quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O RÉU AUSENTE


A tese da quadrilha, emanada da acusação e adotada pelo relator, ministro Joaquim Barbosa, orienta a maioria dos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso do mensalão. Metodologicamente, ela se manifesta no ordenamento das deliberações, que agrupa os réus segundo a lógica operacional seguida pela quadrilha. Substantivamente, transparece no conteúdo dos votos dos ministros, que estabelecem relações funcionais entre réus situados em posições distintas no esquema de divisão do trabalho da quadrilha. As exceções evidentes circunscrevem-se ao revisor, Ricardo Lewandowski, e a José Antônio Dias Toffoli, um ex-advogado do PT que, à época, negou a existência do mensalão, mas agora não se declarou impedido de participar do julgamento. O primeiro condenou os operadores financeiros, mas indicou uma inabalável disposição de absolver todo o núcleo político do sistema criminoso. O segundo é um homem com uma missão.

O relatório de "contraponto" do revisor, uma cachoeira interminável de palavras, consagrou-se precisamente à tentativa de implodir a tese principal da acusação. Sem a quadrilha a narrativa dos eventos criminosos perderia seus nexos de sentido. Como consequência, voluntariamente, a mais alta Corte vendaria seus próprios olhos, tornando-se refém das provas materiais flagrantes. Juízes desmoralizados proclamariam o império da desigualdade perante a lei, condenando figuras secundárias cujas mãos ainda estão sujas de graxa para absolverem, um a um, os pensadores políticos que coordenavam a orgia de desvio de recursos públicos. Esse caminho, o sendero de Lewandowski, felizmente não prosperou. Há um julgamento em curso, não uma farsa.

Uma quadrilha é uma organização, tanto quanto uma empresa. Nas organizações há uma relação inversa entre a posição hierárquica e a natureza material da função. Nos níveis mais elevados de direção o trabalho é altamente abstrato: análise estratégica, definição de metas de longo prazo, orientação geral de prioridades e rumos. Nessa esfera ninguém opera máquinas, emite ordens de pagamento ou assina relatórios gerenciais. Contudo as organizações se movem na direção e no ritmo ditados pelo círculo fechado de seus "intelectuais".

A narrativa da peça acusatória conta-nos que, na quadrilha do mensalão, um personagem concentrava as prerrogativas decisórias supremas. José Dirceu, explicou o procurador-geral da República, utilizava sua dupla autoridade, no governo e no PT, para mover as engrenagens da "fabricação" de dinheiro destinado a perpetuar um condomínio de poder. Previsivelmente, o "chefe da quadrilha" deixou apenas rastros muito tênues e indiretos de seus feitos. "O que vão querer em termos de provas? Uma carta? Uma confissão espontânea? É muito difícil. Você tem confissão espontânea de ladrão de galinha", constatou o juiz Marco Aurélio Mello em entrevista recente. O que decidirá o STF quando, ultrapassado o escalão dos chefes políticos acessórios, chegar à encruzilhada de Dirceu?

O inacreditável Toffoli explicitou seus critérios ao justificar o voto de absolvição sob o argumento de que "a defesa não precisa provar sua versão". Todos sabem que o ônus da prova de culpa cabe à acusação. Mas é óbvio até para leigos que, confrontada com evidências de culpabilidade, a defesa tem o dever de comprovar seus álibis. Na ponta oposta, o juiz Luiz Fux sustentou que, diante de "megacrimes" articulados por figuras poderosas, "indícios podem levar a conclusão segura e correta". A síntese de Fux descortina o método pelo qual, sem arranhar as garantias do Estado de Direito, é possível estender a aplicação da lei aos "fidalgos" da República.

Não é verdade, como alega a defesa do então ministro-chefe da Casa Civil, que nada se tem contra ele. A acusação apresentou uma longa série de provas circunstanciais do poder efetivo de Dirceu sobre os personagens cruciais para as operações da quadrilha. Mas, na ausência de uma improvável confissão esclarecedora de algum dos réus, os juízes terão de decidir, essencialmente, sobre "indícios": a lógica interna de uma narrativa. Eles podem escolher a conclusão inapelável derivada da tese da quadrilha e, sem o concurso de provas documentais, condenar o réu mais poderoso pela autoria intelectual dos inúmeros crimes tipificados. A alternativa seria recuar abruptamente em face do espectro da ousadia jurídica, absolver o símbolo do mensalão e legar à posteridade a história esdrúxula, risível e intragável de uma quadrilha carente de comando.

O enigma é, porém, ainda mais complexo. Como registrou o advogado de defesa do ex-deputado Roberto Jefferson, há um réu ausente, que atende pelo nome de Lula da Silva. Toda a trama dos crimes, tal como narrada pela acusação, flui na direção de um comando central. Dirceu, prova o procurador-geral, detinha autoridade política sobre os operadores cruciais do mensalão. Mas acima de Dirceu, no governo e no PT, encontrava-se Lula, "um sujeito safo" que "sempre se mostrou muito mais um chefe de governo do que chefe de Estado", nas palavras do mesmo Marco Aurélio. A peça acusatória, todavia, não menciona Lula, o beneficiário maior da teia de crimes que alimentavam um sistema de poder. A omissão abala sua estrutura lógica.

"Você acha que um sujeito safo como Lula não sabia?", perguntou Marco Aurélio, retoricamente, ao jornalista que o entrevistava. Ninguém acha - e existem diversos depoimentos que indicam a ciência plena do então presidente sobre o essencial da trama. O mesmo tipo de prova indireta, não documental, utilizada na incriminação de Dirceu poderia - e, logicamente, deveria - ter sido apresentada para pôr Lula no banco dos réus. Mas o procurador-geral escolheu traçar um círculo de ferro em torno de um homem que, coberto de motivos para isso, se acredita inimputável. A opção da acusação, derivada de uma perversa razão política, assombrará o País por longo tempo.
Por: Demétrio Magnoli O Estadão

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O QUE ESTÁ ACONTECENDO


A verdadeira "Guerra Fria" só agora está começando – e, aliás, já veio quente. A concorrência entre "capitalismo" e "socialismo" foi apenas um véu ideológico para uso das multidões, mas a luta entre Oriente e Ocidente é para valer.


A mitologia infantil que a população consome sob o nome de "jornalismo" ensina que o Leitmotiv da história mundial desde o começo do século 20 foi o conflito entre "socialismo" e "capitalismo"; conflito que teria chegado a um desenlace em 1990 com a queda da URSS. 

Desde então, reza a lenda, vivemos no "império do livre mercado" sob a hegemonia de um "poder unipolar" – a maldita civilização judaico-cristã personificada na aliança Estados Unidos-Israel, contra a qual se levantam todos os amantes da liberdade: Vladimir Putin, Fidel Castro, Hugo Chávez, Mahmud Ahmadinejad, a Fraternidade Muçulmana, o Partido dos Trabalhadores, a Marcha das Vadias e o Grupo Gay da Bahia.

A dose de burrice necessária para acreditar nessa coisa não é mensurável por nenhum padrão humano. No entanto, não conheço um só jornal, noticiário de televisão ou curso universitário, no Brasil, que transmita ao seu público alguma versão diferente dessa.

A história da carochinha tornou-se obrigatória não somente como expressão da verdade dos fatos, mas como medida de aferição da sanidade mental: contrariá-la é ser diagnosticado, no ato, como louco paranoico e "teórico da conspiração".

Como já me acostumei com esses rótulos e começo até a gostar deles, tomo a liberdade de passar ao leitor, em versão horrivelmente compacta, algumas informações básicas e arquiprovadas, mas, reconheço, difíceis de acomodar num cérebro preguiçoso.

A suprema elite capitalista do Ocidente – os Morgans, os Rockefellers, gente desse calibre – jamais moveu uma palha em favor do "capitalismo liberal". Ao contrário: tudo fez para promover três tipos de socialismo: o socialismo fabiano na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, o socialismo marxista na URSS, na Europa Oriental e na China e o nacional-socialismo na Europa Central. Gastou, nisso, rios de dinheiro. E assim criou o parque industrial soviético, no tempo de Stálin, a indústria bélica do Führer e, mais recentemente, a potência econômico-militar da China. 

Nos conflitos entre os três socialismos, o fabiano saiu sempre ganhando, porque é o único que tem a seu serviço a tecnologia mais avançada, uma estratégia flexível para todas as situações e, melhor ainda, todo o tempo do mundo (o símbolo do fabianismo é uma tartaruga). 

O nazismo, cumprida sua missão de liquidar as potências europeias e dividir o mundo entre a elite ocidental e o movimento comunista (precisamente segundo o plano de Stálin), foi jogado na lata do lixo da História; do fim da 2ª Guerra até o término da década de 80, só subsistiu sob a forma evanescente de "neonazismo", um fantasma acionado pelos governos comunistas para assustar as criancinhas e desviar atenções.

O fabianismo nunca foi inimigo do socialismo marxista: ao contrário, adora-o e cultiva-o, porque a economia marxista, incapaz de progresso tecnológico, lhe garante mercados cativos. E também porque sempre considerou o comunismo um instrumento da sua estratégia global.

O s comunistas, é claro, respondem na mesma moeda, tentando usar o socialismo fabiano para os seus próprios fins e infiltrando-se em todos os partidos socialistas democráticos do Ocidente. 

Os pontos de atrito inevitáveis são debitados na conta da "cobiça capitalista", fortalecendo a autoridade moral dos comunistas ante os idiotas do Teceiro Mundo e, ao mesmo tempo, ajudando os fabianos a apertar os controles estatais sobre as economias do Ocidente, estrangulando desse modo o capitalismo a pretexto de salvá-lo.

Os "verdadeiros crentes" do liberalismo econômico é que pagam o pato: sem poder suficiente para interferir nas grandes decisões mundiais, tornaram-se mera força auxiliar do socialismo fabiano e, em geral, nem mesmo o percebem, tão horrível é essa perspectiva para as suas almas sinceras.

Ás vezes, entretanto, a concorrência fraterna entre fabianos e comunistas desanda: com a queda da URSS, aqueles acharam que tinha chegado a hora de colher os lucros da sua longa colaboração com o comunismo, e caíram sobre a Rússia como abutres, comprando tudo a preço vil, inclusive as consciências dos velhos comunistas. 

O núcleo da elite soviética, porém, a KGB, não consentiu em amoldar-se ao papel secundário que agora lhe era destinado na nova etapa da revolução mundial. Admitiu a derrota do comunismo, mas não a sua própria. Levantou a cabeça, reagiu e criou do nada uma nova estratégia independente, o eurasianismo, mais hostil a todo o Ocidente do que o comunismo jamais foi. 

O fabianismo, que nunca foi de brigar com ninguém e sempre resolveu tudo na base da sedução e da acomodação (inclusive com Stálin e Mao), finalmente encontrou um oponente que não aceita negociar. A "Guerra Fria" foi, em grande parte, puro fingimento: a elite Ocidental concorria com o comunismo sem contudo nada fazer para destruí-lo. Ao contrário, ajudava-o substancialmente. Putin não é um concorrente: é um inimigo de verdade, cheio de rancor e sonhos de vingança.

A verdadeira "Guerra Fria" só agora está começando – e, aliás, já veio quente. A concorrência entre "capitalismo" e "socialismo" foi apenas um véu ideológico para uso das multidões, mas a luta entre Oriente e Ocidente é para valer. 

Não por coincidência, o fiel da balança é o Oriente Médio, que fica a meio caminho entre os dois blocos. Ali as nações muçulmanas terão de decidir se continuam servindo de instrumento dócil nas mãos dos russos, se aceitam a acomodação com a elite fabiana ou se querem mesmo fazer do mundo um vasto Califado. 

Já a elite ocidental, que fala pela boca do sr. Barack Hussein Obama, parece decidida a fazê-las pender nesta última direção, por motivos que, de tão malignos e imbecis, escapam ao meu desejo de compreendê-los. 

Isso, caros leitores, é o que está acontecendo, e nada disso vocês lerão na Folha de São Paulo nem em O Globo. Por: Olavo de Carvalho

Publicado no Diário do Comércio.

O PRIMEIRO EMPREGO E AS COMPLICAÇÕES TRABALHISTAS


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À medida que o jovem recém-formado de uma universidade no Brasil procura por melhores salários iniciais e oportunidades em grandes e médias empresas, que em sua maioria já tem seu corpo de colaboradores formados por profissionais experientes, mais ele tem de buscar experiências prévias que justifiquem ao empregador um salário inicial tão alto para alguém cujas habilidades requisitadas ainda não foram desenvolvidas.

No período anterior à década de 1970, ainda existiam poucas universidades, e o diploma de nível superior praticamente já assegurava uma posição em uma boa empresa ou em algum cargo público. Porém, com o passar do tempo, mais universidades foram criadas e uma experiência prévia foi se tornando importante, sendo comum jovens trabalharem em bancos ao mesmo tempo em que cursavam faculdade. Nessa época, a legislação de estágio não era tão rígida, não garantia tantos direitos ao estagiário, sendo mais fácil este dar início às suas atividades mesmo que por vezes não obtivesse a remuneração das mais desejadas. Era isso, porém, que permitia a muitas pessoas pagar sua faculdade ou mesmo se destacar no mercado de trabalho.

Chegada a década de 1990 e o novo milênio, o número de faculdades ascendeu consideravelmente, como resposta à necessidade de profissionais mais especializados geradas por um ambiente competitivo global e devido à enorme procura criada em torno dos concursos públicos. Nessa mesma época, por exemplo, a criação de cursos de Direito teve o maior crescimento da história.

O fato é que hoje a legislação de estágio está ainda mais amarrada, conferindo direitos típicos de um trabalhador regular de carteira assinada, como direito a férias de 30 dias para cada 12 meses de trabalho, bolsa-estágio e auxílio-transporte compulsórios em casos de estágio não-obrigatório. Além disso, o empregador deve obedecer a uma relação numérica mínima entre empregados e estagiários, isto é, para cada estagiário que ele queira contratar, a empresa deverá possuir de 1 a 5 empregados de carteira assinada para viabilizar a contratação; caso ele necessite de 2 estagiários, deverá possuir o mínimo de 6 a 10 funcionários. Isso eleva os custos para o empregador, o que acaba tornando a entrada do estagiário na empresa ainda mais difícil. Não é a toa, então, que está se tornando comum que o processo seletivo aplicado para candidatos à vaga de estágio e trainees seja exatamente o mesmo ao aplicado para candidatos a cargos de maior responsabilidade e remuneração. 

O mínimo para se ter condições de ser contratado por uma boa empresa é ter experiência prévia. Mas como ter esta experiência sem nunca antes ter participado de um programa de estágio ou ter trabalhado com carteira assinada?

Há três opções: 1. Faculdade Cursada e Excelentes Notas; 2. Realizar Intercâmbio; 3. Realizar Trabalho Voluntário.

A primeira opção foi por muito tempo um fator decisivo, mas, dado que de maneira geral a atividade realizada por alguém inexperiente e não especializado geralmente não pressupõe conhecimento fora do comum, acabou assumindo um papel não muito relevante, ainda mais quando se pensa na possibilidade de que alguém possa atender a todas três opções.

A segunda opção de realizar intercâmbio é cada vez mais valorizada no momento em que se percebe que a capacidade interpessoal de uma pessoa aumenta consideravelmente quando entra em contato com uma nova cultura e um ambiente novo. Realizar intercâmbio confere flexibilidade, além de proporcionar o aprendizado de uma nova língua.

A terceira opção é atualmente talvez a mais importante das atividades que devem constar no currículo e merece uma melhor atenção. Trabalhar voluntariamente se tornou a atividade mais valorizada por apresentar oportunidades que um estágio curricular de forma alguma proporcionaria. Trabalho voluntário virou sinônimo de trabalho com autonomia, de trabalho em equipe e de oportunidades de liderança. Virou sinônimo de trabalho de cunho social sem remuneração.

Será, porém, que um trabalho de cunho social sem remuneração seja o único caminho para um aprendizado rápido, autonomia, trabalho em equipe e oportunidade de liderança? Caso isso seja verdade, as pessoas que não possuem uma condição familiar que sustente suas atividades não-remuneradas teriam condições de ter essa oportunidade tão grande de desenvolvimento?

Essas pessoas teriam que suprir necessidades mais urgentes e aceitar um emprego que não lhes proporcionasse tanto aprendizado, e, de maneira similar, não teriam condições de participar de programas de intercâmbio. Aparentemente, a situação econômica de um indivíduo sempre irá impor dificuldades e irá impossibilitar que este alcance um trabalho de grande aprendizado.

Imagine agora, porém, uma empresa recém criada cujo escritório tem dimensão bastante reduzida e cujo administrador Justino é um autônomo que está precisando de no mínimo 4 graduandos ou não sem muita experiência para auxiliá-lo no trabalho. Ele, porém, só tem condições de empregar um deles com carteira assinada, devido ao custo que um simples funcionário acarretará. E, por causa dessa limitação, terá o crescimento e funcionamento da empresa prejudicados. Justino estaria disposto a pagar até 400 reais para cada um dos 4 funcionários, mas, em vez disso, devido aos vários encargos sociais e trabalhistas e aos impostos que ele paga ao governo, um funcionário ganhando o equivalente a um salário mínimo acaba custando, admitindo um total de 102% de encargos, (R$622 + 1,02xR$622) R$1256, mais de R$1200 e cerca de R$1600 que é o limite de Justino. Outra opção de Justino seria contratar 4 estagiários para diminuir o custo trabalhista, porém devido à legislação de estágio isso não é possível, porque ele deveria ter no mínimo o total de 11 empregados regulamentares para tornar isso possível.

Quantos jovens, porém, que não possuem condições de ingressar em um trabalho voluntário estariam dispostos a trabalhar voluntariamente na empresa de Justino ganhando uma soma de R$400? Quantos jovens estariam dispostos a trabalhar para Justino até mesmo de graça, sabendo que teriam oportunidade de aprender rápido, ganhar grandes responsabilidades, acompanhar o crescimento da empresa e com isso finalmente obter a remuneração desejada e os cargos de liderança que aparentemente só eram possíveis em iniciativas não-remuneradas como empresas júnior e trabalhos de cunho social? Isso é algo que na situação atual não é permitido responder.

Feitas essas considerações sobre alguns dos itens avaliados em um processo seletivo, caso o candidato esteja concorrendo para vaga de estágio, ainda tem que passar pela aprovação de sua universidade, devendo demonstrar que seus interesses pessoais compactuam com os interesses da universidade. Isso quando a universidade não simplesmente arbitra o período da faculdade em que são permitidas essas atividades. É possível, então, que mesmo que o candidato passe em todas as etapas do processo seja impedido por sua própria universidade de dar início às suas atividades.

Fica claro, então, que até um jovem com nível superior completo tem que passar por uma bateria difícil de testes caso queira oportunidades que lhe recompensem por seus mais de 20 anos de investimento em educação. Acaba sendo normal, por força da alta concorrência e pela impossibilidade de firmar contratos livremente, que um jovem recém-formado aceite empregos que não correspondam às expectativas, ocupando cargos que seriam de esperar que fossem ocupados por pessoas que só completaram o ensino médio. O efeito dominó é então criado: algumas pessoas que concluiram o ensino médio ou têm cursos técnicos ocupam as posições de quem concluiu somente o nível fundamental; e as de nível fundamental ocupam os lugares de quem não tem escolaridade alguma.

Considerado isso, é fácil entender por que a taxa de desemprego é tão alta entre os jovens, e por que são estes os principais emergentes na chamada camada de baixa renda. Enquanto pessoas mais velhas vão adquirindo experiência e aos poucos vão conseguindo ter uma remuneração melhor, os jovens, principalmente aqueles que não tiveram oportunidade ou que se desiludiram com a péssima qualidade de ensino e a monotonia da sala de aula, sofrem com leis trabalhistas e taxas tributárias abusivas que os obrigam, mesmo sem experiência ou pouquíssima escolaridade, a justificar um salário mínimo de R$622, que como demonstrado acaba custando no total cerca de R$1.256 ao empregador. Logo o jovem tem que justificar um custo de R$1.256, através de uma produtividade que por vezes ainda não atingiu.

Quais são, então, as alternativas para conseguir trabalhar que restam aos jovens mais desprivilegiados que abandonaram cedo os estudos? Caso estes simplesmente não tenham desistido da vida honesta, pode-se optar pelo trabalho informal, mas este é ilegal e infelizmente de acordo com a lei estariam incorrendo em uma atividade desprovida de virtudes. A outra opção seria trabalhar ainda quando criança sob a assistência ou supervisão dos pais, porém essa opção está descartada, o trabalho infantil está impreterivelmente condenado à proibição ao mesmo tempo em que profissões que não raro eram transmitidas de pai pra filho, como a de carpinteiro e mestre-de-obras, vão se tornando cada vez mais escassas. Existe ainda uma terceira opção bastante similar a anterior, que seria um ensino conferido pelos próprios pais dentro do ambiente domiciliar, porém esta também sofre de várias complicações legais que podem levar a consequências nada desejáveis.

O cenário é desolador e parece relegar ao jovem de baixa escolaridade duas opções: ir contra a lei de alguma das formas citadas ou ficar desempregado. Fica, então, visivelmente compreensível a atual preocupação que se é dada ao acesso à educação que indubitavelmente não é a mesma para população de baixa renda. O que falta, porém, em meio a todo esse clamor justificável à educação, é a parcimônia e clareza de enxergar que uma reforma da infraestrutura das escolas públicas, melhoria de salários do corpo docente e o aumento do nível de dificuldade das provas aplicadas nessas escolas não sejam os únicos fatores a influenciar na qualidade do ensino e na escolha da criança ou do jovem de continuar investindo seu tempo em educação. A questão da educação é importantíssima, porém não deve ser vista como a medida suficiente para resolver todos os problemas.

É preciso ver que existem, sim, medidas de curto prazo eficientes a serem adotadas e duas delas, sem dúvida alguma, são a redução ou extinção da carga tributária aplicada ao trabalhador/empregador e uma reforma trabalhista que garanta maior flexibilidade na consecução de contratos, extinguindo direitos/obrigações trabalhistas que desfavoreçam às partes interessadas, como a lei do salário mínimo, por exemplo, que, como várias vezes demonstrado ao longo desse artigo, desfavorece principalmente àqueles que sofrem de uma condição econômica inferior, contribuindo ainda para desigualdade de renda e impedindo a emergência e treinamento de uma mão-de-obra inexperiente ao mercado de trabalho.


Johel Rodrigues é aluno do 5º ano de Engenharia de Fortificação e Construção do Instituto Militar de Engenharia.

A UNIVERSIDADE, A VERDADE E A EDUCAÇÃO LIBERAL



Quid est veritas?


Essa pergunta retórica, eternizada pelo pusilânime Pôncio Pilatos de modo quase irônico, resume de maneira bastante eloqüente a essência do espírito da universidade hoje em dia. Dentro do ambiente acadêmico, o simples desejo de dar a conhecer que se acredita em uma verdade de fato, sólida e atemporal, dá ensejo a reações negativas as mais diversas, que vão do enxovalho à perseguição. Em todo o mundo, um único mantra parece ecoar em praticamente todas as universidades renomadas, até mesmo nas mais tradicionais: a verdade é relativa, não passa de um constructo arbitrário cujo único critério de validade é o subjetivismo. Assim sendo, não há absolutamente nada que deve ser conhecido por si mesmo, que possui um valor intrínseco e que, assim, conduza o homem a um fim mais elevado: o valor do conhecimento é medido em virtude de sua utilidade, de sua possibilidade de instrumentalização visando a atingir determinados fins materiais específicos, sejam eles aumentar a produtividade, proteger o meio-ambiente ou promover a afamada justiça social.

Todavia, não é para isso que surgiu a universidade. John Henry Newman, grande cardeal e intelectual inglês do século XIX, foi um dos grandes defensores da ideia original de universidade. Para Newman,
   há um fim humano, um fim não instrumental, para a educação superior – um fim cujo valor reside em si mesmo. Para Newman, o objetivo de uma educação universitária é sempre a “ampliação da mente”, ou “iluminação”, ou “filosofia”. No entanto, ele não se satisfaz com nenhum desses termos. Ao contrário, ele evoca um termo que pode ser aplicado à mente da mesma forma que “saúde” é aplicada ao corpo. [...] Desejamos saúde em virtude do que um corpo saudável nos permite fazer, mas também por si mesma; e o mesmo também ocorre com uma mente “ampliada” ou “iluminada”. E, assim como a saúde do corpo é alcançada quando se exercitam todas as suas partes, Newman defende que a saúde do intelecto é alcançada através da educação mais aberta possível. (HENRIE , 2000. Tradução livre. Grifos do original.)
Em sua obra “The Idea of a University”, Newman aponta (tradução livre):

Nosso desiderato não são os modos e hábitos dos cavalheiros [...] mas a força, a firmeza, a compreensão e a versatilidade do intelecto, o comando sobre nossos próprios poderes, a justa estimativa instintiva das coisas quando passam ante nós, o que é um dom natural, mas que comumente não é adquirida sem grande esforço e o exercício dos anos. [...]

Quando o intelecto for apropriadamente treinado e formado para possuir uma visão ou compreensão conexa das coisas, demonstrará seus poderes com maior ou menor efeito de acordo com sua qualidade ou capacidade particular no indivíduo. No caso de muitos homens, far-se-á se sentir no bom-senso, no pensamento sóbrio, na razoabilidade, na candura, no autocontrole e na firmeza de visão, que os caracteriza. Em alguns, terá desenvolvido hábitos de negócios, poder de influenciar os outros e sagacidade. Em outros, haverá de elicitar o talento para a especulação filosófica e conduzir a mente à eminência deste ou daquele departamento intelectual. Em todos, será a faculdade de entrar com relativa facilidade em qualquer matéria do pensamento e assumir com habilidade qualquer ciência ou profissão.

Quando comparamos essas palavras de Newman com a realidade do mundo acadêmico, não apenas sentimos, mas vemos que algo se perdeu no meio do caminho – algo valioso, verdadeiramente imprescindível, que vivifica a vida intelectual de uma forma completamente alheia à estéril concepção utilitarista de hoje.

Se a universidade de hoje é apenas uma sombra distorcida da universidade original, como empreender a busca pela verdade? James Vincent Schall, S. J., professor de Filosofia Política da Georgetown University, aborda essa questão da seguinte forma (tradução livre, grifos do original):
O que pode ser essa outra forma de aprendizado? A primeira coisa a lembrar é que a maioria das grandes mudanças, dos grandes encontros com a verdade, com o que é bom, começa em lugares tranquilos e insignificantes. Frequentemente, começos pequenos surgem como que por acaso, ainda que mesmo os acasos sejam subsumidos em nossa vocação. Assim, o que nos faz acordar pode ser o que Aristóteles chamou de “admiração”, uma curiosidade sobre o que algo significa ou é. Pode ser um amor, uma consciência de que não estamos completos por nós mesmos. Mesmo nosso conhecimento começa não em conhecendo nos mesmos, mas conhecendo algo não somos nós, alguma outra coisa que seja.

Mais adiante, Schall esclarece:

O aprendizado descrito aqui é chamado de “liberal”, ou seja, libertador. Dá muito trabalho ser livre. Mesmo assim, precisamos de algum caminho para nos tornarmos o que somos. Ninguém pode fazê-lo por nós, mas também não podemos fazê-los simplesmente por nossa conta. Precisamos de guias para encontrar guias. Algo que Aristóteles falou certa vez deve ser reiterado aqui: muitas pessoas que não conhecem livros são, literalmente, muito sábias, às vezes mais sábias do que os ditos educados. Talvez seja o caso de nosso avô ou de algum operário ou camponês comum. Devemos conhecer e respeitar as experiências das pessoas comuns. Onde quer que haja uma mente e uma realidade, alguém pode encontrar a verdade. De modo algum isso apequena nossa vontade de conhecê-la de modo mais completo e buscar a orientação de bons livros, bons professores, bons pais, boas bibliotecas e bons amigos.

Para se buscar a verdade, não é necessário abdicar da formação acadêmica e se tornar uma espécie de intelectual recluso que vive, à sua maneira peculiar, uma vida monástica de contemplação das coisas mais elevadas da Criação. Antonin-Dalmace Sertillanges, em “A Vida Intelectual”, defendia que a aplicação disciplinada do intelecto por duas horas ao dia, já considerando todas as atividades pré-existentes no dia, já seria suficiente para cultivar o raciocínio e a capacidade contemplativa necessária a uma vida intelectual.


Evidentemente que isso não é algo que se obtém em curto prazo. Fomentar uma vida intelectual e conhecer a verdade por si mesma é mais do que um empreendimento com duração determinada: é um compromisso para a vida inteira. Isso requer um sentimento verdadeiro de amor à verdade, um desejo sincero de conhecer as coisas como elas são, não baseado na crença de que, assim, poder-se-á haurir benefícios especiais ou facilidades, mas baseado na sólida crença de que esse é o propósito e o fim último da vida do homem sobre a terra: conhecer a verdade.

Para aqueles que estão interessados em iniciar essa busca, recomendo a leitura de “A Student’s Guide to Liberal Learning”, de James V. Schall, S. J., disponível gratuitamente e na íntegra no site do projeto College Guide – uma iniciativa do Intercollegiate Studies Institute. É um ensaio fabuloso que pode ajudar muito a preparar-se de maneira adequada para empreender essa longa e grandiosa jornada rumo à verdade.

Felipe Melo

DIREITOS DEMAIS, DEVERES DE MENOS


Os argumentos por trás da paralisação dos servidores públicos – que estão protagonizando uma temporada de greve que ninguém sabe onde vai parar – são a prova de que, no Brasil, as pessoas se preocupam demais com seus direitos e de menos com seus deveres.

Para os líderes do movimento, os quase 16% de aumento propostos pelo governo não atendem às reivindicações da categoria – ainda mais porque o governo não apresentou, com a proposta financeira, o tal plano de carreira que faz parte das exigências dos grevistas.

Bem, para começo de conversa, convém lembrar que o funcionalismo público, no Brasil, tem regalias com as quais os empregados da iniciativa privada nem sequer sonham.

Somente aqueles que cometem uma besteira sem tamanho correm o risco de ser demitidos. Além disso, todos se aposentam com o mesmo salário e os mesmos benefícios da ativa.

Tudo isso é mais do que sabido, assim como também é sabido que, ao prestar o concurso público que lhes abre as portas para a carreira, o servidor concorda com os termos oferecidos pelo empregador – e a nenhum deles foi prometido o plano de cargos e salários.

É comum, ainda, que o candidato preste uma prova para um cargo de menor exigência e, uma vez lá dentro, tente se transferir para uma carreira mais bem remunerada ou com um grau de exigência e de qualificação maiores do que as daquela da qual concordou em participar.


Além disso, é obrigatório reconhecer a existência de milhares de funcionários públicos bem preparados e competentes.Em todo lugar do mundo, o funcionalismo público existe para prestar serviço ao público. Todos os cargos do organograma federal (assim como o dos estados e municípios) são necessários para o bem-estar da população.

O problema é que o respeito com o público, pelo menos no que se refere aos “líderes” do movimento grevista, passa longe das preocupações.

Para muitos, o fato de se julgarem merecedores de um salário superior ao que lhes foi prometido no ato do concurso público que prestaram é justificativa suficiente para deixarem pessoas sem atendimento nas filas dos hospitais ou para fazer vistas grossas às irregularidades que acontecem sob seu nariz (conforme fizeram os policiais rodoviários de Foz de Iguaçu, que prometeram deixar as estradas livres para os traficantes de drogas e contrabandistas de armas).

Os governos do Brasil em geral e o atual em particular têm revelado extrema inabilidade na hora de negociar com os servidores.

Parece que, por razões que começam no fato de muitos dos grevistas serem vistos como “companheiros” dos mais graduados, o governo tem pudores em tratar os grevistas conforme prevê a lei.

Todas as ações que contemplam alguma punição aos grevistas, quando são tomadas (o que é raríssimo), parecem envergonhadas. Desse jeito, o problema nunca terá solução, e a greve só terminará quando os funcionários perderem o interesse em levá-la adiante. E o público que se dane. Por: Ricardo Galuppo

Fonte: Brasil Econômico, 28/08/2012

UMA CARTA, TALVEZ UMA DECISÃO


Recebi ontem uma carta assinada pelo meu amigo, o famoso embora aposentado brasilianista, Richard Moneygrand.

Diz a missiva:

Caro DaMatta,

Aproveito o julgamento do mensalão para manifestar o que penso como estudioso e apaixonado pelo Brasil. Sendo um marginal relativamente ao universo brasileiro, enxergo com mais clareza aquilo que vocês apenas veem. E ver, como dizia o nosso velho professor Talcott Parsons, é ter uma angulação especial.

Daqui do velho Norte, onde tudo se faz ao contrário - estou, imagine, com o meu ar-condicionado ligado ao máximo e não sei se o meu fundo de pensão (estourado na infame bolha financeira descontrolada por Bush e seus asseclas) vai segurar a conta - quero, data vênia, e com o devido respeito, dar minha pobre opinião.

Primeiro, uma consideração sobre a organização do vosso STF. Ele aposenta seus ministros após 70 anos, o que dissocia, de modo negativo, a pessoa do papel numa área onde isso não deveria ocorrer. Numa democracia igualitária cuja tendência é a anarquia organizada, como dizia Clifford Geertz, os juízes são como os antigos sacerdotes: o seu papel de julgadores do mundo não podem ser limitados pelo tempo. Eles têm de ser juízes para a vida e por toda a vida. O papel não pode ser esquecido e deve ser um fiel e simultaneamente uma faca permanente na cabeça de quem o indicou e do comité legislativo que aprovou o seu nome. A vitaliciedade tira do cargo essa bobagem brasileira de uma aposentadoria compulsória aos 70 anos o que, num mundo de idosos capazes faz com que o presidente pense muitas vezes antes de indicar um indivíduo para esse cargo. Aquilo que é vitalício e só pode ser abandonado pela renúncia simboliza justamente a carga do cargo. Tal dimensão - a vitaliciedade - é mais coercitiva do que a filiação a um partido ou a crença numa religião. É exatamente isso que, no caso americano, faz com que ser um membro da Suprema Corte seja algo tão sério ou sagrado, tal como ocorre com o papado ou a realeza.

Vejam como vocês são curiosos. No campo político, os personagens e partidos menos democráticos lutam e tudo fazem para obter a vitaliciedade no cargo - não é isso que está em jogo neste caso? Daí as vossas ditaduras. Mas quando essa vida com e para o cargo é positiva, vocês o limitam. O resultado são juízes cujas decisões podem ser parciais e um tribunal sempre desfalcado, a menos que vocês decidam nomear juvenis para um cargo tão pesado quanto uma vida.

Um outro ponto para o qual desejo chamar atenção, pedindo desculpas se promovo em você alguma antipatia porque, afinal de contas, eu não sou brasileiro e, para vocês, até bater em filho e mulher é coisa que ninguém deve meter a colher - ou seja, só cabe a família; é dizer que, aqui, os julgamentos e os processos criminais começam enormes e acabam pequenos. O que se deseja de um juiz não é uma aula de Direito, mas uma decisão clara, reta e curta. Culpado ou inocente. Se inocente, rua e vida. Se culpado, as penas da lei e cadeia.

Ora, o que vemos neste vosso julgamento é uma novela. Na minha fértil imaginação, desenvolvi uma teoria e passei a entender por que vocês não sabem fazer cinema ou o fazem tão mal ou tão raramente produzem um cinema de primeira qualidade. Desculpe meu intrusivo palpite, mas eu penso que uma justiça democrática é como um filme - depois de hora e meia, a narrativa invariavelmente termina. Mas a justiça nesse vosso país patrimonialista e democrático é como uma novela: o caso demora décadas para entrar em julgamento e, quando entra em cena, sofre um atraso de uma gestação para ser resolvido. Na vossa etiqueta jurídica que, como dizia meus mestres de Direito, reproduz as vossas retóricas sociais, é impossível não ter uma divisão do trabalho barroco com relatores e revisores e, assim com réplicas, tréplicas, e votos repetitivos, como se o mundo tivesse o mesmo tempo de um Fórum Romano da época do nobre imperador Augusto.

Finalmente, e como último ponto, quero dizer algo sobre a opinião pública, claramente desconsiderada como inoportuna por um dos vossos juízes supremos, o dr. Lewandowski. É óbvio que nada, a não ser a consciência e o saber, devem pautar os juízes. Mas ele não julga para marcianos ou para o paraíso. Ele julga para o mundo e, num universo democrático, a opinião pública representa o poder da totalidade. Uma espécie de termômetro de tudo o que passa pela sociedade. Embora essa opinião apareça na mídia, ela é isso mesmo: um meio complexo e difuso, sem dono e com todos os donos, pelo qual os limites e os abusos se exprimem. Como disse, ninguém, muito menos um juiz do Supremo deve ser pautado por ela, mas mesmo assim, ela vai segui-lo, pautá-lo e, se for o caso, dele cobrar o que ela achar que ele deve à sociedade. Caso o sistema tenha como algo democrático. O juiz deve ser soberano, mas a opinião pública também tem sua soberania porque, como ensina o Tocqueville que vocês não leram, numa democracia ela conta muito mais do que nas aristocracias porque ela existe antes da política e vai além dela. Nas democracias, mesmo os que não sabem se igualam aos que sabem; e, pela mesma ousadia, os não ricos se igualam aos ricos e é por causa disso que a igualdade aparece quando ela é desejada. Penso que esse é o caso do Brasil que vocês vivem neste momento.

Porque o que está em julgamento neste mensalão não é apenas um ponto de vista político no sentido trivial da palavra, mas o valor da crença da igualdade perante a lei. O que está em jogo é a questão de fazer política e de exercer o poder com responsabilidade e transparência. No fundo, disputa-se o resgate de fazer política partidária com dignidade.

Receba o meu abraço e boa sorte para o vosso Brasil,

Dick

Por: Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo

terça-feira, 28 de agosto de 2012

USA E AMÉRICA LATINA


Estados Unidos: eleições presidenciais, América Latina e Cuba

O exemplo mais desastroso da aposta obamista em prol dos pseudo “moderados” foi o apoio de Obama ao então presidente Lula, do Brasil, a quem chegou a elogiar como um modelo de aliado confiável.

1. As eleições presidenciais nos Estados Unidos, que se realizarão no próximo 06 de novembro, despertam natural interesse na América Latina e especialmente no Caribe, na ilha-cárcere de Cuba, no que diz respeito à política externa do próximo governo. Pela gravitação natural que os Estados Unidos continuam tendo nas Américas, o futuro político da América Latina em boa medida depende dos resultados das próximas eleições presidenciais norte-americanas.

2. Nesse sentido, o panorama é preocupante. A impressão que se tem da política do presidente Obama para com a América Latina é a de que o governo norte-americano navegou à deriva em todos esses anos, sem rumo definido, sem bússola, se deixando levar às vezes pelas correntes de superfície e, outras vezes, pelas correntes subterrâneas que continuam movendo-se no continente, em um sentido desagregador e esquerdizante.

3. O populismo chavista se expandiu quase sem obstáculos por vários países da região, alentando abertamente o anti-norte-americanismo, e o presidente norte-americano o máximo que fez para se opor diplomaticamente foi adular os mandatários esquerdistas “moderados”, apresentando-os como uma alternativa aos “radicais”. O exemplo mais protuberante e mais desastroso dessa aposta obamista em prol dos “moderados úteis” foi o apoio de Obama ao então presidente Lula, do Brasil, a quem chegou a elogiar em foros continentais como um modelo de mandatário sério e de aliado confiável.

4. Na realidade, o “moderado” presidente Lula não fez outra coisa senão fazer um trabalho de sapa contra os Estados Unidos e desalentar na América Latina as reações que surgiram contra o chavismo e o castrismo. Com isso, com a aprovação de Obama, Lula, assumindo o papel de pseudo “moderado”, dedicou-se a pavimentar o caminho aos “radicais” anti-norte-americanos. Sua sucessora no cargo, a também “moderada” presidente Dilma, no que diz respeito à Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e, mais recentemente, no que há em relação ao Paraguai, não fez senão continuar essa lamentável política externa lulista. O governo Obama, então, simplesmente deixou o campo livre para neo-imperialismos de péssima orientação em política externa, que se delinearam na região.

5. Porém, é preciso dizer que o desastre da política norte-americana para com a América Latina e o Caribe não foi um triste privilégio do governo Obama. A falta de rumos e de visão política dos sucessivos governos norte-americanos com relação à nossa região parece ser crônica, e essa espécie de estrabismo afetou tanto a democratas quanto a republicanos. Por esse motivo, não temos a priori nenhuma ilusão com o que o candidato presidencial republicano possa fazer de positivo com relação à América Latina. É preciso verificar, nas próximas semanas, quais serão as propostas que esse candidato republicano poderá apresentar para a região. Fazemos votos para que essas eventuais propostas sejam sólidas, inteligentes e praticáveis, porém, como foi dito, sem ilusões.

6. Na América Latina existem influentes correntes de centro e de direita partidárias da liberdade, do sistema de propriedade privada e da instituição da família. Essas correntes estão representadas nos mais variados setores da vida de seus respectivos países, sejam políticos, econômicos, educacionais, jornalísticos, institucionais, etc. Nada seria mais fácil para um candidato presidencial norte-americano do que elaborar um plano de ação que tivesse como um objetivo primordial estabelecer pontes culturais e diplomáticas com essas correntes de centro e direita latino-americanas, que são naturais aliadas de correntes similares existentes hoje, com notória pujança, nos Estados Unidos. Por que até o momento praticamente nenhum governo norte-americano adotou medidas tão simples como essas, que redundariam, mesmo que indiretamente, em um freio aos “radicais” castro-chavistas do continente e em uma merecida desmoralização de seus mais eficazes aliados, os “moderados úteis”?

7. Essa omissão governamental norte-americana para com a América Latina constitui um incógnita. E qual é o modesto objetivo, ao levantar esses assuntos, e lançar algumas respeitosas sugestões na linha da aproximação do melhor e mais saudável das forças vivas dos Estados Unidos e América Latina? Nosso modesto objetivo é simplesmente o de contribuir a preparar as condições para que no final se concretize a aspiração de estabelecer essas pontes culturais entre setores de centro e direita dos Estados Unidos e da América Latina, que poderão afastar decisivamente os países da região do prejudicial eixo de gravidade esquerdista que predomina atualmente.

Destaque Internacional - Ano XIV - nº 363 - 27 de agosto de 2012. Editorial interativo. O presente texto pode ser difundido livremente, inclusive sem citar a fonte.

Tradução: Graça Salgueiro

LULA, QUEM DIRIA?


O falastrão que trata a língua portuguesa a pontapés já consegue mentir em inglês

Lula, quem diria?, já consegue mentir em inglês, informou neste domingo The New York Times. Entrevistado pelo jornal americano, o ex-presidente que trata a língua portuguesa a pontapés proclamou a inexistência do “big monthly allowance”. É assim que deverá identificar-se na alfândega, caso resolva baixar em Manhattan, nosso brasileiríssimo mensalão, marca fantasia da imensa roubalheira descoberta em 2005.


O falastrão que não desencarnou da Presidência decerto se acha muito esperto. Na hipótese mais branda, deve achar muito ingênuos os ministros do Supremo Tribunal Federal que desde 2 de agosto perdem tempo com um escândalo que não houve. E também acha que todos os leitores do mundo são perfeitas cavalgaduras. Brasileiros ou gringos, engolem qualquer mágica de picadeiro.

A entrevista deste domingo se junta ao acervo de declarações contraditórias, confusas ou sem pé nem cabeça que, somadas, escancaram um culpado à caça do álibi impossível. O vídeo abaixo, por exemplo, alterna palavrórios despejados pelo então presidente Lula em 12 e 22 de novembro de 2009. Dez dias depois de garantir ─ de novo ─ que a ladroagem apadrinhada pelo Planalto foi “uma tentativa de golpe contra o governo” federal, a metamorfose delirante admitiu ─ mais uma vez ─ que o PT “cometeu um erro”. O mensalão, portanto, existiu mas não existiu. Pode ser isso e pode ser aquilo. Ou pode não ser nada.

Haja cinismo. Por: Augusto Nunes


PAÍS ALGEMADO


Em dias passados, a imprensa noticiou que a senhora presidente estava decidida a imprimir nova orientação ao seu governo no que concerne aos setores rodoviário e ferroviário, com a participação da iniciativa privada, mediante concessão de serviço público e parcerias público-privadas. A notícia pouco esclarece a respeito, mas, ao que parece, o estatismo implantado entre nós sofreria discreta limitação, talvez para sentir as reações, tanto mais quando governos anteriores sofreram objurgatórias por privatizações praticadas.

Confesso que não morro de amores por essa orientação, menos por motivos de ordem doutrinária, do que pelo fato desta modalidade aumentar desmesuradamente a já imensa irresponsabilidade do Poder Executivo, que se desdobra em dezenas, centenas e milhares de postos, cargos e agentes e em outros tantos se esgalharia; mas não é só, esses serviços custam caro e o serviço prestado não é bom; de modo que, salvo em casos em que o interesse é prevalente, em princípio, parece ser preferível deixá-lo fora da máquina estatal, o que não significa permanecer livre de fiscalização pública; se a fiscalização não for capaz de fiscalizar da maneira adequada o serviço concedido ou a parceria público-privada (que até agora não foi dito como), pior seria inserir esse segmento na intocável máquina estatal, quando já se disse que, entre nós, o preço dos serviços é sueco enquanto seus resultados são africanos. Enfim, não me parece razoável se dê o caráter do serviço público ao que não presta serviços bons, onera o erário e ainda desacredita o serviço público necessário.


Diante de tudo isso, e para não dizer que não falei de flores, confesso simpatia pela ideia, aliás, apenas esboçada, pois o que for feito para remover os esqueletos da nossa infraestrutura e substituí-los por coisa que valha, merece estímulo, ainda que desvalioso.Em outras palavras, é imprescindível a extinção desses elefantes brancos soterrados e bem soterrados pela comodidade das omissões, pois se a omissão é o pecado que se faz não fazendo, como disse o Padre Vieira, basta esquecê-las; com o tempo e a repetição tornam-se inamovíveis. Ora, recorrendo ao expediente alvitrado, o governo poderá tirar o Estado do pântano que dificilmente poderia ressecar mesmo que usando os meios orçamentários, considerando de um lado, a possível descontinuidade administrativa, de outro já a excessiva carga tributária, que desaconselha, senão impede seu agravamento.

Com efeito, estou convencido de que não é aceitável deixar problemas dessa dimensão para as calendas gregas, permanecendo o país atolado em tremedais imensos. A propósito tenho diante dos olhos extensa notícia, segundo a qual, para possuir infraestrutura na medida de suas necessidades, teria que investir R$ 2,5 trilhões nos próximos 25 anos, aumentando o nível de investimentos no setor de 2% para 4%. De outro lado, li e vi que rondando o porto de Santos havia 150 navios para embarcar e desembarcar bens vários. A simples espera importa em dano considerável que o país sofre interna e externamente. Dessa forma, não há meio de fazer competitivo o país. Está algemado. É hora de soltá-lo. Por: Paulo Brossard

Fonte: Zero Hora, 27/08/2012

A CHINA NO LIMIAR DE UMA RECESSÃO INDUSTRIAL


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Uma forte recessão vem castigando a Europa e os EUA há anos. Para piorar, tudo indica que a China entrou no radar. O setor industrial chinês, que abrange uma substancial fatia da economia chinesa — uma fatia muito maior do que a de todas as economias desenvolvidas (85% da economia americana, por exemplo, é formada pelo setor de serviços) — vem apresentando inequívocos sinais de estagnação.

Produtos estão se amontoando nos portos. Os estoques não param de crescer. Os consumidores reduziram o apetite. É o que relata o The New York Times.



Após três décadas de crescimento vertiginoso, a China está se deparando com um problema até então inédito em sua recém-enfraquecida economia: um acúmulo imenso de bens não vendidos que está abarrotando lojas, entupindo concessionárias de automóveis e enchendo os depósitos das fábricas.

O excesso de tudo, desde aço e utensílios domésticos até carros e apartamentos, está atrapalhando os esforços da China para sair de uma desaceleração econômica acentuada. Também está produzindo uma série de guerras de preços e tem levado os fabricantes a redobrarem os esforços para exportar o que não conseguem vender no país.

A seriedade do excesso de estoques na China tem sido mascarada cuidadosamente pela manipulação dos dados econômicos por parte do governo chinês — tudo parte de um esforço para estimular a confiança na economia entre os empresários e os investidores.

A principal pesquisa feita por agências não governamentais afirma que os estoques estão crescendo a um ritmo nunca visto desde que a pesquisa passou a ser realizada, em abril de 2004. Esta aceleração no crescimento dos estoques vem ocorrendo desde maio. As vendas estão em queda.

"Por todo o setor manufatureiro que pesquisamos, as pessoas esperavam mais vendas durante o verão (no hemisfério Norte) e elas não aconteceram", disse Anne Stevenson-Yang, diretora de pesquisa da J Capital Research, uma empresa de análise econômica em Hong Kong. Com os estoques extremamente altos e as fábricas agora cortando a produção, ela acrescentou, "as coisas estão meio que parando".

A reação dos fabricantes tem sido racional: cortar preços. Tentar reduzir ao máximo os estoques. Mas isso não está acontecendo a um ritmo rápido o bastante.

Tudo está se estagnando: exportações, importações, emprego, demanda por matérias-primas. Até mesmo o setor imobiliário começou a vivenciar uma queda de preços. 

A China é a segunda maior economia do mundo e tem sido o maior motor de crescimento econômico desde o início da crise financeira global em 2008. A fraqueza econômica significa que a China provavelmente comprará menos bens e serviços do exterior em um momento em que a crise da dívida soberana na Europa já está prejudicando a demanda, aumentando a perspectiva de excedente global de bens, queda de preços e fraca produção por todo o mundo.

O crescimento das exportações chinesas, um esteio da economia nas últimas três décadas, desacelerou até quase parar. As importações também pararam de crescer, em particular para matérias-primas como minério de ferro para a produção de aço, enquanto os industriais perdem a confiança de que conseguirão vender se mantiverem suas fábricas funcionando. Os preços dos imóveis caíram acentuadamente, apesar de haver indícios de que chegaram ao ponto mais baixo em julho, e o dinheiro tem deixado o país por vários canais legais e ilegais.

Algumas empresas estão relatando declínios de 30 a 50% em suas vendas. Isso não é nada insignificante. Várias empresas estão falindo.

Os donos de empresas que produzem ou distribuem produtos tão diversos quanto desumidificadores, tubos plásticos para sistemas de ventilação, painéis solares, roupa de cama e vigas de aço para teto falso, disseram que as vendas caíram ao longo do último ano e exibem pouco sinal de recuperação, enquanto os bens não vendidos acumulam.

"As vendas caíram 50% em relação ao ano passado e o estoque está elevado", disse To Liangjian, proprietário de uma empresa atacadista que distribui molduras de foto e xícaras.

Alguns empreendedores parecem não entender a mensagem. Um gerente de uma empresa atacadista de pias e torneiras disse que suas vendas caíram 30% no ano passado e que tem acumulado mercadoria excedente, mas seu fornecedor continua produzindo em ritmo acelerado e aumentando seus estoques. "O estoque do meu fornecedor é imenso porque ele não pode reduzir a produção — ele não quer perder vendas quando a demanda voltar". Este fornecedor está brincando com a sorte. A menos que a economia se recupere rapidamente, ele vai ficar sem dinheiro.

Os estoques de automóveis não vendidos estão inchando nas concessionárias por todo o país. Problemas de qualidade estão surgindo. E os problemas da indústria chinesa mostram todos os sinais de estarem piorando, não melhorando. Foram abertas tantas fábricas de automóveis na China nos últimos dois anos que o setor está operando a apenas cerca de 65% de sua capacidade — bem abaixo dos 80% geralmente necessários para lucratividade.

Mas tantas novas fábricas estão sendo construídas que, segundo a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma chinesa, a capacidade manufatureira do setor automotivo do país está a caminho de voltar novamente a crescer, nos próximos três anos, em uma quantidade igual a todas as fábricas de automóveis do Japão, ou quase todas as fábricas de automóveis nos Estados Unidos.

Os níveis dos estoques estão subindo rapidamente.

Os fabricantes, em grande medida, têm se recusado a reduzir a produção e estão pressionando as concessionárias a aceitarem a entrega de automóveis segundo seus acordos de franquia, apesar de muitas concessionárias estarem com dificuldades para encontrar lugares para estacioná-los em seus pátios abarrotados ou para encontrar formas de financiar seus estoques crescentes.

Qual foi a reação do governo? Suspender a divulgação de dados sobre a queda no licenciamento de automóveis.

Minha avaliação: os exportadores chineses começarão a reduzir seus preços para aliviar seus estoques. Tal prática irá se tornar cada vez mais agressiva. Países que têm livre comércio com a China podem se beneficiar disso em termos de inflação de preços. Itens fabricados na China, como vestuário, podem ficar mais baratos. As indústrias destes países terão ainda mais dificuldades para concorrer com a China. Mas o setor varejista irá se beneficiar. Os consumidores irão se beneficiar. Este fenômeno chinês irá ajudar a manter os índices de inflação de preços mundiais marginalmente menores do que seriam em outros contextos.

A recessão global tende a piorar nos próximos meses. A concorrência de preços praticada pela China irá ajudar os consumidores a navegar por essa recessão. Mas essa concorrência irá afetar uma pequena parcela do setor industrial da maioria dos países ocidentais. Os efeitos sobre a maioria dos trabalhadores do setor industrial será periférico.

Aqueles investidores mais prescientes que ficaram vendidos na China irão ganhar muito dinheiro.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. 

QUEM DEVE ARCAR COM OS CUSTOS DA CRISE?


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Nos últimos meses, à medida que foi se tornando mais evidente que a crise empobreceu a todos, especialmente na Europa, os agentes econômicos começaram a adotar a inteligente estratégia de tentar colocar o ônus de suas irreparáveis perdas sobre os ombros de seus conterrâneos: os trabalhadores não querem ter seus salários reduzidos, os maus empresários se negam a liquidar suas empresas insolventes, os investidores não aceitam perder o capital que empregaram de forma economicamente insustentável, os recebedores de subsídios e de auxílios estatais se opõem a tê-los cortados etc. Em suma, ninguém quer ver sua qualidade de vida ser solapada, e todos optam por transferir os custos da crise para o resto de seus concidadãos.

Com o intuito de justificar este comportamento egoísta, muitas pessoas estão recorrendo a um argumento aparentemente plausível: "Eu não sou o culpado pela crise. Portanto, não tenho por que pagar por ela." Ou, dito de outro modo, aqueles que são os reais culpados pela crise é que deveriam arcar com a totalidade — ou, ao menos, com a maior parte — de seus custos. Quem poderia se opor a este argumento? Será que pode haver alguém tão desalmado ao ponto de defender que os culpados pela crise não têm de pagar nada por ela?

E, como é óbvio, a partir deste ponto surgem as mais variadas explicações sobre quem são os culpados (que fique claro que não estamos falando de uma culpabilidade penal, mas sim de uma meramente econômica). Cada um, segundo sua cartilha e sua agenda ideológica, tenta puxar a brasa para a sua sardinha com o intuito de defender uma determinada linha de atuação política. Por exemplo, é comum ouvir que a crise foi causada pelos ricos e não pelos pobres; pelos capitalistas, e não pelos trabalhadores; pelos banqueiros, e não pelos devedores; pelos maus políticos, e não pelos bons; pela dívida privada, e não pela pública; pelo gasto privado, e não pelo público; ou pelas políticas 'neoliberais', e não pelas socialistas. Assim, chega-se à inevitável conclusão de que nem os pobres, nem os trabalhadores, nem os devedores, nem os 'bons' políticos e nem o setor público devem sofrer questionamento algum, e que a fatura deve ser paga unicamente pelos responsáveis pelo desastre — a saber, os ricos, os capitalistas, os banqueiros, os maus políticos e as empresas.

Mas, afinal, seriam estes realmente os culpados? Seria possível, dentre todos os que contribuíram para causar a crise, fazer uma separação clara entre os genuinamente inocentes e os que merecem receber objetivamente uma reprovação moral? 

Por exemplo: o empresário da construção civil que se endividou para construir mais moradias porque pensava que os preços ainda subiriam por um bom tempo, ou o gerente de banco que jamais previu o estouro da bolha e decidiu continuar ofertando hipotecas baratas — eles são culpados? Se sim, seriam também culpados os trabalhadores mais pobres que, levados pela crença de que os juros permaneceriam baixos e que jamais perderiam seu emprego, se endividaram sobremaneira tomando empréstimos para a aquisição de imóveis? Seria também culpado aquele aposentado que avalizou a hipoteca do seu neto ou que manteve seu dinheiro depositado em um sistema bancário que, como o espanhol e o americano, estava realizando empréstimos ruins de maneira generalizada? Seria também culpado o autônomo não endividado cujos lucros dependiam da renda artificial gerada pelo processo de endividamento geral e que, com a recessão, descobriu-se sem um mercado consumidor para o qual vender seus bens e serviços?

Uma resposta muito comum afirma que, embora todos estes tenham contribuído para causar a crise, não se pode reprovar moralmente a todos da mesma maneira. Afinal, do empresário e do gerente de banco são exigidos determinados conhecimentos específicos e uma determinada formação acadêmica que não necessariamente devem ser exigidos nem do trabalhador mais pobre, nem do aposentado e nem do autônomo. No entanto, faz realmente algum sentido exigir de um empresário ou de um gerente de banco alguns conhecimentos muito avançados sobre questões de macroeconomia e de conjuntura econômica em torno das quais nem sequer existe consenso entre os melhores economistas do planeta, e cujo conteúdo está em constante evolução? Ambos são homens práticos certamente afastados do mundo acadêmico, sem conhecimentos teóricos profundos. Ou, fazendo-se uma abordagem por outro prisma, não seria mais justo e coerente partir do outro extremo e argumentar que todos os cidadãos deveriam ter algumas noções mínimas de finanças, as quais lhes permitiriam não cair na tentação do endividamento barato ou dos investimentos insensatos?

A questão não é dizer que não podemos ter uma opinião formada e justificada sobre quem deve ser culpado pela irrupção desta ou de qualquer outra crise (eu tenho a minha: os culpados são os bancos centrais monopolistas e suas expansões monetárias, que aditivam a expansão do crédito bancário). A questão é que não é possível separar com objetividade quem, de um lado, contribuiu de alguma maneira para causar a crise e quem, de outro, teve um comportamento moralmente reprovável.

A virtude de um mercado desimpedido livre de interferências políticas é que ele faz com que a maior parte dos prejuízos provocados por uma crise recaiam justamente sobre aqueles que mais contribuíram para gerá-la, independentemente de qualquer crença quanto à necessidade de uma reprovação moral por sua atuação. Os bancos de reservas fracionárias que inflam bolhas vão à falência e não são socorridos, de modo que seus acionistas, credores e trabalhadores perdem todo ou grande parte do capital (mal) investido; aqueles que sehipotecam demasiadamente perdem seu imóvel; os trabalhadores que se especializam em atividadesespecificamente criadas pela bolha veem cair seu valor de mercado assim que a bolha estoura; os empresários que investiram excessivamente em setores dependentes da contínua expansão do crédito vão à falência e perdem todo o seu capital. Etc.

Aqueles que realmente querem que apenas os causadores da crise paguem por ela têm, necessariamente, de defender um mercado livre e desregulamentado, pois somente este arranjo faz com que os prejuízos recaiam exclusivamente sobre aqueles que investiram de maneira insensata e sobre aqueles que participaram lucrativamente deste arranjo artificial. Adicionalmente, somente um mercado genuinamente livre de interferências políticas faz com que preços e custos se ajustem prontamente à nova realidade, sem que o estado se ocupe de socorrer os falidos e de manipular as regras do jogo.

No entanto, justamente quando se diz que nem todos que contribuíram para a crise devem pagar por ela, mas sim apenas aqueles a quem cabe uma reprovação moral ("os culpados"), é que se abre uma porta para que políticos intervenham e redistribuam a renda dos cidadãos de acordo com critérios arbitrários e segundo os desejos de grupos de interesse que levaram estes políticos ao poder. Quando se aceita esta prerrogativa, pavimenta-se o caminho para que demagogos se aproveitem da situação e elaborem suas narrativas pessoais (e autoindulgentes, é claro) sobre a crise com o objetivo de transpor os custos sobre aqueles de quem mais têm raiva — sem que estes sequer tenham contribuído minimamente para a geração da crise (por exemplo, quando propõem elevar os impostos sobre empresas e trabalhadores que investiram sensatamente sua poupança e, como consequência, viram crescer ininterruptamente seus lucros antes e depois da crise).

Não obstante, a realidade é que esta tentação populista é incapaz de alcançar seus objetivos, pois, na maioria dos casos, é impossível fazer com que apenas os culpados paguem pela destruição gerada pela crise. Peguemos um exemplo extremo de uma culpabilidade indiscutível: um roubo. Imagine que um ladrão, sem propriedades e sem herdeiros, rouba a carteira de um cidadão, queima as cédulas de dinheiro que estavam dentro dela e, logo em seguida, se suicida. Seria possível ele ressarcir sua vítima? Não. Neste caso, não restaria à vítima nenhuma outra opção senão arcar com o prejuízo, embora ela não tenha tido absolutamente nenhuma culpa na situação.

Raciocínio similar pode ser feito em relação aos banqueiros que fizeram investimentos insensatos, às pessoas que não possuíam conhecimentos financeiros e que contraíram excessivas dívidas hipotecárias, ou aos trabalhadores que estavam empregados naqueles setores cuja existência dependia da continuidade da expansão do crédito barato. Talvez não possamos classificá-los como culpados (embora tal proposição seja discutível), mas seria ilusório crer que poderiam sair ilesos: os investimentos insensatos simplesmente se evaporaram e os bancos não têm como renová-los ou substituí-los (por isso muitos estão quebrados); a dívida hipotecária não irá desaparecer simplesmente porque alguns consideram injusto o devedor ter de pagá-la (e, se as dívidas não forem quitadas, quem irá sofrer serão as pessoas desavisadas que colocaram seu dinheiro no banco); e os desempregados provavelmente não encontrarão emprego a menos que rebaixem suas expectativas salariais ou gastem dinheiro do próprio bolso para aprender alguma especialização técnica demandada por empresários.

Quando se diz que nenhuma destas pessoas inocentes deveria pagar pelos custos da crise, imediatamente se está sugerindo que são os políticos que devem decidir quem são os culpados. E se aqueles que forem subjetivamente declarados culpados não puderem reparar os danos causados, então simplesmente será proposto algum tipo de redistribuição de renda à custa dos pagadores de impostos: um pacote de socorro para pequenos investidores, um perdão da dívida para os hipotecados ou um conjunto de empregos públicos para os desempregados. Idealmente, e para tornar mais digerível tal política, os pagadores de impostos penalizados pertencerão à mesma categoria ou classe social dos culpados: assim se chega à conclusão de que se alguns empresários (ou alguns ricos, ou alguns banqueiros) são culpados, então todos os empresários terão de arcar com os custos — por terem tido algo a ver com a geração da crise — e, consequentemente, terão de pagar mais impostos.

No final, portanto, partindo-se da premissa de que somente os culpados deveriam pagar pela crise, chegamos ao resultado final de que pessoas que não tiveram a mais remota ligação com a crise terão de pagar boa parte da conta, sem que tal punição em absolutamente nada contribua para a resolução da mesma. Afinal, por mais que alguns queiram ocultar, uma crise não é a materialização econômica do Juízo Final, mas sim um período durante o qual toda a estrutura de produção da economia, a qual foi desajustada por seguidos erros de investimentos causados pela expansão artificial do crédito, tem de se reajustar a níveis sustentáveis e racionais para voltar a gerar riqueza. 

Durante este processo de reestruturação, é inevitável que o mercado atribua prejuízos àqueles indivíduos que tomaram decisões ruins durante os anos da expansão econômica artificial. O errado seria justamente querer alterar caprichosamente estas atribuições de prejuízos e passar a redistribuí-las segundo caprichos e desejos subjetivos — seja socorrendo bancos falidos ou incorrendo em maciças obras públicas para dar emprego aos desempregados. Neste caso, muito provavelmente serão penalizados os justos e absolvidos os transgressores, o que fará apenas com que a superação da crise seja postergada.

Muito além de meros ilícitos penais, a interação social não manipulada pelo estado é quem deve determinar quem deve absorver os prejuízos da crise. Não se deve dar ao governo instrumentos para impor nossas tendenciosas e subjetivas percepções de culpabilidade sobre terceiros. Tal pretensão seria simplesmente um subterfúgio para se planejar de maneira centralizada a (não-)recuperação da economia: um propósito que, como todas as formas de socialismo, não apenas está destinado a fracassar sempre, como também a degenerar em fortes e perigosas inquietações sociais, dado que algumas pessoas irão jogar seus prejuízos sobre todas as demais.


Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.

CRISE NA EDUCAÇÃO AUMENTA DESIGUALDADES


Por que, afinal, sendo a sexta maior economia do mundo, o Brasil está em 88º lugar em termos de escolaridade e índice de desenvolvimento humano? A resposta mais simples: educação. 

E na educação está faltando quase tudo, em muitos casos. A começar pela falta de vontade politica dos governantes para melhorar as condições de ensino.

Debates equivocados, muitas vezes com viés ideológico, prejudicam avaliações sobre a crise da educação no Brasil. Por exemplo, a informação de que o Brasil investe pouco em educação. Pois a China, que continua a executar um plano revolucionário e inovador na área educacional, aplica 3,5% do PIB, contra 5% no Brasil. E tem deputado demagogo que propõe passar para 10%.

O problema é de gestão. Aqui, gasta-se mal, não há avaliação criteriosa sobre os investimentos, o mérito é substituído pelas cotas, o partidarismo atropelou a indispensável isenção. No geral, por aqui, os professores em sala de aula tem menos incentivos salariais e funcionais do que os desviados para funções administrativas.

Há o dilema cultural. Pais de alunos que protegem cegamente os filhos indisciplinados e violentos agindo contra seus professores estão deseducando as novas gerações e desestimulando o magistério. Participação de pais e responsáveis em atividades escolares conta-se nos dedos. São positivas nas comunidades de descendência alemã ou com famílias bem estruturadas. Núcleos familiares dilacerados, vivendo em condições desumanas, definitivamente não tem pais ligados na educação dos filhos. E há muitos, em boa posição econômica, que simplesmente transferem a responsabilidade da educação para a escola, como se eles não tivessem o dever da formação dentro de casa.

Dados

As disparidades sociais pesam ainda mais. A tese da cientista politica Maria Tereza Sadeck, exposta no Encontro Estadual do Ministério Público, é elucidadora. Temos no Brasil “desigualdades cumulativas”. Faltando educação básica, na prática, está toda a cidadania comprometida. Por isso, no ensino fundamental, apenas 3% são tidos como plenamente alfabetizados, na faixa média 15% e na educação superior, 62%. É gigantesca a massa que se declara alfabetizada, mas não compreende o que lê.

No pragmatismo capitalista da China, o ensino primário tem um currículo martelando Chinês, Matemática, Ciências, Inglês, Educação Moral, Música e Educação Física. Em muitas escolas públicas por aqui estão ensinando abobrinhas, disciplinas fora da realidade, que provocam desinteresse acadêmico e não educam.

Salário é importante, sim senhor! Mas não é tudo. Há outras formas de incentivar os professores, com reconhecimento, premiações comunitárias e oficiais de desempenho que oxigenariam o magistério.

“A educação precisa de respostas”, proclama a nova campanha do grupo RBS. Debater, analisar e oferecer soluções já é um bom começo. Por: Moacir Pereira

A DESMORALIZAÇÃO DA POLÍTICA

Perdeu sentido, virou reduto de dançarinos.Tem para todos os gostos, até para os que adornam a cabeça com guardanapo


A luta pela democracia marcou o século XX brasileiro. Somente em oito dos cem anos é que não ocorreu nenhum tipo de eleição, de voto popular, para escolher seus representantes. Foi durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945). No regime militar as eleições tiveram relativa regularidade, mas sem a possibilidade de o eleitor escolher o presidente da República e, a partir de 1965, dos governadores e dos prefeitos das capitais e das cidades consideradas de segurança nacional. Nas duas décadas do regime militar (1964-1985), a luta em defesa da eleição direta para o Executivo e da liberdade partidária foram importantes instrumentos de mobilização popular.

Com o estabelecimento pleno das liberdades democráticas, após a promulgação da Constituição de 1988, as eleições passaram a ter uma regularidade de dois anos, entre as eleições municipais e as gerais. Deveria ser uma excelente possibilidade para aprofundar o interesse dos cidadãos pela política, melhorar a qualidade do debate e e abrir caminho para uma gestão mais eficaz nas três esferas do Executivo e, no caso do Legislativo, para uma contínua seleção dos representantes populares.

Para um país que sempre teve um Estado forte e uma sociedade civil muito frágil, a periodicidade das eleições poderia ter aberto o caminho para a formação de uma consciência cidadã, que romperia com este verdadeiro carma nacional marcado pelo autoritarismo, algumas vezes visto até como elemento renovador, reformista, frente à ausência de efetiva participação popular.

Desde 1988, está será a décima terceira eleição consecutiva. Portanto, a cada dois anos temos, entre a escolha dos candidatos e a eleição, cerca de seis meses de campanha. Neste período o noticiário é ocupado pelas articulações políticas, designações de candidatos, alianças partidárias, debates e o horário gratuito de propaganda política. Cartazes são espalhados pelas cidades, carros de som divulgam os candidatos (com os indefectíveis jingles) e é construída uma aparência de participação e interesse populares.

Porém, é inegável que a sucessão das eleições tem levado ao desinteresse e apatia dos cidadãos. A escolha bienal de representantes populares tem se transformado em uma obrigação pesada, desagradável e incômoda. Tudo porque o eleitor está com enfado de um processo postiço, de falsa participação. A legislação partidária permite a criação de dezenas de partidos sem que tenham um efetivo enraizamento na sociedade; são agrupamentos para ganhar dinheiro, vendendo apoio a cada eleição. A ausência de um debate ideológico transformou os partidos e os candidatos em uma coisa só. O excesso de postulantes aos cargos não permite uma efetiva comparação. Há uma banalização do discurso. E o sistema de voto proporcional acaba permitindo o aparecimento dos “candidatos cacarecos”, que empobrecem ainda mais as eleições.

A resposta do eleitor é a completa apatia, com certo grau de morbidez. Vota porque tem de votar. Escolhe o prefeito, como agora, pela simpatia pessoal ou por algo mais prosaico; para vereador, vota em qualquer um, afinal, pensa, todos são iguais e a Câmara Municipal não serve para nada. O mesmo raciocínio é extensivo à esfera estadual e nacional. No fundo, para boa parte dos eleitores, as eleições incomodam, mudam a rotina da televisão, poluem visualmente a cidade com os cartazes e ainda tem de ir votar em um domingo.

Para o político tradicional, este é o melhor dos mundos. Descobriu que a política pode ser uma profissão. E muito rendosa. Repete slogans mecanicamente, pouco sabe dos problemas da sua cidade, estado ou do Brasil, a não ser as frases feitas que são repetidas a cada dois anos. O marqueteiro posa de gênio, de especialista de como ganhar (e lucrar) sem fazer muita força. Hoje é o maior defensor das eleições bienais. Afinal, tem muitos funcionários, tem de pagar os fornecedores, etc, etc. Para ele, a democracia acabou virando um tremendo negócio. E é um devoto entusiástico dos gregos, pois se não fosse eles e sua invenção....

Não é acidental, com a desmoralização da política, que estejamos cercados por medíocres, corruptos e farsantes. O espaço da política virou território perigoso. Perigoso para aqueles que desejam utilizá-lo para discutir os problemas e soluções que infernizam a vida do cidadão.

O político de êxito virou um ator (meio canastrão, é verdade). Representa o papel orquestrado pelo marqueteiro (sempre pautado pelas pesquisas qualitativas). Não pensa, não reflete. Repete mecanicamente o que é ditado pelos seus assessores. Está preocupado com a aparência, com o corte de cabelo, com as roupas e o gestual. Nada nele é verdadeiro. Tudo é produto de uma construção. Ele não é mais ele. Ele é outro. É a persona construída para ganhar a eleição. No limite, nem ele sabe mais quem ele é. Passa a acreditar no que diz, mesmo sabendo que tudo aquilo não passa de um discurso vazio, falso. Fica tão encantado com o personagem que esquece quem ele é (ou era, melhor dizendo).

Difícil crer que toda a heroica luta pelo estabelecimento da democracia, do regime das plenas liberdades, fosse redundar neste beco sem saída. Um bom desafio para os pesquisadores seria o de buscar as explicações que levaram a este cenário desolador, em que os derrotados da velha ordem ditatorial se transformaram em vencedores na nova ordem democrática. Enfim, a política perdeu sentido. Virou até reduto de dançarinos. Tem para todos os gostos, até para os que adornam a cabeça com guardanapo.

Marco Antonio Villa é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos.