terça-feira, 13 de janeiro de 2015

OLIVER: "ANATOMIA DE UM IMBECIL"

Leonardo, o Bofe, não é Charlie. Je ne suis pas Charlie. Leonardo, o Bofe, é tão somente um cretino. Ele publica o texto de um padre teólogo que, se não me falha a memória, atende pela alcunha dele mesmo, o idiota. Ele condena os atentados, mas entre aspas. Ele xinga e esbraveja, apesar de ser da paz. Na idiotia fundamental do carcamano, os cartunistas não “mereciam” levar um tiro; eles mereciam “evoluir”.

E quanto aos atiradores? Estes não merecem “evoluir”, segundo sua ótica rasteira e vagabunda? Ou eles servem aos seus “propósitos” pacíficos armando guerra? Ele está constrangido. Mas com a VEJA e a Globo, que, segundo o deliquente senil — o upgrade do deliquente juvenil — atentam contra a verdade e a boa imprensa. Ele conheceu o “Pasquim de lá” de um forma bastante negativa, segundo o bravo. Porque republicou charges de um jornal dinamarquês “liberal-conservador”, em nome de uma tal de “liberdade de expressão”. Tudo entre aspas.

Foi esse o crime cometido pelas vítimas do terror — julgadas e condenadas à morte por um tribunal de exceção que o bode velho finge não ver. Mas tem mais… ACUMA? Mais o quê, cara pálida? O crime é esse? Ser “liberal-conservador”? Não serem seres evoluídos como os algozes que tangem em ferro, engordam e matam seu grupamento bovino? Nenhuma linha contra a violência e a barbárie do grupo, é evidente. Está preocupado, o bofe, é com as “charges de péssimo gosto” do Charlie. Com a “França dos excluídos”. Criminosas mesmo são as charges do jornal.

Dá pra entender a inversão de valores? Segundo o irado picareta o islã não pode ser banalizado como o catolicismo. Talvez por isso, pela rédea solta, que um carcamano se denomine “padre teólogo” e siga essa doutrinação rasteira e vigarista entre os cérebros baldios. Ninguém cassa a carteirinha de habilitação desse cretino? O vagabundo continua por aí a dirigir paróquias com essa desfaçatez? Segundo o padreco, a justiça deveria traçar uma linha enquadrando o Charlie… e a VEJA !!! Quanta meiguice. “Nem toda censura é ruim…”, sentencia o cavalgadura da teologia barata. Mas censura prévia não, que ela é burra.

Inteligente é ele, com sua visão contida nas viseiras do esquerdismo mais rampeiro. A comunidade é incômoda porque não se mistura. É incômoda porque não abandona sua identidade. Eu já vejo diferente, meu caro bofe. Ela é incômoda porque é encostada num barranco. Por que não larga as armas. Por que mata gente que, se não é inocente como você prega, NÃO ANDA ARMADA como a cambada que você defende. Eu entendo. Tem gente que não serve nem pra adubo.Vagabundo. Por: VLADY OLIVER
Do site: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/opiniao-2/oliver-anatomia-de-um-imbecil/#more-842435

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

PENSAR A CRISE EM PORTUGUÊS.

Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto


Já escreveu o filósofo João Cruz Costa que o Brasil tem a sua própria história das ideias. Desde o processo independentista foram elaborados diversos projetos para o país. Alguns — menos ousados — optaram por discutir e apresentar propostas de questões mais imediatas. Mesmo sendo um país da periferia, temos um pensamento político e econômico. Mas, cabe reconhecer, que nem sempre fomos muito originais. No século XX, especialmente a partir dos anos 1930, o principal embate ideológico foi entre os marxistas e liberais. Na maioria das vezes, os dois campos produziram pastiches adaptando a fórceps a especificidade brasileira aos cânones ideológicos ocidentais. Consequentemente, a qualidade e a originalidade da produção e do debate político-econômico foram ruins, não passando da recitação de slogans vazios.

Durante decênios assistimos a um embate entre dois modelos que o Brasil deveria seguir: o socialista (tendo na União Soviética a principal matriz) ou o capitalista (a referência maior era os Estados Unidos). Foi produzida ampla literatura — geralmente de qualidade sofrível. Nenhum dos dois lados conseguiu identificar que o Brasil teve uma história muito distinta. O desenvolvimento de um capitalismo tardio na periferia deu ao nosso pais tarefas e problemas a serem enfrentados que não eram os mesmos dos modelos apregoados pelos repetidores do liberalismo ou do marxismo.

O Estado forjado pela Revolução de 1930 passou a ter decisiva presença na economia devido a uma necessidade histórica. Não havia capitais privados para o enfrentamento das tarefas indispensáveis ao desenvolvimento nacional. Sem isso, o Brasil continuaria um país de segunda classe. O problema foi que, de um lado, os marxistas idealizaram este processo fechando os olhos para, entre outros problemas, o empreguismo e a corrupção. Por outro lado, os liberais demonizaram o intervencionismo estatal como se não houvesse distinções radicais entre a formação histórica brasileira e a estadunidense. Apesar do oportunismo marxista, isto não alterou em nada a ação repressiva estatal contra eles próprios. Também em relação aos liberais, seus pregoeiros silenciaram (quando não apoiaram) as ditaduras (tanto a militar como a do Estado Novo, ambas sob forte influência do positivismo).

Este processo de esquizofrenia política foi se acentuando no fim do século passado. A queda do Muro de Berlim poderia ter conduzido a uma revisão do pensamento marxista (e seus assemelhados) e do liberalismo. Mas não. O primarismo analítico permaneceu. Os marxistas mantiveram o antigo inimigo (o imperialismo americano) e adaptaram sua visão de mundo tendo no velho caudilhismo latino-americano — agora recauchutado — o pilar principal de atuação política. No caso brasileiro — como o caudilhismo clássico nunca foi um elemento dominante — restou dar a Lula este papel, com nuances, claro, dada a distinção entre a formação social brasileira e a América Latina de colonização espanhola. Já os liberais adotaram como referência as ações desenvolvidas nos Estados Unidos e na Inglaterra nos governos Reagan e Thatcher, como se o capitalismo tupiniquim fosse similar ao daqueles países.

Em meio a este terreno coalhado de néscios, pensar o Brasil na complexa conjuntura que vivemos não é tarefa fácil. Um bom caminho é retomar a nossa história das ideias, ler nossos clássicos, aqueles que pensaram de forma original o Brasil. E desafios não faltam. O que fazer com a Petrobras? Novamente temos de romper o círculo de ferro das soluções primárias. A questão central é entender o que aconteceu com a ex-maior empresa brasileira. Não cabe dizer que tudo o que está ocorrendo não passa de uma conspiração externa e, portanto, deixar tudo como está. Ou afirmar como solução mágica a privatização da empresa fazendo coro com o marido traído que resolveu trocar o sofá da sala. São dois meios de pensar que reforçam a adoção de soluções simples e, geralmente, absolutamente equivocadas. Cabe entender histórica e politicamente como a Petrobras chegou a essa situação e quais os caminhos para retirá-la das mãos dos marginais do poder e seu projeto criminoso antirrepublicano e antinacional.

Da mesma forma, teremos de encontrar os meios para combater a administração Dilma. Tudo indica que viveremos uma presidência sob crise permanente. O governo nem bem começou e já ocorreu um atrito entre a presidente e seu ministro do Planejamento. E é só o primeiro. A bacharel — que durante anos se apresentou como “doutora” em Economia — chegou até a recusar um convite para um banca de doutorado dizendo “não ter tempo para essas bobagens” — vai querer dar seus pitacos, principalmente com o agravamento da situação econômica. E, também nesta questão, temos de fugir da velha polaridade.

A crise política é inevitável. Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Teremos, efetivamente, o grande teste das nossas instituições — o impeachment, em 1992, não passou de um ensaiozinho: chutar cachorro morto, todo mundo chuta. As antigas formas de pensar vão, como de hábito, recitar suas ladainhas, eivadas de estrangeirismo, preconceito e autoritarismo. O desafio vai ser o de encontrar uma saída democrática, original e de acordo com a nossa formação histórica. Pode ser o tão esperado momento de ruptura que estamos aguardando desde 15 de novembro de 1889, quando a República foi anunciada, mas até hoje aguarda, ansiosamente, ser proclamada.
Por: Marco Antonio Villa é historiador Publicado em: O Globo e no site: http://www.marcovilla.com.br/

SEM TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Leonardo Boff descreve episódios históricos inexistentes e ousa travestir a biografia de são Francisco


O estilo é o homem? Sim, e o é para o bem e para o mal. Para o bem, quando a análise revela, por trás das construções sintáticas e figuras de linguagem, a percepção viva de aspectos obscuros e dificilmente dizíveis da experiência humana, que assim emergem da nebulosidade hipnótica onde jaziam e se tornam objetos dóceis da meditação e da ação, transfigurando-se de fatores de escravidão em instrumentos da liberdade. Para o mal, quando nada mais se encontra por baixo da trama verbal senão o intuito perverso de construir uma “segunda realidade” à força de meras palavras, transportando o leitor do mundo real para um teatro de fantoches onde tudo e todos se movem sob as ordens do distinto autor, elevado assim às alturas de um pequeno demiurgo, criador de “outro mundo possível”.

Para demonstrá-lo, pedirei ao leitor a caridade de seguir até o fim esta exposição do sr. Leonardo Boff, conselheiro de governantes e, segundo se diz, até de um Papa, bem como, e sobretudo, porta-voz eminente de uma “teologia da libertação” onde não se encontra nenhuma teologia nem muito menos libertação:

“A pobreza não se restringe ao seu aspecto principal e dramático, aquele material, mas se desdobra em pobreza política pela exclusão da participação social, em pobreza cultural pela marginalização dos processos de produção dos bens simbólicos...

“A pauperização gera por sua vez a massificação dos seres humanos. O povo deixa de existir como aquele conjunto articulado de comunidades que elaboram sua consciência, conservam e aprofundam sua identidade, trabalham por um projeto coletivo e passa a ser um conglomerado de indivíduos desgarrados e desenraizados, um exército de mão-de-obra barata e manipulável consoante o projeto da acumulação ilimitada e desumana.

“Essa situação provoca um modelo político altamente autoritário... Somente mediante formas de governo autoritárias e ditatoriais se pode manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos ameaçadores que vêm da pobreza.”

O trecho é extraído do livro E a Igreja se Fez Povo (Círculo do Livro, 2011, p. 167). Tudo o que aí se descreve realmente aconteceu. São fatos, e fatos tão bem comprovados historicamente, que não teríamos como recusar ao sr. Boff um definitivo “Amém”, se não nos ocorresse a idéia horrível de perguntar: Aconteceu onde e quando?

O segundo parágrafo fala-nos de algo que aconteceu na Europa nas primeiras décadas do século XIX: massas de camponeses reduzidos à miséria pelo rateio dos seus parcos bens e obrigados a deixar suas terras para vir à cidade compor um “conglomerado de indivíduos desgarrados e desenraizados”, reservatório de mão-de-obra barata para a prosperidade dos novos capitalistas. Karl Marx descreve em páginas que se tornaram clássicas a formação do proletariado urbano com os destroços do antigo campesinato, no começo da Revolução Industrial.

Mas justamente onde isso aconteceu não aconteceu nem pode ter acontecido o que se descreve no parágrafo anterior: a “pobreza política pela exclusão da participação social” e a “pobreza cultural pela marginalização dos processos de produção dos bens simbólicos”. Bem ao contrário, a vinda dos camponeses para as concentrações urbanas coincidiu com o advento das eleições gerais, não apenas convidando mas forçando a participação das massas numa política que lhes era totalmente desconhecida no tempo em que viviam no campo, isoladas dos grandes centros. E coincidiu também com a criação da instrução escolar obrigatória, que extraía os filhos dos proletários das suas culturas locais provincianas para integrá-los na grande cultura urbana da razão, da ciência e da tecnologia, substancialmente a mesma cultura das classes altas, dos malditos capitalistas. Pode-se lamentar a dissolução das velhas culturas locais, mas ela não aconteceu pela exclusão e sim pela inclusão das massas na vida política e na cultura urbana.

A “exclusão da participação social” e a “marginalização dos processos de produção de bens simbólicos” aconteceram, sim, mas a centenas de milhares de quilômetros dali, em países da África, da Ásia e da América Latina que viriam a ser chamados de “Terceiro Mundo” justamente porque neles não houve Revolução Industrial nenhuma, nem portanto integração das massas, seja na política, seja na cultura urbana. O sr. Boff cria a unidade fictícia de um espantalho hediondo com recortes de processos históricos heterogêneos e incompatíveis, ocorridos em lugares enormemente distantes uns dos outros. A única realidade substantiva desse monstro de Frankenstein é o ódio que o sr. Boff desejaria instilar contra ele na alma do leitor.

Mas a fisionomia do monstro não estaria completa sem uma terceira peça, que o sr. Boff vai buscar em outro lugar ainda:

“Esta situação, diz ele, provoca um modelo político altamente autoritário... Somente mediante formas de governo autoritárias e ditatoriais se pode manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos ameaçadores que vêm da pobreza.”

Descontemos a imprecisão vocabular -- “provocam” em vez de “produzem” – e a sintaxe subginasiana: “esta” em vez de “essa” e “se pode manter um mínimo de coesão e se abafam os gritos” em vez de “se pode produzir um mínimo de coesão e abafar os gritos”. Vamos direto aos ponto essencial: é verdade que para controlar as massas esfomeadas surgiram governos autoritários, mas não na Europa da Revolução Industrial nem nos EUA da mesma época, onde justamente iam triunfando as instituições democráticas junto com o capitalismo nascente, e sim, bem ao contrário, em países subdesenvolvidos (ou empobrecidos pela guerra), que, invejando a prosperidade das nações industrializadas, mas não dispondo de uma classe capitalista pujante e criativa, resolveram industrializar-se às pressas e à força por via burocrática, desde cima, por meio do investimento estatal maciço e da economia planificada. Foi essa a fórmula econômica da Alemanha nazista, da Itália fascista e, obviamente, a de todas as nações socialistas queridinhas do sr. Boff. Foi também, pelas mesmíssimas razões, e embora em menor grau, a da ditadura Vargas e a do governo militar brasileiro.

Em suma, se fosse possível juntar o que há de mau nos países mais distantes, nos tempos mais diversos e nos regimes mais heterogêneos, teríamos aí o monstro ideal contra o qual o sr. Boff deseja voltar a ira da platéia. O sr. Boff aposta na possibilidade de que o leitor não repare na superposição postiça de recortes e, impressionado pela soma de maldades, acredite piamente estar vivendo entre as garras do monstro, tirando daí a conclusão lógica de que deve deixar-se libertar pelo sr. Boff.

Nisso, e em nada mais, consiste a “teologia da libertação”. A técnica da superposição é, a rigor, o único procedimento estilístico e dialético do sr. Boff e o resumo quintessencial do seu, digamos, pensamento. Podemos encontrá-la, praticamente, em cada página da sua autoria, onde em vão procuraremos outra coisa.

Já poucas linhas adiante temos outro exemplo, no trecho em que ele usa a figura de são Francisco de Assis como protótipo do revolucionário que ele mesmo pretende ser. O leitor, paciente e bondoso, por favor, siga mais este paragrafinho:

“Tal atitude [a de S. Francisco ao rejeitar os bens do mundo] corresponde à do revolucionário e não a do reformador e do agente do sistema vigente. O reformador reproduz o sistema, introduzindo apenas correções aos abusos por meio de reformas.... O que [Francisco] faz representa uma crítica radical às forças dominantes do tempo... Não optou simplesmente pelos pobres, mas pelos mais pobres entre os pobres, os leprosos, aos quais chamava carinhosamente ‘meus irmãos em Cristo’.”

Francisco aparece aí, pois, como o revolucionário que em vez de servir ao sistema vigente busca destruí-lo e substituí-lo por algo de totalmente diverso. Nem discuto a inverdade histórica, que é demasiado patente. São Francisco jamais se voltou contra o sistema hierárquico da Igreja, mas, ao contrário, fez da sua ordem mendicante o instrumento mais dócil e eficiente da autoridade papal. Para usar os termos do próprio Boff, corresponde rigorosamente à definição do “reformador” e não à do “revolucionário”. Mas o ponto não é esse. A coisa mais linda é que, segundo o sr. Boff, quando Francisco se aproxima não somente dos pobres, mas “dos mais pobres entre os pobres”, isto é, dos leprosos, há nisso um claro protesto contra a hierarquia social. Mas desde quando a lepra escolhe suas vítimas por classe social? Não eram leprosos o rei de Jerusalém, Balduíno IV, e o rei da Alemanha, Henrique VII, filho do grande imperador Frederico II e de Constança de Aragão? Francisco recusaria o beijo ao leproso de família rica? Superpondo artificialmente a idéia da deformidade mórbida à da inferioridade econômica, que lhe é totalmente alheia, o sr. Boff faz do menos anti-social dos gestos de caridade cristã um símbolo do ódio revolucionário, e o leitor, estonteado pela imagem composta, nem percebe que foi feito de trouxa mais uma vez, engolindo como pura teologia católica a velha distinção marxista entre reforma e revolução. Desfeito pela análise o jogo de impressões, a “teologia da libertação” do sr. Boff revela-se nada mais que uma técnica de escravização mental.

Sim, o estilo é o homem. Uns escrevem para mostrar, outros para esconder e esconder-se, lançando, desde as sombras, a miragem de uma falsa luz. Por: Olavo de Carvalho Do site: http://www.dcomercio.com.br/categoria/opiniao/sem_teologia_nem_libertacao

domingo, 11 de janeiro de 2015

A GRANJA DA IGUALDADE


“No meu dicionário, ‘socialista’ é o cara que alardeia intenções e dispensa resultados, adora ser generoso com o dinheiro alheio, e prega igualdade social, mas se considera mais igual que os outros…” (Roberto Campos)

Os ideais igualitários conquistaram sempre muitos adeptos, e infelizmente ainda o fazem. Inexoravelmente, entretanto, são corroídos pela própria natureza humana e desembocam em tiranias. É do que trata o pequeno livro satírico de George Orwell, A Revolução dos Bichos, escrito na época da Segunda Guerra Mundial. O livro ataca o modelo soviético sob a ditadura de Stalin, fazendo um retrato muito fiel através de bichos do que ocorre de fato na tentativa de implantar o comunismo. Aqueles que renunciam à liberdade em troca de promessas de segurança acabam sem nenhuma delas. A utopia conquista através das emoções, mas na hora dos resultados, a irracionalidade cobra um elevado preço, com juros estratosféricos. Como disse Jean-François Revel: “A utopia não tem obrigação de apresentar resultados; sua única função é permitir aos seus adeptos a condenação do que existe em nome daquilo que não existe”.

A fábula se passa na Granja do Solar, onde os animais eram explorados por seu dono. O velho porco Major fez um discurso sobre um sonho que conquistou todos os animais. O homem seria o grande inimigo, o único inimigo, e retirando-o de cena, a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desapareceria para sempre. “Basta que nos livremos do Homem para que o produto de nosso trabalho seja só nosso”, disse o velho porco. Num piscar de olhos, todos seriam livres e ricos. A promessa do paraíso sem esforço. Nenhum animal iria jamais tiranizar outros animais. Todos seriam como irmãos. Todos são iguais. O mundo dos insetos gregários, sonhado por todos aqueles que odeiam o sucesso alheio, e, portanto, as diferenças entre os homens.

Logo uma canção foi criada para transmitir a mensagem igualitária do sonho dos animais da granja. Todos repetiam aqueles versos com profundo entusiasmo, até fanático. O futuro seria magnífico. A riqueza, incomensurável. Para tanto, bastava lutar, mesmo que custasse a própria vida. Sansão, o forte cavalo, era o discípulo mais fiel. Não sabia pensar por conta própria, aceitando os porcos como instrutores, por sua reconhecida sabedoria. Passava adiante o que era ensinado, através da repetição automática, como vemos de fato nos chavões e slogans repetidos ad nauseam pelos comunistas, como por vitrolas arranhadas. A figura de Sansão é o retrato perfeito do idiota útil, que bem intencionado, acaba servindo como massa de manobra dos oportunistas de plantão.

Os animais se revoltaram, e finalmente tomaram o poder da granja. Nada seria tocado na casa, que passaria a ser um museu da revolução. Nenhum animal deveria jamais morar lá. Foram criados sete mandamentos, entre eles: qualquer coisa que andar sobre duas pernas é inimigo; nenhum animal dormirá em cama; nenhum animal matará outro animal; e o mais importante, que todos os animais são iguais. Com o tempo, todos estes mandamentos foram sendo devidamente ignorados pelos novos donos do poder, que os alteravam sem cerimônia alguma.

O leite das vacas, por exemplo, desaparecera. Com o tempo, o mistério foi esclarecido: era misturado à comida dos porcos. Mas o discurso era convincente: “Camaradas, não imaginais, suponho, que nós, os porcos, fazemos isso por espírito de egoísmo e privilégio”. Não, claro. Eles eram os intelectuais, e a organização da granja dependia deles. O bem-estar geral era o único objetivo dos porcos. “É por vossa causa que bebemos aquele leite e comemos aquelas maçãs”. E como não poderia faltar no hipócrita discurso altruísta, usado para dominar os inocentes, há que existir um bode expiatório, um inimigo externo, ainda que fictício, que justifique os abusos domésticos. Logo, se os porcos falhassem nessa nobre missão, o antigo senhor voltaria ao poder, o terrível homem. E isso ninguém queria. Portanto, tudo que os sábios porcos diziam e faziam deveria ser verdade. Era pelo bem da granja!

Durante uma batalha com invasores humanos, os porcos deixavam claro que não era para ter nada de “sentimentalismo”. Guerra é guerra, e “humano bom é humano morto”. George Orwell ataca com veemência a figura de Stalin, mas curiosamente poupa Lênin, que não é identificado facilmente na obra. No entanto, algumas declarações do líder da revolução bolchevique demonstram que esta mentalidade violenta estava presente nele. Lênin disse: “Enquanto não aplicarmos o terror sobre os especuladores – uma bala na cabeça, imediatamente – não chegaremos a lugar algum!”. Seu objetivo era uma guerra civil, e ele deixava claro que este era o caminho que deveriam buscar. Suas palavras eram diretas: “É chagada a hora de levarmos adiante uma batalha cruel e sem perdão contra esses pequenos proprietários, esses camponeses abastados”. Na verdade, não eram tão abastados assim, os pobres kulaks. Mas eram os alvos perfeitos para justificar a guerra civil que os bolcheviques desejavam, para depois tomar o poder completo. Dito e feito.

O Stalin do livro é Napoleão, um porco esperto que criara em segredo uns cachorros amedrontadores. Chegada a hora de assumir o poder absoluto, Bola-de-Neve vira vítima dos cães adestrados de Napoleão, para o terror de todos os animais que olhavam a cena. Bola-de-Neve seria o Trotski no livro, iludido pela revolução, mas depois enganado. A história é totalmente reescrita por Napoleão, que transforma Bola-de-Neve num espião, que desde o começo da revolução trabalhava para o inimigo. As regras mudam, as votações acabam, e as decisões passam a ser tomadas por uma comissão de porcos, presidida por Napoleão. Isso tudo é passado aos animais como um grande sacrifício de Napoleão, tendo que carregar o fardo da responsabilidade, em prol do bem-geral. Era isso ou o retorno do homem malvado. Esse “argumento” era infalível.

Dá-se início a um verdadeiro culto de personalidade, como costuma ocorrer em todos os países socialistas. Napoleão passa a dormir na cama, ignorando um dos mandamentos da revolução, que passa a contar com um adendo que diz que nenhum animal deve dormir em cama com lençóis. O mandamento de que nenhum animal mataria outro foi substituído, após uma chacina de alguns dissidentes do regime, para outro onde nenhum animal deveria matar outro sem motivo. Ora, não foi difícil, com tanto poder, achar motivos para justificar o massacre de Napoleão. A miséria se abateu sobre a granja, mas os porcos comiam cada vez melhor. O cavalo Sansão trabalhava cada vez mais, convencido de que Napoleão estava sempre certo. Acabou doente de tanto cansaço, e foi levado para um abatedouro, sem piedade alguma por parte do “grande líder”.

Os sete mandamentos davam lugar a apenas um agora: “Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros”. Os porcos ligados a Napoleão passaram a negociar com os homens de outras granjas vizinhas, algo totalmente condenado na revolução. Passaram a beber álcool, também condenado, e aprenderam a andar em duas patas. No fim, era completamente indistinguível quem era porco e quem era homem. Eis o destino inevitável dos igualitários revolucionários. Instalam um regime tão opressor ou mais que o anterior, tudo em nome da granja da igualdade.
Por: Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

sábado, 10 de janeiro de 2015

CINISMO E EMPULHAÇÃO

Nada acontece de repente. Tudo é processo. Por isto recordo um fato mal avaliado por analistas políticos e até mesmo desprezado e criticado: as manifestações ocorridas em junho de 2013 em todo Brasil.

Foi algo impressionante e o estopim foi um movimento de poucos jovens inebriados por um esquerdismo mais folclórico do que fundamentado teoricamente. Eles pediam passe livre apesar de andarem de carro. O que daí decorreu nada teve a ver com ônibus de graça, não era liderado por partidos políticos e não possuía característica ideológica. As multidões foram às ruas para manifestar insatisfação com o governo em múltiplos aspectos.

Em seguida, em meio às manifestações pacíficas apareceram os Black Block, horda composta por bandidos, arruaceiros e a garotada que destrói tudo em nome da esquerda, que ataca símbolos do capitalismo como agências de bancos. Aposto que a moçada, como o ditador da Coreia do Norte, adoram ir à Disneylândia ou fazer compras e estudar nos Estados Unidos. Em todo caso, diante da violência plantada estrategicamente as manifestações recuaram. Seria, porém, ingenuidade supor que a insatisfação popular diminuiu.

Outro fato significativo foi a estrondosa vaia e o xingamento que a presidente Rousseff recebeu na abertura da Copa. Um vexame pior do que a vaia sofrida por Lula nos jogos Pan-americanos. Esporadicamente ela continuou sendo vaiada em lugares aonde ia levar suas “bondades” de campanha.

E veio a campanha. A situação econômica péssima com o Brasil quebrado pela senhora presidente, enquanto eclodia o escândalo da Petrobras, mãe de todos os escândalos já havidos no Brasil depois do mensalão. Mesmo assim, João Santana, o Goebells do PT, avisou que Rousseff ganharia de lavada no primeiro turno, pois os anões tenderiam ao canibalismo.

Tal não aconteceu e veio o segundo turno entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, depois da destruição moral da candidata Marina Silva. Os canhões petistas, então, se voltaram contra Aécio e foi um festival de acusações, de infâmias, de mentiras. Segundo o PT, Aécio acabaria com a bolsa esmola, os direitos trabalhistas, poria no ministério da Fazenda um monstro chamado Armínio Fraga, jogaria o povo na miséria. Nunca antes nesse país houve uma campanha tão sórdida, tão suja, tão abjeta. Desesperado o PT fez o diabo para não perder o bonde do poder.

Rousseff ganhou por pouco. Por pouco Aécio perdeu em Minas. Lula perdeu feio em São Paulo, seu berço político, assim com Rousseff em Porto Alegre e em Brasília. O PT diminui a bancada na Câmara, perdeu governos em Estados importantes.

Há, porém, um fato importante ainda não comentado. De modo inédito em campanhas as pessoas tomaram posição de forma clara e se instalou com firmeza o petismo e o antipetismo. Há uma probabilidade do sentimento antipetista se acentuar diante da inflação crescente, da queda da renda, do desemprego que começa a mostrar suas garras, das contradições do governo Rousseff que já cortou benefícios previdenciários e trabalhistas fazendo o que acusava levianamente seus adversários de fazer caso ganhassem.

Finalmente, depois de muitos adiamentos o ministério foi composto. Não passa de um balcão de negociação de votos no Congresso. Longe do mérito e da competência muitos dos nomeados têm folha corrida e não curriculum. O grosso dos agraciados ignora o que fazer no cargo e terá apenas por missão executar o que sua mestra mandar. No meio da chusma aliada uma exceção com base no mérito: Joaquim Levy, originário do governo Fernando Henrique Cardoso, que será o Armínio Fraga da Dilma. Levy tentará tirar a economia do buraco e, assim, preparar a volta de Lula em 2018 numa situação econômica menos caótica. Este, como sempre empoleirado no palanque já se compõe com uma “frente de esquerda” que lhe dará total apoio. No seu próximo governo, provavelmente, o baderneiro Guilherme Boulos, líder do MTST, será um ministro importante ou comandará os conselhos populares.

E veio a posse. Havia militares e militantes. Estes buscados em vários Estados e trazidos em muitos ônibus. Um sanduíche, um refrigerante e as bandeiras vermelhas se agitaram à passagem da reeleita. O povo praticamente esteve ausente da patuscada.

Menção especial deve ser feita ao discurso de posse que impressionou pelo cinismo e pela empulhação. Uma ficção de mau gosto sobre o paraíso Brasil, obra do PT onde a pobreza acabou e o pleno emprego deixa a todos imersos em felicidade. Uma dádiva que devemos agradecer de joelhos ao criador e a criatura. Falou-se em misteriosos inimigos externos, em combate à corrupção, etc., até que o delírio oratório culminou no slogan: “Brasil, pátria educadora”. Educadora com Cid Gomes? Parece piada de salão, como diria o mensaleiro Delúbio Soares. Infelizmente, nunca fomos tão parecidos com uma republiqueta das bananas.
Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

DEFORMIDADES MENTAIS

Os comunistas travestem a realidade. Foi apenas lançando mão desse recurso que o caso Bolsonaro se tornou "mais importante" que o escândalo da Petrobras

Pelo menos desde os estudos de François Furet, que datam de duas décadas atrás (especialmente Le Passé d’une Illusion, 1995), já não é permitido a nenhuma pessoa intelectualmente responsável ignorar que a formação comunista não introduz apenas algumas crenças falsas na mente humana, mas deforma gravemente a sua percepção da realidade em geral, nas grandes como nas pequenas coisas, na esfera da política e da História como na da moral e dos sentimentos.

Isso transparece em praticamente qualquer atitude pública de um líder ou militante comunista, mas com diferentes graus de nitidez. Em certos casos é preciso escavar fundo, em outros a deformidade se evidencia logo ao primeiro exame, só permanecendo invisível ao próprio indivíduo que a ostenta e aos membros do seu círculo que padecem do mesmo handicap.

Como é regra geral entre psicopatas, bem como entre os histéricos que os imitam, os comunistas não revelam suas verdadeiras intenções quando estão com medo, mas quando se sentem seguros contra um inimigo minoritário que lhes parece indefeso o bastante para ser estraçalhado sem grande dificuldade. Encorajados pela vantagem numérica, passam da desconversa escorregadia à ostentação do ódio mais descarado e inumano, sem medo de ser felizes com a desgraça alheia.

Por isso, entendo que a amostra mais reveladora da política brasileira nos últimos tempos não é o Petrolão, mas o caso Bolsonaro. A própria diferença de proporções entre um escândalo mundial e uma intriga de galinheiro já implica que num deles os sintomas apareçam com mais clareza. Se no primeiro o que se observa é uma corrida desperada aos subterfúgios, às desculpinhas e ao confusionismo mais alucinante, no segundo cada novo assanhadinho que acrescenta sua voz ao coro dos decapitadores se esmera em exibir, não só com despudor, mas com orgulho obsceno, toda a feiúra e sujeira da sua alma.

O mais recente deles foi o comentarista de futebol e política, Juca Kfouri, que, no intuito de criminalizar per fas et per nefas o deputado da direita, modificou a frase ofensiva dita à deputada Maria do Rosário e bem documentada em vídeo, de “Jamais estupraria você porque você não merece”, para “Só não estupro você porque você não merece”, transformando um sarcasmo cruel, mas inócuo, numa apologia do estupro, se não numa ameaça de cometê-lo. Kfouri, com toda a evidência, não julga Bolsonaro pelo que este disse, mas pelo que gostaria que ele tivesse dito para mais facilmente poder condená-lo.

Raras vezes a má-fé de um caluniador se revelou de maneira tão escancarada. Confiram aqui. Se existisse no jornalismo brasileiro um pingo da tão propalada “ética”, o autor dessa fraude abjeta, caso não pedisse desculpas ao ofendido, seria expulso da profissão a cusparadas.

Na mesma semana, a deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) afirmou que “quando ele (Bolsonaro) diz que Maria do Rosário não merece ser estuprada, diz subliminarmente que algumas mulheres merecem e que ele é sim um potencial estuprador”. Vejam aqui. Como já expliquei aqui, o verbo “merecer” foi usado pelo deputado para insinuar, de maneira canhestra e, a meu ver, com patente injustiça, que a ofendida não tem os dotes físicos requeridos para despertar desejo em estupradores ou em qualquer homem que seja.

A sra. D’Avila transfigura o gracejo de mau gosto numa afirmação literal de que algumas mulheres merecem realmente sofrer violência sexual. Mas, se foi isso o que o deputado quis dizer, por que excluiria desse destino brutal justamente a mulher que naquele momento ele desejava hostilizar, reservando o “mérito” para as que nada haviam feito contra ele? Isso seria um anti-insulto completamente vazio, um flatus vocis sem nenhum poder de fogo. A interpretação que a sra. D’Avila faz do episódio revela a mesma sanha kfouriana de forçar a semântica para dar às palavras do deputado a acepção de uma ameaça criminosa, não recuando nem mesmo ante o ilogismo mais gritante. A incapacidade de perceber sarcasmo é às vezes sintoma de doença mental, às vezes prova de analfabetismo funcional. Em qualquer dos dois casos, como pode a sra. D’Avila estar qualificada para sondar “intenções subliminares” numa frase cujo sentido e cujo tom lhe escapam tão completamente? Como aceitar que tão ostensiva demonstração de inépcia lingüística habilite sua autora a bancar a psiquiatra forense?

Não é a primeira vez que o deputado é alvo de ataques desse tipo, tão odientos quanto despropositados. Um cartaz do PT, recentemente distribuído pela internet, responsabilizava-o moralmente pelos cinqüenta mil estupros registrados no Brasil (número que discutirei num artigo vindouro), sem explicar, é claro, como os rigores da legislação anti-estupro exigida pelo sr. Bolsonaro poderiam ter produzido tão paradoxal resultado.

Fiel a essa lógica invertida, a sra. Jandira Feghali, do PCdoB, não só xingou novamente o deputado de “estuprador”, sem apontar quem diabos ele teria estuprado, como também pediu a cassação do seu mandato pelo crime de haver respondido com grosseria à agressão intempestiva, sem provocação ou motivo, que sofrera da deputada Maria do Rosário Nunes.

Não vejo por que defender o deputado. Pela enésima vez ele vai provavelmente vencer e humilhar seus perseguidores. A própria Manuela D’Ávila reconheceu a inocuidade jurídica do antibolsonarismo organizado, ao declarar que o deputado “se empodera pelas recorrentes absolvições” (sic) – como se absolvições nada valessem face à ciência superior de uma mocinha que mal entende o que lê. E a explosão caluniosa do sr. Kfouri foi causada pela sua frustração diante do fato de que só quatro entre os vinte e oito partidos do Congresso aderiram ao pedido de cassação.

No entanto, é irresistível, diante da estranheza do fenômeno, investigar o que poderia tê-lo causado. É o que farei nos próximos artigos. A coisa é muito mais reveladora do que o leitor pode imaginar à primeira vista.

P. S. -- Eu seria o último a supor que o sr. Kfouri fingiu conscientemente sua indignação ante o que chamou de “covardia” dos partidos não-aderentes. O fingimento histérico não é jamais premeditado: é um modo de ser arraigado e constante, uma segunda natureza: a mente deformada pela auto-intoxicação comunista não precisa deformar-se de novo e de novo para cada encenação subseqüente – o teatro permanece em função ininterrupta, não deixando espaço para que o ator perceba algum hiato entre o personagem representado e a sua condição real de pessoa humana. É por isso que, diante da conduta histérica, falham por completo os critérios usuais de distinção entre a sinceridade e a hipocrisia. 
Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio

"QUEM PROCRASTINA TEM MAIS CHANCES DE FRACASSAR"

REFERÊNCIA EM ECONOMIA CRIATIVA, O BRITÂNICO JOHN HOWKINS DIZ QUE A AGILIDADE É FUNDAMENTAL PARA O SUCESSO - MESMO ENTRE OS PROFISSIONAIS MAIS TALENTOSOS


Desde que cunhou o termo “economia criativa”, em 2001, para designar o grupo de atividades que dependem essencialmente de conhecimento, cultura e imaginação para serem realizadas, o consultor britânico John Howkins tornou-se referência para artistas, escritores, publicitários designers – e todos os demais profissionais que têm o cérebro como principal ferramenta de trabalho. Formado em relações internacionais, com passagens pela Unilever, HBO e Time Warner, Howkins é autor do best-seller The Creative Economy - How People Can Make Money From Ideas (Economia Criativa - Como as Pessoas Podem Ganhar Dinheiro a Partir de Ideias, lançado no Brasil em 2012), um guia sobre direitos autorais e patentes e também um manifesto sobre a importância da criatividade no século XXI.

Em passagem pelo Brasil para divulgar o curso de Mídias Socias Digitais, que começa a ser ministrado pela faculdade Belas Artes em São Paulo no próximo ano, Howkins conversou com Época NEGÓCIOS. O consultor falou sobre a abrangência da cultura criativa – que começa a ganhar espaço mesmo em empresas mais tradicionais –, destacou a dificuldade de alguns gestores de lidar com um novo perfil de profissional e apontou o que pode ser um grande obstáculo das mentes criativas: a tendência à procrastinação. “Quem procrastina tem muito mais chance de fracassar”, diz Howkins. “Independentemente do setor em que trabalhe, pelo menos metade de sua habilidade será medida pela capacidade de fazer coisas com rapidez.” A seguir, os principais trechos da conversa:

Qual o obstáculo mais comum entre os profissionais criativos e por que alguns reclamam da dificuldade de transformar suas ideias em resultados?

As pessoas criativas bem-sucedidas são muito, muito focadas. E, acima de tudo, determinadas. Elas não procrastinam. E isso é algo de extrema importância porque, independentemente do setor em que atue, pelo menos metade de sua habilidade será medida pela capacidade de entregar as coisas dentro do prazo. Quem procrastina tem mais chances de não cumprir prazos e de fracassar. Não adianta ser um arquiteto brilhante, se você não é capaz de entregar um projeto até a data solicitada pelo cliente. A procrastinação é uma tendência comum a todas as pessoas, mas, talvez, seja algo mais corriqueiro entre pessoas com mentes criativas ou aquelas que enxergam seu trabalho como uma arte. A procrastinação pode ter resultados terríveis. É como o bloqueio de um escritor ou mesmo a depressão, que te impede de fazer coisas.

É possível livrar-se desse hábito?

O motivo principal para deixar para depois algo que poderia ser começado agora, eu presumo, é o medo de falhar em executar aquilo que sua mente sonhou. Se você tem uma folha em branco, ela é apenas uma folha em branco e é possível imaginar que você será capaz de criar qualquer coisa a partir dela. Mas depois que você começa a executar uma tarefa, a pintar na folha, a colocar números e ideias para um relatório, qualquer coisas, a folha passa a ser um retrato de seu trabalho, é como se fosse uma mostra da sua capacidade de fazer as coisas. A folha em branco pode ser perfeita. Mas a folha com sua arte, sua escrita, seu projeto, talvez não seja. A procrastinação pode vir do medo de assumir riscos, de errar. Não é possível fazer nada sem correr riscos. É preciso dar a cara para bater. Independentemente do resultado, no mínimo, vocês está tendo a oportunidade de se aperfeiçoar para fazer melhor da próxima vez.

Então a execução da tarefa é mais importante que o próprio resultado? Significa que é melhor fazer de qualquer maneira a não fazer?

Não é isso. Artistas costumam dizer que todo o trabalho é apenas um ensaio para o próximo.

Mas em todos os trabalhos deve existir o comprometimento com a qualidade. Artistas – e eu uso a palavra artista para falar de todos os profissionais que precisam trabalhar com criatividade – estão sempre olhando em volta, andando para lá e para cá, tentando tirar ideias de qualquer lugar para tornar seu trabalho mais interessante, mais bonito, mais satisfatório. Quando eles param de fazer essa busca, eles ficam repetitivos e começam a minguar. Há duas palavras-chave para nortear os profissionais criativos: "aprender" e "adaptar-se". A busca pelo aperfeiçoamento deve ser constante, mas não se pode ter medo de arriscar ou mesmo de errar. Isso faz parte do processo. Até mesmo Steve Jobs, que é reverenciado como o empreendedor mais bem-sucedido dos últimos 20 anos, cometeu erros durante sua vida. No início dos anos 80, ele foi demitido da Apple por uma série de conflitos de ideias com outros executivos. Então, ele fundou a NeXT e errou lá. Aí, ele comprou a Pixar por um preço bastante baixo, e ajudou a fazer da Pixar o que ela é hoje. Os artistas e profissionais que nós amamos e admiramos são aqueles que se arriscam e também erram, às vezes.

Mas não é tão simples arriscar. Nem todos os chefes são tolerantes ao erro e nem todas as companhias incentivam os profissionais a fazerem as coisas de forma diferente. Errar pode custar caro às empresas. Como conciliar a necessidade de liberdade para criar e a responsabilidade com resultados financeiros?

Cometer erros não é bom. Mas os gestores, as pessoas mais experientes estão ali justamente porque deveriam ter a capacidade de ajudar os profissionais a fazer a coisa certa, sem precisar reprimir ideias. O bom chefe não deve dizer: “Você errou. Nunca mais tente fazer algo diferente.” O bom gestor, ao contrário, é aquele que consegue, a partir da falha de um funcionário, ajudá-lo a aprimorar as capacidades. Pisar na bola faz parte do processo criativo e isso não pode impedir alguém de tentar de novo.

O sr. já afirmou que a liberdade é fundamental para a criatividade. É possível ter boas ideias em ambientes autoritários?

A criatividade pode brotar de qualquer lugar. As pessoas são capazes de criar mesmo privadas de sua liberdade. Aleksandr Solzhenitsyn escreveu coisas extraordinárias a partir de sua passagem pela prisão (dissidente do regime soviético, o historiador Solzhenitsyn, Nobel de literatura, usou de sua trajetória nos gulags, a prisão de Stalin, para criar obras como Um Dia na Vida de Ivan Denisovich e Arquipélago Gulag). Mas uma coisa é a criatividade individual, outra é a cultura criativa. É difícil que exista cultura criativa em ambientes autoritários. Para que as atividades criativas possam aflorar e se sustentar é preciso que as pessoas tenham liberdade política e social e que exista um certo nível de riqueza no país. A economia criativa depende também que a sociedade, de maneira geral, esteja disposta a por a mão no bolso e pagar pelo trabalho de designers, de arquitetos e de artistas.

A economia criativa é associada a determinadas atividades. Mas o espaço para a criatividade nos negócios está restrito a essas áreas?

A dança, as artes plásticas, o design, a publicidade e toda a indústria de entretenimento no geral, incluindo cinema e literatura, são o que chamo de indústrias nomeadas. Aquelas nas quais é fácil enxergar a importância da criatividade. Mas o setor de tecnologia também tem um peso importante. De qualquer maneira, é importante colocar que a criatividade não está apenas nesses setores. É muito mais abrangente. É preciso considerar os princípios da economia criativa para mudar atitudes e o jeito de pensar. Os profissionais de diferentes perfis que mais tentarem desenvolver a habilidade de criar e também as empresas que melhor souberem lidar com esses profissionais serão também as mais promissoras no longo prazo.

Por que, afinal, a criatividade tornou-se tão relevante neste século?

A criatividade é chave da inovação. Ao aliar criatividade aos procesos produtivos, é possível desenvolver bens de maior relevência para as pessoas e com maior valor agregado.

Hoje, fala-se muito no iPod como resultado de uma atitude criativa e a Apple é muito bem-sucedida dentro desse conceito. Mas, lá atrás, muitas outras empresas já faziam uso da criatividade para ganhar importância e tornarem-se referência em sua área de atuação. Na verdade, toda a história da indústria de aparelhos eletrônicos está ligada à criatividade e ela foi fundamental para o crescimento das empresas japonesas durante os anos 70 a 90. Um exemplo disso foi o Walkman, que deu relevância não apenas a Sony mas a muitas empresas japonesas em sua época. Os consumidores mudam, a cada período querem coisas mais bonitas, com mais funcionalidade e não é possível fazer isso sem usar criatividade. As empresas de qualquer setor que não perceberem isso não terão como sobreviver.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O LÁPIS: UMA "MILAGROSA" CONQUISTA DA HUMANIDADE


“Se o indivíduo busca satisfazer seu próprio interesse num contexto de respeito à propriedade privada e às trocas efetuadas no mercado, estará fazendo o que a sociedade espera que ele faça.” (Mises)

Uma das obras mais famosas do criador da Foundation for Economic Education (1946),Lenonard Read, é “I, Pencil”. Um trabalho curto, de linguagem simples, mas com uma mensagem brilhante. A obra ganhou maior visibilidade através da divulgação pelo Nobel em economia, Milton Friedman. Tentarei passar pelos principais pontos da obra, de forma simplificada.

Peguem um lápis simples, aquele ordinário pedaço de madeira, com uma grafite em uma ponta e uma borracha presa a um metal na outra extremidade. Utensílio comum, familiar a todos aqueles que sabem escrever e ler. Esse simples objeto, que ninguém parou para refletir sobre suas nuanças, contém mais informação do que se imagina. Sua estória é interessante, e ele contém mais mistério que muitos acontecimentos naturais, apesar de todos o tomarem como algo dado e pronto. O lápis simboliza uma “milagrosa” conquista da humanidade, justamente por ser tão complexo e simples ao mesmo tempo, sem falar da incrível utilidade.

Em primeiro lugar, será que o lápis é tão simples mesmo? Talvez seja espantoso, mas nenhum indivíduo da Terra sabe como fazer um lápis! Da mesma maneira que ninguém consegue avançar muito em sua árvore genealógica, seria impossível nomear e explicar todos os antecedentes do lápis. Sua família começa de fato numa árvore. Mas daí em diante, imagine todas as pessoas envolvidas nas infinitas habilidades de fabricação do aço e as máquinas necessárias para fazê-lo, nas minas de minério necessário para a grafite, em todos os mecanismos de extração, logística, residência para os trabalhadores etc. A lista seria infindável, pois estamos falando de todo o processo evolutivo da humanidade. O lápis é somente o produto final após um longo processo produtivo, envolvendo milhões de pessoas e séculos de progresso.

Agora ficou mais claro que ser humano algum é capaz de produzir sozinho um simples lápis. Na verdade, milhões de indivíduos tiveram participação em sua criação, sendo que ninguém sabia muito mais que outros no processo. Trata-se de um acúmulo de informações infinitas, onde ninguém sozinho foi capaz de influenciar muito mais em know-how que qualquer outro, se contemplado a totalidade do processo desde os primórdios.

E agora vem o mais importante: esses milhões de indivíduos envolvidos indiretamente e inconscientemente nesse processo não sabiam ex ante da criação final do lápis. Estavam apenas lutando para trocar seu pequeno conhecimento específico pelos bens e serviços que demandavam. A criação do lápis não havia sido planejada, ela simplesmente ocorreu! E por trás dessa bela criação estava nada mais que os desejos individuais de cada pessoa, mesmo que o produto final seja de uma utilidade incrível para a humanidade.

Há na criação do lápis uma total ausência de um master mind, um idealizador ou criador único que teria concebido sua idéia. Na verdade, o que “fabricou” o lápis foi uma “mão invisível”, e isso o torna tão misterioso. Da mesma forma que ninguém pode fazer uma árvore, ninguém poderia fazer um lápis sem esta “milagrosa mão invisível”. E o lápis não passa de uma combinação de milagres, sendo que a árvore, zinco, cobre, grafite e outras coisas naturais não são mais extraordinários que a configuração da criativa energia humana. Os esforços individualistas de cada agente acabam sendo uma grande criação coletiva da humanidade, que não precisou ser imposta por uma cúpula de sábios.

Uma vez cientes desse “milagre” que é a criação de um simples lápis, fica mais claro porque é tão importante salvarmos a liberdade individual. Precisamos deixar essa “mão invisível” atuar, sem grosseiras intervenções de um centro de poder, leia-se governo. Através dos interesses individuais de cada ser humano, que utilizará seu conhecimento limitado naturalmente, teremos automaticamente arrumado a humanidade num criativo e produtivo padrão em resposta às necessidades e demandas de cada um. Para isso é condição sine qua non a existência da fé em pessoas livres, não em um “messias” clarividente. O capitalismo liberal é a organização espontânea da sociedade, diferente da tentativa imposta de cima para baixo, do socialismo.

Quando o governo assume o monopólio de diversas atividades, as pessoas passam a assumir, sem questionamento, que essa tarefa seria impossível de ser realizada de forma livre pelos indivíduos. A razão é evidente: cada um reconhece que não seria capaz de realizar aquela tarefa sozinho. Mas nós já sabemos disso, e o que torna um processo factível não é seu conhecimento individual, mas sim o somatório de milhões de pequenos conhecimentos. Basta confiar nos indivíduos, e dar liberdade para eles. O resultado será muito mais eficiente.

Compare-se isso com o que aconteceu na antiga União Soviética. A Gosplan, um dos infinitos aparatos estatais do Partido Comunista, tinha a árdua tarefa de administrar o preço “justo” de milhares de itens, incluindo diversas commodities. Eram inúmeros modelos econométricos super complicados, tentando prever a oferta e demanda ao mesmo tempo que fixando o preço. Isso é simplesmente impossível. Conseguiram fixar o preço artificialmente e limitar a oferta devido a falta de incentivo à produção, mas não terminaram com a demanda, natural do homem. O resultado foi uma escassez generalizada, levando a população ao desespero. Tudo isso por tentarem controlar um processo que deveria ser natural.

Todo tipo de planejamento rígido focando no futuro distante estará fadado ao insucesso, por basicamente dois motivos: 1) a natureza não é constante, mas está em pleno avanço e mutação; 2) nem mesmo se fosse possível juntar todo o conhecimento disponível hoje em um único indivíduo, ele seria capaz de antecipar tais mutações. Agora imaginem juntar apenas o conhecimento de umas dezenas de burocratas para definir o futuro de toda uma nação! O caminho correto para o progresso da humanidade pode ser encontrado na criação de um simples lápis: deixar que a “mão invisível” faça seu milagroso trabalho. *

* Em How the West Grew Rich, Nathan Rosenberg e L. E. Birdzell mostram que a principal causa da riqueza ocidental reside na difusão de poder, na sua descentralização, permitindo que houvesse autonomia, diversidade e experimentação dos novos produtos. Os incentivos que recompensam os acertos e punem os erros foram fundamentais, assim como esta liberdade de experimentar o novo. O processo eficiente de organização exige adaptações, através das tentativas e erros. O planejamento central é justamente o oposto disso, tornando o processo rígido. Seu apelo deriva, além do fator corrupção, de sua simplicidade, persuadindo os políticos que acreditam ter descoberto uma fórmula mágica para o crescimento. Um motivo xenófobo se faz presente também, com a idéia de que os estrangeiros não poderão lucrar com o desenvolvimento nacional. No entanto, o fracasso do planejamento central é inevitável, pois o sistema econômico passa a ser como uma máquina sem vida, sem a capacidade interna de mudar, se adaptar, crescer e moldar seu próprio futuro. O crescimento depende dessas características, possíveis num organismo vivo que reage a incentivos e conta com a flexibilidade adequada para se adaptar.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.
Por: Rodrigo Constantino  Publicado no site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

TESTE DE VIRGINDADE REVOLTA MULHERES POLICIAIS NA INDONÉSIA


A coronel Sri Rumiati segue carreira na Polícia Nacional da Indonésia, mas o dia em que ela fez o teste de admissão em 1984 é um que gostaria de esquecer.

Durante um exame físico obrigatório, uma médica lhe aplicou um chamado teste de virgindade, inserindo dois dedos para determinar se seu hímen estava intacto. "O teste é estressante e vergonhoso para as mulheres", disse Rumiati, que hoje é psicóloga da polícia.

Não adiantou muito o fato de o exame ter sido aplicado por uma mulher. Parecia uma violação, disse Rumiati, algo que não determina a virgindade, não tem equivalente comparável para os recrutas homens e não alcança seu objetivo declarado, que é avaliar a moralidade de uma recruta.

"Você determina a moral de uma candidata a partir de testes de comportamento social ou avaliando os atos da pessoa", disse ela. "Não tem a ver com a virgindade."
Adek Berry/AFP 
Policiais fazem guarda durante protesto em Jacarta; profissionais são submetidas a teste de virgindade

As mulheres que se inscrevem para ser policiais na Indonésia são submetidas ao exame de virgindade pelo menos desde 1965, quando a força policial foi colocada sob o comando dos militares. Mas a questão provocou debate acalorado aqui desde que a Human Rights Watch divulgou um relatório e um vídeo no mês passado com evidências de que essa política continua em vigor.

A organização disse que entrevistou oito policiais, atuais e antigas, e candidatas de seis cidades, incluindo duas que disseram ter passado pelo teste de virgindade neste ano. As mulheres casadas não podem ser policiais.

O chefe da Polícia Nacional disse no mês passado que as recrutas mulheres não são submetidas a testes de virgindade. Mas horas depois, dois oficiais graduados da Polícia Nacional em Jacarta foram citados pela mídia local confirmando que a força policial aplica os testes.

Embora falhar no exame de virgindade não desqualifique uma candidata, ela "pode receber menos pontos se seu hímen não for intacto", disse o general-brigadeiro Arthur Tampi ao jornal "The Jakarta Post".

Grupos locais de mulheres e de direitos humanos pediram o fim dessa prática. No ano passado, o diretor de um departamento de educação na província de Sumatra do Sul sugeriu realizar testes de virgindade em meninas do colegial para desencorajar a promiscuidade e a prostituição adolescente.

Milhares de indonésias foram às redes sociais criticar a ideia, que foi rapidamente rejeitada por autoridades do governo nacional em Jacarta.

A coronel Dede Rahayu, que dirige a Escola de Polícia Feminina em Jacarta, disse que nunca ouviu alguma de suas alunas ou policiais dizer que foi submetida ao teste. As policiais "que disseram ter feito o teste não compreendem o que é um teste de virgindade", disse ela, comentando que todas as candidatas passam por um exame retal e que elas podem ter confundido os dois.

"Ou talvez elas queiram que as pessoas pensem que ainda eram virgens quando entraram na força", disse ela. "Uma mulher solteira que não é virgem é um tabu na Indonésia." 
Por: JOE COCHRANE  DO "NEW YORK TIMES"EM JACARTA, NA INDONÉSIA20/12/2014

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A SEGUNDA MORTE DE ZIDAN SAIF

O caixão de Zidan Saif desceu à sepultura, no povoado de Yanuh, dez dias atrás. Reuven Rivlin, presidente de Israel, participou da cerimônia, honrando a memória do policial como "um dos nobres filhos do Estado". Saif, que deixou a esposa e uma filha de quatro meses, foi o primeiro a entrar na sinagoga de Jerusalém atacada por terroristas palestinos. Alvejado por um tiro na cabeça, morreu horas depois. Ele não era judeu, mas druso, de uma minoria dentro da minoria árabe que perfaz cerca de um quinto dos cidadãos de Israel. Nos próximos dias, o Knesset (Parlamento israelense) deliberará sobre um projeto de lei que, se aprovado, representará a segunda morte do "nobre filho do Estado".


O projeto enviado pelo governo define Israel como o "Estado-Nação do povo judeu". Israel é o Estado Judeu, dos pontos de vista histórico e demográfico. Contudo, do ponto de vista jurídico, Israel assenta-se sobre o princípio da igualdade de direitos políticos, sociais, religiosos e culturais de todos os cidadãos, judeus ou não. A proposta, patrocinada pelo primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, almeja alinhar a lei à história, removendo os alicerces da igualdade de direitos. No meio de um texto aparentemente inofensivo, uma cláusula determina que, diante de sentenças legais dúbias, os tribunais devem usar a nova lei do Estado Judeu como "fonte de inspiração". Atrás disso, está uma antiga ambição maximalista da extrema-direita israelense: a limpeza étnica.

"Os pais fundadores de Israel vislumbraram um Estado cujas naturezas judaica e democrática seriam como uma só", disse Rivlin, criticando o projeto de lei. A harmonia sugerida por Rivlin é, de fato, um delicado equilíbrio assimétrico: na Declaração de Independência que funciona como Constituição de Israel, o polo democrático pesa mais que o judaico. A lei do Estado Judeu pretende deslocar o equilíbrio para o polo oposto, reduzindo a igualdade de direitos ao estatuto de contingência. Nunca antes um governo ousara desafiar a linha vermelha.

O sinal de alerta soou no interior do próprio gabinete de governo. Tzipi Livni, ministra da Justiça, disse que o projeto "joga no lixo a Declaração de Independência". Yaakov Peri, ministro da Ciência, registrou que a lei do Estado Judeu o faz pensar "nos países que adotam a lei da Sharia". Romper a linha vermelha significa abrir as comportas jurídicas para a inundação da democracia israelense. No fluxo de água suja, já flutuam um projeto de lei de revogação de mandatos de parlamentares retoricamente solidários à luta armada contra Israel e um de evisceração da cidadania de acusados de terrorismo, que abrange os familiares do acusado e suspeitos de colaboração com o crime. No fundo, Netanyahu tenta traçar uma fronteira dentro de Israel, separando os cidadãos com cidadania plena (judeus) dos cidadãos com cidadania precária (árabes).

É uma encruzilhada histórica, pois as raízes da legitimidade de Israel confundem-se com a Declaração de Independência. O antissemitismo contemporâneo, que se apresenta revestido com a película do antissionismo, acusa Israel de ser um "Estado de apartheid". A negação permanente dos direitos nacionais dos palestinos configuraria um "apartheid" –mas esse risco ainda pode ser evitado por meio da conclusão de um acordo de paz que divida a Terra Santa em dois Estados. Por outro lado, a destruição do princípio da igualdade de direitos entre os cidadãos israelenses representaria uma mancha indelével: a refundação de Israel como Estado étnico e religioso.

Paradoxalmente, a legitimidade do Estado Judeu repousa sobre a presença da minoria de cidadãos árabes. O ministro da Fazenda, Yair Lapid, entendeu isso, ao formular a pergunta certa: "O que diremos agora à família de Zidan Saif? Que aprovamos uma lei que os converte em cidadãos de segunda classe?".
Por: Demétrio Magnoli   Publicado na Folha de SP

domingo, 4 de janeiro de 2015

IDADE DA PEDRA

É de Zaki Yamani, ex-ministro do Petróleo da Arábia Saudita, uma sábia sentença: "A Idade da Pedra não terminou por falta de pedras –e a Idade do Petróleo terminará muito antes do fim do petróleo". As reservas de hidrocarbonetos não são um valor constante: crescem com o preço do barril. A Idade do Petróleo será encerrada pela substituição do combustível por outras fontes de energia, sob o influxo da elevação dos preços do barril. A estratégia saudita é retardar a diversificação energética, evitando escaladas duradouras de preços. O petróleo barato tem consequências políticas tão relevantes quanto o petróleo caro –inclusive para nós.


Na Opep, os sauditas rejeitaram a proposta de redução da produção. Sob o pano de fundo do boom na produção americana em bacias de xisto, da desaceleração chinesa e da estagnação europeia, a paralisia da Opep reforça a tendência de um ciclo de preços baixos. Descontada a inflação, o barril a US$ 70 de hoje repete preços vistos pela última vez, brevemente, em julho de 2009. Antes, valores inferiores ao atual predominaram durante duas décadas, entre 1984 e 2004. Se a nova tendência de baixa persistir, as placas tectônicas da geopolítica global experimentarão profundos deslocamentos.

A natureza estratégica e as características econômicas da produção de petróleo favorecem a estatização, completa ou parcial, da indústria petrolífera. O petróleo caro é, por isso, uma fonte de poder de regimes nacionalistas e/ou autoritários. Nos ciclos longos de alta dos preços (1974-83 e 2005-14), as rendas abundantes do petróleo estabilizam as elites dirigentes dos países exportadores. O "putinismo" na Rússia e o chavismo na Venezuela ilustram o fenômeno. A inversão do ciclo rompe a precária coesão social, desafiando o edifício da ordem.

No Brasil, a alta dos preços evidenciou a atração exercida pelo petróleo sobre o lulopetismo. A conversão da Petrobras em empresa global foi interpretada como oportunidade de controle de chaves mágicas de poder, nos tabuleiros da política e das finanças. Daí, a troca do regime de concessão pelo de partilha, a capitalização bilionária da Petrobras com recursos públicos e o loteamento partidário de seus cargos de direção. A queda dos preços escancara as dimensões do estrago, cujos sintomas já transpareciam nos espelhos da dívida e do valor acionário da estatal, e ameaça a remuneração dos investimentos no pré-sal.

O fetichismo do petróleo tem amplas implicações. O cosmopolitismo define riqueza como criatividade social, um bem intangível que depende dos intercâmbios com o mundo exterior. O nacionalismo, pelo contrário, identifica a riqueza aos recursos naturais, ou seja, a substâncias físicas confinadas em territórios circundados por fronteiras. Na narrativa nacionalista, o governo exerce a função de defender a riqueza nacional (o petróleo, os minérios, o ouro simbolizado pelo amarelo de nossa bandeira) contra a ganância do "inimigo externo". Os discursos eleitorais do lulopetismo sobre a pátria e o pré-sal inscrevem-se nesse padrão.

Sob o feitiço do petróleo, o governo formulou uma estratégia nacional de defesa que atribui à Marinha a missão de resguardar a "Amazônia Azul", como se a guerra no mar pudesse substituir o conceito de movimento pela proteção estática de uma linha imaginária traçada na água. Hipnotizados pelo pré-sal, abandonamos o programa de biocombustíveis, junto com sua extensa cadeia de inovações. Ofuscados pelo brilho do tesouro enterrado, penduramos uma urgente revolução educacional no fio ainda não tecido dos royalties do petróleo.

O barril a US$ 70 confunde as cartas do baralho russo na Ucrânia, reativa as negociações nucleares com o Irã e anuncia violências na Venezuela. Deveria, ainda, servir-nos de alerta: já passa da hora de encerrar nossa Idade da Pedra política. 
Por: Demétrio Magnoli Publicado na Folha de SP

MAGNÉSIO NO TRATAMENTO DA ARRITMÍA CARDÍACA, HIPERTENÇÃO E DIABETES.

PÁGINA VIRADA

Eric Fair, linguista especializado em árabe, trabalhou como interrogador na prisão de Abu Ghraib, convertendo-se em torturador. Depois, atormentado, passou a escrever sobre a sua história. "Eu fracassei em desobedecer uma ordem indigna, fracassei em proteger um prisioneiro sob minha custódia e fracassei em manter os padrões de decência humana. Comprometi meus valores. Nunca vou me perdoar." A memória, para Fair, é um obstáculo ao perdão. Nos EUA e no Brasil, o Estado almeja fazer da memória o instrumento do perdão. É o caminho seguro rumo ao esquecimento.


O Senado americano publicou extratos de um relatório devastador sobre a política de tortura na "guerra ao terror". Hoje, admite-se oficialmente que o governo de George W. Bush violou leis nacionais e tratados internacionais, erguendo uma rede de centros secretos de tortura em diversos países. Barack Obama declarou que a publicação deveria "ajudar-nos a relegar essas técnicas ao passado". É um gesto de saudação aos valores, antes de enterrá-los na cova da Razão de Estado.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) publicou um relatório sem revelações dramáticas, mas com uma lista dos responsáveis pelas torturas e "desaparecimentos" durante a ditadura militar. A CNV acatou parte da sua missão, contando uma história enviesada, que oculta as vítimas dos grupos de resistência armada, mas insurgiu-se contra a outra parte, recomendando a responsabilização criminal dos torturadores. Em nome da Razão de Estado, o governo brasileiro recepciona a engenharia política da memória e rejeita a exigência moral de produção de justiça.

Os EUA combatiam um inimigo externo: uma organização terrorista amparada pelo Estado afegão. Mesmo assim, na prisão, não existem "dois lados", mas prisioneiros indefesos. "Um homem sem rosto olha para mim do canto da cela. Ele implora por ajuda, mas temo me mover. Ele começa a chorar e grita –mas, quando acordo, descubro que os gritos são meus." Nos pesadelos de Eric Fair, a tortura não tem uma desculpa política. O relatório do Senado evita, decentemente, usar o álibi do "outro lado" para relativizar os crimes de Estado.

No Brasil, não houve guerra e inexistia a figura do inimigo externo. Por aqui, um regime ilegal aterrorizava opositores políticos, desarmados ou armados, por meio do aparelho clandestino de torturas. O propósito não era obter informações sobre ações de terror, mas aterrorizar e calar por meio do exemplo. A expressão "dois lados" é a senha invariável utilizada pelos defensores do "perdão" e do "esquecimento" –isto é, de fato, da cristalização da impunidade. Eles não são capazes de enxergar seu próprio rosto no homem sem face que grita num canto.

"Anistia é esquecimento, virada de página, perdão para os dois lados", proclamou Marco Aurélio Mello. Segundo o ministro do STF, a Lei de Anistia não é uma lei qualquer, passível de revisão constitucional ou anulação parlamentar, mas um pilar sagrado do Estado brasileiro. Na sua fórmula, o "perdão" não é um fruto da memória, mas do "esquecimento". De certo modo, ele tem razão: não existe memória sem sentença –e o "perdão" equivale à absolvição.

Um mês atrás, Eric Fair exibiu fotos das torturas em Abu Ghraib a seus alunos universitários, que reagiram com "gestos vagos" ou "apenas bocejaram". A foto de Vladimir Herzog enforcado em sua cela não provoca mais que isso entre a maioria dos jovens brasileiros. A verdade daquelas imagens só pode se transformar em memória pela mediação de sentenças judiciais. "A menos que esse relatório conduza a processos, a tortura continuará a ser uma opção política para futuros presidentes", prognosticou Kenneth Roth, da Human Rights Watch. O Brasil tortura tanto nas suas prisões porque escolheu o "esquecimento".

"Eu não mereço perdão", escreveu Eric Fair. Bush e Médici, menos ainda. 
Por: Demétrio Magnoli Publicado na Folha de SP

sábado, 3 de janeiro de 2015

O GAMBITO DE BRANDT

Raúl Castro celebra a libertação dos espiões cubanos e os arautos do castrismo, dentro e fora da Ilha, descrevem as notícias históricas como um triunfo do regime de Havana. Até mesmo a blogueira Yoani Sánchez, uma aguda analista, flertou com a narrativa oficial, ainda que para deplorar o desenlace. Contudo, em alguns dias, os agentes de inteligência cubanos perderão a aura de heróis nacionais, desaparecendo na obscuridade, e a fumaça da propaganda se dissipará. O reatamento de relações entre os EUA e Cuba começa a remover o principal fator de legitimação política da ditadura castrista. Barack Obama aplica à Ilha o gambito de Brandt, negando a um regime totalitário o privilégio de identificar a pátria à tirania.


No xadrez, gambito é a oferta de uma peça em troca de uma vantagem posicional. O primeiro-ministro alemão Willy Brandt anunciou, em 1969, a Ostpolitik ("política do leste"), que conduziria ao Tratado Básico de 1972 entre a Alemanha Ocidental (RFA) e a Alemanha Oriental (RDA). No gambito, Brandt renunciou à abordagem conflitiva, propiciando a normalização de relações. Foi acusado de traição, pois o reconhecimento da RDA parecia representar o congelamento da divisão alemã. De fato, porém, os intercâmbios entre as duas Alemanhas expuseram o fracasso do regime comunista ao escrutínio dos cidadãos da RDA. As raízes do levante cívico de 1989, concluído pela queda do Muro de Berlim, encontram-se na aposta da Ostpolitik.

A reedição do gambito não é uma operação maquiavélica, mas um gesto inscrito na moldura das circunstâncias. Pesaram sobre Obama a saúde debilitada de Alan Gross, o técnico americano preso na Ilha, e a decisão latino-americana de convidar Cuba para a Cúpula das Américas. Washington levou em conta a embrionária abertura econômica de Castro e o papel desempenhado pelos cubanos no combate à epidemia do ebola. Entretanto, o cálculo geopolítico está expresso no discurso presidencial: "os países têm mais chances de experimentar transformações duradouras se suas populações não são submetidas ao caos".

Castro optaria pelo conflito eterno, se pudesse. Mas a crise na Venezuela, que se acerca do colapso, converteu-se em elemento decisivo da equação cubana desde a deflagração das reformas de mercado –e acabou empurrando o regime à mesa de negociações com Washington. O relaxamento do embargo confere um novo fôlego à decrépita economia cubana. Em contrapartida, os senhores da Ilha terão que encarar a perda do inimigo indispensável. O espectro do poderoso inimigo externo esculpiu a mentalidade de segurança nacional que paralisa a política dentro de Cuba. A identificação da pátria ao castrismo e da divergência à traição repousa sobre o perene "estado de guerra". Se ele é retirado de cena, a ditadura se vê despida de seu ilusório conteúdo nacional, reduzindo-se a uma indesculpável tirania.

Cuba não é um país, mas uma narrativa histórica. Na Europa, a faca da Revolução Russa cortou a esquerda em duas partes e a longa noite do stalinismo ensinou aos social-democratas o valor da liberdade política. Na América Latina, a narrativa da resistência castrista ao cerco americano funcionou como pedagogia negativa, reforçando as inclinações autoritárias de uma esquerda já emplastrada pelo nacionalismo. Do outro lado do Atlântico, o totalitarismo cristaliza-se na figura repulsiva de Stalin; por aqui, esconde-se sob a fantasia da rebeldia e veste-se com um camiseta de Che Guevara. O gambito aplicado por Obama tem o potencial de inundar a caverna ideológica na qual, há meio século, abriga-se a esquerda latino-americana.

Conheci Havana no tenebroso "período especial", em 1994. Logo, o Pluto e o Mickey passearão no Malecón. Perderemos as imperturbadas paisagens de uma cidade petrificada. Em troca, um sopro de brisa fresca atravessará a América Latina 
Por: Demétrio Magnoli Publicado na Folha de SP

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

RIQUINHOS CONTRA O CAPITALISMO

Estamos às portas de uma das datas mais importantes para o capitalismo: o Natal. Por isso, vale a pena pensar num tema tão íntimo ao espírito natalino: dinheiro.


Falar mal do capitalismo (ou da sociedade de mercado) é uma coisa que todo mundo "de bem" deve fazer uma vez ou outra para atestar sua sanidade mental e sua elegância social. Jantar inteligente, apesar de custar grana, é regado a críticas ao capitalismo feitas por homens e mulheres "que se acham".

É como falar mal do cristianismo: todo o mundo acha legal falar mal da igreja católica.

Não tenho dúvidas com relação aos problemas do mundo da mercadoria: provavelmente, em algum instante no futuro, vai nos destruir.

Não por conta exatamente da mercadoria (aí erram todos os marxistas), mas porque nosso desejo é insustentável e, com as revoluções técnicas e científicas, associadas à democracia de mercado (acessibilidade ampliada aos bens e serviços), nosso desejo é o senhor absoluto do mundo.

O que vai nos destruir é a acessibilidade à felicidade material e ao acúmulo de direitos que tornam a vida muito cara.

Mas existe um fenômeno que acho especialmente bonitinho: ricos contra o capitalismo. Ou ricos (na sua maioria mais jovens) contra ganhar dinheiro.

Ou ricos (de novo, na sua maioria, mais jovens) que querem se dedicar a atividades contra os abusos da publicidade e do capital. Enfim, riquinhos contra o dinheiro.

Muita gente já tentou entender de onde vem essa "pulsão" (ricos têm "pulsão", pobres têm "instintos" –imagino o número de inteligentinhos brincando com seus livros de psicanálise, achando que essa ironia tem algum caráter de preconceito).

Por que alguns ricos se dedicam a combater as ferramentas do capitalismo, ou as ferramentas da livre competição, ou se dedicam à arte com crítica social?

A resposta está além e aquém do que pensa nossa vã inteligência viciada em construir um mundo melhor. A razão para alguns ricos (principalmente mais jovens) se dedicarem a atividades "santas" é apenas uma: eles já têm muito dinheiro e morrem de tédio por isso. Alguns dizem ser consciência culpada. Eu, que sou um cético, acho que o tédio vem antes.

No fundo, sou mais materialista histórico do que os marxistas de butique que assolam nossos centros culturais e revistas inteligentinhas pagas por bancos.

Sim, simples assim. De repente, em meio às suas cruzadas pelo "bem", vão conhecer desertos em Marte (opa! Desculpe, errei o exemplo por alguns séculos no futuro). Mesmo a busca do "bem" pode dar tédio em quem sabe que tudo está ao seu alcance.

Acho incrível que mesmo marxistas não consigam ver os indícios óbvios deixados pelo seu guru: quando você tem a vida fácil, você fica bobo. Quando você tem condições de se achar uma pessoa linda porque nunca viveu contradições materiais concretas (do tipo: falta de comida, falta de luz e água, falta de escola, falta de futuro imediato), acaba acreditando nas suas próprias boas intenções.

O filósofo Adam Smith, um dos fundadores da sociedade de mercado, já dizia no século 18 que a riqueza podia deixar as pessoas mimadas. Isso hoje é fato.

Claro, combater as ferramentas do capitalismo ajuda também a menos gente ficar rica como você, e aí você fica ainda mais rico. A velha ganância tentando impedir a competição, essa deusa cruel que ama o mérito, mesmo sem honra.

Esse mesmo fenômeno de riquinhos aparece na histórica dificuldade de partidos como o PSDB de fazer uma oposição política consistente (espero que isso mude).

A elite costuma achar que brigar é coisa de gente sem berço. De certa forma, ela tem razão. Briga-se apenas quando se precisa de algo, e riquinhos não precisam de nada.

Aos olhos riquinhos, oposição sistemática parece coisa de cachorro babão. A elegância sempre cobra um preço alto em se tratando das relações com o mundo real: a realidade é suja demais para gente chique. E o "bem" é limpinho.

O tédio do dinheiro herdado deveria ser mais levado a sério quando se compara comportamentos entre os mais jovens. A certeza da grana ganha enfraquece a alma. 
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

A ESQUERDA PALACIANA

O Brasil não é para principiantes. Em tese, o “giro ortodoxo” do governo Dilma, personificado em Joaquim Levy, provocaria a configuração de uma oposição pela esquerda


“Vamos fazer a disputa dentro do governo.” O objetivo, definido por Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares (CMP), é uma sentença opaca para os “de fora”, mas uma senha cristalina para os “de dentro”.

A “frente de esquerda” articulada duas semanas atrás numa reunião no Largo São Francisco, em São Paulo, é o veículo para a soldagem de partidos, centrais sindicais e movimentos sociais ao governo de Dilma Rousseff. É, ainda, de um modo menos direto, uma ferramenta da candidatura presidencial de Lula da Silva em 2018.

O conclave contou com representantes do PT e do PCdoB, partidos governistas, mas também do PSOL e do PSTU. No Largo São Francisco, os dois partidos aceitaram a condição de sublegendas informais do PT. Lá estava a CUT, que obedece ao comando lulista, mas também a Intersindical, um pequeno aparelho do PSTU.

A presença do MST, da Via Campesina e da Consulta Popular, três nomes para a mesma substância, inscreve-se no campo do óbvio. Mais relevante foi a participação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e do Levante Popular da Juventude, que emergiram com ambições de autonomia em relação ao lulopetismo.

A Arca de Noé da esquerda adotou uma agenda de manifestações cortada na alfaiataria do PT, cujos destaques são a reivindicação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política e a “defesa da Petrobras”, uma bandeira que deve ser traduzida como a proteção das altas autoridades do governo diante das investigações da Lava-Jato.

Curiosamente, enquanto acusam Dilma de rendição às propostas de política econômica de Aécio Neves, as correntes reunidas no Largo São Francisco desenharam o esboço de um Partido de Esquerda do Planalto.

Duas mãos moveram o berço. A mão visível, de Guilherme Boulos, do MTST, funcionou como álibi para a adesão das correntes que pescam em águas situadas à esquerda do PT. A mão invisível, de Lula, apontou o rumo político da articulação, ancorando-a num porto encravado em sua esfera de influência.

O espantalho convocado como pretexto para a adesão geral são as manifestações pela “volta dos militares”, que atiçam apenas o interesse de um setor ridiculamente marginal da sociedade. O jogo da verossimilhança solicitou a marcação de atos públicos pela cassação de Jair Bolsonaro, um oportuno inimigo do peito, e de repúdio ao golpe militar de 1964, que completa redondos 51 anos.

O Brasil não é para principiantes. Em tese, o “giro ortodoxo” do governo Dilma, personificado em Joaquim Levy, provocaria a configuração de uma oposição pela esquerda. Contudo, desde a ascensão do lulopetismo ao poder, a esquerda tornou-se caudatária do Palácio.

A santa indignação dos “amigos do povo” contra a nomeação de Levy não se desenvolve na forma de uma ruptura política com o governo, mas em pedidos explícitos de compensações. Como esclareceu Lindbergh Farias, um petista que nunca viu motivos para camuflar o oportunismo, “fazer a disputa dentro do governo” significa emplacar “companheiros” em postos relevantes no aparelho de Estado — ou, no caso dos movimentos sociais, obter financiamentos da administração pública.

Kátia Abreu, Gilberto Kassab e Guilherme Afif são novas demonstrações da tese tantas vezes comprovada de que as convicções doutrinárias de nossos liberais conservadores não resistem à oferta de um feudo no condomínio do poder. Na era do lulopetismo, a constatação deve ser estendida a quase toda a esquerda.

O segundo mandato de Dilma, iniciado sob os signos do fracasso e da crise, descortina a farsa em toda a sua amplitude: as lideranças reunidas no Largo São Francisco cumprirão dupla jornada, revezando-se entre manifestações encomendadas e conchavos de gabinete com emissários de Lula.

A “frente de esquerda” certamente atende aos interesses de seus participantes, mas, sobretudo, aos de Lula. O ex-presidente, cuja candidatura a um terceiro mandato surgiu ainda durante a campanha reeleitoral de Dilma, planeja jogar em dois times. Em princípio, alinha-se com o governo do qual é fiador.

Nas semanas difíceis do segundo turno, diante do risco real de derrota, desdobrou-se em conversas com o alto empresariado para oferecer garantias de um retorno à racionalidade econômica. Por outro lado, desde a proclamação do resultado, manobra para desvincular a sua imagem dos efeitos da reorientação da política econômica. Na hipótese provável de erosão acelerada da popularidade do governo, Lula calibrará seu discurso no registro da “crítica pela esquerda”.

Aécio Neves declarou, há pouco, que Levy enfrentará mais dificuldades com o PT que com a oposição. O PSDB, sugere a declaração, estaria pronto a respaldar as “medidas impopulares” que derivam, em linha direta, de tantos anos de uma irracionalidade econômica fundada no cálculo político.

Do ponto de vista de Lula, esse é o cenário ideal para a construção de uma candidatura aureolada pela promessa de retorno aos “bons tempos” de crescimento da renda e do consumo. O ministro da Fazenda faria o “trabalho sujo” do ajuste fiscal, com o apoio tácito da oposição e sob o bombardeio retórico da “frente de esquerda”.

Na sequência, durante a etapa derradeira do governo agonizante de Dilma, Lula ergueria a bandeira dos interesses do “povo”, culpando a “elite” pelos sofrimentos impostos por um “banqueiro”. O longo ato de prestidigitação precisa apenas da colaboração de uma oposição incapaz de fazer política.

Os “amigos do povo” coligados na “frente de esquerda” conhecem perfeitamente a regra do jogo. Todos eles, da esquerda do PT ao PSOL, passando pela CUT e pelo MTST, sabem que operam como marionetes no teatro lulista — e que seus gritos indignados contra um golpe militar tão antigo ou um Bolsonaro tão insignificante são gestos automáticos num espetáculo farsesco. Mas isso já não importa: eles se acostumaram com a subserviência, o preço justo que pagam pela sobrevivência

Demétrio Magnoli é sociólogo  Publicado em O Globo