segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

FILHOS DE GANDHI: O PACIFISMO SOB A ÓTICA DE ORWELL


“O jeito mais fácil de terminar uma guerra é perdê-la.” (George Orwell)

Basta mencionar o nome Gandhi para que automaticamente muitos se lembrem do pacifismo como um meio para um fim nobre, que é a paz. “Olho por olho e o mundo acabará cego”, eis o resumo da doutrina gandhiana. Em muitos aspectos, essa doutrina remete aos ensinamentos de Cristo, que teria dito no famoso Sermão da Montanha: “Ouviste o que foi dito: olho por olho e dente por dente; Eu, porém, te digo que não resistas ao mau; mas se alguém te bater na tua face direita, oferece-lhe também a outra”. Em resumo, jogar fora a lex talionis e responder à violência com amor. O próprio Gandhi afirmara que “Cristo é a maior fonte de força espiritual que o homem até hoje conheceu”. E para ele, “a força de um homem e de um povo está na não-violência”.

Tudo isso parece, sem dúvida, muito bonito e nobre. Normalmente, aquele que propaga tais ideais adquire um ar de nobreza, de boa alma imbuída das mais belas virtudes. Quem poderia ser contrário à paz? Ocorre que a paz é uma finalidade, e existem diferentes meios para alcançá-la. Nem sempre o meio pacífico será o melhor. Muitas vezes será necessário, no mundo real, combater violência com violência, ou pelo menos com a ameaça de seu uso. Seria preciso combinar com o inimigo antes a estratégia de paz e amor. Afinal, para o pacifista retribuir chumbo com rosas, é crucial que ele esteja vivo acima de tudo. Mortos não costumam reagir a estímulo algum.

George Orwell foi, como jornalista, bastante realista. Em um artigo de 1948, chamado A Defesa da Liberdade, expressou sua opinião resumida sobre os métodos políticos de Gandhi, tendo como base o livro Gandhi e Stalin, de Louis Fischer: “Gandhi jamais lidou com um poder totalitarista. Lidava com um despotismo antiquado e um tanto vacilante, que o tratava de um modo razoavelmente cavalheiresco e lhe permitia a cada passo invocar a opinião pública mundial”.

Ele continua: “É difícil reconhecer como sua estratégia de greve de fome e desobediência civil poderia ser aplicada em um país onde os oponentes políticos simplesmente desaparecem e o público nada ouve além do que lhe permite o governo”. Ou seja: se Gandhi obteve algum sucesso com seu pacifismo romântico, isso se deveu ao fato de ser a Inglaterra do outro lado. Fosse um Stalin, por exemplo, e Gandhi seria apenas mais um mártir, um cadáver perdido numa pilha incontável. Não é preciso ficar na especulação: Dalai Lama adotou uma postura similar e isso nunca impediu que o povo tibetano fosse dizimado pelos chineses.

Um ano após o artigo de Orwell, Pablo Picasso estaria criando uma litografia para o cartaz do Congresso Mundial da Paz em Paris, que eternizou a pomba como símbolo dos pacifistas. Paradoxalmente, o evento era financiado pelos assassinos de Moscou. Picasso foi simpático ao comunismo, e chegou a ser agraciado com o Prêmio Lênin da Paz. Desconheço contradição maior que utilizar Lênin e paz na mesma expressão.

Os comunistas sempre fizeram muita propaganda pela paz, enquanto, na prática, foram sempre seus maiores inimigos. Tentavam monopolizar os fins para não terem que debater os meios, e desta maneira, todos que não compartilhavam dos seus slogans românticos eram belicosos ou assassinos em potencial. Foi assim que os comunistas franceses exortaram os soldados a abandonar seus postos poucas semanas antes de Hitler invadir a França. Oferecer a outra face para alguém como Hitler é o caminho certo para a destruição.

Ainda hoje nota-se que muitos seguem os passos de Gandhi, sempre reagindo com discursos lindos quando a escalada da violência é brutal. Basta dar carinho que os psicopatas assassinos poderão virar bons samaritanos. A impunidade permanece e o convite ao crime fica irresistível para os delinqüentes. Assim, os filhos de Gandhi saem às ruas com suas camisetas brancas na cruzada pela paz, já que cruzadas costumam valer mais pelo sentimento de bem-estar que incutem nos seguidores do que pelos resultados práticos concretos. Os criminosos agradecem. Olho por olho, e a humanidade acabará cega. Olho por rosas, e somente uma parte da humanidade acabará cega: a parte boa.
Por: Rodrigo Constantino  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A VIRTUDE DO EGOÍSMO: A VISÃO DE AYN RAND SOBRE A ÉTICA


“O homem deve ser o beneficiário de suas próprias ações morais.” (Ayn Rand)

Para se falar da virtude do egoísmo, vamos primeiro definir o que se entende por egoísmo aqui. Não estamos falando do conceito pejorativo da palavra, mas simplesmente da preocupação com os interesses particulares de certo indivíduo. Isso vai contra o altruísmo, que declara que qualquer ação realizada para o benefício dos outros é boa e qualquer ação visando ao benefício próprio é ruim. Como a natureza não fornece ao homem uma maneira automática de sobrevivência, e ele precisa se sustentar através do esforço próprio, uma doutrina que diz que se preocupar com os interesses particulares é ruim diz também que o desejo do homem viver é ruim. Este seria o significado do altruísmo em sua essência.

Os interesses particulares do homem não podem ser determinados por desejos cegos ou aleatórios, mas sim devem ser descobertos e alcançados através de princípios racionais. O egoísmo bom é o egoísmo racional. É justamente aí que entra o papel fundamental da moral e da ética. Seriam códigos de valores para guiar as escolhas e ações dos homens. A ética representa exatamente a busca de tais valores. Não devemos tomar a ética como algo dado, e sim buscar compreender suas origens e causas metafísicas. Esta busca através da razão contradiz a limitada visão de que “assim deus quis” ou outras explicações místicas para a ética. Ela não nos foi revelada, e sim deve ser descoberta através da razão humana.

Se tomarmos como valor máximo a vida, então tudo aquilo que ajuda a viver deve ser visto como positivo e tudo aquilo que ameaça a vida é negativo. Somente este objetivo máximo de viver torna possível a existência de valores. Assim como o mecanismo de dor e prazer do corpo humano possui a função de alerta quanto à direção correta ou errada de uma ação física, a consciência do homem será a guardiã dos meios corretos para sua sobrevivência. Diferente das plantas, que funcionam somente através de mecanismos automáticos, o homem possui o poder da percepção, que seria a faculdade de reter sensações. Ele não possui códigos automáticos de sobrevivência, não sabe a priori o que é ruim ou bom para sua vida. Sua consciência é volitiva, depende de sua vontade. A capacidade de trabalhar os conceitos e conhecimentos importantes para formar esse código chama-se razão, e o processo em si chama-se pensar. Este processo não é automático, e depende da escolha do homem.

Para o homem, o meio básico de sobrevivência é a razão. Tudo que ele deseja e precisa tem que ser aprendido, descoberto e produzido por ele, através de sua escolha própria, esforço e consciência. Para caçar, desenvolveu armas. Para se aquecer, descobriu o fogo e depois a eletricidade. A agricultura veio para alimentá-lo. O avião foi criado para o transporte. São todos exemplos práticos que nos distinguem de outros animais, que sobrevivem através de um processo mais automático, sem consciência ou razão.

O homem é livre para fazer sua própria escolha, e esta pode ser a errada, mas ele não está livre de suas conseqüências. Ele pode se esquivar da realidade, pode seguir cegamente um curso ou a estrada que quiser, mas não tem como evitar o precipício a frente que ele se recusa a enxergar. Em resumo, ele é livre para escolher não ser consciente, mas não consegue escapar das penalidades de sua inconsciência: sua própria destruição.

A ética, então, seria algo objetivo, uma necessidade metafísica para a sobrevivência do homem, e não algo proveniente da graça sobrenatural ou dos desejos de nossos vizinhos. Se alguns homens optam por não pensar, e sobrevivem imitando outros e repetindo, como animais treinados, a rotina aprendida com terceiros, sem fazer o esforço de compreender por conta própria sua conduta, ainda assim sua sobrevivência só é possível pois alguém pensou por ele. A sobrevivência de tais parasitas depende de puro acaso, pois suas mentes sem foco precisam decidir quem copiar e seguir. São facilmente vítimas, os seguidores que se atiram do abismo, se auto destruindo em nome de alguém que prometeu assumir as responsabilidades que eles se esquivaram, a responsabilidade de ser consciente.

Se o homem não quer depender do puro acaso para sobreviver, se não quer tomar um caminho que leva a sua própria destruição, precisa escolher pensar, adotar um código de ética que o ensine como viver, não dependendo assim de sensações e instinto. O homem tem que escolher ser homem, caso contrário vive como sub-humano, pouco mais que os outros animais, sobrevivendo, com sorte, apenas via mecanismos automáticos. Assim, o pior vício que pode existir num homem, fonte de todos os males, é o ato de não focar sua mente, suspender sua autoconsciência, que não significa cegueira, mas sim a recusa de enxergar, não a ignorância, mas a recusa em saber. *

O princípio básico da ética objetivista é que, da mesma forma que a vida é um fim em si, cada ser humano é um fim em si também, e não simplesmente um meio para outros fins ou o bem de outros. Portanto, ele deve viver focando em sua própria felicidade, e não se sacrificando por outros. O alcance da felicidade seria o maior objetivo moral do homem.

A felicidade seria o estado consciente que procede ao alcance dos seus valores. Se um homem valoriza a destruição, como um sádico ou masoquista, ou então a vida após a morte, como os místicos, sua “felicidade” aparente será medida pelo sucesso de ações que levam a sua própria destruição. Nem a felicidade nem a vida podem ser alcançadas através da busca de desejos irracionais. A tarefa da ética é definir o código de valores adequado para que o homem possa atingir sua felicidade. Declarar que o valor adequado é aquele que dê prazer, não importa qual, é o mesmo que dizer que o valor correto é qualquer um que alguém escolha. Mas se somente o desejo é o padrão dos valores éticos, o desejo de um homem produzir e o desejo de outro o roubar teriam a mesma validade ética. O desejo de alguém ser livre e de outro escravizá-lo teria a mesma validade. A ética objetivista advoga e defende o egoísmo racional, não valores produzidos por desejos ou emoções e aspirações, que podem ser irracionais.

Em resumo, o egoísmo, entendido como o foco nos interesses particulares – que coloca cada indivíduo como um fim em si mesmo – é uma virtude, não um pecado. O instrumento epistemológico para a busca dos valores deve ser a razão, não emoções irracionais e avulsas. O sacrifício humano despreza a vida como valor máximo. Na sua essência, o altruísmo diz que sacrificar seu próprio filho para salvar dez estranhos é um ato nobre. Para o bem da humanidade e até mesmo sua sobrevivência, isso deve ser condenado. Humanos não são cupins que vivem como meios sacrificáveis para o bem da colônia. Está na hora de reconhecermos a virtude do egoísmo.

* Em sua autobiografia A Era da Turbulência, o ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, dedica longos parágrafos à influência que Ayn Rand exerceu em sua vida. Seu livroA Nascente teria causado profundo impacto em suas idéias, e Greenspan comenta sobre a obra: “Rand escreveu a história para ilustrar uma filosofia a que aderira, que enfatizava a razão, o individualismo e o auto-interesse esclarecido. Mais tarde, ela o denominou de objetivismo; hoje, seria chamado de libertarismo”. Para Greenspan, Rand era “extremamente analítica, sempre disposta a dissecar uma idéia até seus fundamentos, e não se interessava por bate-papos inconseqüentes”. Para ele, “ela parecia sempre disposta a considerar qualquer idéia, de qualquer pessoa, sob o ponto de vista exclusivo de seus méritos”. Em suma, era intelectualmente honesta, segundo Greesnpan. Os elogios continuam: “Rand convenceu-me a observar os seres humanos, seus valores, como trabalham, o que fazem e por que fazem o que fazem; como pensam, e por que pensam assim. Isso ampliou meus horizontes muito além dos modelos econômicos que aprendera”. Para maiores informações sobre esta pensadora que tanta influência exerceu numa das figuras mais influentes da segunda metade do século XX, sugiro a leitura do meu livroEgoísmo Racional: O Individualismo de Ayn Rand, onde tento fazer um resumo de suas principais idéias.

PS: Hoje em dia tenho muitas ressalvas a essa visão filosófica de Ayn Rand, por depositar um peso exagerado na capacidade da razão para produzir todo o arcabouço moral necessário para uma vida ética em sociedade, e também por acabar fomentando um individualismo exacerbado nos que confundem o “egoísmo racional” com uma espécie de “sociopatia” que diz “dane-se o outro”. Tenho profunda admiração por Ayn Rand, mas ela precisa ser lida com cautela…
Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O INTELECTUAL E O MERCADO

“A justificativa da concorrência é mais forte no ensino do que no pão.” (George Stigler)

Goerge J. Stigler foi um dos grandes nomes da Escola de Chicago, ao lado do seu amigo Milton Friedman. Ele ganhou o Prêmio Nobel em economia no ano de 1982, e foi um dos fundadores da Mont Pelerin. Enquanto cursava em Chicago, sofreu bastante influência de Frank Knight, que foi seu supervisor de dissertação do PhD. Sua fama advém principalmente de sua teoria sobre regulação, também conhecida como “captura”, que mostra como os grupos de interesse usam as forças coercitivas do governo para moldar as leis em benefício próprio.

Sua teoria foi um componente importante do campo econômico das falhas de governo. Defendeu ainda a indagação intelectual irrestrita, lutando contra os limites impostos pelos próprios acadêmicos aos temas impopulares ou controversos. No livro O Intelectual e o Mercado, Stigler trata de diversos assuntos do mundo acadêmico. A seguir veremos uma síntese de sua visão acerca da hostilidade dos intelectuais para com o mercado.

Em primeiro lugar, Stigler lembra que nenhuma sociedade foi capaz de sustentar muitos intelectuais – que não são baratos – até o surgimento do sistema moderno de mercado. Em Atenas, ele calcula que deveria existir apenas algo como um intelectual por cada 1.500 habitantes. Atualmente, a maioria dos americanos leva uma vida confortável por causa justamente das grandes realizações do mercado. Como diz Stigler, os “professores devem muito mais a Henry Ford do que à fundação que lhe leva o nome e lhe gasta o patrimônio”. Os êxitos do mercado permitem que uma classe intelectual bem mais numerosa seja sustentada.

Além disso, os princípios organizadores tanto do mercado como dos intelectuais são os mesmos, e isso deveria ser outra razão para que o intelectual fosse simpático ao mercado. Ambas as áreas adotam um sistema de livre iniciativa, ou seja, de contrato voluntário. Nem a fraude nem a coerção fazem parte da ética do sistema de mercado. Da mesma forma, o credo fundamental do mundo intelectual é que “as opiniões devem nascer da discussão livre e na base da revelação plena e total de evidências”. Logo, a fraude e a coerção são igualmente repugnantes ao intelectual.

A liberdade de pensamento deve ser preservada, e o meio para tanto é através da concorrência entre diferentes idéias. Portanto, a autoridade é a grande inimiga da liberdade de indagação. Se uma idéia é boa ou verdadeira, não importará, ao verdadeiro intelectual, de qual raça, credo ou classe social ela é proveniente. O mesmo vale para a eficiência no mercado, cuja impessoalidade defende que toda pessoa capaz possa ingressar numa indústria ou exercer uma ocupação.

Para concluir as afinidades, Stigler afirma que ambos os campos dão muita atenção à embalagem e à publicidade, e ambos atribuem um valor absurdamente alto à originalidade. Não obstante tudo isso, as hostilidades que os intelectuais costumam direcionar ao mercado são evidentes. Normalmente, deve-se ao profundo desprezo pelo lucro, que dirige a atividade econômica, além de uma profunda desconfiança do comportamento a que ele conduz.

Muitos acusam a sociedade moderna, especialmente a americana, de materialismo, apontando as preferências vulgares do povo. Stigler enxerga nisso certa hipocrisia, já que muitos dos próprios intelectuais costumam desfrutar dos mesmos bens vulgares que criticam. Além disso, lembra que a economia norte-americana não produz somente bens deste tipo, mas inúmeros artigos refinados. A comparação é injusta também quando se coloca de um lado as aristocracias antigas, e do outro todo o povo de uma nação. Em períodos anteriores, como explica Stigler, “a vasta maioria da sociedade nem mesmo era considerada parte da sua cultura, pois era analfabeta, dominada pela tradição e vivia na maior parte como animais em cabanas primitivas”.

Comparar os gostos de toda uma população com uma minúscula parcela da elite de uma cultura não parece muito honesto. Mas essa ressalva não anula a crítica válida de que os gostos do público em geral – e dos intelectuais também – possam ser refinados. O problema principal consiste em mirar no alvo errado para fazer tal crítica.

Stigler diz: “O mercado reage aos gostos dos consumidores com bens e serviços vendáveis, sejam os gostos refinados ou grosseiros”. Trata-se de uma constatação bastante óbvia, mas curiosamente ignorada pelos críticos do mercado. Não faz sentido condenar o termômetro pela febre, assim como é injusto condenar o garçom pela obesidade do cliente. Os defeitos, portanto, não se encontram no mercado em si, mas são dos próprios gostos populares.

Alguns intelectuais reagem afirmando que a propaganda decide o gosto, mas, como acredita Stigler, “a indústria publicitária não dispõe de poder soberano para dobrar a vontade do homem”. Na verdade, basta verificar como os grandes publicitários procuram justamente entender as preferências para depois escolher a estratégia de venda. Os consumidores não são crianças irracionais que correm feito autômatos para onde a propaganda aponta. Isso sem falar dos apelos contraditórios entre diferentes propagandas, já que os interesses das diferentes indústrias são muitas vezes conflitantes.

Seria mais sincero por parte dos intelectuais, portanto, pregar diretamente ao público, sem apelar para bodes expiatórios ou usar a publicidade como saco de pancadas. E Stigler vai mais longe, acreditando que esses intelectuais ganhariam em virtude também se examinassem mais criticamente seus próprios gostos. Eis o exemplo que ele dá: “Quando um bom comediante e uma produção de Hamlet estão sendo passadas em canais rivais, eu gostaria de acreditar que menos de metade dos professores estão rindo”. Será?

Um dos maiores motivos de implicância com o mercado é a idéia de que ele está condicionado aos interesses egoístas das pessoas. Isso acaba parecendo uma mistura de hipocrisia com ignorância, pois ignora que em diversas outras tarefas o mesmo “egoísmo” está presente, e ignora também que esta busca pelos próprios interesses não necessariamente é negativa para a sociedade. Será que o mesmo intelectual que faz esta crítica não está em busca de statusprofissional? Será que o egoísmo de um empresário inovador não deve ser comemorado por todos que se beneficiam de sua invenção?

A visão de que a economia é um jogo de soma zero não ajuda, pois muitos passam a crer que o lucro de um homem é o prejuízo do outro. Nada mais falso, entretanto, já que a riqueza da sociedade como um todo vem aumentando sistematicamente, graças aos ganhos de produtividade que são resultado justamente desse mecanismo de mercado. A maior parte dos ganhos das inovações no mercado é transferida para a comunidade em geral, e basta observar o conforto material que um simples trabalhador americano pode desfrutar hoje comparado ao que a nobreza tinha no passado. Logo, ao menos em parte, a antipatia dos intelectuais pelo lucro no mercado tem origem na falta de compreensão de sua lógica e da maneira como funciona.

Hayek, quando escreveu sobre a tendência dos intelectuais defenderem o socialismo, concluiu que o sucesso dos socialistas estava em sua postura utópica que captura o apoio dos intelectuais e influencia a opinião pública. Isso vai ao encontro do que Stigler diz, quando afirma que as pessoas são românticas e preferem muito mais soluções fáceis e diretas para seus problemas. O “analfabetismo econômico”, do qual os intelectuais não estão livres, complica o quadro, e somado aos interesses de determinados grupos, gera esta hostilidade em relação ao mercado.

Muitos intelectuais, é importante destacar, recebem benefícios diretos do governo. Que cão morde a mão que o alimenta? Uma mistura de interesses, ideologia romântica e ignorância, portanto, poderia afastar muitos intelectuais da defesa do livre mercado. A sociedade perde muito com isso.

George Stigler conclui em seu livro: “Nossa atitude dominante em relação ao mercado não mudou desde os tempos de Platão; não será possível que tenha chegado a época de repensar a questão?”
Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

A FÁBRICA DE INVEJA


“Todos gostam do sucesso, mas detestam as pessoas bem-sucedidas.” (John McEnroe)

A lei moral de que o justo é tirar de cada um de acordo com sua habilidade e dar para cada um de acordo com sua necessidade corrompeu milhões de corações ao longo dos anos, e ainda o faz. No entanto, nada poderia ser mais imoral, injusto e ineficaz que este conceito. A novelista Ayn Rand fez um dos melhores retratos das conseqüências dessa máxima colocada em prática, no seu livro Atlas Shrugged, assim como expôs com perfeição os reais motivadores de seus defensores.

Na ficção, infelizmente nada distante da realidade de muitos, uma fábrica de motores decidiu votar um plano onde todos os funcionários iriam trabalhar de acordo com suas habilidades, mas o pagamento seria de acordo com as necessidades. O plano objetivava um nobre ideal de justiça. Era chegada a hora de acabar com a ganância individual, com a busca pelo lucro, com a competição selvagem. Todos os trabalhadores formariam uma grande família, e o bem coletivo seria colocado à frente dos interesses particulares.

Um ex-operário relata como o plano funcionou. Tente colocar água num tanque onde há um duto no fundo drenando o líquido mais rápido do que você é capaz de enchê-lo, e quanto mais você joga água dentro, maior fica o duto. Quanto mais você trabalha, mais lhe é demandado, até que suas horas trabalhadas multiplicam-se para que seu vizinho tenha sua refeição diária, a esposa dele tenha a operação necessária, a mãe tenha a cadeira de rodas, o tio tenha a camiseta, o sobrinho a escola etc. Até pelo bebê que ainda não veio, por todos à sua volta, mais e mais é demandado de você, sempre em nome da “família”. A cada um pela necessidade, de cada um pela habilidade.

Foi necessária apenas uma reunião para perceberem que todos haviam se transformado em vagabundos pedindo esmolas, pois ninguém poderia reclamar um pagamento justo, não havia direitos e salários, seu trabalho não lhes pertencia, mas sim à “família”, e nada era devido em troca, sendo o único direito sobre ela a “necessidade”. Cada um tinha que demandar tudo, alegar miséria, pois sua miséria, não seu trabalho, tinha se tornado a moeda de troca. Ninguém podia mais nada.

Afinal, ninguém era pago pelo trabalho, pelo valor gerado, mas apenas de acordo com a “necessidade”. Em pouco tempo, sendo a necessidade algo subjetivo, todos passam a necessitar de tudo, e a “família” experimenta enorme crescimento de ressentimento mútuo, trapaças, mentiras. A cirurgia da mãe do vizinho passa a ser vista com desconfiança, pois é seu trabalho que paga a conta. Cada nova demanda através do apelo de “necessidade” gera mais intrigas e brigas.

Bebês eram o único item de produção em alta, pois ninguém tinha que se preocupar com o custo dos cuidados com um filho, já que a conta recaía sobre a “família”. Além disto, não havia muito que fazer, pois a diversão era vista como algo totalmente supérfluo, um dos primeiros itens a ser cortado em nome da “necessidade” de todos. A diversão passa a ser vista quase como um pecado. Um dos meios mais fáceis de conseguir um aumento no pagamento era justamente pedir permissão para ter filhos, ou alegar alguma doença grave.

Não há meio mais seguro de destruir um homem que forçá-lo a um mecanismo de incentivo onde seu objetivo passa a ser não fazer o seu melhor, onde sua luta é por fazer um trabalho ruim, dia após dia. Isto irá acabar com ele mais rápido que qualquer bebida o faria, ou o ócio. A acusação mais temida era a de ser mais habilidoso que o demonstrado, pois sua habilidade era como uma hipoteca que os outros tinham sobre você. Mas para quê alguém iria querer ser mais habilidoso, se seus ganhos estavam limitados pela “necessidade”, e suas habilidades significariam apenas mais trabalho pesado para que outros ficassem com os benefícios?

A explicação sobre os motivos que levaram tal plano a ser aprovado está na passagem em que o ex-operário diz que não havia um único homem votando que não pensasse que, sob tais regras, poderia avançar sobre os lucros de outros homens mais habilidosos que ele. Não havia quem, rico ou esperto o suficiente, não achasse que outro seria mais rico ou mais esperto, e que tal plano lhe daria uma parcela de sua maior fortuna ou cérebro.

O trabalhador que gostava da idéia de que sua “necessidade” lhe daria o direito a ter o carro que seu chefe tinha, esquecia que todos os vagabundos do mundo poderiam demandar aquilo que ele tinha conquistado pelo seu trabalho. Este era o verdadeiro motivo para a aprovação deste plano igualitário, mas ninguém gostava de refletir sobre o assunto, e, quanto menos gostavam da idéia, mais alto gritavam sobre o amor pelo bem geral.

A fábrica continuou perdendo os melhores homens, pois os habilidosos “egoístas” iam fugindo como podiam para lugares onde pudessem trabalhar pelos próprios interesses, sem o fardo de sustentar os parasitas. Em pouco tempo, não havia mais nada além dos homens “necessitados”, e já não havia um único homem de habilidade. E a fábrica teve que começar a apelar para as suas necessidades, tentando não perder todos os clientes, pois seus produtos não mais eram competitivos ou eficientes.

Mas qual o bem que faz aos passageiros de um avião um motor que falha em pleno vôo? Se um produto for comprado não pelo seu mérito, mas por causa da necessidade dos empregados da fábrica ineficiente, seria isto correto, bom, ou a coisa moral a ser feita pelo dono da empresa aérea? Se um cirurgião compra um equipamento não pela sua qualidade, mas pela necessidade dos funcionários do produtor, seria correto com seu paciente?

No entanto, é esta a lei moral pregada pelos vários líderes, intelectuais e filósofos no mundo. A cada um pela necessidade, de cada um pela capacidade. A fábrica da inveja, na brilhante novela de Ayn Rand, faliu, virou uma fábrica de miséria, assim como os países socialistas que tentaram adotar a mesma máxima de vida.Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

OLIVER: "ANATOMIA DE UM IMBECIL"

Leonardo, o Bofe, não é Charlie. Je ne suis pas Charlie. Leonardo, o Bofe, é tão somente um cretino. Ele publica o texto de um padre teólogo que, se não me falha a memória, atende pela alcunha dele mesmo, o idiota. Ele condena os atentados, mas entre aspas. Ele xinga e esbraveja, apesar de ser da paz. Na idiotia fundamental do carcamano, os cartunistas não “mereciam” levar um tiro; eles mereciam “evoluir”.

E quanto aos atiradores? Estes não merecem “evoluir”, segundo sua ótica rasteira e vagabunda? Ou eles servem aos seus “propósitos” pacíficos armando guerra? Ele está constrangido. Mas com a VEJA e a Globo, que, segundo o deliquente senil — o upgrade do deliquente juvenil — atentam contra a verdade e a boa imprensa. Ele conheceu o “Pasquim de lá” de um forma bastante negativa, segundo o bravo. Porque republicou charges de um jornal dinamarquês “liberal-conservador”, em nome de uma tal de “liberdade de expressão”. Tudo entre aspas.

Foi esse o crime cometido pelas vítimas do terror — julgadas e condenadas à morte por um tribunal de exceção que o bode velho finge não ver. Mas tem mais… ACUMA? Mais o quê, cara pálida? O crime é esse? Ser “liberal-conservador”? Não serem seres evoluídos como os algozes que tangem em ferro, engordam e matam seu grupamento bovino? Nenhuma linha contra a violência e a barbárie do grupo, é evidente. Está preocupado, o bofe, é com as “charges de péssimo gosto” do Charlie. Com a “França dos excluídos”. Criminosas mesmo são as charges do jornal.

Dá pra entender a inversão de valores? Segundo o irado picareta o islã não pode ser banalizado como o catolicismo. Talvez por isso, pela rédea solta, que um carcamano se denomine “padre teólogo” e siga essa doutrinação rasteira e vigarista entre os cérebros baldios. Ninguém cassa a carteirinha de habilitação desse cretino? O vagabundo continua por aí a dirigir paróquias com essa desfaçatez? Segundo o padreco, a justiça deveria traçar uma linha enquadrando o Charlie… e a VEJA !!! Quanta meiguice. “Nem toda censura é ruim…”, sentencia o cavalgadura da teologia barata. Mas censura prévia não, que ela é burra.

Inteligente é ele, com sua visão contida nas viseiras do esquerdismo mais rampeiro. A comunidade é incômoda porque não se mistura. É incômoda porque não abandona sua identidade. Eu já vejo diferente, meu caro bofe. Ela é incômoda porque é encostada num barranco. Por que não larga as armas. Por que mata gente que, se não é inocente como você prega, NÃO ANDA ARMADA como a cambada que você defende. Eu entendo. Tem gente que não serve nem pra adubo.Vagabundo. Por: VLADY OLIVER
Do site: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/opiniao-2/oliver-anatomia-de-um-imbecil/#more-842435

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

PENSAR A CRISE EM PORTUGUÊS.

Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto


Já escreveu o filósofo João Cruz Costa que o Brasil tem a sua própria história das ideias. Desde o processo independentista foram elaborados diversos projetos para o país. Alguns — menos ousados — optaram por discutir e apresentar propostas de questões mais imediatas. Mesmo sendo um país da periferia, temos um pensamento político e econômico. Mas, cabe reconhecer, que nem sempre fomos muito originais. No século XX, especialmente a partir dos anos 1930, o principal embate ideológico foi entre os marxistas e liberais. Na maioria das vezes, os dois campos produziram pastiches adaptando a fórceps a especificidade brasileira aos cânones ideológicos ocidentais. Consequentemente, a qualidade e a originalidade da produção e do debate político-econômico foram ruins, não passando da recitação de slogans vazios.

Durante decênios assistimos a um embate entre dois modelos que o Brasil deveria seguir: o socialista (tendo na União Soviética a principal matriz) ou o capitalista (a referência maior era os Estados Unidos). Foi produzida ampla literatura — geralmente de qualidade sofrível. Nenhum dos dois lados conseguiu identificar que o Brasil teve uma história muito distinta. O desenvolvimento de um capitalismo tardio na periferia deu ao nosso pais tarefas e problemas a serem enfrentados que não eram os mesmos dos modelos apregoados pelos repetidores do liberalismo ou do marxismo.

O Estado forjado pela Revolução de 1930 passou a ter decisiva presença na economia devido a uma necessidade histórica. Não havia capitais privados para o enfrentamento das tarefas indispensáveis ao desenvolvimento nacional. Sem isso, o Brasil continuaria um país de segunda classe. O problema foi que, de um lado, os marxistas idealizaram este processo fechando os olhos para, entre outros problemas, o empreguismo e a corrupção. Por outro lado, os liberais demonizaram o intervencionismo estatal como se não houvesse distinções radicais entre a formação histórica brasileira e a estadunidense. Apesar do oportunismo marxista, isto não alterou em nada a ação repressiva estatal contra eles próprios. Também em relação aos liberais, seus pregoeiros silenciaram (quando não apoiaram) as ditaduras (tanto a militar como a do Estado Novo, ambas sob forte influência do positivismo).

Este processo de esquizofrenia política foi se acentuando no fim do século passado. A queda do Muro de Berlim poderia ter conduzido a uma revisão do pensamento marxista (e seus assemelhados) e do liberalismo. Mas não. O primarismo analítico permaneceu. Os marxistas mantiveram o antigo inimigo (o imperialismo americano) e adaptaram sua visão de mundo tendo no velho caudilhismo latino-americano — agora recauchutado — o pilar principal de atuação política. No caso brasileiro — como o caudilhismo clássico nunca foi um elemento dominante — restou dar a Lula este papel, com nuances, claro, dada a distinção entre a formação social brasileira e a América Latina de colonização espanhola. Já os liberais adotaram como referência as ações desenvolvidas nos Estados Unidos e na Inglaterra nos governos Reagan e Thatcher, como se o capitalismo tupiniquim fosse similar ao daqueles países.

Em meio a este terreno coalhado de néscios, pensar o Brasil na complexa conjuntura que vivemos não é tarefa fácil. Um bom caminho é retomar a nossa história das ideias, ler nossos clássicos, aqueles que pensaram de forma original o Brasil. E desafios não faltam. O que fazer com a Petrobras? Novamente temos de romper o círculo de ferro das soluções primárias. A questão central é entender o que aconteceu com a ex-maior empresa brasileira. Não cabe dizer que tudo o que está ocorrendo não passa de uma conspiração externa e, portanto, deixar tudo como está. Ou afirmar como solução mágica a privatização da empresa fazendo coro com o marido traído que resolveu trocar o sofá da sala. São dois meios de pensar que reforçam a adoção de soluções simples e, geralmente, absolutamente equivocadas. Cabe entender histórica e politicamente como a Petrobras chegou a essa situação e quais os caminhos para retirá-la das mãos dos marginais do poder e seu projeto criminoso antirrepublicano e antinacional.

Da mesma forma, teremos de encontrar os meios para combater a administração Dilma. Tudo indica que viveremos uma presidência sob crise permanente. O governo nem bem começou e já ocorreu um atrito entre a presidente e seu ministro do Planejamento. E é só o primeiro. A bacharel — que durante anos se apresentou como “doutora” em Economia — chegou até a recusar um convite para um banca de doutorado dizendo “não ter tempo para essas bobagens” — vai querer dar seus pitacos, principalmente com o agravamento da situação econômica. E, também nesta questão, temos de fugir da velha polaridade.

A crise política é inevitável. Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Teremos, efetivamente, o grande teste das nossas instituições — o impeachment, em 1992, não passou de um ensaiozinho: chutar cachorro morto, todo mundo chuta. As antigas formas de pensar vão, como de hábito, recitar suas ladainhas, eivadas de estrangeirismo, preconceito e autoritarismo. O desafio vai ser o de encontrar uma saída democrática, original e de acordo com a nossa formação histórica. Pode ser o tão esperado momento de ruptura que estamos aguardando desde 15 de novembro de 1889, quando a República foi anunciada, mas até hoje aguarda, ansiosamente, ser proclamada.
Por: Marco Antonio Villa é historiador Publicado em: O Globo e no site: http://www.marcovilla.com.br/

SEM TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Leonardo Boff descreve episódios históricos inexistentes e ousa travestir a biografia de são Francisco


O estilo é o homem? Sim, e o é para o bem e para o mal. Para o bem, quando a análise revela, por trás das construções sintáticas e figuras de linguagem, a percepção viva de aspectos obscuros e dificilmente dizíveis da experiência humana, que assim emergem da nebulosidade hipnótica onde jaziam e se tornam objetos dóceis da meditação e da ação, transfigurando-se de fatores de escravidão em instrumentos da liberdade. Para o mal, quando nada mais se encontra por baixo da trama verbal senão o intuito perverso de construir uma “segunda realidade” à força de meras palavras, transportando o leitor do mundo real para um teatro de fantoches onde tudo e todos se movem sob as ordens do distinto autor, elevado assim às alturas de um pequeno demiurgo, criador de “outro mundo possível”.

Para demonstrá-lo, pedirei ao leitor a caridade de seguir até o fim esta exposição do sr. Leonardo Boff, conselheiro de governantes e, segundo se diz, até de um Papa, bem como, e sobretudo, porta-voz eminente de uma “teologia da libertação” onde não se encontra nenhuma teologia nem muito menos libertação:

“A pobreza não se restringe ao seu aspecto principal e dramático, aquele material, mas se desdobra em pobreza política pela exclusão da participação social, em pobreza cultural pela marginalização dos processos de produção dos bens simbólicos...

“A pauperização gera por sua vez a massificação dos seres humanos. O povo deixa de existir como aquele conjunto articulado de comunidades que elaboram sua consciência, conservam e aprofundam sua identidade, trabalham por um projeto coletivo e passa a ser um conglomerado de indivíduos desgarrados e desenraizados, um exército de mão-de-obra barata e manipulável consoante o projeto da acumulação ilimitada e desumana.

“Essa situação provoca um modelo político altamente autoritário... Somente mediante formas de governo autoritárias e ditatoriais se pode manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos ameaçadores que vêm da pobreza.”

O trecho é extraído do livro E a Igreja se Fez Povo (Círculo do Livro, 2011, p. 167). Tudo o que aí se descreve realmente aconteceu. São fatos, e fatos tão bem comprovados historicamente, que não teríamos como recusar ao sr. Boff um definitivo “Amém”, se não nos ocorresse a idéia horrível de perguntar: Aconteceu onde e quando?

O segundo parágrafo fala-nos de algo que aconteceu na Europa nas primeiras décadas do século XIX: massas de camponeses reduzidos à miséria pelo rateio dos seus parcos bens e obrigados a deixar suas terras para vir à cidade compor um “conglomerado de indivíduos desgarrados e desenraizados”, reservatório de mão-de-obra barata para a prosperidade dos novos capitalistas. Karl Marx descreve em páginas que se tornaram clássicas a formação do proletariado urbano com os destroços do antigo campesinato, no começo da Revolução Industrial.

Mas justamente onde isso aconteceu não aconteceu nem pode ter acontecido o que se descreve no parágrafo anterior: a “pobreza política pela exclusão da participação social” e a “pobreza cultural pela marginalização dos processos de produção dos bens simbólicos”. Bem ao contrário, a vinda dos camponeses para as concentrações urbanas coincidiu com o advento das eleições gerais, não apenas convidando mas forçando a participação das massas numa política que lhes era totalmente desconhecida no tempo em que viviam no campo, isoladas dos grandes centros. E coincidiu também com a criação da instrução escolar obrigatória, que extraía os filhos dos proletários das suas culturas locais provincianas para integrá-los na grande cultura urbana da razão, da ciência e da tecnologia, substancialmente a mesma cultura das classes altas, dos malditos capitalistas. Pode-se lamentar a dissolução das velhas culturas locais, mas ela não aconteceu pela exclusão e sim pela inclusão das massas na vida política e na cultura urbana.

A “exclusão da participação social” e a “marginalização dos processos de produção de bens simbólicos” aconteceram, sim, mas a centenas de milhares de quilômetros dali, em países da África, da Ásia e da América Latina que viriam a ser chamados de “Terceiro Mundo” justamente porque neles não houve Revolução Industrial nenhuma, nem portanto integração das massas, seja na política, seja na cultura urbana. O sr. Boff cria a unidade fictícia de um espantalho hediondo com recortes de processos históricos heterogêneos e incompatíveis, ocorridos em lugares enormemente distantes uns dos outros. A única realidade substantiva desse monstro de Frankenstein é o ódio que o sr. Boff desejaria instilar contra ele na alma do leitor.

Mas a fisionomia do monstro não estaria completa sem uma terceira peça, que o sr. Boff vai buscar em outro lugar ainda:

“Esta situação, diz ele, provoca um modelo político altamente autoritário... Somente mediante formas de governo autoritárias e ditatoriais se pode manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos ameaçadores que vêm da pobreza.”

Descontemos a imprecisão vocabular -- “provocam” em vez de “produzem” – e a sintaxe subginasiana: “esta” em vez de “essa” e “se pode manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos” em vez de “se pode produzir um mínimo de coesão e abafar os gritos”. Vamos direto aos ponto essencial: é verdade que para controlar as massas esfomeadas surgiram governos autoritários, mas não na Europa da Revolução Industrial nem nos EUA da mesma época, onde justamente iam triunfando as instituições democráticas junto com o capitalismo nascente, e sim, bem ao contrário, em países subdesenvolvidos (ou empobrecidos pela guerra), que, invejando a prosperidade das nações industrializadas, mas não dispondo de uma classe capitalista pujante e criativa, resolveram industrializar-se às pressas e à força por via burocrática, desde cima, por meio do investimento estatal maciço e da economia planificada. Foi essa a fórmula econômica da Alemanha nazista, da Itália fascista e, obviamente, a de todas as nações socialistas queridinhas do sr. Boff. Foi também, pelas mesmíssimas razões, e embora em menor grau, a da ditadura Vargas e a do governo militar brasileiro.

Em suma, se fosse possível juntar o que há de mau nos países mais distantes, nos tempos mais diversos e nos regimes mais heterogêneos, teríamos aí o monstro ideal contra o qual o sr. Boff deseja voltar a ira da platéia. O sr. Boff aposta na possibilidade de que o leitor não repare na superposição postiça de recortes e, impressionado pela soma de maldades, acredite piamente estar vivendo entre as garras do monstro, tirando daí a conclusão lógica de que deve deixar-se libertar pelo sr. Boff.

Nisso, e em nada mais, consiste a “teologia da libertação”. A técnica da superposição é, a rigor, o único procedimento estilístico e dialético do sr. Boff e o resumo quintessencial do seu, digamos, pensamento. Podemos encontrá-la, praticamente, em cada página da sua autoria, onde em vão procuraremos outra coisa.

Já poucas linhas adiante temos outro exemplo, no trecho em que ele usa a figura de são Francisco de Assis como protótipo do revolucionário que ele mesmo pretende ser. O leitor, paciente e bondoso, por favor, siga mais este paragrafinho:

“Tal atitude [a de S. Francisco ao rejeitar os bens do mundo] corresponde à do revolucionário e não a do reformador e do agente do sistema vigente. O reformador reproduz o sistema, introduzindo apenas correções aos abusos por meio de reformas.... O que [Francisco] faz representa uma crítica radical às forças dominantes do tempo... Não optou simplesmente pelos pobres, mas pelos mais pobres entre os pobres, os leprosos, aos quais chamava carinhosamente ‘meus irmãos em Cristo’.”

Francisco aparece aí, pois, como o revolucionário que em vez de servir ao sistema vigente busca destruí-lo e substituí-lo por algo de totalmente diverso. Nem discuto a inverdade histórica, que é demasiado patente. São Francisco jamais se voltou contra o sistema hierárquico da Igreja, mas, ao contrário, fez da sua ordem mendicante o instrumento mais dócil e eficiente da autoridade papal. Para usar os termos do próprio Boff, corresponde rigorosamente à definição do “reformador” e não à do “revolucionário”. Mas o ponto não é esse. A coisa mais linda é que, segundo o sr. Boff, quando Francisco se aproxima não somente dos pobres, mas “dos mais pobres entre os pobres”, isto é, dos leprosos, há nisso um claro protesto contra a hierarquia social. Mas desde quando a lepra escolhe suas vítimas por classe social? Não eram leprosos o rei de Jerusalém, Balduíno IV, e o rei da Alemanha, Henrique VII, filho do grande imperador Frederico II e de Constança de Aragão? Francisco recusaria o beijo ao leproso de família rica? Superpondo artificialmente a idéia da deformidade mórbida à da inferioridade econômica, que lhe é totalmente alheia, o sr. Boff faz do menos anti-social dos gestos de caridade cristã um símbolo do ódio revolucionário, e o leitor, estonteado pela imagem composta, nem percebe que foi feito de trouxa mais uma vez, engolindo como pura teologia católica a velha distinção marxista entre reforma e revolução. Desfeito pela análise o jogo de impressões, a “teologia da libertação” do sr. Boff revela-se nada mais que uma técnica de escravização mental.

Sim, o estilo é o homem. Uns escrevem para mostrar, outros para esconder e esconder-se, lançando, desde as sombras, a miragem de uma falsa luz. Por: Olavo de Carvalho Do site: http://www.dcomercio.com.br/categoria/opiniao/sem_teologia_nem_libertacao

domingo, 11 de janeiro de 2015

A GRANJA DA IGUALDADE


“No meu dicionário, ‘socialista’ é o cara que alardeia intenções e dispensa resultados, adora ser generoso com o dinheiro alheio, e prega igualdade social, mas se considera mais igual que os outros…” (Roberto Campos)

Os ideais igualitários conquistaram sempre muitos adeptos, e infelizmente ainda o fazem. Inexoravelmente, entretanto, são corroídos pela própria natureza humana e desembocam em tiranias. É do que trata o pequeno livro satírico de George Orwell, A Revolução dos Bichos, escrito na época da Segunda Guerra Mundial. O livro ataca o modelo soviético sob a ditadura de Stalin, fazendo um retrato muito fiel através de bichos do que ocorre de fato na tentativa de implantar o comunismo. Aqueles que renunciam à liberdade em troca de promessas de segurança acabam sem nenhuma delas. A utopia conquista através das emoções, mas na hora dos resultados, a irracionalidade cobra um elevado preço, com juros estratosféricos. Como disse Jean-François Revel: “A utopia não tem obrigação de apresentar resultados; sua única função é permitir aos seus adeptos a condenação do que existe em nome daquilo que não existe”.

A fábula se passa na Granja do Solar, onde os animais eram explorados por seu dono. O velho porco Major fez um discurso sobre um sonho que conquistou todos os animais. O homem seria o grande inimigo, o único inimigo, e retirando-o de cena, a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desapareceria para sempre. “Basta que nos livremos do Homem para que o produto de nosso trabalho seja só nosso”, disse o velho porco. Num piscar de olhos, todos seriam livres e ricos. A promessa do paraíso sem esforço. Nenhum animal iria jamais tiranizar outros animais. Todos seriam como irmãos. Todos são iguais. O mundo dos insetos gregários, sonhado por todos aqueles que odeiam o sucesso alheio, e, portanto, as diferenças entre os homens.

Logo uma canção foi criada para transmitir a mensagem igualitária do sonho dos animais da granja. Todos repetiam aqueles versos com profundo entusiasmo, até fanático. O futuro seria magnífico. A riqueza, incomensurável. Para tanto, bastava lutar, mesmo que custasse a própria vida. Sansão, o forte cavalo, era o discípulo mais fiel. Não sabia pensar por conta própria, aceitando os porcos como instrutores, por sua reconhecida sabedoria. Passava adiante o que era ensinado, através da repetição automática, como vemos de fato nos chavões e slogans repetidos ad nauseam pelos comunistas, como por vitrolas arranhadas. A figura de Sansão é o retrato perfeito do idiota útil, que bem intencionado, acaba servindo como massa de manobra dos oportunistas de plantão.

Os animais se revoltaram, e finalmente tomaram o poder da granja. Nada seria tocado na casa, que passaria a ser um museu da revolução. Nenhum animal deveria jamais morar lá. Foram criados sete mandamentos, entre eles: qualquer coisa que andar sobre duas pernas é inimigo; nenhum animal dormirá em cama; nenhum animal matará outro animal; e o mais importante, que todos os animais são iguais. Com o tempo, todos estes mandamentos foram sendo devidamente ignorados pelos novos donos do poder, que os alteravam sem cerimônia alguma.

O leite das vacas, por exemplo, desaparecera. Com o tempo, o mistério foi esclarecido: era misturado à comida dos porcos. Mas o discurso era convincente: “Camaradas, não imaginais, suponho, que nós, os porcos, fazemos isso por espírito de egoísmo e privilégio”. Não, claro. Eles eram os intelectuais, e a organização da granja dependia deles. O bem-estar geral era o único objetivo dos porcos. “É por vossa causa que bebemos aquele leite e comemos aquelas maçãs”. E como não poderia faltar no hipócrita discurso altruísta, usado para dominar os inocentes, há que existir um bode expiatório, um inimigo externo, ainda que fictício, que justifique os abusos domésticos. Logo, se os porcos falhassem nessa nobre missão, o antigo senhor voltaria ao poder, o terrível homem. E isso ninguém queria. Portanto, tudo que os sábios porcos diziam e faziam deveria ser verdade. Era pelo bem da granja!

Durante uma batalha com invasores humanos, os porcos deixavam claro que não era para ter nada de “sentimentalismo”. Guerra é guerra, e “humano bom é humano morto”. George Orwell ataca com veemência a figura de Stalin, mas curiosamente poupa Lênin, que não é identificado facilmente na obra. No entanto, algumas declarações do líder da revolução bolchevique demonstram que esta mentalidade violenta estava presente nele. Lênin disse: “Enquanto não aplicarmos o terror sobre os especuladores – uma bala na cabeça, imediatamente – não chegaremos a lugar algum!”. Seu objetivo era uma guerra civil, e ele deixava claro que este era o caminho que deveriam buscar. Suas palavras eram diretas: “É chagada a hora de levarmos adiante uma batalha cruel e sem perdão contra esses pequenos proprietários, esses camponeses abastados”. Na verdade, não eram tão abastados assim, os pobres kulaks. Mas eram os alvos perfeitos para justificar a guerra civil que os bolcheviques desejavam, para depois tomar o poder completo. Dito e feito.

O Stalin do livro é Napoleão, um porco esperto que criara em segredo uns cachorros amedrontadores. Chegada a hora de assumir o poder absoluto, Bola-de-Neve vira vítima dos cães adestrados de Napoleão, para o terror de todos os animais que olhavam a cena. Bola-de-Neve seria o Trotski no livro, iludido pela revolução, mas depois enganado. A história é totalmente reescrita por Napoleão, que transforma Bola-de-Neve num espião, que desde o começo da revolução trabalhava para o inimigo. As regras mudam, as votações acabam, e as decisões passam a ser tomadas por uma comissão de porcos, presidida por Napoleão. Isso tudo é passado aos animais como um grande sacrifício de Napoleão, tendo que carregar o fardo da responsabilidade, em prol do bem-geral. Era isso ou o retorno do homem malvado. Esse “argumento” era infalível.

Dá-se início a um verdadeiro culto de personalidade, como costuma ocorrer em todos os países socialistas. Napoleão passa a dormir na cama, ignorando um dos mandamentos da revolução, que passa a contar com um adendo que diz que nenhum animal deve dormir em cama com lençóis. O mandamento de que nenhum animal mataria outro foi substituído, após uma chacina de alguns dissidentes do regime, para outro onde nenhum animal deveria matar outro sem motivo. Ora, não foi difícil, com tanto poder, achar motivos para justificar o massacre de Napoleão. A miséria se abateu sobre a granja, mas os porcos comiam cada vez melhor. O cavalo Sansão trabalhava cada vez mais, convencido de que Napoleão estava sempre certo. Acabou doente de tanto cansaço, e foi levado para um abatedouro, sem piedade alguma por parte do “grande líder”.

Os sete mandamentos davam lugar a apenas um agora: “Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros”. Os porcos ligados a Napoleão passaram a negociar com os homens de outras granjas vizinhas, algo totalmente condenado na revolução. Passaram a beber álcool, também condenado, e aprenderam a andar em duas patas. No fim, era completamente indistinguível quem era porco e quem era homem. Eis o destino inevitável dos igualitários revolucionários. Instalam um regime tão opressor ou mais que o anterior, tudo em nome da granja da igualdade.
Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

sábado, 10 de janeiro de 2015

CINISMO E EMPULHAÇÃO

Nada acontece de repente. Tudo é processo. Por isto recordo um fato mal avaliado por analistas políticos e até mesmo desprezado e criticado: as manifestações ocorridas em junho de 2013 em todo Brasil.

Foi algo impressionante e o estopim foi um movimento de poucos jovens inebriados por um esquerdismo mais folclórico do que fundamentado teoricamente. Eles pediam passe livre apesar de andarem de carro. O que daí decorreu nada teve a ver com ônibus de graça, não era liderado por partidos políticos e não possuía característica ideológica. As multidões foram às ruas para manifestar insatisfação com o governo em múltiplos aspectos.

Em seguida, em meio às manifestações pacíficas apareceram os Black Block, horda composta por bandidos, arruaceiros e a garotada que destrói tudo em nome da esquerda, que ataca símbolos do capitalismo como agências de bancos. Aposto que a moçada, como o ditador da Coreia do Norte, adoram ir à Disneylândia ou fazer compras e estudar nos Estados Unidos. Em todo caso, diante da violência plantada estrategicamente as manifestações recuaram. Seria, porém, ingenuidade supor que a insatisfação popular diminuiu.

Outro fato significativo foi a estrondosa vaia e o xingamento que a presidente Rousseff recebeu na abertura da Copa. Um vexame pior do que a vaia sofrida por Lula nos jogos Pan-americanos. Esporadicamente ela continuou sendo vaiada em lugares aonde ia levar suas “bondades” de campanha.

E veio a campanha. A situação econômica péssima com o Brasil quebrado pela senhora presidente, enquanto eclodia o escândalo da Petrobras, mãe de todos os escândalos já havidos no Brasil depois do mensalão. Mesmo assim, João Santana, o Goebells do PT, avisou que Rousseff ganharia de lavada no primeiro turno, pois os anões tenderiam ao canibalismo.

Tal não aconteceu e veio o segundo turno entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, depois da destruição moral da candidata Marina Silva. Os canhões petistas, então, se voltaram contra Aécio e foi um festival de acusações, de infâmias, de mentiras. Segundo o PT, Aécio acabaria com a bolsa esmola, os direitos trabalhistas, poria no ministério da Fazenda um monstro chamado Armínio Fraga, jogaria o povo na miséria. Nunca antes nesse país houve uma campanha tão sórdida, tão suja, tão abjeta. Desesperado o PT fez o diabo para não perder o bonde do poder.

Rousseff ganhou por pouco. Por pouco Aécio perdeu em Minas. Lula perdeu feio em São Paulo, seu berço político, assim com Rousseff em Porto Alegre e em Brasília. O PT diminui a bancada na Câmara, perdeu governos em Estados importantes.

Há, porém, um fato importante ainda não comentado. De modo inédito em campanhas as pessoas tomaram posição de forma clara e se instalou com firmeza o petismo e o antipetismo. Há uma probabilidade do sentimento antipetista se acentuar diante da inflação crescente, da queda da renda, do desemprego que começa a mostrar suas garras, das contradições do governo Rousseff que já cortou benefícios previdenciários e trabalhistas fazendo o que acusava levianamente seus adversários de fazer caso ganhassem.

Finalmente, depois de muitos adiamentos o ministério foi composto. Não passa de um balcão de negociação de votos no Congresso. Longe do mérito e da competência muitos dos nomeados têm folha corrida e não curriculum. O grosso dos agraciados ignora o que fazer no cargo e terá apenas por missão executar o que sua mestra mandar. No meio da chusma aliada uma exceção com base no mérito: Joaquim Levy, originário do governo Fernando Henrique Cardoso, que será o Armínio Fraga da Dilma. Levy tentará tirar a economia do buraco e, assim, preparar a volta de Lula em 2018 numa situação econômica menos caótica. Este, como sempre empoleirado no palanque já se compõe com uma “frente de esquerda” que lhe dará total apoio. No seu próximo governo, provavelmente, o baderneiro Guilherme Boulos, líder do MTST, será um ministro importante ou comandará os conselhos populares.

E veio a posse. Havia militares e militantes. Estes buscados em vários Estados e trazidos em muitos ônibus. Um sanduíche, um refrigerante e as bandeiras vermelhas se agitaram à passagem da reeleita. O povo praticamente esteve ausente da patuscada.

Menção especial deve ser feita ao discurso de posse que impressionou pelo cinismo e pela empulhação. Uma ficção de mau gosto sobre o paraíso Brasil, obra do PT onde a pobreza acabou e o pleno emprego deixa a todos imersos em felicidade. Uma dádiva que devemos agradecer de joelhos ao criador e a criatura. Falou-se em misteriosos inimigos externos, em combate à corrupção, etc., até que o delírio oratório culminou no slogan: “Brasil, pátria educadora”. Educadora com Cid Gomes? Parece piada de salão, como diria o mensaleiro Delúbio Soares. Infelizmente, nunca fomos tão parecidos com uma republiqueta das bananas.
Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

DEFORMIDADES MENTAIS

Os comunistas travestem a realidade. Foi apenas lançando mão desse recurso que o caso Bolsonaro se tornou "mais importante" que o escândalo da Petrobras

Pelo menos desde os estudos de François Furet, que datam de duas décadas atrás (especialmente Le Passé d’une Illusion, 1995), já não é permitido a nenhuma pessoa intelectualmente responsável ignorar que a formação comunista não introduz apenas algumas crenças falsas na mente humana, mas deforma gravemente a sua percepção da realidade em geral, nas grandes como nas pequenas coisas, na esfera da política e da História como na da moral e dos sentimentos.

Isso transparece em praticamente qualquer atitude pública de um líder ou militante comunista, mas com diferentes graus de nitidez. Em certos casos é preciso escavar fundo, em outros a deformidade se evidencia logo ao primeiro exame, só permanecendo invisível ao próprio indivíduo que a ostenta e aos membros do seu círculo que padecem do mesmo handicap.

Como é regra geral entre psicopatas, bem como entre os histéricos que os imitam, os comunistas não revelam suas verdadeiras intenções quando estão com medo, mas quando se sentem seguros contra um inimigo minoritário que lhes parece indefeso o bastante para ser estraçalhado sem grande dificuldade. Encorajados pela vantagem numérica, passam da desconversa escorregadia à ostentação do ódio mais descarado e inumano, sem medo de ser felizes com a desgraça alheia.

Por isso, entendo que a amostra mais reveladora da política brasileira nos últimos tempos não é o Petrolão, mas o caso Bolsonaro. A própria diferença de proporções entre um escândalo mundial e uma intriga de galinheiro já implica que num deles os sintomas apareçam com mais clareza. Se no primeiro o que se observa é uma corrida desperada aos subterfúgios, às desculpinhas e ao confusionismo mais alucinante, no segundo cada novo assanhadinho que acrescenta sua voz ao coro dos decapitadores se esmera em exibir, não só com despudor, mas com orgulho obsceno, toda a feiúra e sujeira da sua alma.

O mais recente deles foi o comentarista de futebol e política, Juca Kfouri, que, no intuito de criminalizar per fas et per nefas o deputado da direita, modificou a frase ofensiva dita à deputada Maria do Rosário e bem documentada em vídeo, de “Jamais estupraria você porque você não merece”, para “Só não estupro você porque você não merece”, transformando um sarcasmo cruel, mas inócuo, numa apologia do estupro, se não numa ameaça de cometê-lo. Kfouri, com toda a evidência, não julga Bolsonaro pelo que este disse, mas pelo que gostaria que ele tivesse dito para mais facilmente poder condená-lo.

Raras vezes a má-fé de um caluniador se revelou de maneira tão escancarada. Confiram aqui. Se existisse no jornalismo brasileiro um pingo da tão propalada “ética”, o autor dessa fraude abjeta, caso não pedisse desculpas ao ofendido, seria expulso da profissão a cusparadas.

Na mesma semana, a deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) afirmou que “quando ele (Bolsonaro) diz que Maria do Rosário não merece ser estuprada, diz subliminarmente que algumas mulheres merecem e que ele é sim um potencial estuprador”. Vejam aqui. Como já expliquei aqui, o verbo “merecer” foi usado pelo deputado para insinuar, de maneira canhestra e, a meu ver, com patente injustiça, que a ofendida não tem os dotes físicos requeridos para despertar desejo em estupradores ou em qualquer homem que seja.

A sra. D’Avila transfigura o gracejo de mau gosto numa afirmação literal de que algumas mulheres merecem realmente sofrer violência sexual. Mas, se foi isso o que o deputado quis dizer, por que excluiria desse destino brutal justamente a mulher que naquele momento ele desejava hostilizar, reservando o “mérito” para as que nada haviam feito contra ele? Isso seria um anti-insulto completamente vazio, um flatus vocis sem nenhum poder de fogo. A interpretação que a sra. D’Avila faz do episódio revela a mesma sanha kfouriana de forçar a semântica para dar às palavras do deputado a acepção de uma ameaça criminosa, não recuando nem mesmo ante o ilogismo mais gritante. A incapacidade de perceber sarcasmo é às vezes sintoma de doença mental, às vezes prova de analfabetismo funcional. Em qualquer dos dois casos, como pode a sra. D’Avila estar qualificada para sondar “intenções subliminares” numa frase cujo sentido e cujo tom lhe escapam tão completamente? Como aceitar que tão ostensiva demonstração de inépcia lingüística habilite sua autora a bancar a psiquiatra forense?

Não é a primeira vez que o deputado é alvo de ataques desse tipo, tão odientos quanto despropositados. Um cartaz do PT, recentemente distribuído pela internet, responsabilizava-o moralmente pelos cinqüenta mil estupros registrados no Brasil (número que discutirei num artigo vindouro), sem explicar, é claro, como os rigores da legislação anti-estupro exigida pelo sr. Bolsonaro poderiam ter produzido tão paradoxal resultado.

Fiel a essa lógica invertida, a sra. Jandira Feghali, do PCdoB, não só xingou novamente o deputado de “estuprador”, sem apontar quem diabos ele teria estuprado, como também pediu a cassação do seu mandato pelo crime de haver respondido com grosseria à agressão intempestiva, sem provocação ou motivo, que sofrera da deputada Maria do Rosário Nunes.

Não vejo por que defender o deputado. Pela enésima vez ele vai provavelmente vencer e humilhar seus perseguidores. A própria Manuela D’Ávila reconheceu a inocuidade jurídica do antibolsonarismo organizado, ao declarar que o deputado “se empodera pelas recorrentes absolvições” (sic) – como se absolvições nada valessem face à ciência superior de uma mocinha que mal entende o que lê. E a explosão caluniosa do sr. Kfouri foi causada pela sua frustração diante do fato de que só quatro entre os vinte e oito partidos do Congresso aderiram ao pedido de cassação.

No entanto, é irresistível, diante da estranheza do fenômeno, investigar o que poderia tê-lo causado. É o que farei nos próximos artigos. A coisa é muito mais reveladora do que o leitor pode imaginar à primeira vista.

P. S. -- Eu seria o último a supor que o sr. Kfouri fingiu conscientemente sua indignação ante o que chamou de “covardia” dos partidos não-aderentes. O fingimento histérico não é jamais premeditado: é um modo de ser arraigado e constante, uma segunda natureza: a mente deformada pela auto-intoxicação comunista não precisa deformar-se de novo e de novo para cada encenação subseqüente – o teatro permanece em função ininterrupta, não deixando espaço para que o ator perceba algum hiato entre o personagem representado e a sua condição real de pessoa humana. É por isso que, diante da conduta histérica, falham por completo os critérios usuais de distinção entre a sinceridade e a hipocrisia. 
Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio

"QUEM PROCRASTINA TEM MAIS CHANCES DE FRACASSAR"

REFERÊNCIA EM ECONOMIA CRIATIVA, O BRITÂNICO JOHN HOWKINS DIZ QUE A AGILIDADE É FUNDAMENTAL PARA O SUCESSO - MESMO ENTRE OS PROFISSIONAIS MAIS TALENTOSOS


Desde que cunhou o termo “economia criativa”, em 2001, para designar o grupo de atividades que dependem essencialmente de conhecimento, cultura e imaginação para serem realizadas, o consultor britânico John Howkins tornou-se referência para artistas, escritores, publicitários designers – e todos os demais profissionais que têm o cérebro como principal ferramenta de trabalho. Formado em relações internacionais, com passagens pela Unilever, HBO e Time Warner, Howkins é autor do best-seller The Creative Economy - How People Can Make Money From Ideas (Economia Criativa - Como as Pessoas Podem Ganhar Dinheiro a Partir de Ideias, lançado no Brasil em 2012), um guia sobre direitos autorais e patentes e também um manifesto sobre a importância da criatividade no século XXI.

Em passagem pelo Brasil para divulgar o curso de Mídias Socias Digitais, que começa a ser ministrado pela faculdade Belas Artes em São Paulo no próximo ano, Howkins conversou com Época NEGÓCIOS. O consultor falou sobre a abrangência da cultura criativa – que começa a ganhar espaço mesmo em empresas mais tradicionais –, destacou a dificuldade de alguns gestores de lidar com um novo perfil de profissional e apontou o que pode ser um grande obstáculo das mentes criativas: a tendência à procrastinação. “Quem procrastina tem muito mais chance de fracassar”, diz Howkins. “Independentemente do setor em que trabalhe, pelo menos metade de sua habilidade será medida pela capacidade de fazer coisas com rapidez.” A seguir, os principais trechos da conversa:

Qual o obstáculo mais comum entre os profissionais criativos e por que alguns reclamam da dificuldade de transformar suas ideias em resultados?

As pessoas criativas bem-sucedidas são muito, muito focadas. E, acima de tudo, determinadas. Elas não procrastinam. E isso é algo de extrema importância porque, independentemente do setor em que atue, pelo menos metade de sua habilidade será medida pela capacidade de entregar as coisas dentro do prazo. Quem procrastina tem mais chances de não cumprir prazos e de fracassar. Não adianta ser um arquiteto brilhante, se você não é capaz de entregar um projeto até a data solicitada pelo cliente. A procrastinação é uma tendência comum a todas as pessoas, mas, talvez, seja algo mais corriqueiro entre pessoas com mentes criativas ou aquelas que enxergam seu trabalho como uma arte. A procrastinação pode ter resultados terríveis. É como o bloqueio de um escritor ou mesmo a depressão, que te impede de fazer coisas.

É possível livrar-se desse hábito?

O motivo principal para deixar para depois algo que poderia ser começado agora, eu presumo, é o medo de falhar em executar aquilo que sua mente sonhou. Se você tem uma folha em branco, ela é apenas uma folha em branco e é possível imaginar que você será capaz de criar qualquer coisa a partir dela. Mas depois que você começa a executar uma tarefa, a pintar na folha, a colocar números e ideias para um relatório, qualquer coisas, a folha passa a ser um retrato de seu trabalho, é como se fosse uma mostra da sua capacidade de fazer as coisas. A folha em branco pode ser perfeita. Mas a folha com sua arte, sua escrita, seu projeto, talvez não seja. A procrastinação pode vir do medo de assumir riscos, de errar. Não é possível fazer nada sem correr riscos. É preciso dar a cara para bater. Independentemente do resultado, no mínimo, vocês está tendo a oportunidade de se aperfeiçoar para fazer melhor da próxima vez.

Então a execução da tarefa é mais importante que o próprio resultado? Significa que é melhor fazer de qualquer maneira a não fazer?

Não é isso. Artistas costumam dizer que todo o trabalho é apenas um ensaio para o próximo.

Mas em todos os trabalhos deve existir o comprometimento com a qualidade. Artistas – e eu uso a palavra artista para falar de todos os profissionais que precisam trabalhar com criatividade – estão sempre olhando em volta, andando para lá e para cá, tentando tirar ideias de qualquer lugar para tornar seu trabalho mais interessante, mais bonito, mais satisfatório. Quando eles param de fazer essa busca, eles ficam repetitivos e começam a minguar. Há duas palavras-chave para nortear os profissionais criativos: "aprender" e "adaptar-se". A busca pelo aperfeiçoamento deve ser constante, mas não se pode ter medo de arriscar ou mesmo de errar. Isso faz parte do processo. Até mesmo Steve Jobs, que é reverenciado como o empreendedor mais bem-sucedido dos últimos 20 anos, cometeu erros durante sua vida. No início dos anos 80, ele foi demitido da Apple por uma série de conflitos de ideias com outros executivos. Então, ele fundou a NeXT e errou lá. Aí, ele comprou a Pixar por um preço bastante baixo, e ajudou a fazer da Pixar o que ela é hoje. Os artistas e profissionais que nós amamos e admiramos são aqueles que se arriscam e também erram, às vezes.

Mas não é tão simples arriscar. Nem todos os chefes são tolerantes ao erro e nem todas as companhias incentivam os profissionais a fazerem as coisas de forma diferente. Errar pode custar caro às empresas. Como conciliar a necessidade de liberdade para criar e a responsabilidade com resultados financeiros?

Cometer erros não é bom. Mas os gestores, as pessoas mais experientes estão ali justamente porque deveriam ter a capacidade de ajudar os profissionais a fazer a coisa certa, sem precisar reprimir ideias. O bom chefe não deve dizer: “Você errou. Nunca mais tente fazer algo diferente.” O bom gestor, ao contrário, é aquele que consegue, a partir da falha de um funcionário, ajudá-lo a aprimorar as capacidades. Pisar na bola faz parte do processo criativo e isso não pode impedir alguém de tentar de novo.

O sr. já afirmou que a liberdade é fundamental para a criatividade. É possível ter boas ideias em ambientes autoritários?

A criatividade pode brotar de qualquer lugar. As pessoas são capazes de criar mesmo privadas de sua liberdade. Aleksandr Solzhenitsyn escreveu coisas extraordinárias a partir de sua passagem pela prisão (dissidente do regime soviético, o historiador Solzhenitsyn, Nobel de literatura, usou de sua trajetória nos gulags, a prisão de Stalin, para criar obras como Um Dia na Vida de Ivan Denisovich e Arquipélago Gulag). Mas uma coisa é a criatividade individual, outra é a cultura criativa. É difícil que exista cultura criativa em ambientes autoritários. Para que as atividades criativas possam aflorar e se sustentar é preciso que as pessoas tenham liberdade política e social e que exista um certo nível de riqueza no país. A economia criativa depende também que a sociedade, de maneira geral, esteja disposta a por a mão no bolso e pagar pelo trabalho de designers, de arquitetos e de artistas.

A economia criativa é associada a determinadas atividades. Mas o espaço para a criatividade nos negócios está restrito a essas áreas?

A dança, as artes plásticas, o design, a publicidade e toda a indústria de entretenimento no geral, incluindo cinema e literatura, são o que chamo de indústrias nomeadas. Aquelas nas quais é fácil enxergar a importância da criatividade. Mas o setor de tecnologia também tem um peso importante. De qualquer maneira, é importante colocar que a criatividade não está apenas nesses setores. É muito mais abrangente. É preciso considerar os princípios da economia criativa para mudar atitudes e o jeito de pensar. Os profissionais de diferentes perfis que mais tentarem desenvolver a habilidade de criar e também as empresas que melhor souberem lidar com esses profissionais serão também as mais promissoras no longo prazo.

Por que, afinal, a criatividade tornou-se tão relevante neste século?

A criatividade é chave da inovação. Ao aliar criatividade aos procesos produtivos, é possível desenvolver bens de maior relevência para as pessoas e com maior valor agregado.

Hoje, fala-se muito no iPod como resultado de uma atitude criativa e a Apple é muito bem-sucedida dentro desse conceito. Mas, lá atrás, muitas outras empresas já faziam uso da criatividade para ganhar importância e tornarem-se referência em sua área de atuação. Na verdade, toda a história da indústria de aparelhos eletrônicos está ligada à criatividade e ela foi fundamental para o crescimento das empresas japonesas durante os anos 70 a 90. Um exemplo disso foi o Walkman, que deu relevância não apenas a Sony mas a muitas empresas japonesas em sua época. Os consumidores mudam, a cada período querem coisas mais bonitas, com mais funcionalidade e não é possível fazer isso sem usar criatividade. As empresas de qualquer setor que não perceberem isso não terão como sobreviver.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O LÁPIS: UMA "MILAGROSA" CONQUISTA DA HUMANIDADE


“Se o indivíduo busca satisfazer seu próprio interesse num contexto de respeito à propriedade privada e às trocas efetuadas no mercado, estará fazendo o que a sociedade espera que ele faça.” (Mises)

Uma das obras mais famosas do criador da Foundation for Economic Education (1946),Lenonard Read, é “I, Pencil”. Um trabalho curto, de linguagem simples, mas com uma mensagem brilhante. A obra ganhou maior visibilidade através da divulgação pelo Nobel em economia, Milton Friedman. Tentarei passar pelos principais pontos da obra, de forma simplificada.

Peguem um lápis simples, aquele ordinário pedaço de madeira, com uma grafite em uma ponta e uma borracha presa a um metal na outra extremidade. Utensílio comum, familiar a todos aqueles que sabem escrever e ler. Esse simples objeto, que ninguém parou para refletir sobre suas nuanças, contém mais informação do que se imagina. Sua estória é interessante, e ele contém mais mistério que muitos acontecimentos naturais, apesar de todos o tomarem como algo dado e pronto. O lápis simboliza uma “milagrosa” conquista da humanidade, justamente por ser tão complexo e simples ao mesmo tempo, sem falar da incrível utilidade.

Em primeiro lugar, será que o lápis é tão simples mesmo? Talvez seja espantoso, mas nenhum indivíduo da Terra sabe como fazer um lápis! Da mesma maneira que ninguém consegue avançar muito em sua árvore genealógica, seria impossível nomear e explicar todos os antecedentes do lápis. Sua família começa de fato numa árvore. Mas daí em diante, imagine todas as pessoas envolvidas nas infinitas habilidades de fabricação do aço e as máquinas necessárias para fazê-lo, nas minas de minério necessário para a grafite, em todos os mecanismos de extração, logística, residência para os trabalhadores etc. A lista seria infindável, pois estamos falando de todo o processo evolutivo da humanidade. O lápis é somente o produto final após um longo processo produtivo, envolvendo milhões de pessoas e séculos de progresso.

Agora ficou mais claro que ser humano algum é capaz de produzir sozinho um simples lápis. Na verdade, milhões de indivíduos tiveram participação em sua criação, sendo que ninguém sabia muito mais que outros no processo. Trata-se de um acúmulo de informações infinitas, onde ninguém sozinho foi capaz de influenciar muito mais em know-how que qualquer outro, se contemplado a totalidade do processo desde os primórdios.

E agora vem o mais importante: esses milhões de indivíduos envolvidos indiretamente e inconscientemente nesse processo não sabiam ex ante da criação final do lápis. Estavam apenas lutando para trocar seu pequeno conhecimento específico pelos bens e serviços que demandavam. A criação do lápis não havia sido planejada, ela simplesmente ocorreu! E por trás dessa bela criação estava nada mais que os desejos individuais de cada pessoa, mesmo que o produto final seja de uma utilidade incrível para a humanidade.

Há na criação do lápis uma total ausência de um master mind, um idealizador ou criador único que teria concebido sua idéia. Na verdade, o que “fabricou” o lápis foi uma “mão invisível”, e isso o torna tão misterioso. Da mesma forma que ninguém pode fazer uma árvore, ninguém poderia fazer um lápis sem esta “milagrosa mão invisível”. E o lápis não passa de uma combinação de milagres, sendo que a árvore, zinco, cobre, grafite e outras coisas naturais não são mais extraordinários que a configuração da criativa energia humana. Os esforços individualistas de cada agente acabam sendo uma grande criação coletiva da humanidade, que não precisou ser imposta por uma cúpula de sábios.

Uma vez cientes desse “milagre” que é a criação de um simples lápis, fica mais claro porque é tão importante salvarmos a liberdade individual. Precisamos deixar essa “mão invisível” atuar, sem grosseiras intervenções de um centro de poder, leia-se governo. Através dos interesses individuais de cada ser humano, que utilizará seu conhecimento limitado naturalmente, teremos automaticamente arrumado a humanidade num criativo e produtivo padrão em resposta às necessidades e demandas de cada um. Para isso é condição sine qua non a existência da fé em pessoas livres, não em um “messias” clarividente. O capitalismo liberal é a organização espontânea da sociedade, diferente da tentativa imposta de cima para baixo, do socialismo.

Quando o governo assume o monopólio de diversas atividades, as pessoas passam a assumir, sem questionamento, que essa tarefa seria impossível de ser realizada de forma livre pelos indivíduos. A razão é evidente: cada um reconhece que não seria capaz de realizar aquela tarefa sozinho. Mas nós já sabemos disso, e o que torna um processo factível não é seu conhecimento individual, mas sim o somatório de milhões de pequenos conhecimentos. Basta confiar nos indivíduos, e dar liberdade para eles. O resultado será muito mais eficiente.

Compare-se isso com o que aconteceu na antiga União Soviética. A Gosplan, um dos infinitos aparatos estatais do Partido Comunista, tinha a árdua tarefa de administrar o preço “justo” de milhares de itens, incluindo diversas commodities. Eram inúmeros modelos econométricos super complicados, tentando prever a oferta e demanda ao mesmo tempo que fixando o preço. Isso é simplesmente impossível. Conseguiram fixar o preço artificialmente e limitar a oferta devido a falta de incentivo à produção, mas não terminaram com a demanda, natural do homem. O resultado foi uma escassez generalizada, levando a população ao desespero. Tudo isso por tentarem controlar um processo que deveria ser natural.

Todo tipo de planejamento rígido focando no futuro distante estará fadado ao insucesso, por basicamente dois motivos: 1) a natureza não é constante, mas está em pleno avanço e mutação; 2) nem mesmo se fosse possível juntar todo o conhecimento disponível hoje em um único indivíduo, ele seria capaz de antecipar tais mutações. Agora imaginem juntar apenas o conhecimento de umas dezenas de burocratas para definir o futuro de toda uma nação! O caminho correto para o progresso da humanidade pode ser encontrado na criação de um simples lápis: deixar que a “mão invisível” faça seu milagroso trabalho. *

* Em How the West Grew Rich, Nathan Rosenberg e L. E. Birdzell mostram que a principal causa da riqueza ocidental reside na difusão de poder, na sua descentralização, permitindo que houvesse autonomia, diversidade e experimentação dos novos produtos. Os incentivos que recompensam os acertos e punem os erros foram fundamentais, assim como esta liberdade de experimentar o novo. O processo eficiente de organização exige adaptações, através das tentativas e erros. O planejamento central é justamente o oposto disso, tornando o processo rígido. Seu apelo deriva, além do fator corrupção, de sua simplicidade, persuadindo os políticos que acreditam ter descoberto uma fórmula mágica para o crescimento. Um motivo xenófobo se faz presente também, com a idéia de que os estrangeiros não poderão lucrar com o desenvolvimento nacional. No entanto, o fracasso do planejamento central é inevitável, pois o sistema econômico passa a ser como uma máquina sem vida, sem a capacidade interna de mudar, se adaptar, crescer e moldar seu próprio futuro. O crescimento depende dessas características, possíveis num organismo vivo que reage a incentivos e conta com a flexibilidade adequada para se adaptar.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.
Por: Rodrigo Constantino  Publicado no site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

TESTE DE VIRGINDADE REVOLTA MULHERES POLICIAIS NA INDONÉSIA


A coronel Sri Rumiati segue carreira na Polícia Nacional da Indonésia, mas o dia em que ela fez o teste de admissão em 1984 é um que gostaria de esquecer.

Durante um exame físico obrigatório, uma médica lhe aplicou um chamado teste de virgindade, inserindo dois dedos para determinar se seu hímen estava intacto. "O teste é estressante e vergonhoso para as mulheres", disse Rumiati, que hoje é psicóloga da polícia.

Não adiantou muito o fato de o exame ter sido aplicado por uma mulher. Parecia uma violação, disse Rumiati, algo que não determina a virgindade, não tem equivalente comparável para os recrutas homens e não alcança seu objetivo declarado, que é avaliar a moralidade de uma recruta.

"Você determina a moral de uma candidata a partir de testes de comportamento social ou avaliando os atos da pessoa", disse ela. "Não tem a ver com a virgindade."
Adek Berry/AFP 
Policiais fazem guarda durante protesto em Jacarta; profissionais são submetidas a teste de virgindade

As mulheres que se inscrevem para ser policiais na Indonésia são submetidas ao exame de virgindade pelo menos desde 1965, quando a força policial foi colocada sob o comando dos militares. Mas a questão provocou debate acalorado aqui desde que a Human Rights Watch divulgou um relatório e um vídeo no mês passado com evidências de que essa política continua em vigor.

A organização disse que entrevistou oito policiais, atuais e antigas, e candidatas de seis cidades, incluindo duas que disseram ter passado pelo teste de virgindade neste ano. As mulheres casadas não podem ser policiais.

O chefe da Polícia Nacional disse no mês passado que as recrutas mulheres não são submetidas a testes de virgindade. Mas horas depois, dois oficiais graduados da Polícia Nacional em Jacarta foram citados pela mídia local confirmando que a força policial aplica os testes.

Embora falhar no exame de virgindade não desqualifique uma candidata, ela "pode receber menos pontos se seu hímen não for intacto", disse o general-brigadeiro Arthur Tampi ao jornal "The Jakarta Post".

Grupos locais de mulheres e de direitos humanos pediram o fim dessa prática. No ano passado, o diretor de um departamento de educação na província de Sumatra do Sul sugeriu realizar testes de virgindade em meninas do colegial para desencorajar a promiscuidade e a prostituição adolescente.

Milhares de indonésias foram às redes sociais criticar a ideia, que foi rapidamente rejeitada por autoridades do governo nacional em Jacarta.

A coronel Dede Rahayu, que dirige a Escola de Polícia Feminina em Jacarta, disse que nunca ouviu alguma de suas alunas ou policiais dizer que foi submetida ao teste. As policiais "que disseram ter feito o teste não compreendem o que é um teste de virgindade", disse ela, comentando que todas as candidatas passam por um exame retal e que elas podem ter confundido os dois.

"Ou talvez elas queiram que as pessoas pensem que ainda eram virgens quando entraram na força", disse ela. "Uma mulher solteira que não é virgem é um tabu na Indonésia." 
Por: JOE COCHRANE  DO "NEW YORK TIMES"EM JACARTA, NA INDONÉSIA20/12/2014