quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

LUIZ CARLOS MOLION DESFAZ MITOS "VERDES" SOBRE CAUSAS DA SECA


O professor Luiz Carlos Molion, dispensa apresentação. Ele representa a América Latina na Organização Meteorológica Mundial, é pós-doutor em meteorologia, membro do Instituto de Estudos Avançados de Berlim, e leciona na Universidade Federal de Alagoas.

Em palestra que ministrou no dia 19 de dezembro aos produtores da Cooperativa Regional de Cafeicultores de Guaxupé (Cooxupé), o climatologista fez uma previsão de chuvas para os próximos anos.

E mais uma vez refutou a hipótese de as mudanças climáticas e o aquecimento global serem frutos da ação agrícola e industrial, segundo divulgou o site da Correpar. O renomeado climatologista utilizou dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), e mostrou 2014 choveu cerca de 70% da média prevista de 1.400 mm.

Molion defende que a atribuição da seca à ação humana sobre o meio ambiente, especialmente o desmatamento na Amazônia é um mito. “Coisa de ‘ambientalista extremista’”, afirmou. O climatologista desmistificou a importância do desmatamento da Amazônia discorrendo sobre a linha do tempo da metade do século XX até agora, onde foram registrados volumes baixíssimos de chuvas nas décadas de 50 e 60. Segundo Molion, as mesmas tendências se repetem de décadas em décadas.

Em São Paulo, há registros de seca no final do século XIX e no início do século XX, nos anos 30. Por esse motivo, é possível afirmar que não é o homem com suas atividades agrícolas e industriais o responsável pelas grandes mudanças climáticas no planeta. Até mesmo pelo fato de a porção de terra, onde habitamos, representar apenas 29% da massa no planeta, enquanto os oceanos representam 71%. 

A diminuição das chuvas coincide com o período em que o oceano Pacífico esfria ou fica "neutro". Os pluviômetros localizados apontam que há um ciclo de chuvas que dura de 50 a 60 anos.

A cada 25/30 anos chove bem, e nos próximos 25/30 anos chove pouco.

Algumas regiões do país estão passando por um período semelhante ao que houve entre os anos de 1948 e 1976, com menos dias de chuva no ano, e dias mais frios.

Entre os anos de 2015 a 2020, as chuvas estarão abaixo da média de longo prazo, ou seja, a média dos últimos 60 anos.

O que determina as variações climáticas da Terra é justamente a variação cíclica dos oceanos. Esses representam a maior parte da massa do planeta, absorvem bastante luz solar e controlam as chuvas. Quando a temperatura dos oceanos esfria, a atmosfera também esfria, porque é aquecida ou esfriada por baixo. Os oceanos esfriando, evaporam menos água e chove menos. O processo contrário, o aquecimento dos oceanos e em consequência da atmosfera, provoca mais chuvas.

O Pacífico ocupa 33% da superfície da Terra, e por isso exerce grande influência climática nos continentes lindeiros. Quando ele aquece, surge o fenômeno chamado de “El Niño” que traz muitas chuvas para o sul e o sudeste do Brasil. “La Niña” é o processo oposto. Mas, quando o oceano está neutro, não se tem previsão do que pode acontecer. E isso é o que está acontecendo: o Pacífico está neutro desde 2012.

Para analisar as variações climáticas, cerca de 70 boias estão espalhadas pelos mares no mundo todo, e medem as temperaturas das águas em até 1.000 metros de profundidade. Além disso, avançados softwares e computadores também estão dedicados às medições climáticas.

Segundo Molion, o período de chuvas ficará um pouco abaixo da média, e será vantajoso para o café, que não necessita de muita umidade.

Porém, é necessário tomar cuidado com os dias mais secos e frios que estão por vir no meio deste ano.

Tudo isso é bom senso e nada tem a ver com os exageros do aquecimentismo radical, que não pensa na natureza e nos homens, mas tem objetivos ideológicos contrários ao progresso do Brasil e da civilização, observamos nós.
Por: Luis Dufaur edita o blog Verde, a cor nova do comunismo.


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O LADO OCULTO DA LUA

Blefe: 1. Mostrar falsamente confiança ou agressividade para enganar ou intimidar alguém. 2. Mostrar agressivamente os dentes como meio de intimidar outro animal.

- The Free Dictionary

Chantagem nuclear é uma modalidade de estratégia nuclear em que um agressor usa a ameaça do uso de armas nucleares para forçar um adversário a tomar alguma atitude ou fazer algumas concessões. É um tipo de extorsão.
- Wikipédia

Durante a Conferência de Segurança de Munique na sexta-feira, o ministro da Defesa da Grã-Bretanha, Michael Fallon, falou à Reuters sobre um triplo problema. Primeiro ele disse que os russos “podem ter baixado o limiar [de tolerância]” para o uso de armas nucleares. Em segundo lugar, disse que os russos estão “integrando forças convencionais e nucleares de maneira bastante ameaçadora...”. E em terceiro, “em tempo de pressão fiscal eles continuam a gastar na modernização das forças nucleares”. (v. a matéria em inglês UKb concerned over ‘threatening’ Russian nuclear strategy.)

A manchete do Guardian na sexta-feira mostrou uma imagem do presidente russo Vladimir Putin com a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente François Hollande da França. A manchete é “Temor a Vladimir Putin nas capitais da UE diante do fantasma da‘guerra total’”, que inclui um perturbador comentário de um diplomata da UE em Bruxelas dizendo que armar a Ucrânia pode significar o desencadeamento de uma guerra com a Rússia, e a Rússia está fadada a ganhar a guerra.

Eis nosso destino: viajamos uma longa estrada acreditando nas mentiras russas, e agora chegamos. Ajudamos os russos a atingir um novo patamar de supremacia. Ajudamos eles a dar todos os passos para esse caminho. Acreditamos na perestroika e na glasnost. Lisonjeamo-nos ao alegar vitória na Guerra Fria. Mordemos a isca do 11 de setembro e caímos no ataque diversionista dos islâmicos e aqui estamos: incapazes de se opor à Rússia e (como logo veremos) aos chineses. Acerca desse assunto o desertor Anatoliy Golitsyn já nos alertou em 1984 com o livro New Lies for Old [As novas mentiras pelas velhas]:

A estratégia da tesoura daria lugar à estratégia “de um só punho fechado”. Nesse ponto, a mudança na balança político-militar seria evidente para todos. A convergência não se daria entre dois lados iguais, mas conforme os termos ditados pelo bloco comunista. O argumento a favor da acomodação com a força esmagadora e irresistível do comunismo, tornar-se-ia virtualmente irrespondível. Cresceriam as pressões por mudanças no sistema político e econômico americano... Conservadores tradicionais seriam isolados e levados ao extremismo. Eles podem se tornar as vítimas de um novo “macartismo” de esquerda.

T.S. Elliot outrora escreveu sobre a União Soviética em um prefácio para um livro anonimamente escrito cujo título é O lado oculto da lua. O livro é sobre a Polônia oriental sob ocupação soviética após 17 de setembro de 1939. Os invasores russos sujeitaram os civis poloneses a deportações e execuções em massa e confisco de propriedades. Tudo isso esteve escondido sob a face mais visível que era Adolf Hitler, cuja invasão à Polônia no dia 1 de setembro de 1939 havia tido maior repercussão. Da mesma maneira, terroristas árabes começaram uma guerra mais famosa no dia 11/09/2001. Após esse fato, deixamos totalmente de estar a par de quê a Rússia estava fazendo. De novo foi um caso de “o lado oculto da lua”.

É interessante agora ver como a história se repete (e por que ela não deveria se repetir?). Especialmente se tratando de estratégias que podem ser usadas de novo e de novo, sem que ninguém perceba. Fomos manipulados em 1939-45 e fomos manipulados no período 2001-2014. Evidentemente isso não significa que Hitler ou Bin Laden fossem os mocinhos. Apenas nos permitimos gastar todas nossas energias em combater o inimigo menor e perdemos totalmente a noção de quem é o inimigo maior. Pior: esse inimigo maior manipulou-nos de maneiras que são vergonhosas demais para se permitir. De novo fizemos vistas grossas para os preparativos russos que visavam tomar a Europa; isto é, preparativos para tomar vantagem total da nossa distração.

Ano passado Moscou tomou uma parte da Criméia ucraniana. Hoje a batalha se intensifica pelo controle do leste e do sul da Ucrânia. Enquanto as tropas da OTAN chegam de maneira cautelosa em relação à Rússia, há preocupações de que não tenhamos forças suficientes, especialmente se os russos resolverem usar suas armas nucleares táticas. Essas pequenas (porém poderosas) armas mudam qualquer cenário de combate. Uma força convencional sem artilharia nuclear tática não pode com uma força que possui tal artilharia. Esse é um fato que o Ministro da Defesa da Grã-Bretanha observou e que o obrigou a acalmar o empenho dos líderes europeus [em combater os russos].

Enquanto isso na Rússia, propagandas antiamericanas e anti-OTAN seguem um padrão pré-guerra que visa “preparar a opinião pública” para a guerra. Culpam os americanos pela luta em Donbas. Culpam os americanos de tentarem destruir a Rússia. No final das contas, foram as maquinações americanas que derrubaram o presidente legalmente eleito Victor Yanukovych [segundo propagandas]. A ideia tomou tal popularidade, que até mesmo o famoso George Freeman da STRATFOR disse que a derrubada de Yanukovych foi o “mais flagrante golpe da história”. George, pelo visto, jamais entendeu os eventos da ex-União Soviética, tampouco ele entende a situação de Washington. Pergunte a si mesmo honestamente: Obama é um imperialista determinado a destruir a Rússia?

Dificilmente pode-se pensar na ideia de Obama conseguindo fazer algo como derrubar um governo estrangeiro. Isso é risível quando nos damos conta que o número de agentes russos na Ucrânia deve estar na casa dos milhares. E o que a CIA tem na Ucrânia? Talvez eles tenham uns cinquenta agentes, ou talvez uns 200 se você contar os falsos agentes-duplos russos. Por favor, não sejamos tão ignorantes ao ponto de nos equivocar acerca da natureza da realidade ucraniana pós-soviética e o quanto a CIA deve estar em desvantagem em todo o território “outrora” soviético.

Quando observamos o comportamento atual da dita “junta” de Kiev, vemos que eles, não obstante, agem de maneira que corriqueiramente beneficia a Rússia e não a Ucrânia — e menos ainda os Estados Unidos. Com efeito, pode-se pegar uma publicação como a Veterans for Peace e constatar que os perversos vilões corporativos da Monsanto estão tomando a área rural de cultivo da Ucrânia (ou algo do tipo). Pode-se até basear sua análise — como fez Eugene Chausovsky na STRATFOR — na opinião ‘especializada’ de três mecânicos de etnia russa que conheceu numa viagem à noite de trem de Sevastopol para Kiev. “Eles consideraram terroristas os manifestantes acampados na praça central de Kiev [...] completamente organizados e financiados pelos Estados Unidos e pela União Europeia” disse Chausovsky.

E o que devemos dizer da garota ucraniana que, um ano atrás, clamou por ajuda para libertar seu país? “Quero que você saiba porque, disse ela,milhares de pessoas por todo meu país estão nas ruas. Há apenas um motivo. Queremos nos livrar da ditadura... Somos pessoas civilizadas... não uma União Soviética. Queremos que nossas cortes não sejam corruptas. Queremos ser livres.”

Isso é tão difícil de acreditar?

“Sei que amanhã talvez não tenhamos telefone ou internet, e assim ficaremos sozinhos aqui, explicou a garota ucraniana. E talvez policiais nos assassinem aos montes quando estiver escuro. É por isso que eu peço que nos ajudem agora. Temos essa liberdade no coração... Você pode nos ajudar compartilhando isso com seus amigos... Mostre que você nos apoia.”

Evidentemente há muitos ucranianos do leste e do sul que não compartilham de tais sentimentos. No leste da Ucrânia as mentiras russas foram aceitas por medo do desconhecido e de um deturpado orgulho étnico. Obviamente os estrategistas russos não estão de folga na Ucrânia. Os agentes de Moscou têm estado muito ocupado desacreditando aqueles que querem verdadeira liberdade. Ao chamar os manifestantes de Kiev de “nazis” e dizendo que o objetivo deles era matar os de etnia russa, constatamos a desonestidade do “outro” lado. Precisa-se apenas de um momento de reflexão para perceber que não há como existir um movimento na Ucrânia que vise matar pessoas de etnia russa. Na verdade, a diferença entre ucranianos e russos é tão desprezível que tal campanha seria impraticável, senão risível.

A América estava enviando bilhões para ajudar os ucranianos a ganharem sua liberdade? Pode até ser verdade, embora a origem do dinheiro do Ocidente não seja invariavelmente os ‘perversos malfeitores’ da CIA. Muitos no Ocidente preferem uma economia ucraniana livre dos grilhões pós-soviéticos. Muitos querem ver verdadeira liberdade em todos os países do mundo. Contudo, encontramos esse entusiasmo na Casa Branca de Obama? Na verdade, podemos duvidar que a Casa Branca queira qualquer problema com a Rússia. Obama não odeia a Rússia. Ele não faz uma pressão por um enorme rearmamento. Ele nunca foi particularmente resiliente na causa da liberdade dos povos russo e ucraniano. A CIA também não teve um retrospecto positivo operando nessa parte do mundo. Seja quanto for que os milionários deram ou sejam quais forem os conselhos que os diplomatas deram para a Euromaidan, foi tudo de coração (i.e., daqueles que quiseram algo de bom para o povo ucraniano). Entretanto, podemos admitir que essas pessoas generosas nunca entenderam a verdadeira situação na Ucrânia, pois eles provavelmente não entenderam que Moscou sempre viu como ficção uma Ucrânia “independente”. Como explicou David Remnick, “Na cabeça de Putin, a Ucrânia não é uma nação...”, ou como disse Putin a Bush, “Você tem de entender, George. A Ucrânia sequer é um país.”

Esse é um ponto de vista que encontramos até mesmo na obra de Aleksandr Solzehnitsyn. Por outro lado, se você perguntar a um ucraniano do oeste, receberá uma resposta completamente diferente, pois dinheiro nenhum pode comprar essa resposta. Nenhum círculo de conspiradores em Langley ou no porão da Casa Branca poderia evocar essa resposta nas ruas de Kiev. Com efeito, esse movimento foi orgânico na Ucrânia. Não é um produto do dinheiro americano, mesmo que ele tenha sido usado. Declarar que o sentimento ucraniano tem algo de mercenário é mais que ignorância; envolve um cinismo cego e uma prontidão a acreditar nas novas mentiras russas. Peço que o leitor lembre que a América é signatária do Memorando de Budapeste e, portanto, está obrigada a defender a independência nacional da Ucrânia.

Considere também o rotineiro suborno dos oficiais ucranianos pela Gazprom e pelas velhas estruturas da KGB. Quantos milhões foram gastos para comprar políticos em Kiev? Quanto veneno foi usado para destruir aqueles políticos que se recusaram a receber suborno? Em relação a esse assunto: foram os americanos que derrubaram Yanukovych ou foi o Kremlin que derrubou e sequestrou-o porque ele não era o poodle que os russos imaginaram ser? Coloquemos as coisas no devido lugar. Fiquemos de olho em Julia Tymoshenko e seus cúmplices (cujos rastros levam à Gazprom). Dificilmente seria justo dizer, em última análise, que a revolta na Ucrânia foi o resultado de interferência americana. Foi o resultado de décadas de confusão provocada pelos agentes secretos russos e pelas estruturas secretas soviéticas, além de décadas de economia controlada e capitalismo de compadres.

Para se adquirir verdadeiro conhecimento da situação na Ucrânia, é necessário primeiro conhecer algo da história russa e algo da Chechênia (e sobre os primeiros eventos acontecidos na Iugoslávia). A dissolução de um país e a divisão do seu território em dois ou mais campos hostis é uma velha técnica que vem bem a calhar [para alguns]. Os britânicos usaram para governar a Índia. Os russos agora empregam o método para vencer a Ucrânia. Mas não se trata de um simples jogo de “dividir e conquistar”. É muito mais complexo e envolve outros jogos de regiões distantes da Terra. A questão trata-se também de dividir a Europa — especialmente dividir a OTAN. Deixe que tremam alemães, franceses e italianos perante o que a Rússia está preparando. Deixe que eles rompam com os americanos. Deixem que eles tracem o próprio caminho e façam seus próprios acordos. [É disso que se trata.]

Então veja e aprenda no que consiste estratégia. Ela não é simples ou óbvia no começo. Só no fim do jogo que as primeiras jogadas são entendidas. Também é importante que se olhe para outros países do mapa, como a Síria.

Da Ucrânia para a Síria
Marius Laurinavicius é analista sênior no Eastern Europe Studies Center em Vilnius, Lituânia, e sua obra merece atenção especial. No último mês ele escreveu um artigo intitulado “A Rússia de Putin: Vestígios da KGB, FSB e GRU levam ao Estado Islâmico?”. Nele são estabelecidos fatos suspeitos sobre o movimento de ressurgimento wahhabista (islâmico) na União Soviética. O autor nos provê com insights importantes sobre a relação entre Estado Islâmico (EI) e KGB/GRU, incluindo seus objetivos estratégicos; constata-se então que o movimento é uma criação da KGB, modelada nos falsos movimentos anticomunistas de outros tempos e lugares. Assim como na Operação Trust dos anos 1920, os anos 1970 (até os anos 1990) viram a criação de organizações de fachada antissoviéticas controladas pela própria KGB. Elas iam desde a Carta 77 na Tchecoslováquia até o Partido Liberal Democrático da Rússia criado por Vladimir Zhirinovsky.

Criar falsos movimentos de oposição na Rússia é uma jogada antiga. É de se esperar que Moscou criaria um ou mais fronts islâmicos controlados pela KGB. Esses fronts mostraram-se especialmente úteis a Moscou, especialmente se tratando do álibi checheno em 1999 e na situação da Síria atual.

De acordo com Laurinavicius, o EI é parte do plano moscovita. Ele cita detalhadamente uma entrevista feita em 4 de junho de 2013 com Akhmed Khalidovich Zakayev, ex-Primeiro Ministro checheno. Nessa entrevista ficamos sabendo de líderes islâmicos voltando à vida (Dokka Umarov), agentes duplos e complexas provocações. Também ficamos sabendo de islâmicos controlados pela KGB aparecendo na Síria sob a bandeira do Estado Islâmico. Alguém pode perguntar o que isso significa; Zakayev coloca a estratégia de Moscou em perspectiva com a seguinte pergunta: “Você pode imaginar em que posição os líderes ocidentais que tomaram a decisão de suspender o embargo de armas à oposição de Assad ficarão?” Subitamente, terroristas piores ainda aparecem na Síria minando efetivamente a oposição ocidental ao regime de Assad (que por sua vez é controlado pela Rússia).

O entrevistador de Zakayev, supondo que isso fosse uma paranóica teoria da conspiração, perguntou incredulamente se Dokka Umarov estava realmente conectado com os serviços especiais russos. Zakayev respondeu: “Dissemos isso tantas vezes. Em 2007, Umarov declarou guerra à América, Grã-Bretanha e Israel. Antes dessa afirmação Dokka estava sob custódia dos serviços especiais russos, porém foi solto por algum milagre... Umarov está totalmente sob comando dos serviços russos.”

Como explica Laurinavicius em seu artigo, Umarov não emergiu como o aparente líder do EI na Síria. Omar al-Shishani (também conhecido por Tarkhan Batirashvili) era o homem da vez, embora al-Shishani admita que ele tenha vindo à Síria sob ordens de Umarov. Laurinavicius também mostra os antecedentes de Shishani. O homem não era um mero soldado da Georgia que estava combatendo os russos, mas sim um agente terrorista provocador que na verdade estava ajudando os russos a justificar a anexação da Abecásia. De acordo com o pai ortodoxo cristão de al-Shishani/Batirashvili, Tarkhan não foi à Síria por causa de religião, ele apenas quer ganhar dinheiro.

O artigo anterior de Laurinavicius, “A Rússia de Putin: Porque vale a pena reconsiderar as ligações entre o Kremlin e o terrorismo internacional”, também provê informações importantes.

Assim como a Lua, a Rússia tem a face que todos veem e um lado oculto. Hoje em dia essa face não é comunista. Ela finge ser conservadora, talvez nacionalista, e até mesmo pró-cristã. Enquanto isso, o lado oculto da Rússia não é visto. Os princípios que governam a Rússia são negados; eles continuam ocultos e obscurecidos. Resta-nos deduzir esse lado oculto perante alguns fatos a se considerar.

Se quisermos entender a chantagem nuclear que está a se desenrolar na Europa, a sabotagem política ou o terrorismo que vem sendo uma constante desde o começo do século, então precisamos olhar para o lado oculto da Rússia. Lá encontraremos respostas.
Por: Jeffrey Nyquist  http://jrnyquist.com  Tradução: Leonildo Trombela Junior


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

NÃO É MUNIQUE, MAS É VIENA

Amanhã, se tudo der certo, cessa o ruído da artilharia no leste da Ucrânia. O acordo de cessar-fogo, assinado em Minsk (Belarus), está sendo descrito em círculos ultranacionalistas ucranianos como o Munique do século 21. Não é Munique 1938, longe disso, mas seu espírito guarda semelhança com Viena 1955. Alemanha e França, os padrinhos do acordo, inclinaram-se à exigência fundamental de Vladimir Putin e aceitaram traçar uma linha vermelha no mapa da Europa Central. A soberania da Ucrânia tem, agora, um limite oficial, sancionado pela União Europeia.


Munique é o nome da traição das potências europeias: o sacrifício da Tchecoslováquia no altar do apaziguamento de Hitler. Putin reproduz um fragmento do discurso hitlerista, vestindo sua razão geopolítica nos trajes elegantes da proteção dos russos étnicos "onde quer que estejam" –mas o paralelo circunscreve-se a isso. A Ucrânia não foi entregue à Grande Rússia: desde a revolução popular da praça Maidan, Kiev tem um governo pró-europeu e visceralmente anti-russo. A chave da interpretação do cessar-fogo é Viena, um modelo mencionado, entre sussurros, em Berlim, Paris e Moscou.

Na Conferência de Potsdam (1945), como a Alemanha, a Áustria foi repartida em quatro zonas de ocupação. Contudo, desviando-se do caminho seguido pelos social-democratas da zona soviética de ocupação no leste alemão, a social-democracia austríaca rejeitou união com os comunistas, um gesto que asseguraria a unidade territorial da Áustria. Em 1955, um tratado firmado em Viena encerrou o regime de ocupação e garantiu a independência austríaca. A moeda de troca, exigida por Moscou, foi a neutralização do país, consagrada constitucionalmente. Durante toda a Guerra Fria, a Áustria permaneceu à margem da Comunidade Europeia. Até hoje, ela não faz parte da OTAN. Putin almeja um estatuto similar para a Ucrânia.

O governo de Kiev sonha com um acordo final de autonomia limitada para o leste ucraniano e o controle sobre a fronteira com a Rússia. Os separatistas sonham com a independência, seguida pela incorporação à Rússia. Putin pretende evitar qualquer uma dessas soluções. Sua estratégia é perenizar a tensão, congelando em estado de latência o conflito no leste ucraniano, nos moldes aplicados à Geórgia. Por essa via, o czar pós-comunista forçaria o desenlace final: uma Ucrânia neutra por força de lei.

Um ano atrás, na praça Maidan, políticos americanos e altas autoridades europeias prometeram o apoio do Ocidente ao exercício soberano da vontade popular. A Ucrânia, disseram a milhões de manifestantes, teria seu lugar no concerto de uma Europa que não mais se move segundo a lógica das esferas de influência. Minsk é a prova de que falar não custa nada. Putin anexou a Crimeia e fabricou uma guerra separatista nas regiões povoadas por russos étnicos no leste ucraniano. Diante das sanções ocidentais, dobrou a aposta, suprindo os rebeldes com armas pesadas e deslocando forças especiais para o outro lado da fronteira. Na sua visão de mundo, Kiev vale muito mais que uma longa recessão.

O repto russo cindiu o Ocidente. Barack Obama evoluiu da hesitação para o umbral da decisão de equipar o exército ucraniano, na crença de que o espectro da escalada militar provocaria o recuo de Putin. Angela Merkel e François Hollande preferiram retroceder antes, traduzindo as intenções americanas como o prelúdio de uma guerra catastrófica. Os líderes europeus engoliram a seco as palavras solenes, pronunciadas até há pouco, sobre as preciosas diferenças entre o nosso tempo e os séculos 19 e 20. Em Minsk, numa noite de garoa gelada, eles ajudaram Putin a desenhar uma linha no mapa separando a Ucrânia da União Europeia.

A neutralidade ucraniana serve a todos –menos ao povo da Ucrânia, que assiste à dissolução de uma expectativa exagerada. 2015 é 1955.
Por: Demétrio Magnoli Publicado na Folha de SP

domingo, 22 de fevereiro de 2015

THE MASQUE OF ANARCHY

The Masque of Anarchy, de Percy Bysshe, que descreve o desfile obsceno das figuras de poder:

E muitas outras destruições atuadas
Nessa fantasmática mascarada,
Todas disfarçadas até os olhos,
Na forma de bispos, advogados, espiões ou fidalgos.

Por último veio a Anarquia: montada
Em cavalo branco, manchada de sangue;
Até os lábios lhe eram pálidos,
Como a morte no Apocalipse.

E usava uma coroa de rei;
E segurava um certo brilhante;
E, em sua testa, vi esta marca:
"EU SOU DEUS, O REI E A LEI!"

sábado, 21 de fevereiro de 2015

HUMILDADE

A humildade é uma das virtudes mais difíceis na vida. Principalmente porque está fora de moda, confundida com baixa autoestima. Somos ensinados a buscar o orgulho como autoafirmação. Nada mais distante de uma personalidade razoavelmente madura do que o orgulho.

A humildade é uma das virtudes bíblicas. O filósofo judeu Martin Buber, quando elenca em seu maravilhoso "Hasidism and Modern Man" (Prometheus Books), de 1988, as quatro principais virtudes do místico hassídico, coloca a humildade como a máxima entre elas.

O hassidismo é uma escola judaica típica do leste europeu dos séculos 18 e 19, e o termo vem da palavra hebraica "hesed", que pode ser traduzida por "piedade".

As quatro virtudes são: êxtase na contemplação ("hitlahavut"), trabalho ("avodá"), a intenção reta do coração ("kavaná") e a humildade ("shiflut"). Segundo ele, alguém que tem intimidade com D'us (no judaísmo, não se escreve o nome de Deus completo) tem gosto pelo trabalho, seja ele qual for, porque sente que ser parte do mundo é colaborar com ele.

O êxtase é o que acontece com quem vê D'us e sua piedade com frequência. O ato de contemplar D'us -a palavra "hitlahavut", em hebraico, remete ao fogo- "incendeia a alma". A intimidade com Deus leva o místico a não conseguir mentir aquilo que sente e pensa, ele diz. Daí a ideia de um coração reto.

Por fim, a humildade. As três anteriores convergem para o que Buber se refere como a consciência de que D'us carrega o mundo na palma da Sua mão, imagem comum na Bíblia hebraica (o Velho Testamento dos cristãos).

É comum personagens como Davi e Abraão usarem essa imagem ou similares para descrever a relação entre D'us e o mundo. A humildade é marca suprema da alma que se conhece sem mentir para si mesma.

A humildade também pode ser vista como grande virtude e desafio para pessoas distantes de qualquer sensibilidade religiosa, mas que têm grande sucesso na vida.

Se você é alguém que não teve sucesso na vida, dizer que é humilde é mais falta de opção do que qualquer virtude de fato. Por isso, a humildade sempre foi cobrada de grandes guerreiros e mulheres lindas.

O sucesso, seja ele físico, financeiro, intelectual ou "imaterial", sempre foi um desafio: o risco do sucesso é deformar a alma. Sobre isso, basta ver o horror que é o mundo intelectual e seu profundo desprezo (ao contrário do que querem transparecer) pelo "povo".

A chamada "segurança de si" vai melhor com a humildade do que com o self-marketing. Qualquer pessoa sabe que não se pode falar das próprias virtudes, porque o autoelogio é signo de desespero.

A humildade é o manto com o qual a alma virtuosa se cobre e esconde sua face. E isso nada tem a ver com tristeza ou falta de percepção do sucesso. A felicidade, quando verdadeira, é sempre uma forma de generosidade.

Assim como D'us esconde a sua face, segundo o hassidismo, para nos "proteger" de sua grandeza, o virtuoso esconde seu rosto "em chamas", seja ele incendiado por D'us, seja pelo sucesso, para que não saibam que ele está acima do homem comum.

Não é outro o sentido de se dizer, no cristianismo, que Jesus era um humilde. Qualquer homem comum que fosse alçado a condição de D'us seria um miserável orgulhoso.

Porém, existe um outro tipo de humildade, de que não se costuma falar muito, mas que considero tão essencial quanto o que é mais falado no mundo da filosofia moral. Trata-se da humildade da qual fala Freud. Estranho? Nem tanto. Na psicanálise, a humildade é também essencial.

O sábio de Viena dizia que se ele conseguisse levar seu paciente a trabalhar e a amar razoavelmente, estaria satisfeito como psicanalista.

Além do fato de que grande parte dos psicanalistas é tão horrorosamente orgulhosa quanto minha tribo de filósofos e afins (em alguns casos, o orgulho de alguns beira o grotesco), acho que essa fala de Freud não serve apenas para esses profissionais, mas também para os pacientes.

Muitas vezes, se concentrar em conseguir levantar de manhã e trabalhar, conseguir olhar para as pessoas à sua volta e ser generoso, pode ser o maior dos milagres na Terra.
Por: Luiz Felipe Pondé   Publicado na Folha de SP

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

GUERRA DO PARAGUAI

Guerra do Paraguai: uma batalha que será sempre maldita. Mas o Brasil não é vilão

Com sólida base documental e metodológica, o historiador Francisco Doratioto, no livro “Maldita Guerra”, desfaz mitos antigos e recentes e reconstitui o maior conflito armado da história da América do Sul. Morreram mais de 100 mil pessoas. A Inglaterra não tinha interesse na contenda
Companhia das Letras
Francisco Doratioto, autor de “Maldita Guerra — Nova História da Guerra do Paraguai”, que reconstitui o cotidiano das tropas aliadas em uma das guerras mais sangrentas da América

Aquele era um homem incomum. Sob a proteção de seu pai, maior man­datário de seu país, teve uma carreira militar meteórica. Aos 19 anos, já era general de exército, e, aos 23, ministro da Guerra e da Marinha.

Em uma de suas idas a Paris, caiu de amores por uma bela cortesã irlandesa, tida como a “mulher mais linda de Paris”. Seu nome: Elisa Alicia Lynch. Ao ouvir falar de tamanha beleza, o poderoso rapaz não teve dúvidas: ordenou ao seu ajudante de ordens que a levasse, naquela mesma noite, ao hotel. “E não se importe com quanto possa custar”, disse ele ao ajudante. Após uma noite de amor, nasceu uma paixão ardente entre o jovem general e a bela irlandesa. A partir daí, os amantes se tornaram o mais poderoso casal do Paraguai — país que seria governado a mão de ferro pelo futuro ditador.

O irmão mais velho seria o sucessor escolhido pelo pai. Mas não foi. Numa manobra política, o amante de madame Lynch se tornou o vice-presidente dando, assim, uma rasteira no próprio irmão. No leito de morte do pai, um homem de espírito conciliador, recebeu dele o seguinte conselho: “O Paraguai tem muitas questões pendentes, mas não busque resolvê-las pela espada, mas sim pela caneta, principalmente, com o Brasil”.

A história mostrou que o conselho paterno não viria a ser seguido. No poder, o jovem general se tornou o ditador que levaria sua pátria à mais sangrenta guerra, que ceifou a vida de milhares de homens nela envolvidos. Uma “Maldita Guerra”, como bem disse um dos heróis brasileiros que dela participou: o marechal Caxias. Uma maldita guerra provocada pelo personagem dessa história. Guerra da qual o Brasil não queria participar. O conflito estava previsto para durar pouco tempo, mas este se arrastou por cinco longos anos, drenando as finanças e a vida de milhares de brasileiros do Brasil imperial — e de seus aliados. Além de condenar o país de Alfredo Stroessner ao que ele hoje é: uma nação sem futuro e sem confiança em si mesma. O personagem de que vos falo é Francisco Solano López. A guerra de que vos falo é a Guerra do Paraguai. Esta foi exaustivamente estudada, por longos 15 anos, por um pesquisador movido pela paixão inerente àqueles devotados aos estudos da história. Façamos uma breve apresentação do autor para, em seguida, mergulharmos na grandiosidade de sua obra.

Francisco Doratioto é graduado pela Universidade de São Paulo, com doutorado em His­tó­ria pela Universidade de Brasília. É professor da Universidade Católica de Brasília e do mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco. É também membro do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais e da Academia Paraguaia de História. É autor, entre outras obras, dos livros “General Osório”, “A República Bossa-Nova” e “Relações Brasil-Paraguai”.

Personagens e o ambiente da guerra

Vários personagens que atuaram na Guerra do Paraguai entraram para a história dos países diretamente envolvidos no conflito. De um lado, a tríplice aliança (união do Brasil, Argentina e Uruguai. Fala­remos, mais adiante, deste assunto); de outro, o Paraguai. Aliás, quanto à natureza do conflito, os escritos do professor Doratioto nos revelam que essa guerra só ocorreu devido à teimosia de Solano López, aliada à sua incapacidade de prever um quadro desfavorável para seu país. Vejamos alguns dados que nos ajudarão a entender esse desequilíbrio e, de certa forma, o prolongamento de uma guerra que a princípio se imaginava ser de curta duração.

Das nações envolvidas no conflito, o Brasil era o país que mais abertura tinha com o exterior. O intercâmbio mensurado na moeda mais forte da época (libras esterlinas inglesas) evidenciava esse fato. O país mantinha um intercâmbio comercial com o exterior de quase 24 milhões de libras; a Argentina quase 9 milhões; o Uruguai 3,6 milhões; e o Paraguai 560 mil.

Quanto à população, o Brasil, com 9,1 milhões de habitantes, era o país mais populoso. Habitava a Argentina 1,7 milhões de pessoas. No Uruguai, viviam 250 mil. O Paraguai era habitado por cerca de 400 mil pessoas.
Quanto ao efetivo do exército, o Paraguai se destacava dos outros participantes do conflito pelo nú­mero de efetivos. O país de Solano López contava com 77 mil homens no exército; o Brasil, 18 mil; a Argentina, 6 mil; e o Uruguai, 3 mil soldados.

Certamente, a considerável superioridade numérica do exército paraguaio, aliada à garra de seus soldados, contribuiu diretamente para o prolongamento do conflito. Nesse sentido, avalia o autor que, “durante toda a Guerra do Paraguai, as forças aliadas jamais chegaram a ter, operacionalmente, mais do que o dobro de homens do exército de Solano López, o que explica, em parte, a longa duração do conflito”.

Francisco Doratioto evidencia alguns aspectos que levaram o Paraguai a cometer erros de avaliação. Aliás, a avaliação e a decisão de entrada na guerra foram tomadas soberana e absolutamente por um homem só: Francisco Solano López, o dono do país e da alma do povo paraguaio.

Contribuíram para os equívocos do ditador a enorme inexperiência do corpo diplomático paraguaio e a inexistência de elos de comunicação que informassem a sociedade. De­talhe: no Paraguai praticamente inexistiam, na época, jornais. Como se isso não bastasse, o extremo autoritarismo de Solano López atenuava possíveis opiniões contrárias à sua. No entender do autor: “sua excessiva confiança [de Solano López] levou-o ao voluntarismo, a superestimar o poder nacional paraguaio e a fazer uma análise equivocada da correlação de forças militares e políticas no Prata [Bacia do Prata]”.

Se nos propusermos a elaborar um breve panorama dos acontecimentos que marcaram a “maldita guerra”, evidenciaremos fatos de distintas naturezas, como as personalidades que fizeram história, as divergências entre líderes dos exércitos aliados ou entre membros do governo, a liderança de Dom Pedro II no comando das decisões estratégicas e, lógico, a ousadia do ditador ao decidir desafiar a Argentina e invadir o Estado brasileiro do Mato Grosso, iniciando, assim, uma guerra que deveria ser curta.

O Impe­rador desempenhou com desenvoltura o papel que lhe cabia como chefe supremo da nação. Relatam os escritos de Doratioto que “Dom Pedro II fazia-se presente nos assuntos do governo e procurava manter-se a par de tudo, ao participar, inclusive, da condução da política externa brasileira”. No tocante, ainda, aos aspectos supra evidenciados, os escritos de Francisco Dora­tioto enfatizam a habilidade diplomática de José da Silva Para­nhos (fu­turo Barão do Rio Branco) no momento em que este evitou um conflito com aquele país cisplatino, conflito que, certamente, ceifaria a vida de muitos brasileiros. A habilidade política do diplomata bateria de frente com a rigidez de um militar que não aceitava as excessivas concessões feitas por Paranhos aos uruguaios. Fala-se do almirante Tamandaré. Daí surgiu o estopim que acirrou o conflito, qual seja, a provocação dos uruguaios com algo inconcebível para um militar da envergadura do almirante: a ofensa à bandeira brasileira. O “deixa para lá” de Pa­ranhos, em nome da paz construída, irritou não só o militar, mas a opinião pública brasileira. Re­sultado: amigo próximo do almirante e ouvindo o clamor das ruas, o Imperador não teve dúvidas: demitiu José Maria da Silva Paranhos. “Falta de dignidade [de Paranhos]. Só um militar pode sa­ber o que significa um insulto à ban­deira”, assim se expressou o almirante sobre o episódio. No fundo, as desavenças entre Para­nhos e o almirante tinham motivações políticas, pois o primeiro era integrante do partido conservador e o segundo, do partido liberal.

Entretanto a história mostraria que a verdade estava com Para­nhos. E essa realidade se evidenciou no momento em que o Uruguai seria um dos países a compor, com a Argentina e o Brasil, a Tríplice Aliança, que lutaria contra um inimigo comum. O futuro Visconde de Rio Branco acabaria exercendo um papel fundamental nos novos conflitos e viria a exigir algo inato, que José Maria Paranhos tinha de sobra: a imensa capacidade de negociar. Era ele um diplomata da mais alta qualidade.

Os escritos de Doratioto não deixam dúvidas de que o general Caxias — futuro duque de Caxias — foi, do lado brasileiro, o grande estrategista da Guerra do Paraguai. Caxias se constituiu no elemento pensante que deu um rumo no avanço das tropas em território paraguaio. Da sua mente, provieram os planos de invasão das tropas aliadas no território paraguaio. Do lado argentino, esse papel coube a outro nome de expressão que fez história no conflito: Bartolomé Mitre — comandante do exército aliado e, posteriormente, presidente da Argentina. Não restam dúvidas de que ambos, embora Mitre e Caxias expressassem suas divergências quanto ao modo de avanço das tropas em território paraguaio, foram nomes decisivos nos rumos da guerra.

Nesse sentido, o sucesso da invasão de uma fortaleza decisiva para vitória dos países aliados — Humaitá — em território paraguaio, suscitou dúvidas a quem atribuir o mérito estratégico que daria novos ru­mos ao conflito pró Tríplice Alian­ça. O mérito foi de Mitre ou de Caxias? Para uns, ele deve ser atribuído a Mitre; para outros, a Caxias.

As divergências entre Caxias e Mitre, comuns em situações de incerteza e decisões vitais para as nações envolvidas no conflito, nem um pouco macularam o relevante papel histórico que esses dois grandes homens tiveram na maldita guerra. De Caxias, patrono do exército brasileiro, não é preciso falar. Quanto à figura de Bartolomeu Mitre, intelectual de primeira linha, fundador de um dos jornais mais importantes da América Latina — “La Na­cion”—, além de presidente da República, vale ressaltar a simpatia que o Império tinha por ele. Assim relata o autor a respeito do modo positivo como o Império via a atuação do líder argentino na maldita guerra: “Não só por afinidades ideológicas, mas também por interesses concretos, que beneficiou a ação brasileira no Prata” .

Mito, curiosidades e humor

Teria sido a Guerra do Paraguai alimentada pela nação mais poderosa do mundo (na época, a In­gla­ter­ra) ante ao elevado nível de desenvolvimento daquele país na América do Sul? Este é um mito que os escritos do professor Francisco Do­ratioto procuram desmentir. Trata-se de uma inverdade histórica.

A começar pelos consideráveis investimentos que tinham os compatriotas de Shakespeare na terra de Solano López. Quanto a isso, relata o autor que “os projetos de infraestrutura guarani foram atendidos por bens de capital ingleses e os especialistas estrangeiros que os implementavam eram, em sua maioria, britânicos”.

Outra prova adicional que evidencia o desinteresse inglês pelo conflito se refere a uma carta do representante daquele país, na vizinha Argentina, que enfatizava a soberania do governo paraguaio que, a seu ver, “era o melhor juiz do que mais convém a sua pátria e não me compete dizer nada contra suas resoluções”. Assim, enunciou Edward Thornton, então, representante de sua majestade na terra do grande escritor Jorge Luis Borges.

Fatos curiosos ocorreram no transcorrer do conflito do Prata. O primeiro deles se refere à extrema necessidade de convocação de homens solteiros que não fossem arrimo de família para o exército. Resultado, para evitar esse destino, esses homens optavam por um desses caminhos: esconder-se na mata ou casar com mulheres mais velhas do que eles. “Se não quer ir para São Paulo assentar praça, há de casar com minha tia”, evidenciava uma charge de um jornal da época, em cuja situação um homem já velho aponta a tia para um jovem recruta.

Outro fato curioso ocorrido no transcorrer do conflito se refere a uma encomenda feita pelo governo brasileiro aos Estados Unidos, que se tornou uma novidade para a limitada tecnologia da época: a construção de um balão. O balão subia com dois observadores para espionar o terreno inimigo. A solução se mostrou ineficaz. Motivo: “o balão grande tinha diâmetro pouco mais de doze metros e exigia 37 mil pés cúbicos de hidrogênio e jamais se conseguiu enchê-lo totalmente”. Além disso, nevoeiros e as fogueiras feitas pelo exército paraguaio dificultavam a visão dos observadores. A sátira da época não perdoou a situação: “cara feia do inimigo”, descrevia uma charge da época com um observador de monóculo olhando lá de cima o traseiro dos soldados brasileiros.

As desavenças entre Caxias e Mitre se tornaram um prato cheio para os chargistas. Estes procuravam ironizar uma guerra que nunca terminava. Em uma dessas charges, aparecia o comandante brasileiro afiando espadas e baionetas num amolador com os seguintes dizeres: “A guerra continuará enquanto este grande amolador não tiver afiado, como pretende, todas as espadas e baionetas do exército brasileiro (temos muitíssimo tempo a esperar!)”.

Em outra situação, aparecia Bartolomeu Mitre sentado numa cadeira conversando com deus Mercúrio. Esta procurava ironizar o possível interesse do presidente da Argentina no prolongamento do conflito.

“Venho pedir a Vossa Excelência que volte para o teatro da guerra; os brasileiros não têm razão para desejarem seu prolongamento e são capazes de ajustar a paz, mais dia, menos dia...”, dizia Mercúrio a Mitre, e este responde “mas quem vos disse que desejo prolongar a guerra?”. Retruca Mercúrio: “Ora! Aqui entre nós, Vossa excelência quer reservas!? Pois não sabe que eu também sou mitrado?! Nada! Nada! É preciso voltar para a campanha: empenho-me com o deus do comércio, dos especuladores, etc. em favor das vossas e das algibeiras de vossos governados... é necessário que continue a pepineira?”.

O desenrolar da guerra

O que pretendia Solano López ao invadir o Mato Grosso (invadido em 27 de dezembro de 1864 e ocupado até abril de 1868), Corrientes, na Argentina (13 de abril a 5 de outubro de 1865), o Rio Grande do Sul (10 de junho a 18 de setembro de 1865), constituiu-se num mistério que ainda requer muita investigação histórica. Solano López “atuava na guerra antes como um jogador disposto a fazer apostas arriscadas do que como um general ousado que usava as informações disponíveis para montar estratégias viáveis”. Um general ousado que invadia sem planejar. Isso se mostrou uma verdade no momento em que os soldados paraguaios ficaram sem mantimentos ante a invasão do Rio Grande do Sul, invasão essa ocorrida após a derrota naval sofrida pelos paraguaios na Batalha do Riachuelo. Vale ressaltar que os almirantes Tamandaré e Barroso foram os nomes que fizeram história nessa batalha, que foi certamente a maior vitória já obtida pela marinha brasileira. A invasão do Rio Grande do Sul demorou mais tempo do que se previa, desse modo, levando o exército a ficar sem comida. Quanto a isso, nos diz o autor que, “para se sustentarem, recorreram [os soldados] a carne de cavalo, de gatos, de cachorros, de ratos e mesmo de insetos, que encontravam no in­terior dos muros. Muitos desses soldados adoeciam, quer por fome ou alimentação inadequada, quer por doenças decorrentes das más condições higiênicas, pois os restos dos animais devorados ficavam amontoados pela vila, tornando-se foco de doenças”. Mas comer comida estragada não era “privilégio” só dos paraguaios, o exército brasileiro também a ingeriu: “Fosse qual fosse a comida, as moscas eram tantas que dificilmente ela era ingerida sem uma dúzia delas”.

O fato que se constata é que, depois desses acontecimentos, consolidou-se a chamada Tríplice A­liança entre o Brasil, Uruguai e Ar­gen­tina contra um inimigo comum: o Paraguai. O Paraguai se transformou num imenso campo de batalha en­tre as tropas aliadas e os soldados de Solano López. De 5 de abril de 1866 a 1 de março de 1870, os combates se deram no território paraguaio, principalmente, em torno do maior obstáculo a ser vencido pelas tropas aliadas: a Fortaleza de Humaitá.

Vencer Humaitá era de fato estratégico para ganhar a guerra. Doratioto relata que, “durante dois anos, os aliados ficaram imobilizados em Tuiuti, emboscados pelos paraguaios, tateando, em meio ao matagal e pântanos, na busca de uma alternativa para alcançar Humaitá”. Detalhe: para quem desconhece o fato histórico, vale ressaltar a seguinte informação a respeito da batalha de Tuiuti — foi a mais sangrenta batalha travada em território paraguaio e envolveu cerca de 50 mil soldados de ambos os lados.

O primeiro comandante do exército brasileiro em território paraguaio foi um general de grande prestígio junto a seus comandados: Osório. Relata-nos o autor que “ele foi, sem dúvida, o oficial brasileiro mais admirado pela tropa aliada, cultivando excelentes relações com seus colegas argentinos, e respeitado também pelo inimigo”. Osório foi o responsável pela operação que levou os aliados a vencerem a batalha de Tuiuti. Problemas de saúde o afastaram do campo de batalha. Entre outros, comandaram as forças brasileiras, além de Osório e Wenceslao Paunero, o genro de Dom Pedro II — o conde d’Eu, vale ressaltar o nome que se tornou uma lenda no conflito da guerra cisplatina: o marechal Luis Alves de Lima e Silva, o duque de Caxias. Caxias assumiu o comando do exército brasileiro após a derrota das tropas aliadas na batalha de Curupaiti, na qual morreram cerca de 4 mil homens das tropas aliadas. Em Curupaiti, Solano López mostrou que estava mais vivo do que nunca. Aliado a isso, desentendimentos entre os chefes aliados influenciaram para o desânimo das tropas.

Os escritos de Doratioto são enfáticos quando se referem ao patrono do exército brasileiro: “A ninguém se podia confiar tanta autoridade a não ser a Caxias, por ser o militar brasileiro mais importante, ‘tanto com respeito à patente, como pelo prestígio de que goza’”.

E Caxias mostrou a que viera. Sua liderança e seu senso estratégico, aliados à preocupação em dotar o exército de equipamentos modernos, foram decisivos para o significativo avanço que teve as tropas em território paraguaio. O uso de balões de observação (piadas à parte) e as instalações de telégrafos implementados por Caxias não só deram mais agilidade às comunicações, como também possibilitaram o avanço das tropas em território inimigo e a tomada do mais importante obstáculo ao avanço dos aliados na terra de Solano López: a Fortaleza de Humaitá. Tomada Humaitá, Caxias implementou a caçada a Solano López, entretanto este, fugindo pelo interior do país, conseguiu, por mais um ano, prolongar o que todos queriam que terminasse: a maldita guerra.

Caxias queria o fim da guerra com a queda de Humaitá. Para ele, “já tiramos uma boa desforra do López, pois o Paraguai ficará arrasado por 50 anos pelo menos”. Mas o Imperador foi irredutível. O conflito de fato só acabaria quando López deixasse de mandar no país. E assim “o pacífico monarca amigo das artes, imagem que Pedro II possuía até a invasão paraguaia do território brasileiro, transformou-se no senhor da guerra, no governante inflexível”.

A história militar oficial procurou construir, em relação ao patrono do exército brasileiro, o perfil de ho­mem ideal e possuidor de coragem, pa­triotismo e integridade. Não restam dúvidas de que o marechal tinha muitas qualidades, mas, como ser hu­mano, também, tinha lá seus de­feitos. Nesse sentido, os escritos de inegável fôlego intelectual de Do­ra­tioto apontam certo amesquinhamento de Caxias ao procurar diminuir a figuras de Mitre e Osório que, co­mo ele, tinham também seus méritos.

Caxias mais acertou do que errou no comando das tropas brasileiras no Paraguai. Certamente, um erro que cometeu, o qual provocou a ira do Imperador e da opinião pública, foi deixar escapar Solano López quando tinha plenas condições de capturá-lo.

A seu ver, isso abreviaria o final do conflito. A estratégia não deu certo, pois o ditador conseguiu resistir adiando, assim, por 15 longos meses o final daquilo que todos estavam ansiosos por terminar: a maldita guerra. Caxias retirou-se do front da guerra sem esperar ordens superiores. Sua saída voluntária do comando das tropas deixou um vácuo de liderança que se agravava ante a extrema politização que existia no exército entre liberais e conservadores. A substituição do marechal acabou sendo uma difícil decisão para o poder moderador do Imperador tomar. Este acabou optando por uma solução que lhe parecia a mais conciliadora: a nomeação, muito a contragosto, do conde D’Eu. Este, como sabemos, era marido da Princesa Isabel.

A nomeação de um membro da família real foi a saída política encontrada por Dom Pedro II. Procurava, dessa maneira, arrefecer os ânimos políticos da época. O conde, com patente de capitão obtida na Escola Militar de Segóvia, na Espanha, tinha participado da Guerra do Marrocos. Parecia ser essa a solução mais adequada: um membro da família real e militar de formação reergueria o moral das tropas. Os fatos históricos mostraram ser essa uma inverdade, pois o marido da Princesa Isabel era um homem de espírito mais voltado para as glórias da guerra do que para o comando em si, ainda mais em condições tão inóspitas como eram aquelas travadas no front paraguaio. O desânimo tomou conta do genro do Imperador.

Embora fosse um símbolo, a presença militar do conde D’Eu acabou por se tornar inútil em terras paraguaias.

No entender de Doratioto, “é justo concluir que o príncipe consorte não queria enfrentar as durezas da guerra, para a qual não tinha competência. A memória dos milhares de mortos brasileiros na guerra, bem como o sacrifício dos combatentes, quase todos pessoas comuns e ex-escravos uma parte, que há anos permaneciam no inferno paraguaio, lutando como podiam, mereciam um comandante-em-chefe mais digno”.

Caçada a Solano López

A cena era comum naqueles longos 15 meses, no inferno no qual se constituiu o interior do Paraguai, ao final da maldita guerra: de um lado, Solano López e seu exército de crianças (convocadas a partir de 10 anos), adolescentes e velhos; de outro, as tropas brasileiras já exaustas que seguiam em torno de seu principal objetivo: a captura do ditador. O que restava pelo caminho era a face mais visível dos horrores da guerra que as cenas por si, descritas com precisão por Doratioto, revelam: “Uma criança paraguaia gritava a um companheiro ferido, mas de pé: ‘amigo, mata-me por favor!’ E o outro, acudindo à cruel imploração, desfechou-lhe um tiro à queima-roupa”.

“O campo ficou cheio de mortos e feridos do inimigo, entre os quais, causavam-nos grande pena, pelo avultado número, os soldadinhos, cobertos de sangue, com as perninhas quebradas, não tendo alguns ainda atingido a puberdade. Como eram valentes para o fogo os pobres meninos! Que luta terrível aquela entre a piedade cristã e o dever militar! Os nossos soldados diziam que não dava gosto a gente brigar com tanta criança”.

“Em janeiro de 1870, houve uma nova execução em grande escala de supostos traidores, entre eles, por lança, a ‘belíssima’ Francisca Garmendia, da qual, no final dos anos de 1850, o jovem Solano López tentara se aproximar e fora repelido. Em Igatemí e Panadero, ocorreram novas execuções, com as novas vítimas sendo executadas com lanças para economizar balas e pólvora. Os soldados que portavam as lanças estavam tão enfraquecidos pela fome que não conseguiam fazer as execuções na primeira estocada da lança. Eram necessários ‘seis ou sete golpes para acabar com o sentenciado, que se retorce e geme de dor, rolando pelo solo ao tentar se esquivar da estocada’. Dos acusados de traição, Venâncio López teve a pior sorte. Foi açoitado diariamente, durante toda prolongada marcha, que fez nu, com o corpo coberto de feridas, pois era arrastado pelo chão com uma corda amarrada na cintura.”

Detalhe: Venâncio López era irmão de Solano López. Destinos semelhantes teriam suas irmãs. Estas seriam também executadas se a guerra não tivesse terminado. Como se vê, a ira do ditador era implacável com todos, inclusive com sua própria família.

Pintura de Pedro Américo sobre a Batalha de Avaí na Guerra do Paraguai

A implacável e exaustiva caçada a Solano López chegou ao fim numa cordilheira ao norte do Paraguai: Cerro Corá, 4.500 soldados aliados de um lado contra 450 soldados paraguaios de outro. Os aliados cercaram o ditador que tentou fugir. Entretanto um fato o distinguiu de seus comandados: era o único gordo entre esqueléticos soldados.

Na tentativa de fuga, o senhor absoluto de todas as almas paraguaias foi ferido com um golpe de lança deferido pelo cabo Francisco Lacerda (que entrou para a história com o codinome de “Chico Diabo”), caiu ele ferido às margens do arroio Aquidabán. As ordens eram para que o ditador fosse capturado vivo. Era, todavia, pedir demais para soldados que vinham de longos sofrimentos nos terríveis campos de batalha paraguaios.

“Ia ordenar que o agarrassem para a terra, quando um soldado disparou, por detrás de mim, um tiro que o matou.” Assim relatou o comandante da tropa — general Câmara — à esposa a forma como morreu Solano López. Com a morte do ditador, terminou, enfim, a maldita guerra. Entretanto, com a sua morte, jamais se extinguiu o rastro de sangue que ele deixou no maior conflito armado da história da América do Sul. Solano López entrou para história como um sanguinário. Nas devidas proporções, foi o Hitler da América do Sul.

Consequências da guerra

Que consequências trouxeram tanto banho de sangue na história dos países envolvidos no conflito? Certamente, muitas, mas que a impossibilidade de espaço não permite enumerá-las. Falemos das principais.

Aproximadamente, 50 mil paraguaios, 33 mil brasileiros, 18 mil argentinos, 5 mil uruguaios — enfim: mais de 100 mil seres humanos morreram na guerra do Paraguai. O número não é preciso, por essa razão optamos pela opinião média dos historiadores.

É inegável que os vencedores — principalmente o Brasil e a Argentina — redefiniram suas fronteiras na região do Prata. No tocante ao Brasil, a Guerra do Paraguai acelerou internamente o conflito que se desenvolvia entre o exército e a monarquia, resultando, anos depois, na Proclamação da Re­pública. O Paraguai, certamente, pagou o preço do perdedor, e o mais pesado deles foi a ruptura de um modelo de desenvolvimento que se mostrava, antes da guerra, dinâmico e promissor.

Após o conflito, a terra guarani imergiu em um estado de total letargia presa às mais profundas amarras do subdesenvolvimento. Tudo precisava ser reconstruído, infraestrutura, nascimento de novas gerações ante as significativas perdas humanas da população, educação, saúde — enfim — a confiança em si mesmo que toda nação necessita para prosperar. Ao contrário do previsto, passados mais de 150 anos do conflito, o Paraguai não se recuperou do fantasma de Solano López.

Por: Salatiel Soares Correia, engenheiro, é mestre em Planejamento pela Unicamp.
Publicado no Jornal Opção

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA

Sazonalmente, recebo mensagens de leitores que me perguntam por livros fundamentais no mundo da política. Respondo. Melhor, vou respondendo. E é provável que, nas canseiras do dia, os meus disparos tenham alvos diversos: um Aristóteles aqui; um Maquiavel ali; um Locke mais além.


Mas quando penso demoradamente no assunto, consultando os meus neurônios com uma contemplação digna de Montaigne, percebo que nunca sugeri um amigo dele, autor de um ensaio crucial na biblioteca de qualquer cavalheiro que se preze.

Verdade que o autor em questão escreveu o texto na juventude para depois o renegar. Não vou especular sobre esse gesto (outras histórias). Exceto para dizer que o mal estava feito e, no meu caso, a cabeça do cronista já estava formatada pelas palavras do sr. Étienne de la Boétie (1530 - 1563).

O nome não figura como deveria nos grandes compêndios do pensamento político, embora a importância do francês seja imensa na Europa continental. Sem referir, claro, as palavras que o amigo Montaigne lhe dedicou nos seus ensaios.

O texto em causa intitula-se "Discurso sobre a Servidão Voluntária" e, com a devida vênia a todos os anarquistas posteriores, que só impropriamente podem ser considerados discípulos de Boétie, não encontro reflexão mais brilhante sobre a natureza da tirania –e, atenção, sobre a natureza daqueles que se submetem ao tirano.

Porque essa é a questão que anima o ensaio. Como é possível que homens, cidadãos, nações inteiras possam sofrer privações mil às mãos de uma única criatura?

O tirano, afirma Boétie olhando para a história clássica, é normalmente a figura mais ridícula e "efeminada" que existe. Raramente é um Hércules, raramente é um Sansão. Para usar a magistral prosa de Boétie, ele é "um estranho ao poder da batalha", um estranho "nas areias do torneio".

E, no entanto, é aos pés dessa anedota que os homens voluntariamente se escravizam. A ela concedem poder; a ela entregam as chaves das suas próprias correntes. Como explicar esse espantoso fenômeno?

Por interesse, dirá Boétie, referindo-se a uma minoria. Gente de igual caráter aproxima-se do tirano para lucrar alguma coisa com ele. Mas, mesmo sobre essa gente vil, as perguntas do autor são as mesmas: que existência será a dos rastejantes quando passam o dia tentando agradar à pessoa que mais temem?

E, quando não são os pequenos tiranos a submeterem-se à grande tirania, é o resto da nação em peso a fazê-lo, o que torna a servidão voluntária ainda mais insondável.

Boétie arrisca uma hipótese: quando a tirania começou, é possível que as primeiras vítimas tenham sentido o fato como uma privação fundamental.

Mas o tirano só sobrevive porque a servidão torna-se uma espécie de tradição. Gerações passam, a memória do crime apaga-se. E, para quem nunca conheceu um regime de liberdade, viver sem liberdade parece a mais natural das condições.

A proposta final de Boétie é, logicamente, simples: não é preciso lutar contra o tirano para terminar com o abuso; basta que um povo inteiro não colabore mais na sua própria escravidão. "Sem madeira, o fogo apaga-se", escreve metaforicamente o autor. E o Colosso, sem pedestal, quebra-se em mil pedaços, conclui.

O texto foi escrito no século 16. Mas é impossível não pensar no jovem Boétie quando olhamos para o nosso tempo.

Tivemos ditaduras que sobreviveram obscenamente. Não apenas pelo aparato policial que elas promoveram. Mas também porque milhares, milhões de seres humanos permitiram que elas sobrevivessem. Como? Entrando voluntariamente no curral.

Curiosamente, se Boétie teve herdeiros, eles encontram-se nos intelectuais do Leste da Europa que lutaram contra o comunismo. Nomes como Václav Havel que, ao apelarem para "o poder dos sem poder", repetia o que Boétie dissera antes dele: um povo que não é cúmplice da mentira também não será cúmplice da sua própria servidão.

E, se o leitor pensa que o texto de Boétie só se aplica às tiranias históricas, desengane-se: ele tem igual valia para as pequenas tiranias cotidianas. O dilema, ontem como hoje, permanece: por que motivo tantos de nós se submetem aos caprichos de um só –um político, um chefe, um amante?

Se os homens repetissem mais vezes essa pergunta e agissem em conformidade, a máquina que os oprime pararia no minuto seguinte. 
Por: João pereira Coutinho Publicado na Folha de SP



quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

OS NOVOS POBRES DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Era necessário encontrar um novo tipo de "pobre", pois não serviriam mais os tais "despossuídos" das décadas de 80 e 90.


Vocês já notaram que a "opção preferencial pelos pobres" foi desaparecendo ou se ressignificando no vocabulário da teologia da libertação" (TL)? Isto se deve a dois motivos principais:

- em primeiro lugar, à compreensão que o movimento revolucionário teve de que a "revolução sexual" era mais importante do que se imaginava a princípio, pois chegaram à conclusão de que era a família, e não propriamente a propriedade privada, a origem da psicologia do poder, verdadeira causa da desigualdade sócio-econômica.

- em segundo lugar, ao fato de que, com a ascensão dos partidos socialistas ao poder na América Latina, falar sobre os "pobres" seria um "tiro no pé", e isto para qualquer uma das facções comunistas. Como eles louvam dia e noite o presumido fato de que retiraram não sei quantos milhões da pobreza, teologar sobre ela seria um contra-senso, uma anti-propaganda.

Contudo, como dizia Marilena Chauí num seu odioso vídeo, o discurso TL-petista tem um vício que contradiz seu intento revolucionário: dizendo ter melhorado a vida do pobre, o único resultado que alcançaram foi expandir a classe média, a pseudo-burguesia que eles tanto odeiam.

Por isso, era necessário encontrar um novo tipo de "pobre", pois não serviriam mais os tais "despossuídos" das décadas de 80 e 90. E eles o encontraram naquilo que Gramsci chamava de lumpemproletariado, aquele estrato maltrapilho (moral e economicamente) da população, que sempre existe e existirá em qualquer sociedade.

Os novos pobres são os gays, as prostitutas, os delinquentes, os pervertidos morais, os cultivadores de lixo cultural, da anti-arte, os satanistas, enfim, aqueles que sempre foram considerados elementos desagregadores da sociedade.

Além destes, para dissimularem um pouco este horror grotesco, forjaram ainda outro tipo de pobre: a natureza, e aderiram ao discurso ecologista, trocando a "opção pelos pobres" por uma "opção pela vida", não necessariamente humana, e quanto mais se entra dentro do submundo "intelectual" do partido, necessariamente não-humana (os eco-teólogos-libertadores já chegaram a escrever que o homem é um vírus no planeta, e que deveria ser eliminado).

A ironia por trás de toda esta estupidez é o fato de que, pelo menos no âmbito da teologia da libertação, aquilo que se dizia nas décadas passadas quando se alegava que a Igreja sempre optou pelos pobres e não necessitava da TL para fazê-lo (vide o exemplo de S. Francisco e dos frades mendicantes) era que o mérito da TL consistia no fato de ter descoberto o "pobre como classe econômica", como "categoria teológica".

Agora, os fatos demonstram que a alegação era tão falsa como a abordagem teológica mesma. Os pobres são tão descartáveis nela quanto estas mesmas novas suas definições. A única coisa a que se prestam é à aquisição ou manutenção do poder político, utilizando-se a Igreja como instrumento para chegar a ele.

Não se admirem caso dentro de alguns meses as paróquias comecem a ser invadidas pelolumpemproletariado, e ao seu lado esteja alguém que você nunca imaginou que pudesse estar dentro duma Igreja. Na década de 80, quando as comunidades começaram a ser invadidas pelos comunistas, que até então se declaravam ateus, aquilo parecia impossível. Hoje, duplas LGBT querem batizar seus "filhos", apadrinhar filhos alheios, assentar seus novos nomes transex nos registros paroquiais e até mesmo casarem-se na igreja.

Alguns pensam que isto é casual, "sinal dos tempos". Não o é. São os novos pobres da TL que estão chegando, com Bíblia Pastoral nas axilas e cartilhas da PJ de tira-colo. O discurso está pronto e há quem o defenda. Oxalá estejamos preparados para desmascarar o ardil, e revelar que ninguém está preocupado com eles e com sua conversão, mas apenas em usá-los como instrumento de subversão, de domínio e de permanência no poder. Afinal de contas, se acabarem com o lumpemproletariado, não haverá mais revolução. Urge, então, mantê-los na delinquência moral, e até criar uma "moral" teológica para os manter aí. Caso contrário, também eles aderirão à moral burguesa, cristã, conservadora. E de tal mal, livre-nos Gaia, valha-nos Marilena Chauí. 
Por: Pe. José Eduardo  Do site: www.midiasemmascara.org

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

UM CADÁVER NO PODER(II)

Intelectualmente e teologicamente, a TL está morta há três décadas. Mas ela nunca foi um movimento intelectual e teológico. Foi e é um movimento político adornado por pretextos teológicos artificiosos e de uma leviandade sem par.

Volto à análise da Teologia da Libertação.

Se a coisa e até o nome que a designa vieram prontos da KGB, isso não quer dizer que seus pais adotivos, Gutierrez, Boff e Frei Betto, não tenham tido nenhum mérito na sua disseminação pelo mundo. Ao contrário, eles desempenharam um papel crucial nas vitórias da TL e no mistério da sua longa sobrevivência.

Os três, mas principalmente os dois brasileiros, atuaram sempre e simultaneamente em dois planos. De um lado, produzindo artificiosas argumentações teológicas para uso do clero, dos intelectuais e da Curia romana. De outro lado, espalhando sermões e discursos populares e devotando-se intensamente à criação da rede de militância que se notabilizaria com o nome de “comunidades eclesiais de base” e viria a constituir a semente do Partido dos Trabalhadores. “Base” é aliás o termo técnico usado tradicionalmente nos partidos comunistas para designar a militância, distinguindo-a dos líderes. Sua adoção pela TL não foi mera coincidência. Quando os pastores se transformaram em comissários políticos, o rebanho tinha mesmo de tornar-se “base”.

No seu livro E a Igreja se Fez Povo, de 1988, Boff confessa que foi tudo um “plano ousado”, concebido segundo as linhas da estratégia da lenta e sutil “ocupação de espaços” preconizada pelo fundador do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci. Tratava-se de ir preenchendo aos poucos todos os postos decisivos nos seminários e nas universidades leigas, nas ordens religiosas, na mídia católica e na hierarquia eclesiástica, sem muito alarde, até chegar a época em que a grande revolução pudesse exibir-se a céu aberto.

Logo após o conclave que o elegeu, em 1978, o papa João Paulo I teve um encontro com vinte cardeais latino-americanos e ficou muito impressionado com o fato de que a maioria deles apoiava ostensivamente a Teologia da Libertação. Informaram-lhe, na ocasião, que já havia mais de cem mil “comunidades eclesiais de base” disseminando a propaganda revolucionária na América Latina. Até então, João Paulo I conhecia a TL apenas como especulação teórica. Nem de longe imaginava que ela pudesse ter se transformado numa força política de tais dimensões.

Em 1984, quando o cardeal Ratzinger começou a desmontar os argumentos teóricos da “Teologia da Libertação”, já fazia quatro anos que as “comunidades eclesiais de base” tinham se transfigurado num partido de massas, o Partido dos Trabalhadores, cuja militância ignora maciçamente quaisquer especulações teológicas, mas jura que Jesus Cristo era socialista porque assim dizem os líderes do partido.

Dito de outro modo, a pretensa argumentação teológica já tinha cumprido o seu papel de alimentar discussões e minar a autoridade da Igreja, e fôra substituída, funcionalmente, pela pregação aberta do socialismo, onde o esforço aparentemente erudito de aproximar cristianismo e marxismo cedia o passo ao manejo de chavões baratos e jogos de palavras nos quais a militância não procurava nem encontrava uma argumentação racional, mas apenas os símbolos que expressavam e reforçavam a sua unidade grupal e o seu espírito de luta.

O sucesso deste segundo empreendimento foi proporcional ao fracasso do trio na esfera propriamente teológica. É possível que na Europa ou nos EUA um formador de opinião com pretensões de liderança não sobreviva à sua desmoralização intelectual, mas na América Latina, e especialmente no Brasil, a massa militante está a léguas de distância de qualquer preocupação intelectual e continuará dando credibilidade ao seu líder enquanto este dispuser de um suporte político-partidário suficiente.

No caso de Boff e Betto, esse suporte foi nada menos que formidável. Fracassadas as guerrilhas espalhadas em todo o continente pela OLAS, Organización Latino-Americana de Solidariedad fundada por Fidel Castro em 1966, a militância se refugiou maciçamente nas organizações da esquerda não-militar, que iam colocando em prática as idéias de Antonio Gramsci sobre a “ocupação de espaços” e a “revolução cultural”. A estratégia de Gramsci usava a infiltração maciça de agentes comunistas em todos os órgãos da sociedade civil, especialmente ensino e mídia, para disseminar propostas comunistas pontuais, isoladas, sem rótulo de comunismo, de modo a obter pouco a pouco um efeito de conjunto no qual ninguém visse nada de propaganda comunista mas no qual o Partido, ou organização equivalente, acabasse controlando mentalmente a sociedade com “o poder invisível e onipresente de um mandamento divino, de um imperativo categórico” (sic).

Nenhum instrumento se prestava melhor a esse fim do que as “comunidades eclesiais de base”, onde as propostas comunistas podiam ser vendidas com o rótulo de cristianismo. No Brasil, o crescimento avassalador dessas organizações resultou, em 1980, na fundação do Partido dos Trabalhadores, que se apresentou inicialmente como um inocente movimento sindicalista da esquerda cristã e só aos poucos foi revelando os seus vínculos profundos com o governo de Cuba e com várias organizações de guerrilheiros e narcotraficantes. O líder maior do Partido, Luís Inácio “Lula” da Silva, sempre reconheceu Boff e Betto como mentores da organização e dele próprio.

Nascido no bojo do comunismo latino-americano por intermédio das “comunidades eclesiais de base”, o Partido não demoraria a devolver o favor recebido, fundando, em 1990, uma entidade sob a denominação gramscianamente anódina de “Foro de São Paulo”, destinada a unificar as várias correntes de esquerda e a tornar-se o centro de comando estratégico do movimento comunista no continente.

Segundo depoimento do próprio Frei Betto, a decisão de criar o Foro de São Paulo foi tomada numa reunião entre ele, Lula e Fidel Castro, em Havana. Durante dezessete anos o Foro cresceu em segredo, chegando a reunir aproximadamente duzentas organizações filiadas, misturando partidos legalmente constituídos, grupos de seqüestradores como o MIR chileno e quadrilhas de narcotraficantes como as Farc, que juravam nada ter com o tráfico de drogas mas então já costumavam trocar anualmente duzentas toneladas de cocaína colombiana por armas contrabandeadas do Líbano pelo traficante brasileiro Fernandinho Beira-Mar.

Quando Lula foi eleito presidente do Brasil, em 2002, o Foro de São Paulo já havia se tornado a maior e mais poderosa organição política em ação no território latino-americano em qualquer época, mas sua existência era totalmente desconhecida pela população e, quando denunciada por algum investigador, cinicamente negada. O bloqueio chegou ao seu ponto mais intenso quando, em 2005, o sr. Lula, já presidente do Brasil, confessou em detalhes a existência e as atividades do Foro de São Paulo. O discurso foi publicado na página oficial da Presidência da República, mas mesmo assim a grande mídia em peso insistiu em fingir que não sabia de nada.

Por fim, em 2007, o próprio Partido dos Trabalhadores, sentindo que o manto de segredo protetivo já não era necessário, passou a alardear aos quatro ventos os feitos do Foro de São Paulo, como se fossem coisa banal e arqui-sabida. Somente aí os jornais admitiram falar do assunto.

Por que o segredo podia agora ser revelado? Porque, no Brasil, toda oposição ideológica tinha sido eliminada, restando apenas sob o nome de “política” as disputas de cargos e as acusações de corrupção vindas de dentro da própria esquerda; ao passo que, na escala continental, os partidos membros do Foro de São Paulo já dominavam doze países. As “comunidades eclesiais de base” haviam chegado ao poder. Quem, a essa altura, iria se preocupar com discussões teológicas ou com objeções etéreas feitas vinte anos antes por um cardeal que levara a sério o sentido literal dos textos e mal chegara a arranhar a superfície política do problema?

Nos doze anos em que permaneceu no poder, o PT expulsou do cenário toda oposição conservadora, partilhando o espaço político com alguns aliados mais enragés e com uma branda oposição de centro-esquerda, e governou mediante compras de consciências, assassinatos de inconvenientes e a apropriação sistemática de verbas de empresas estatais para financiar o crescimento do partido. A escalada da cleptocracia culminou no episódio da Petrobrás, onde o desvio subiu à escala dos trilhões de reais, configurando, segundo a mídia internacional, o maior caso de corrupção empresarial de todos os tempos. Essa sucessão de escândalos provocou algum malestar na própria esquerda e constantes reclamações na mídia, levando a intelligentzia petista a mobilizar-se em massa para defender o partido. Há mais de uma década os srs. Betto e Boff estão ocupados com essa atividade, na qual a teologia só entra como eventual fornecedora de figuras de linguagem para adornar a propaganda partidária. A TL havia assumido, finalmente, sua mais profunda vocação.

Quem quer que leia os escritos de Gutierrez, Boff e Betto descobre facilmente as suas múltiplas inconsistências e contradições. Elas revelam que esse material não resultou de nenhum esforço teorizante muito sério, mas do mero intuito de manter os teólogos de Roma ocupados em complexas refutações teológicas enquanto a rede militante se espalhava por toda a América Latina, atingindo sobretudo populações pobres desprovidas de qualquer interesse ou capacidade de acompanhar essas altas discussões.

Os boiadeiros chamam isso de “boi-de-piranha”: jogam um boi no rio para que os peixes carnívoros fiquem ocupados em devorá-lo, enquanto uns metros mais adiante a boiada atravessa as aguas em segurança.

Intelectualmente e teologicamente, a TL está morta há três décadas. Mas ela nunca foi um movimento intelectual e teológico. Foi e é um movimento político adornado por pretextos teológicos artificiosos e de uma leviandade sem par, lançados nas águas de Roma a título de “boi de piranha”. A boiada passou, dominou o território e não existem piranhas de terra firme que possam ameaçá-la.

Sim, a TL está morta, mas o seu cadáver, elevado ao posto mais alto da hierarquia de comando, pesa sobre todo um continente, oprimindo-o, sufocando-o e travando todos os seus movimentos. A América Latina é hoje governada por um defunto.
Por: Olavo de carvalho Publicado no Diário do Comércio. http://olavodecarvalho.org

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

ESPARTA GANHA NA EUROPA

Como bem disse Thomas Sowell: “Os fracassos do socialismo são tão evidentes que somente podem ser ignorados pelos intelectuais”.


Está na hora de a Europa tomar consciência de que sua crise é a crise do socialismo.

Tal como era de se esperar, ganhou a esquerda na Grécia. Como não? Porém, o problema com a Europa é: e o que NÃO É esquerda? Em que país da União Européia hoje não impera o socialismo? Quando Sarkozy, supostamente de direita, governava a França, o gasto público já havia alcançado 57% do PIB e a dívida 125%. Ocorre-me que não parece definível a diferença entre esquerda e direita, além da confusão que impera como conseqüência de que a esquerda considera o fascismo de direita. Conforme esse critério, os Founding Fathers seriam considerados de extrema-direita. Ou seja, que de acordo com a esquerda, que monopolizou a ética, o respeito ao direito de propriedade e a busca da própria felicidade são os determinantes da desigualdade econômica.

Frente a essa confusão ideológica, permitam-me lembrar que o fascismo foi um derivado do socialismo. Foi Lênin que, ao se dar conta do fracasso da economia comunista, propôs e escreveu a NEP (Nova Economia Política), e escreveu: “Os capitalistas estão operando entre nós. Estão operando como ladrões. Fazem lucros mas sabem como fazer as coisas”. 

Igualmente Hayek em seu “Caminho da Servidão”, descreveu claramente as fontes socialistas do nazismo, que é fascismo a la alemã. E Ernst Nolte, em sua análise filosófica do fascismo, chegou à seguinte conclusão: 

“Fascismo é o anti-marxismo que pretende destruir o inimigo pela evolução de uma oposta mas relacionada ideologia, e mediante o uso de quase idênticos mas modificados métodos, sempre, todavia, dentro de um inflexível marco de auto-determinação nacional e autonomia”.

No meio desta confusão ideológica se produziu o triunfo do suposto líder da extrema-esquerda grega, o Sr. Tsipras, nas recentes eleições na Grécia. Tenho a impressão de que continua o triunfo de Esparta sobre Atenas, e Licurgo e Platão estão presentes em um país que enfrenta uma dívida de 321.700 milhões de euros e alcança 175% do PIB. Qual é a proposta? Acaso pode-se acreditar que a Grécia pode pagar essa dívida? Porém, mais confuso continua sendo o fato que põe de manifesto a falácia da esquerda de confundir o fascismo com a direita. O Sr. Tsipras chegou ao poder associado com o partido de ultra-direita “Gregos Independentes”, que coincide com a posição de se negar a aceitar a austeridade proposta pela Alemanha. E, certamente, para maior confusão ideológica, Marine Le Pen, a representante do Partido Nacionalista francês, apoiou o triunfo de Tsipras.

Em virtude destas, que considero realidades políticas e ideológicas, França, Itália e Espanha, e certamente a Grécia, se opõem às medidas de austeridade propostas pela Alemanha. 

Recentemente, Mario Draghi, presidente do BCE, determinou uma política de expansão monetária comprando bônus. Ante esta opção, não só existe uma diversidade de opinião senão que aparentemente prevalece o nacionalismo tradicional europeu. Em primeiro lugar, a causa desse desequilíbrio gerou-se como conseqüência do aumento do gasto público, que provocou, com uma relativa exceção da Alemanha, uma dívida, que embora não alcance à da Grécia, aparece igualmente impagável. Remeto-me às provas. O gasto público na França alcança 57% do PIB, na Itália 50%, na Inglaterra 46,9%, na Espanha 47,9% e na Alemanha 44,8% (dados do FMI do ano de 2012). Segundo os dados de The Economist, o déficit fiscal da França em 2014 alcançou 4,4% do PIB, na Espanha 5,6%, na Itália 3,0% e certamente na Grécia 4,0%.

Ante esses dados podemos ver que dificilmente a dívida européia possa ser paga, e não deveria caber dúvidas de que a política a seguir a fim de superar o desequilíbrio pendente passa inexoravelmente pela redução do gasto público. Como bem assinalou Milton Friedman e recordam os economistas: “O que importa não é o déficit, senão o gasto”. Esta realidade implica em primeiro lugar que, na medida em que o gasto público aumenta, reduz-se a taxa de crescimento econômico. Portanto, não deveria haver dúvidas a respeito de que a política a seguir para solucionar a crise européia passa inexoravelmente pela redução do gasto. Esse nível de gasto é o produto do chamado Estado de Bem-estar. E esse estado de bem-estar, que não é mais que o socialismo via demagogia democrática da pretensão da igualdade econômica, foi o que produziu o estado de mal-estar da crise européia. A respeito podemos ver que hoje o desemprego na Grécia é 25,8%, na Espanha 23,9%, na Itália 13,4% e na França 10,3%.

O tema pendente então é definir qual é a política para conseguir a redução do gasto e ainda possibilitar o pagamento de uma dívida que não implique na quebra do sistema bancário. Em um recente artigo, Paul Krugman reconheceu o fato de que na Grécia o processo de austeridade acordado com o FMI, o BCE e a Comissão Européia ignorou que teria um efeito negativo sobre a renda e o emprego, e que o povo grego está pagando o preço dessa ilusão da elite. Porém, uma vez que aceitamos que a causa da crise foi o aumento inusitado do gasto público, a pergunta que Krugman não responde é qual é então a política a seguir.

Hoje já nos encontramos ante o fato sem precedentes de que o FMI recomenda à União Européia uma maior inflação para conseguir resolver a presente crise. Até há muito pouco, toda a política do FMI era conseguir o equilíbrio monetário, baseado na teoria quantitativa do dinheiro e evitar a inflação. A idéia que compartilho aparentemente é reduzir a dívida pública em termos reais e evitar a quebra do sistema bancário. Para conseguir esse objetivo não há outra solução que os países da União Européia saiam do euro e desvalorizem suas próprias moedas.

No que se refere à necessidade de reduzir o gasto, minha proposta é que não se faça de imediato em termos nominais. A política a seguir seria reduzir os impostos, cujo atual nível implica a violação do direito de propriedade, e assim conseguir um maior investimento e um maior crescimento. A redução dos impostos, ao mesmo tempo em que se mantém o nível do gasto em termos de moeda corrente, determinaria um maior déficit fiscal e a inflação recomendada pelo FMI. A conseqüência seria a redução do gasto e da dívida em termos reais. Por sua vez, a maior taxa de crescimento determinaria do mesmo modo uma redução do gasto e da dívida em relação ao PIB.

Conseguido esse processo em uma primeira instância, deve ser seguido por uma política fiscal adequada de redução do Estado na economia, o que provocaria uma vez mais um maior crescimento econômico na União Européia. Por tudo o que foi dito anteriormente, é evidente que o problema da Europa não é a Grécia senão da União Européia, inclusive a Alemanha, por mais que este país seja atualmente o que apresenta um menor desequilíbrio, não obstante manter um gasto público de 44% do PIB. Em função dessa posição relativa, a Srª Merkel propõe a austeridade à qual se opõe toda a esquerda e a chamada direita européia.

A solução ao problema europeu passa inexoravelmente pela decisão de abandonar o socialismo que, como bem disse Thomas Sowell: “Os fracassos do socialismo são tão evidentes que somente podem ser ignorados pelos intelectuais”. E eu acrescentaria, e pelos políticos, pois é evidente que a demagogia é que leva ao poder. Assim, na suposta busca pela igualdade se produz a desigualdade política e econômica, não como conseqüência do aumento da rentabilidade do capital, senão da corrupção que impera no Estado. Mas, não obstante essa realidade, hoje aparentemente o livro mais popular é “O capitalismo do Século XXI”, escrito pelo economista francês Thomas Picketty, no qual ele propõe que o aumento da taxa de retorno do capital determina a redução da taxa de crescimento econômico e, conseqüentemente, uma maior desigualdade econômica. Estas propostas decididamente são populares, pois como disse Aristóteles, “os pobres sempre vão ser mais que os ricos”. A realidade é que quando cai a rentabilidade do capital se reduz o investimento e conseqüentemente a taxa de crescimento. Está na hora de a Europa tomar consciência de que sua crise é a crise do socialismo.
Por: Armando Ribas Tradução: Graça Salgueiro
Do site: http://www.midiasemmascara.org