitado de um exorcismo. Conforme a revista Veja, odiada por Lula e demais companheiros: “o PT distorceu fatos, falsificou a história e manipulou eleitoralmente a divulgação de informações, jogando o nível da disputa na lama”.

No seu discurso após ser reeleita, Rousseff lançou Luís Inácio ao chamá-lo duas vezes de presidente. Portanto, nem bem terminou uma campanha outra já começou como demonstração do projeto que visa á continuidade do PT no poder. Contudo, seria interessante considerar alguns fatos:

1º - Luís Inácio perdeu feio no seu berço político, São Paulo, onde não logrou eleger o terceiro poste. Perdeu no Rio de Janeiro, no Sul e em vários Estados. Seu partido, ainda que continue forte, perdeu deputados, senadores, governadores.

2º - O primeiro mandato da criatura, arrasador para a economia, tende a piorar neste segundo com aumento da inflação, da inadimplência, da queda da renda, do desemprego e do crescimento zero.

3º - O PT tanto utilizou o ódio como ferramenta de divisão social que conseguiu implantar esse sentimento na sociedade. Isto apareceu de modo inequívoco no comportamento antipetista que se alastrou praticamente pela metade dos eleitores durante a campanha, de modo nunca havido e que tende a continuar.

4º - O projeto golpista do governo de criação de comitês populares ou sovietes foi derrubado na Câmara, enquanto vai se armando no Congresso uma oposição que inclui parte do PMDB.

6º - Partidos estão se engalfinhando por ministérios e demais cargos e vai ser difícil contentar a todos, a menos que Rousseff acrescente mais ministérios aos 39 já existentes com as devidas repercussões negativas para os cofres públicos.

Disto se deduz que Luís Inácio e seu partido nunca enfrentaram tantas dificuldades. Entretanto, não se pode subestimar poderio petista. Para enfrentá-lo seria necessário o surgimento lideranças parlamentares de fato oposicionistas e a manutenção da lucidez antipetista na sociedade

Se tal não acontecer e o governo dominar o STF nos moldes bolivarianos, domesticar o Congresso e a sociedade não reagir, a ditadura da militância se instalará de vez através de uma constituição feita à sua imagem e semelhança, da censura aos meios de comunicação, de outras medidas autoritárias que implantem a sonhada democracia de massas. Ainda é tempo de não virarmos uma Venezuela e sistemas congêneres da América Latina. Todavia o perigo existe porque os embriões da falsa democracia já estão plantados no Brasil.
Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga. 
 Publicado no site: http://www.maluvibar.blogspot.com.br/

domingo, 9 de novembro de 2014

"AS LIÇÕES EM ATRASO DA PRESIDENTE"

Fazer mais do mesmo, como se estivesse completando quatro anos de sucesso, foi a grande promessa da presidente Dilma Rousseff na campanha eleitoral. Mas nesta semana ela se declarou disposta a cuidar do "dever de casa" para conter a inflação e ajeitar as contas públicas. Não contou como vai fechar os buracos do Orçamento nem como planeja atacar os focos inflacionários. Também se dispensou de explicar por que deixou de fazer a lição até agora.


Nenhum dos grandes problemas da economia brasileira surgiu em 2014. Nos 12 meses até outubro os preços ao consumidor subiram 6,59%. Com algum vento a favor, a taxa anual poderá ser um pouco menor, mas ainda estará perto de 6%, onde tem estado, invariavelmente, desde 2010. Neste ano, o superávit primário do setor público sumiu, no período de janeiro a setembro. Foi destruído pelo efeito combinado da estagnação econômica, de renúncias fiscais mal planejadas e de um aumento eleitoreiro de gastos. A gestão orçamentária pode ter sido pior que nos três anos anteriores, mas nunca foi boa nesse período. Quanto ao baixo crescimento, foi uma das marcas mais notáveis dos últimos quatro anos. O dever de casa foi sempre adiado.

O governo sempre tentou justificar a inflação elevada e o desarranjo orçamentário como se contribuíssem para a criação de empregos ou, no mínimo, para evitar demissões. Essas alegações podem ter convencido algumas pessoas, especialmente por causa da crise e do desemprego muito alto em várias economias desenvolvidas. Além disso, as comparações quase sempre favoreceram o Brasil. Isso se explica, em parte, pelo uso de um indicador incompleto, produzido mensalmente pelo IBGE em seis áreas metropolitanas. Dados muito mais amplos, produzidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, nova versão da Pnad, compõem um quadro muito menos favorável.

O levantamento tradicional do IBGE, nas seis áreas metropolitanas, mostrou neste ano taxas de desocupação variando entre 4,8% e 5%. O número de setembro foi 4,9%. Num universo muito maior, a Pnad Contínua apontou 7,1% de desemprego no primeiro trimestre e 6,8% no segundo. Este dado foi divulgado nesta semana. Mostrou uma melhora, sem dúvida, mas comprometeu, mais uma vez, as bravatas oficiais sobre a desocupação no Brasil e nos países avançados.

O desemprego brasileiro no segundo trimestre, 6,8%, foi maior que o registrado no mesmo período em 16 dos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A lista inclui, entre outros, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Áustria, México, Holanda, Chile e Nova Zelândia. Inclui também a maior economia do mundo, a americana, e a maior da Europa, a alemã, além do Reino Unido.

Entre abril e junho a desocupação na Alemanha ficou em 5,1% da força de trabalho. Nos Estados Unidos variou de 6,3% para 6,1%. Nos meses seguintes, o setor privado continuou criando postos de trabalho na economia americana. A primeira estimativa de outubro, publicada nesta sexta-feira, indicou uma taxa de 5,8%, menor até que a da pesquisa mensal conduzida pelo IBGE nas seis tradicionais áreas metropolitanas.

Vários desses países, mesmo entre os mais atingidos pela crise iniciada em 2008, crescem mais que o Brasil e exibem taxas de inflação muito menores.

Pelas novas estimativas da OCDE, publicadas nesta semana, a economia dos Estados Unidos deve crescer 2,2% neste ano, 3,1% no próximo e 3% em 2016. A da Alemanha, 1,3%, 1,1% e 1,8%. A da Coreia, 23,5%, 3,8% e 4,1%. A do México, 2,6%, 3,9% e 4,2%. A do Reino Unido, 3%, 2,7% e 2,5%. A do Brasil, 0,3%, 1,5% e 2%. Mesmo a da zona do euro, ainda afetada pela recuperação lenta e insegura da França e da Itália, deve exibir um resultado médio melhor que o do Brasil neste ano e pouco inferior nos dois seguintes: 0,8%, 1,1% e 1,7%.

Fora das bravatas oficiais, o Brasil perde, portanto, nas comparações com várias das maiores economias e com boa parte das industrializadas e emergentes (nem é preciso citar a China, com expansão estimada em 7,3%, 7,1% e 6,9% nos três anos). O Brasil exibe crescimento menor, inflação muito maior e desemprego mais alto, quando confrontado com esses países.

Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, seu sucessor terá o desafio de substituir uma política anticíclica por uma de expansão. Esse palavrório explica boa parte do desastre brasileiro. A insistência numa política anticíclica, nos últimos anos, foi um enorme equívoco, porque os principais problemas do País estavam longe de ser cíclicos. O investimento era baixo antes da crise de 2008, continuou baixo e até encolheu no último ano.

A estagnação industrial é consequência de velhos desacertos, agravados nos últimos anos, como tributação errada, infraestrutura deficiente, baixo índice de expansão e até de renovação da capacidade produtiva, escassez de mão de obra qualificada e até qualificável, e assim por diante. Não há nada de cíclico nesse quadro. Houve simplesmente a interrupção de mudanças importantes iniciadas nos anos 1990, como a abertura econômica, a integração internacional, a disciplina orçamentária, a melhora da gestão pública e a modernização produtiva. Em vez de avançar, o governo desperdiçou centenas de bilhões com má administração de recursos públicos, envolveu o Tesouro e o BNDES numa perigosa relação promíscua, favoreceu o capitalismo de laços, com políticas seletivas de apoio, e perdeu todo sentido de estratégia e de ação de longo prazo. Enquanto isso, outros emergentes continuaram crescendo e seus governos pelo menos tentaram políticas de modernização.

Abandonada a agenda de reformas, prevaleceram o populismo, o namoro constante com o autoritarismo, a apropriação partidária do Estado e a incompetência. Nenhum dever de casa será bem feito se essa herança for mantida.
Por Rolf Kuntz Publicado no Estado de SP

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

POLÔNIA, PRIMEIRA A DERROTAR O COMUNISMO SIMBOLIZA MUDANÇA NO LESTE EUROPEU

No dia 4 de abril de 1989, sete meses antes da queda do Muro de Berlim, os poloneses conseguiram algo inédito no então leste comunista: um acordo para eleições livres ao Parlamento, realizadas em junho daquele ano.


Foi o primeiro passo oficial para a iminente derrocada dos regimes controlados pelos soviéticos. A oposição venceu as eleições, e o comunismo começou a ruir.

Vinte e cinco anos depois, a Polônia é a sexta economia do continente e acaba de ver o seu ex-primeiro-ministro Donald Tusk ser eleito presidente do Conselho Europeu.
Editoria de arte/Folhapress


O Palácio da Cultura e da Ciência de Varsóvia, arranha-céu construído pelos soviéticos no centro da cidade, é um ser estranho em meio à transformação capitalista, apesar de lembranças daquele período, como prédios residenciais que ainda se destacam.

A Polônia se fortaleceu sobretudo porque entrou de vez no mercado da indústria internacional, atraiu investimento de multinacionais e tem a vizinha Alemanha como maior parceira comercial.

Seu PIB per capita mais que dobrou desde 1989 e já é de 65% do de países desenvolvidos da Europa. Prevê-se que atinja 80% até 2030.

"Há 25 anos, nenhum de nós ousou sonhar que as mudanças seriam tão profundas e positivas. A Polônia hoje é uma sociedade democrática, aberta, que deu um grande salto nas estruturas da União Europeia", disse à Folha o jornalista Adam Michnik, 68, um dos principais líderes da oposição na época.

Preso durante a ditadura comunista, Michnik integrou a famosa "round table", mesa-redonda entre governo e oposição realizada entre fevereiro e abril de 1989 para discutir uma saída para a pressão que crescia nas ruas.

PROFUNDO

"O colapso mais profundo do comunismo foi na Polônia. O regime foi um desastre para a nossa sociedade", ressalta ele, hoje editor da "Gazeta Wyborcza", um dos principais jornais locais. Mas nem todo o balanço é positivo.

Para Anna Materska-Sosnowska, professora de ciência política da Universidade de Varsóvia, em troca do desenvolvimento, o seu país experimentou algo não tão visível até 1989: a desigualdade social.

"A transformação econômica resultou numa estratificação social e aparente diferença nos padrões de vida, o que trouxe dificuldades", explica a professora.

A Polônia deu um passo decisivo em 2004, quando se tornou membro da União Europeia. De lá para cá, recebeu € 40 bilhões em investimentos do bloco, com foco na infraestrutura, recuperando-se dos efeitos negativos das reformas dos anos 90. Esperam-se ainda mais € 106 bilhões até 2020.

MIL ANOS

"A entrada na União Europeia deve ser considerada um dos mais importantes eventos em mais de mil anos de história da Polônia", afirma Grzegorz Gorzelak, professor de economia da Universidade de Varsóvia.

Em 2004, o desemprego bateu o recorde de 20%. Hoje está entre 8,5% e 9,5% –o mais recente índice registrou 8,7%, abaixo da média da UE.

A economia tem crescido próximo a 4% ao ano. A Polônia foi o único país do bloco a não entrar em recessão na crise de 2008 e 2009.

Diante desse cenário, a população resiste a apoiar a entrada na zona do euro. Prefere, por enquanto, manter a moeda local, o zloty, a arriscar fazer parte de uma área em constante crise.

Por: LEANDRO COLON, ENVIADO ESPECIAL A VARSÓVIA Publicado na Folha de SP

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

DIÁLOGO OU SECESSÃO?

O PT ensinou bem o ódio político ao Brasil e agora poderá provar do próprio veneno

A presidente bolivariana reeleita abriu seu novo reinado falando em diálogo. Gato escaldado tem medo de água fria: seria este o mesmo tipo de diálogo oferecido à "Veja"?

Ou às depredações que a militância petista fez à Editora Abril?

Ou às mentiras usadas contra Marina Silva e Aécio Neves durante a propaganda política?
Ou às perseguições escondidas a profissionais de diversas áreas que recusam aceitar a cartilha petista, fazendo com que eles percam o emprego ou fiquem alijados de concursos e editais?

Sei, muitos ainda negam a ideia de que exista um processo de destruição da liberdade de pensamento no Brasil. Mas, uma das razões que fazem este processo ser invisível é porque a maior parte dos intelectuais, professores, jornalistas, artistas e agentes culturais diversos concorda com a destruição da liberdade de pensamento no Brasil, uma vez que são membros da mesma seita bolivariana.

O "marco regulatório da mídia", item do quarto mandato bolivariano, é justamente o nome fantasia para a destruição da liberdade de imprensa no país.

Diálogo? Sim, contanto que se aceite a truculência petista e seus abusos de poder. Deve-se responder a este diálogo com uma política de secessão. Não institucional (como nos EUA no século 19 entre o norte e o sul), não se trata de uma chamada à guerra, mas sim uma chamada à continuidade da polarização política.

A presidente ganhou a eleição dentro das regras e, portanto, deve ser reconduzida a presidência com soberania plena.

Mas nem por isso ela deve se iludir e pensar que representa o Brasil como um todo: não, ela representa apenas metade do Brasil. A outra foi obrigada a aceitá-la.

Precisamos de uma militância de secessão: que os bolivarianos durmam inseguros com o dia seguinte, porque metade do país já sabe que eles não são de confiança.

Que fique claro que a batalha foi ganha pelos bolivarianos, mas, a guerra acabou de começar, e começou bem.

O Brasil está dividido. Esta frase pode ter vários sentidos. O partido bolivariano venceu de novo, completando em 2018 16 anos no poder --o que já dá medo a qualquer pessoa minimamente inteligente ou sem má-fé política.

A divisão do Brasil hoje é fruto inclusive da própria militância bolivariana que insiste em falar em "nós e eles".

O fato da eleição para presidente ter sido decidida por alguns poucos votos a favor dos bolivarianos não implica que o lado derrotado veja a vencedora como sua representante legítima, ainda que legal.

O PT ensinou bem ao Brasil o que significa ódio político e agora corre o risco de provar do próprio veneno.

Falo de uma secessão simbólica, e que, creio, deve ser levada mais a sério pela intelligentsia (normalmente a favor do projeto bolivariano, mesmo que, às vezes, com sotaque e afetação francesa ou alemã).

Os intelectuais não estão nem aí pra corrupção. Seu novo slogan é "rouba, mas faz o social".

Não, não estou dizendo que aqueles que votaram contra o projeto bolivariano de domínio totalitário do país devam recusar institucionalmente o resultado das eleições.
Estou dizendo que devem levar a fundo uma política de recusa sistemática da lógica de dominação petista.

Os bolivarianos virão com sua "democratização das mídias", outro nome fantasia pra destruir a autonomia institucional, demitir gente "inadequada", tornar a mídia confiável aos projetos do "povo deles" --o único que aceitam. Na verdade, fazer da mídia refém do movimento MTSM (os "trabalhadores sem mídia").

Esta recusa deve ser levada a cabo nas salas de aula das escolas de ensino médio (onde professores descaradamente pregavam voto na candidata petista), nas universidades, nos bares, nos empregos, nas redes sociais.

Dito de outra forma: a polarização do debate deve continuar, e se aprofundar. Sem trégua. Do contrário, o PT ficará no poder mil anos.

Pacto institucional, governabilidade, vida normal dentro das instituições democráticas, sim.

Mas secessão política cotidiana em todo lugar onde algum bolivariano quiser acuar quem recusar a cartilha totalitária petista. 
Por Luiz Felipe Pondé   Publicado na Folha de SP

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

'PROJETO A CAMINHO DA DERROTA'

A presidente Dilma começou seu governo, em 2011, aparentando relativa independência frente ao seu criador, o ex-presidente Lula. Disse que daria à sua gestão um perfil administrativo e que não transigiria com a corrupção. Representava à época o figurino de gerentona e faxineira. Era tudo uma farsa, mera encenação para consumo dos ingênuos — e não faltaram os que acreditaram que a criatura era não só diferente do criador, como até, se fosse preciso, romperia politicamente com ele. Em quatro anos deixou um país com crescimento zero, um governo paralisado e marcado por escândalos de corrupção.


Agora o figurino que está tentando vestir é o da presidente que deseja dialogar com os partidos e a sociedade. Mais uma farsa. Todo mundo sabe que Dilma não gosta de política. Nunca gostou. Na juventude transformou oposição à ditadura em confronto militar — com trágico resultado. Quando chefiou a Casa Civil do presidente Lula foi elogiada pelo estilo de durona. Era a mãe do PAC, uma tocadora de obras. A coordenação política governamental era tarefa do próprio Lula. Quando assumiu a Presidência, Dilma fez questão de demonstrar diversas vezes o absoluto desinteresse — até mais, enfado — pelas tarefas políticas. Ela não gosta de ouvir. Decide por vontade própria.

No discurso de comemoração da vitória, a presidente já deu sinais de como pretende governar nos próximos quatro anos. E insistiu na proposta de reforma política petista que, entre outras coisas, despreza o papel constitucional do Congresso. O governo elabora as mudanças e busca, via plebiscito, o apoio popular. Para o PT a negociação só interessa quando os opositores já entram derrotados e tem de aceitar as imposições petistas.

Dilma liderou a campanha eleitoral mais suja da história. No primeiro turno usou da mentira para triturar a candidatura de Marina Silva. Guardou para a fase final da campanha os ataques à honra de Aécio Neves. E tudo sem qualquer problema de consciência. Assim como Lula, Dilma passou a ter como princípio não ter princípio. O importante era ganhar. Quem fez o que ela fez na campanha tem condições morais de dialogar com a oposição?

Dificilmente a reforma política — ou qualquer outra reforma proposta pelo governo — vai ocupar espaço na agenda política. O escândalo do petrolão é de tal monta que poderá ter um (inicialmente) efeito destrutivo e saneador (caso as apurações forem até as últimas consequências). O encaminhamento das investigações comandadas pelo juiz Sérgio Moro já desnudou que o assalto dos marginais do poder à Petrobras é o maior caso de corrupção da história do Brasil. E vai atingir os três poderes da República chegando até, segundo depoimento do doleiro Alberto Youssef, o Palácio do Planalto.

A oposição acabou sendo arrastada a exercer o seu papel pelo eleitorado. A crise de identidade foi resolvida ainda durante a campanha eleitoral. Diferentemente das duas últimas eleições presidenciais, desta vez tivemos uma campanha mais politizada e com participação popular. Fracassou a interpretação de que as manifestações de junho de 2013 tinham sepultado a “velha política.” Pelo contrário, basta recordar as discussões nas redes sociais, o acompanhamento de toda a campanha, a excelente audiência dos debates televisivos, principalmente no segundo turno, e a permanência do interesse pela política após o 26 de outubro.

O cenário econômico é péssimo. Nem o doutor Pangloss diria que as coisas vão bem. O quadriênio Dilma conseguiu desorganizar as contas públicas, estourar a meta de inflação, colocar em risco a saúde das empresas e dos bancos estatais e paralisar a economia do país. E qualquer processo de negociação política é muito mais difícil nessa situação, pois o governo teria de ceder. E ceder faz parte da política, e Dilma odeia a política.

Na atual conjuntura aceitar o aceno do governo é jogar na lata de lixo 50 milhões de votos. De votos oposicionistas. De eleitores que estão indignados com o — usando a expressão do ministro Celso de Mello citada no julgamento do mensalão — projeto criminoso de poder petista. Não há desejo sincero de diálogo. As palavras de Dilma não correspondem aos fatos. O que dizer de uma presidente que demonizava a adversária imputando a pecha de defensora dos banqueiros e — dias após à eleição — aumenta a taxa de juros e convida um banqueiro para o Ministério da Fazenda? É esperteza ou falta de caráter?

O PT venceu a eleição presidencial mas está longe de caminhar para ter o controle dos três poderes — sonho acalentado pelo partido. Perdeu 20% das cadeiras da Câmara dos Deputados e no Senado manteve o mesmo número de assentos. Tudo indica que não terá a presidência de nenhuma das duas Casas no próximo biênio. E a melhoria qualitativa da bancada oposicionista deve criar situações embaraçosas para o governo — e não faltam temas para explorar. Por outro lado, a composição do Executivo federal terá de ser ainda mais partilhada com os partidos que dão sustentação ao governo, enfraquecendo o projeto petista. E se for aprovada a PEC da bengala ainda este ano, a presidente Dilma perderá a oportunidade de nomear, devido à expulsória, cinco novos ministros para o STF, acabando com o sonho petista — e verdadeiro pesadelo nacional — de transformar aquela Corte em um puxadinho do Palácio do Planalto.

Já estamos em 2015, um ano de 14 meses. Ano agitado, o que é bom para a democracia. E tudo que é bom para a democracia é ruim para o PT. Vamos ter muitas surpresas. O projeto autoritário petista caminha para a derrota política: são os paradoxos da História.
Por: Marco Antonio Villa Publicado em O Globo

terça-feira, 4 de novembro de 2014

PARTIDO DA RAZÃO

A passionalidade e a superficialidade de boa parte das discussões político-econômicas no Brasil são naturalmente acentuadas na disputa eleitoral. Definido o resultado, é importante controlar a paixão e trazer o debate o mais perto possível da razão. Quanto mais racional e factual ele for, melhor para todos.

Isso não significa a busca do consenso. O consenso de certa maneira é uma ilusão. Um político britânico, questionado há muitos anos se existia consenso em seu governo, respondeu que não -havia acordo ou então prevalecia a visão da maioria, que é a essência da democracia. Como no Brasil, apesar das críticas.

Enfrentamos desafios importantes. Saímos de um ciclo de crescimento acelerado ocorrido de 2003 a 2010, impulsionado pela estabilização econômica, pela disponibilidade de mão de obra, e pelo aumento da previsibilidade, que gerou aumento do crédito e do investimento.

Vivemos hoje um novo ciclo, com contenção de investimentos e com a demanda internacional reduzida, o que gera novos desafios.

Há, porém, um espaço enorme para acelerar o crescimento baseado nos investimentos, especialmente na infraestrutura, dada a demanda não atendida por transporte, energia e serviços que a gigantesca classe média incorporada ao mercado de consumo propicia.

Existem recursos disponíveis no mundo para isso devido à falta de boas oportunidades para investimentos que resulta da baixa demanda global. Temos condições de aproveitar essa janela de oportunidade com alternativas atraentes de investimento. Para atraí-los, serão necessários direcionamento claro, previsibilidade nos fundamentos econômicos e nas regras do jogo além de inflação na meta e dívida pública cadente.

Há vantagens em não haver consenso. Oposição é fundamental na democracia para promover um debate racional que vise soluções benéficas a todos. A polarização e a mobilização em torno dos candidatos e das propostas devem ser agora canalizadas para gerar salto de qualidade do debate público.

Os que defendem maior participação estatal na economia só obscurecem o debate quando acusam os de visão diferente de quererem destruir o governo para por o mercado no lugar. O mesmo ocorre quando os que defendem maior competição e liberdade para empreender acusam os defensores de maior ação governamental de planejarem a destruição do setor privado.

O Brasil já cresceu e evoluiu bastante. Que essa grande mobilização do processo eleitoral resulte positiva e produtiva, com maior participação no debate público e no processo democrático. 

Por: Henrique Meirelles Publicado na Folha de SP

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CONFLITOS

A mãe de um garoto de cinco anos, arrumando a mala escolar dele, encontrou um brinquedo. Perguntou de quem era, e ele respondeu que havia encontrado na escola. A mãe decidiu devolver o brinquedo à escola sem nada dizer ao filho. Levou o brinquedo e, num momento em que ninguém estava olhando, colocou o objeto no espaço escolar.

Outra mãe, de uma garota de pouco mais de dez anos, vasculhou o celular da filha depois que ela foi dormir e viu conversas com conteúdo muito erotizado para a idade dela. Ficou sem saber que atitude tomar, já que havia descoberto isso mexendo no aparelho sem permissão.

O pai de um adolescente, desconfiado de que o filho estava usando maconha, desmontou o quarto dele em busca de vestígios da droga, num final de semana em que o jovem viajou. Encontrou. Quando o filho retornou, perguntou diretamente se ele usava a erva e –claro!– recebeu uma resposta negativa e indignada. O pai aceitou a resposta do filho, que o fez ficar sem ação.

Tomei esses três exemplo da vida real, entre tantos outros que conheço, para apontar que tem havido certo constrangimento de muitos pais na educação e na tutela dos filhos.

As reações comuns dos genitores dessas situações mostram que eles têm dificuldade de enfrentar os erros, os equívocos e as transgressões dos filhos. Por que será? Tenho algumas hipóteses.

Primeiramente, temos tido dificuldade de enfrentar conflitos. Conflito deveria ser positivo: diferenças de ideias, opiniões e comportamentos podem gerar novas alternativas, se o diálogo for a estratégia para administrar a situação. Mas temos confundido conflito com confronto. Confronto não admite diálogo, porque é a busca da supremacia de uma posição, ou seja: no confronto é preciso anular a opinião, ideia ou comportamento diferente.

Não existe família sem conflitos, sejam eles reconhecidos ou não. Não é possível educar sem conflitos, porque educar supõe desagradar aos filhos, e isso gera conflitos.

Há outra questão importante: hoje, os pais precisam mais do amor dos filhos do que estes deles. Em tempos em que o prefixo "ex" impera, os adultos precisam da garantia de uma relação afetiva até que a morte os separe, e a ligação entre pais e filhos é essa possibilidade.

Não é possível forjar o caráter dos filhos sem reconhecer os erros que eles cometem –muitas vezes sem saber– e trabalhá-los. Não é possível educar uma criança se ela constata que é mais esperta que seus pais e outros adultos.

Alguém acha que as crianças dos exemplos não perceberam e avaliaram a posição de seus pais em relação ao que fizeram? No mínimo, concluíram que podem fazer seus pais de bobos. Como, então, se deixar educar por eles?

Ser mãe e pai exige coragem, potência, credibilidade, firmeza. Os filhos precisam saber, de antemão, que seus pais estão atentos a tudo o que fazem. Nenhum filho merece que a mãe ou o pai tente descobrir, às escondidas, o que eles fazem, onde vão, o que falam, escutam e veem. Também não é possível respeitar a privacidade de um mais novo que ainda não soube conquistá-la.

Para transmitir aos filhos a moral, a ética e as virtudes priorizadas, é preciso ter autoridade, que é construída no dia a dia. O comportamento dos pais dos exemplos que citei os desautoriza perante os filhos. Aí, fica bem mais difícil educar. 
 Por: Rosely Sayão Publicado na Folha de SP

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

OS CINCO MITOS DO NARCISISMO

Você é narcisista? Um teste básico é: existe alguém no mundo que você ame mais do que a si mesmo?

Se a resposta for "sim", melhor para você. Se for "não", você é um pobre diabo, mas, provavelmente, tem algum livro idiota sobre autoestima no criado-mudo dizendo que você "tem direito de se amar acima de tudo".

Este "teste" é uma espécie de paródia da ideia de Santo Agostinho sobre a liberdade: se amamos, somos livres, porque escapamos da prisão que é nosso "eu".

Em 1979, Christopher Lasch lançava seu clássico "A Cultura do Narcisismo", abrindo uma tradição de aplicação do conceito de narcisismo (psicopatológico) de Freud à crítica da cultura e do comportamento.

De lá para cá, a coisa piorou, e tem gente mesmo dizendo que é melhor ser narcisista porque os neuróticos básicos vivem presos a ilusões bobas de amor e vínculos, e ao mal-estar eterno de não realizar nunca seu desejo plenamente porque temem a moral (e nem sabem direito qual é "seu" desejo mesmo). A cultura do narcisismo criou seus mitos de dignidade.

A professora de psicologia da San Diego State University, dra. Jean M. Twenge, tem duas pérolas (entre outros trabalhos) sobre a evolução do narcisismo em nossa cultura e nosso comportamento.

Em 2006, ela lançou o "Generation Me, Why Today's Young Americans Are More Confident, Assertive, Entitled -and More Miserable Than Ever Before" (numa tradução direta, "Geração Eu, Por que os Jovens Americanos de Hoje São Mais Confiantes, Assertivos, Conscientes de seus Direitos -e Mais Miseráveis do que Nunca").

Em 2009, ela volta à carga (junto com dr. W. Keith Campbell) com "The Narcissism Epidemic, Living in the Age of Entitlement" ("A Epidemia de Narcisismo, Vivendo na Era dos Direitos").

Aqui, o conceito essencial é "entitlement" ou "to be entitled to" (que aparece nos dois título acima) que poderíamos traduzir por "ter direitos de", no sentido de quando se diz "I am entitled to", significando "eu tenho o direito de".

A evolução estaria justamente no fato de que um miserável afetivo, incapaz de investir afetivamente ou intelectualmente no mundo, passou a ser o sujeito que se sente no direito a ter tudo. Esse sujeito é o tagarela, o bobo falante, das redes sociais.

Mas, no fundo, ele (ou ela, aliás; grande parte do debate de gênero hoje é somente narcisismo e histeria travestidos de análise da cultura e do comportamento) é um miserável, incapaz de sair de seu poço para contemplar os riscos da vida real.

Segundo nossos autores, existem cinco grandes mitos sobre o narcisista.

Primeiro mito: o narcisista tem muita autoestima. Em que pese o fato de que eu, pessoalmente, considero a expressão "autoestima" muito brega e acredito que nenhuma pessoa educada deveria usá-la, reconheço que a comparação com o narcisista, que os dois autores fazem, com a intenção de mostrar o quão ele é um miserável afetivo, funciona bem.

Alguém um pouco mais saudável é capaz de compromisso moral e vínculo afetivo no qual ele mesmo não é a única pessoa importante, coisa de que o narcisista é incapaz, atolado no pesadelo que é ser um "ser autossuficiente".

Mas pega bem posar de quem se ama muito num mundo bobo como o nosso.

Segundo mito: o narcisista tem baixa autoestima e, por isso, deve aprender a se dar valor. Não, ele "se acha". Professores que optam por "ensinar" autoestima para os alunos só ajudam a piorar a epidemia.

Terceiro mito: o narcisista é mais bonito e inteligente. Pelo contrário, o narcisismo é um traço de gente menos inteligente e que se acha feia.

Quarto mito: "algum" narcisismo é saudável. A pergunta é: saudável para quem? O narcisista é apenas aquele que foge quando o barco está afundando em nome de "seus direitos".

Quinto mito: o narcisismo é apenas outro nome para vaidade física. Não, é pior. É também materialista, mimado, agressivo quando criticado e incapaz de vínculo afetivo real.

Enfim, talvez um outro possível teste seja ver o quanto você usa a expressão "tenho direito de" ("I am entitled to") no seu dia a dia.

Essa expressão é uma das marcas da babaquice chique de nosso tempo. 

Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O PROBLEMA DE 1939

"É extremamente difícil para um psicólogo acreditar no valor de qualquer ideologia social baseada em premissas psicológicas simplificadas."

Andrew M. Lobaczewski, em 'Ponerologia: psicopatas no poder'.

Em 1939, os países ocidentais, ao avaliar vis-à-vis a situação da Alemanha nazista e da Rússia comunista, erraram tão horrorosamente nos seus prognósticos que, para dizer a verdade, a guerra que se seguiu foi muito pior que a política do apaziguamento, pois esta última tinha como fim ganhar o tempo necessário para se preparar para a guerra. Como acabou por acontecer, os Aliados ocidentais declararam guerra quando não deviam e quando não estavam fortes o bastante, ajudando assim a criar a aliança germano-soviética que subjugou a Polônia, a França e mais alguns outros países. O Ocidente subestimou a força militar alemã e escolheu o pior momento possível para desafiar Hitler. Se eles tivessem esperado apenas mais um ano eles estariam fortes o bastante para não sofrerem derrotas.

A mesma lógica se aplica hoje. A Rússia vem sofrendo revezes econômicos. Talvez seja possível criticar a administração Obama por não enviar armamento pesado para a Ucrânia; mas, e depois, se essas armas causassem um efeito alarmista sobre o povo russo? Putin então poderia usar esse fato como justificativa para desencadear uma perigosa sequência de ações? Pode-se até argumentar que uma OTAN agressiva seria justificativa para a paranoia anti-Ocidental de Putin. Devemos neste caso aprender a verdadeira lição de 1939, especialmente considerando que nossas forças estão num nível muito baixo e que guerra não é o que queremos.

Em relação a isso, há toda razão para acreditar que não entendemos apropriadamente a situação estratégica. A China está com a Rússia ou é neutra? A OTAN é forte ou são apenas aparências? O poderio militar americano está no mesmo nível dos velhos padrões ou estamos enfraquecidos? As pessoas presumem que os Estados Unidos são invencíveis. Contudo, recentemente o governo americano admitiu que a Rússia tem mais ogivas nucleares que os Estados Unidos. E ainda nem contamos as ogivas nucleares chinesas.

Continuando as coisas como estão, penso que os russos estão planejando ações futuras para quando a temperatura esfriar. Outra insurreição pode estar em perspectiva, sendo que ela será seguida por uma intervenção militar maciça. Todavia, há outro enredo se desenvolvendo. Estão até sugerindo que a Rússia admitiu a derrota na Ucrânia. Há até rumores de que Putin está sendo colocado de lado e, por conseguinte, perdendo sua posição como líder russo. É o caso de perguntar se virá por aí outra NEP ou outro ciclo de “democratização russa”. Isso seria, claro, uma notícia boa, não fosse a certeza de voltarmos a cair no velho padrão de relaxamento em relação aos perigos — o velho hábito do pensamento utópico, que se baseia em premissas psicológicas ingênuas.

As pessoas que governam a Rússia têm uma psicologia criminosa. Não são pessoas “normais” e nós jamais devemos considerá-las tais. O governo russo não possui freios e contrapesos. Não há verdadeira separação de poderes, não há a força das leis. E essa é a circunstância a qual o poder corrompe e corrompe absolutamente. Essa é a circunstância que tem de mudar na Rússia se o resto do mundo quiser ter paz. E essa é a circunstância que, uma vez mudada, teria como maior beneficiado o povo russo.

Mas como conquistaremos essa mudança? Sob estas circunstâncias, a mudança pode vir apenas por meio de uma amostra de benevolência salvaguardada por uma política justa porém firme. O povo russo não é nosso inimigo, mas sim nosso potencial aliado. Eles querem a mesma coisa que queremos, ou seja, paz. Assim, se o gás natural é usado por Moscou como arma para intimidar a Europa, a coisa a se fazer é estender uma mão amiga para encorajar a solidariedade da OTAN, porquanto a estratégia mais visível da Rússia consiste em dividir a Europa da América por meio da pressão econômica.

O regime criminoso em Moscou também irá, no fim, ameaçar o bem estar americano, pois a KGB acredita que o conforto é o nosso ponto fraco. Faz sentido, portanto, atacar-nos economicamente. Como todos sabem, o dólar é vulnerável e nossa economia está estagnando. Um ciberataque contra os grandes bancos, ou um ataque terrorista, poderia ferir seriamente a economia americana. O que faríamos então para recuperar nossa prosperidade? Cortar nossos laços com a Europa? Nos fecharmos em uma redoma? O pesquisador polonês Andrew Lobaczewski observou que “Em geral [...] particularmente em sociedades hedonistas, as pessoas possuem uma tendência a buscar refúgio na ignorância ou em doutrinas ingênuas. Algumas pessoas até sentem um certo desprezo pelas pessoas que sofrem.”

A América não deve ter desprezo pelas pessoas que sofrem. Logo em breve estaremos entre os sofredores. É assim que nos salvamos e é assim que as nações se salvam.
Por: Jeffrey Nyquist
Tradução: Leonildo Trombela Junior


quarta-feira, 29 de outubro de 2014

SEPARATISMO É CONVERSA DE CRETINOS - NÃO IMPORTA SE VERMELHOS OU AZUIS

Essa conversa sobre separatismo no Brasil é asquerosa, é revoltante. Foi inventada por Lula, e, claro!, os porta-vozes do PT na imprensa logo aderiram à tese, atribuindo a adversários do PT o rancor separatista.

Ainda voltarei ao assunto, sim. Não! Não foram Norte e Nordeste que deram a vitória a Dilma porque há lá, se me desculpam a tautologia, muitos nortistas e nordestinos. A questão é de outra natureza: está relacionada à pobreza, que se concentra, como se sabe, no Norte e Nordeste do país — onde, de fato, está o maior número de pessoas atendidas pelo Bolsa Família. A questão é bem mais séria. Um programa social, que tem apenas o condão de tirar as pessoas da miséria e da indigência social e econômica, transformou-se numa máquina de produzir votos — e isso, sim, é imoral.

A população pobre, além de vítima das circunstâncias, não pode agora ser responsabilizada por um resultado eleitoral que eu também acho ruim para o Brasil. Vou escrever sobre tudo isso com mais vagar. De imediato, acho que é hora de a gente rechaçar essas teses de Nordeste contra Sudeste, não importa quem a advogue, sejam os petistas, obedecendo à orientação de Lula, sejam os seus adversários.

Aliás, Lula, ele mesmo, deveria ter vergonha de investir nessa história: afinal, é um nordestino que se tornou a maior liderança nacional no Sudeste. Durante um bom tempo, diga-se, ele despertava temores extremos justamente na população do… Nordeste!

Rebatam essa besteira. Esse negócio de falar em separatismo é um atentado à inteligência, ao bom senso e até à decência. Voltarei a esse assunto neste blog e falarei a respeito na minha coluna de amanhã, na Folha.

Quem fala em separar o Sudeste e o Sul do resto do Brasil, lamento!, não entendeu nada. Ao contrário: precisamos é somar esforços com os pobres do Brasil, do Nordeste ou não, para que eles se libertem da caridade que hoje os escraviza e os torna alvos fáceis do terrorismo de um partido político.

Por Reinaldo Azevedo  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

terça-feira, 28 de outubro de 2014

O FARDO DO HOMEM NEGRO

A Universidade de Oxford está preocupada: o ano acadêmico já começou por aqui e 20 mil estudantes africanos chegam para o início das aulas. Tradução: riscos de contágio pelo vírus ebola são uma possibilidade. Remota, mas real.


Perante essa preocupação dos ingleses, a resposta óbvia seria afirmar que o Ocidente é um poço de hipocrisia, que só treme de medo quando a morte dos pobres se aproxima das suas margens.

Existe até um cartum, da autoria do notável ilustrador português André Carrilho (divagação pessoal: o André foi o autor da capa do meu primeiro livro de crônicas), que tem feito sucesso nas redes sociais do mundo inteiro.

Descrição: vemos vários doentes com ebola deitados em suas camas. Todos eles são negros. Todos, com a exceção de um branco. E é sobre o doente branco que as câmeras da mídia concentram as suas luzes.

Mensagem óbvia: se o ebola não tivesse chegado à Espanha ou aos Estados Unidos, as matanças na África continuariam na doce paz do anonimato. Como, aliás, sempre continuaram desde a década de 1970.

Acontece que o meu colega André Carrilho está errado. Ou, pelo menos, parcialmente errado.

É um fato que o ebola assusta os brancos. É um fato que o Ocidente rico e tecnologicamente avançado já deveria ter prestado atenção a essa doença letal. Se o mundo encolheu com os prodígios da "globalização", não é preciso ser um gênio para imaginar que, cedo ou tarde, o bicho pintaria no hemisfério Norte.

O problema é que a estupidez, a ganância e a mendacidade do hemisfério Sul não ajudam a nenhuma ajuda.

Em artigo devastador para o "New York Times" —um jornal que está longe de qualquer simpatia direitista—, o enviado a Serra Leoa escreve uma carta de desespero e estupefação ante o espectáculo lúgubre que tem à frente dos olhos.

Adam Nossiter, eis o nome, começa por falar dos líderes comunitários do país que, no início, negaram a presença da doença e permitiram que ela alastrasse sem freio.

Depois, quando os corpos começaram a tombar, os mesmos líderes atribuíram o fato aos efeitos da bruxaria (um clássico). Provavelmente, tentaram travar o vírus com o feiticeiro local fazendo as suas macumbas. Curiosamente, não resultou.

Mas a cultura de ocultação não ficou por esses líderes tribais. Como escreve o mesmo jornalista, existe um abismo criminoso entre o que acontece no terreno e a resposta "oficial" do governo, que continua sentado sobre os US$ 40 milhões de ajuda internacional para combater eficazmente o flagelo.

Pois sim. No terreno, continua a faltar tudo: ambulâncias, medicamentos, equipamentos. E os 30 veículos da ONU, prontos a entrar em ação, continuam parados na capital Freetown porque a burocracia, como sempre, não perdoa.

Em vez desses veículos, circulam pelas estradas uns caminhões rudimentares, dirigidos por beneméritos nativos, que viajam até aos confins e transportam os mortos para as suas sepulturas. Infelizmente, os responsáveis pelos enterros ameaçam greve —dia sim, dia não— por falta de pagamento.

Não admira que, perante o caos, as estatísticas governamentais de Serra Leoa não sejam "fiáveis" (para usar um eufemismo): às segundas, quartas e sextas, não há mortos para ninguém; às terças e quintas, a coisa pode chegar aos cem. Só Deus sabe o que acontece no fim de semana.

Moral da história?

Sim, as luzes da mídia estão sobre o homem branco. Mas isso também se explica porque regimes autoritários e cleptocratas transformam os seus cidadãos em fantasmas invisíveis.

Se a mídia não olha para os doentes negros é porque eles não existem nas estatísticas dos seus próprios países.

Ou, melhor dizendo, eles só existem porque há jornalistas ocidentais dispostos a viajar ao inferno para contar. E, claro, porque existem também médicos e enfermeiros ocidentais que arriscam a vida (e encontram a morte) para salvar esses fantasmas.

Ironia: o fardo do homem branco é carregar hoje às costas o fardo do homem negro.

Por: João pereira Coutinho Publicado na Folha de SP