segunda-feira, 30 de junho de 2014

EURASIANISMO E GENOCÍDIO

Não é muito difícil entender que uma ideologia voltada à reconstrução de um dos impérios mais sangrentos de todos os tempos acabará, mais dia menos dia, revelando a sua própria índole cruel e homicida.


Estudantes da Universidade Estatal de Moscou estão exigindo a demissão do prof. Alexandre Duguin por ter defendido, desde o alto da sua cátedra, a matança sistemática dos ucranianos, que segundo ele não pertencem à espécie humana.

“Matem, matem, matem”, disse ele. “Não há mais o que discutir. Digo isso como professor.”

A declaração integral e exata está aos 17m50s deste vídeo:


O Império Eurasiano tal como o concebem Alexandre Duguin e seu principal discípulo, o presidente Vladimir Putin, é uma síntese da extinta URSS com o Império tzarista. Como a teoria que fundamenta o projeto é por sua vez uma fusão de marxismo-leninismo, messianismo russo, nazismo e esoterismo, e como dificilmente se encontra no Ocidente algum leitor que conheça o suficiente de todas essas escolas de pensamento, cada um só enxerga nela a parte que lhe é mais simpática, comprando às cegas o resto do pacote.

Os saudosistas do stalinismo vêem nela a promessa do renascimento da URSS. Conservadores aplaudem o seu moralismo repressivo soi disant religioso. Velhos admiradores de Mussolini e do Führer apreciam a sua concepção francamente antidemocrática do Estado, bem como seu desprezo racista pelos povos destinados à sujeição imperial. Esoteristas, seguidores de René Guénon e Julius Evola, julgam que ela é a encarnação viva de uma “metapolítica” superior, incompreensível ao vulgo, mais ou menos como aquela que é descrita pelo romancista (e esoterista ele próprio) Raymond Abellio em La Fosse de Babel. Muçulmanos acabam às vezes aderindo ao projeto por conta do seu indisfarçado e odiento anti-ocidentalismo, na vaga esperança de utilizá-lo mais tarde como trampolim para a criação do Califado Universal, que por sua vez os “eurasianos” acreditam poder usar para seus próprios fins.

Não seria errado entender o eurasianismo como uma sistematização racionalizada do caos mental internacional. Neste sentido, sua unidade essencial não pode ser buscada no nível ideológico, mas na estratégia de conjunto que articula num projeto de poder mundial uma variedade de discursos ideológicos heterogêneos e, em teoria, conflitantes.

Não se deve pensar, no entanto, que esse traço definidor é único e original. Ao contrário do que geralmente se imagina, todos os movimentos revolucionários, sem exceção, cresceram no terreno fértil da confusão das línguas. O eurasianismo só de destaca dos outros por cultivar, desde a origem, uma consciência muito clara desse fator e, portanto, um aproveitamento engenhoso do confusionismo revolucionário.

Qualquer que seja o caso, o uso da violência genocida como instrumento de ocupação territorial está tão arraigado nos seus princípios estratégicos que, sem isso, o projeto inteiro não faria o menor sentido.

Essa obviedade não impede, no entanto, que cada deslumbrado do eurasianismo continue vendo nele só aquilo que bem entende, tapando os olhos para as partes desagradáveis. Se milhões de idiotas fizeram isso com o marxismo durante um século e meio, recusando-se a enxergar o plano genocida que ele trazia no seu bojo desde o princípio -- e explicando ex post facto os crimes e desvarios como meros acidentes de percurso -- , por que não haveriam de dar uma chance ao mais novo e fascinante estupefaciente revolucionário à venda no mercado? 

***

A propósito do xingamento coletivo à Sra. Dilma Rousseff, que tanto indignou o ex-presidente Lula e o levou abrir guerra contra os que “não sabem do que somos capazes”, coloquei na minha página do Facebook estas duas notinhas, que se tornaram imediatamente virais e acho oportuno reproduzir aqui:

(1) “O governo petista habituou a população a desrespeitar tudo -- a ordem, a família, a moral, as Forças Armadas, a polícia, as leis, o próprio Deus. Se esperava sair ileso e ser aceito como a única coisa respeitável no meio do esculacho universal, então é até mais louco do que parece.”

(2) “O sr. Lula xingou o então presidente Itamar Franco de "f. da p.", disse que a cidade de Pelotas é "exportadora de veados", gabou-se (por brincadeira, segundo Sílvio Tendler) de tentar estuprar um colega de cela e confessou (em entrevista à Playboy) ter nostalgia dos tempos em que os meninos do Nordeste faziam -- se é que faziam – sexo com cabritas e jumentas. É a pessoa adequada para dar lições de respeitabilidade à nação brasileira. Todo mundo sabe do que ele é capaz.”

Por: Olavo de Carvalho

Publicado no Diário do Comércio.

A LUTA DE CLASSES NO BRASIL

A luta de classes, no Brasil, não é entre operários e patrões. É entre o lumpenproletariat que Marx abominava e a maioria da população, especialmente a classe média, aí incluída uma boa parcela do operariado, se não ele todo.


Cada uma dessas facções tem seus aliados permanentes. A primeira tem, acima de tudo, o governo e os partidos de esquerda que o dominam. Aí mesclados, vêm logo os intelectuais acadêmicos e os estudantes universitários.

Destes últimos, cinquenta por cento, segundo um cálculo otimista (v. http://blog.portalexamedeordem.com.br/blog /2012/11/pesquisador-conclui-que-mais-de-50-dos-universitarios-sao-analfabetos-funcionais/), são considerados analfabetos funcionais.

Excluídos irremediavelmente da alta cultura, e não tendo a menor idéia de que são vítimas de si mesmos, encontram no ódio projetivo à sociedade o alívio de uma culpa recalcada no mais fundo do seu inconsciente. Sentem por isso uma afinidade instintiva com os bandidos, drogados, narcotraficantes, prostitutas, prostitutos e outros marginais.

A terceira faixa de aliados do lumpen são as ONGs, as fundações bilionárias e os organismos internacionais, que não cessam de nos impor leis e regulamentos que praticamente inviabilizam a ação da polícia e desarmam a população, a qual assim não tem meios de defender-se nem de ser defendida.

Em seguida, vem a grande mídia, que, mesmo onde discorda do governo em algum ponto de seu específico interesse, não deixa de fazer eco passivo aos mesmos critérios de julgamento moral que orientam os governantes, aplaudindo, por exemplo, a senadora Benedita da Silva quando esta se debulha em lágrimas por um bandidinho estapeado e amarrado a um poste e não diz uma palavra quanto à menina queimada viva no Maranhão ou, mais genericamente, quanto aos setenta mil brasileiros assassinados por ano.

O alto clero católico, por meio da CNBB, comunga dos sentimentos da senadora Benedita. Vêm, por fim, os patrões, os capitalistas, os burgueses. Estes não costumam pronunciar-se de viva voz nessas questões, mas, como aliados e colaboradores ao menos passivos do governo, dão sustentação econômica e psicológica à política pró-lumpenproletariat.

A outra facção – isto é, o restante da população brasileira – encontra apoio em mais ou menos uma dúzia de jornalistas, radialistas e blogueiros execrados pelo restante da sua categoria profissional, entre os quais eu mesmo, o Reinaldo Azevedo, a Rachel Sheherazade, o Felipe Moura Brasil, o Rodrigo Constantino, a Graça Salgueiro.

Tem também algum respaldo – tímido – nas polícias estaduais, em alguns púlpitos evangélicos isolados e ainda em dois ou três parlamentares, como Jair Bolsonaro e Marcos Feliciano, que na Câmara Federal imitam João Batista pregando aos gafanhotos. That’s all, folks.

Nada pode caracterizar melhor a presente situação do que a total inversão das proporções, em que os nominalmente desamparados recebem todo amparo do establishment enquanto a população inerme se torna a imagem odienta do opressor capitalista.

No caso do garoto amarrado no poste, a reação indignada contra os populares que ousaram "fazer justiça com as próprias mãos" partiram especialmente de pessoas que, quatro décadas atrás, faziam exatamente isso.

Entretanto, ninguém, no parlamento ou na mídia, terá a coragem de espremer a presidente Dilma na parede com a pergunta: Quando você assaltava bancos estava cometendo uma injustiça ou fazendo justiça com as próprias mãos? Tertium non datur.

No entender do nosso governo, só quem tem o direito e até o dever de fazer justiça com as próprias mãos quando acha que a Justica falha são os terroristas de esquerda, como José Genoíno e a própria Dilma. Esses têm o direito até de condenar à morte e executar a sentença. Os outros têm a obrigação de aceitar resignadamente o homicídio, o roubo, o estupro como se fossem fatalidades da natureza.

Mais significativo ainda é que, quando a Rachel Scheherazade, com lógica inatacável, explicou a agressão ao delinquentezinho como reação espontânea e quase inevitável de uma população desprovida de proteção estatal, os mesmos que criaram essa situação tenham saído gritando "Apologia do crime! Apologia do crime!", como se eles próprios não viessem há décadas fazendo a apologia dos terroristas que um dia, sentindo cambalear muito menos do que hoje a ordem legal, tomaram a justiça nas suas próprias mãos.

Todas as idéias e atitudes do grupo pró-lumpen, especialmente as dos professores e estudantes universitários, explicam-se por dois fatores igualmente endêmicos: o analfabetismo funcional e o fingimento histérico. Ambos, intimamente associados, deformam o sentido de todas as comunicações verbais e invertem a ordem da realidade.À aliança de marginais, governo, ONGs, capitalistas, igreja, mídia e intelectuais, chamam "povo oprimido". Ao restante, denominam "minoria privilegiada".

De todas as classes que compõem a sociedade brasileira, só uma ainda não tomou partido nessa guerra: as Forças Armadas. Seu silêncio pode tanto refletir uma indecisão perplexa quanto um ódio contido.

Na primeira hipótese, quando acabará a indecisão? Na segunda, ódio a quem? As Forças Armadas são o fiel de balança. O futuro depende inteiramente delas.
Por: Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 9 de fevereiro de 2013 

domingo, 29 de junho de 2014

INVISÍVEL AOS OUTROS

Você já se sentiu invisível no espaço público, caro leitor? Eu já. Aliás, eu me sinto invisível aos olhos dos outros toda santa vez que estou em algum lugar em que há outras pessoas sem relação ou conhecimento entre si. Inicialmente, pensei que o motivo fosse a minha velhice; sabemos que, neste mundo, crianças e velhos são invisíveis, a não ser que se comportem como jovens ou tentem se parecer com eles. Mas mudei de ideia: creio que todos nós sejamos invisíveis aos outros, porque a maioria de nós tem seu olhar totalmente voltado a si mesmo.


Assim, nos tornamos invisíveis às pessoas que cruzam conosco nas ruas, nos transportes públicos, no trânsito e nos corredores dos shoppings, por exemplo. Parece um jogo andar pelas mesmas vias que outras pessoas: ganha quem continua seu caminho independentemente de haver ou não outras pessoas em sentido contrário, e perde quem cede e recua, desvia sua trajetória ou desiste daquele trajeto, vaga, assento.

Eu me lembrei disso ao ler as mensagens de duas mulheres, ambas sem filhos, portanto não acostumadas a frequentar locais em que há agrupamento de crianças. Uma delas é fotógrafa, e a outra tem uma grande amiga que tem um filho com quase dez anos.

A primeira foi contratada por uma escola para registrar sua festa junina com alunos e famílias, e a outra acompanhou a amiga com o filho ao mesmo evento, em outra escola. As duas escreveram contando suas impressões. Ambas reclamaram de crianças malcriadas, que trombaram com elas muitas vezes por correrem sem olhar para o caminho que percorriam. As duas observaram situações muito semelhantes: havia fila para algumas barracas de comidas e de jogos, e as crianças se empurravam, brigavam, se xingavam usando palavrões pesados, tudo para alcançar antes o que almejavam.

Elas têm razão: por mais que nosso discurso afirme a tal educação para a cidadania -que supõe a boa convivência no espaço público, entre outras coisas- não temos conseguido praticar tal ensinamento com os mais novos. Primeiramente, porque não sabemos como fazer isso. Vejo muitas escolas com boa vontade nesse sentido, mas sem saber o que fazer para evitar que seus alunos se confrontem com grosseria e que aprendam a compartilhar respeitosamente o espaço com todos os que lá estão. O instrumento mais utilizado pela escola ainda é a punição, em suas várias formas. Ações afirmativas nesse sentido são difíceis de ser encontradas no espaço escolar.

Além disso, nós também não sabemos ensinar às crianças a boa convivência no espaço público, porque não a praticamos, como eu disse no início de nossa conversa. Ora: como ensinar o que não sabemos, como esperar algo diferente dos mais novos se eles não mais têm matrizes de comportamento adulto que os iluminem? Não posso deixar de fechar esta conversa com um comentário a respeito do fato ocorrido no jogo de abertura da Copa, em que a presidenta Dilma foi xingada pela plateia. De minha casa, onde assisti ao jogo, ouvia uma criança gritar insistentemente: "Dilma 'fdp'". Certamente essa criança não sabia o que fazia, mas seus pais sabiam muito bem, e não a impediram.

Queremos que as crianças respeitem os mais velhos e a autoridade, queremos que saibam se comportar em público, esperamos que sejam pessoas de boa convivência. Mas, sem ensinamentos e com tais exemplos de nossa parte, fica difícil, não é? 
Por: Rosely Sayão Publicado na Folha de SP

sexta-feira, 27 de junho de 2014

FSP TORNA-SE CÚMPLICE DE INVASORES DE PRÉDIOS


Leio nos jornais que a Educafro, ONG que combate o racismo, está protestando contra a ausência de negros nos estádios da Copa do Mundo --que a entidade chama de "apartheid padrão Fifa". "Estamos estarrecidos", diz o frei David Santos, presidente da organização. "Nós somos 50,7% do povo brasileiro, mas quantos negros há nas arenas?" 

Frei David parece não ter entendido a sociedade em que vive. Parece – ou finge – ignorar que, para assistir aos jogos é preciso pagar. E os ingressos não estão exatamente ao alcance de todos. Ou estará pretendendo o frei que sejam reservadas cotas à afrodescentada? Não só negros, mas milhares, senão milhões de brancos, estão privados dos jogos por uma razão simples: comer tem prioridade sobre a Copa. Claro que ninguém vai reclamar da ausência destes milhões. São brancos. Que se lixem.

Querendo bancar o magnânimo, ano passado Jérôme Valcke, secretário-geral da federação, afirmou que na Copa "brancos, negros, povos indígenas e imigrantes" teriam "as mesmas oportunidades para poder desfrutar do evento". 

Oportunidades, claro que têm. O que falta é grana. A Fifa reafirma que seu "objetivo não é beneficiar apenas um grupo em detrimento de outros", mas favorecer a presença de todos. "A maior parte da compra de ingressos ocorreu por meio de sorteios, proporcionando chances iguais e justas para todos os torcedores brasileiros e estrangeiros. A Fifa criou condições para que os interessados de todas as classes sociais possam assistir aos jogos", afirma.

Os sorteios da compra de ingresso, sem dúvida alguma, proporcionam chances iguais e justas para... os que podem comprar. As queixas do frei me lembram as dúvidas de um solipsista – digo, psolista – nas redes sociais, que se perguntava se um pobre terá direito de jantar no Fasano ou no D.O.M. Direito, obviamente tem. Mas ninguém janta apenas empunhando direitos. É preciso puxar cheque ou cartão de crédito do bolso. É o mesmo direito que todos têm a freqüentar um boteco vagabundo. Mas não sem pagar. 
São os eternos utopistas que aspiram a um país da Cocanha ao alcance de todos. Basta deitar sob uma árvore e os frutos caem na boca de cada um. Essas utopias dominaram o século passado. Saldo do sonho: cem milhões de mortos, miséria, fome, canibalismo. Do século só se salvou o capitalismo, que não tem livro nem teorias. Há fome nos regimes capitalistas? Claro que sim. A Cocanha só existe no bestunto de alguns desvairados. As utopias do século passado afundaram e as que ainda sobrevivem – apenas duas – vivem na miséria, escassez e mesmo falta de alimentos.

A mesma utopia está sendo brandida pelos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que estão invadindo prédios em bairros nobres da cidade, exigindo o direito de morar junto aos ricos sem pagar um vintém. Uma pessoa leva uma vida para juntar um patrimônio e conseguir viver bem. Estes senhores acham ser possível pular da miséria para o luxo sem trabalho algum. 

O líder do movimento, Guilherme Boulos, que de sem-teto nada tem, é um aventureiro oriundo da Fefelech - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – que se diz professor de psicanálise. Tem cacife. Infringe tranquilamente as leis e foi recebido pelo prefeito e pelo governador de São Paulo, como também por Dona Dilma.

Atualmente, está sitiando, com outros sedizentes sem-teto, a sede da Câmara Municipal de São Paulo, em uma tentativa de dobrar os vereadores na definição do Plano Diretor, projeto que determina as diretrizes urbanísticas da cidade nos próximos 16 anos. Sem teto mas com smartphones. Ontem os manifestantes – como agora são chamados os delinqüentes que sitiam o Legislativo - tiveram acesso a duas senhas para uso do Wi-Fi, segundo informações do Estadão.

O elevado número de pessoas navegando na rede através do Wi-Fi da Câmara Municipal prejudicou o trabalho dos funcionários e dos jornalistas que acompanhavam as sessões do plenário. A dificuldade aumentou quando parte do sinal foi perdido durante a tarde. 

A atitude é de chantagem. Boulos, filho de papai rico, mais do que ninguém, sabe ser impossível pobres viverem em zonas nobres, mesmo que tenham teto. Se ganharem teto, não terão como suportar o custo de vida do bairro. Ou seja, acabarão vendendo o que lhes foi dado com dinheiro público.

Escreve hoje na Folha de São Paulo o sem-teto-mas-com-smartphone:

“Muitos não conseguem mais morar onde sempre moraram. São expulsos por essa lógica para regiões mais distantes e periféricas. E isso implica uma piora geral nas condições de vida: mais tempo no transporte para ir e voltar do trabalho, serviços públicos ainda piores e menor infraestrutura urbana”. 

Ora, é a dinâmica do capitalismo, regime onde há de tudo mas tudo tem seu preço. O mesmo aconteceu em Lisboa. Com a restauração de bairros antigos, como Alfama e Mouraria, a cidade ficou mais limpa e mais linda, mas muitos dos moradores tiveram de mudar-se. Quem morava nas imediações do Parque das Nações, onde se realizou a Expo 98, a última exposição mundial do século XX, teve de mudar-se para mais longe ainda.

Com o aumento do preço do metro quadrado e dos aluguéis, os “trabalhadores” querem aproximar-se ainda mais dos bairros caros. Trabalhadores que trabalham em quê? Ninguém sabe. Segundo os jornais, Boulos é professor de psicanálise. Mas jornal nenhum informa onde trabalha. Falta também saber quem financia a massa de sem-teto-mas-com-smart que ele lidera. 

A Folha de São Paulo, em gesto de cumplicidade explícita com a invasão de prédios, acaba de contratar Boulos como colunista. A delinquência tem agora um porta-voz bem situado junto à grande imprensa.
Por: Janer Cristaldo  Do site:http://cristaldo.blogspot.com.br/

UMA DOENÇA SEM CURA

Números aterradores no "The Wall Street Journal": nos primeiros três meses de 2014, o governo francês registrou 170 atos de violência antissemita no país. É muito?


Digamos apenas isso: com 650 mil judeus na França, os crimes racistas contra judeus constituem 50% de todos os ataques racistas. Repito: 50%. Como explicar essa cifra?

Sim, o ódio e a destruição de grupos islamitas que operam na Europa não favorecem o ecumenismo. Recentemente, na Bélgica, um jiadista matou quatro judeus no Museu Judaico de Bruxelas.

E, claro, a emergência da Frente Nacional, com a sua vetusta tradição de antissemitismo patriótico, não permite imaginar um futuro risonho para os judeus gauleses.

Mas a minha pergunta vai mais longe: como explicar a sobrevivência do antissemitismo na Europa quando todos sabemos que a Europa ofereceu ao mundo o capítulo antissemita mais grotesco de toda a história da humanidade?

Os débeis dirão que a culpa é de Israel. Se, por hipótese, Israel não existisse, não existiria antissemitismo. No limite, o antissemitismo seria uma curiosidade histórica, própria de Hitlers, Stálins ou de outras personagens sinistras.

Não pretendo perder muito tempo com os débeis. Até porque eles desconhecem a própria história do antissemitismo -que é anterior a Israel; anterior a Hitler; anterior à União Soviética; anterior às perseguições czaristas do século 19; anterior às perseguições na Península Ibérica nos séculos 15 e 16. A história do antissemitismo é, no essencial, a história da nossa civilização.

Foi Paul Johnson, curiosamente um historiador cristão, quem explicou esse fato com um simplicidade glacial.

Em ensaio antigo para a revista "Commentary" ("The Anti-Semitic Disease", 6/1/2005), Johnson definiu o antissemitismo exatamente como ele merece ser apresentado: como uma doença da mente, altamente infecciosa e destrutiva, que pode atacar indivíduos ou sociedades aparentemente "saudáveis".

E essa doença está documentada ao longo dos tempos e sempre com os mesmos sintomas paranoicos (e paradoxais).

Como escreve Paul Johnson, os judeus são apresentados como demasiado exibicionistas —ou demasiado reservados. Eles recusam assimilar-se —ou, então, assimilam-se bem demais. São excessivamente religiosos —ou excessivamente materialistas. Evitam o trabalho duro —ou trabalham mais do que os outros. São os agentes do capitalismo —ou os agentes do comunismo. São gente desconfiada —ou gente falsamente prestável. A lista não tem fim.

Mas se os sintomas são os mesmos —uma desconfiança alucinada que devora o cérebro do antissemita como um câncer intelectual —o antissemitismo foi ganhando diferentes vestimentas no tempo e no espaço.

Começou por ser um antissemitismo religioso (o judeu como assassino de Cristo) que banhou de sangue as páginas negras da Idade Média europeia.

Depois passou para um antissemitismo nacionalista (o judeu como traidor da pátria), acusação que teve o seu momento infame no julgamento de Alfred Dreyfus, o oficial francês (e judeu) acusado e condenado, injustamente, de passar informações militares secretas à Alemanha.

Ironicamente, foi a Alemanha que continuou a tocha olímpica do antissemitismo, exterminando 6 milhões com uma ferocidade nunca vista.

E a doença continua hoje, nas livrarias do Oriente Médio, onde os "Protocolos dos Sábios do Sião" (o documento forjado pela polícia czarista para justificar os "pogroms" antissemitas de finais do século 19) continuam a ser vendidos com sucesso. O que não admira: os "Protocolos" pretendem "provar" a conspiração judaica para dominar o mundo. Haverá coisa mais deliciosa para a cabeça doente de um antissemita?

Com as eleições europeias, a extrema-direita voltou a mostrar as suas garras. E o antissemitismo islamita, pelos vistos, gosta de mostrá-las com uma regularidade assombrosa.

Mas esses dois fenômenos são parte de um problema maior: os séculos passam, os cadáveres amontoam-se, o mundo jura que aprendeu a lição. Mas a doença antissemita continua latente. E sem perspectiva de cura. 
Por: João pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

quinta-feira, 26 de junho de 2014

ASSASSINOS DA INTELIGÊNCIA

Pensar, até um burro pensa. O que distingue a espécie humana é sua capacidade de confrontar o pensado com o conjunto dos conhecimentos disponíveis e regular o curso do pensamento pela escala de credibilidade que vai do possível ao verossímil, ao provável ou razoável e, em certos casos, à certeza.


Aristóteles já ensinava isso.

Infelizmente, no Brasil, raros opinadores têm o senso dessas distinções. A maioria imagina que para pensar com proveito basta um pouco de lógica formal e algum domínio dos chavões mais caros ao coraçãozinho da plateia.

Em debate recente, o professor Igor Fuser, uma estrela do "cast" universitário esquerdista, assegurou que "não se pode julgar um regime pelo número das suas vítimas". Dez minutos depois, desmentia-se fragorosamente ao alegar que a ditadura brasileira "perseguiu milhares de pessoas" e que o número de cristãos assassinados no mundo está muito abaixo dos 100 mil por ano –subentendendo, portanto, que a ditadura foi um horror e que os matadores de cristãos nos países islâmicos e comunistas não são tão maus quanto se diz.

Mas o pior não é isso. Mesmo sem esses autodesmentidos grotescos, a afirmativa geral que os antecedeu –a mais comumente alegada por devotos comunistas empenhados em salvar a honra dos governos mais assassinos que o mundo já conheceu– é perfeitamente desprovida de sentido. Para perceber isso basta medi-la com a escala de credibilidade.

Em política, admite-se universalmente, as certezas absolutas são raras ou inexistentes. O meramente possível reflete a liberdade da fantasia, o verossímil é apenas questão de opinião, gosto ou preferência. Não servem como argumentos. Resta a probabilidade razoável. Quem quer que argumente seriamente em política procura nos convencer de que a razão, com altíssima probabilidade, está do seu lado.

Acontece, para a tristeza dos tagarelas, que todo argumento de probabilidade depende eminentemente do elemento quantitativo que o fundamenta explícita ou implicitamente. Se digo que o candidato X vai vencer as próximas eleições com uma probabilidade de zero a cem por cento, não disse absolutamente nada. Tanto vale dizer que um governo é igualmente malvado se não matou ninguém ou se matou milhões de pessoas.

Quando um comunista esperneia contra o que chama de "contabilidade macabra", tem, é claro, uma boa razão para fazê-lo. Contados os cadáveres, é impossível negar que o comunismo foi o flagelo mais mortífero que já se abateu sobre a humanidade. Diante disso, só resta apegar-se ao subterfúgio insano de que o macabro não reside em fazer cadáveres e sim em contá-los.

Somando à insanidade o fingimento, a proibição de contar tem de ser suspensa quando se fala de regimes "de direita", donde se conclui que os 400 terroristas mortos no regime militar –a maioria deles de armas na mão– são um placar muito mais hediondo e revoltante do que os 100 milhões de civis desarmados que os heróis do comunismo assassinaram na URSS, na China, na Hungria, em Cuba etc.

O senso das quantidades e proporções é a exigência mais básica e incontornável não só da conduta honesta, mas da racionalidade em geral. Dissolvendo-o pouco a pouco na plateia, os fúseres da vida destroem não só a moralidade pública, mas as próprias condições elementares do funcionamento normal da inteligência humana.

Se nas universidades brasileiras há uma quota de 40 a 50% de alunos analfabetos funcionais, isso não se deve só a uma genérica "má qualidade do ensino", mas ao fato de que há décadas o discurso comunista e pró-comunista onipresente espalha, nas mentes dos estudantes, doses maciças de estimulação contraditória e obstáculos cognitivos estupefacientes.

Por: OLAVO DE CARVALHO, 67, filósofo e escritor, é autor do livro "O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser um Idiota" (editora Record)

QUEM REALMENTE É GANANCIOSO

Recentemente, uma grande cadeia varejista fechou uma de suas filiais na cidade em que moro após uma década de funcionamento. A matriz emitiu o seguinte comunicado: "Com o intuito de nos concentrarmos mais intensamente em nossas competências primordiais, tomamos a decisão de fechar algumas de nossas lojas varejistas". 

Um antigo cliente escreveu uma carta ao jornal local reclamando: "É lamentável. É tudo uma questão de ganância, e somos nós que sofremos com isso. É frustrante saber que não há nada que possamos fazer quanto a isso."

Eis aí uma visão bastante curiosa de "ganância": fechar uma loja e deixar de auferir receitas com ela. Aliás, desde quando tentar tornar mais eficiente o empreendimento no qual você investiu tempo e dinheiro passou a ser uma atitude gananciosa? E o que exatamente o freguês descontente gostaria de fazer? Talvez criar uma lei que efetivamente escravize o empreendedor e o obrigue a manter a loja aberta? Nesse caso, quem realmente está sendo o ganancioso?

"Ganância" é uma palavra que flui das bocas progressistas com a mesma facilidade com que a gordura desliza em uma frigideira quente. Trata-se de um termo pejorativo que tem a intenção de jogar o indivíduo alvo deste "insulto" em uma espécie de sarjeta moral. A pessoa que profere tal termo acredita piamente em sua santidade fingida; acredita genuinamente ser alguém acima das convencionais divisões morais, alguém preocupado apenas com os mais desafortunados. Já o "ganancioso" seria alguém que chafurda em seu próprio egoísmo maléfico.

Pessoas inteligentes já deveriam ter se dado conta de que essa é uma tática vulgar e ignara, e não um comentário moral e ponderado.

O economista Thomas Sowell explicou que o termo "ganância" não mais pode ser classificado de acordo com a definição tradicional encontrada nos dicionários. Como ele próprio disse, "nunca entendi por que é 'ganância' querer manter para si o dinheiro que você ganhou com o suor do próprio rosto, mas não é ganância querer tomar o dinheiro dos outros."

Houve uma época — e foi assim durante muito tempo — em que "ganância" significava mais do que o mero desejo por algo. Significava uma veneração excessiva e obsessiva por algo, de forma que tal desejo frequentemente se transformava em ações que prejudicavam outras pessoas. Apenas querer ganhar dinheiro não era em si uma coisa ruim, desde que você trabalhasse dura e honestamente para lograr tal êxito, transacionando voluntariamente com outras pessoas. Apenas se você venerasse o dinheiro ao ponto de estar disposto a roubar ou a utilizar o governo para saquear o Tesouro a seu favor, aí sim você seria considerada uma pessoa gananciosa. 

Para outras pessoas, "ganância" também significa uma relutância em compartilhar com desconhecidos aquilo que é seu. Suponho que um pai de família que prefira comprar um iate em vez de alimentar sua família possa ser classificado assim, mas somente porque ele está se esquivando de sua responsabilidade pessoal; ele deve à família que ele formou e aos filhos que colocou no mundo a obrigação moral de cuidar deles adequadamente. Já um assalariado que não quer entregar parte do seu salário para terceiros por acaso está violando alguma suposta responsabilidade em sustentar eternamente uma fatia da população? Por acaso isso constava em algum contrato firmado por ambas as partes?

Não nos esqueçamos da importância fundamental e decisiva de algo chamado "interesse próprio" na formação da natureza humana. Nascemos com esse instinto, e que bom que é assim. Não lamento essa nossa característica nem por um segundo. Você ter de cuidar de si próprio e daqueles que você ama e pelos quais você é o responsável é justamente o que torna o mundo um lugar melhor. Quando seu interesse próprio motiva você a agir assim, isso significa que você está fazendo um bem ao mundo. Você está retirando um fardo de cima dele, e não criando mais um.

Ainda de acordo com os progressistas, "ganância" é algo que existe apenas no setor privado, e que, por isso, deve ser combatido pelo setor público. A ideia é a de que, de alguma maneira, quando políticos e funcionários públicos entram em cena e intervêm no setor privado, a ganância é abolida. Gostaria muito de saber exatamente em que ponto o interesse próprio de um político ou de um funcionário público se evapora e sua compaixão altruísta entra em cena e assume completamente o controle do indivíduo. 

Por exemplo, no caso de um político, tal mudança de personalidade ocorre na noite da eleição, no dia em que ele assume o cargo, ou após ele já conhecer os detalhes das engrenagens do poder? Quando ele se dá conta do poder que realmente tem, ele se torna mais propenso ou menos propenso a querer se locupletar com o dinheiro alheio?

E no caso de um funcionário público, ele pára de pensar em si próprio e se torna um inflexível altruísta no momento em que é aprovado em um concurso ou apenas no momento em que é efetivado? Suas rotineiras greves por aumentos salariais não podem ser classificadas como ganância? Seus frequentes conchavos com grandes empresários representam um altruísmo em prol do povo?

Políticos em especial adoram denunciar: "Aquele sujeito ali é ganancioso! Vou pegar um pouco do seu dinheiro para proteger você dele!" Antes de você cair de amores por esse político, ao menos faça algumas perguntas mais diretas — por exemplo, como aquele ganancioso está ganhando o dinheiro dele e como esse suposto protetor propõe usar o seu dinheiro.

A realidade é que não há absolutamente nada na estrutura de um governo que torne seus membros menos "gananciosos" do que o cidadão comum ou um empreendedor qualquer. Ao contrário, aliás: conceder poder político a um indivíduo dotado naturalmente de interesse próprio é uma receita garantida para amplificar o estrago que a ganância pode fazer.

Você por acaso já ouvir falar em corrupção no governo? Já ouviu falar em compra de votos (tanto por vias diretas quanto por indiretas, como promessas de campanha)? Já ouviu falar em propinas pagas por empreiteiras? O que você acha do aumento da dívida pública — que onera as gerações futuras — para se financiar projetos meramente eleitoreiros? Tal ganância política não seria muito mais deletéria do que o dono de uma padaria querer ter algum lucro?

Em um mercado livre e desimpedido, no qual o governo não escolhe vencedores e não protege e nem subsidia ninguém, você rapidamente irá perceber que, se quiser ganhar dinheiro (ou seja, exercitar sua "ganância"), você terá inevitavelmente de servir bem seus conterrâneos. Você não poderá satisfazer sua ganância simplesmente colocando uma coroa em sua cabeça, enrolando-se em um manto, e exigindo que os súditos lhe deem dinheiro. Você tem de produzir, criar, comercializar, investir e empregar. Você tem de saber como fornecer bens e serviços para consumidores que, voluntariamente, estarão dispostos a dar dinheiro em troca deles. Você tem de fornecer bens e serviços para clientes desejosos, os quais optarão por abri mão de seu dinheiro em troca deles, e terão de fazer isso muito mais do que apenas uma vez. Sua "ganância" irá se transformar em coisas que irão melhorar a vida das outras pessoas. 

Já na utopia socialista com que os progressistas sonham, em que as coisas ocorrem por decreto de cima para baixo, a ganância não apenas não desaparece, como na realidade é canalizada para atividades totalmente destrutivas. Para satisfazê-la, você tem de utilizar todo o processo político para poder espoliar as outras pessoas. Em vez de consumidores voluntários, você irá saciar sua ganância por meio de pagadores de impostos cativos.

A acusação de ganância, portanto, não passa de um mero recurso de retórica, uma calúnia com claros objetivos políticos. Você venerar ou não algo totalmente material como o dinheiro é algo que será resolvido apenas entre você e seu Criador (caso acredite em um); não é algo que possa ser cientificamente mensurado e proibido por legisladores que são ainda mais propensos à ganância do que você. Não seja um garoto-propaganda dessa gente.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O INDIVIDUALISMO


A palavra “individualismo” pode ser empregada de duas maneiras diferentes. A primeira – e mais importante – não tem sinonímia e é geralmente utilizada em oposição a “coletivismo”. De acordo com o Dicionário Houaiss, individualismo é a “doutrina moral, econômica ou política que valoriza a autonomia individual, em detrimento da hegemonia da coletividade despersonalizada, na busca da liberdade e satisfação das inclinações naturais”. O outro significado é meramente lexical, sem qualquer conotação filosófica, política ou econômica, e diz respeito a certa “tendência, atitude de quem revela pouca ou nenhuma solidariedade e busca viver exclusivamente para si; egoísmo”.

A simples existência desta segunda acepção é suficiente para provocar inúmeras confusões terminológicas e dificultar o correto entendimento filosófico do individualismo, além de fornecer aos coletivistas material precioso para seus ataques e sofismas, invariavelmente calcados num suposto dualismo entre “individualismo” e “altruísmo”, o que, como veremos, é um completo disparate.

Toda a confusão começa com Platão, para quem o individualismo altruísta não seria possível. De acordo com o mais famoso discípulo de Sócrates, a única alternativa ao coletivismo por ele idealizado era o egoísmo. Esse dualismo platônico forneceu aos coletivistas uma arma retórica poderosíssima, pois vincula todo e qualquer oponente doutrinário ao defeito moral do egoísmo, enquanto eles próprios alardeiam para si um pretenso humanitarismo.

Como bem assinalou Karl Popper, Platão sabia muito bem o que estava fazendo ao apontar suas armas para aquele inimigo. De fato, a emancipação do indivíduo viria a ser a grande revolução espiritual que conduziria à queda do tribalismo e iniciaria a ascensão das sociedades abertas. “Foi justamente o individualismo altruísta”, diz Popper, “cuja existência era rejeitada por Platão, que formou a doutrina central do Cristianismo e tornou-se a base da civilização ocidental e o âmago de todas as doutrinas éticas que dela originaram”.

Bem mais tarde, Adam Smith cimentou os alicerces do liberalismo clássico quando, ao encampar, esmiuçar e aperfeiçoar a doutrina do “laissez-faire”, inferiu que a prosperidade e a opulência das sociedades dependiam muito mais do esforço de cada indivíduo na busca de seus próprios interesses do que da benevolência desses mesmos homens. Numa de suas mais famosas citações, Smith afirma que “todo indivíduo está continuamente empenhado em descobrir os mais vantajosos empregos para os capitais sob seu comando. É o próprio lucro que ele tem em vista, e não o da sociedade. Porém, ao examinar o que melhor lhe convém, ele naturalmente, ou melhor, necessariamente, acaba preferindo aquele emprego que é mais vantajoso para a sociedade”.

São diversos os trechos em “A riqueza das nações” onde se encontram citações semelhantes, sempre enfatizando que é pela busca dos próprios interesses, e não pela desejável, porém nem sempre presente, virtude da benevolência, que os empreendedores contribuem para a prosperidade das nações.

Estas constatações, se por um lado revolucionaram a forma de enxergar a economia política, de outro forneceram ainda mais munição aos coletivistas, embora Adam Smith jamais tenha feito qualquer glorificação ou demonstrado encantamento por uma suposta virtude do “egoísmo”, nem tampouco elaborado qualquer crítica à caridade, à solidariedade, à benevolência ou ao altruísmo, como alguns supõem. Muito pelo contrário.

Tanto em “A riqueza das nações” quanto na “Teoria dos sentimentos morais” o escocês sempre fez questão de enaltecer aqueles valores. Na TSM, por exemplo, ele nos diz que “todos os membros de uma sociedade humana necessitam de mútua assistência, assim como estão expostos à injúrias mútuas. Onde quer que a necessária assistência seja reciprocamente mantida pelo amor, pela gratidão, pela amizade e pela estima, a sociedade florescerá e será feliz”. Num outro trecho, ele descarta qualquer forma de maniqueísmo relacionado aos sentimentos, virtudes e vícios humanos, quando afirma: “Por mais egoísta que um homem supostamente possa ser, existem, evidentemente, alguns princípios em sua natureza que o fazem importar-se com a sorte dos demais, tornando a felicidade destes necessária a ele, embora ele não lucre nada com isto, exceto o prazer de assisti-lo.”

É notória a falta de parcimônia com que muitos coletivistas costumam deturpar as teorias e doutrinas que lhes são opostas, o que já não causa nem mais espanto. Infelizmente, no entanto, os próprios adeptos dos princípios individualistas costumam, às vezes, “jogar contra o patrimônio”. Seja por necessidade retórica, falta de cuidado na escolha das palavras ou mero desconhecimento, alguns de nós, liberais, freqüentemente caímos na armadilha de utilizar a palavra “egoísmo” como sinônimo daquilo que Smith chamava de “own interest”, “own care” ou “own convenience”.

Com isso, muitas vezes passamos uma imagem do liberalismo diametralmente oposta à verdadeira, pois, com exceção dos discípulos da tão brilhante quanto radical Ayn Rand, adeptos do “objetivismo” – uma variante do liberalismo clássico cuja doutrina está baseada na ética racionalista, numa hipotética “virtude do egoísmo” e na rejeição radical do sacrifício, ainda que voluntário (abnegação), dos próprios desejos ou interesses em razão de qualquer imperativo ético, anseio místico ou princípio religioso – , nenhum teórico ou estudioso do liberalismo jamais foi apologista do “egoísmo”.

Outro equívoco bastante comum quando se fala em individualismo é o de vinculá-lo a “isolamento”. Nada poderia ser tão evidentemente estúpido para qualquer ser pensante e, mesmo assim, tenho visto muitos espertinhos dispostos a atacar o liberalismo sob o argumento banal de que o homem é um ser eminentemente cooperativo. Esse é um daqueles tipos de argumentação que chega a ser patético, pois ninguém, muito menos um liberal em sã consciência, poderia negar que a cooperação entre os homens e a vida em sociedade produzem tremendos benefícios para os indivíduos. Nenhum liberal jamais questionaria as enormes vantagens da divisão do trabalho, da associação humana, do comércio voluntário ou qualquer outra interação cooperativa.

A benéfica cooperação entre pessoas, utilizada como um meio para a consecução dos objetivos individuais, todavia, não pode ser confundida com o infame ideal coletivista que pretende transformar as sociedades humanas em algo semelhante a uma colméia ou formigueiro. Como muito bem colocou o saudoso professor Og Francisco Leme, no magnífico ensaio “Entre os cupins e os homens”, enquanto a abelha, a formiga ou o cupim são insetos cujo comportamento é previsível, estando sempre dispostos à permanente renúncia individual em favor da comunidade, bastando-lhes a programação genética sob cujos auspícios nasceram, o homem, ao contrário, é um animal muito mais complexo. Para este, a vida em sociedade significa coexistir com outros indivíduos, todos diferentes entre si, com propósitos pessoais específicos, interesses diversos e, acima de tudo, com a necessidade de compartilhar valores, princípios e objetivos diferentes. O drama de qualquer sociedade, portanto, está no fato de indivíduos, biológica e eticamente diferenciados, possuidores de interesses pessoais muitas vezes conflitantes, terem de ajustar-se a uma coexistência pacífica, em seus próprios benefícios.

Assim como é natural que nas sociedades dos animais gregários os indivíduos estejam subordinados aos interesses do “todo”, certamente estará destinada ao fracasso qualquer tentativa de organização social fundamentada no pressuposto de que os homens estarão sempre dispostos a abrir mão dos seus interesses particulares e preferências específicas em prol da comunidade. Se é certo, como vimos anteriormente, que muitas vezes os homens estarão propensos a sacrifícios em favor do semelhante, é também evidente que, na maioria das vezes, ele colocará os respectivos interesses e bem-estar em primeiro plano.

Constitui imensa agressão à condição humana a submissão do indivíduo aos propósitos do grupo - seja ele uma raça, uma classe, um Estado – ou mesmo à esta fantasia que se convencionou chamar de “bem comum”. São os homens, individualmente, que têm valores, ideais, desejos, ambições, enfim, VIDA. Eis porque a base de toda a filosofia individualista está na crença de que o ser humano é um fim em si mesmo, e não um meio a ser utilizado para fins “maiores”. O Estado, ao contrário, não é a personificação do bem, pairando acima dos homens como querem os coletivistas, mas mera instituição criada pelos indivíduos para facilitar a consecução dos seus projetos, mediar conflitos de interesse e zelar pelas suas vidas, liberdades e propriedades.
Por: João Luiz Mauad Do site: ordemlibre.org

terça-feira, 24 de junho de 2014

A POBREZA PLANEJADA


“A pobreza, a estagnação econômica, atualmente, é um verdadeiro milagre,” explica Leon Louw, diretor executivo da Free Market Foundation, do sul da África. Eu conheci Louw quando cobria a Cúpula Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em Johanesburgo. A visão de Louw é que, no mundo moderno, os governos têm que se esforçar bastante para fazer as pessoas se tornarem e se manterem pobres.

Em seu maravilhoso livro O mistério do capital: por que o capitalismo dá certo nos países desenvolvidos e fracassa no resto do mundo, o economista peruano Hernando De Soto diz: “As cidades do Terceiro Mundo e dos países anteriormente comunistas estão cheias de empreendedores. Você não consegue andar por um mercado no Oriente Médio, passar por um povoado na América Latina ou pegar um táxi em Moscou sem que alguém tente fazer negócios com você. Os habitantes desses países possuem talento, entusiasmo e uma capacidade impressionante de obter lucro a partir de quase nada.” A exclusão dessas pessoas só é possível quando governos se dedicam a executar políticas muito ruins por décadas.

Certamente, o caso mais notório é o da persistente pobreza mantida por sete décadas no bloco comunista. A expressao rico país comunista sempre foi um paradoxo. Nós ainda temos exemplos do brilhantismo do comunismo em sustentar a pobreza em Cuba e na Coréia do Norte. Hoje, mesmo que Cuba tenha aberto alguns suntuosos resorts que operam com moeda forte, seu PIB per capita ainda é de 1.700 dólares, corrigido o poder de compra. O PIB per capita na Coréia do Norte – que esse ano sofre novamente com a falta de alimentos – é de apenas 1.000 dólares.

Mas as políticas não precisam ser tão nefastas quanto o comunismo totalitário para que as pessoas sejam pobres. Vejamos o caso da Argentina. Nos anos 1920, a Argentina era uma das maiores economias do mundo, com uma renda média parecida com a da França. Rico como um argentino era um dito conhecido, empregado nos cafés parisienses para descrever uma pessoa endinheirada.

Desde os anos 1940, a Argentina embarcou em uma série de políticas – nacionalização das indústrias, expansão dos serviços estatais e obtenção de imensos empréstimos internacionais – que implodiram sua colocação mundial. Nos últimos anos, a renda per capita da Argentina entrou em colapso, caindo de 8.909 dólares – o dobro da mexicana e o triplo da polonesa – em 1999, para 2.500 em 2002, quase o mesmo que a renda da Jamaica e da Bielorrússia à epoca.

Ou mesmo o caso da Suécia. Já se foi o tempo daqueles argumentos que alegavam, em relação ao sucesso escandinavo, que o país estava no “meio do caminho” entre o capitalismo e o comunismo. Em 1970, a Suécia estava em terceiro lugar em renda per capita entre os países industrializados; hoje, ocupa a nona colocação. O estado do bem-estar social do país está sufocando sua economia. Impostos consomem 55 por cento do PIB sueco, enquanto os gastos públicos totalizam 65 por cento do PIB.

Porém, da mesma forma que más políticas podem garantir a pobreza, as boas podem ativar a criação de riquezas. Como De Soto aponta, no fim do século XIX, dezenas de milhares de japoneses migraram de seu pobre país para o Peru, em busca de uma vida melhor. Em 1950, os políticos sul-coreanos disseram que esperavam pelo dia em que as pessoas de seu país poderiam ser tão ricas quanto os jamaicanos. Obviamente, o Japão (US$35.484 de PIB per capita) e a Coréia do Sul (US$16.308 de PIB per capita) devem ter feito algo certo, mas o Peru (US$2.838 de PIB per capita) e a Jamaica (US$3.606 de PIB per capita) não. Apenas para efeito de comparação, o PIB per capita dos Estados Unidos é de 41.889 dólares.

Por fim, temos a tristeza da África, onde a renda per capita média tem caído há três décadas. Os políticos africanos abraçaram, em um momento ou outro, todas as receitas para a pobreza listadas abaixo. E, nesse meio tempo, ainda lutaram guerras civis e participaram de vários massacres tribais.

Algumas receitas para garantir maus resultados

Aqui vai um pequeno guia para cleptocratas e igualitaristas que queiram manter seus países pobres. Todas essas políticas foram testadas como técnicas para a criação e manutenção da pobreza. A lista não está completa de jeito nenhum, mas dará aos possíveis líderes políticos uma boa idéia sobre como colocar seus países no caminho da ruína.

Em primeiro lugar, tenha certeza que a moeda de seu país não seja forte. Imprima dinheiro como se não houvesse amanhã. Hiperinflação é uma das formas mais fáceis e populares para se demolir uma economia. Outra artimanha monetária bem popular é fazer com que sua moeda não seja conversível. Isso garante que ninguém jamais deseje investir em seu país.

Para desencorajar o investimento com mais força, não se esqueça de estatizar todas as grandes indústrias. A estatização também traz alguns benefícios adicionais à pobreza. Por exemplo, ela irá garantir que as indústrias estatizadas nunca evoluam tecnologicamente ou se tornem mais eficientes – e ainda faz os trabalhadores serem pateticamente dependentes de seus mestres políticos, ou seja, você.

É claro que você pode achar muito cansativo estatizar tudo, então, nesse caso, é muito importante que você estabeleça tarifas altas para isolar as indústrias privadas que sobrarem em seu país (geralmente pertencentes a alguns de seus amigos) da competição.

Além disso, seu sistema legal deve fazer com que seja quase impossível para qualquer pessoa legalizar um novo negócio, mesmo que pequeno. Isso gerará oportunidades para seus burocratas sobreviverem através da corrupção e protegerá seus colegas da competição doméstica. Outra vantagem é que a maior parte do comércio se tornará ilegal e sujeita à coerção arbitrária.

Chega ao ponto em que a instituição da propriedade se torna algo critico. Uma vez que as pessoas adquirem uma propriedade, elas investem para melhorá-la, o que leva – inexoravelmente - à criação de riqueza. Por outro lado, o sistema legal pode ajudar a impossibilitar a emissão de títulos, dessa forma os cidadãos não poderão comprar, vender ou alugar suas “propriedades”. Force também seus agricultores a venderem suas safras para o governo, por preços abaixo do mercado. Isso os desencorajará a investir em qualquer outra coisa além da agricultura de subsistência e você poderá vender todas as colheitas que confiscar por preços baixos, mantendo quieta a população urbana.

Alguns conselhos finais

Outra política popular são os impostos confiscatórios. Essa estratégia, que lhe permite alegar que se está explorando os ricos em nome da igualdade, está muito tempo na moda entre as economias gentilmente estagnadas da Europa.

Por fim, você pode ter perdido a época de ouro do suborno internacional, quando o Banco Mundial e mesmo os bancos comerciais derramavam empréstimos sobre os governos de países pobres.

Mas caso você tenha a oportunidade, talvez devesse seguir os passos de dois líderes já falecidos que estão tendo suas fortunas divididas: o ditador do Zaire, Mobutu Sese Seko e o General Nigeriano, Sani Abacha. Aprenda com eles como redirecionar empréstimos internacionais diretamente para sua conta na Suíça, engessando os cidadãos com a dívida.

Mas, ao contrario de Mobutu, certifique-se de que você abrirá mão dos prazeres do poder arbitrário antes que você seja velho (ou deposto por um golpe), e se mude para a Provença para gozar de seu patrimônio ilícito. E, claro, invista sua riqueza roubada apenas em países com moeda estável, direitos de propriedade fortes e burocracias honestas.

Manter as pessoas na pobreza é uma tarefa difícil, mas ela se torna fácil, quando você segue as políticas descritas acima. A pobreza moderna é um milagre que só você, governante, pode realizar.
Por: Ronald Bailey Publicado originalmente em 13/02/2008.

A POLÍTICA DA ESTAGFLAÇÃO E DO ATRASO INDUSTRIAL

A emperrada economia brasileira está sujeita a dois dos governos mais desastrosos do mundo, o da presidente Dilma Rousseff, gerente da estagflação, e o de sua colega Cristina Kirchner, chefe da diplomacia comercial do Mercosul e dona, portanto, da palavra final em qualquer negociação relevante. Isso vale para as discussões com parceiros de fora, como a União Europeia, ou para os arranjos internos, como o acordo bilateral para o setor automotivo – revisto mais uma vez segundo os critérios da Casa Rosada. De janeiro a maio deste ano o Brasil exportou para os Estados Unidos produtos no valor de US$ 10,51 bilhões, pouco mais do que o vendido para o Mercosul, US$ 10,13 bilhões, e muito mais do que o embarcado para a Argentina, US$ 6,19 bilhões. As exportações para o mercado argentino foram 18,6% menores que as de um ano antes, pelas médias diárias, enquanto as vendas para os Estados Unidos ficaram 13,2% acima das contabilizadas no mesmo período de 2013.


Nenhum outro mercado aumentou tanto a absorção de produtos brasileiros, segundo registros do Ministério do Desenvolvimento. Indústria e Comércio Exterior. Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao explicar o pífio crescimento econômico do Brasil no primeiro trimestre, 0,2%, apontou de novo as condições do mercado internacional, incluída a desaceleração americana, como principais entraves à expansão brasileira. Como de costume, ele descreveu um mundo bem diferente daquele reconhecido por qualquer observador razoavelmente atento e informado.

De janeiro a abril, 50,36% das exportações brasileiras para os Estados Unidos foram de manufaturados. Esse é o último período com informações detalhadas sobre a composição do comércio com cada parceiro. Nesses quatro meses, as vendas de manufaturados corresponderam a apenas 35,6% da receita geral. A dos básicos, a 48,9%. Somados os semimanufaturados, a parcela das commodities correspondeu a 61,6% do total (outros 2,8% ficaram na categoria de operações especiais).

A participação dos manufaturados continuou em queda. De janeiro a maio, esses produtos proporcionaram 34,8% do total faturado. O resto – quase dois terços – veio das commodities, principalmente dos básicos, 50,3% das vendas totais.

O Brasil assume, cada vez mais claramente, o papel de fornecedor de matérias-primas, principalmente no comércio com a China e outros países da Ásia. Até abril, os manufaturados foram só 3,09% das exportações para o mercado chinês. Em contrapartida, a China exporta principalmente manufaturados para o mercado brasileiro e, de quebra, toma do Brasil fatias crescentes do comércio com os latino-americanos.
O Brasil assume, cada vez mais claramente, o papel de fornecedor de matérias-primas, principalmente no comércio com a China e outros países da Ásia

Mas há nessa história um aspecto paradoxal, pelo menos à primeira vista. Cerca de metade das vendas brasileiras para os Estados Unidos ainda é formada por manufaturados. O peso desses produtos nas vendas à União Europeia é bem menor, 34,96% de janeiro a abril, mas, ainda assim, muito maior que no comércio com os parceiros da Ásia. No entanto, a indústria brasileira perde espaço no mercado externo, incluída a vizinhança latino-americana, e até no mercado interno. Aqui, a participação de fornecedores estrangeiros tem crescido há vários anos e passou de 20,4% no primeiro trimestre de 2012 para 22,5% dois anos depois, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Em resumo: algumas indústrias conseguem manter presença no mercado americano e também – com dificuldade crescente – no europeu, enquanto a maior parte do setor manufatureiro perde espaço em quase todos os mercados. Montar uma história clara e coerente com esses pedaços é uma boa tarefa para pesquisadores, mas pelo menos alguns detalhes parecem evidentes. Um deles é a acomodação da maior parte do setor industrial no comércio com economias em desenvolvimento, quase todas menos industrializadas que a brasileira. Hoje até esse papel é inseguro, por causa da presença crescente de fortes competidores, especialmente asiáticos, na América Latina e até no Mercosul. Essa acomodação é denunciada também pelo baixo grau de inovação, discutido quarta-feira no Fórum Estadão – Inovação, Infraestrutura e Produtividade. O protecionismo, outro detalhe importante, é obviamente parte dessa história.

O estímulo à modernização e à busca de competitividade teria sido, com certeza, maior se o Brasil houvesse buscado acordos comerciais com os países mais avançados, como os da América do Norte e da Europa, mas a diplomacia econômica brasileira preferiu outro caminho a partir de 2003. O governo recusou o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), no começo da primeira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e fixou como prioridade a integração Sul-Sul.

O acordo com a União Europeia poderia ter aberto uma porta no mundo mais avançado, mas a aliança com o protecionismo argentino, depois convertida em sujeição, entravou as negociações. Enquanto isso, outros emergentes com facilidade de acesso ao mercado europeu, como a Turquia, consolidavam suas posições. Os demais Brics – Rússia, Índia, China e África do Sul – jamais se juntaram ao delirante e anacrônico projeto terceiro-mundista do governo brasileiro.

Alguns capítulos dessa história são temas do dia a dia: a tributação sobre o investimento e a exportação, a infraestrutura insuficiente e ruim, o atraso educacional, agravado pelas prioridades mal escolhidas, o excesso de gastos e o desperdício do dinheiro público, a tolerância à inflação elevada e o intervencionismo desastrado. As tentativas de maquiar as contas públicas e a inflação ilustram de maneira pitoresca a baixa disposição do governo de reconhecer e de resolver problemas.

O investimento reduzido a apenas 17,7% do produto interno bruto (PIB) no primeiro trimestre, 0,5 ponto abaixo do nível já ridículo de um ano antes, 18,2%, resume boa parte do quadro: incompetência governamental somada à crescente e muito compreensível insegurança do setor privado. É o Brasil em rápido processo de subdesenvolvimento.
Por: Rolf Kuntz  Fonte: O Estado de São Paulo, 7/6/2014

O JARDIM DA INVEJA DE PIKETTY


O ressentimento é a única emoção que pode durar a vida inteira e que nunca desapontará você. Em comparação, todas as demais emoções são passageiras e falíveis. Eu tentei odiar alguém por anos; isso, contudo, revelou-se impossível: o ódio desaparece como as cores das flores prensadas. Mas o ressentimento! Ele é a solução perfeita para o seu fracasso na vida. E, graças a Deus, todos nós cometemos falhas em algum sentido ou outro, pois nada seria tão insuportável, causando tanto ressentimento, quanto o sucesso total.

O sucesso dos outros fomenta o ressentimento, especialmente o sucesso em uma área na qual você gostaria de ser bem-sucedido. Sempre que eu leio um trecho de prosa maravilhosa, eu experimento o prazer dessa leitura, é claro; mas ele, muito antes, mistura-se com a irritação e, por fim, com o ressentimento. Por que o meu semelhante é capaz de escrever algo mais elegante, mais perspicaz, mais poético e mais conciso do que eu? O que ele fez para merecer o seu talento? A sorte dos escritores de língua inglesa é que Charles Dickens, por exemplo, tinha muitos e graves defeitos, pois, caso contrário, a genialidade autoevidente e transcendente de alguns dos seus parágrafos os paralisaria, minando a sua vontade de pegar caneta e papel ou de mexer os dedos no teclado.

Como se costuma dizer nos romances russos, chega de filosofia. Vamos agora descer da atmosfera rarefeita da abstração e nos deslocar para a realidade sórdida de um fenômeno real — neste caso, o fenomenal sucesso de um livro chamado Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty. Ele está vendendo tão rápido que as impressoras não conseguem acompanhar a demanda. Não se encontra a obra nas livrarias, mesmo (nas palavras de Lane, o mordomo do personagem Algernon em The Importance of Being Earnest, de Oscar Wilde) com dinheiro vivo.

Isso é realmente impressionante, uma vez que Thomas Piketty não é Dan Brown, o qual vende tolices abertamente supersticiosas escritas em prosa abominável para os crédulos pós-religião. Não: o livro de Piketty é grande, com centenas de páginas, e está recheado de dados misteriosos, que agora temos de chamar de fatos. Felizmente, eu comprara uma cópia desse livro quando ele apareceu pela primeira vez na França; e, em razão da sua rápida ascensão ao status de ícone internacional, eu tenho a esperança de que a minha edição original seja, no momento oportuno, considerada uma preciosa relíquia sagrada com propriedades curativas.

Obviamente, ter comprado um livro e tê-lo lido não são a mesma coisa. Infelizmente, apesar do seu tamanho e do seu peso, eu o perdi. Mas eu o carregava comigo por um tempo, assim como, há muitos anos, quando era um estudante de medicina, eu carregava comigo um livro de patologia, na esperança de que eu aprenderia o seu conteúdo por meio de um processo de osmose através das capas. No entanto, concluí que tinha de abri-lo e aprender apenas o suficiente para passar nos exames. Desnecessário dizer, eu esqueci tudo desde então.

Eu não costumo escrever sobre livros que não li; e eu suponho que, em minha vida, devo ter analisado pelo menos uns 500 livros. Seria falsa modéstia negar que eu li todos eles, incluindo muitas vezes as notas de rodapé, bem como negar a minha solidariedade e a minha empatia com os autores, até mesmo com os autores de livros tão ruins que eu considerava apenas ético fazê-lo — e isso apesar do fato de que não é preciso comer o pote inteiro de manteiga para saber que ela está estragada.

Todavia, duas ideias da obra de Piketty parecem ter sido discutidas com maior vigor em todas as análises que li sobre o seu livro; assim, eu suponho que elas devem representar o cerne daquilo que ele escreveu.

A primeira ideia é a de que há, em relação ao valor do capital, uma tendência de longo prazo a aumentar mais rapidamente do que o ritmo de crescimento da economia como um todo; e, já que a maioria das pessoas depende, para a sua sobrevivência, do seu trabalho em vez do seu capital, a desigualdade de riqueza só pode aumentar, chegando ao ponto de se tornar social e politicamente insustentável. Isso pode ser colocado em termos malthusianos: o valor do capital aumenta geometricamente, ao passo que o valor do rendimento do trabalho aumenta aritmeticamente. Ou, de novo, em termos marxistas: "Em uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações de produção existentes. (...) Em seguida, começa uma era de revolução social."

Mas Piketty não é um revolucionário; muito sensatamente, ele deseja evitar uma agitação violenta. Os meios através dos quais ele propõe isso é a sua segunda ideia: um imposto global sobre o capital — presumivelmente, para atingir realmente o seu desejado fim de uma maior igualdade, um imposto substancial.

Em primeiro lugar, analisemos a primeira ideia. Eu hesito em expor o meu próprio caso mais uma vez diante do público, mas alego a atenuação de que, pelo menos, trata-se de um assunto sobre o qual sou relativamente especialista. Como me prejudica o fato de que a proporção entre a riqueza de Bill Gates e a minha excede o quociente entre a minha riqueza e a de alguém que se encontra sob os cuidados do assistencialismo estatal? Eu me considero uma pessoa afortunada: eu nunca passei por quaisquer privações e dificuldades, pelo menos por nenhuma que não fosse a consequência do meu próprio comportamento ou das minhas próprias escolhas. Já fui pobre, mas não passei fome. Jamais sofri injustiça flagrante, exceto algumas detenções injustas em países da má fama (foi culpa minha tê-los visitado, embora, é claro, eu os tenha adorado).

A fortuna de Bill Gates só me prejudica se eu deixar o ácido da inveja e do ressentimento corroer a minha mente. Isso não significa dizer que algumas fortunas não possam ter sido adquiridas de maneira imoral e ilícita: por exemplo, as fortunas de muitos oligarcas russos. Há algo de errado com essas riquezas não porque elas são muito maiores do que a minha, mas sim porque elas foram adquiridas de forma imoral e ilícita. Não há dúvida de que existem muitas áreas cinzentas entre a legitimidade completamente branca e a escura negritude da desonestidade absoluta, mas as óbvias incertezas da vida devem ser suficientes para refrear e conter o nosso ressentimento.

Quanto ao imposto sobre o capital, Piketty está certo ao dizer que ele tem de ser global, pois, caso contrário, haveria fugas de capitais ou restrições locais muito severas sobre os movimentos de capitais — e isso não seria economicamente produtivo ou propício à igualdade. Um imposto global sobre o capital, porém, exigiria uma autoridade mundial para estabelecê-lo, arrecadá-lo e impingi-lo — com efeito, uma espécie de União Europeia gigante. Sinto-me feliz porque não estarei vivo para ver isso ocorrer, mas eu duvido que alguém, nascido ou não nascido, chegará a ver isso acontecer, pelo simples motivo de que os chefes supremos desse governo mundial precisariam de um paraíso fiscal no qual colocar o seu próprio dinheiro.

Eu suspeito que o enorme sucesso desse livro de Piketty seja uma homenagem ao nível de ressentimento que impera no mundo — e não o resultado de uma sede por conhecimento, especialmente entre aqueles indivíduos suficientemente ricos para comprá-lo, usando-o, em grande medida, como um reles acessório. A verdade, como Edward Gibbon nos ensina, raramente encontra uma recepção tão favorável no mundo. Eu posso estar errado, pois ainda não li a obra. Entretanto, posso invejar o seu sucesso.

Theodore Dalrymple é médico psiquiatra e escritor. Aproveitando a experiência de anos de trabalho em países como o Zimbábue e a Tanzânia, bem como na cidade de Birmingham, na Inglaterra, onde trabalhou como médico em uma prisão, Dalrymple escreve sobre cultura, arte, política, educação e medicina. Além de seu trabalho em medicina nos países já citados, ele já viajou extensivamente pela África, Leste Europeu, América Latina e outras regiões.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

PALMADA: EM CASA MANDO EU!

Quem decide acerca da religião e dos valores éticos ensinados em domicílio são os pais, e nunca o Estado.


A tal "lei da palmada", recente criação do Congresso Nacional, representa uma invasão abstrusa do Estado no recesso do lar. Com efeito, reza a Constituição Federal: "A casa é asilo inviolável, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.” (Art. 5º XI). Pois é! O Estado quer penetrar à chucha calada nas residências brasileiras, determinando como os pais devem educar os filhos.

Ninguém, em sã consciência, aprova qualquer medida física, violenta, a ser infligida contra crianças. No entanto, para coibir o excesso, já existem o Código Penal Brasileiro e leis esparsas.

Um amigo me contou que num restaurante presenciou a cena na qual uma criança, completamente fora de si, desobediente e agressiva, desferiu um tapa no rosto da mãe. O que fazer nessa situação? Segurar o referido infante energicamente pelos braços e levá-lo à força para fora do recinto seria um comportamento que se subsome ao tipo da novel lei?

No fundo, a "lei da palmada" é inconstitucional. Demais, trata-se de um precedente gravíssimo de inserção de ideologias totalitárias no seio da família, pois, atrás dessa lei demagógica poderão vir outros regramentos de cunho doutrinário. As entidades que tutelam os direitos das crianças deveriam ser as primeiras a propor ações judiciais com vistas em extirpar a aludida norma legal do ordenamento jurídico.

Em casa mando eu! A frase, tão comum nas conversas entre nossos patrícios, denota um princípio elementar do Estado laico. Quem decide acerca da religião e dos valores éticos ensinados em domicílio são os pais, e nunca o Estado.

Quem delibera a propósito do modo de educar os filhos, tornando-os pessoas solidárias e não criaturas egoístas e despóticas, são os pais e jamais o Estado!
Por: Edson Luiz Sampel, doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma e membro da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp).

Publicado no Diário do Comércio.

LEI DA PALMADA INSTITUI A PATERNIDADE ANÁLOGA À ESCRAVIDÃO

Idealizada por pesquisadores da USP, com o apoio da ONU, a criminalização da palmada tem como objetivo abolir o pátrio poder, impondo às famílias a tutela totalitária do Estado.


O clima bananeiro em que foi aprovada a Lei da Palmada pode ser medido pela entrada de Xuxa Meneghel no plenário do Senado.

O casamento, longe de ser uma expressão do amor romântico, é uma instituição do contrato social. A tradicional frase “enfim sós”, que os noivos se dizem mutuamente ao iniciar a lua de mel, não passa de uma figura de retórica. A rigor, desde o instante em que o casamento é celebrado, no cartório ou na igreja, os casais jamais ficarão a sós – a sociedade sempre estará entre eles. O casamento é uma espécie de triângulo social, formado pelos noivos que disseram “sim” e pela sociedade que lhes dirá “não” sempre que um deles quiser infringir o contrato social firmado diante dela. Mesmo quando se revela a própria chave da felicidade íntima, concretizando o amor romântico, o casamento nunca fecha totalmente suas portas à sociedade – ela está sempre espreitando o casal por meio das regras morais da religião, das leis civis do Estado e ou do legado familiar de cada um.

Por isso, é natural que o Estado brasileiro, como qualquer outro Estado do mundo, queira se intrometer na vida dos casais. Essa intromissão é necessária devido aos filhos, que compõem o perfil da maioria das famílias. Por delegação da sociedade, o Estado, juntamente com outras instituições, tem o dever de zelar para que os filhos sejam educados e assistidos pelos pais até se tornarem capazes de cuidar da própria vida. No Brasil, a lei que deveria zelar pela saudável convivência familiar é o Estatuto da Criança e do Adoles­cen­te (ECA), promulgado em 13 de ju­lho de 1990. O problema é que ele não foi criado com o objetivo de fortalecer as relações familiares, prescrevendo deveres mútuos para pais e filhos, à luz dos costumes da própria sociedade; pelo contrário, o ECA é a principal arma dos movimentos revolucionários que usam o Estado capitalista para criar o utópico “homem novo” socialista. Prova disso é a chamada “Lei da Palmada”, que acaba de ser aprovada no Congresso Nacional e criminaliza os pais por uma simples palmada nos filhos.

Uma lei da universidade e da ONU
O Estatuto da Criança e do Adolescente, que se torna ainda mais nocivo com a Lei da Palmada, não foi pensado para atender os interesses da criança cordata, que respeita pai e mãe, mas para fazer as vontades do filho pródigo, que se rebela contra as normas familiares. O ECA não nasceu dos anseios legítimos da sociedade brasileira, mas de uma obsessão ideológica dos movimentos de esquerda com os menores de rua, que, a partir de meados da década de 1970 e até o final do século passado, tornaram-se a principal massa de manobra revolucionária, ocupando, na época, o papel de sementeiras de conflitos sociais que usuários de drogas e moradores de rua exercem hoje. Por isso, eu não fiquei surpreso nem indignado com a aprovação da “Lei da Palmada” pelo Congresso – o que me surpreende e indigna, de fato, é a sociedade não perceber que o Estatuto da Criança e do Ado­les­cente já continha, em si, o ideário da “Lei da Palmada” e não se revoltar contra ele. Sem atacar diuturnamente o Estatuto, é impossível evitar a aprovação de leis como essa.

A Lei da Palmada não nasceu no Congresso Nacional muito menos de uma inusitada sinapse do cérebro de Xuxa, transformada em sua garota-propaganda pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o ex-comunista do PCdoB que se especializou em lavagem de reputação pública por meio do uso de artistas globais. Essa perniciosa lei é uma criação dos intelectuais universitários brasileiros, com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) e se inspira em leis similares de países europeus. A primeira tentativa de aprová-la partiu do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), por meio do Laboratório de Estudos da Criança, que, há décadas, vem produzindo campanhas contra qualquer agressão física a crianças e adolescentes. O problema é que os psicólogos da USP confundem ralho e palmada com agressão física e opressão psicológica e vinham tentando aprovar no Congresso Nacional a criminalização da palmada – o que finalmente conseguiram, após convencerem a bancada evangélica.

A primeira tentativa concreta de transformar em lei a criminalização da palmada ocorreu há dez anos, por intermédio de um projeto de lei da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), que veio a ser ministra dos Direitos Humanos no governo Dilma Rousseff e deixou o cargo em abril deste ano para disputar o Senado Federal pelo PT gaúcho nas próximas eleições. Em 2 de dezembro de 2003, Maria do Rosário apresentou o Projeto de Lei 2.654/2003, que modificava o ECA e o Código Civil, estabelecendo o direito de crianças e adolescentes “não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos”. Como se vê, a criminalização da palmada – que se inclui entre os “castigos moderados” – era explícita, por isso o projeto da deputada gaúcha enfrentou forte resistência, não só da bancada evangélica no Congresso Nacional, mas também de articulistas laicos nos meios de comunicação.

Há alguns anos, quando o assunto foi amplamente debatido na imprensa, levando à rejeição do projeto original de Maria do Rosário, os adversários da proposta acreditaram que ela estava completamente enterrada. Proibir os pais de darem, de vez em quando, uma mera palmada educativa nos filhos parecia uma ideia absurdamente radical, sem a menor chance de se transformar em lei. Com raras exceções, os articulistas que se insurgiram contra a Lei da Palmada não foram capazes de perceber que ela estava longe de ser uma proposta folclórica de uma parlamentar xiita – pelo contrário, era a tradução literal do pensamento predominante nas universidades brasileiras e, mais cedo ou mais tarde, haveria de ressurgir das cinzas, como fênix. Um intelectual universitário jamais desiste de suas ideias, por mais absurdas que sejam – elas são seu oxigênio e ganha-pão, pois seu salário mensal não depende do acerto de suas teses. Mesmo que professe teses socialmente deletérias (como o chefe do Departamento de Artes e Estudos Culturais da Univer­si­da­de Federal Fluminense, professor Daniel Caetano, que defendeu o evento sadomasoquista “Va­gina Satâ­nica”, realizado na ins­tituição), um docente de universidade pública continuará ven­do o seu bom salário cair religiosamente na conta todo final de mês.

Por isso, mesmo rejeitada por ampla maioria da população brasileira, como provam as enquetes isentas sobre o assunto, a Lei da Palmada acabou vingando. É que a proposta original não era somente da deputada Maria do Rosário – ela foi respaldada pela “Petição por uma Pedagogia Não Violenta”, uma campanha multinacional do Laboratório de Estudos da Criança da USP, que teve início em 1994, portanto há 20 anos, e colheu mais de 200 mil assinaturas de apoio no Brasil, Peru e Argentina. Essa campanha teve o apoio do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que, em 2005, publicou o livro “Direitos Negados: A Violên­cia Contra a Criança e o Adoles­cen­te no Brasil”, uma coletânea de artigos escritos por diversos pesquisadores. No artigo que abre o livro, as pesquisadoras Maria Amélia Aze­vedo e Viviane de Azevedo Guer­ra, ambas do Instituto de Psi­cologia da USP afirmam: “A luta mun­dial pela abolição de castigos imoderados e moderados (inclusive o famigerado tapinha no bumbum) já é vitoriosa em onze países: Suécia (1979); Finlândia (1983); Dinamarca (1983); Noruega (1987); Áustria (1989); Chipre (1994); Letônia (1998); Croácia (1999); Alemanha (2000); Israel (2000) e Islândia (2003)”.

Psicólogos da USP escreveram projeto de lei
Ora, o mundo tem quase 200 países. Isso significa que, apesar de toda a pressão exercida pela ONU, menos de 10% das nações dedicaram leis especiais contra castigos físicos em crianças. O que a maioria dos países pune – e com toda razão – é o espancamento dos filhos pelos pais, algo que o Código Penal Brasileiro e o próprio Estatuto da Criança e Adolescente também já condenam. Além disso, nos países citados pelas pesquisadoras, os menores de 18 anos que cometem crimes violentos não costumam ser inimputáveis como no Brasil e não têm o rosto totalmente protegido nas reportagens que relatam seus feitos. Sem contar que raramente um país impõe tantas restrições ao porte de arma como no Brasil, fazendo com que os bandidos, menores ou adultos, se comportem com a máxima ousadia e detenham o monopólio da pena de morte no País. Impor a um caldeirão de violência chamado Brasil, com quase 200 milhões de viventes, as mesmas leis de aldeolas escandinavas com menos de 5 milhões de habitantes, como fizeram os pesquisadores da USP com a Lei da Palmada, é não ter o mínimo senso de proporção.

O que as pesquisadoras da USP chamam de “luta mundial pela abolição dos castigos imoderados e moderados em criança” é, na verdade, uma minoritária guerrilha intelectual pela abolição do pátrio poder, colocando as famílias sob o poder totalitário do Estado. A força dessa guerrilha – que se tornou hegemônica no meio acadêmico – não resulta do apoio que desfruta na sociedade, mas das fartas verbas que recebe de ONGs, fundações internacionais e da própria ONU. Desde a redemocratização, o Brasil se tornou o laboratório preferencial dos arautos do homem novo, uma espécie de projeto-piloto em forma de país, no qual os ideólogos de esquerda testam suas leis revolucionárias, como a Lei da Palmada, sem levar em conta as culturas locais. Prova disso é que a primeira versão da Lei da Palmada, apresentada em 2003, não foi redigida pela deputada Maria do Rosário, mas por uma equipe de pesquisadores do Laboratório de Estudos da Criança do Instituto de Psicologia da USP.

“A proposição que estamos apresentando à Casa foi elaborada pelo Laboratório de Estudos da Criança (Lacri) da Universidade de São Paulo (USP), sob a responsabilidade das coordenadoras, Dra. Maria Amélia Azevedo, Dra. Flávia Piovesan, Dra. Carolina de Mattos Ricardo, Dra. Daniela Ikawa e Dr. Renato Azevedo Guerra, e, como pode ser verificado na argumentação supra, está amparado por pesquisas e análises comparativas com as legislações mais avançadas do mundo” – escreveu a deputada Maria do Rosário na justificativa de seu projeto, ao apresentá-lo na Câmara no final de 2003. Como o seu projeto era lobo com garras e dentes expostos, dizendo já na ementa e reafirmando em seu primeiro artigo que até os castigos moderados estavam proibidos, ele acabou não vingando no Congresso, devido, sobretudo, à resistência da bancada evangélica. Então, sete anos depois, o Executivo tomou para si a tarefa de aprovar a Lei da Palmada e, em 14 de julho de 2010, um dia depois do aniversário de 20 anos do ECA, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou à Câmara um novo projeto de lei nesse sentido.

Exército público de delatores profissionais
Esse projeto de lei do Executivo, que acabou aprovado na semana passada, é lobo em pele de cordeiro. Ao a­crescentar três artigos ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ele estabelece: “A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante, como forma de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los”. Em seguida, a lei define “castigo físico” como a “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em sofrimento físico ou lesão à criança ou adolescente”. E define como “tratamento cruel ou degradante” a “conduta ou forma cruel de tratamento que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente”.

Como se vê, a nova versão da Lei da Palmada, rebatizada casuisticamente de “Lei Menino Bernardo”, parece não oferecer nenhum perigo para as famílias. Quem pode ser a favor do “tratamento cruel ou degradante” de uma criança, expressão que mais se destaca quando se lê o primeiro parágrafo da lei? Ocorre que essa expressão entrou aí justamente para ofuscar a criminalização da palmada, que continua embutida na expressão “castigo físico”. Afinal, se “castigo físico” fosse apenas sinônimo de espancamento e não abarcasse também uma simples palmada, não haveria necessidade de acrescentar “tratamento cruel” ao texto. Além do mais, a lei ainda prevê que os direitos da criança nela previstos deverão ser objeto de ampla campanha e integrar os temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC. Ou seja, na interpretação da lei que será disseminada na sociedade, a definição prática de castigo físico vai abranger a palmada – algo que, sem dúvida, será corroborado pelo Ministério Público, ainda que um ou outro promotor, individualmente, possa pensar e até agir de forma contrária.

Mas até isso será difícil, pois a lei também prevê que o profissional da saúde, da educação ou da assistência social, bem como qualquer pessoa que exerça cargo ou função pública, tem a obrigação de comunicar às autoridades competentes qualquer suspeita ou confirmação de castigo físico de uma criança, sob pena de incorrer em multa que varia de 3 a 20 salários mínimos. Ou seja, a lei cria um exército público de delatores profissionais, que, com o tempo, irão consolidar a criminalização da palmada, ainda que ela não esteja explicitamente escrita no texto da lei. Em breve, cada filho será o senhorzinho do lar e teremos a paternidade análoga à escravidão.

Alguns parlamentares, como o senador Magno Malta (PR-ES), não se deixaram enganar pela Lei Menino Bernardo e denunciaram o seu caráter subjetivo, que continua criminalizando todo tipo de castigo físico, mesmo uma leve palmada. E o deputado Pastor Eurico (PSB-PE) criticou a presença de Xuxa como madrinha da lei, lembrando o seu passado de protagonista do filme “Amor, Estranho Amor”, de Walter Hugo Khouri, em que protagoniza cenas de nudez com uma criança. Ditatorialmente, o partido de Eduardo Campos tomou as dores de Xuxa e destituiu o deputado da Comissão de Constituição e Justiça.

O clima bananeiro em que foi aprovada a Lei da Palmada pode ser medido pela entrada de Xuxa Meneghel no plenário do Senado. Ela trazia pela mão um garoto que, depois, se revelou ser o neto do presidente do Senado, Renan Calheiros. Num acintoso desrespeito aos rituais da República, o menino foi posto sentado à mesa diretora da Casa, entre o avô e Xuxa, como se o Brasil fosse uma monarquia, em que o poder se transmite hereditariamente e não há distinção entre o público e o privado. A transformação do neto de Renan Calheiros numa espécie de reizinho da República é reveladora da miséria moral reinante – simboliza a privatização da coisa pública e a estatização da vida privada, numa mistura que relembra a Itália fascista de Benito Mussolini. A Lei da Palmada já é consequência dessa indistinção entre um Estado cada vez mais possuído pelos grupos organizados e uma sociedade cada vez mais destituída de vida privada. É como se os bedéis do Estado, que batem ponto burocraticamente nas repartições, pudessem cuidar da educação de todas as crianças brasileiras – uma missão que exige dos pais de carne e osso enormes sacríficos, inclusive em madrugadas insones, quando velam pela saúde e o bem-estar de seus filhos.

Duplo grau de jurisdição na família
Os intelectuais bem-nascidos querem aplicar a todo mundo os seus próprios princípios de vida, sem levar em conta as circunstâncias em que vivem os destinatários de suas leis utópicas. O ideal é que uma criança jamais precise levar sequer uma palmada e aprenda a obedecer a um simples olhar. Mas esse é um ideal, que nem sempre pode ser posto em prática, especialmente nas classes mais pobres, em que a vida é muito dura, e os pais, machucados pela própria desesperança, nem sempre são capazes de dialogar com os filhos, depois de mais uma dura jornada de trabalho, em que enfrentam ônibus lotados para voltar ao barracão minúsculo onde a família se amontoa. Em famílias assim, uma palmada, um beliscão, um cascudo são quase inevitáveis e chegam a ser uma forma de diálogo, uma espécie de rude carinho físico entre pais e filhos, especialmente em famílias arcaicas em que beijos e abraços são raros ou inexistem.

Uma pesquisa do próprio Laboratório de Estudos da Criança da USP mostrou que mais de 70% desses castigos físicos são aplicados pelas mães – um fator de desespero para os pesquisadores uspianos, que, volta e meia, promovem palestras, exibição de filmes, apresentações de teatro, concursos de desenhos e várias outras atividades educativas tentando evitar que as mães distribuam palmadas em seus rebentos. Eles nem se dão conta de que as famílias, instintivamente, criam e aplicam uma sábia justiça doméstica que reproduz um dos pilares do processo civilizatório – o duplo grau de jurisdição. A mãe, pelo fato de ficar mais tempo com o filho e, sobretudo por tê-lo carregado no ventre, tende a ter com ele uma relação muito mais emotiva, consequentemente mais fadada à impaciência, aos ralhos, às palmadas. Mas, como diz o provérbio, pé de galinha não mata pinto. Prova disso é que mal acaba de levar uma palmada da mãe, a criança já busca o seu colo para chorar, como se a palmada fosse o prenúncio do carinho. Só quando essa primeira instância da justiça familiar não surte efeito, é que entra a segunda instância – a justiça paterna.

Mas o pai, ao contrário da mãe, deve ter maior distanciamento e evitar o castigo físico. Como sabiam os antigos, a mão do pai é pesada. Ele é o juiz de segunda instância, que só deve interferir nos casos mais graves, fazendo valer sua autoridade com um olhar severo, uma palavra firme e, no mais das vezes, com sua simples presença. Quando o pai precisa castigar fisicamente o filho, é porque esse duplo grau de jurisdição familiar está falhando e, nesse caso, sim, a criança tem grande chance de se tornar um filho rebelde, malcriado, às vezes um adulto traumatizado e sem rumo. A Lei da Palmada, ao proibir todo tipo de castigo físico, inclusive quando praticado afetivamente pela mãe, acaba com esse sábio sistema de pesos e contrapesos entre mãe e pai, privando a criança de seu primeiro e educativo contato com a Justiça – que é, antes de tudo, uma hierarquia moral de valores, em que a severidade das sanções é graduada pela gravidade dos atos. Ao desconsiderar essas nuances das relações familiares, a Lei da Palmada chega a desumanizar a criança, como se ela não passasse de um corpo sem alma, cujo maior sofrimento é a dor passageira de uma simples palmada.
Publicado no Jornal Opção.
Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.