quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O ESTADO RESOLVE OU CRIA CONFLITOS?

"Se as pessoas querem viver juntas e pacificamente, então é impossível evitar o recurso da tomada coletiva de decisões, o que significa que decisões não-unânimes terão de ser impingidas. E como os interesses de todos os indivíduos não podem ser absolutamente idênticos, então é necessário haver uma agência com poderes coercitivos capaz de impingir sobre todo o coletivo essa decisão".

O argumento acima é frequentemente feito por pessoas bem intencionadas que tentam justificar a necessidade de haver um estado, mesmo que este seja voltado exclusivamente para os serviços de justiça e segurança.

No entanto, essa idéia não apenas é incompleta, como também é falsa. Contrariamente ao afirmado, não é difícil imaginar uma cooperação humana pacífica sem a necessidade de qualquer tipo de tomada coletiva de decisões. 

Em primeiro lugar, é importante observar que o fato de haver diversidade de interesses individuais não implica que conflitos entre esses indivíduos têm necessariamente de ocorrer. Duas condições adicionais são necessárias. Eu quero que chova e meu vizinho quer que faça sol. Nossos interesses são contrários. No entanto, nem eu nem ele controlamos o sol ou as nuvens. Logo, nossos interesses divergentes não possuem consequências práticas. Interesses divergentes só se transformam em problemas práticos quando os interesses envolvem objetos controlados ou controláveis — ou seja, bens econômicos ou meios de ação.

Adicionalmente, mesmo que esses interesses divergentes envolvam bens econômicos, não haverá nenhum conflito caso esses interesses envolvam bens distintos — ou seja, bens fisicamente separados.

Só haverá conflito se os interesses divergentes envolverem um único bem em comum. E, para que tais interesses divergentes sejam direcionados para o mesmo estoque de bens, é necessário haver escassez. Sem escassez, não há possibilidade de conflitos.

Entretanto, mesmo sob condições de escassez, os conflitos não são "inevitáveis". Ao contrário, todos os conflitos podem sim ser evitados, desde que todos os bens sejam propriedade privada de indivíduos específicos, e desde que sempre seja reconhecido o quê pertence a quem.

Nesse cenário de propriedade privada plena, os interesses de indivíduos distintos podem ser os mais divergentes possíveis — e ainda assim não haverá conflitos enquanto esses interesses envolverem exclusivamente a propriedade privada de cada indivíduo.

Adicionalmente, para evitar conflitos desde o início da formação de uma sociedade, tudo o que é necessário fazer é que a propriedade privada seja fundamentada em atos de apropriação original — ou seja, por meio de ações em vez de por meio de meras palavras. O apropriador de um bem até então sem proprietário se torna seu proprietário (sem que haja conflito, justamente porque ele foi o primeiro a se apropriar dela).

Essa propriedade sobre bens e lugares "apropriados originalmente" por uma pessoa implica seu direito de utilizar e transformar esses bens e locais da maneira que mais lhe aprouver, desde que ela, com isso, não altere forçosamente a integridade física dos bens e lugares originalmente apropriados por outra pessoa. Em particular, uma vez que um bem ou um local foi apropriado originalmente por uma pessoa que — nas palavras de John Locke — "misturou seu trabalho" a esse bem ou local, então a propriedade desse bem ou local somente poderá ser legada a terceiros por meio de uma transferência voluntária — contratual — de um título de propriedade.

Nesse arranjo, toda a propriedade, direta ou indiretamente, é adquirida ou transferida por meio de uma corrente mutuamente benéfica e livre de conflitos.

Consequentemente, a resposta à pergunta "podem indivíduos com interesses divergentes coexistirem pacificamente sob condições de escassez?" é: sim, caso reconheçam a instituição da propriedade privada e seus fundamentos, os quais se manifestam direta ou indiretamente por meio de atos de apropriação original.

No que mais, essa resposta é apoditicamente — isto é, não-hipoteticamente — verdadeira, mesmo que ela envolva uma questão empírica. Somente a propriedade privada pode fazer com que conflitos — que ocorrem sob condições de escassez — sejam evitáveis.

E somente o princípio da aquisição de propriedade por meio da apropriação original, ou por meio de transferências mutuamente benéficas de um proprietário anterior para um posterior, possibilita que os conflitos sejam evitados por completo — desde o início da humanidade até o final. Nenhuma outra solução existe. Qualquer outra regra seria contrária à natureza do homem como um agente racional.

Vale ressaltar que a propriedade de bens até então não-apropriados não pode ser estabelecida por meio de uma simples declaração ("este bem sem dono agora é meu!"). Se a propriedade pudesse ser adquirida por meio de uma simples declaração (em vez de por meio de atos de apropriação ou transferência), os conflitos não apenas não poderão ser evitados, como ainda passarão a ser inevitáveis.

Portanto, para evitar que haja aqueles conflitos que seriam inevitáveis em outros contextos, a privatização original de bens deve ocorrer por meio de ações: por meio de atos de apropriação original daquilo que anteriormente eram "coisas". Somente por meio de ações, que ocorrem no tempo e no espaço, pode um elo objetivo ser estabelecido entre um indivíduo e um bem específico. (Um elo objetivo é um elo averiguável intersubjetivamente). E apenas o primeiro apropriador de algo até então sem dono pode adquirir esse algo sem haver conflito. Pois, por definição, sendo o primeiro apropriador, ele não pode entrar em conflito com outros indivíduos ao se apropriar do bem em questão, pois todas as outras pessoas apareceram somente depois de sua apropriação.

Entra o estado

O estado é normalmente definido como a autoridade suprema sobre um determinado território. É o monopolista supremo da aplicação da lei e da justiça. É a agência que exerce o monopólio compulsório da jurisdição de seu território. É o tomador supremo de decisões. É o árbitro e juiz último de todos os casos de conflito, incluindo aqueles conflitos que envolvem ele próprio e seus funcionários.

Os defensores da existência de um estado argumentam que sua existência é necessária porque é necessário haver uma agência que detenha o monopólio da coerção e que, por meio deste monopólio, retire de circulação outros membros da sociedade dispostos a coagir terceiros inocentes.

O primeiro problema já se faz evidente: como é possível determinar, de forma inequívoca, quem está exercendo coerção e quem está apenas se defendendo violentamente da coerção de outros sem antes termos determinado quem é o proprietário de quê? 

A definição de propriedade tem de preceder a definição de coerção.

Adicionalmente, como pode uma instituição se auto-proclamar a autoridade suprema de um território se ela nãoadquiriu essa condição nem por meio de um ato de apropriação original e nem por meio de uma transferência feita pelos apropriadores originais?

É justamente por causa dessa gênese obscura do estado, que podemos falar que seus impostos, suas regulamentações e suas leis são inerentemente coercivas. Impostos não podem ser vistos como um pagamento de aluguel (que é um contrato voluntário do qual qualquer indivíduo pode se abster), e as regulamentações não podem ser comparadas às regras de um condomínio ou de um clube (também cuja associação é voluntária).

Se o estado for proteger a propriedade utilizando uma polícia estatal, então ele terá de coercivamente coletar impostos. No entanto, impostos são expropriação. Desta maneira, o estado paradoxalmente se transforma em um expropriador protetor da propriedade. Ademais, um estado que quer manter a lei e a ordem, mas que pode ele próprio criar leis, será ao mesmo tempo um transgressor e um mantenedor da lei.

E isso tem de ficar claro: o estado não nos defende; ao contrário, o estado nos agride, confisca nossa propriedade e a utiliza para se defender a si próprio. A definição padrão do estado é essa: o estado é uma agência caracterizada por duas feições exclusivas e logicamente conectadas entre si. 

Primeiro, o estado é uma agência que exerce o monopólio compulsório da jurisdição de seu território; o estado é o tomador supremo de decisões. Ou seja, o estado é o árbitro e juiz supremo de todos os casos de conflito, incluindo aqueles conflitos que envolvem ele próprio e seus funcionários. Não há qualquer possibilidade de apelação que esteja acima e além do estado. 

Segundo, o estado é uma agência que exerce o monopólio territorial da tributação. Ou seja, é uma agência que pode determinar unilateralmente o preço que seus súditos devem pagar pelos seus serviços de juiz supremo. 

Baseando-se nesse arranjo institucional, é possível seguramente prever quais serão as consequências:

a) em vez de impedir e solucionar conflitos, alguém que possua o monopólio da tomada suprema de decisões irá gerar e provocar conflitos com o intuito de resolvê-los em benefício próprio. Isto é, o estado não reconhece e protege as leis existentes, mas as distorce e corrompe por meio da legislação. Contradição número um: o estado é, como dito, um transgressor mantenedor das leis. 

b) em vez de defender e proteger alguém ou alguma coisa, um monopolista da tributação irá invariavelmente se esforçar para maximizar seus gastos com proteção e ao mesmo tempo minimizar a real produção de proteção. Quanto mais dinheiro o estado puder gastar e quanto menos ele tiver de trabalhar para obter esse dinheiro, melhor será a sua situação. Contradição número dois: o estado é, como dito, um expropriador protetor da propriedade.

O estado opera em um vácuo jurídico. Não existe nenhum contrato entre o estado e seus cidadãos. Não está determinado contratualmente o que de fato pertence a quem; consequentemente, não está determinado o que deve ser protegido. Não está determinado qual serviço o estado deve fornecer, nem o que deve acontecer caso o estado falhe em cumprir seu dever, e nem qual preço o "consumidor" de tais "serviços" deve pagar. Ao contrário: o estado determina unilateralmente as regras do jogo, podendo mudá-las, por mera legislação, durante o jogo. 

Há também outra questão importante relacionada a essa agência compulsória (o estado): mesmo que sua existência se baseasse na aceitação unânime dos cidadãos, ainda assim tal instituição seria injusta. Consenso não é sinônimo nem de justiça e nem de verdade. Um acordo que leve à criação de um estado é inválido, pois isso contradiz a natureza das coisas.

Em qualquer época e em qualquer lugar (e na ausência de qualquer harmonia pré-estabelecida), um bem escasso pode ter apenas um proprietário — caso contrário, se cada bem for público, haverá conflitos em vez de harmonia. No entanto, a propriedade múltipla sobre os mesmos bens é exatamente o que o estado gera.

Mesmo aqueles indivíduos que defendem a existência de um estado não transferiram todas as suas propriedades para o estado; eles continuam se considerando proprietários (e não inquilinos). No entanto, eles concederam ao estado o poder de ser o tomador supremo de decisões relacionadas a todos os conflitos territoriais. Isso faz com que o estado seja, com efeito, o proprietário efetivo de todos os bens e de todas as terras do país. 

O preço a ser pago por esse acordo "injusto" — contrário à natura das coisas — é o conflito permanente. O estado poderá, por exemplo, se colocar a favor dos invasores de terra.

Conclusão

Conflitos são possíveis, mas não são inevitáveis. Entretanto, não faz sentido considerar a instituição de um estado como uma solução para o problema de eventuais conflitos, pois é justamente a criação de um estado o que faz com que os conflitos sejam inevitáveis e permanentes.


Hans-Hermann Hoppe é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo eThe Economics and Ethics of Private Property.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

PORTE DE ARMAS NOS EUA CRESCE 178% EN SETE ANOS; CRIMINALIDADE DESPENCA


De 2007 até o presente momento, o número de americanos com licença para portar armas cresceu 178% (fonte, página 9).

Só no ano passado, foram emitidas mais de 1,7 milhão de novas licenças, um crescimento de 15,4% num único ano — o maior já registrado —, totalizando 12,8 milhões de autorizações de porte de armas (fonte, página 6).

Essa estatística despertou a preocupação de diversas organizações desarmamentistas, que temiam que as armas elevassem as taxas de homicídio no país.

Mas o que os dados recentes revelaram foi justamente o contrário: ao mesmo tempo em que o número de cidadãos armados cresceu, a taxa de crimes violentos despencou no país inteiro.

Segundo estatísticas oficiais do governo, citadas neste estudo do Centro de Pesquisa para a Prevenção de Crimes, a taxa de crimes violentos caiu 25% no período e a taxa de homicídios por 100 mil habitantes saiu dos 5,6 para os 4,2, apesar do crescimento massivo do porte de armas. Os números são os mais baixos desde 1957, quando a taxa de homicídios atingiu 4,0 por 100 mil habitantes.

Um dado interessante encontrado pelos pesquisadores foi o de que as mulheres estão se armando mais do que os homens: entre 2007 e 2014, o número de mulheres com porte de arma cresceu 270%, enquanto entre os homens o número foi elevado em 156% (fonte, página 10).

Além das mulheres, a população negra também está se armando mais. Uma análise, citada no estudo, revelou que entre 2012 e 2014, o grupo que mais mudou de opinião em relação aos benefícios do armamento foram os negros (fonte, página 14).

De acordo com a pesquisa, conduzida pelo Pew Research Center, a proporção de afro-americanos que responderam que armas contribuem mais para a autodefesa do que para crimes saltou dos 29% para 54% — um crescimento de 86% —, no sentido contrário do estereótipo de que armamentistas são, em geral, brancos. Além de terem se tornado mais favoráveis, a população negra também tirou mais licenças para porte de armas (fonte, página 10).

"Mais permissões [para porte de armas] significa que está ficando mais difícil para os criminosos atacarem as vítimas", afirma John Lott, autor do estudo. "A composição de pessoas que estão ganhando as novas permissões também está mudando. Estamos vendo um grande aumento entre minorias e mulheres tirando essa autorização. Ter esses grupos mais armados contribui muito para reduzir a criminalidade."

Para Lott, além da visão da população sobre o armamento ter mudado, outro fator que contribuiu para o crescimento do número de licenças para porte de armas foi a redução do custo dessas licenças, que varia de estado para estado.

Como destaca o economista, os estados que reduziram o custo dessa autorização — que varia de US$ 10 a US$ 450 (fonte, páginas 5 e 6) — ou ainda os que já praticavam preços mais baixos, tiveram maiores crescimentos no número de cidadãos negros registrando o porte.

Atualmente, 5,2% da população adulta possui licença para portar armas nos Estados Unidos (fonte, página 4). Apesar disso, em 5 estados (Alabama, Dakota do Sul, Indiana, Pensilvânia e Tennessee), a taxa de porte de armas por adulto está acima dos 10% (fonte, página 5).

O gráfico abaixo (fonte, página 5) mostra a evolução do porte de armas nos EUA em porcentagem da população adulta (eixo Y, linha contínua) e a evolução da taxa de homicídios por 100 mil habitantes (também eixo Y, pontos azuis):

Em contraste, no Brasil, apenas 0,00185% da população possui autorização para portar armas, segundo o Instituto Defesa — aqui, a UF com a maior taxa de porte de armas é a do Distrito Federal, que tem 7,2 vezes mais autorizações para porte que a média nacional.

O estudo ainda destaca que o policiamento não pode ser tomado como responsável pela queda na criminalidade: mesmo após isolar dados de policiamento per capita e de prisões, o crescimento do número de licenças para porte de armas continuou associado com a redução no número de crimes violentos e homicídios. (fonte, páginas 4 e 19)

Apesar do alto crescimento nos últimos anos, o número de licenças para porte de armas emitidas nos Estados Unidos pode diminuir nas próximas décadas, mas por uma outra razão: atualmente, em 6 estados, o ato de portar armas visíveis em público não requer nenhuma autorização. Apesar do número ainda pequeno, a cada ano mais estados se juntam a esse grupo — em 2010, 3 estados permitiam o porte sem autorização.

Maine, que no início deste mês anunciou a nova lei, foi o último estado a entrar para a lista. Com a mudança na legislação, que entra em vigor em outubro, o estado se junta ao grupo de estados mais liberais em relação ao porte de armas, ao lado de Alasca, Arizona, Wyoming, Kansas e Vermont. Além destes, outros cinco estados também possuem uma legislação similar em relação ao porte sem necessidade de autorização, embora apenas para casos especiais.

O mapa abaixo mostra a distribuição de assassinatos em massa praticados com armas de fogo (mass shootings) em cada estado americano:



Tiroteios em massa desde 2012. Fonte: Vox.com

Já este mapa mostra o número de armas de fogo por habitante.



Uma imagem vale mais que mil palavras. Os estados costeiros, por exemplo, possuem uma taxa de armas de fogo bem baixa e leis bem restritas com o porte e a posse desses artefatos. Nada disso impediu que 486 inocentesperdessem a vida entre 2000 e 2013 em assassinatos em massa praticados com armas de fogo (mass shootings) exatamente nestes estados.

Por fim, e ironicamente, o controle de armas tem um histórico racista. Nos Estados Unidos, foi usada por diversos estados como forma de evitar que os escravos revidassem os abusos de seus senhores. O medo era tão grande que até cães chegaram a ser considerados uma "arma" e sua posse por negros, proibida.
Por: Leônidas Villeneuve,  colunista do site Spotniks. Do site: http://www.mises.org.br

HERANÇA DE CONFUSÕES

O clássico estudo de Bertrand de Jouvenel, Du Pouvoir, Histoire Naturelle de sa Croissance (1949), demonstrou de uma vez por todas que o crescimento do poder do Estado, com a conseqüente atrofia das liberdades individuais, é a mais nítida constante da História ocidental moderna, pouco importando se falamos de “democracias” ou de “ditaduras”.

Um dos mitos preferidos da cultura americana é o de que a Reforma protestante foi uma das fontes principais da liberdade religiosa, dos direitos individuais e da proteção contra os abusos de um governo central. Some-se a isso a falsa crença weberiana (ou semiweberiana) de que a “ética protestante” gerou o capitalismo, e a única conclusão possível é que o cidadão de hoje em dia deve a Lutero e Calvino, no fim das contas, praticamente todos os benefícios legais, políticos e econômicos de viver numa democracia moderna.

Mas tudo isso é propaganda, não História.

Desde logo, a supressão da autoridade política da Igreja – um dos objetivos declarados da Reforma, que nisso concordava perfeitamente com Maquiavel – liquidava toda mediação espiritual institucionalizada entre o governo e o povo, reduzindo a sociedade a um campo de disputa entre duas forças apenas: de um lado, uma poeira dispersa de consciências individuais com suas crenças subjetivas infindavelmente variadas e variáveis; de outro, a vontade de ferro do governante, consolidada na doutrina da “Razão de Estado”, necessidade incontroversa à qual ninguém podia se furtar. Não é preciso dizer qual dessas duas forças acabou por prevalecer. O clássico estudo de Bertrand de Jouvenel, Du Pouvoir, Histoire Naturelle de sa Croissance (1949), demonstrou de uma vez por todas que o crescimento do poder do Estado, com a conseqüente atrofia das liberdades individuais, é a mais nítida constante da História ocidental moderna, pouco importando se falamos de “democracias” ou de “ditaduras”. Mesmo na mais louvada das democracias, o Estado é hoje o mediador e juiz soberano de todas as ações e relações humanas, até as mais particulares e íntimas, com uma sanha controladora e uma prepotência invasiva desconhecidas em todas as sociedades anteriores – com uma única exceção, a ditadura de João Calvino em Genebra, o que não é de maneira alguma uma coincidência. A experiência tem provado que os direitos e garantias individuais, assegurados verbalmente na Constituição americana e no Bill of Rights, nada podem contra a expansão avassaladora dos controles burocráticos amparados numa complexa tecnologia, mesmo no caso em que estes se voltam patentemente contra os interesses nacionais mais óbvios, como é o caso de tantas medidas do governo Obama.

Não cabe sequer alegar que essa exaltação abusiva do poder estatal foi apenas – para usar a expressão de Weber – um “resultado impremeditado” da Reforma, já que Lutero, a contrapelo da doutrina tomista que proclamava o direito de rebelião contra injustiças em geral, advogava ostensivamente a submissão total e incondicional dos cidadãos ao governante, admitindo a revolta só no caso específico de o Estado interferir em questões de religião. Essa dupla exigência – a submissão integral ao Estado e a abstinência deste em matéria religiosa – forma o perfil claro do “Estado laico” moderno, onde necessariamente o argumento religioso perde toda força contra a racionalidade “neutra” da vontade estatal e acaba sendo banido do cenário político, quando não de toda a vida pública. O processo culmina no “politicamente correto”, onde qualquer desejinho sexual, por mais vulgar e tolo, se cobre da proteção legal de um tremendo aparato repressivo e se coroa de um prestígio intocável, beatificante, superior aos mais altos valores morais da religião.

Por uma ironia aliás bastante compreensível, as igrejas protestantes sofrem as conseqüências disso tanto quanto ou mais que a católica, à qual hoje têm de se juntar num front comum para fazer face a perigos temíveis que nunca teriam chegado a existir sem a ajuda solícita de Lutero e Calvino. Em páginas memoráveis da sua History of Political Ideas, vol. IV (22 das Collected Works), Eric Voegelin, aliás ele próprio um luterano, explica que nem o monge de Wittemberg nem o doutrinário genebrino compreendiam as grandes questões políticas nas quais interferiam ousadamente com sua boa consciência de “eleitos”. O lado católico, representado não só pelo Vaticano como mais diretamente pelo polemista antiluterano Johann Eck (1486-1543), não as compreendia tampouco, donde resultou uma herança de confusões inextricáveis nas quais até hoje nos debatemos.
Por: Olavo de carvalho Publicado no Diário do Comércio.

domingo, 6 de setembro de 2015

DEUS

BREVE HISTÓRIA DO MACHISMO

As mulheres sempre foram exploradas pelos homens. Se há uma verdade que ninguém põe em dúvida, é essa. Dos solenes auditórios de Oxford ao programa do Faustão, do Collège de France à Banda de Ipanema, o mundo reafirma essa certeza, talvez a mais inquestionada que já passou pelo cérebro humano, se é que realmente passou por lá e não saiu direto dos úteros para as teses acadêmicas.


Não desejando me opor a tão augusta unanimidade, proponho-me aqui arrolar alguns fatos que podem reforçar, nos crentes de todos os sexos existentes e por inventar, seu sentimento de ódio ao macho heterossexual adulto, esse tipo execrável que nenhum sujeito a quem tenha acontecido a desventura de nascer no sexo masculino quer ser quando crescer.

Nosso relato começa na aurora dos tempos, em algum momento impreciso entre Neanderthal e Cro-Magnon. Nessas eras sombrias, começou a exploração da mulher. Eram tempos duros. Vivendo em tocas, as comunidades humanas eram constantemente assoladas pelos ataques das feras. Os machos, aproveitando-se de suas prerrogativas de classe dominante, logo trataram de assegurar para si os lugares mais confortáveis e seguros da ordem social: ficavam no interior das cavernas, os safados, fazendo comida para os bebês e penteando os cabelos, enquanto as pobres fêmeas, armadas tão-somente de porretes, saíam para enfrentar leões e ursos.

Quando a economia de coleta foi substituída pela agricultura e pela pecuária, novamente os homens deram uma de espertinhos, atribuindo às mulheres as tarefas mais pesadas, como a de carregar as pedras, domar os cavalos, abrir sulcos na terra com o arado, enquanto eles, os folgadinhos, ficavam em casa pintando potes e brincando de tecelagem. Coisa revoltante.

Quando os grandes impérios da antiguidade se dissolveram, cedendo lugar aos feudos perpetuamente em guerra uns com os outros, estes logo constituíram seus exércitos particulares, formados inteiramente de mulheres, enquanto os homens se abrigavam nos castelos e ali ficavam no bem-bom, curtindo os poemas que as guerreiras, nos intervalos dos combates, compunham em louvor de seus encantos varonis.

Quando alguém teve a extravagante idéia de cristianizar o mundo, tornando-se necessário para tanto enviar missionários a toda parte, onde arriscavam ser empalados pelos infiéis, esfaqueados pelos salteadores de estradas ou trucidados pelo auditório entediado com os seus sermões, foi novamente sobre as mulheres que recaiu o pesado encargo, enquanto os machos ficavam maquiavelicamente fazendo novenas ante os altares domésticos.

Idêntica exploração sofreram as infelizes por ocasião das cruzadas, onde, armadas de pesadíssimas armaduras, atravessaram os desertos para ser passadas a fio d'espada pelos mouros (ou antes, pelas mouras, já que o machismo dos sequazes de Maomé não era menor que o nosso). E as grandes navegações, então! Em demanda de ouro e diamantes para adornar os ociosos machos, bravas navegantes atravessavam os sete mares e davam combate a ferozes indígenas que, quando as comiam, – era porca miséria! – no sentido estritamente gastronômico da palavra.

Finalmente, quando o Estado moderno instituiu o recrutamento militar obrigatório, foi de mulheres que se formaram os exércitos estatais, com pena de guilhotina para as fujonas e recalcitrantes, tudo para que os homens pudessem ficar em casa lendo A Princesa de Clèves.

Há milênios, em suma, as mulheres morrem nos campos de batalha, carregam pedras, erguem edifícios, lutam com as feras, atravessam desertos, mares e florestas, sacrificando tudo por nós, os ociosos machos, aos quais não sobra nenhum desafio mais perigoso que o de sujar nossas mãozinhas nas fraldas dos nossos bebês.

Em troca do sacrifício de suas vidas, nossas heróicas defensoras não têm exigido de nós senão o direito de falar grosso em casa, de furar umas toalhas de mesa com pontas de cigarros e, eventualmente, de largar um par de meias no meio da sala para a gente catar.
Por: Olavo de Carvalho Publicado originalmente no Jornal da Tarde em 16 de agosto de 2001

sábado, 5 de setembro de 2015

DIÁRIO FILOSÓFICO DE OLAVO: "FAÇAN A INTERVENÇÃO VOCÊS MESMOS! "

Assumo publicamente a responsabilidade de instigar a derrubada do governo por uma rebelião popular. Incruenta, mas rebelião. Presidente, vice, ministros, deputados e senadores cúmplices – todos para a LATA DO LIXO JÁ.


Exigir que as massas peçam explicitamente uma intervenção militar, para só então realizá-la, é um fenomenal cu-doce fardado como nunca se viu. Em 1964 NINGUÉM saiu às ruas pedindo intervenção militar. O povo pediu a queda de Jango, e as Forças Armadas ouviram. E notem que o descalabro janguista não só foi incomparavelmente menor que o dos comunopetistas, mas também durou APENAS DOIS ANOS, em comparação com os DOZE da dupla Lula-Dilma. Uma intervenção saneadora das Forças Armadas seria aplaudida por todo o povo. O que ninguém quer é uma DITADURA MILITAR. Ora, se os militares exigem que o povo implore a sua volta, é porque não concebem a hipótese de uma intervenção rápida e temporária, mas querem O PODER TOTAL OU NADA. Fora disso, não há explicação possível para a exigência absurda da convocação ostensiva, exceto a hipótese – na qual prefiro nem pensar – de que essa exigência seja apenas um pretexto para não fazer coisa nenhuma.

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Todo governo deve sua legitimidade ao CONSENTIMENTO DO POVO. No nosso país, esse consentimento JÁ FOI NEGADO DA MANEIRA MAIS CLARA E OSTENSIVA. O Brasil não tem governo nenhum. Tem uma quadrilha de usurpadores e sanguessugas que não querem largar o osso. É preciso tirá-los dos seus postos usando a pura FORÇA MUSCULAR. Não é preciso armas nem tiros. Só braços em número suficiente. As Forças Armadas que então decidam se vão ficar ao lado do povo ou atirar nele para proteger os ladrões.

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Depois destas duas notícias, tolerar o PT e seus amiguinhos no poder por mais um minuto que seja se torna cumplicidade com os maiores crimes já praticados contra o nosso país. Basta! Fora! Todos para a lata de lixo. Na lei ou na marra.



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Não peçam mais intervenção militar. "Façam a intervenção vocês mesmos". As Forças Armadas que decidam de que lado estão.

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Assumo publicamente a responsabilidade de instigar a derrubada do governo por uma rebelião popular. Incruenta, mas rebelião. Presidente, vice, ministros, deputados e senadores cúmplices – todos para a LATA DO LIXO JÁ.

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Que a próxima “Marcha para Brasília” não seja para “reivindicar” nada, mas para ARRANCAR DOS SEUS CARGOS OS FILHOS DA PUTA E OS OMISSOS E COLOCÁ-LOS NA LATA DE LIXO.

TOLERÂNCIA ZERO. LATA DE LIXO JÁ.

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Homens arrogantes nos despertam instintos homicidas. Mulheres arrogantes, instintos suicidas.

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Quando algum justiceiro universal comunopetista-emessetista, discursando em favor das “áreas indígenas”, lhe disser que os índios eram os “legítimos proprietários” da terra brasileira, depois “usurpada” pelos portugueses, informe ao desgraçado que, na época dos descobrimentos, havia aproximadamente 5 milhões de índios numa área territorial de 8.515.767,049 quilômetros quadrados, portanto 1.703 quilômetros quadrados para cada um. O equivalente a uma área inteira da cidade de São Paulo para cada índio. Os portugueses na Europa eram 10 milhões, acotovelando-se em 92 090 quilômetros quadrados, isto é, 0,009 quilômetro quadrado para cada um. Tomar as terras “dos índios” era uma questão elementar de REFORMA AGRÁRIA: dividir entre os trabalhadores os maiores latifúndios improdutivos do planeta.

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ESTOU CANSADO DE VER MILICOS BATENDO NO PEITO EM VEZ DE BATER NOS INIMIGOS DO PAÍS.

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Se as Forças Armadas não intervierem, entrarão para a História como traidoras do povo. Se intervierem, entrarão como benfeitoras preguiçosas e tardias.

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Um oficial de alta patente, desiludido com as Forças Armadas já nos anos 90 do século passado, dizia algo que na época me soou ofensivo, mas agora começa a me parecer razoável:
– Não espere nada dessa gente. Milico é tudo funcionário público. Só pensa em aposentadoria.

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Se os militares decidirem agir no 7 de setembro, estarei solidário com eles, mas triste de ver que esperaram a desgraça anunciada consumar-se para só então agir. Em 2012, após uma espera de DUAS DÉCADAS, escrevi:

“O Livro dos Seis Estratagemas chineses ensina: 'Todo fenômeno é no começo um germe, depois termina por se tornar uma realidade que todo mundo pode constatar. O sábio pensa no longo prazo. Eis por que ele presta muita atenção aos germes. A maioria dos homens tem a visão curta. Espera que o problema se torne evidente, para só então atacá-lo.”



Notas publicadas na página de Olavo de Carvalho em sua rede social, The RealTalk - http://therealtalk.org

Por: Olavo de Carvalho

PALAVRAS DO CEO DO WAL MART, SAM WALTON


Discurso de Sam Walton, fundador do WAL MART, fazendo a abertura de um programa de treinamento para seus funcionários.

"Eu sou o homem que vai a um restaurante, senta-se à mesa e pacientemente espera, enquanto o garçom faz tudo, menos o meu pedido.

Eu sou o homem que vai a uma loja e espera calado, enquanto os vendedores terminam suas conversas particulares.

Eu sou o homem que entra num posto de gasolina e nunca toca a buzina, mas espera pacientemente que o empregado termine a leitura do seu jornal.

Eu sou o homem que, quando entra num estabelecimento comercial, parece estar pedindo um favor, ansiando por um sorriso ou esperando apenas ser notado.

Eu sou o homem que entra num banco e aguarda tranqüilamente que as recepcionistas e os caixas terminem de conversar com seus amigos, e espera.

Eu sou o homem que explica sua desesperada e imediata necessidade de uma peça, mas não reclama pacientemente enquanto os funcionários trocam idéias entre si ou, simplesmente abaixam a cabeça e fingem não me ver.

Você deve estar pensando que sou uma pessoa quieta, paciente, do tipo que nunca cria problemas.

Engana-se.

Sabe quem eu sou?

EU SOU O CLIENTE QUE NUNCA MAIS VOLTA!

Divirto-me vendo milhões sendo gastos todos os anos em anúncios de toda ordem, para levar-me de novo à sua firma.

Quando fui lá, pela primeira vez, tudo o que deviam ter feito era apenas a pequena gentileza, tão barata, de me enviar um pouco mais de CORTESIA".

"CLIENTES PODEM DEMITIR TODOS DE UMA EMPRESA, DO ALTO EXECUTIVO PARA BAIXO, SIMPLESMENTE GASTANDO SEU DINHEIRO EM ALGUM OUTRO LUGAR."
(WAL MART É A MAIOR REDE DE VAREJO DO MUNDO)

"A paciência é amarga, mas seu fruto é doce" Jean Jacques Rousseau

QUAL O FUTURO DA SOCIEDADE?

UM CONVITE À DOR DO APRENDIZADO


Qualquer pessoa que tenha concluído um pensamento, por menor que seja, sabe que é doloroso. Trata-se de trabalho duro — na verdade, é a coisa mais difícil que os seres humanos são chamados a fazer. É fatigante, não revigorante. Se for permitido seguir o caminho de menor esforço, ninguém, jamais, pensará.

Uma das razões para que a educação oferecida pelas nossas escolas seja tão volumosa e insípida é que, geralmente, o povo americano — os pais ainda mais que os professores — deseja que a infância seja uma época livre de dor. A infância precisa ser um período de delícia, de alegres impulsos tratados com condescendência. Devem ser dados todos os acessos à livre expressão, o que, certamente, é prazeroso, e não se deve causar sofrimento pelas imposições da disciplina e das exigências do dever, o que é, certamente, doloroso. A infância deve ser repleta do máximo de brincadeiras e do mínimo de trabalho possível. O que não puder ser realizado por meio de esquemas pedagogicamente elaborados para tornar o aprendizado em um jogo excitante deve ser, necessariamente, deixado de lado. Deus me livre de o aprendizado ter sempre o caráter de uma ocupação séria — tão séria quanto ganhar dinheiro e, talvez, muito mais trabalhosa e dolorosa.

O espírito do jardim de infância, de brincadeira ao estudar, invade nossas faculdades. A maioria dos estudantes do curso superior experimenta, pela primeira vez, o gosto do estudo como um trabalho duro, que exige esforço mental e empenho contínuo, quando entra para os cursos de Direito ou de Medicina. Aqueles que não assumem uma profissão descobrem o que o trabalho, realmente, significa apenas quando precisam ganhar a vida — isso se os quatro anos de faculdade não os amaciaram a ponto de torná-los incapazes de conseguir um emprego. No entanto, mesmo aqueles que, de algum modo, recuperam-se da vagabundagem acadêmica e aceitam as responsabilidades e obrigações envolvidas em ganhar a própria vida — mesmo aqueles que começam, gradualmente, a entender a conexão entre trabalho, dor e sustento —, raramente, se é que um dia, estabelecem uma conexão similar entre trabalho, dor e estudo. “Estudo” é o que eles fizeram na faculdade, e eles sabem que aquilo tinha muito pouco a ver com sofrimento e trabalho.

A atitude, atualmente, de muitas instituições de educação de adultos é, ainda mais, condescendente — não apenas de coração mole — diante do grande público com que se deparam: um público que teve todos os tipos e qualidades de ensino. O problema não é, simplesmente, que este grande público tem sido mimado por qualquer escolarização — mimado no duplo sentido de estar despreparado para levar adiante sua própria autoeducação na vida adulta e não estar predisposto a sofrer as dores por amor ao aprendizado. O problema reside, além disso, no fato de que as instituições de ensino de adultos infantilizam os alunos ainda mais do que as escolas mimam as crianças. Eles têm transformado toda a nação — na medida em que a educação esteja envolvida — em um jardim de infância. Tudo deve ser divertido. Tudo deve entreter. A educação dos adultos deve ser feita tão sem esforço quanto possível — indolor, livre de fardos opressivos e das tarefas irritantes. Homens e mulheres adultos, porque são adultos, podem esperar sofrer dores de todos os tipos no curso de suas ocupações diárias, sejam elas domésticas ou comerciais. Nós não tentamos negar o fato de que cuidar de uma casa ou manter um emprego é algo, necessariamente, exaustivo, mas nós, ainda, acreditamos que, de alguma forma, os bens obtidos, a riqueza e o conforto, valem o esforço. Em todo caso, nós sabemos que nada pode ser obtido sem esforço. Tentamos, entretanto, fechar os nossos olhos para o fato de que o aprimoramento de uma mente ou a ampliação de um espírito é, no mínimo, mais difícil do que solucionar problemas de subsistência, ou talvez nós apenas não acreditemos que conhecimento e sabedoria valham o esforço.

Nós tentamos transformar a educação de adultos em algo tão empolgante quanto um jogo de futebol, tão relaxante quanto um filme e tão fácil à inteligência quanto um quiz. Caso contrário, nós não estaremos aptos a atrair as grandes multidões, e o que importa é atrair o maior número de pessoas dentro do jogo educacional, mesmo se, depois de incluirmo-nas no jogo, elas concluam-no sem passar por nenhuma transformação. O que repousa por detrás da minha observação é uma distinção entre duas visões de educação. Em uma delas, a educação é algo externamente acrescentado à pessoa, como as suas roupas ou algum traje. Nós convencemo-na a permanecer ali enquanto a ajustamos e, ao fazermos isto, somos guiados pela sua aprovação ou desaprovação, pelo seu próprio senso do que melhora a sua aparência. Na outra visão, educação é uma transformação interior da mente e do caráter de uma pessoa. Ela é um material plástico a ser aprimorado, não de acordo com as suas inclinações, mas de acordo com aquilo que é bom para ela. Por ser uma coisa viva, e não uma argila morta, a transformação pode ser efetivada apenas por meio de sua própria atividade. Professores de todos os tipos podem ajudar, mas eles só podem fazê-lo no processo de aprendizado que precisa ser dominado, a cada momento, durante a atividade do aluno. A atividade fundamental envolvida em todos os tipos de aprendizado genuíno é a atividade intelectual, a atividade, genericamente, conhecida como pensar. Qualquer aprendizado realizado sem pensamento é, necessariamente, do tipo que tenho chamado de externo e adicional — conhecimento adquirido de forma passiva, o qual costuma ser denominado de “informação”. Sem pensamento, o tipo de aprendizado que transforma uma mente, dá novos insights, ilumina, aprofunda a compreensão, eleva o espírito, simplesmente, não pode ocorrer.

Qualquer pessoa que tenha concluído um pensamento, por menor que seja, sabe que é doloroso. Trata-se de trabalho duro — na verdade, é a coisa mais difícil que os seres humanos são chamados a fazer. É fatigante, não revigorante. Se for permitido seguir o caminho de menor esforço, ninguém, jamais, pensará. Para fazer meninos e meninas, ou homens e mulheres, pensarem — e, por meio do pensamento, submeterem-se à transformação do aprendizado —, as instituições de ensino de todos os tipos trabalham na direção contrária, não na correta. Longe de tentar tornar todo o processo indolor, do começo ao fim, devemos prometer-lhes o prazer da realização como uma recompensa a ser alcançada apenas por meio de trabalho duro. Eu não estou aqui preocupado com a retórica que deveria ser empregada para convencer os americanos de que sabedoria é um bem maior que a riqueza, e, portanto, merecedora de maior esforço. Eu estou somente insistindo que não há uma via de pompa e de realeza e que nossas atuais políticas de ensino, especialmente para educação de adultos, são fraudulentas. Estamos fingindo dar-lhes algo que é descrito nos comerciais como muito valioso, mas o qual, nós prometemos, não lhes custará quase nada.

Não somente declaramos que dor e trabalho são os acompanhamentos inamovíveis e irredutíveis do genuíno aprendizado, não somente devemos deixar o entretenimento para os entertainers e fazer da educação uma tarefa, não um jogo, mas, também, não devemos temer o “estar acima das cabeças do público”. Quem quer que passe por aquilo que está acima de sua cabeça condena-a à sua presente baixa altitude; nada pode elevar uma mente, exceto o que está acima da sua cabeça, e esta elevação não é alcançada por atração capilar, mas somente pelo trabalho duro de subir pelas cordas, com mãos feridas e músculos doloridos. O sistema escolar que atende à criança mediana, ou pior, à metade mais devagar da classe; o conferencista que, diante de adultos, fala fácil para a sua audiência — eles são uma legião; o programa de rádio ou televisão que tenta acertar o denominador comum de receptividade popular mais inferior, todos estes anulam o primeiro propósito da educação ao pegar as pessoas como elas são e deixá-las, exatamente, na mesma.

O melhor programa educacional de adultos que já existiu neste país foi um que durou por um curto espaço de tempo debaixo dos auspícios do People's Institut de Nova York, quando Everett Dean Martin era diretor e Scott Buchanan era o seu assistente. O programa possuía duas partes: uma delas consistia em leituras, as quais, tanto quanto possível, estavam sempre direcionadas acima das cabeças da audiência; a outra consistia em seminários nos quais os adultos eram ajudados na leitura dos grandes livros — os livros que estão acima da cabeça de qualquer um. A última parte do programa permanece sendo aplicada pela equipe do St. Jonh's College nas cidades dos arredores de Annapolis, e nós estamos conduzindo quatro desses grupos no campus central da Universidade de Chicago. Eu vi que este é o único tipo de educação de adultos que é genuinamente educativo, simplesmente porque este é o único tipo que requer atividade, não pretende ensinar a evitar a dor e o trabalho e está sempre lidando com materiais bem acima das cabeças de todos.

Eu não sei se, algum dia, o rádio ou a TV serão capazes de fazer algo verdadeiramente educativo. Estou certo de que eles servem ao público em dois sentidos: dando-lhes diversão e dando-lhes informação. Eles podem, ainda, em se tratando dos melhores programas “educativos”, estimular algumas pessoas a fazer alguma coisa por suas mentes buscando o conhecimento e a sabedoria do único jeito possível — o jeito difícil. O que eu não sei, contudo, é se isto pode, em qualquer momento, produzir aquilo que os melhores professores sempre fizeram e que devem, agora, estar fazendo: a saber, expondo programas que são, genuinamente, educativos, em oposição àqueles que são, meramente, estimulantes, no sentido de que os seguir requer do ouvinte que ele seja ativo, e não apenas passivo, que pense, mais do que apenas relembre conteúdos na sua mente, e que sofra todas as dores de amarrar os próprios cadarços por sua própria conta. Por certo, enquanto os chamados diretores educacionais continuam a agir com base em seus atuais falsos princípios sobre nossas principais redes de ensino, nada poderemos esperar. Enquanto eles confundem educação com entretenimento, enquanto eles supõem que o aprendizado pode ser realizado sem dor, enquanto eles persistem em puxar tudo e todos para debaixo do mais baixo nível no qual o maior público pode ser alcançado, os programas educacionais disponíveis no rádio e na TV permanecerão sendo o que são hoje — fraudes e ilusões.

Pode ser, é claro, que o rádio e a televisão, por razões econômicas, devam, como o cinema, atingir, com precisão, uma audiência tão grande que as redes não possam dar-se ao luxo de nem mesmo testar programas que não pretendam ser mais palatáveis e prazerosos do que a verdadeira educação pode ser. Pode ser que não se possa esperar que o rádio e a TV tenham uma visão mais sólida de educação e promovam programas mais substanciais do que os que, atualmente, prevalecem sobre os líderes oficiais em educação do país — os cabeças do nosso sistema educacional, de nossas faculdades, de nossas associações de educação de adultos. Em todo caso, entretanto, não nos deixemos enganar sobre o que estamos fazendo. A “educação” toda revestida em roupagens atraentes é o pote de ouro que está sendo vendido em cada esquina da América hoje em dia. Todo mundo está vendendo-a, todo mundo está comprando-a, mas ninguém está dando ou recebendo a coisa verdadeira, pois a coisa de verdade é sempre difícil de dar e de receber. No entanto, a coisa verdadeira pode ser, em geral, tornada disponível se os obstáculos à sua distribuição são, honestamente, reconhecidos. A menos que admitamos que todos os convites ao aprendizado podem prometer prazer apenas como resultado da dor, somente podem oferecer conquista às custas do trabalho, todos os nossos convites ao aprendizado, na escola ou fora dela, seja por meio dos livros, palestras ou programas de rádio e televisão, serão tão inúteis quanto a pior propaganda autorizada de remédios ou quanto a promessa eleitoreira de colocar duas galinhas em cada panela.
POR MORTIMER J. ADLER Publicado, originalmente, no “The Journal of Educational Sociology” em 1941.

Tradução: Camila Hochmüller Abadie

Revisão: Fábio Salgado de Carvalho

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

UM BRASIL QUE NUNCA EXISTIU ATÉ AGORA

O Brasil pode estar ganhando muito mais do que perdeu com a descida da Petrobras aos nove círculos do inferno para onde foi arrastada durante os três últimos governos da República. Nunca se roubou tanto da brava gente brasileira, embora se tenha roubado sempre ─ e provavelmente se continuará roubando enquanto o país, na prática, for propriedade do “Estado” e obedecer à sua regra número 1, pela qual é obrigatório, para quem quer produzir alguma coisa, pedir licença a quem não produz nada.


Mas há sinais concretos de que o espetacular surto de corrupção dos últimos anos, quando nossos atuais governantes decidiram transformar o uso privado do patrimônio público em programa, método e sistema de administração, está oferecendo uma oportunidade inédita ao Brasil do futuro ─ a de deixá-lo mais resistente do que jamais foi às epidemias de criminalidade oficial causadas pelos que mandam no governo, dentro e em volta dele, e que agora chegaram ao seu grau de intensidade máxima.

Essa recompensa será a passagem do país a uma situação até agora praticamente desconhecida na história brasileira: a de funcionamento pleno de um estado de direito no território nacional. O trabalho para isso está sendo feito numa modesta jurisdição local, a de Curitiba, pelo juiz Sérgio Moro, titular da 13ª Vara da Justiça Federal, pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal. Ninguém está dizendo aqui que o Brasil perdeu pouco, porque a verdade é que perdeu muito. Provavelmente nunca se saberá ao certo ─ a conta começa num número mínimo de 6 bilhões de reais, estimativa oficial da própria Petrobras para o prejuízo sofrido com esse redemoinho de corrupção que a empurrou para o precipício, e vai até cifras não mapeadas pela aritmética comum.

Mas, por maior que seja a perda, sempre será apenas dinheiro ─ e a sabedoria popular diz que tudo o que pode ser pago com dinheiro é barato. Caras, mesmo, são aquelas coisas que o dinheiro não consegue comprar. Uma das mais preciosas é a segurança trazida pelos regimes em que o cidadão vive, no dia a dia da vida real, sob o comando da lei. Não é possível haver civilização se não há estabilidade, e não é possível haver estabilidade sem um sistema judicial que funcione com clareza, para todos e durante o tempo inteiro. Onde a aplicação da lei é incerta, não há lei. Onde não há lei, não pode haver liberdades públicas ou indivi­duais, nem igualdade entre as pessoas, nem proteção verdadeira aos direitos de ninguém; não pode haver democracia.

O esforço do juiz Moro no processo do petrolão, junto com os procuradores federais e os agentes da PF, está colocando a sociedade brasileira sob o império da lei ─ the rule of law, como se diz no direito público dos Estados Unidos e da Inglaterra. Isso não tem preço. A força que realmente sustenta os procedimentos da Justiça Federal na Operação Lava-Jato é a obediência permanente à letra da lei por parte dos responsáveis pelo processo. Não adianta nada buscar a justiça se não há nessa busca o respeito às leis em vigor no país. Elas são as únicas que existem, e é com elas que o Poder Judiciário tem de trabalhar; combater a impunidade não autoriza ninguém a passar por cima do direito de defesa, da obrigação de provar claramente cada acusação feita e de qualquer regra escrita nos códigos da Justiça penal.

Agir dentro da lei ─ é o que o Judiciário federal está fazendo, e é por isso, justamente, que sua conduta está sendo tão decisiva para o avanço do estado de direito no Brasil de hoje. Os fatos, aí, são perfeitamente claros. Todas as decisões do juiz Moro, sem nenhuma exceção, estão sujeitas ao julgamento de tribunais que ficam acima dele; os advogados dos acusados têm o direito de recorrer a essas autoridades superiores contra qualquer dos seus despachos, e vêm fazendo isso desde que o processo começou. Em praticamente todos esses recursos as decisões de Moro foram confirmadas.

Seu trabalho está sendo vigiado o tempo todo pelos 27 desembargadores das oito turmas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, mais os 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, e, no fim da linha, os onze ministros do Supremo Tribunal Federal. Além disso, ele despacha sob o olhar direto dos onze procuradores federais e dez delegados da PF, pelo menos, que dão expediente na Operação Lava-Jato ─ ao todo, contando com ele próprio, um exército de 93 pessoas. O que mais estaria faltando?

O processo do petrolão, na verdade, é o exato contrário do que têm afirmado desde o começo muitos dos advogados que lideram a defesa ─ mais, naturalmente, o governo e todo o seu sistema de apoio. Sua ideia-mãe, com variações aqui e ali, é que Moro, o Ministério Público e a Polícia Federal estão criando um “regime de exceção” no Brasil, um “estado policial” que nega o direito de defesa, persegue cidadãos sem culpa formada, age com crueldade e prepara um golpe para a “volta da ditadura”. Estariam mancomunados para tirar a liberdade de empreiteiros de obras, diretores da Petrobras, doleiros, o tesoureiro nacional do PT e quem mais estiver sendo investigado por corrupção na Justiça Federal do Paraná. Como assim? Ninguém explica, pois não dá para explicar como seria possível montar uma conspiração secreta com a participação de quase 100 pessoas sem que ninguém falasse nada.

É incompreensível, também, alegar arbitrariedade, violência contra os acusados ou descaso com a produção de provas quando nada menos que 28 cidadãos, todos altamente postados na vida, concordaram até agora, com a plena assistência de seus advogados, em confessar suas culpas, devolver dinheiro ganho ilegalmente e denunciar cumplicidades nos delitos que praticaram. Réus já receberam sentenças das quais não vão apelar. Mais: a “delação premiada”, que levou os envolvidos a colaborar com a Justiça para aliviar suas penas, só existe porque foi criada por lei. Não é uma lei da “ditadura” ou do ex-­presidente Fernando Henrique ─ é a Lei 12850, sancionada em 2013 por ninguém menos que a própria presidente Dilma Rousseff, que ainda na campanha eleitoral do ano passado a apresentava como uma das suas grandes realizações e hoje se diz indignada com ela.

Uma discreta informação surgida no noticiário recente talvez seja a comprovação mais luminosa, pois também é a mais simples, da mudança real que o avanço do estado de direito está produzindo no Brasil. O empresário Emílio Odebrecht, segundo a notícia, queixou-se aos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique, em conversas particulares, por não estar conseguindo fazer nada pela libertação de seu filho Marcelo, acusado de corrupção na Petrobras e preso há dois meses em Curitiba. Lula e FHC disseram-lhe palavras de consolo ─ e isso foi tudo que puderam fazer. Não é preciso pensar mais do que dois minutos para ver que a ação da Justiça está fazendo aparecer um país que jamais existiu antes por aqui.

A Odebrecht é o quarto maior grupo empresarial do Brasil; faturou perto de 34 bilhões de dólares em 2014, emprega cerca de 170 000 pessoas diretamente e influi nos negócios de centenas de outras empresas. Desde quando um dos empresários mais potentes do Brasil, íntimo do primeiríssimo escalão do poder, fala com dois ex-presidentes da República e não consegue tirar o próprio filho da cadeia? Não é assim que este país vem funcionando há 500 anos. Temos leis que não acabam mais ─ mas para que servem se não são aplicadas sempre, por igual e para todo mundo? A Rússia comunista também tinha belíssimas leis ─ previam até a liberdade de imprensa, o voto livre e a independência de poderes. E daí? Lei não é justiça.

Só poderá haver esperança de uma sociedade justa se estiver em funcionamento genuíno um sistema judiciário independente, previsível e capaz de aplicar a lei sempre da mesma maneira ─ e em que os donos do poder não possam demitir os juízes que os incomodam. É o que está acontecendo no petrolão. Marcelo Odebrecht não está preso porque é rico e preside uma empresa gigante. Está preso porque a Justiça, com apoio em fatos, investiga quanto ele está devendo ao Código Penal.

O tiroteio disparado contra Sérgio Moro é uma das mais agressivas campanhas em favor da negação da Justiça que o Brasil já conheceu. É também a comprovação de quanto a ideia de viver sob o império da lei é inaceitável para as forças que mandam na vida pública brasileira. Trata-se do condomínio formado por coronéis da política, que operam nas grandes capitais e andam de jatinho, mas continuam dentro do seu carro de boi mental de sempre, por empresas que vivem de fazer negócios com o governo e por toda a extensa população de parasitas cujo bem-estar material depende, de um jeito ou de outro, da máquina pública. São representados hoje, melhor do que nunca, pelo governo do PT, seu aliado, sócio, protetor e protegido ─ e para manterem o fazendão que chamam de “Estado” estão convencidos de que tudo serve.

Vale, por exemplo, dizer que o combate à corrupção na Petrobras está fazendo o Brasil perder “1% do PIB”, como descobriu a presidente Dilma. A Lava-Jato não pode “paralisar” a economia brasileira, dizem lideranças do PT e do governo ─ por essa maneira de ver as coisas, a economia só crescerá se a ladroagem estiver liberada. A delação de um dos acusados, algum tempo atrás, foi vista como uma manobra internacional para “prejudicar a viagem da presidente aos Estados Unidos”. O ex-presidente Lula compara o combate judicial à corrupção com a perseguição aos judeus na Alemanha nazista.

Vale tudo, também, na tentativa permanente de denunciar o juiz, procuradores e policiais que investigam o petrolão como delinquentes dispostos a violar a lei para satisfazer a “opinião pública”. Personalidades tidas como juristas de elevado saber mostram-se tão convencidas de suas próprias certezas que não pensam mais direito no que estão falando. Uma delas, recentemente, sustentou que o juiz Moro é “um cidadão do sul com volúpia para prender pessoas” ─ e que as confissões dos acusados estão sendo feitas “sob tortura”.

No seu entender, o sujeito que “está acostumado com um bom padrão de vida e é posto numa sala que não tem nem privada”, como ocorre com os empreiteiros e barões da Petrobras presos em Curitiba, “está sendo torturado”. Para aperfeiçoar seu argumento, disse que um preso é um preso, e outro preso é outro preso. “Se você viveu numa favela”, comparou, dá para aguentar uma cela miserável; com um doutor já não é a mesma coisa. Que mais seria preciso para comprovar a angústia do Brasil velho com a mudança ora em execução pela Justiça Federal?

O autor desses pensamentos, enfim, parece ter falado por todos os que combatem os processos do petrolão ao afirmar que “nem no tempo da ditadura” houve tanto desrespeito à lei numa investigação criminal. É mesmo? Se os que dizem isso tivessem um dia levado um bom inquérito policial-militar no lombo, notariam bem depressa as diferenças entre uma época e outra; saberiam, também, que uma cela no DOI­-Codi não tem absolutamente nada a ver com o xadrez da PF de Curitiba.

É um bom sinal para o Brasil que, após um ano inteiro de esforço, tenha dado resultado zero a tentativa de demonstrar que não há corrupção no governo, ou só um pouquinho, e que tudo não passa de uma armação contra os interesses populares. A campanha fracassou porque sempre foi uma missão impossível ─ pretendeu convencer a maioria da população a acreditar que os reis não estão nus, e essa não é uma opção disponível. O trabalho do juiz Sérgio Moro está mais vivo hoje do que estava quando começou. O estado de direito agradece.
Por: J. R. Guzzo   Publicado na versão impressa de VEJA

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A BATALHA PELA LIBERDADE ECONÔMICA


A batalha pela liberdade econômica – todos os louvores às empresas Uber e Lyft

Eis uma pergunta simples e direta: se um indivíduo é cumpridor das leis, possui licença para dirigir, possui um carro novo, confiável e com a manutenção em dia, e possui todos os seguros necessários, há algum motivo racional para proibi-lo de fazer serviços de transporte de pessoa física?

Ou, colocando de outra maneira: se você, na condição de consumidor, decidir contratar os serviços desse indivíduo, que direito tem uma terceira pessoa de impedir essa transação voluntária, mutuamente benéfica, e que não agride terceiros inocentes?

Infelizmente, os taxistas assumiram o papel dessa "terceira pessoa".

As prefeituras de várias cidades ao redor do mundo concederam um poder monopolista a empresas de táxi: o direito de impedir a entrada de concorrentes no mercado. Na prática, as prefeituras criaram uma reserva de mercado legal para os taxistas.

Em alguns casos, esse monopólio assume a forma de um direito exclusivo concedido pelo governo a indivíduos particulares para fornecer serviços de táxi. Em outros casos, o número de licenças para operar serviços de táxi é fixo, de modo que um aspirante a taxista tem de comprar uma licença já em posse de outro taxista.

Na cidade de Nova York, essa licença é chamada de medalhão. Medalhões individuais (pertencentes a taxistas) já foram vendidos por preços que chegam a US$ 700 mil. Já os medalhões corporativos (pertencentes a empresas de táxi) já chegaram a ser vendidos por US$ 1 milhão. Em outras cidades — como Miami, Filadélfia, Chicago e Boston —, as licenças giram entre US$ 300 mil e US$ 700 mil. Estes são os preços de uma licença para ter um táxi e transportar passageiros. [N. do E.: como demonstrado neste artigo, ter um medalhão de táxi em Nova York foi o melhor investimento do século XX].

Quando um comitê da prefeitura decide quem terá o direito de entrar no mercado de táxis, um potencial entrante tem de entrar na fila para solicitar um "certificado de necessidade e conveniência para o público". Quando isso ocorre, advogados dos taxistas que já estão no mercado — mais frequentemente advogados das empresas de táxi — são enviados para a audiência do comitê para argumentar que não há necessidade nenhuma (não há conveniência para o público) de haver um novo participante no mercado.

Já quando os medalhões são vendidos, o potencial comprador tem de ter o dinheiro em mãos ou tem de se demonstrar apto a conseguir um empréstimo. Nos EUA, há até uma empresa — a Medallion Financial Corp. — especializada em conceder empréstimos para a compra de medalhões.

[N. do E.: no Brasil, além dos custos para obtenção da licença, em cidades como Belo Horizonte ou São Paulo a placa de taxista chega a custar legalmente valores entre 90 e 120 mil reais, além dos custos de transação incorridos. No mercado negro, os valores podem variar significativamente e de cidade pra cidade. Em municípios como São Paulo, uma licença para atuar em local privilegiado pode alcançar no mercado negro valores de até 150 mil reais, e uma placa em Porto Alegre pode custar mais de 400 mil reais.]

Quais são, portanto, os efeitos da regulação estatal do mercado de serviços de táxi? Quando um indivíduo tem de apresentar um argumento jurídico, perante um comitê estatal, para entrar em um mercado, quem tem mais chances de sair vencedor: um indivíduo com recursos limitados ou empresas de táxi já estabelecidas e com poderosos advogados na folha de pagamento?

Não sei quanto a você, mas a minha aposta está nas empresas de táxi já estabelecidas, que saberão sempre utilizar o sistema estatal a seu favor para manter os potenciais concorrentes fora do mercado. 

Uma pergunta natural é: quem são as pessoas menos propensas a conseguir concorrer com advogados corporativos e que não têm dinheiro de sobra para conseguir comprar uma licença? Certamente, pessoas de média ou baixa renda. Há várias pessoas que têm carros, que estão desempregadas e que poderiam entrar no ramo de transporte de passageiros, obtendo assim uma renda anual razoável. Mas elas hoje estão proibidas de fazer isso, pois o estado não deixa.

Eis que entram em cena as empresas Uber e Lyft, que prestam serviços de transporte de pessoas. Ambas as empresas utilizam os serviços de motoristas autônomos (conhecidos como freelancers) cadastrados nessas empresas, os quais fornecem serviços de transporte com seus próprios automóveis. Ambas as empresas operam por meio de aplicativos de smartphone, os quais permitem que os usuários, por meio de um clique no celular, peçam serviços de transporte. Esses pedidos são então direcionados para motoristas cadastrados na Uber e na Lyft, os quais então fornecerão serviços de transporte para essas pessoas.

A legalidade dessas empresas está sendo violentamente questionada por empresas de táxi e por políticos a soldo de empresas de táxi (políticos que recebem generosas doações de campanha de empresas de táxi). Ambos os grupos alegam que o uso de motoristas que não possuem licenças de táxi é ilegal e perigoso.

Os motoristas cadastrados no Uber e no Lyft gostam da idéia de trabalhar quando querem. Alguns deles trabalham em tempo integral. Transportar passageiros é uma boa maneira de ganhar um dinheiro extra. Todos — os consumidores deste serviço e os prestadores deste serviço — estão felizes com o arranjo, exceto as já estabelecidas empresas de táxi e os políticos a soldo delas.

As empresas de táxi só conseguem manter seu monopólio porque o estado proíbe a Uber e a Lyft de atuar legalmente. Ambas as empresas também são proibidas de pegar passageiros em aeroportos, rodoviárias e estações de trem.

Mas esse monopólio não irá durar muito. Temos de ter essa esperança.

Por: Walter Williams, professor honorário de economia da George Mason University e autor de sete livros. Suas colunas semanais são publicadas em mais de 140 jornais americanos.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

MARXISMO CULTURAL: O CRISTIANISMO DENTRO DE UMA REVOLUÇÃO

O comunismo é o inimigo satânico do cristianismoA. W. Tozer


Parece que o gigante está acordando, ainda que lentamente, ainda que tardiamente. O tema do Marxismo Cultural está entrando nas pautas e sua nociva influência começa agora a ser denunciada de modo mais constante. Graças aos esforços iniciais solitários do professor Olavo de Carvalho, a percepção de uma revolução silenciosa em curso começa a fazer barulho. Ele teve coragem de amarrar o gonzo no pescoço do gato e este agora já não consegue se achegar tão sorrateiro. Temos de dar honra a quem a merece.

Que o marxismo é anticristão em sua essência e terrivelmente mortal em sua história não é novidade para qualquer pessoa de bom senso que conheça o mínimo de teologia cristã e um pouco dos acontecimentos do século XX. Mas a estratégia adotada pelos teóricos comunistas para fazer triunfar sua fé ideológica no Ocidente tornou o inimigo invisível e imperceptível. Eles inverteram o percurso. Ao invés da derrubada violenta do poder político para dominar e moldar a cultura, a vitória viria pela transformação da própria cultura, segundo os moldes marxistas. Isso seria feito de modo sutil e lento até que a sociedade estivesse pronta para aceitar passivamente o domínio totalitário comunista como salvação messiânica.

Escola de Frankfurt, Antonio Gramsci (este principalmente), Georg Lukács, entre outros, foram as mentes que conceberam e disseminaram as sementes de morte em nossa cultura. Esses intelectuais pensaram, escreveram e agiram para inserir no Ocidente o pensamento pró marxista. E funcionou. O dragão vermelho do comunismo logo começou a ser acariciado como um gato persa e mimado pelos intelectuais como a cura incontestável para todos os males humanos. 

Hoje, símbolos religiosos são violentados sexualmente em plena praça pública, com o dinheiro público e ninguém acha isso anormal. Em um país com grande maioria cristã, a Bíblia e os valores cristãos são diariamente difamados nas escolas e universidades fomentando discriminação e ódio. E isso diante de uma platéia repleta de cristãos. Total silêncio. 

Apesar de o comunismo ter assassinado mais de cem milhões no século XX, os livros escolares silenciam e dessa forma uma versão mutilada da história é apresentada à nova geração. Ainda que o socialismo produziu miséria por onde passou é louvado nas cátedras como redentor. Ao invés das críticas merecidas, recebe apologia constante. 

E o pior de tudo. Mesmo o marxismo sendo ateu, materialista, darwinista e anticristão, encontrou entre os cristãos não apenas quem o defendesse, mas ainda quem se utilizasse de seus conceitos para fazer teologia! Isso não é amar o inimigo. É se prostituir com ele!

Um país onde você encontra marxismo defendido inconteste em escolas, universidades, livros, jornais, política e igrejas, ao mesmo tempo em que se diz que o comunismo morreu, com certeza é um país onde o marxismo cultural já triunfou.

Se acreditamos que as Escrituras Sagradas revelam a verdade absoluta sobre quem é Deus, sobre quem nós somos e sobre o que o mundo é, percebemos que estamos envolvidos em uma atmosfera pútrida que sufoca nossa alma cristã. Se a moral cristã sobre sexo e família é o padrão divino para a humanidade e estamos sendo criminalizados por acreditar nela, então algo está bem errado. Se o ensino religioso é proibido nas escolas e os símbolos religiosos proibidos em repartições públicas, enquanto algo sinistro como a ideologia de gênero é fomentado e empurrado goela abaixo no sistema educacional, há algo errado.

Nada disso é coincidência. É pura estratégia. É fruto de décadas de marxismo cultural, desde que Antonio Gramsci começou a ser publicado no Brasil na década de 1960. 

Dormimos e o inimigo não semeou o joio. Semeou a erva daninha, o parasita que deseja sufocar e destruir todos os conceitos cristãos que sustentamos. Essa cultura de morte quer nos fazer acreditar que nossas crenças e nossa moral não passam de preconceitos arcaicos a serem escondidos bem fundos em nossas vidas privadas, enquanto eles expõem seus conceitos como verdades eternas.

Quando uma maioria esmagadoramente cristã está vivendo esmagada por uma cultura sutil ou declaradamente anticristã é difícil perceber que alguma coisa está muita errada.
Por: Eguinaldo Hélio de Souza é pastor. Do site: http://www.midiasemmascara.org/


terça-feira, 1 de setembro de 2015

PALESTINOS: A DIFERENÇA ENTRE "NÓS"E "ELES"

Enquanto os israelenses realizam comícios para condenar os ataques terroristas contra o nosso povo, nós comemoramos o assassinato de judeus.


Nós não ensinamos ao nosso povo os princípios da tolerância e da paz. Preferimos continuar avalizando e aplaudindo o terrorismo, principalmente quando direcionado contra judeus.

Não dá para contar quantas vezes eu ouvi de judeus israelenses frases como: "sinto-me envergonhado" e "é lamentável" frente ao crime terrível que custou a vida do bebê palestino Ali Dawabsha na semana passada na aldeia de Duma na Cisjordânia.

A contundente reação do público e de líderes israelenses ao ataque incendiário é, honestamente, um tanto consoladora. A profusa condenação israelense a esse crime deixou a mim e a outros palestinos não só envergonhados como também constrangidos, porque não é assim que nós palestinos reagimos aos ataques terroristas contra judeus, mesmo aos assassinatos hediondos de crianças judias.

Na realidade, nossa reação só fez trazer sentimentos de desgraça e desonra. Enquanto o primeiro-ministro israelense, presidente e outras autoridades reagiram de pronto, de maneira contundente, condenando o assassinato de Dawabsha, nossos líderes raramente reprovam os ataques terroristas contra judeus. E quando um líder palestino como Mahmoud Abbas já emite uma condenação, ela costuma ser vaga e ambígua.

Tome por exemplo o que aconteceu no ano passado após o sequestro e assassinato de três adolescentes israelenses por palestinos na Cisjordânia. O Presidente Abbas não só demorou quatro dias para emitir uma nota condenando o ataque, e mesmo assim a condenação foi, na melhor das hipóteses, titubeante: "a presidência palestina... condena a série de eventos que ocorreram na semana passada, que começou com o sequestro de três jovens israelenses". Abbas então passou a condenar Israel por deter dozenos de membros do Hamas após o sequestro e assassinato dos três jovens.

Já em 2014, quando Abbas condenou um ataque terrorista palestino que matou cinco israelenses em uma sinagoga em Jerusalém, Najat Abu Baker, autoridade da Fatah, alguns dias depois explicou que a condenação de Abbas foi feita "dentro de um contexto diplomático... ele é forçado a falar dessa maneira para o mundo".

A condenação por parte de Abbas ao ataque contra a sinagoga nas vizinhanças de Har Nof em Jerusalém se deu, ao que tudo indica, somente devido à pressão do Secretário de Estado dos Estados Unidos John Kerry, que telefonou duas vezes ao líder palestino exigindo que ele se manifestasse contra os assassinatos. A nota de Abbas dizia que a liderança palestina condenava a "matança de crentes em uma sinagoga e todos os atos de violência, independentemente de onde vierem". A nota também pedia o fim das "incursões e provocações de colonos contra a Mesquita de Al-Aqsa".

A condenação ambígua e apática de Abbas dos ataques de palestinos contra israelenses é motivada unicamente para consumo público, objetivando acima de tudo, acalmar doadores ocidentais, de modo que continuem canalizando fundos para a Autoridade Palestina (AP). Além disso, suas condenações quase sempre procuram culpar Israel pelos ataques terroristas desfechados pelos palestinos, aparentemente na tentativa de justificar o assassinato de judeus nas mãos de terroristas palestinos.

Em contrapartida, os líderes israelenses que condenaram o assassinato do bebê palestino, pareciam firmes e inequívocos. O Primeiro Ministro Netanyahu após visitar os pais e o irmão do bebê morto, que ficaram feridos no ataque incendiário e que estão recebendo tratamento médico em hospitais israelenses, disse o seguinte: "quando você fica ao lado da cama dessa criança pequena e, sabendo que seu irmão, ainda bebê, foi brutalmente assassinado, fica-se chocado, fica-se indignado. Nós condenamos isso. Empregamos tolerância zero contra o terrorismo, independentemente de onde vier, independentemente do lado da cerca que vier".

A condenação clara e contundente de Netanyahu deixou a mim e a outros palestinos pensando quando foi a última vez que ouvimos declarações semelhantes dos nossos líderes. Não me recordo de ter algum dia ouvido Abbas ou outro líder palestino dizer estar chocado e indignado sobre o assassinato de um judeu em um ataque terrorista palestino. Tampouco consigo me lembrar da última vez em que eu ouvi uma autoridade palestina ter visitado vítimas israelenses de um ataque terrorista palestino.

A condenação expressada pelos líderes israelenses sobre o assassinato do bebê é uma voz sincera que reflete a ótica da maioria esmagadora do público israelense. Em contrapartida, as condenações dos ataques terroristas pelos líderes palestinos não refletem o sentimento generalizado das ruas palestinas. Toda vez que Abbas relutantemente condena um ataque terrorista palestino, ele fica diante de uma onda de críticas de muitos palestinos.

Diferentemente do público israelense, muitos palestinos, não raramente correm para justificar e até saudar ataques terroristas contra judeus. Foi o que aconteceu há apenas alguns dias, quando um homem israelense foi morto a tiros perto de Ramala. Várias facções e grupos militares palestinos aplaudiram o assassinato, dizendo que se tratava de "uma reação natural aos crimes israelenses".

Há uma diferença gigantesca na forma dos israelenses e dos palestinos reagirem ao terrorismo. O assassinato de Dawabsha levou milhares de israelenses a comícios contra a violência condenando o abominável crime. Alguém já ouviu falar de algum comício semelhante do lado palestino quando terroristas assassinam civis judeus inocentes? Há alguma autoridade do alto escalão palestino ou figura importante que ousaria se manifestar em público contra o assassinato de judeus em um comício no centro de Ramala ou na Faixa de Gaza? Já houve algum ativista palestino que ousasse realizar um comício em uma cidade palestina para condenar ataques suicidas ou o massacre de uma família inteira de judeus?

Enquanto os israelenses realizam comícios para condenar os ataques terroristas contra o nosso povo, nós comemoramos o assassinato de judeus. Quantas vezes saímos às ruas para distribuir balas e doces em júbilo pela matança de judeus? Essas cenas repugnantes de homens e mulheres comemorando ataques terroristas contra judeus nas ruas da Cisjordânia e Faixa de Gaza jamais foram condenadas pelos nossos líderes. Essas cenas se tornaram corriqueiras toda vez que terroristas palestinos cometem ataques terroristas contra judeus.

Essas cenas contrastam duramente com as declarações e comícios realizados em Israel em consequência dos ataques terroristas contra palestinos. Nossos líderes precisam aprender com o Presidente de Israel Reuven Rivlin, que disse estar "envergonhado" e "penalizado" pelo assassinato do bebê palestino. Quando foi a última vez que um líder palestino fez uso de uma retórica dessa natureza para condenar o assassinato de judeus? As declarações lacônicas emitidas pelo gabinete de Abbas em resposta aos ataques terroristas contra judeus jamais falaram de vergonha e dor.

Nós não ensinamos ao nosso povo os princípios da tolerância e da paz. Preferimos continuar avalizando e aplaudindo o terrorismo, principalmente quando direcionado contra judeus. Queremos que o mundo todo condene o terrorismo somente quando ele ceifa a vida de palestinos. Chegamos a um ponto em que muitos de nós têm medo de se manifestar contra o terrorismo ou simplesmente o aceitam quando ele ceifa a vida de judeus.

O presidente israelense tem bons motivos para estar envergonhado pelo assassinato do bebê. Quando os palestinos terão a sensação de vergonha em relação à forma que nós reagimos em relação ao assassinato de judeus? Quando chegará a hora de pararmos de glorificar terroristas e colocar nomes em ruas e praças públicas em homenagem a eles, e sim condená-los de forma categórica e expulsá-los da nossa sociedade? Nós ainda temos muito a aprender do público e dos líderes israelenses.
Por: Bassam Tawil está estabelecido no Oriente Médio.
Publicado no site do Gatestone Institute.
Tradução: Joseph Skilnik