domingo, 30 de junho de 2013

EXPLORAÇÃO DA MISÉRIA: SERVIÇO SOCIAL

Mais uma seca no Nordeste, e lá está a infame "indústria da seca". Em seu sentido próprio, ela designa a relação doentia entre os estados atingidos pela seca e o governo federal. A seca faz com que renda da União seja transferida para os governos dos estados afetados, supostamente para saná-la. Esses governos passam então a ter o incentivo de perpetuar a seca para garantir esse fluxo indefinido de recursos pagos pelo resto do país. Na mentalidade popular e na mídia, contudo, a "indústria da seca" adquiriu um sentido mais amplo: todos aqueles que de alguma maneira se beneficiam da existência da seca; mesmo quem vende água aos agricultores.

Vejam que crime terrível: em uma região que está desesperadoramente sem água, e que precisa dela para viver e produzir, chegam pessoas... vendendo água! E pior: o preço dessa água vendida no coração do semiárido, onde não se vê uma boa chuva há anos e onde o gado morre de sede, é maior do que o preço d'água no meio de uma cidade em que ela abunda nos mercados e via tubulação. Sórdido, né? Bem, seria sórdido se os vendedores fossem culpados pela seca que os faz lucrar. Mas não são. Na verdade, eles são parte do mecanismo de combate aos efeitos da seca.

Primeiro, o óbvio: o valor de um bem, tudo o mais constante, é maior onde ele é mais escasso. Escassez aqui não se refere à quantidade objetiva, mas à relação dessa quantidade com os desejos dos consumidores. Essa é a velha lição que Menger nos ensinou em 1871: o valor de uma unidade de um bem para um dado indivíduo (e o preço de mercado é a resultante das transações entre indivíduos guiados por suas escalas de valor) é o valor que ele atribui à necessidade menos importante que aquela unidade pode satisfazer. Do que terei de abrir mão se não tiver acesso àquela unidade do bem? Esse é o valor daquele bem para mim. No meio da cidade, perder 100 litros d'água é um pequeno inconveniente, pois o desejo que se deixa de satisfazer é pouco importante: uma pessoa toma um banho a menos, por exemplo (graças ao dinheiro, a perda d'água não precisa significar menor uso d'água; podemos comprar água extra e sacrificar o uso de algum outro bem com o mesmo preço). No meio do sertão durante a seca, é calamitoso, pois pode significar a morte prematura de um boi ou cavalo necessários à sobrevivência de uma família.

A necessidade menos importante que 100 litros d'água satisfazem no sertão é muito importante se comparada àquela que é satisfeita pelos mesmos 100 litros na cidade; por isso, o preço da água é mais alto no sertão. Isso cria uma oportunidade de lucro. Alguns empreendedores, conhecendo a situação no sertão, inferiram que os agricultores estariam dispostos a pagar mais pela água do que ela custa em outros lugares. Estavam certos, como o preço de suas vendas mostrou. Essa diferença de preços envia um sinal para os demais participantes do mercado: há relativamente pouca água chegando aos moradores do sertão. O "pouco" aí, assim como todo termo avaliativo usado em economia, não é uma medida física, e sim relativa aos desejos da população. Para quem mora mais perto de locais com água em abundância, por que não alugar um caminhão-tanque e levá-la para ser vendida no interior? Muitos já o vem fazendo; levar água para o sertão, diz a reportagem acima linkada, "virou um negócio tão rentável, que há pessoas vendendo até automóveis para comprar caminhões-tanque".

É justamente esse processo que ameniza a carestia. Os diversos agricultores que compraram a água estão melhor agora do que se não tivessem comprado e passado por um aperto ainda maior — a prova disso é que aceitaram pagar o preço cobrado. Outros fizeram o juízo contrário e não aceitaram o preço; para esses a presença dos vendedores àquele preço é indiferente. Conforme o processo se intensifica — conforme mais gente tenta lucrar bolando meios de satisfazer essa demanda por água — os problemas oriundos da seca são reduzidos, podendo, no limite, ser sanados. Sabendo que a seca é recorrente, faria sentido instalar uma operação regular de envio d'água ao sertão. Quem sabe até uma tubulação para irrigar campos? Seria uma possibilidade de empreendedorismo, se os custos não forem ainda maiores do que a receita esperada, e se o estado o permitir.

A tendência desse processo é fazer com que o preço d'água fique estável — oscile menos — no tempo e no espaço, eliminando assim as possibilidades de lucro. A diferença grande dos preços atualmente faz com que os comerciantes, buscando o lucro, levem novos caminhões-pipa ao sertão, aumentando a oferta d'água, e baixando assim seu preço. Enquanto for lucrativo levar água para lá, haverá um incentivo a se fazê-lo. Ao mesmo tempo, essa água que está sendo levada para o sertão está sendo comprada em outros lugares, onde ela é mais barata. Com o aumento de demanda, seu preço nesses lugares subirá. O negócio de comprar água na cidade e levá-la para os fazendeiros valerá a pena até que a receita conseguida com a venda da água equivalha aos gastos de se comprá-la, armazená-la e se transportá-la ao sertão corrigidos por uma taxa de desconto relativa ao tempo que essa operação demora (e, só pra não faltar nada, corrigida também por um fator de risco associado ao negócio: por exemplo, o risco do carro quebrar ou colidir no caminho).

No mundo real, mudanças ocorrem a todo o momento e todo mundo tem informações parciais e opiniões diferentes sobre o estado do mercado. Esse preço de equilíbrio mítico, portanto, nunca é alcançado, pois muda a todo instante. Se voltar a chover, os fazendeiros não estarão dispostos a pagar tão caro pela água trazida de longe, o preço dela no sertão cairá, e os donos de carro-pipa procurarão outra coisa para fazer. Sejam quais forem as condições da realidade ou quão rápidas suas mudanças, o processo de mercado, ou seja, a organização da produção via preços definidos pela escassez relativa dos diversos bens na estimação dos consumidores, está sempre gerando as informações e os incentivos para que as demandas dos consumidores sejam atendidas da forma mais eficiente possível.

Pelo preço atual, vale a pena levar água de carro ao sertão; mas provavelmente não vale a pena ser um fazendeiro tendo que pagar o preço dessa água; sua fazenda fica deficitária. Conforme o processo de mercado faça os preços caírem, talvez a atividade agrícola torne-se lucrativa. Por outro lado, é também possível que os custos envolvidos nesse transporte superem o valor que permitiria aos fazendeiros ter uma lavoura ou pecuária lucrativas. Se esse for o caso, qual a solução?

De duas, uma: ou a lavoura dos fazendeiros, embora deficitária nas épocas de seca, ainda é, no longo prazo (levando também em conta as épocas de chuva), lucrativa. Nesse caso, vale a pena enfrentar a seca e esperar a bonança voltar. Ou então a agricultura deles é deficitária no longo prazo, e daí a melhor opção é abandonar o investimento e procurar outra maneira de se sustentar. É essa a escolha que fizeram e fazem os retirantes nordestinos que vão às grandes cidades em busca de trabalho.

Se essa hipótese se comprovar, então os produtos que os agricultores do semiárido produzem não pagam os custos da água (e demais insumos) de que eles precisam. Em outras palavras, a demanda pelo produto desses insumos nessa linha de produção é menor do que a demanda pelos produtos que esses insumos poderiam produzir em outras linhas de produção — e é por isso mesmo que eles custam caro. O benefício da água talvez não justifique os custos de transportá-la, ou talvez justifique. Provavelmente justificará para uns e não para outros. Felizmente, essa decisão cabe apenas aos envolvidos nessas trocas, e apenas no que diz respeito a suas propriedades. Os preços servem como indicadores e incentivos nessa tomada de decisão.

As falhas da alternativa estatal

É aí que a verdadeira indústria da seca — a estatal — entra em jogo. E vem para atrapalhar o processo. O estado mantém os agricultores sob a eterna promessa de que trará água de graça ou subsidiada, destinando bilhões de reais para sustentar empreendimentos caríssimos, quando talvez a melhor solução para muitos deles fosse fazer o que tantos outros já fizeram: deixar a região. O custo de se criar animais em zonas secas pode ser proibitivo. Qual é o intuito em se manter gente lá especificamente para esse fim, sendo que isso requer desviar recursos que poderiam ser destinados a outros fins, produzindo bens e serviços demandados com mais urgência?

Em épocas remotas, quando a produtividade humana dentro e fora das fazendas era baixa, valia a pena ter um roçado no meio do semiárido (e talvez ele fosse menos árido? Mudanças no clima geram mudanças econômicas). Hoje em dia, com o aumento da produtividade do trabalho e da agricultura moderna, ficar no antigo roçado é uma decisão que pode valer a pena do ponto de vista afetivo e sentimental (ou seja, como opção de consumo, e não de investimento), mas que certamente terá custos pesados para o nível de consumo de outros bens desses agricultores. E não há nada de errado nisso, se for o que elas quiserem. Mas também não é razoável que o resto da sociedade tenha que gastar parte de sua produção para sustentar essa escolha de consumo.

Água em meio à seca do sertão custa caro em dinheiro; em votos ela sai barata. O governo gasta o que não produz para levar água de graça e prolongar o problema crônico de pessoas que vivem em lugares onde a produção de alimento custa mais do que vale. Fazendo-o, os políticos garantem seus votos; são vistos ainda como benfeitores.

Imagine se o governo egípcio decidisse bancar uma migração em massa para o meio do deserto, com fins de plantar tomates. Dá para fazer? Dá. Custa muito dinheiro, mas dá. A questão é que, para a sociedade, o saldo é negativo: para manter esses pobres agricultores em estado crônico de precariedade e dependência, gasta-se um valor maior do que eles são capazes de produzir ali. Não fosse assim, a intervenção do estado não seria necessária, pois o processo de mercado, com seus lucros e prejuízos, daria conta.

Mesmo com essas considerações, muitas pessoas se revoltam com a ideia de água sendo vendida caro a fazendeiros pobres. Ora, e quem disse que o preço é caro? O preço é caro, leitor, apenas se comparado ao o preço que você paga, numa cidade com toda uma infraestrutura para abastecê-lo d'água. Se essa infraestrutura por algum motivo ruísse, o preço seria outro. A experiência pessoal de muitos, e o desejo por um mundo de abundância, fazem-nos vítimas fáceis de uma ideia equivocada: a do preço justo. A ideia de que todo bem teria um valor cognoscível, calculável e imutável, que existiria fora do processo de compras e vendas. Um valor "razoável", que parecesse vantajoso para compradores e vendedores sempre.

O mito do preço justo

Não existe um preço justo. O que existe são os diversos preços que emergem das trocas entre pessoas. Mesmo o preço único, homogêneo, que vale para diversas unidades do mesmo bem dentro de um supermercado, é, ele próprio, apenas uma maneira que o comércio inventou de facilitar as trocas. Para não ter que negociar com cada novo comprador, o dono do estabelecimento oferece o bem sempre àquele preço. Microvendedores como camelôs ou feirantes muitas vezes não adotam essa estratégia, e preferem a flexibilidade de negociar seus preços a cada transação. Cada troca é um evento único e irrepetível, cujas condições podem ser muito diferentes de uma para outra. No fim de uma feira livre, uma dúzia de maçãs perfeitamente boas pode sair bem mais barato do que maçãs similares no supermercado a três quarteirões dali. É tudo uma questão das diferentes oportunidades e avaliações do mesmo bem pelas partes envolvidas. O máximo que podemos fazer é falar de um preço médio que vigora num local num determinado período. Mas esse preço médio é uma medida aproximada, antes um efeito do que uma causa, dos preços negociados em cada transação pelos participantes do mercado (que podem, contudo, usar a informação do preço médio passado para chegar a um preço atual; aposta que, como qualquer outra, pode dar certo ou errado).

Fora desse processo, é possível que algum governante queira determinar um preço considerado "justo"; o preço do mesmo bem em outras condições, por exemplo. Decreta-se que o preço justo da água é o preço dela naqueles meses em que chove em abundância e os poços estão cheios, ou o preço da água nos últimos anos numa cidade próxima. Pior ainda: o critério do preço justo pode ser o desejo louvável de que todos possam usar muita água e pagar pouco.

O que ocorrerá na seca? Ninguém quererá vender água no meio rural — ao menos legalmente — pois o lucro a ser auferido será muito pequeno ou nulo. Além disso, os próprios usuários da água não terão incentivo para restringir sua demanda; comprarão e usarão mais água do que se tivessem que arcar com os reais custos da escassez relativa dela. O preço determinado pelo estado comunica uma informação falsa acerca da escassez relativa do bem, levando assim a ações que usam-no de forma irracional.

O fato da troca justa

Não cabe falar em preço justo ou injusto. Podemos, contudo, falar em trocas justas e injustas. Quando um comerciante engana um consumidor acerca de seu produto, ou quando uma das partes é obrigada a realizar uma transação contra sua vontade, temos uma troca injusta. A venda d'água acima comentada não tem nada disso.

O critério primordial para saber se uma troca é justa é simples: nela, ambas as partes consideram que sairão ganhando; isto é, que estarão melhores com a troca do que sem ela. E como sabemos se alguém se beneficiou de uma troca? Para o vendedor d'água, é fácil comprová-lo: ele saiu com um bom lucro. E para o agricultor? A escolha dele era entre comprar aquela água ou passar ainda mais tempo sem ela, comprometendo assim uma parcela maior de seu rebanho ou plantio. Se ele escolheu comprar, é porque considerou vantajoso abrir mão daquele valor em dinheiro e garantir a sobrevida de sua fazenda. Ele também saiu ganhando.

Em tempos de chuva, é verdade, ele nunca aceitaria tal transação. Mas a situação atual não é de chuva, e sim de uma seca de intensidade inédita. Dada essa condição, vale a pena, para muitos, comprar água a R$ 180 o carro-pipa. A prova disso é que eles têm, de fato, comprado. Se o caminhão pipa oferecesse água dez vezes mais caro, não estariam dispostos a comprá-la. O ofertante, mesmo na situação de uma demanda aguda, não é o senhor sobre o preço: ou seu preço se adequa às condições atuais de oferta e demanda, ou ele não vende. O vendedor de água não está fazendo nenhum favor ao agricultor; este também não está, por outro lado, sendo enganado ou injustiçado. Ele sem dúvida preferiria ter água de graça; mas, naquelas condições, era mais vantajoso pagar caro por ela do que passar sem. O vendedor, por sua vez, preferiria vender o conteúdo de seu carro-pipa a mais de R$ 1,8 mil. Teve que se contentar com R$ 180.

O vendedor d'água não está fazendo caridade (embora ele possa também fazê-la). Ao mesmo tempo, a transação não é injusta. Ela está estritamente dentro dos limites da justiça nas trocas, que determina que ambas as partes saiam beneficiadas. Para isso, é necessário que elas não mintam acerca das características daquilo que oferecem e não obriguem a outra parte a aceitar os termos. Sendo assim, a troca cria valor para ambas, e a prova disso é que ela foi livremente aceita.

Caridade não é solução

A raiz da revolta contra os "exploradores da miséria" surge parcialmente, creio, de um sentimento bom: quando alguém passa uma necessidade muito maior do que o patamar que se considera normal, o bom, o virtuoso, o generoso, é ajudar a pessoa. Não tenho dúvida de que a melhor ação num caso desses seria, de fato, prestar ajuda gratuitamente. Os vendedores "poderiam" cobrar menos e se contentar com um lucro menor, ou mesmo doar água gratuitamente. É verdade; assim como você "poderia", gentilmente, pedir uma redução salarial em seu emprego para baratear o produto final e ajudar os consumidores. É uma boa ação, mas que seria contraprodutiva se desempenhada por todos sempre. Pensemos nas implicações dessa caridade unilateral caso ela virasse política universal dos empreendedores.

Imagine se adotássemos a caridade como princípio básico na relação com os desafortunados; isto é, com aqueles que por algum motivo têm um nível de consumo inferior ao considerado aceitável pela sociedade em que vivem (e isso pode variar muito! O pobre europeu tem um nível de consumo invejável para o pobre brasileiro, que por sua vez é rico se comparado ao pobre zimbabuano). Alguém passa necessidade? Então que receba prontamente aquilo de que carece. O efeito dessa caridade automática voltada a bens de capital (como a água usada para a produção agrícola) em larga escala seria impossibilitar, ou ao menos dificultar, que se sanassem as causas da pobreza.

A causa da pobreza é o fato de alguém encontrar-se impossibilitado de produzir o valor de que precisaria para atingir um nível de consumo considerado adequado. Se mantivermos, por caridade, os bens de capital artificialmente baratos (ou mesmo gratuitos), garantiríamos ao produtor um lucro artificial, sem resolver as causas de sua baixa produtividade. E mais: esses preços subsidiados criariam um incentivo espúrio para que mais pessoas entrassem nessa linha de produção deficitária, que destrói valor. Isso pode até agradar ao ego de alguns benfeitores, que teriam vítimas cativas para sua caridade; mas não seria uma solução para o problema. Seria um processo custoso manter esses agricultores produzindo, arcando caridosamente com os prejuízos de sua produção, e perpetuando o uso ineficiente dos recursos. É o que ocorre sempre que o estado oferece recursos ou capital abaixo do preço de mercado a um empreendimento (que pode ser um pequeno agricultor do sertão ou uma megaempresa que recebe empréstimo do BNDES).

Imaginemos agora o resultado que se segue para uma empresa específica se ela tentar adotar a caridade como a política primária de sua operação.

Se uma empresa tem lucro, isso significa que o preço dos bens de capital por ela utilizados é inferior ao preço do produto final que ela vende. Como o preço dos bens de capital é determinado pelo preço esperado dos produtos finais que com eles podem ser produzidos, o uso lucrativo deles tenderá a aumentar o preço dos bens de capital usados naquela linha produtiva. O sujeito lucra vendendo água: então mais gente quererá vender água também; os meios de produção desse empreendimento (automóveis, combustível e água) serão mais demandados, e seu preço subirá. Seu preço subirá até o ponto em que o lucro do empreendimento cesse, pois a partir desse ponto não valerá a pena demandar mais unidades desses bens de capital para usar nesse processo produtivo.

Conforme esse processo se desenrolar, o lucro das empresas que praticam o preço de mercado tenderá a zero. Dado que a empresa caridosa em questão pratica um preço inferior ao do mercado (supondo que essa seja sua política constante), ela será levada ao prejuízo. Um processo deficitário ou morre por falta de recursos ou depende de recursos vindos de alguma outra fonte para perpetuar-se. Esses recursos só podem vir de uma fonte lucrativa, pois se não fosse lucrativa, não teria com o que manter-se em existência e ainda doar dinheiro para outras causas. A instituição que vive de fazer caridade vira dependente, ela própria, da caridade alheia. Isso não é uma crítica, pois não há nada de errado em viver de caridade, especialmente se se fizer coisas boas. É apenas uma observação.

Conclusão: toda atividade caridosa depende da existência de atividades lucrativas (isto é, não caridosas) para existir, e só existe enquanto financiada por elas. Uma mesma pessoa pode fazer caridade num momento e exercer uma atividade lucrativa em outro; ele é financiador num momento e financiado em outro. Isso não muda o resultado: caridade de um lado requer lucro de outro. Frades católicos, que realizam muitas obras de caridade pelo mundo, dependem de doações de outros fieis. ONGs dependem de patrocínios. E o estado depende de impostos. Em todos os casos, há uma fonte lucrativa (ou seja, que busca o lucro ao preço de mercado, pois se não o fizesse não seria lucrativa) que, com parte de seu excedente, sustenta a atividade caridosa.

A caridade é necessária para a vida humana neste mundo, e é com razão que apela para nosso lado generoso. No entanto, não é e nem pode ser a base da interação social; ela própria depende de um sistema de trocas (ou seja, um mercado) no qual agentes busquem o lucro. Ela nunca será um substituto do mercado e da busca pelo lucro, pois sem eles ela também não existiria.

Indignação arbitrária

Há uma boa dose de manipulação emocional nessa história de condenar alguns empreendedores, seletivamente, como exploradores da miséria. A rigor, todo e qualquer prestador de serviço remunerado é um "explorador da miséria". Os supermercados e restaurantes exploram a minha miséria; sabem que eu careço de meios para produzir minha própria comida; por isso vendem-na para mim. Deles dependo para não morrer de fome, e não pensem que cobram barato. Cobram o preço condizente com a escassez relativa das comidas que compro; quando um vegetal sofre quebra de safra, seu preço aumenta.

Há até mesmo exploradores de miséria que são universalmente amados. Na verdade, um dos maiores exploradores da miséria alheia é também uma das figuras mais respeitadas do mundo. Aquela pessoa a quem recorremos nos momentos de maior fragilidade, quando nossa própria vida, ou a de nossos entes queridos, está em risco; momento no qual ele aproveita pra oferecer seus serviços e cobrar um preço alto por eles: o médico.

Um bom médico provê serviços bastante escassos no mercado; e por isso cobra caro. Ou melhor: cobrava caro. O motivo que levou os serviços médicos a baixarem de preço, de modo que cada vez mais gente tenha acesso à saúde privada, não foi a caridade dos médicos, mas a lei do mercado: quanto maior a oferta, menor o preço. Quanto mais gente buscando a remuneração de ser médico, menor essa remuneração. É o mercado em funcionamento, aumentando a oferta do que era escasso.

Dado que a miséria, ou seja, a necessidade extrema por algum bem, existe, aqueles que fornecem justamente esse bem aos miseráveis deveriam ser incentivados ou perseguidos? Os liberais e libertários dizem, sem sombra de dúvida, que devem ser incentivados. Devem ser louvados como heróis ou santos? Não; ao menos não por isso. Mas também não fazem nada de injusto; oferecem trocas mutuamente vantajosas para aqueles que querem os bens que eles oferecem. Beneficiam-se da miséria alheia? Seria mais correto dizer que se beneficiam justamente porque ajudam a sanar a miséria alheia.

É graças a esses e todos os outros exploradores de miséria que nossa vida é menos miserável. Por sorte, a maioria de nós vive em lugares nos quais há tanta gente explorando nossa sede que já não passamos sede. Que o mesmo possa ocorrer no sertão do Nordeste; que a indústria estatal da seca ceda lugar à indústria privada de combate à seca!

Joel Pinheiro da Fonseca é mestrando em filosofia, editor da revista Dicta&Contradicta e escreve no blog Ad Hominem.

sábado, 29 de junho de 2013

DEU A LOUCA NA VEJA

Deus morto, escreve Albert Camus, é preciso transformar e organizar o mundo com as forças do homem. A partir deste dado, começa suas reflexões sobre a revolta histórica. Urge fazer uma distinção entre a revolução e o movimento de revolta. Spartacus não é um revolucionário, ele não quer mudar os princípios da sociedade romana. Ele se bate para que o escravo tenha direitos iguais aos do senhor, recusa a servidão e quer a igualdade com seu amo. Esta vontade de igualdade o conduzirá ao desejo de tomar o lugar do amo.


A revolução, por sua vez, é a mudança total. A partir da concepção astronômica de revolução – movimento que fecha um ciclo, que passa de um regime a outro após uma translação completa – Camus precisa sua definição. A revolução implica uma mudança do regime de governo. Para que uma mudança econômica seja uma revolução econômica é preciso que ela seja ao mesmo tempo política. Sejam seus meios sangrentos ou pacíficos, é a mudança política, a mudança de governo, que distinguirá a revolução da revolta. Esta dicotomia fundamental é posta em relevo pela frase célebre, citada por Camus: "Não, Sir, não se trata de uma revolta, mas de uma revolução".

Comentei esta distinção feita por Camus há dois anos, quando Tunísia e Egito derrubaram suas ditaduras e o movimento tendia a espalhar-se por outros países árabes e africanos. As manchetes todas falavam em revoluções democráticas. Quem hoje ousa falar em revoluções democráticas no mundo árabe? 

Pelo jeito, deu a louca na Veja. Em edição que intitula como histórica, tem como chamada de capa:

OS SETE DIAS QUE MUDARAM O BRASIL 

Salvo engano, Brasil é este país em que vivo e no qual agora escrevo. Para qualquer lado que olhe, não vejo mudança alguma. Salvo alguns prédios e carros depredados, mas isso nada tem de novo no país. Verdade que uma dúzia de cidades andaram baixando em alguns centavos a tarifa do transporte coletivo. Mas isto está longe de mudar qualquer país. Procuro a reportagem para ver o que mudou. Vamos lá:

“O PT acreditava que a paixão dos brasileiros pelo futebol seria exacerbada pelas Copas, de tal forma que ninguém mais notaria a corrupção e a ineficiência do governo. Errou feio. Os cartazes das ruas fizeram das Copas símbolos odiados do gasto público de péssima qualidade, do desvio de dinheiro e do abuso de poder”.

Símbolos odiados? Odiados por alguns gatos pingados. Os estádios estiveram lotados nesta Copa e isso que nem é a Copa do mundo, a que de fato inflama paixões. Veja superestima a multidão das ruas. Consta que foram um milhão na quinta-feira passada. 

A situação não é tão grave como parece ser – comentei ontem -. Um milhão de pessoas nas ruas é 0,5 da população. A transmissão contínua das televisões dá a idéia de um país em chamas. Ora, longe disso. Meu bairro continua em seu mesmo ritmo. Todo mundo comprando, trabalhando, comendo, bebendo. O mesmo ocorrerá em dezenas, centenas de outros bairros, em São Paulo e no país todo. Vistas pela televisão, as cidades parecem ser puro caos. Não são. Caos só em dois ou três pontos do centro e nas avenidas onde os “jovens” se concentram.

Se o país mudou, não fui avisado. Veja continua insistindo em sua tese: 

“Em 1992, em gesto de desespero, o então presidente Fernando Collor convocou os brasileiros a sair às ruas de verde e amarelo. O povo saiu de preto e ele saiu do palácio do Planalto. (...) Lula mandou os sindicalistas se fingirem de povo e o resultado foi o mesmo. Cascudos nos intrusos e bandeiras queimadas e rasgadas. Os esquerdistas tiveram de ouvir um dos mais elegantes xingamentos da história mundial das manifestações: “Oportunistas, oportunistas”.

Veja endossa a tese de que foram os cara-pintadas que derrubaram Collor. Ora, quem derrubou Collor foi o Congresso. Foram os deputados que Collor, jovem e arrogante, se recusou a comprar. Lula foi mais hábil. Esteve perto de um impeachment, mas o Congresso já estava regiamente pago. Os mensaleiros que o digam. A revista também acha que alguns cascudos e algumas bandeiras queimadas em meio a uma confusão significam uma mudança no país. 

No texto seguinte, Veja compara a baderna generalizada chez nous com a queda do muro de Berlim e a invasão da Áustria pelos húngaros em 89. Compara a rebelião de nações escravizadas por meio século pela União Soviética com o levante de uma meninada que até agora não soube dizer a que vem. “O comunismo acabou e a Alemanha se reunificou”, salienta a revista, para confirmar sua tese de que o petismo acabou. Ora, o petismo pode estar surpreso com o episódio, mas continua vivo e pujante enquanto houver uma nação a saquear. A União Soviética morreu de vez, dois anos depois da queda do Muro. Dona Dilma lidera as preferências dos eleitores para o próximo pleito.

Veja lembra que a frase que intitula a reportagem é de Lênin. “Até ele ficaria sem palpite se tivesse presenciado as mudanças as mudanças dos últimos dias no Brasil”. Sim, Lênin, que fuzilou o czar e sua família, que exterminou kulaks e criou gulags, certamente ficaria perplexo ao ver jornalistas chamando de revolução uns cascudos distribuídos em militantes de um partido corrupto. 

“Esqueçamos os vândalos e os anarquistas, gente que não estava lutando por um governo melhor, mas por governo nenhum. A revolução verdadeira foi a que começou a ser feita pelos brasileiros que foram às ruas protestar por estar sendo mal governados” – escreve a revista, para bem salientar que de revolução se trata. Mais ainda, não é apenas revolução. É revolução verdadeira. Até dona Dilma deve estar rindo dos “revolucionários”. Quando pensava em revolução, em vez de ir para a rua portando cartazes, pegou em armas.

Que mudança de governo, que mudanças políticas, provocaram as multidões nas ruas? Nenhuma. O PT continua no poder, o PMDB também, o PSDB finge ser oposição, corruptos impunes e notórios continuam ocupando cargos no Congresso, corruptos notórios – e condenados – continuam exercendo a deputação. 

De meu conhecimento, nunca a palavrinha foi tão desmoralizada. As revoluções começam com maiúsculas, continuam com minúsculas e acabam entre aspas, escreveu Ernesto Sábato. A revolução decretada por Veja começa pelo fim do caminho, entre aspas.
Por: Janer Cristaldo










QUEM PAGA?

Que uma política inspirada na religião cristã possa ter algum parentesco mesmo longínquo com o nazismo ou com o fascismo é uma crença indefensável sob todos os aspectos.

De uns tempos para cá, as expressões “extrema direita” e “ultradireita” passaram a ser usadas para carimbar com o estigma do nazifascismo qualquer cidadão ou grupo que se oponha ao abortismo, ao casamento gay ou à proibição de opiniões religiosas na vida pública. Opiniões majoritárias, consagradas pelo uso universal e incorporadas de há muito na prática democrática das nações civilizadas, são assim, repentinamente, movidas para as trevas exteriores, para zona do anormal, do inaceitável e do proibido. A elite iluminada se autoconstitui em medida-padrão do normal e do certo, e, como o dr. Simão Bacamarte no “Alienista” de Machado de Assis, condena o povo inteiro como louco, fanático e extremista.

Essa deformação semântica monstruosa, violência simbólica em estado puro, aparece com notável uniformidade tanto no discurso da esquerda em geral quanto na “grande mídia” da qual essa mesma esquerda, com a hipocrisia de quem sabe que domina os cargos de chefia em quase todas as redações do país, se finge de inimiga e vítima indefesa.

O objetivo da operação é, de imediato, mergulhar a população cristã na “espiral do silêncio”, destituí-la dos meios verbais de autodefesa e, portanto, debilitar sua identidade ao ponto de dissolvê-la por completo. Já é, portanto, um genocídio cultural indisfarçado, cínico, criminoso no mais alto grau, que prepara a oficialização do anticristianismo militante como prática nacional obrigatória e a realização do sonho de Lênin: “Varrer o cristianismo da face da Terra”.

Que uma política inspirada na religião cristã possa ter algum parentesco mesmo longínquo com o nazismo ou com o fascismo é uma crença indefensável sob todos os aspectos, quando mais não fosse pela obviedade de que foi precisamente a derrota do nazifascismo que trouxe ao poder, pela primeira vez na história européia, partidos declaradamente cristãos, a Democracia Cristã na Alemanha e na Itália. Mutatis mutandis, foram os conservadores católicos e protestantes que, em toda a Europa, pregaram a resistência a Hitler quando os comunistas e esquerdistas em geral preferiam a acomodação, então favorável aos interesses de Moscou, que partilhava com os nazistas o cadáver da Polônia.

A liderança comunista explora despudoradamente a ignorância histórica de seus militantes quando os induz a crer que são “de extrema direita” precisamente aquelas opiniões majoritárias que trouxeram a paz, o equilíbrio e a normalidade democrática ao mundo após o pesadelo da II Guerra Mundial, enquanto, nas zonas ocupadas pelo comunismo, as instituições repressivas criadas pelo nazismo eram simplesmente modernizadas e adaptadas às necessidades de uma ditadura mais astuta e mais eficiente.

Hoje sabe-se, para além de qualquer dúvida razoável, que o nazismo jamais teria crescido às proporções de uma ameaça mundial se não fosse pela ajuda soviética, passada por baixo do pano por anos a fio e camuflada sob um antinazismo de fachada.

Quando os comunistas tentam associar a imagem de seus inimigos conservadores à lembrança do nazifascismo, não fazem senão repetir o procedimento-padrão, estabelecido desde os tempos de Lênin, que consiste em cometer o crime e apagar as pistas rapidamente, lançando as culpas sobre o primeiro bode expiatório disponível antes que alguém sequer suspeite da verdadeira autoria.

Nunca houve nem nunca haverá um comunista bem intencionado, pela simples razão de que o comunismo nega, na base, todo princípio moral e o substitui por uma nova “ética” em que não há outro Bem Supremo acima dos interesses da Revolução, nem outra obrigação moral superior à de fazer crescer, por todos os meios, o poder do Partido.

Todo comunista, sem exceção, é um canalha e um manipulador, pronto a elevar-se ao estatuto de assassino e genocida tão logo, inchado de orgulho, seja convocado a isso pelo clero revolucionário. Ninguém jamais se tornou comunista por amor aos pobres, por idealismo humanitário ou por qualquer outro motivo elevado. Todos entraram nisso movidos pelo desejo de enobrecer-se e beatificar-se pela prática do mal transfigurada em virtude partidária. O comunismo não explora os sentimentos mais altos, e sim o mais baixo de todos, que é o desejo de inverter o senso moral para que cada um se sinta tanto mais santo quanto mais se emporcalhe na mendacidade e no crime.

Novo e oportuno exemplo dessa inversão vem agora do sr. Tarso Genro, que atribui a “grupos pagos de extrema direita” as depredações ocorridas em várias cidades do Brasil. Esse grotesco arremedo de intelectual e escritor sabe perfeitamente bem que os atos de violência ocorreram sobretudo nos primeiros dias, quando havia praticamente só radicais de esquerda nas ruas – estes sim, pagos pelo sr. George Soros e pelo Foro de São Paulo --, muito antes de que qualquer cristão, conservador ou patriota fosse “melar”, como disseram os esquerdistas, o tão bem planejadinho tumulto destinado a forçar um “upgrade” do processo revolucionário comunista.

É o bom e velho “acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é”, que os comunistas seguem à risca desde há um século. Como sempre, essa inversão prepara aquilo que eles mais gostam de fazer: perseguir os inocentes, enviá-los à cadeia, matá-los e depois ainda culpá-los.

Homens que se entregam a esse exercício não merecem que nenhum cidadão honesto lhes dirija a palavra, e por isso não é com eles que estou falando. Estou falando ao que ainda resta de consciência moral entre empresários, juízes, promotores de Justiça, advogados, políticos e militares. E o que tenho a lhes dizer é simples e direto: Auditoria no Foro de São Paulo já! Veremos quem são os arruaceiros pagos. 

Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

INDIGNAI-VOS NAS URNAS

Motivo para revolta é o que não falta. Aquele cenário maravilhoso que o governo pintava não existe. Nossos pilares são de areia, e o inverno está chegando. O descaso com a população por parte das autoridades é enorme, as prioridades são todas desvirtuadas, e o rumo precisa mudar radicalmente.


Mas confesso não compartilhar da euforia que tomou as ruas das principais capitais do país. Há uma insatisfação generalizada e difusa, sem foco. Não adianta ser contra “tudo que está aí”. É preciso compreender melhor o que nos trouxe a esse quadro, e como mudá-lo. Temos que gerar mais luz e menos calor.

Além da grande cacofonia nas ruas, cada um com uma demanda diferente, há grupos radicais de esquerda tentando se apropriar dos protestos. Afinal, isso é o que eles sempre fizeram: incitar as massas e criar baderna. Separar o joio do trigo é crucial. Vândalos devem ser contidos, saques e agressões aos policiais devem ser reprimidos com todo o rigor da lei. Manter a ordem é fundamental.

O clima anárquico só interessa aos golpistas de plantão. Uma turba descontrolada é um convite a uma intervenção estatal rigorosa. A Revolução Francesa sofreu desse mal, levando ao Terror de Robespierre, e depois à ditadura de Napoleão. Maio de 68 foi outro exemplo de caos produzido pela juventude entorpecida por utopias revolucionárias.

Consigo entender perfeitamente o desespero de muitos, cansados de nossa política podre, da ausência de alternativas sérias, da impunidade, do transporte caótico, a saúde pública em frangalhos. Tudo isso é totalmente legítimo. Mas precisamos canalizar essa energia toda para forças construtivas, e não destrutivas.

Sou bastante crítico a este governo. Meu julgamento da era petista é o pior possível. Nunca antes na história deste país se viu tantas trapalhadas conjuntas, tanta incompetência, tanta mediocridade e safadeza. O PT segregou o país, comprou votos com esmolas estatais, aparelhou a máquina do Estado e demonstra forte viés autoritário.

Estamos pagando um alto preço por essa inoperância, agora que os ventos externos pararam de soprar na nossa direção. Dilma não fez uma única reforma estrutural importante, exagerou no populismo e permitiu inclusive a volta da alta inflação. Meu veredicto é o mais duro possível contra a presidente e sua equipe.

Dito isso, não consigo mergulhar com muito otimismo nas manifestações das ruas, até porque tenho sérias dúvidas se este é também o diagnóstico dessas pessoas. Muita gente acaba demandando mais intervencionismo estatal como solução. Querem mais do veneno! Bandeiras demagógicas, como “passe livre”, também abundam. Esse, definitivamente, não é o caminho.

O que fazer então? Sei que a nossa democracia é muito falha. Quem pode ficar feliz com esse Congresso? Mas não acredito muito em revoluções populares, que costumam sair do controle. Prefiro apostar na evolução de nossas instituições, hoje capengas e ameaçadas. Precisamos lutar dentro da própria democracia, com as armas da legalidade, respeitando o império das leis.

Essa via leva mais tempo, tem solavancos, exige concessões, demanda paciência, aquela que está prestes a se esgotar. Mas ela é mais sólida, mais sustentável, mais pacífica. O principal valor da democracia representativa não está em suas “fantásticas” escolhas (Lula?), mas em sua capacidade de eliminar grandes erros de forma pacífica.

Conquistamos a duras penas o regime democrático, e criamos algumas instituições republicanas importantes, como a liberdade de imprensa e a independência dos poderes. Não foi no ritmo que desejávamos, tampouco da qualidade que almejamos. Mas precisamos preservá-las. Hoje mais do que nunca, justamente porque elas estão em xeque, sob constante ataque de minorias organizadas e barulhentas.

Nenhum partido atual representa minha visão liberal de país. São todos eles intervencionistas, depositando no Estado um papel demasiado de controle sobre nossas vidas e recursos. Mas nem por isso penso que a solução é uma espécie de “revolução apartidária”. Em política não há vácuo; ele logo é preenchido por alguém. Que não seja um aventureiro, um “messias” salvador da Pátria. Ou salvadora.

Eis minha sugestão aos brasileiros cansados dessa situação: indignai-vos, mas nas urnas! Não será a escolha ideal, mas o ideal existe somente em nossas ilusões. E elas são perigosas quando passamos a acreditar que são viáveis. Façamos aquilo que for possível, mantendo nossa frágil, porém necessária democracia. De nada adianta rugir feito um leão nas ruas, e depois votar como um burro nas urnas. 
Por: Rodrigo Constantino O Globo

DEZ IMPRESSÕES SOBRE O BRASIL

É fácil aceitar a desigualdade, a corrupção e a insegurança quando não existem termos de comparação

1. Raramente escrevo sobre o Brasil no Brasil. Questão de cortesia. Sou convidado do país e um convidado não critica os anfitriões. Exceto quando os anfitriões deixam de ser assunto doméstico e viram fenômeno internacional.

2. Ironia. Quinze dias atrás gravei um podcast para esta Folha no qual dizia: as grandes rebeliões da história começam quase sempre por episódios anedóticos. A minha atenção estava na Turquia e na ambição de Erdogan em arrasar com um parque em Istambul para construir um shopping. Deu no que deu.

Quando debitava estas sábias linhas, nem reparei que São Paulo marchava contra aumentos nos transportes. Deu no que deu.

3. Historicamente, o melhor exemplo de um episódio anedótico que precipitou uma revolução encontra-se nos Estados Unidos. No século 18, os colonos americanos não desejavam "criar" um país. Queriam, mais modestamente, não pagar impostos à metrópole britânica, uma vez que não estavam representados no Parlamento de Londres ("no taxation without representation"). Foi a intransigência do rei inglês que mudou a história moderna.

4. Dilma parece ter alguma intuição histórica (ou será apenas bom senso?) ao não ter subido a parada da repressão. Sobretudo quando se confrontou com as consequências desastrosas das primeiras investidas policiais. Um gesto inteligente que distingue o Brasil do autoritarismo turco.

5. Dilma discursa ao país. Promete escutar todo mundo, investir mais em educação, importar médicos etc. Mas o que pensam os brasileiros quando a presidente nada diz sobre o "pibinho pequenininho", a inflação que não desce, a queda do investimento (sobretudo estrangeiro), a perda de competitividade"¦ [continua].

6. Portugal construiu dez estádios "padrão Fifa" para a Eurocopa de 2004. Sete anos depois o país estava falido. A Grécia cometeu iguais loucuras para as Olimpíadas do mesmo ano. Teve a honra de falir primeiro. Lição? Grandes acontecimentos desportivos nem sempre dão o retorno esperado.

7. Comparações entre o Brasil e a Europa não funcionam? Duvido. Começo pela economia: o desastre português não se deveu apenas aos dez fatídicos estádios, que na sua maioria hoje apodrecem ao sol.

Começou com a pior combinação econômica possível: juros baixos (com o euro), endividamento explosivo (Estado, empresas, famílias) e, golpe de misericórdia, crescimento econômico medíocre (uma década perdida abaixo de 1%). Soa familiar?

8. Na crise europeia, existe um bloqueio político evidente: as populações não confiam nos governos, mas também não confiam nas oposições. Assim é na Grécia, em Portugal "" e, claro, na Itália, que quase elegeu um comediante (Beppe Grillo, não Berlusconi). E no Brasil?

Suspeito que exista o mesmo bloqueio. O PT, tradicionalmente a voz de protesto do sistema, é hoje governo. Donde, quem é a voz de protesto? Quem não acredita no governo, normalmente acredita na alternativa ao governo. Donde, onde está a alternativa?

9. Escrevo um diário desde os 16 anos. Procurei páginas passadas das minhas viagens pelo Brasil. Reli-as. Pergunta recorrente: como é possível às elites conviverem tranquilamente com a pobreza em volta?

Para certos espíritos, essa pergunta não é própria da "direita". Erro crasso. Não há nada que um conservador mais tema do que situações potencialmente revolucionárias. E a melhor forma de as evitar é seguir o velho conselho de Edmund Burke: para que o nosso país seja amado é também preciso que ele seja amável.

10. Revoluções. Regresso aos Estados Unidos. A guerra da independência não gerou apenas um país. Uma das consequências da guerra foi a ruína financeira da França, que apoiou os colonos. Essa ruína seria uma das causas da Revolução de 1789.

Mas existe outro legado revolucionário que os estudiosos tendem a esquecer: os intelectuais e os soldados gauleses que participaram na guerra viram no exemplo americano a medida da sua frustração caseira. Por isso, pergunto: quantos daqueles milhares de brasileiros que tomaram pacificamente as ruas não estudaram, trabalharam ou simplesmente se informaram sobre o mundo exterior?

É fácil aceitar a desigualdade, a corrupção e a insegurança quando não existem termos de comparação. Uma classe média mais fluente e afluente começa a fazer comparações. Brindo a isso.
Por: João Pereira Coutinho Folha de SP

quinta-feira, 27 de junho de 2013

PROTESTO

E do caos fez-se o protesto. No início, manifestações pequenas degeneraram, previsivelmente, em violência e depredação. Truculências policiais, uma vaia avassaladora contra Dilma Rousseff e manifestações com outra pauta, sobre os gastos públicos na farra da Copa do Mundo, pontuaram o estágio intermediário. Enfim, protestos multitudinários tomaram as ruas de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte e de Brasília. A sequência desafia a lógica convencional e escapa às ferramentas de tradução dos políticos, mas lança alguma luz sobre uma crise larvar que, agora, emergiu. Bem na hora em que o Palácio do Planalto preparava-se para tocar novamente uma velha canção da Copa do Mundo de 1970, o céu desabou.


Nada houve de espontâneo na etapa inicial. Os movimentos pelo “passe livre” são constituídos por autointitulados “anarquistas”, seitas esquerdistas e jovens indignados que se movem à margem dos aparelhos da esquerda oficial (PT, PCdoB, sindicatos, UNE). Nas franjas dos movimentos, circulam bandos de punks à caça de oportunidades para confrontos com a polícia. O “passe livre”, uma utopia socialmente reacionária, funcionava como pretexto para quimeras diversas: a “superação do capitalismo”, a “revolução proletária”, a “guerra urbana”. As vergonhosas distorções de nossos sistemas de transporte coletivo — avessos à transparência, hostis aos usuários, pontilhados de privilégios, curvados pela associação oculta entre empresas de ônibus e políticos — não interessam realmente aos grupos radicalizados que protagonizaram as primeiras manifestações.

Há sintomas de uma notável regressão política. As passeatas estudantis de 1977 contra a ditadura militar tinham linha de frente e cordões de segurança, elementos ausentes nos protestos em curso. A desordem prestou-se à ação de incendiários e depredadores. Governantes e chefes de polícia despreparados multiplicaram o caos, produzindo cenas chocantes de violência contra manifestantes pacíficos. Mas a escala faz a diferença: quando dezenas de milhares foram às ruas, os encapuzados viram-se reduzidos à insignificância e, quase sempre, à impotência.

“Não é por centavos, é por direitos”, esclarecia uma faixa no Rio de Janeiro. “Brasil, vamos acordar, o professor vale mais que o Neymar”, cantou-se em São Paulo. Na segunda-feira, o “passe livre” já era só um pretexto coletivo para manifestações que exigiam o reconhecimento de um “direito ao protesto” e exprimiam uma frustração “difusa” e “crescente” — duas palavras usadas pelo ministro Gilberto Carvalho, a sombra onipresente de Lula no governo de Dilma. As marcas da juventude e de uma diversificada classe média, inclusive das periferias, estavam impressas nos protestos de massa. “Não é a Turquia, não é a Grécia — é o Brasil que saindo da inércia”, gritaram em São Paulo. Só se grita isso porque, de algum modo não óbvio, é “a Grécia” e “a Turquia”.

A escala faz a diferença. As quimeras das seitas esquerdistas tornaram-se inaudíveis nos protestos de multidões. No lugar delas, desenhavam-se os contornos de uma agenda implícita, ainda não cozida no fogo da linguagem política. As pessoas estão fartas do governo e da oposição, da corrupção e da impunidade, da arrogância e do cinismo, da soberba e do descaso. O estádio superfaturado, o ônibus superlotado, a escola arruinada, a inflação, a criminalidade, o Dirceu e o Eike — é sobre isso que falam os manifestantes, ecoando palavras de milhões ainda inseguros quanto à conveniência de protestar nas ruas. O inimigo, que ninguém se engane, é toda a elite política reorganizada durante a década de balofa euforia do lulopetismo. Um preocupado Gilberto Carvalho alertou contra a tentação de “tirar proveito político, de um lado ou de outro” dos eventos da segunda-feira. Mestre no ofício de “tirar proveito político”, ele já percebeu que um ciclo se fechou.

A política é, entre outras coisas, a arte de ordenar e hierarquizar as inquietações populares. No declínio da ditadura, estudantes e sindicalistas usaram as expressões “anistia”, “liberdades democráticas”, “direito de greve”. Na hora da dissolução do regime militar, as oposições se reuniram em torno do estandarte das eleições diretas. A bandeira do impeachment, erguida pelos partidos e movimentos sociais, encerrou a saga desastrosa do governo Fernando Collor. Diante da hiperinflação, os tucanos ofereceram um programa de estabilização, reformas e privatizações. Na conjuntura de crises externas que erodiam os salários e as aposentadorias, o PT prometeu distribuir a renda e exterminar a pobreza. Hoje, porém, a “difusa” e “crescente” inquietação não encontra traduções políticas nítidas.

A desmoralização da ágora — eis a pior herança do lulopetismo. O governo Lula cooptou os movimentos sociais, convertendo-os em marionetes de suas ambições eleitorais, e reforçou os grilhões que prendem o movimento sindical ao poder de Estado. No governo Dilma, completou-se a construção de uma esmagadora maioria parlamentar alicerçada sobre a distribuição de sesmarias na administração direta e nas empresas estatais. Do lado de fora da ampla coalizão governista, destituídos de princípios ou convicções, os partidos de oposição remanescentes abdicaram da crítica e do debate, aguardando que um milagre transfira o poder para suas mãos. A política parlamentar democrática feneceu, exaurindo-se de sentido. As manifestações provavelmente teriam começado antes, não fossem as esperanças depositadas no julgamento do mensalão.

Nesse cenário, os protestos descrevem trajetórias pré-políticas e os manifestantes apalpam terreno desconhecido, em busca de uma linguagem e de uma agenda. A anomia não perdurará eternamente — mas, por enquanto, gera muito calor e pouca luz. De qualquer modo, uma festa terminou antes mesmo de começar: desconfio que Prá frente Brasil não será ouvida na Copa do Mundo de 2014. Por: Demétrio Magnoli O Globo

quarta-feira, 26 de junho de 2013

BRASIL NERVOSO

Fica cada dia mais difícil, sinceramente, confiar na palavra "popularidade". O dicionário não ajuda; o que está escrito lá dentro não combina com o que se vê aqui fora. Os institutos de pesquisa ajudam ainda menos — seus números informam o contrário do que mostram os fatos. As teses do PT, enfim, não servem para nada. Garantem por exemplo, que a ladroagem, as mentiras e a incompetência sem limites do governo só afetam uma pequena minoria que lê a imprensa livre — a "direita", os "inconformados" etc. Quando Dilma fica brava, como agora, fingem ignorar o que está na cara de todos: que a ira popular vem da acumulação dos desastres noticiados por essa mesmíssima imprensa. É simples. A presidente da Republica que continua sendo apresentada como a governante mais popular que o Brasil jamais teve, não pode colocar os pés num campo de futebol em Brasília. Ia fazer isso como previa o programa oficial no jogo de abertura da Copa das Confederações no dia 15 de junho. Desistiu ao ouvir a robusta vaia que o público lhe socou em cima logo ao aparecer no estádio — e teve de ficar trancada no cercadinho das autoridades, seu habitat protegido de sempre. Para não receber uma vaia ainda pior, também desistiu de fazer o discurso solene escrito para a ocasião. Pergunta: se a presidente Dilma Rousseff não pode aparecer nem falar em público, onde foi parar aquela popularidade toda?


O problema, no caso, é que se tratava de público de verdade — e não desses blocos que o PT monta para fazer o papel de povo, transporta em ônibus fretados com dinheiro público e premia com lanche grátis, em troca de palmas para a presidente. Dilma tentou chegar perto do povo brasileiro que existe na vida real: foi um fiasco, e ela terá de lidar agora com o pânico dos magos da ""comunicação" e "imagem" que fabricam diariamente a sua popularidade. Há alguma coisa muito errada nisso tudo. Para que servem todas as pesquisas de aprovação popular e a fortuna que o governo gasta em propaganda se a rua demonstra que não está aprovando nada, nem acreditando no que a publicidade oficial sobre o Brasil Carinhoso lhe conta? A primeira explicação do Palácio foi urna piada: as vaias foram dadas pela "classe média alta" que estava no estádio no dia do jogo inicial. Mas exatamente naquela mesma hora, do lado de fora, a polícia estava baixando o sarrafo numa multidão irada que protestava contra os gastos cada vez mais absurdos, a inépcia e a roubalheira frenética nas obras da Copa de 2014 — que o ex-presidente Lula, Dilma e o PT consideram a suprema criação de seus dez anos de governo. A essa altura, no mundo real. a casa já tinha caído.

O Brasil Carinhoso que existe nas fantasias do governo havia cedido lugar, desde a semana anterior ao Brasil Nervoso que existe na realidade — nervoso, enraivecido, violento, destrutivo, irracional e exasperado contra tudo o que acontece de ruim no seu cotidiano. Sua revolta começou contra um aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus de São Paulo, decidido pela estrela ascendente do PT o prefeito Fernando Haddad. Abriu espaço, como sempre, para marginais — gente que quebra tudo, incendeia e rouba TVs de tela plana de lojas saqueadas. Vazou rapidamente para outras trinta grandes cidades e continuou durante toda a semana passada, já envolvendo um universo de 250.000 pessoas, ou mais. e colocando à luz do sol uma revolta que ia muito além de protestos contra tarifas de transporte e atos criminais. Seu recado foi claro: o rei está nu. O povo está dizendo que este rei — o governo de farsa montado por Lula há mais de dez anos — rouba, mente, desperdiça, não trabalha, trapaceia, vai para a cama com empreiteiros de obras, entrega-se a escroques, cobra cada vez mais imposto e fornece serviços públicos que são um insulto ao país. Acha que pode comprar o povo com fornos de micro-ondas e outros badulaques de marquetagem. É covarde e hipócrita: depois de provar por A + B que o aumento das passagens era indispensável, a prefeitura paulistana, apavorada provou por A + B que não era, e cedeu a quem chamava de "baderneiros". Dilma por sua vez, elogiou a todos, dos manifestantes à polícia, e correu para pedir instruções a Lula — mas não admitiu que seu governo tenha a mais remota culpa por qualquer das desgraças que levaram o povo às ruas. Espera que a revolta se desfaça sozinha como em geral acontece com movimentos que não têm objetivos claros, liderança e disciplina — e volte à sua sagrada popularidade. Pode ser mais difícil, desta vez. Por: J. R. Guzzo Revista Veja

terça-feira, 25 de junho de 2013

EXISTE GOVERNO?

Quando escrevi o artigo anterior, como de costume na sexta-feira, ainda não ocorrera a vaia olímpica à senhora presidente da República no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, e naquele momento ainda incorrera o desconsórcio entre a presidente e a popularidade, já com menos 8 pontos, de 65% caíra a 57%, mas ainda com a maioria, porém um fato novo em gestação sob o governo insosso e paralítico que dormitava. O fato é que, sob o falso pretexto do aumento de 20 centavos no preço das passagens urbanas, ou não, começou o movimento de proporções sísmicas e não cessou de crescer. O ministério, antes de acordar, entrou em delíquio; se existia em letargia deixou de existir. A presidente andou de ceca a meca e, após ouvir os doutores da casa, fez o elogio da rebelião. Depois, suspendeu uma viagem ao Japão e, sem reunir o seu ministério composto de 39 sumidades e ainda um consagrado marqueteiro, nem o Conselho da República, que se compõe de membros de nacional representatividade; acompanhada do marqueteiro, já denominado de 40º ministro, voou a São Paulo para entrevistar-se com seu antecessor. Desde então, o país rigorosamente está sem governo, ou melhor a televisão, por horas a fio, como uma espécie de sucedâneo, vem ocupando a seu modo o espaço vazio. Para encerrar este resumo, observo que depois de tornado sem efeito o aumento de 20 centavos nas passagens urbanas, causa declarada da rebelião, o movimento se ampliou e especialmente se agravou a violência, definida como vandalismo. Em síntese, o movimento que partira de uma reivindicação concreta tomou outras dimensões que podem ser difíceis de acolher e as correntes até aqui vencedoras difíceis em transigir e compor boas soluções.


Como notei, fazia-se praça de que o movimento era pacífico e só uma minoria exasperada cultivava a violência e em menos de semana tomou conta dos acontecimentos, basta dizer que em três grandes jornais que tenho sob os olhos, vejo que todos apontam a violência dominante em suas manchetes. "Mais de 1 milhão vai às ruas no país; violência marca protestos" _ Estado de S. Paulo; "Manifestações se espalham com violência e morte pelo país" _ Folha de S. Paulo; "Confronto e depredação, a violência se repete" _ Zero Hora.
Não surpreende, é de ver-se que, em três dias, entre 17 e 19, US$ 628 milhões saíram do país, nem que, "mesmo com forte atuação do Banco Central", dólar sobe 2,45% e fecha em R$ 2,25.

A eleição do prédio do Itamaraty para ser danificado é de superlativa estupidez, na medida em que escolhe um dos prédios mais originais sob o ponto de vista arquitetônico em toda a capital da República. Outrossim, feri-lo, enquanto corresponde à continuidade do histórico palácio da Rua Larga, no Rio, atinge simbolicamente a tradição diplomática nacional, iniciada quando o Brasil recém saíra do regime colonial, inexistia o serviço diplomático e não obstante, não faltaram pessoas que iniciaram o que veio a ser motivo de desvanecimento internacional, quanto à qualificação do serviço das nossas relações externas.

Se assim foi a primeira semana após a vaia, não saberia responder como seriam a segunda e as sucessivas. Nessa altura, o regime não é autoritário nem democrático, enquanto flutua ao sabor da viração das ruas. O que espanta é que a senhora presidente não tenha reunido o seu ministério, a menos que também não acredite nele, nem se lembrado de convocar o Conselho da República para ouvir de seus 14 conspícuos integrantes. Parece que o governo foi substituído pela publicidade televisionada. E isso pode não ser bom. Contudo, a mudança foi salutar a partir da denúncia quanto ao estigma da corrupção, sem falar que num instante o Brasil mudou de cara.
Paulo Brossard Zero Hora


O FIM DE UM LAMENTÁVEL PRESIDENTE

A eleição presidencial iraniana produziu dois resultados importantes: a vitória do candidato menos radical, Hassan Rouhani, e o fim do lamentável Mahmud Ahmadinejad, presidente desde 2005. O presidente eleito fez campanha com o slogan "prudência e esperança", o que está longe de ser uma plataforma arrojada, mas acenou com um ambiente de maior liberdade pessoal. Muito relevante foi sua postura, como ex-negociador nuclear, favorável a uma redução das tensões nessa matéria entre o Irã e os principais países ocidentais para permitir o abrandamento das sanções do Conselho de Segurança da ONU que estão sufocando a economia iraniana.

Quanto a Ahmadinejad, ele teve um de seus poucos momentos de glória no dia 16 de maio de 2010, quando o presidente do Brasil ergueu seu braço e proclamou vitória no confronto com aqueles que queriam cercear o programa iraniano de "uso pacífico" da energia nuclear".

Deu no que deu: uma derrota esmagadora no Conselho de Segurança da ONU. Ao fim de seu mandato, restam para o povo iraniano uma das maiores taxas de inflação do mundo, elevados índices de desemprego, violenta queda das receitas de petróleo em resultado das sanções internacionais da ONU. Mestre da bazófia inflamada e das posições radicais, Ahmadinejad entra para a História como um pária internacional .

As eleições presidenciais do dia 14 de junho podem vir a reduzir a intransigência do regime. É óbvio que Rouhani, como aiatolá que é, não representa um opositor ainda que velado da teocracia. Alguns de seus predecessores no cargo também eram clérigos xiitas e também buscaram uma abertura política, com êxito muito relativo. Quem detém o poder, acima de todos, é sempre o aiatolá Khamenei, "líder supremo". Para usar a expressão de um estrategista político brasileiro do passado, o regime iraniano avança por sístoles e diástoles. Em todo caso, pelo que se pode ler na imprensa internacional, Hassan Rohani, que foi o negociador nuclear de seu país, é o mais moderado de todos os que disputaram a eleição.

É interessante sublinhar que, mesmo com ênfases teocráticas e militaristas, o regime de Teerã promove regularmente transições de poder, fenômeno raro no Próximo Oriente.

Contudo, como atesta a violenta supressão do Movimento Verde de protestos, com sua agenda reformista, em 2009, o Irã não é uma democracia nos moldes ocidentais.

Com a recentíssima eleição, o regime adquiriu indiscutivelmente mais legitimidade. A questão que se põe é se o Irã poderá desempenhar um papel internacional mais construtivo sob o próximo presidente. A busca de armas nucleares poderá abrandar, permitindo uma atenuação das sanções do Conselho de Segurança? Veremos.

Haverá modificação em outra coluna mestra da política regional de Teerã: o apoio ao regime sanguinário de Bashar Assad? Sabe-se que a ingerência direta do Irã nos assuntos da Síria e do próprio Líbano continua a atear mais fogo nos conflitos internos desses países. Em minha opinião, o propósito de aumentar e consolidar sua influência em toda a região é um cânone do política externa iraniana que será mantido, seja qual for o resultado das eleições, com os métodos que forem necessários.

Resta a conhecer quais métodos serão empregados doravante pelo Irã.

Se Rohani não tiver poder para alterar profundamente os rumos do Irã, enquanto durar o regime retrógrado dos aiatolás o país não poderá exercer na sua região uma influência positiva, no plano cultural e político, compatível com sua grande herança cultural, seu peso específico e a contribuição do segmento mais culto de sua população. O presidente eleito vai assumir suas funções com muitos desafios.

O primeiro deles será afirmar-se na política iraniana em meio às lutas entre ultraconservadores que sempre ameaçam o equilíbrio interno.

O segundo desafio estará em combater a crise econômica que deriva sobretudo do maior conjunto de sanções jamais impostas a um país e que cortaram mais de 50% das exportações de petróleo e gás do Irã. O terceiro teste de Rouhani será conseguir avanços nas negociações nucleares sem ser atacado internamente como um vende-pátria. Três enorme desafios.

A Pérsia foi a primeira superpotência da Antiguidade.

Na época em que atacou a Grécia, sob Dario, em 490 AC, e dez anos depois, sob seu filho Xerxes, o império chegava à Índia e poderia ter-se firmado na Europa, não fossem as vitórias gregas em Maratona e Salamina.

Com os hebreus, os persas são os únicos povos antigos cujos textos sobreviveram nos tempos modernos. "A ascensão dos aiatolás tem sido um rebaixamento do país no sentido da violência feita às grandes tradições do passado iraniano", como disse Robert Kaplan. Esperemos que Hassan Rouhani consiga reverter este curso.
Por: Luiz Felipe Lampreia O Globo

segunda-feira, 24 de junho de 2013

RECUPERAÇÃO DOS EUA NÃO SE SUSTENTA NO LONGO PRAZO

A economia americana está melhorando, mas a recuperação é morna e não vai se sustentar no longo prazo, por causa do alto endividamento do país.

Essa é a opinião de Glenn Hubbard, diretor da Graduate School of Business da Universidade Columbia e um dos mais proeminentes economistas conservadores dos Estados Unidos.

Em uma época em que as políticas de austeridade são alvo de críticas na Europa e nos EUA, Hubbard, que trabalhou nos governos Bush pai e Bush filho, mantém o mantra republicano de menos gastos e menos impostos. Mas, para ele, a política de austeridade adotada hoje em dia é equivocada.

"Tanto os Estados Unidos quanto a Europa estão usando instrumentos errados de austeridade. Em vez de cortar os gastos obrigatórios sociais e de saúde, eles estão fazendo cortes de curto prazo nas despesas", diz.

Abaixo, trechos da entrevista concedida à Folha por Hubbard, que acaba de lançar o livro "Balance: The Economics of Great Powers from Ancient Rome to Modern America" (Equilíbrio: A economia das grandes potências da Roma Antiga até a América Moderna, ed. Simon & Schuster).

Declínio das potências

Grandes potências tropeçam não porque elas se expandem demais, mas porque os políticos não acompanham as mudanças econômicas. Em comum, todas as potências que entram em declínio negam que seus problemas são internos, têm o poder centralizado demais e gastam muito hoje, deixando pouco para o futuro. O império romano deixou de olhar para fora e tinha um governo excessivamente centralizado; a China imperial paralisou suas esquadras mercantes e reforçou a hostilidade ao comércio exterior. Nos EUA, hoje, os grandes problemas são o crescimento do endividamento e a polarização política, que impede uma resolução.

Gastos sociais

O Estado dos "gastos sociais e de saúde" está por trás do declínio dos EUA. Os gastos crescentes com serviços de saúde públicos (Medicare e Medicaid) e seguridade social são insustentáveis. O país prometeu demais a si mesmo. Em 1971, Medicare e Medicaid consumiam 1% do PIB. Em 2010, já eram 5,5% do PIB. Se somarmos seguridade social, vai para 10%.

A solução é reduzir os benefícios para americanos de classe média, transformando o Medicare e a seguridade social em programas menores, que são realmente uma "rede de segurança" só para os mais pobres. Com isso, o governo consegue evitar aumentos nos impostos e reduz o endividamento. Mas esse tipo de reforma é difícil, porque se trata de uma doença lenta, mais parecida com câncer do que um ataque cardíaco.

Austeridade

Tanto os EUA quanto a Europa estão usando instrumentos errados de austeridade. Em vez de cortar os gastos obrigatórios sociais de saúde, eles estão fazendo cortes de curto prazo nas despesas. Nisso eu concordo com Paul Krugman: esse tipo de austeridade não funciona e não resolve o problema. Mas os governos fazem isso porque, politicamente, é muito difícil implementar as reformas que são realmente necessárias.

Fiasco Reinhart-Rogoff

Nós não nos apoiamos na tese de Carmen Reinhart e Ken Rogoff de que existe um limite de 90% do PIB de endividamento, a partir do qual as economias entram em declínio. Não faz diferença que o estudo tenha sido questionado. Muitos outros estudos, inclusive do FMI, preveem uma ligação entre altos níveis de endividamento e crescimento menor. Alto nível de endividamento exige grandes aumentos de impostos futuros e cortes em outras despesas do governo que podem ser negativas para o crescimento. Não se necessita de austeridade hoje, mas é preciso traçar um caminho para reduzir gastos no futuro. Nosso sistema político disfuncional só nos proporciona soluções de curto prazo para o orçamento, em vez de uma política responsável de longo prazo.

A economia dos EUA hoje

A economia americana está melhorando, mas a recuperação é morna, considerando padrões históricos. A alta taxa de desemprego --particularmente desemprego de longo prazo-- não é aceitável. Estamos sendo complacentes. Políticas melhores teriam resultado em uma recuperação mais vigorosa. Um crescimento do PIB estabilizando em 2,5% não seria ruim em uma situação normal, mas estamos saindo de uma crise, o crescimento deveria ser muito maior. Eu não acredito que o Fed vá elevar as taxas de juros antes do fim de 2014, deve apenas mudar sua comunicação ou calibrar outros instrumentos de política monetária, como a compra de títulos. E o alto endividamento ameaça essa recuperação.

Alarmante

O nível de endividamento dos EUA (cerca de 75% do PIB) está em níveis alarmantes porque a relação dívida-PIB está chegando ao mesmo patamar da segunda Guerra Mundial, em tempos de paz, e temos dívidas crescentes de seguridade social e de saúde que ainda nem estão no orçamento. Sem mudar essa trajetória, serão necessários grandes elevações de impostos e cortes de gastos do governo (em, por exemplo, educação, defesa e pesquisa).

Efeitos da recuperação dos EUA no Brasil

Eu acho que os efeitos da possível recuperação dos EUA sobre os fluxos de capitais para emergentes são importantes. Mas mais significativa é a situação na China. A desaceleração no crescimento chinês pode realmente prejudicar países como o Brasil, que se beneficiaram do ciclo de alta nas commodities.

PATRÍCIA CAMPOS MELLO DE SÃO PAULO


FUNDOS ESTRANGEIROS DEIXAM BRASIL PARA INVESTIR EM OUTROS EMERGENTES

Sinais mais fortes de retomada da economia americana e dúvidas sobre a recuperação brasileira têm levado investidores estrangeiros a tirar parte dos recursos aplicados no Brasil e transferi-la para outros países emergentes.



O percentual de investimento que o Brasil recebe de fundos de renda fixa voltados a esses mercados chegou ao menor nível histórico no fim de abril, ficando abaixo de 10% pela primeira vez. Os dados, computados desde 2002, são da consultoria EPFR.

O mau humor de investidores com o Brasil teve mais reflexos ontem. O Banco Central colocou US$ 4,5 bilhões no mercado para frear a queda do real e a Votorantim Cimentos desistiu do plano de lançar ações na Bolsa.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress 


O Brasil tem sofrido mais que outros emergentes com a fuga de recursos, embora a perspectiva de recuperação dos EUA esteja favorecendo a venda generalizada de ativos desses mercados.

A desvalorização de 19,5% da Bolsa brasileira em 2013 supera a queda registrada pelos mercados da China, do México e da Turquia.

Apesar de pequena recuperação recente, a fatia de fundos de ações de países emergentes investida no Brasil está em 12,5%, menos que a média de 14,9% registrada entre o início de 2006 e meados de 2012, segundo a EPFR.

Roberto Padovani, economista-chefe da Votorantim Corretora, diz que o baixo crescimento do Brasil em 2011 e 2012 afugentou estrangeiros de maneira mais intensa que em outros emergentes.

"Essa perda relativa de interesse foi reforçada recentemente pela perspectiva de que a política monetária dos EUA possa mudar de maneira rápida", afirma.

Juros mais altos elevariam a atratividade de aplicações em renda fixa americana.

POLÍTICA FISCAL

Michael Gomez, diretor da Pimco, uma das maiores gestoras de recursos do mundo, diz que a recente retirada do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre investimentos estrangeiros em renda fixa foi um sinal positivo.

Mas, segundo ele, o mercado espera que o governo reduza gastos, contribuindo para o combate à inflação.

O principal fundo da Pimco dedicado a investimentos de renda fixa em países emergentes reduziu a parcela de recursos aplicados no Brasil de 12,1% no fim de 2010 para 6,8% em março de 2013.

Gomez ressalta, no entanto, que o país permanece oferecendo retornos elevados aos investidores.

"O Brasil continua sendo uma parte importante dos nossos investimentos."

CAROLINA MATOS
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO fOLHA DE SP

domingo, 23 de junho de 2013

ENTREVISTA: POVO É CONIVENTE COM A CORRUPÇÃO

Por Ernani Fernandes 

- Janer, como você define “corrupção”? 
- Corrupção é roubo de dinheiro público.

- O que você pensa do uso das redes sociais em campanhas contra a corrupção? 
- Não simpatizo nada com esses protestos em redes sociais e muitos blogs contra a corrupção. De modo geral, é coisa de militante de sofá. Corrupção não é coisa que possa ser combatida – nem mesmo denunciada – por cândidas almas indignadas. Para se desvendar um esquema corrupto, é preciso promotoria pública, polícia, boa equipe de repórteres. Que tem a dizer sobre o Maluf um pobre diabo indignado, se nem a máquina da Justiça consegue colocá-lo atrás das grades? A maior parte dos protestos contra a corrupção que se vê por aí é coisa de bobalhões que se pretendem heróis. 

- Crê que não há valor nas marchas contra a corrupção, no “Fora, Renan!”, nas manifestações e passeatas contra a PEC 37, a PEC 33, pela caracterização da corrupção como crime hediondo, entre outros? 
- Adiantaram de algo essas marchas?

- Sendo dispensável o uso das redes sociais, qual é o melhor meio para divulgação das manifestações populares? 
- Que sejam divulgadas pelas redes sociais. Mas de nada adianta. Os militantes de sofá se acham muito solidários com os injustiçados do mundo. É muito confortável denunciar a injustiça sentado em casa.

- Ainda que se demande capacidade técnica para a investigação e a descoberta de tais delitos, não há valor na mobilização de cidadãos comuns como forma de apoio a entidades, como o Ministério Público, bem como para a cobrança de atitudes pelas autoridades, tornando o problema público e eludindo possíveis “engavetamentos”? Isto é, não podem tais atuações implicarem um ação conjunta, não necessariamente excludente? Desse modo, ainda que o cidadão pouco instruído não possa “desvendar” tais delitos, não pode ele contribuir incentivando, por diversos meios, tais ações? 
- Você acha que algum corrupto se preocupa com tais reações? Se eles não se preocupam nem com ações judiciais, pouco ou nada se preocuparão com recadinhos públicos de anônimos cidadãos.

- O fato de a Justiça não “conseguir” colocar Maluf atrás das grades não pode ser atribuída à falta de motivação política, ou ainda a conluios que aderiram ao aparato estatal? Não poderia isso ser revertido por uma maior pressão e mobilização da sociedade civil? 
- Nada disso. Se deve aos bons advogados que Maluf pode pagar e às brechas que a lei deixa para salvar os amigos do Rei.

- Como fazer com que cidadãos que se manifestam apenas nas redes sociais passem a comparecer às marchas e manifestações marcadas nas mesmas ou colaborem em estruturas de controle e conscientização? 
- Sei lá. Só sei que marchas de nada adiantam. Podem até dar aparência de legitimidade a certas reivindicações, mas não mais do que isso.

- Que tipo de modelo estatal tende a acentuar os índices de corrupção? 
- Não tenho a mínima idéia. Mas quanto maior é o orçamento, maior é a corrupção.

- Qual a diferença entre corrupção pública e privada? Qual causa mais danos à sociedade? Como evitá-las? 
- Não existe corrupção privada. Se o dono do bar me pede 50 reais por uma cerveja e eu pago, sou um panaca mas pago com meu dinheiro. Corrupção só existe quando existe dinheiro público em jogo. Para ser corrupto, algum acesso se precisa ter ao poder. Este acesso o pobre não tem. Ser corrupto não é para qualquer um. É para quem pode. E mais: exige trabalho. Por mais dura que seja sua jornada, certamente Carlinhos Cachoeira, Zé Dirceu, Maluf, Delúbio, Marcos Valério suaram mais a camiseta do que você. Não se constrói uma quadrilha eficiente sem esforço e dedicação. São centenas de milhares de horas-homem de trabalho. O mensalão, por exemplo, começou a ser montado em 1980, no colégio Sion, em São Paulo. Foram mais de vinte anos de trabalho só para a consolidação da quadrilha. Ser honesto pode não compensar muito. Mas sem dúvida é menos trabalhoso.

- Como você caracteriza a apropriação indébita, a cobrança irregular por funcionários, os furtos de estoque, adulterações e trocas de estoque, bem como o superfaturamento nas compras realizadas por empresas? 
– Como os códigos as caracterizam. Como crimes.

- A corrupção ocorrente no Brasil é mais agravada que em outros países? Por quê? 
- Não sei. Só organismos internacionais especializados podem saber disso. Fala-se muito na Índia e na Rússia como campeões neste esporte.

- Há soluções para a corrupção? Quais foram aplicadas com sucesso por outros países? 

- Vigilância bancária e fiscal. Transparência de gastos do governo. A Receita Federal tem dado provas de muita eficiência. Mas muitas vezes barra na malha fina o contribuinte que esqueceu de declarar umas merrecas e deixa passar os Malufs e Cacciolas da vida. 

- Como tais falhas podem ser sanadas? 
- Corrigindo leis tortas, eliminando suas brechas e não admitindo a idéia de que certos criminosos estão acima de toda e qualquer lei.

- Como a cultura brasileira interfere para a prática da corrupção? Há uma interferência relevante? 
- O brasileiro não é lá muito avesso à corrupção. Importa-se mais com o sucesso. Se o corrupto é bem sucedido, louvado seja. Prova disto é o Lula. Este é o supremo critério de uma certa elite abastada e inculta: o tal de sucesso. Vale tanto para Lula como Maluf, Sarney ou Collor. Seja Hebe Camargo ou Sílvio Santos. Paulo Coelho ou Chico Buarque. Vale também para o povão. Pouco importa nesta São Paulo que gerou tanto Lula como Maluf, que o líder petista se abrace com o criminoso procurado internacionalmente pela Interpol. Maluf só está livre porque está no Brasil. Se der um passo no estrangeiro, pode ser preso. Lula se abraça com o mafioso, em seu jardim, e consegue eleger seu candidato em São Paulo. A cúpula do PT foi condenada pelo mensalão e os criminosos portam uma aura de mártires. 

- Isso pode ser mudado? Em caso positivo, como? 
- Não acredito que possa ser mudado. De um país que elege e reelege corruptos notórios, nada se pode esperar nesse sentido.

- Como a corrupção pode deteriorar o Estado e a vida pública? 
- Deteriora no sentido em que empobrece o Estado em favor dos vivaldinos.

- Como a privatização pode auxiliar no combate à corrupção? Ela pode auxiliar a corrupção? 
- O Estado tem bolso grande e ninguém cuida. A empresa privada tem de zelar por seu dinheiro. A menos que seja cúmplice do Estado, como sói acontecer no Brasil. Como entender que Eike Batista, que surgiu do nada e virou milionário da noite para o dia, não esteja na cadeia. É óbvio que sua súbita fortuna foi decorrência de informação privilegiada. Como os novos milionários russos, que saltaram como cogumelos após a chuva, logo depois da desintegração da União Soviética. 

- A corrupção no governo atual é maior que em tempos passados? Por quê?
- Maior e mais deslavada. Nos governos militares, não temos notícia de que os governantes comprassem leis. No governo petista, se comprou deputados aos magotes, e as leis compradas vigem até hoje. O STF, que hoje pune os mensaleiros, é o mesmo STF que um dia julgou constitucionais as leis compradas. O ministro Joaquim Barbosa, o novel Catão tupiniquim, que hoje condena os criminosos acusados de comprar deputados, é o mesmo Joaquim Barbosa que em 2007 julgou constitucional a tunga dos aposentados. 

- Como o aumento do Estado aumenta a incidência de corrupção? 
- Em razão direta. 

- A corrupção política ocorrente no Brasil restringe-se a alguns partidos ou é totalmente disseminada? 
- No Brasil, um político só não é corrupto enquanto não tem a chance de sê-lo. 

- Há exceções? 
- Se há, é só nos primeiros meses de exercício do cargo. Logo depois, o político tem de fazer alianças, concessões.

- Comente alguns casos notórios de corrupção, explicando como poderiam ser evitados. 
- Muito exaustivo, senão impossível para uma só pessoa. Isso é trabalho para equipes. Veja e outros jornais têm sites especializados no assunto, é só procurar.

- Como os jornalistas podem contribuir para combater a corrupção? 
- Denunciando a corrupção, como têm denunciado. A imprensa sempre tem saído à frente nas denúncias de corrupção. Ministério Público e polícia geralmente seguem a reboque. Mas atenção: jornalista não julga nem pune. Seu trabalho não vai além de denunciar. 

- Você atribui a vantagem da imprensa a quais fatores? 
- Bom, jornalista tem de investigar. Esta é a função do jornalismo.

- Como o índice de liberdade de imprensa afeta este combate? 
- É conditio sine qua non. Com imprensa amordaçada, não há denúncia nenhuma. O PT sabe muito bem disso e há horas vem lutando pelo que chama de “controle social da imprensa”. 

- Como pretendem fazê-lo? O que tal controle pode acarretar? 
- Pretendem fazê-lo promulgando leis que aparentemente defendem a liberdade de imprensa. Tal controle acarretaria, obviamente, censura. Mas essa o PT não vai levar. Há no Brasil uma economia e um jornalismo suficientemente fortes que não permitirão isso.

- Como ocorre a corrupção nos meios públicos em geral? 
- Como tem ocorrido. O corrupto vai enfiando a mão, vê que é correspondido, enrola políticos em suas malhas, permanece impune. Mais ainda: se é flagrado, renuncia, dá um tempo e volta ao poder eleito por grande número de votos. O povo brasileiro é conivente com a corrupção. Por: Janer Cristaldo