terça-feira, 13 de outubro de 2015

ESTADÃO OU ESTADINHO


Vou repetir a pergunta, hein? Que tamanho deve ter o Estado? Aliás, pra que serve o Estado, hein? Que funções ele deve exercer? Por que tanta incompetência, corrupção e incapacidade, hein? Continuo nessa praia hoje e já aviso que vou deixar uns progressistas aí bem nervosos.

Posso entrar?

Amigo, amiga, não importa quem seja, bom dia, boa tarde, boa noite. Este é o Café Brasil e eu sou o Luciano Pires.

Este programa chega até você com o apoio do Itaú Cultural e do Auditório Ibirapuera que, você já sabe, né? Estão aí, olha, a um clique de distância. 

E quem vai levar o exemplar de meu livro ME ENGANA QUE EU GOSTO é o Salmir, lá de Minas Gerais…

“Bom dia, equipe do Café Brasil, Luciano Pires, Ciça e Lalá. Meu nome é Salmir e eu falo de Joatuba, Minas Gerais, to ido pro trabalho aqui e estou ouvindo o podcast Meritocracia2. Cara, eu não tenho ainda a capacidade intelectual de deixar um comentário tão qualificado igual dos nossos amigos ouvintes aí, que deixam comentários maravilhosos. Mas, eu liguei pra falar da capacidade do Café Brasil de nos fazer pensar nessa questão da meritocracia e, principalmente cara e principalmente me fazer prestar atenção numa letra de funk. Essa música aí do Sou patrão e não funcionário. Eu tenho aversão a funk, na verdade um pouco de nojo, eu nunca consegui prestar atenção em nenhuma letra de funk. Mas, no Café Brasil até uma letra de funk eu consigo ouvir. Etnão, parabéns mesmo pelas ideias aí, por colocar essa minhoquinha no cérebro e fazer a gente conseguir pensar em tudo de uma forma diferente do que foi apresentado até hoje. Um abraço e vida longa ao nosso cafezinho!”

Grande Salmir, eu já disse uma vez e repito aqui: os comentários mais legais não são apenas aqueles escritos com o intelecto, mas os que são feitos com o coração, como você acaba de fazer. Tem uma ideia, pega o fone e manda bala, cara. Muito obrigado. Ainda farei um Café Brasil só sobre esse funk aí que você não suporta, pode esperar.

Muito bem. Além do livro, o Salmir receberá um KIT DKT. O Kit DKT está recheado de produtos PRUDENCE, como géis lubrificantes e preservativos masculino e feminino. PRUDENCE é a marca dos produtos que a DKT distribui como parte de sua missão para conter as doenças sexualmente transmissíveis e contribuir para o controle da natalidade. O que a DKT faz é marketing social e você contribui quando usa produtos Prudence. 

Vamos lá então! Ô dois, hoje eu quero com sotaque mineirinho…

Na hora do amor, use

Lalá e Ciça – Prudence, uai. Ô sô!

Esta série sobre o tamanho do estado promete, viu? Você que ouve o Café Brasil sabe que a lente que eu uso aqui para observar o mundo não é a progressista, de esquerda, mas a liberal, com toques de conservador, não é? Aliás, tem um monte de gente muito brava comigo por conta disso, dizendo que antigamente eu era mais, digamos, imparcial… Imparcial uma ova! Eu sempre fui parcial. O que ocorre é que eu pisei no acelerador politizando mais o Café Brasil de dois anos para cá. E sabe por quê, hein? Porque entendi que os brasileiros estavam, como as crianças da fábula, seguindo Flautistas de Hamelin, hipnotizadas. Aquela música tão gostosa que os hipnotizava selava seus destinos. Era preciso tirá-las do transe, trocar de música, de músico, de instrumento. E isso não poderia ser feito sem tocar mais alto. Por isso abracei com força as ideias do liberalismo e pintei o Café Brasil com elas. Perdi ouvintes? É claro que sim. Mas eu tenho salvo muito mais gente…

Mas, vamos à nossa conversa sobre o Estado. A visão liberal clássica defende que o Estado deve ficar completamente fora da economia, sem se envolver nas funções da indústria, do comércio, do setor financeiro ou monetário, que devem ser entidades que operam num mercado completamente livre, sem qualquer tipo de intervenção estatal, seja para auxilio ou garantias de forma direta ou indireta. Todos os meios de produção devem pertencer à iniciativa privada e quem define a forma como esses meios são empregados, seu sucesso ou fracasso, é o sistema de preços fixado pelo próprio mercado.

O conceito do sistema de preços está na obra de Adam Smith, dois séculos e meio atrás. É, meu caro, isso não é invenção dos coxinhas não, viu… É o sistema de preços que regula a produção e o consumo de produtos e serviços. Num sistema de preços livre, o consumidor escolhe o produto que quer comprar – normalmente o mais barato – e o produtor escolhe que produto vai produzir – normalmente aquele que dá mais lucro. É o equilíbrio entre o desejo do cliente de comprar e o do produtor de produzir, que define os produtos e serviços que serão bem sucedidos. E isso acontece sem que o consumidor e o produtor tenham contato direto! É a tal mão invisível do mercado, aquela que assombra os progressistas. Os preços são fixados pela demanda: produtos que todo mundo quer, tem preços mais altos. E muitas vezes, os produtores baixam os preços para conquistar consumidores. Dois produtores disputando o consumidor constituem o que chamamos de concorrência, que é o que equilibra os preços. Quando o consumidor percebe que o preço de um subiu demais, ele muda para outro produtor mais barato e o mais caro vai ter que baixar seu preço se quiser o consumidor de volta. E assim o mercado vai se regulando.

Essa é a lei da oferta e da procura, que seu avô um dia falou para você: quando um produto é mais procurado, seu preço sobe. Quando a procura cai, o preço desce.

Nesse cenário, lucros e prejuízos são os definidores do sucesso e fracasso de cada empreendimento. Dê aquilo que o seu público quer ou enfrente a ruína econômica. É simples assim. O Estado não se envolve nem mesmo nos chamados serviços sociais como: educação, previdência ou saúde, por exemplo.

Essa visão dos liberais está apoiada na certeza de que a única forma de se conseguir aplicar recursos escassos com eficiência é através do sistema de preços do mercado. É ele que indica as escolhas, urgências e necessidades do público.

Mas sistemas de preços de mercado só podem existir onde houver propriedade privada e liberdade de troca voluntária entre os indivíduos. As pessoas têm de ser donas dos produtos e serviços e ter a liberdade de decidir onde, como, quando e por quanto os trocarão por dinheiro ou por outros produtos e serviços. É essa liberdade que mantém um sistema de preços sadio. Sem propriedade privada não há livre comércio e nem formação de preços pelo mercado.

No livre mercado os empreendedores podem arriscar o pescoço livremente, investindo seus recursos para produzir bens e serviços que eles acham que as pessoas vão querer. Se acertarem no gosto das pessoas, terão lucros, que serão investidos na aquisição de bens e serviços de outras pessoas que produzem coisas que eles precisam.

Divisão do trabalho, acumulação de capital e liberdade de trocas são os fatores que proporcionam o crescimento contínuo de nosso padrão de vida.

Putz! Lalá, a Ciça caiu da cadeira aí! Ajuda ela aí!

Que tal, hein? Podres Poderes, de Caetano Veloso, com o carioca André Muato, que eu acho que você nunca ouviu, não é? É muito bom isso! E olha a dica: a Ciça pega cada música tocada no programa … Aliás, depois do tombo eu não sei, normalmente ela pegacada música tocada no programa, procura a versão em vídeo e cola no roteiro deste programa no portalcafebrasil.com.br. E além disso, na home do portal, do lado direito em cima, tem um link para arádio Café Brasil que tem a programação 24 horas por dia, composta das músicas que tocam por aqui.

E quando o Estado passa a ser o dono dos meios de produção, acaba a liberdade dos consumidores e dos produtores e com ela o sistema de preços de mercado que possibilita comparações e competição entre os produtores. Desaparece a busca incessante por melhorias que permitam ganhar a competição pelo gosto do cliente. É por isso que os serviços estatais jamais serão satisfatórios. Você pode ver trabalhando, por exemplo, num sistema de saúde estatal, pessoas bem intencionadas, bem treinadas e muito motivadas, pode ter equipamentos modernos, processos redondos e mesmo assim não apresentar serviços satisfatórios. No sistema estatal não há risco de falência, de demissão, de fuga para o concorrente. A incompetência não é punida. Se o sistema quebrar, o Estado aumenta os impostos e pronto. Se o sujeito é incompetente, fica por lá anos a fio, pois tem estabilidade de emprego.

Sem o risco da recusa do consumidor aos produtos e serviços que o Estado oferece, a acomodação é inevitável. Isso faz parte da natureza humana.

É o risco de perder, de se machucar, de morrer, de quebrar, de ser demitido, de sofrer dor, que nos impele a sempre querer melhorar.

No pain, no gain.

É o empreendedorismo, o gosto por correr riscos e, especialmente, a possibilidade de ser recompensado pelos riscos corridos que nos empurram para a frente. O Estado não tem isso. O Estado não gosta disso. O Estado não quer isso. Essas são ferramentas da meritocracia. Ferramentas capitalistas.

Caiu de novo

Você ouve O CIO DA TERRA, de Milton Nascimento e Chico Buarque, que a chamou essa música de canção do trabalho agrário. Aqui com as violas de Téo Azevedo e Gedeão da Viola. É maravilhosa…

Pois é… Mas aquele apelo dos que defendem que só um Estado forte pode oferecer serviços gratuitos para todos, é irresistível, não é? Não é linda a perspectiva de um Estadão que proporciona educação gratuita? Saúde gratuita? Transporte gratuito, hein? Ah, sim, e com qualidade, hein? Putz, que sonho!

E como é que se faz para realizar esse sonho? Constituímos um Estado forte, com poder de coagir as pessoas a dar seu dinheiro para que ele possa ser dono das escolas, hospitais, estradas, portos, ferrovias, aeroportos e assim dar ao povo serviços de primeira categoria.

Entendeu o ciclo, hein?

O Estado pega seu dinheiro para oferecer a você serviços gratuitos que você precisa, mas o Estado não sofre nenhuma ameaça se o serviço oferecido for ruim. Você não tem para onde correr. E aí você grita por melhoria dos serviços. E o Estado então diz que precisa de mais dinheiro e aumenta os impostos. E sem ameaça de perder sua preferência, os serviços continuam ruins. E você fica sem escolha… Se quiser qualidade, tem de pagar um plano de saúde privado, segurança privada, transporte privado, educação privada, previdência privada.

Paga duas vezes. E o Estado incompetente, lerdo, ineficaz, continua crescendo.

Ah, mas e os pobres, hein?

Bem, deixe-me primeiro falar desse conceito de “serviços grátis”.

Não existe nada grátis. Alguém sempre está pagando. Também não existe “dinheiro público”. Há um vídeo famoso de Margaret Tatcher.

Há um vídeo famoso de um discurso da ex-primeira ministra britânica Margaret Tatcher em que ela diz assim:

“Um dos grandes debates do nosso tempo é sobre quanto do seu dinheiro deve ser gasto pelo Estado e com quanto você deve ficar para gastar com a sua família.

Não nos esqueçamos nunca desta verdade fundamental: o Estado não tem outra fonte de recursos além do dinheiro que as pessoas ganham por si próprias.

Se o Estado deseja gastar mais, ele só pode fazê-lo tomando emprestado sua poupança ou cobrando mais tributos de você. E é melhor não pensar que outra pessoa vai pagar. Essa outra pessoa é você.

Não existe esta coisa de dinheiro público, existe apenas o dinheiro dos pagadores de impostos.

A prosperidade não virá por inventarmos mais e mais programas generosos de gastos públicos. Você não enriquece por pedir outro talão de cheques ao banco. E nenhuma nação jamais se tornou próspera por tributar seus cidadãos além de sua capacidade de pagar. Nós temos o dever de garantir que cada centavo que arrecadamos com a tributação seja gasto bem e sabiamente. (…)

Proteger a carteira dos cidadãos, proteger os serviços públicos. Essas são nossas duas maiores tarefas e ambas devem ser conciliadas.

Como seria prazeroso, como seria popular dizer: ‘gaste mais nisso, gaste mais naquilo’. É claro que todos nós temos causas favoritas. Eu, pelo menos, tenho. Mas alguém tem que fazer as contas. Toda empresa tem de fazê-lo, toda dona de casa tem de fazê-lo, todo governo deve fazê-lo e este irá fazê-lo.”

Esse discurso foi realizado por Margaret Tatcher em 1983 numa conferência do Partido Conservador Britânico. Como a Ciça está sem condições, eu mesmo colocarei o link para o vídeo no roteiro deste programa em www.portalcafebrasil.com.br .

Muito bem. Todo dinheiro é privado, e sai de nossos bolsos. O busão grátis foi pago com dinheiro dos impostos que você pagou. O SUS grátis foi você que pagou. A escola grátis foi você que pagou. Sacou?

Voltamos então aos pobres.

Para mim qualquer indivíduo que tenha uma situação financeira mais confortável tem obrigação moral de ajudar outros indivíduos mais necessitados. Os ricos devem sim, ajudar os pobres a sair de situações de fragilidade e encontrar meios para se auto sustentar. Mas essa obrigação moral é voluntária, não deveria ser impingida pelo Estado, até por uma contradição com sua missão.

A missão primordial do Estado é defender de interferências violentas a vida, a liberdade e a propriedade honestamente adquirida por seus cidadãos. Vida, liberdade e propriedade, lembra? Coisas essenciais para que o mercado funcione. Ao assumir o papel de tomar dinheiro dos que têm para redistribuir aos que não têm, o Estado passa a praticar a violência que deveria prevenir. O mesmo Estado que defende, violenta. É uma esquizofrenia. Ou defende a propriedade ou a redistribui.

Entendeu a questão?

É por isso que os Stédiles, PSÓis e PSTUS da vida vivem com o discurso de acabar com a propriedade privada, transferindo tudo para o Estado, que então será o grande pai, o provedor, o que distribuirá as benesses para todo o povo.

O nome disso é socialismo. Aquele treco que nunca deu certo em nenhum lugar do mundo.

A fundo você ouviu SE ESSA RUA FOSSE MINHA, com Ricardo Herz e Carlos Nunez…

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Texto especial para a versão do programa para assinantes.

Surgem então esses conceitos que você vê por aí, de “justiça social”, como se o termo “justiça” devesse ter algum adjetivo a ele acoplado. Em nome da justiça social o Estado pode confiscar parte de sua propriedade privada, de sua renda.

Pausa. Nesta altura, se ainda há algum progressista ouvindo este programa, já deve estar urrando, esperando que eu diga que comunistas vão tomar a sua casa e fazer com que você coloque dentro dela uma família carente, como numa cena de Doutor Jivago. Não vou chegar a tanto.

O que estou dizendo é que quando o Estado, em nome da justiça social, assume responsabilidades de confisco e redistribuição da propriedade privada – e é isso que são os impostos – seu direito, de você aí, o seu aí ó, de propriedade, sua liberdade, está em risco.

- Ah, Luciano, mas eu abro mão de um pouco da minha liberdade se for para ajudar outras pessoas.

Que pessoas hein, cara pálida?

- Os pobres e oprimidos.

Bem, eu gosto muito de uma frase de um professor alemão chamado Martin Grundler, que disse um dia:

“É fácil relevar a liberdade quando ela nunca foi tirada de você.”

Abrir mão de um pouco da liberdade… quanto é esse pouco? E se amanhã precisar de mais um pouco? Tá valendo?

Quando o Estado se coloca como o juiz que define que há outras pessoas mais necessitadas e ou moralmente dignas que você, e que portanto, merecem uma parte de seus direitos, de sua propriedade ou sua liberdade, mergulhamos no universo perigoso da incerteza.

E se você não for amigo ou protegido do rei, hein?

Onde quero chegar? O discurso do Estado é a busca por algo impossível de ser alcançado, a igualdade e a justiça social ao mesmo tempo. E como isso é impossível, mas o discurso é irresistível, cria-se aquela ideia da utopia e o Estado vai exigindo cada vez mais poderes. Vai crescendo. Vai entrando em todas as áreas de nossas vidas, a ponto de ser praticamente impossível imaginar como seria uma vida com o Estado mínimo.

O Estado que tudo pode, pode mais que qualquer indivíduo. Passa a ter direitos que nenhum de nós tem. E, como uma espécie de Skynet (quem assistiu O Exterminador do Futuro sabe o que é), ganha vida própria e passa a ter suas próprias definições sobre moral e justiça. E passa a impô-las sobre os indivíduos.

Se você gastou quase 200 reais para trocar o extintor de incêndio de seu carro pelo tal modelo ABC que o Estado decidiu que é melhor e que seria obrigatório a partir de primeiro de outubro de 2015, sabe do que é que estou falando. Uma semana antes do prazo final o Estado voltou atrás e decidiu que extintores nos carros não são mais obrigatórios. E os duzentos reais que você gastou por causa da igualdade? Se transformaram em prejuízo por causa da liberdade, ué.

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Muito bem. O Estado que eu sonho é aquele que assegura o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, (parece um progressista falando, cara!) fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

Esse trechinho que eu falei aqui cara, é o começo da Constituição brasileira, viu? Só pra você entender.

Mas entendeu, hein? Liberdade, igualdade, bem estar como VALORES. VALORES. E eu duvido que você discorde de mim.

Mas esse estado não tem de ser dono de nada. Não tem que produzir nada. Esse Estado é pequeno, enxuto, focado onde pode realmente agregar valor à sociedade. Esse estado não vai tomar de um para dar para outro, ele vai incentivar que a ajuda humanitária, a benfeitoria, as doações, o apoio à cultura e às causas assistenciais tenham seu valor reconhecido e assim, atraia mais gente voluntariamente para sua prática.

Esse Estado não intervencionista e não autoritário permitirá que cada indivíduo escolha onde e como educar seus filhos, cuidar de sua saúde e de seus investimentos.

Esse estado estimulará, eliminando obstáculos burocráticos e juros estratosféricos, que mais gente empreenda, corra riscos, crie serviços e produtos que poderão chegar a todas as camadas da população.

Esse Estado compreende que quem sai do rebanho para se arriscar a fazer algo que melhore a sociedade, merece ser recompensando por isso.

Esse Estado sabe que livre mercado e bem estar social não são excludentes. É impossível ter serviços e produtos na qualidade e quantidade necessárias para atender a toda a população sem ter uma economia eficiente. E nesse contexto não cabe a mão peluda que tudo controla.

Esse Estado sabe que quanto maior for, mais incompetente, corrupto e caro será.

Esse Estado sabe que justiça social por decreto, não existe.

No programa 464 – Desigualdade social, eu falei de Rousseau e do Contrato Social, lembra? Volte lá. Aquele programa complementa muito do que você está ouvindo aqui hoje.

Esse tema do tamanho e das responsabilidades do Estado é quente, não é? Fica esperto aí viu, que eu vou voltar a ele de quando em quando.



Só se não for brasileiro nessa hora
Galvão
Moraes Moreira

Desde lá, quando me furaram a primeira bola no meio da rua, na minha terra quer dizer,
Juazeiro onde se dá ao mesmo tempo Ituaçú.

Desde lá, quando me furaram a primeira bola no meio da rua, na minha terra quer dizer,
Juazeiro onde se dá ao mesmo tempo Ituaçú.

O ho ho ho, a vizinha tem vidraças. Tem sim sinhô.
O ho ho ho, a vizinha tem vidraças. Tem sim sinhô.

Ao meus olhos bola, rua, campo e sigo jogando porque eu sei o que sofro e me rebolo para continuar menino como a rua que continua uma pelada.

Que a vida que há do menino atrás da bola: para carro, para tudo. Quando já não há tempo

Para pito, para grito e o menino deixa a vida pela bola…

Só se não for brasileiro nessa hora!
Só se não for brasileiro nessa hora!

É assim então, ao som da SÓ SE NÃO FOR BRASILEIRO NESSA HORA, um daqueles petardos dos Novos Baianos, que vamos saindo pensativos.

Com o preocupadíssimo Lalá Moreira na técnica, a descadeirada Ciça Camargo na produção e eu, que quero um estadinho piquinininho, Luciano Pires na direção e apresentação.

Estiveram conosco o ouvinte Salmir, um cover do Pink Floyd, André Muato, Gedeão da Viola e Théo Azevedo, Ricardo Herz, os Novos Baianos e… Margareth Tatcher.

E não esqueça da Pellegrino, que além de ser uma das maiores distribuidoras de auto e motopeças do Brasil, também distribui conhecimento sobre gestão, comunicação e outras coisas legais em sua página em facebook.com/pellegrinodistribuidora. Conheça. E se delicie.

Pellegrino distribuidora. Conte com a nossa gente.

Este é o Café Brasil, que chega a você com o apoio do Itaú Cultural e do Auditório Ibirapuera. De onde veio este programa tem muito mais. Visite para ler artigos, para acessar o conteúdo deste podcast, para visitar a nossa lojinha no …portalcafebrasil.com.br.

Mande um comentário de voz pelo WhatSapp no 11 96789 8114. E se você está fora do país: 55 11 96789 8114. E também estamos no Viber, com o grupo Podcast Café Brasil.

E se você acha que vale a pena ouvir o Café Brasil e quer contribuir, agora é possível viu, fazer uma assinatura do programa. Acesse podcastcafebrasil.com.br, atenção: não é portal Café Brasil, é podcastcafebrasil.com.br e clique no link CONTRIBUA para saber mais. Agradeço aqui aos 260 ouvintes que já assinaram, viu? Mais que o valor financeiro, você já sabe, é o gesto de confiança que nos enche de orgulho.

E para terminar, uma frase de Sigmund Freud

O estado proíbe ao indivíduo a prática de atos infratores, não porque deseje aboli-los, mas sim porque quer monopolizá-los.


segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A METAFÍSICA DO SUDÃO

O Brasil tem uma máquina estatal gigantesca. Todo mundo sabe. O pior é que aqueles que deveriam pensar esse problema, na sua maioria, são os que permanecem na esfera desse Estado, fazendo uso dele e alimentando sua burocracia infernal. E defendendo-a. Só gente mau informada, de má fé ou ignorante espera alguma coisa do Estado.

A filósofa russo-americana Ayn Rand, boicotada nos departamentos de filosofia no Brasil por ser uma liberal radical, nos chamou a atenção para um fato significativo: quando produtivos dependem de improdutivos para produzir, estamos numa fria. Esse é o caso do Brasil.

No Brasil, você sempre está na condição de herói de tragédia clássica, que luta contra um destino irrevogável, leia-se, o Estado brasileiro. Essa descrição maravilhosa é de José Guilherme Merquior no seu "O Liberalismo - Antigo e Moderno", editora É Realizações. Merquior fala aqui da tradição francesa de esmagar o indivíduo sob a bota da máquina estatal.

Pense no número de formulários enormes que você deve preencher. Pense no que você gasta de tempo e dinheiro para ter gente que te ajude a enfrentar a burocracia criada por especialistas em improdutividade.

No caso específico da educação superior, esta fato é uma evidência. Uma gigantesca burocracia, servida por "gestores" que se locupletam a fim de garantir espaços institucionais de poder, vem transformando a vida da pós-graduação no Brasil numa peregrinação de irrelevâncias.

Agora, a maldição invade a graduação, tornando o dia a dia um deserto de formulários que supostamente servem a universidade, mas que na realidade servem apenas a gente com o "gozo da burocracia", que assim detém o poder sobre as instituições particulares, sempre inimigas de governos ideologicamente estatistas, como o governo federal é há anos.

No Brasil, abrir uma pequena empresa é um inferno de impostos e siglas, que, por sua vez, se constituem num mercado tecnocrático em si, fazendo do infeliz empreendedor um desgraçado a mercê da última invenção de algum burocrata de Brasília.

E todos os neolíticos que apostam na máquina do Estado para fazer "justiça social" batem palmas para essa metafísica do Sudão.

Este tipo de cultura atrasada faz com que aqueles que nada produzem mandem no processo, obrigando você a produzir nada (servindo as exigências burocráticas deles) ou a produzir irrelevâncias que, por si só, servem aos esquemas burocráticos.

Num universo como este (um novo círculo do inferno de Dante), o dinheiro se torna refém de quem nada produz, mas detém os mecanismos de tortura sobre suas vítimas, os produtivos, que os carregam nas costas. Servir a essa máquina se torna a garantia de permanecer existindo dentro dessa cadeia, supostamente produtiva, mas onerada pela metafísica do Sudão que a alimenta.

E a corrupção é a grande cereja do bolo de um país com essa metafísica. Quanto maior o Estado, quanto maior seus tentáculos sobre a sociedade, mais ele venderá facilidades para resolver as dificuldades que ele mesmo cria, e que constitui a moeda de toda mentalidade improdutiva.

Do que vive um improdutivo? Antes de tudo, do gozo de infernizar quem produz (dizendo que está preocupado com a "qualidade" ou com a "igualdade"). Passa suas horas imaginando procedimentos que obriguem as pessoas a saírem da cadeia produtiva para servir a essa cadeia da inércia.

Mas a inércia tem suas vantagens. Primeiro, facilmente garante tempo livre para não fazer nada, claro, às custas de quem tem de correr mais e ficar mais estressado para atender as demandas de quem não produz nada.

Mas, talvez, o maior inferno seja mesmo o fato de que em países com essa metafísica da "justa improdutividade", a lei proteja o improdutivo e puna o produtivo que não aceitar ferir sua produção para servir à máquina que torna a vida um nada de formulários, impostos e exigências, que crescem a cada dia.

Imagino um desses improdutivos, com os olhinhos brilhando, acordando de manhã e se perguntando: como posso tornar a vida dos produtivos mais miserável hoje?
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

domingo, 11 de outubro de 2015

PEQUENO ROTEIRO PARA DISTINGUIR ENTRE EDUCAÇÃO E DOUTRINAÇÃO

O termo “educação” é o de problemática definição. Vários sentidos, muitas vezes com pouquíssima relação entre si, foram se agregando à palavra “educação” com o passar do tempo. A razão para essa infindável diversidade semântica foi a excepcional circunstância de que, a partir do Iluminismo, a educação passou a ter uma forte conotação emocional, significando “o instrumento fundamental de transformação individual e social”. Nesse sentido, a educação passou a ser um conceito agregador de todas as transformações sociais e individuais visualizadas pelas mais diversas correntes ideológicas.

Entre as várias definições reconhecidas de educação, destaco:

“Educação desenvolve no corpo e na alma do aluno toda a beleza e toda a perfeição de que ele é capaz.” (Platão)

“A educação é a criação da mente sadia em um corpo sadio. Desenvolve a faculdade do homem, especialmente sua mente, para que ele possa ser capaz de desfrutar a contemplação da verdade suprema, a bondade e beleza.” (Aristóteles)

“A educação é o desenvolvimento da criança de dentro.” (Rousseau)

“A educação é desdobramento do que já existe em germe. É o processo através do qual a criança faz com que o interno torne-se externo.” (Froebel)

“A educação é o desenvolvimento harmonioso e progressivo de todos os poderes e faculdades inatas do ser humano – físicas, intelectuais e morais.” (Pestalozzi)

“A educação é o completo desenvolvimento da individualidade da criança para que ela possa fazer uma contribuição original para a vida humana de acordo com o melhor de sua capacidade.” (T. P. Nunn)

Apesar dessa diversidade de definições, é possível identificar uma essência comum a todas elas: a educação diz respeito a um desenvolvimento, uma maturação, um florescimento do potencial individual. [1] Nesse sentido, a educação não é um pensamento ou uma teoria, mas uma forma de ação concreta sobre o indivíduo:

Educação é ação, e a definição de Durkheim parece-nos excelente: “A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as que ainda não amadureceram pela vida social.” Ação de uma personalidade sobre outras, criação de comunicações psicológicas entre seres humanos, a educação pertence ao domínio da arte: a arte de criar condições favoráveis a essa ação profunda, suscetível de orientar a evolução de um sujeito, a arte de manejar certas técnicas de ação, a arte de conduzir para os objetivos determinados aqueles cujo encargo nos pertence.

Analiticamente, é possível constatar que a educação:

Compreende diversos processos de aprendizagem no decorrer da vida, sem limitação a uma situação específica, como a escolar;

a)Consiste essencialmente no desenvolvimento de um poder inato da pessoa;

b)É um processo dinâmico, que se desenvolve de acordo com as mudanças na situação concreta da pessoa;

c)Em regra, é um processo tripolar, que requer a participação do educador, do educando e da sociedade em que eles vivem.

Propaganda [2] ou doutrinação é uma forma de comunicação que busca influenciar o comportamento dos destinatários em direção a determinada causa ou ideologia. A modificação comportamental, por sua vez, consiste em um estágio mais avançado da doutrinação, pois utiliza técnicas empiricamente demonstradas para aumentar ou diminuir a frequência de um comportamento. Há controvérsia a respeito da possibilidade de uma diferenciação essencial entre educação e propaganda ou doutrinação. Porém, considerando a educação no sentido clássico de “formação integral do ser humano”, é possível realizar uma série de distinções entre educação e doutrinação ou propaganda, como será detalhado no quadro a seguir.

Doutrinação e propaganda
Educação
Unilateral: Diferentes ou opostos pontos de vista são ignorados, deturpados, subrepresentados ou denegridos.
Multifacetada: As questões são examinadas a partir de muitos pontos de vista; os lados opostos são equitativamente representados.
Usa generalizações, declarações “totalizantes” e despreza referências e dados específicos.
Usa qualificadores: as declarações são apoiadas em referências e dados específicos.
Omissão seletiva: Dados cuidadosamente selecionados – e mesmo distorcidos – para apresentar apenas o melhor ou o pior caso possível. A linguagem é usada para esconder.
Equilibrado: Apresenta as amostras de uma ampla gama de dados disponíveis sobre o assunto. Linguagem usada para revelar.
Uso enganador das estatísticas.
Referências estatísticas qualificadas com respeito ao tamanho, duração, critérios, controles, fonte e subsídios.
Aglomeração: ignora distinções e diferenças sutis. Tenta reunir elementos superficialmente semelhantes. Raciocina por analogia.
Discriminação: Assinala as diferenças e distinções sutis. Use analogias com cuidado, apontando diferenças e casos de inaplicabilidade.
Falso dilema (ou/ou): apenas duas soluções para o problema ou duas maneiras de ver a questão - o “caminho certo” (o caminho do orador ou do escritor) e o “caminho errado” (qualquer outra forma).
Alternativas: Há muitas maneiras de resolver um problema ou visualizar uma questão.
Apelos a autoridade: declarações selecionadas de autoridades utilizadas para encerrar uma discussão. Abordagem “Só o especialista sabe”.
Apelos à razão: Declarações de autoridades e partes envolvidas utilizadas para estimular o pensamento e a discussão. “Especialistas raramente concordam”.
Apelos ao consenso ou “efeito arrastão”: “Se todo mundo está fazendo isso, então devem estar certos”.
Apelos aos fatos: fatos selecionados a partir de ampla base de dados. Aspectos lógicos, éticos, estéticos e psicoespirituais considerados.
Apelos às emoções: Usa palavras e imagens com fortes conotações emocionais.
Apelos à capacidade das pessoas para respostas fundamentadas e atenciosas: usa explicações e palavras emocionalmente neutras.
Rotulagem: usa rótulos e linguagem depreciativa para descrever os defensores de pontos de vista opostos.
Evita rótulos e linguagem depreciativa: aborda o argumento, e não as pessoas que apoiam um ponto de vista específico.
Promove atitudes de ataque e/ou de defesa com o objetivo de vender uma atitude ou produto.
Promove atitudes de abertura e de pesquisa. O objetivo é descobrir.
Ignora os pressupostos e os vieses embutidos.
Explora os pressupostos e os vieses embutidos.
O uso da linguagem promove a falta de consciência.
O uso da linguagem promove maior consciência.
Pode levar à pobreza de espírito e à intolerância.
Pode levar à compreensão e à visão mais abrangente.
Estudos citados escondem os conflitos de interesse das fontes de financiamento.
Estudos citados revelam os conflitos de interesse das fontes de financiamento.
As estatísticas sempre são apresentadas para mostrar o máximo de dano do problema e mínimo de danos da solução.
As estatísticas são apresentadas para mostrar vários aspectos do problema, nem sempre a partir de uma abordagem maximalista ou minimalista.
Notas:
[1] A palavra “educação” vem do latim educativo, que significa não apenas “educação, instrução”, mas também “ação de criar, alimentar; alimentação; criação; cultura”. É significativo ainda que a palavra educator, que deu origem a “educador” significa “aquele que cria, alimenta; pai; o que faz as vezes de pai. Aio; preceptor”. Por fim, educo significa “conduzir para fora; fazer sair; tirar de” (TORRINHA, Francisco. Dicionário Latino-Português, p. 278. Porto: Edições Maranus, 1945)

2] É preciso diferenciar propaganda de publicidade. A despeito de ambas terem por objeto a indução de determinados comportamentos, a propaganda tem um escopo mais amplo, pois busca definir uma ampla gama de comportamentos do destinatário, enquanto a publicidade busca apenas induzir os destinatários a se tornarem consumidores de terminados produtos ou serviços.
Por: Alexandre Magno Fernandes Moreira é advogado. Do site: http://www.midiasemmascara.org/

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O REINO DO SUBJETIVISMO

As falsidades do dia refletem a deformidade intelectual profunda das "classes falantes" no Brasil.

Quando você ouve falar em "corrupção endêmica", nepotismo português" e coisas do gênero para explicar o Petrolão, você está certamente ouvindo um idiota ou um charlatão.

Embora escrito por um matemático e lógico de formação – ou talvez justamente por isso --, O Homem Soviético, de Alexander Zinoviev, é um dos melhores livros de sociologia já publicados no mundo. Sem lê-lo ninguém jamais compreenderá o funcionamento da sociedade soviética ou das muitas que direta ou indiretamente se inspiraram nela.

Entre outras mil coisas valiosas, o autor aí ensina que em toda carreira profissional, majestosa ou humilde, há dois conjuntos de conhecimentos, diferentes e incomunicáveis entre si, que o cidadão tem de dominar para alcançar algum sucesso.

O primeiro refere-se, naturalmente, ao objeto ou propósito da tarefa a desempenhar. Se o sujeito trabalha numa fábrica de sabonetes, tem de saber algo sobre sabonetes. Se é enfermeiro, algo sobre corpos humanos, doenças e remédios. Se é legislador, juiz ou advogado, algo sobre leis. Se é escritor ou jornalista, algo dos assuntos sobre os quais escreve e do idioma que emprega. E assim por diante.

O segundo conjunto de conhecimentos, que não pode ser deduzido do primeiro e tem de ser adquirido independentemente, ensina como o cidadão tem de tratar os colegas, os chefes e o público para sobreviver e, se possível, subir na hierarquia profissional. São códigos de conduta explícitos ou implícitos, modos de falar, hábitos compartilhados, táticas de lisonja e arte da intriga, alianças grupais, projeção da imagem pessoal, etc. etc. Inclui mesmo, por incrível que pareça, a técnica de preservar um pouco da própria dignidade no meio dessas manobras.

Zinoviev não dá um nome distinto a cada um dos conjuntos, mas, para simplificar, direi que se trata, respectivamente, de requisitos objetivos e subjetivos para o desempenho profissional.

Essa dupla série de exigências é universal e incontornável, mas o peso respectivo das duas ordens de fatores varia de sociedade para sociedade e, é claro, em diferentes áreas da mesma sociedade.

Onde tudo funciona bem e com rentabilidade máxima, o fator subjetivo está subordinado ao objetivo e suas exigências não pesam muito sobre o desempenho de patrões e empregados. As pessoas sobem ou descem na hierarquia conforme sirvam bem ou mal às finalidades do empreendimento. O sucesso segue e reflete a competência, que por sua vez pode ser mensurada objetivamente.

Numa economia de mercado, descontadas as eventuais distorções, como por exemplo os efeitos da propaganda enganosa que pode simular competência e funcionalidade onde não existe nenhuma, as coisas tendem naturalmente a tomar o rumo da competição objetiva. O produto melhor e mais barato é bem aceito pelo público, e é melhor e mais barato porque na empresa produtora a objetividade no desempenho prevaleceu sobre os jogos políticos internos.

Numa economia altamente estatizada, onde a sorte das empresas depende menos da aceitação popular que dos favores do governo, a ordem se inverte. Se os produtos e serviços são ruins, os consumidores não têm mesmo os meios de reclamar, mas um sorriso ou uma cara feia do chefe – numa escala que vai do subgerente de departamento aos altos postos do governo federal – podem decidir o sucesso ou fracasso de uma carreira. A medida de capacidade e eficiência torna-se cada vez mais subjetiva, e as competições políticas, as intrigas de grupos, os jogos de imagens se tornam a principal ocupação de todos.

Não é preciso dizer que, nessas circunstâncias, a situação real da economia e da sociedade torna-se cada vez mais evanescente, e só o que permanece visível aos olhos de todos é a hierarquia dos prestígios, o brilho ou obscuridade das imagens, as simpatias e antipatias, a subida ou descida de indivíduos e grupos na escala da fama.

A sociedade torna-se um teatro, e cada um dos agentes sociais e políticos um ator, um farsante.

Esse fenômeno pode chegar a extremos de insanidade que o cidadão comum mal consegue imaginar. Hoje sabe-se, por exemplo – Zinoviev não o menciona, mas é uma confirmação brutal do seu diagnóstico --, que toda a economia estatal soviética, que professava ser o suprassumo do controle racional em oposição ao alegado “caos” da economia de mercado, se baseava em estatísticas inteiramente imaginárias, concebidas para projetar uma boa imagem do governo e não para dar aos governantes uma visão adequada do que estava acontecendo. A sociedade era guiada por cegos que não se incomodavam de não ver nada, só ligavam para o como eram vistos. Não é preciso, na verdade, levar em conta nenhum outro fator para compreender a rapidez com que o sistema desabou. O todo-poderoso regime soviético não era um ídolo de pés de barro. Era uma estátua inteira de barro, pintada de bronze.

No Brasil, com certeza, ainda não chegamos a esse ponto, no que diz respeito à economia. Malgrado algumas falsificações ocasionais, ainda podemos saber mais ou menos o que se passa na realidade: quanto produzimos, quanto vale o dólar, quanto devemos, quanto nos roubaram, etc. etc.

Mas saiam um pouco do âmbito da economia, e verão que em tudo o mais reina, absoluto e irrefreável, o poder do subjetivismo galopante. A realidade não tem a menor chance, só o que conta é a impressão, a boniteza da imagem, a moderação pseudo-elegante das palavras, o culto das aparências tranquilizantes e das receitas anestésicas.

Sabemos, por exemplo, que cinqüenta por cento dos formandos das nossas universidades são analfabetos funcionais, mas, quando um sujeito se apresenta como professor disto e daquilo na faculdade não sei das quantas, ainda o rodeamos de salamaleques e rapapés, sem notar que, em cinqüenta por cento dos casos, o que ele está nos mostrando é um certificado de analfabetismo funcional. As universidades tornaram-se fábricas de imbecis, mas continuam a ser respeitadas como usinas do saber, sem que ninguém pense em questionar a sua função na sociedade ou submetê-las a um cálculo de custo-benefício.

Sabemos que um governo reprovado pela quase totalidade da população continua no poder com a ajuda de uma oligarquia financeira voraz e de uma classe política na qual os representantes se voltam frontalmente contra os representados, mas continuamos falando em “estabilidade das instituições democráticas”, como se estas não tivessem se convertido precisamente no seu oposto.

Sabemos que, no país onde vigora talvez o mais rígido sistema de desarmamento civil no mundo, onde até mesmo brinquedos em forma de armas são proibidos, a taxa de homicídios cresce sem parar e já está chegando a setenta mil vítimas por ano. Já faz dez anos que o povo, mostrando estar ciente desse descalabro, votou maciçamente pela liberação dos portes de armas, mas o Congresso, a Presidência da República e a grande mídia continuam fazendo de conta que não sabem disso, que nunca ouviram falar nem da matança contínua nem do plebiscito.

Todos sabemos que o PT foi colocado no poder para salvar da extinção o movimento comunista no continente e montou para esse fim o mais formidável esquema de corrupção de que se tem notícia no mundo, mas até agora a quase totalidade dos heróicos oradores que denunciam a roubalheira insiste em falar genericamente de “corrupção”, culpando fatores sociológicos anônimos para não dar nomes aos bois. Sobretudo para não mencionar o nome proibido: Foro de São Paulo. O sr. Hélio Bicudo, que alguns espertalhões exumaram da lata de lixo da História para fazer dele o novo herói do antipetismo, chega ao paroxismo da desconversa ao apontar, como causa de toda a safadeza, a “herança do nepotismo português”, enquanto outros preferem falar do “mercantilismo”, da “Contra-Reforma”, isto quando não culpam o capitalismo pelos crimes dos comunistas no poder.

As falsidades do dia refletem a deformidade intelectual profunda das "classes falantes" no Brasil. Na investigação de qualquer fenômeno político-social, conforme aprendi com Georg Jellinek, a regra mais elementar é distinguir e articular os atos voluntários e a confluência acidental de fatores gerais e anônimos. No Brasil, a regra é esconder os primeiros sob os segundos. Ações que têm uma autoria clara e determinada, atestada em documentos e confissões, são explicadas por forças sociológicas impessoais, dissolvendo, assim, a figura dos autores. Quando você ouve falar em "corrupção endêmica", nepotismo português" e coisas do gênero para explicar o Petrolão, você está certamente ouvindo um idiota ou um charlatão. O Petrolão, assim como o resto da roubalheira petista, foi planejado com décadas de antecedência para dar à esquerda o controle hegemônico da sociedade brasileira e salvar da extinção o movimento comunista em outros países, debilitado pela queda da URSS. Fatores mais genéricos podem ter sido usados apenas como causas ocasionais suplementares dentro de uma ação racionalmente planejada e executada. Apelar a esses fatores para explicar o império do crime criado pelos petistas é como atenuar as culpas de um estuprador atribuindo-as ao fenômeno geral da atração entre os sexos. Pode-se fazer isso por idiotice ou por vigarice genuína. Por nenhum outro motivo.

Por que as pessoas agem assim? Por que políticos, professores, jornalistas, desviam os olhos dos fatos mais gritantes e preferem apelar a generalidades ocas empacotadas em chavões já gastos e esvaziados pelo tempo? É que o Brasil já se tornou a sociedade disfuncional descrita por Zinoviev, onde cada um só pensa no papel a desempenhar perante os chefes, os colegas e o público, consumindo nisso todas as suas energias, sem querer nem poder mais prestar atenção aos fatores objetivos. É o reino do subjetivismo desvairado, o império da “boa impressão”, onde os fatos não têm vez e os problemas, em vez de focos de atenção sincera, se tornam apenas pretextos para um desempenho teatral. 
Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.

POR QUE ME FRUSTREI COM O COMUNISMO

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O LENTO SUICÍDIO DO IMPÉRIO ROMANO


O lento suicídio do Império Romano - gastos crescentes, assistencialismo, privilégios e inflação

Se acontece até mesmo com poderosos impérios, por que não pode acontecer com simples nações?

Muito antes de pacotes governamentais de socorro a empresas, programas assistencialistas e inflação monetária se tornarem uma rotina, os romanos já haviam vivenciado esquemas semelhantes. Há mais de 2.000 anos.

Naquela época, o governo romano socorreu instituições falidas, perdoou dívidas, gastou enormes quantias em programas assistencialistas e incorreu em uma grande inflação monetária.

E o resultado não foi bonito.

Naquela época, assim como hoje, os políticos romanos escolheram, segundo critérios próprios, quem seria socorrido e quem seria esquecido, quem seriam os "ganhadores" e quem seriam os "perdedores". Obviamente, os "ganhadores" foram aqueles que usufruíam boas conexões políticas — uma prática que hoje está no cerne do nosso arranjo político-econômico.

Como já observaram vários pesquisadores da época, tais esquemas baseados em "tirar de Pedro para dar a Paulo" foram cruciais para a falência da sociedade romana. Para mantê-los, o estado teve de recorrer a intervenções cada vez mais destrutivas. "Roma não foi construída em um dia", como diria o velho ditado — e seria igualmente necessário um bom tempo para destruí-la. Quando a república se transformou em um despotismo imperial, os imperadores tentaram controlar toda a economia.

Perdoar dívidas na Roma antiga, embora fosse uma questão controversa, foi um ato que se repetiu diversas vezes. Um dos primeiros reformadores populistas romanos, o tribuno Licínio Stolo, aprovou uma lei, em 367 a.C, uma época de instabilidade econômica, que essencialmente declarava uma moratória sobre a dívida. A lei permitia aos devedores não mais pagarem os juros sobre principal caso o restante da dívida fosse pago dentro de um período de três anos.

Já em 352 a.C., a situação financeira de Roma continuava complicada, e o Tesouro resolveu arcar com inúmeras dívidas privadas que haviam sido caloteadas. À época, supunha-se que os devedores eventualmente reembolsariam o estado. E se você acredita que isso aconteceu, então você provavelmente deve pensar que emprestar para o atual governo grego é um investimento seguro.

Para se ter uma ideia, em 357 a.C., a maior taxa de juros permitida para empréstimos era de, aproximadamente, 8%. Dez anos depois, tal taxa foi considerada alta demais, e os administradores romanos reduziram o teto para 4%. Em 342 a.C., tais as reduções sucessivas aparentemente não foram capazes de acalmar os devedores ou de satisfatoriamente atenuar as tensões econômicas. Consequentemente, o governo teve a brilhante ideia de simplesmente abolir os juros.

O que houve então? O óbvio: várias pessoas passaram a não mais emprestar dinheiro. Tal situação perdurou até que essa lei que proibia juros simplesmente passou a ser ignorada.

Em 133 a.C., o então ambicioso e promissor político Tibério Graco decidiu que as medidas de Licínio ainda não eram suficientes. Ato contínuo, Tibério aprovou uma lei que concedia grandes extensões de terras cultiváveis do estado para os pobres. Adicionalmente, o governo financiou a construção de novas moradias e a compra de ferramentas para essas pessoas. Estima-se que 75.000 famílias receberam terras totalmente grátis devido a essa legislação. Esse foi um programa governamental que forneceu, "gratuitamente", terra, moradia e até mesmo oportunidades de negócio, tudo financiado ou pelos pagadores de impostos ou pela pilhagem de nações recém-conquistadas.

Entretanto, tão logo foi permitido, muitos colonos ingratos venderam suas terras e retornaram à cidade. Mas Tibério não viveu para testemunhar esses beneficiários rejeitarem a generosidade de Roma, pois um grupo de senadores o assassinou em 133 a.C. Só que seu irmão mais novo, Caio Graco, assumiu seu manto populista e aprofundou suas reformas.

Enquanto ainda era vivo, Tibério também aprovou o primeiro programa de alimentação subsidiada de Roma, o qual oferecia cereais a preços baixos para muitos cidadãos. Inicialmente, aqueles romanos que ainda se apegavam a ideais como auto-suficiência e independência ficaram estarrecidos com esse conceito de assistencialismo compulsório; no entanto, não demorou muito para que dezenas de milhares estivessem recebendo os cereais subsidiados, e não somente os necessitados. Qualquer cidadão romano que ficasse nas filas do posto de coleta de cereais tinha o direito à assistência estatal. Um cônsul rico chamado Lúcio Calpúrnio Pisão Frugi, que se opunha a esse programa, foi visto na fila. Ele alegou que, dado que era a sua riqueza que estava compulsoriamente financiando aquilo tudo, então ele pretendia obter sua fatia.

Já por volta de 300 d.C., esse programa já havia sido modificado diversas vezes. O cereal que até então era apenas subsidiado passou a ser totalmente gratuito; e, no auge, um terço de Roma já era contemplado pelo programa, o qual se tornou um privilégio hereditário, passado de pai para filho. Outros gêneros alimentícios, incluindo azeite de oliva, carne de porco e sal, foram continuamente adicionados ao programa. Este cresceu até se tornar o segundo maior gasto do orçamento imperial, atrás somente dos gastos militares. O que havia começado como um programa assistencialista provisório se transformou, como muitos outros programas governamentais, em uma forma permanente de assistencialismo voltado para um eleitorado que considerava isso um direito adquirido.

Voltando a 88 a.C., Roma ainda estava se recuperando da Guerra Social, um debilitante conflito com seus antigos aliados na península italiana. Um dos generais vitoriosos foi Lucio Cornélio Sula, que no final do mesmo ano tornou-se Cônsul (a posição política mais importante nos dias da república) e depois, Ditador.

Para amenizar a catástrofe econômica, Sula decretou que até 10% das dívidas de cada cidadão deveriam ser canceladas, o que colocou os credores em uma posição difícil. Ele também restaurou e reforçou a lei que decretava que uma taxa máxima de juros sobre empréstimos, provavelmente similar à lei de 357 a.C. A crise foi piorando continuamente, e, para "resolver de uma vez a situação", em 86 a.C., outra lei que cancelava nada menos que 75% das dívidas privadas foi aprovada — sob o consulado de Lúcio Cornélio Cina e Mario Caio.

Menos de duas décadas após Sula (que morreu em 78 a.C.), Lúcio Sérgio Catilina, o infame populista radical e inimigo de Cícero, candidatou-se ao consulado com uma plataforma política de cancelamento total das dívidas. De alguma forma, ele foi derrotado, provavelmente pela oposição formada por banqueiros e por cidadãos romanos que já haviam quitado suas dívidas. Sua vida terminou logo depois em uma fracassada tentativa de golpe.

Em 60 a.C., o patrício Júlio César, uma estrela em ascensão, foi eleito cônsul, e continuou as políticas de vários de seus predecessores populistas, mas agora com algumas inovações pessoais. E, mais uma vez, Roma estava em meio a uma crise.

Neste período, alguns entes privados se dispuseram a cobrar os impostos para o estado, em uma espécie de terceirização. Tais entes participavam de licitações para ganhar os contratos. Nessas licitações, estipulavam-se os valores totais a serem coletados. Tudo o que ultrapassasse esse valor ficava como lucro para os contratantes. Só que, em 59 a.C, essa indústria estava no limiar do colapso. Não havia tido sucesso em suas coletas de impostos e, consequentemente, devia ao estado os valores prometidos. Ato contínuo, César perdoou praticamente 1/3 de suas dívidas para com o estado. Isso afetou severamente o orçamento do governo romano e possivelmente os próprios pagadores de impostos (que tiveram seus impostos elevados para compensar essa escassez de receitas). O fato de Cesar e seu comparsa Marco Licínio Crasso terem investido pesadamente neste setor do mercado certamente explica essa sua medida.

Em 33 d.C., meio século depois do colapso da república, o imperador Tibério enfrentou uma corrida aos bancos. Ele reagiu a isso com um grande pacote de socorro aos bancos por meio de empréstimos livres a juros zero na tentativa de estabilizar o mercado. Oitenta anos depois, o imperador Adriano unilateralmente perdoou 225 milhões de dinares em impostos atrasados, o que gerou um grande ressentimento entre as pessoas que já haviam dolorosamente se esforçado para pagar seus tributos por completo.

O sistema monetário

A integridade do sistema monetário romano permaneceu relativamente intacta até o reinado do Imperador Nero(54-68 d.C.). Nero é mais conhecido por ter assassinado a própria mãe, por preferir as artes à administração civil, e por perseguir os cristãos. Mas ele também foi o primeiro a depreciar o padrão monetário que havia sido estabelecido por Augusto (27 a.C. - 14 d.C.), o primeiro imperador de Roma.

Já em 64 d.C., Nero exauriu os cofres romanos por causa do Grande Incêndio de Roma e também por causa de sua predileção pela gastança depravada (a qual construiu um espalhafatoso palácio).

Nero recorreu à inflação monetária para financiar o império, inicialmente reduzindo o teor de prata do denário, de 98% para 93%, o que permitiu que mais moedas fossem fabricadas com um mesmo volume de prata. Essa foi a primeira depreciação dessa magnitude em mais de 250 anos. Isso gerou uma relativamente alta inflação de preços e temporariamente abalou a confiança dos cidadãos romanos.

Após Nero, vários sucessivos imperadores continuamente reduziram o teor de prata do denário. A pior desvalorização ocorreu sob o imperador-filósofo Marco Aurélio (que reinou de 161 a 180 d.C.), que desvalorizou o denário para um teor de 79% de prata com o intuito de financiar suas constantes guerras e seus contínuos aumentos de gastos.

Esse era, até então, o mais impuro padrão monetário criado para o denário em toda a história romana. Mas as coisas ainda iriam piorar.

O filho de Marco Aurélio, Lucio Aurélio Cómodo (que reinou de 177 a 192 d.C.), que gostava de se apresentar como Gladiador no Coliseu, também foi, assim como o pai, um adepto da gastança desmesurada. Seguindo os mesmos passos dos seus antecessores, ele reduziu o teor de prata do denário para apenas 74%.

A cada desvalorização da moeda os preços eram pressionados para cima, e isso foi gradualmente diminuindo a confiança do povo no sistema monetário romano. O aviltamento da moeda e a subsequente expansão da oferta monetária forneciam, no curto prazo, um alívio para as finanças do estado, mas isso durava apenas até o momento em que os mercadores, os legionários e as forças de mercado se dessem conta do que havia acontecido. 

Sob o Imperador Septímio Severo (que reinou de 193 a 211 d.C.), um número crescente de soldados começou a exigir que suas bonificações fossem pagas em ouro ou em mercadorias, para escapar da corrosão do poder de compra do denário. O filho de Severo, Caracala (que reinou de 198-217) — embora seja mais lembrado por seus sanguinolentos massacres, pelo assassinato do seu irmão, e por ter sido assassinado enquanto urinava —, aprofundou a política de desvalorização da moeda até reduzir o teor de prata do denário para 50%. Tudo isso para financiar a máquina de guerra romana e suas construções megalomaníacas.

Outros imperadores, como Pertinax e Macrino, tentaram retornar Roma a um sistema monetário mais sólido aumentando o teor de prata do denário e fazendo algumas reformas no sistema. Porém, sempre que um imperador fortalecia o denário, um rival conseguia conquistar a lealdade do exército, destruindo todo o progresso feito e frequentemente assumindo o trono. 

Com o tempo, o denário de prata foi abandonado, e o mais jovem imperador de Roma, Gordiano III (238 - 244 d.C.), substituiu o denário pelo seu concorrente, o antoniniano.

No entanto, já no reinado do Imperador Cláudio II (que reinou de 268 a 270 d.C.), que é lembrado por suas proezas militares e por ter quebrado os dentes de um cavalo com um murro, o antoniniano foi reduzido a uma levíssima moeda que continha apenas 2% de prata. O antoniniano acabou sendo substituído pelo aurelianiano, e este acabou sendo substituído pelo nummo. Já em 341 d.C., o Imperador Constante I (que reinou de 337 a 350 d.C.) diminuiu o nummo para apenas 0,4% de prata. 

O sistema monetário romano já estava em frangalhos e a inflação de preços já havia saído completamente do controle há muitas gerações.

Nesse ínterim, os gastos continuavam aumentando

No início do segundo século d.C., o imperador Trajano conquistou a Dácia (atual Romênia), lotando os cofres do estado romano com os esbulhos. Ao ver essa bonança, não tardou o lançamento de um novo programa social, oalimenta, o qual competia com instituições bancárias privadas ao oferecer empréstimos a juros baixos para proprietários de terras e utilizava os juros para beneficiar crianças desprivilegiadas. Os sucessores de Trajano deram continuidade a esse programa até que a supracitada desvalorização do denário colaborasse para a extinção do alimenta.

Em 301 d.C., enquanto o imperador Diocleciano estava reestruturando o governo, o exército e a economia, ele baixou o famoso Édito Máximo, que impunha um congelamento de preços. Ele estipulou um teto de preços para carnes, cereais, ovos, roupas e outros bens, e instituiu a pena de morte para qualquer um que vendesse seus artigos a um preço maior do que o estabelecido. 

Roma havia se tornado um estado totalitário que colocava a culpa dos problemas econômicos sob as costas de supostos aproveitadores egoístas.

O resultado, como não poderia deixar de ser, foi que as pessoas simplesmente pararam de colocar seus bens à venda no mercado, dado que elas não mais poderiam obter um preço sensato por eles. Comerciantes estocaram seus bens, recusando-se a vendê-los pelo preço imposto pelo governo. Outros estocaram simplesmente para não correr o risco de serem erroneamente acusados de estarem vendendo a preços acima do determinado, ficando assim sujeitos a execuções. Os trabalhadores reagiram ao congelamento de salários desaparecendo do expediente ou simplesmente ficando sentados, sem fazer nada. 

Isso aumentou acentuadamente a escassez.

Após a morte de várias pessoas, os romanos simplesmente passaram a ignorar esse decreto, até que a lei foi finalmente revogada.

Colossais programas assistencialistas também se tornaram a norma na Roma antiga. No seu auge, a maior despesa do estado era com um exército de 300.000 a 600.000 legionários. Os soldados perceberam seu papel e importância dentro da política romana, e consequentemente suas exigências aumentaram. Eles passaram a exigir programas de aposentadoria exorbitantes na forma de hectares de terras cultiváveis e de grandes bonificações em ouro equivalentes ao somatório de mais de uma década de seu salário. Eles também exigiam bonificações consideráveis e periódicas apenas para controlar as revoltas.

Ao final, em um período de aproximadamente 370 anos, o denário e todos os seus sucessores, para financiar toda essa depravação, foram continuamente desvalorizados. Uma moeda que começou com um teor de prata de 98% terminou com um teor de prata menor que 1%. 

Os maciços programas de gastos do governo, todos eles feitos com o intuito de "ajudar" os romanos, acabaram por impor um terrível fardo sobre seus cidadãos.

Conclusão

A experiência romana nos ensina lições importantes. Como comenta Howard Kershner, um economista do século XX:

Quando um povo até então independente confere ao seu governo o poder de tirar de uns e dar a outros, o processo não cessará até a última gota de sangue do último pagador de impostos ser sugada.

Colocar a sua vida nas mãos de políticos corruptos compromete não somente sua independência pessoal, mas também a integridade financeira da sociedade. Uma vez iniciado, é difícil impedir o crescimento do estado. E, normalmente, as coisas não acabam bem.

Completamente debilitada, Roma, o outrora poderoso, temível e invencível Império, quedou-se perante seus invasores bárbaros em 476 d.C. 

Mas o fato é que até hoje não sabemos quem eram os verdadeiros bárbaros: os invasores ou o povo romano que apoiava o estado e os políticos que debilitaram a economia ao ponto de o Império Romano cair como uma manga madura

Talvez os reais bárbaros eram os próprios romanos que haviam efetivamente cometido um suicídio econômico em câmera lenta.

Por: Lawrence W. Reed e Marc Hyden 

Lawrence W. Reed é o presidente da Foundation for Economic Education.
Marc Hyden é historiador romano e ativista político.
Do site:http://www.mises.org.br

sábado, 3 de outubro de 2015

A IMPORTÂNCIA DE MANTER-SE FIRME AOS SEUS PRINCÍPIOS

Um indivíduo que sistematicamente discipline sua vida em torno do objetivo de aprimorar as vidas daqueles que o rodeiam irá deixar um legado. Este legado pode ser positivo ou negativo. Existem aqueles que estão apenas em busca de poder e que, por isso, irão tentar influenciar a vida de outras pessoas por meio do engano e da adulação. Seu objetivo é mudar corações, mentes e o comportamento daqueles que o cercam. Seu legado tende a ser negativo.


Mas há também aqueles que se esforçam ao máximo para transformar as vidas de terceiros de uma forma positiva. Eles invariavelmente seguem um estilo de vida específico, o qual governa suas ideias e seu comportamento. Eles sistematicamente tentam estruturar suas próprias vidas de tal maneira que eles próprios se tornam demonstrações empíricas da própria visão de mundo que defendem. 

Qualquer pessoa que tenha como o objetivo de sua vida mudar as opiniões de outras pessoas tem de estar comprometida com dois princípios: fazer sempre aquilo que defende e apoiar (de qualquer maneira possível) causas que estejam de acordo com o que defendem. 

Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que a maioria das pessoas não quer mudar sua opinião em relação a nada. Mudar uma única opinião significa que o indivíduo tem de mudar suas opiniões a respeito de vários tópicos. Aquela velha regra é válida: "Você não pode mudar apenas uma coisa". Portanto, há um alto custo ao se repensar aquelas opiniões que você mais aprecia e valoriza. Pessoas tendem a evitar empreitadas que envolvam altos custos.

Quando alguém é confrontado com uma nova opinião, se esta opinião está relacionada a como as pessoas devem agir, uma das primeiras autodefesas que o ouvinte irá levantar é esta: "A pessoa que está recomendando esta nova ideia vive consistentemente em termos desta ideia?" Se é algo óbvio para o ouvinte que esta pessoa não faz o que diz defender, então fica claro que o próprio defensor da ideia não leva a sério a verdade e a efetividade daquilo que ele diz defender. Isto dá ao ouvinte uma maneira fácil de escapar da conversa. A ideia defendida não vingará.

Ludwig von Mises

Meu único encontro pessoal com Mises ocorreu no segundo semestre de 1971. Eu havia sido contratado pela Foundation for Economic Education. Naquela data, eu havia sido convidado para uma cerimônia especial. F.A. Harper havia editado uma segunda coleção de ensaios honrando Mises. O primeiro livro de ensaios havia sido editado pela esposa de Hans Sennholz, Mary Sennholz, e foi publicado em 1956. 

A cerimônia ocorreu em um hotel em Nova York. Após a cerimônia, tive a oportunidade de conversar com Mises sobre vários assuntos, inclusive sua ligação com o sociólogo alemão Max Weber. Weber havia se referido ao ensaio de Mises, O cálculo econômico sob o socialismo, em uma nota de rodapé em um livro que Weber não chegou a completar. Ele morreu em 1920. Mises me disse que ele havia enviado seu ensaio para Weber.

Mises deixou um legado que, desde sua morte em 1973, vem crescendo continuamente. Ele foi um daqueles raros homens que teve duas fases em sua carreira. A primeira fase, que começou em 1912 e terminou após a publicação da Teoria Geral (1936) de John Maynard Keynes, estabeleceu sua reputação de grande teórico econômico. Seu livro de 1912 sobre moeda e sistema bancário, seu livro de 1922 sobre o socialismo, e seus vários artigos sobre tópicos específicos de teoria econômica o comprovaram um grande teórico. Mas sua inflexível oposição a todas as formas de moeda fiduciária estatal de curso forçado garantiu a ele a reputação de um Neandertal do século XIX em um mundo de moedas estatais de curso forçado, o qual começou com a abolição do padrão-ouro no início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Sua hostilidade ao socialismo também contribuiu para seu status de pária. Ele estava vigorosamente resistindo a tudo aquilo que os círculos acadêmicos consideravam ser a onda do futuro. Acadêmicos sempre querem seguir modismos. Mises não era assim.

O triunfo do keynesianismo após 1936, em conjunto com a erupção da Segunda Guerra Mundial em 1939, trouxe um eclipse à carreira de Mises. Na primeira metade da década de 1930, a influência do nazismo na Áustria crescia sombriamente. Sendo um liberal da velha guarda e um judeu, Mises sabia que seus dias estavam contados. Ele temia que os nazistas tomassem o controle da Áustria, e ele estava correto. Sendo um economista defensor do livre mercado — conhecido pela esquerda como o mais implacável oponente do intervencionismo econômico — e um judeu, ele não teria sobrevivido na Áustria.

Sentindo que tais eventos eram apenas uma questão de tempo, Mises aceitou um cargo em Genebra e para lá se mudou em 1934, aceitando um dramático corte salarial. Sua noiva o acompanhou e lá se casaram, não sem antes ele tê-la avisado que, embora escrevesse bastante sobre o assunto, ele nunca teria muito dinheiro.

Mises ficou em Genebra por seis anos, obrigado a deixar para trás sua adorada Viena e tendo de ver, impotente, a civilização sendo despedaçada. Quando os nazistas anexaram a Áustria em 1938, eles saquearam seu apartamento em Viena e roubaram todos os seus livros e monografias. Ele passou a viver uma existência nômade, sem ter a mínima ideia de qual seria seu próximo emprego. E foi assim que ele viveu o auge de sua vida: já estava com 57 anos e era praticamente um sem-teto.

Mas nada disso abalou Mises. Ele seguia concentrado em seu trabalho. Durante seus seis anos em Genebra, ele continuou se dedicando à pesquisa econômica e às escritas. O resultado foi sua até então obra magna, um enorme tratado de economia chamado Nationalökonomie (o precursor de Ação Humana). Em 1940, ele completou o livro, o qual foi publicado por uma pequena editora e com edição extremamente limitada. Mas quão intensa poderia ser, naquela época, a demanda por um livro sobre liberdade econômica escrito em alemão? Certamente não seria nenhum bestseller. E Mises certamente sabia disso enquanto o escrevia. Mas escreveu assim mesmo.

No entanto, em vez de celebrações e noite de autógrafos, Mises naquele ano se deparou com outro evento que mudaria (novamente) sua vida. Ele foi avisado por seus patrocinadores em Genebra que havia um problema. Vários judeus estavam se refugiando na Suíça. Ele foi alertado de que deveria procurar outro lar. Os Estados Unidos eram o novo porto seguro.

Mises então começou a escrever cartas pedindo por posições universitárias nos EUA, mas tente imaginar o que isso significava. Ele só falava alemão. Suas habilidades em inglês se resumiam à leitura. Ele teria de aprender o idioma ao ponto de se tornar exímio o bastante para poder dar aulas. Ele havia perdido todos os seus arquivos, monografias e livros. Ele não tinha nenhum dinheiro. E ele não conhecia ninguém influente nos EUA.

E havia um sério problema ideológico também nos EUA. O país estava completamente dominado e fascinado pela economia keynesiana. A profissão de economista havia sofrido um vendaval. Praticamente não mais existiam economistas pró-livre mercado nos EUA, e não havia nenhum acadêmico defendendo esta causa. No final, Mises se mudou para os EUA sem ter nenhuma garantia de nada. E já estava com quase 60 anos.

Quando ele chegou aos EUA em 1940 como um judeu refugiado, ele era praticamente um desconhecido no país. Ele não tinha nenhum cargo assalariado de professor. Ele já tinha 59 anos. Ele jamais havia estado nos EUA. Mas ele teve uma grande sorte: havia um jornalista nos EUA que não apenas conhecia sua obra, como também havia se tornado um defensor dela em suas colunas de jornal. Seu nome era Henry Hazlitt. Foi Hazlitt quem estimulou alguns empreendedores, como Lawrence Fertig, a fazer doações recorrentes a Mises.

Mises então passou a depender exclusivamente das doações destes poucos amigos e de alguns artigos que eram ocasionalmente encomendados por algumas revistas especializadas, a pedido destes amigos.

Durante os 30 anos seguintes, Mises foi uma voz solitária e sem recursos em defesa do livre mercado, lutando contra a vastidão keynesiana que dominava a paisagem mundial. Ele criou um seminário na New York University (NYU) para estudantes universitários, o qual durou 25 anos. Murray Rothbard era um dos frequentadores assíduos, embora apenas como ouvinte. Mises nunca recebeu salário da universidade, a qual o relegou ao status de professor visitante. Ele recebia ajuda de doadores. No entanto, não há hoje nenhum professor do departamento de economia da NYU que seja lembrado. Todos foram pessoas sem importância e não deixaram nenhum legado.

A publicação de seu livro Ação Humana, pela Yale University Press em 1949, começou a estabelecer sua reputação nos EUA. O livro vendeu muito mais do que havia sido inicialmente previsto. Este livro foi o primeiro a conter uma teoria abrangente e integrada da economia de livre mercado. Até então, nada remotamente parecido havia sido publicado. Foram muito poucas as pessoas que se deram conta disso em 1949, mas qualquer um que já tenha estudado a história do pensamento econômico sabe que é neste livro que se encontra a primeira aplicação abrangente da teoria econômica para toda uma economia de mercado. A análise é integrada em termos da defesa econômica austríaca da teoria do valor subjetivo e do individualismo metodológico.

Ele continuou escrevendo após 1949. Seus livros foram vendidos pela Foundation for Economic Education (FEE), a qual fez com que ele ganhasse a atenção de leitores que defendiam o livre mercado. Seus artigos começaram a aparecer na revista publicada pela FEE, The Freeman. A revista não era de ampla circulação nos meios acadêmicos, mas era bastante lida pela direita.

Eu comprei uma cópia de Ação Humana em 1960. Naquela época, eu já estava a par da importância de Mises para a história do pensamento econômico, mas, em minha universidade, eu provavelmente era o único estudante que o conhecia. 

Mises sempre foi um obstinado em sua dedicação aos princípios do livre mercado. Provavelmente mais do que qualquer outro grande intelectual do século XX, ele era conhecido entre seus pares como alguém inflexível, que não fazia concessões àquilo em que acreditava. Pelos economistas da Escola de Chicago ele foi chamado de ideólogo. E eles estavam certos. Por causa de sua consistência na aplicação do princípio do não-intervencionismo em cada setor da economia e, acima de tudo, por causa de sua oposição a bancos centrais e à manipulação estatal da moeda, os economistas o consideravam excêntrico. "Excêntrico", para eles, era sinônimo de "rigorosamente consistente".

Assim como os nazistas, os soviéticos também sabiam quem era Mises. Após a queda do nazismo, os soviéticos confiscaram as obras de Mises então em posse dos nazistas e as enviaram a Moscou. Suas obras roubadas ficaram em Moscou e nunca foram descobertas por nenhum economista ocidental até a década de 1980. O que foi uma grande ironia: economistas ocidentais não sabiam quem era Mises, mas os economistas soviéticos sim. Isto se tornou ainda mais verdadeiro em meados da década de 1980, quando a economia soviética começou a se desintegrar, exatamente como Mises havia previsto que aconteceria.

A grande vantagem de Mises sobre praticamente todos os seus colegas era esta: ele escrevia claramente. Todos os outros economistas, além de escreverem da maneira convoluta e repleta de jargões, enchem seus escritos de equações. Mises não utilizava equações e nem recorria a jargões. Ele escrevia seus parágrafos utilizando sentenças que eram desenvolvidas de maneira sucessiva. Você pode começar pela primeira página de qualquer um de seus livros e, se prestar atenção, chegará ao fim sem se tornar confuso em momento algum.

Isto era uma grande vantagem, pois as pessoas comuns que se interessavam por economia conseguiam seguir sua lógica. Sua reputação se espalhou no final de década de 1950 e por toda a década de 1960 por causa de seus artigos na The Freeman. Esta revista chegou a ter uma circulação de 40 mil exemplares em alguns anos. Não eram muitos os economistas que conseguiam, naquela época, atingir um público tão amplo e tão variado.

Mises realmente se manteve firme aos seus princípios durante todo o seu tempo de vida. Ele se manteve firme de maneira tão tenaz e obstinada que, por décadas, ele não teve influência alguma sobre a comunidade acadêmica. Todos os economistas o desprezavam ou ignoravam. Porém, após sua morte em 1973, sua influência começou a crescer. Em 1974, seu discípulo F.A. Hayek ganhou o Prêmio Nobel de Economia. Pouco a pouco, a reputação de Mises foi se espraiando. Hoje, há vários Institutos Mises ao redor do mundo — todos surgidos voluntária e espontaneamente, sem nenhum financiamento centralizado —, e seu nome é atualmente mais conhecido do que o de quase todos os outros economistas de sua geração, tanto os de antes da Primeira Guerra Mundial quanto os de depois da Segunda Guerra Mundial. O cidadão comum certamente não está familiarizado com os nomes da maioria dos economistas da primeira metade do século XX, e certamente é incapaz de ler e compreender as obras de praticamente qualquer economista da segunda metade.

Portanto, exatamente porque Mises nunca se mostrou disposto a fazer concessões, especialmente na área de metodologia, seu legado tem sido muito maior do que o da maioria de seus finados colegas. O legado de Mises só cresce; o deles, praticamente não existe.

Conclusão

O mundo vive hoje mais uma era de planejamento econômico, e estamos vendo os economistas se dividirem em dois lados. A esmagadora maioria se limita a dizer exatamente aquilo que os regimes querem ouvir. Afastar-se muito da ideologia dominante é um risco que poucos estão dispostos a correr. As recompensas materiais são quase nulas, e há muito a perder.

Ser um economista íntegro significa não se furtar a dizer coisas que as pessoas não querem ouvir; significa, principalmente, dizer coisas que o regime não quer ouvir. Para ser um bom economista, é necessário bem mais do que apenas conhecimento técnico. É necessário ter coragem moral. E, no mercado atual, tal atitude está ainda mais escassa do que a lógica econômica.

Assim como Mises necessitou da ajuda de Hazlitt e Fertig, economistas com coragem moral necessitam de apoiadores e de instituições que os suportem e deem voz a eles. Este é um fardo que tem de ser encarado. Como o próprio Mises dizia, a única maneira de se combater ideias ruins é com ideias boas. E, no final, ninguém estará a salvo se a civilização for destruída em consequência do predomínio das ideias ruins.
Por: Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seu website. Do site: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1372

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

O FURO DE NARLOCH:

O furo de Narloch: estatística de homicídios por menores de idade é fantasma. Ou: O mito do 1%

Os adolescentes cometem menos de 1% dos homicídios no país. Essa é a grande bandeira dos que são contra a redução da maioridade penal. Ora, mesmo que fosse isso mesmo, e daí? Ninguém defende a redução porque acha que a grande parte dos assassinatos é cometida por menores, e sim porque aqueles que cometem tais crimes devem pagar por isso como adultos, já que são cientes de seus atos.

Mas mesmo assim esse dado é incorreto, ou ao menos impreciso. Foi o que descobriu meu colega de Veja, o jornalista Leandro Narloch. Seu furo mostra como a tal estatística, tão citada, não existe, é fantasma, é o repetido porque alguém disse, mas ninguém sabe quem. Diz o jornalista:

O Congresso em Foco, hospedado pelo UOL, afirma que “segundo o Ministério da Justiça, menores cometem menos de 1% dos crimes no país”. Um punhado de deputados e sites do PT dizem a mesma coisa. Mas basta um telefonema para descobrir que o Ministério da Justiça tampouco registra dados de faixa etária de assassinos. “Devem ter se baseado na pesquisa do Unicef”, me disse um assessor de imprensa do ministério.

Seria então o Unicef a fonte da estimativa? Uma reportagem do Globo de semana passada parece resolver o mistério: “Unicef estima em 1% os homicídios cometidos por menores no Brasil”. Mas o Unicef também nega a autoria dos dados. Fiquei dois dias insistindo com o órgão para saber como chegaram ao valor, até a assessora de imprensa admitir que “esse número de 1% não é nosso, é do Globo”. Na reportagem, o próprio técnico do Unicef, Mário Volpi, admite que a informação não existe. “Hoje ninguém sabe quantos homicídios são praticados por esse jovem de 16 ou 17 anos que é alvo da PEC.” Sabe-se lá o motivo, o Globo preferiu ignorar a falta de dados e repetir a ladainha do 1%. O estranho é que o Unicef não emitiu notas à imprensa desmentido a informação.

Também fui atrás da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, mas nada: o governo paulista não produz estimativas de faixa etária de assassinos, somente de vítimas. Governos estaduais são geralmente a fonte primária de relatórios sobre violência publicados por ONGs e instituições federais. Se o estado com maior número absoluto de assassinatos no Brasil não tem o número, é difícil acreditar que ele exista. Resumindo: está todo mundo citando uma pesquisa fantasma.

Na verdade, uma estatística parecida até existiu há mais de uma década. Em 2004, um pesquisador da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo lançou um estudo afirmando que menores de idade eram responsáveis por 0,97% dos homicídios e 1,5% dos roubos. Foi assim que nasceu a lenda do 1% de crimes cometidos por adolescentes.

Mas a pesquisa de 2004 tropeçou num erro graúdo. Ao calcular a porcentagem, os técnicos dividiram o número de menores presos por homicídio pelo total de homicídios no estado. Sem ligar para o fato de que em 90% dos assassinatos a identidade dos agressores não é revelada, pois a polícia não consegue esclarecer os crimes.

Imagine que, de cada 100 homicídios no Brasil, apenas oito são esclarecidos, e que desses oito um foi cometido por adolescentes. Seria um absurdo concluir que apenas um em cada cem homicídios foi praticado por adolescentes. Um estatístico honesto diria que um em cada oito crimes esclarecidos (ou 12,5%) foi cometido menores de idade.

Adotando esse método, os números brasileiros se aproximariam dos de outros países. NosEstados Unidos, menores praticaram 7% dos homicídios de 2012. No Canadá, 11%. Na Inglaterra, 18% dos crimes violentos (homicídio, tentativa de homicídio, assalto e estupro) vieram de pessoas entre 10 e 17 anos. Tem algo errado ou os adolescentes brasileiros são os mais pacatos do mundo?

Sim, tem algo errado: a estatística.

Sim, as estatísticas podem ser a arte de torturar números até que confessem qualquer coisa. Podem mostrar muita coisa, como sabia Roberto Campos, mas esconder o essencial, tal como os biquinis. Manipuladas por gente “esperta”, as estatísticas produzem uma base empírica para a narrativa ideológica, dando ares de ciência àquilo que é puro desejo e crença.

A lógica já mostra o óbvio: a inimputabilidade dos menores gera um clima de impunidade, o que certamente representa um convite ao crime. Eles são aliciados pelos bandidos, ou então resolvem por conta própria entrar no mundo do crime, pois sabem que a punição, caso pegos, será suave. Negar que isso seja um estímulo ao crime é ignorar a natureza humana em troca de uma visão romântica do homem. Valeu, Rousseau!

O leitor tem o direito de ser contra a redução da maioridade penal, claro. Precisa, porém, apresentar bons argumentos para isso. Apelar ao sensacionalismo não vale. Tentar monopolizar as boas intenções para com nossos jovens pobres não vale. E usar falsas estatísticas vale menos ainda.
Por: Rodrigo Constantino  Do site:http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/legislacao/o-furo-de-narloch-estatistica-de-homicidios-por-menores-de-idade-e-fantasma-ou-o-mito-do-1/