sexta-feira, 30 de novembro de 2012

¿Y sí?

A pergunta mais importante em economia é também a mais difícil de ser respondida: o que ocorreria caso, em vez de adotarmos determinada política A, adotássemos a política B?


Esta é também uma pergunta recorrente na vida comum: se tivesse entrado à esquerda, em vez de à direita, teria chegado mais cedo ao trabalho? Ou, se tivesse me dedicado à medicina, como queria minha mãe (de acordo com a tradição judaica, o feto não é considerado viável até se formar médico), que caminhos minha vida teria tomado?

Algumas dessas questões não têm resposta fora do campo da ficção, pois são experimentos únicos, para tristeza da minha mãe. No que tange a outras, porém, se há regularidades teóricas e empíricas, podemos imaginar como certos fenômenos teriam se desenrolado caso decisões diferentes tivessem sido tomadas em momentos cruciais.

Estava pensando nisso ao observar os desenvolvimentos recentes na Argentina. Não há de ter escapado da atenção do leitor mais atento a magnitude do protesto contra a presidente Cristina Kirchner nem a queda abrupta de sua popularidade pouco tempo depois de sua reeleição.

A verdade é que a Argentina tem, há tempos, adotado um conjunto de políticas econômicas “heterodoxas” que, embora lhe tenha dado certo alívio por um período, foi minando gradativamente sua capacidade de crescimento.

A começar pela despreocupação com a inflação. No começo de 2004, tempos em que o Indec [o IBGE local] ainda era uma instituição confiável, livre do tacão do governo, a inflação havia recuado para níveis muito baixos (cerca de 2%), uma vez dissipados os efeitos da maciça desvalorização do peso no começo de 2002. A atividade econômica, por sua vez, vinha em franca recuperação e o país reunia, assim, as condições ideais para consolidar o controle da inflação.

No que se refere ao desempenho fiscal, a deterioração também foi marcante.Naquele momento crucial, contudo, mais uma oportunidade foi desperdiçada. As autoridades desprezaram a questão inflacionária e elegeram o crescimento como único objetivo. Ao final de 2005, a inflação já ultrapassava os dois dígitos e, para lidar com o problema, o governo recorreu a controles diretos de preços e subsídios; com o fracasso destes, passou a adulterar o índice de inflação. Hoje a inflação oficial se encontra ao redor de 10% nos últimos 12 meses, enquanto estimativas privadas sugerem um índice cerca de três vezes mais alto.

O superavit primário do governo federal, que superava os 3% do PIB até 2008, vem em queda acentuada e equivalia a mero 0,3% do PIB no ano passado, evaporando ao longo de 2012.

Por fim, para a alegria de vários economistas pátrios, a taxa de câmbio argentina foi administrada, supostamente mantida a patamares que tornariam a indústria local competitiva. Obviamente, com a aceleração da inflação, isso não passou de ilusão. A Argentina chegou a ter uma fatia de mercado equivalente a 9% das importações brasileiras (seu principal mercado, que absorve cerca de 20% das exportações platinas); hoje, essa participação caiu para 7%, a menor em quase 20 anos.

Dados esses desenvolvimentos, o surpreendente não é que a Argentina esteja enfrentando problemas sérios; o inusitado, na verdade, é que eles tenham demorado tanto a se manifestar, provavelmente atenuados pelo forte aumento de preços das commodities, assim como pelo bom desempenho brasileiro entre 2004 e 2010.

O interessante é que, embora pouca se ouça dos nossos keynesianos de quermesse sobre a Argentina hoje, a combinação de política por ela adotada de 2004 para cá era cantada em verso e prosa como a receita para o Brasil crescer aceleradamente.

O desempenho argentino pode ser considerado, contudo, como o que poderia ocorrer com o Brasil caso tivéssemos ouvido o canto das sereias heterodoxas. E também como o que pode nos acontecer a continuar a deterioração segura e implacável da nossa política econômica. Por: Alexandre Schwartsman

Fonte: Folha de S. Paulo, 21/11/2012

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

NEM ESQUERDA, NEM DIREITA


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"Que esquisito, você não é nem de esquerda nem de direita!". Essa observação, feita logo após um discurso que proferi, mostrou uma rara perspicácia. Foi rara porque era extremamente raro ouvir alguém chegando a essa conclusão por conta própria. E foi perspicaz porque foi acurada.

A maioria das pessoas sempre parece estar à procura de termos simplistas e simplificadores, de generalizações cômodas e convenientes, pois ajudam em seus discursos e definições. Estes termos servem para substituir definições longas e tediosamente complexas. No entanto, é essencial ter cuidado ao escolher estes termos, pois é comum que tais simplificações gerem truques semânticos e produzam um desserviço para aqueles que as utilizam. Receio ser esse o caso dos termos "esquerda" e "direita" quando utilizados por libertários que, como espero demonstrar, não estão nem à esquerda e nem à direita no que concerne ao espectro ideológico aceitável de nossa era.

"Esquerda" e "direita" descrevem, cada uma, posições autoritárias. A liberdade não possui relação horizontal com o autoritarismo. A relação do libertarianismo com o autoritarismo é vertical; está muito acima dessa podridão de homens escravizando indivíduos. Mas vamos começar do início.

Houve uma época em que "esquerda" e "direita" eram denominações apropriadas e nada imprecisas para diferenças ideológicas. Os primeiros esquerdistas foram um grupo de recém-eleitos representantes para a Assembléia Nacional Constituinte da França, no início da Revolução Francesa, em 1789. Eles foram rotulados "esquerdistas" simplesmente porque, por acaso, estavam sentados do lado esquerdo da câmara legislativa francesa.

"Os legisladores que estavam assentados do lato direito eram chamados de Partido da Direita, ou Direitistas. Os Direitistas ou 'reacionários' defendiam um governo nacional altamente centralizado, leis especiais e privilégios para sindicatos e vários outros grupos e classes, monopólios estatais sobre os setores estratégicos e básicos para a vida, e uma continuação dos controles governamentais sobre preços, produção e distribuição." — Dean Russell, The First Leftist [Irvington-on-Hudson, N.Y.: Foundation for Economic Education, 1951], p. 3.

Os esquerdistas da época eram, para todos os propósitos práticos, ideologicamente similares àqueles que hoje podem ser chamados de "libertários". Já os direitistas representavam o oposto ideológico: estatistas, intervencionistas — em suma, autoritários. "Esquerda" e "direita" na França, durante o período 1789-90, eram termos que apresentavam, ao mesmo tempo, uma conveniência semântica e um alto grau de acurácia.

Mas aí vieram os autoritários Jacobinos, e o termo "esquerdista" foi rapidamente expropriado por eles, passando a ter um significado oposto. "Esquerdista" passou a ser sinônimo de igualitarista, sendo depois associado às vertentes do socialismo marxista: comunismo, socialismo, fabianismo. O que ocorreu, então, com o termo "direitista"? Onde ele caberia agora, após essa reviravolta semântica do termo "esquerdista"? Os camaradas de Moscou se encarregaram dessa tarefa, e em proveito próprio: qualquer coisa que não fosse comunista ou socialista foi decretada e propagandeada como "fascista". Logo, qualquer ideologia que não coubesse integralmente dentro do rótulo comunista (esquerda) passou a ser popularmente denominada de fascista (direita).

Eis a definição de fascismo segundo o dicionário Webster: "Qualquer programa visando à criação de um regime nacional centralizado e autocrático, com políticas severamente nacionalistas e que exerça um intenso programa de arregimentação da indústria, do comércio e das finanças, com rígida censura e enérgica supressão da oposição".

Qual é, na prática, a diferença entre comunismo e fascismo? Ambos são formas claras de estatismo e autoritarismo. A única diferença entre o comunismo de Stalin e o fascismo de Mussolini é um insignificante detalhe na estrutura organizacional. Mas um é "esquerda" e o outro é "direita"! Sendo assim, onde tudo isso deixa o libertário em um mundo em que os termos foram definidos por Moscou? O libertário é, na realidade, o oposto do comunista. No entanto, se o libertário empregar os termos "esquerda" e "direita", ele estará caindo na armadilha semântica de se tornar um "direitista" (fascista) pelo simples fato de não ser um "esquerdista" (comunista). Isso seria um suicídio semântico para os libertários, um invento artificioso que excluiria automaticamente sua existência. Ao passo que comunistas e socialistas continuarão utilizando essa definição, há vários motivos para os libertários evitá-la.

Um enorme problema que surgirá caso o libertário opte por utilizar a terminologia esquerda-direita é a grande tentação que tal postura cria para se aplicar a doutrina do meio-termo. Durante aproximadamente vinte séculos, o homem ocidental aceitou a teoria aristotélica de que a posição sensata é aquela entre quaisquer dois extremos, que hoje é conhecida politicamente como a posição moderada, conciliatória, a terceira-via, ou simplesmente o centro. Se os libertários utilizarem os termos "esquerda" e "direita", eles estarão se anunciando como sendo de extrema direita pela simples virtude de estarem extremamente distantes em suas crenças do comunismo. Mas "direita" é um termo que passou a ser exitosamente identificado com o fascismo. Portanto, cada vez mais pessoas são levadas a crer que a posição sensata seria em algum lugar entre o comunismo e o fascismo, uma vez que ambos significam autoritarismo.

Só que a doutrina do meio-termo não pode ser aplicada indiscriminadamente. Por exemplo, ela é sensata o bastante quando se está decidindo entre, de um lado, o jejum total e, do outro, a gulodice. Mas ela é evidentemente insensata quando se quer decidir entre não roubar nada ou roubar $1.000. O meio-termo recomendaria roubar $500. Logo, o meio-termo não é mais sensato ou racional quando aplicado para comunismo e fascismo (dois rótulos para o mesmo autoritarismo) do que quando aplicado para dois tipos de roubo. O libertário não pode querer nada com "esquerda" ou "direita" simplesmente porque ele desdenha qualquer forma de autoritarismo — o uso do aparato estatal para tolher e controlar a criatividade e o empreendedorismo do indivíduo. 

Para ele, comunismo, fascismo, nazismo, fabianismo, assistencialismo — todos formas de igualitarismo — cabem na descrição definitiva que Platão, talvez cinicamente, nos forneceu séculos antes de qualquer um desses sistemas coercivos terem se desenvolvido:



O maior de todos os princípios é o de que ninguém, homem ou mulher, deve prescindir de um líder. Nem deverá a mente de um indivíduo habituar-se a deixá-lo fazer qualquer coisa nem por iniciativa própria, nem por zelo, nem mesmo por prazer. Tanto na guerra quanto na paz, a seu líder ele deve direcionar seus olhos e segui-lo fielmente. E mesmo nos assuntos mais ínfimos ele deve se sujeitar a alguma liderança. Por exemplo, ele deve se levantar, se mover, se lavar ou se alimentar . . . somente se tiver recebido ordens para tal . . . Em suma, ele deverá ensinar sua alma, por meio do hábito e da prática reiterada, a nunca sonhar agir de forma independente. Com efeito, deve ensiná-la a se tornar totalmente incapaz disso.

Pairando sobre a degradação

Os libertários rejeitam esse princípio e, ao fazê-lo, não se colocam nem à direita e nem à esquerda dos autoritários. Eles, assim como os espíritos humanos que libertariam, ascendem — estão acima — sobre esta degradação. Sua posição no espectro ideológico, se fossemos usar analogias direcionais, seria acima — como um vapor que se separa do esterco e sobe a uma atmosfera saudável. Se a idéia de extremismo for aplicada a um libertário, que seja baseada em quão extrema é a sua oposição às crenças e tentações autoritárias.

Estabeleça este conceito de emersão, de libertação — o qual é o próprio significado do libertarianismo —, e o significado da doutrina do meio-termo passará a ser inaplicável, pois não é possível haver uma posição de meio caminho entre o zero e o infinito. E é absurdo sugerir que possa haver.

Qual termo simples os libertários deveriam aplicar para se distinguirem das variedades de "esquerdistas" e "direitistas"? Não consegui inventar nenhum, mas até que eu consiga, contento-me em dizer que "sou libertário", e estou disposto a explicar a definição do termo a qualquer pessoa que procure significados em vez de rótulos.

Leonard Read foi o fundador do instituto Foundation for Economic Education -- o primeiro moderno think tank libertário dos EUA -- e foi amplamente responsável pelo renascimento da tradição liberal no pós-guerra.

PRÊMIO NOBEL PARA A PRAXEOLOGIA


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Introdução

A praxeologia ou a ciência da ação humana é o método cientifico utilizado pelos economistas austríacos no estudo da economia. Ela é uma ferramenta poderosa que decorre de um sistema apriorístico de causa e efeito, baseado em categorias da ação humana, a qual nos permite analisar todos os fatos e teoremas econômicos. Nesse artigo, enfatizo a importância e a superioridade do método praxeológico como ferramenta de análise e derivação de teoremas econômicos. Descrevo os processos de derivação da lei da utilidade marginal decrescente, preferência temporal, juros e custo de oportunidade, com ênfase no caráter subjetivo dessas categorias da ação humana. Na última parte, levanto argumentos mostrando a inadequação do uso da psicologia experimental para a contribuição à teoria econômica e apresento a derivação praxeológica da Teoria do Prospecto, dos psicólogos laureados em economia Kehneman e Tversky (2002).

O que é praxeologia e porque utilizá-la?

A praxeologia foi sistematizada por Ludwig von Mises. Ele realizou um grande feito ao inferir que todas as categorias de ação sobre bens econômicos estão assentadas numa proposição verdadeira a priori sobre a realidade, denominada por ele de "o axioma da ação". Este axioma baseia-se na proposição auto evidente de que os humanos agem de forma proposital, para sair de uma situação de menor conforto para maior conforto. Todo individuo que tentar negá-la por meio de qualquer ação entrará em contradição, acabando por confirmá-la. Por exemplo, ao tentar negar "o axioma da ação", um indivíduo necessariamente estará se utilizando de argumentos (ação meio) para atingir um objetivo ou um fim desejado, qual seja: refutar o axioma da ação. Porém, ao tentar refutá-lo entrará em contradição, pois estará empreendendo uma ação humana proposital para sair de uma situação de desconforto.

Hoppe vai mais longe ao retratar a importância e as consequências do feito de Mises para a epistemologia:



(...). Com seu reconhecimento de que a ação é o elo entre a mente e a realidade exterior, ele encontrou a solução do problema kantiano de como é possível a existência de proposições sintéticas a priori verdadeiras. E ele ofereceu alguns insights extremamente valiosos relativos às fundamentações definitivas de outras proposições epistemológicas centrais, como identificar a lei da contradição como o pilar essencial da lógica. E deste modo ele abriu caminho para investigações filosóficas futuras que, pelo que me consta, permanece praticamente inexplorado.

De acordo Selgin, com a priori, Mises não quis defender a possibilidade de proposições verdadeiras independentemente de qualquer tipo de "experiência" — ainda que independam de qualquer experiência sensorial, do tipo daquelas enfatizadas por empiristas e positivistas — mas, sim, que as proposições desse tipo são independentes de qualquer tempo ou lugar em particular. Assim, um teorema econômico deduzido praxeologicamente deve ser válido tanto para o Egito antigo quanto para a economia brasileira.

Já para Rothbard, as proposições praxeológicas estão assentadas na experiência interior e não simplesmente em experiência exterior, sendo evidenciadas de forma reflexiva mais do que física. É a consciência individual sobre a capacidade de agir e a consequente percepção humana sobre as categorias de ação que devem servir de base para a derivação de sistemas praxeológicos de causa e efeito, que por sua vez são capazes de fornecerinsights para a dedução de todos os teoremas econômicos.

O sistema praxeológico é como a lógica e a matemática. Da mesma forma que o teorema pitagórico é uma relação geométrica inerente a todos os triângulos retângulos, os teoremas econômicos já estão contidos nas categorias de ação de um sistema praxeológico. Dessa forma, qualquer experiência de cunho empirista é incapaz de refutar teorias econômicas derivadas praxeologicamente. Seria como sair por aí medindo os lados dos triângulos retângulos a fim de encontrar falhas no Teorema de Pitágoras. Algo impensável.

Somente é possível refutar uma teoria praxeológica por meio da descoberta de falhas na cadeia de raciocínio empregada pelo praxeologista. De acordo com Mises, evidências empíricas não "falseiam" a teoria, apenas servem para estabelecer o quão apropriada é uma aplicação teórico-praxeológica para a análise de um evento em particular.

Como bem destaca Mises, a derivação de teoremas econômicos a partir da história é um procedimento inadequado, podendo levar a erros graves. A história econômica só pode ser entendida com base numa teoria pré-concebida. Não há uma via de mão dupla quando se fala em derivação de teorias econômicas. O caminho flui da teoria concebida para a história. E nesse processo, o entendimento da praxeologia é fundamental:



A praxeologia não é uma ciência histórica, mas uma ciência teórica e sistemática. Seu escopo é a ação humana como tal. Independentemente de quaisquer circunstâncias ambientais, acidentais ou individuais que possam influir nas ações efetivamente realizadas. Sua percepção é meramente formal e geral, e não se refere ao conteúdo material nem às características particulares de cada ação. Seu objetivo é o conhecimento válido para todas as situações onde as condições correspondam exatamente àquelas indicadas nas suas hipóteses e inferências. Suas afirmativas e proposições não derivam da experiência. São como a lógica e a matemática. Não estão sujeitas a verificação com base na experiência e nos fatos. São tanto lógica como temporalmente anteriores a qualquer compreensão de fatos históricos. É um requisito necessário para qualquer percepção intelectual dos eventos históricos. Sem sua ajuda, nossa percepção do curso dos eventos históricos ficaria reduzida ao registro de mudanças caleidoscópicas ou de uma desordem caótica. 

Derivações Praxeológicas

O apriorismo, ou a cognição a partir de raciocínio meramente dedutivo, nos fornece insights antes inacessíveis sobre as categorias da ação humana, entretanto, a derivação de teoremas econômicos a partir da identificação de categorias implícitas no "axioma da ação" não é um trabalho fácil. As categorias e suas derivações não são evidentes. Para a análise de um caso em particular é necessário realizar um exercício reflexivo por meio de um encadeamento lógico-dedutivo entre categorias de ação (ex: causa e efeito).

Dentre as categorias derivadas a partir do "axioma da ação" podemos destacar: meios, fins, custos, benefícios, compra e venda, lucro e prejuízo, valores, escolha, preferência, tempo, causalidade. Importante ressaltar que as categorias "tempo" e "causalidade" já se encontram implícitas em qualquer sistema praxeológico. Qualquer ação humana pressupõe a ideia de mais cedo ou mais tarde e de causa e efeito. É exatamente isso, de acordo com Mises, o que difere epistemologicamente o sistema praxeológico do sistema lógico:



"(...). A diferença entre um e outro reside no fato de a praxeologia ter a mudança como um de seus elementos; as noções de mais cedo ou mais tarde e de causa e efeito fazem parte do sistema. Anterioridade e consequência são conceitos essenciais no raciocínio praxeológico; o mesmo ocorre com a irreversibilidade dos eventos. No contexto do sistema praxeológico, qualquer referência à correspondência funcional é tão metafórica e ilusória quanto a referência à anterioridade e consequência no sistema lógico."

Como se vê, o tempo e a causalidade da ação exercem um papel preponderante na análise de um sistema praxeológico. A percepção humana sobre o tempo é inerente à ação humana. Toda ação objetiva um fim, uma situação mais confortável, um futuro desejado, que pode ou não ser atingido. A ação empreendida ocorre em algum momento no tempo e rapidamente vira passado. Ela se confunde com o tempo, com a percepção de presente. E leva-se algum tempo até a verificação do sucesso ou insucesso da ação empreendida. Mas o tempo passa, é finito. Assim, dado a escassez do tempo, o agente homem busca economizá-lo por meio da priorização de ações numa escala de valores. Podemos dizer, a partir do axioma da ação, que toda ação realizada no momento é aquela a qual se atribui maior valor. Ela é considerada a mais urgente, simplesmente porque é a ação que está sendo executada no momento.

Nesse contexto, e considerando o fato de sermos incapazes de realizar tudo ao mesmo tempo, chegamos ao conceito de utilidade marginal decrescente. Esse teorema decorre do fato de que, ao escolhermos entre produtos homogêneos, a primeira unidade consumida ser considerada mais urgente (de maior utilidade) do que a segunda, e assim sucessivamente. Nota-se aqui a influência do tempo; a antecedência temporal da primeira unidade ou porção em relação à segunda. Podemos dizer que à ação do momento é sempre atribuída um maior valor (utilidade) em comparação às ações do mesmo tipo que estão por vir e, em decorrência disso, a utilidade marginal é o valor subjetivo atribuído a um bem pela necessidade menos urgente que ainda resta a ser satisfeita por esse bem.

Também em decorrência do axioma da ação humana, que como dito pressupõe a escassez do tempo, surge o conceito de preferência temporal. Este conceito está relacionado ao fato de preferirmos eliminar um dissabor futuro o quanto antes, por meio de ações que atribuímos um maior valor, e assim economizarmos tempo. É por isso que preferimos bens presentes a bens futuros, ou seja, para desistirmos de uma satisfação presente, geralmente exigimos uma recompensa, pois consideramos um sacrifício o fato de adiarmos essa satisfação. Daí a existência da taxa de juros, que é o preço resultante da relação entre o valor atribuído à satisfação imediata e à satisfação futura. Numa determinada economia, quanto mais os indivíduos valorizarem as satisfações imediatas em relação às futuras, maior tenderá a ser a recompensa para que desistam da satisfação presente em troca da satisfação futura.

E ao realizarmos o quanto antes ações que atribuímos um maior valor, estamos automaticamente desistindo o quanto antes daquelas ações que nos satisfazem menos. Assim, pela impossibilidade de exercermos todas as ações ao mesmo tempo, estamos constantemente abandonando o que nos satisfaz menos com o intuito de atingir o fim que julgamos ser mais valioso. E o valor subjetivo atribuído ao fim que estamos abandonando é o preço pago ou o custo incorrido para atingir o objetivo desejado. Eis aqui a derivação do conceito econômico de custo de oportunidade.

Já à diferença entre o valor do que se abandona (custo de oportunidade) e o valor do fim obtido, após um cenário de incerteza, chamamos de lucro ou prejuízo. Podemos também dizer que, por meio da ação humana, estamos constantemente incorrendo em custos subjetivos com o intuito de obter benefícios subjetivos.

Psicologia, Economia e a Derivação Praxeológica da "Teoria do Prospecto"

Como visto acima, em nenhum momento foi necessário recorrer a conceitos psicológicos ou fisiológicos no processo de derivação dos teoremas econômicos. Para isso, bastou partirmos do "axioma da ação" de Mises e das categorias de ação subjacentes a ele. Economia e psicologia são diferentes, tratam de objetos diferentes. Enquanto a psicologia está preocupada com o porquê dos fins objetivados, a economia está preocupada em compreender as relações de causa e efeito no âmbito da ação humana sobre bens econômicos, sem qualquer julgamento de valor sobre os fins almejados.

Os problemas praxeológicos não têm relação com os aspectos psicológicos, apesar de ser possível encontrar explicações psicológicas para o problema da preferência temporal, por exemplo. Mas de acordo com Mises: "É preciso conceber e não apenas compreender. É preciso conceber que um homem que não prefira uma satisfação mais cedo à mesma satisfação mais tarde jamais chegará a consumir e a desfrutar." Nesse caso, a ação humana seria eternamente postergada. Algo fora da realidade.

A economia lida com a ação em si e não com as motivações psíquicas que as justificam. É nesse sentido que Mises ressalta que:



"...a psicologia jamais poderá demonstrar a validade de um teorema praxeológico. Poderá demonstrar que algumas pessoas ou muitas se deixam influenciar por certos motivos, mas jamais poderá evidenciar que em cada ação humana há necessariamente certo elemento categorial que, sem qualquer exceção, está presente em todas as ações."

Um exemplo interessante sobre essa inadequação do uso da psicologia e do empirismo para a derivação de teoremas econômicos e, ao mesmo tempo, da superioridade da Praxeologia, pode ser demonstrada ao analisarmos o fenômeno descrito pela "teoria da perspectiva" ou "teoria do prospecto", dos psicólogos laureados em economia Kehneman e Tversky. A Teoria do Prospecto está inserida no âmbito da contribuição da chamada economia comportamental (experimental) aplicada ao mercado financeiro, chamada de finanças comportamentais, que estuda o comportamento dos agentes no mercado financeiro quando da tomada de decisões.

Apesar de toda ação humana ser racional, o mérito da Teoria do Prospecto foi descobrir que os agentes não agiam racionalmente, segundo a teoria da utilidade esperada de Bernoulli e Von Neumann?Morgenstern. Ou seja, a teoria mostrou que os agentes se comportavam de maneira diferente quando estavam em situações de ganho e em situações de perda. A teoria da utilidade esperada não incorpora o fato de que, por exemplo, a desutilidade de perder 200 reais pode ser maior do que a utilidade de ganhar a mesma quantia. E foi essa incapacidade da Teoria adotada pelo mainstream que os laureados identificaram: que os agentes apresentam uma aversão ao risco quando estão ganhando e uma propensão ao risco quando estão perdendo.

Para sustentar a Teoria do Prospecto, lançaram mão de "três características cognitivas": ponto de referência neutro (água na tigela), sensibilidade decrescente a incremento de luz (lei da psicofísica) e aversão à perda (histórico evolucionário dos organismos). Tudo isso para traduzir uma tendência que esse fenômeno exerce sobre os investidores no momento da tomada de decisão no mercado de ações; uma venda muito rápida de ações com desempenho positivo (vencedoras) e a manutenção por muito tempo de ações com desempenho negativo (perdedoras).

Ao analisar a teoria acima, cabe perguntarmos: como poderemos entendê-la por meio da praxeologia? Afinal, se a Teoria do Prospecto, empiricamente "testada e aprovada", se encontrar no campo da ação humana, a praxeologia deve ser capaz de decifrá-la sem grandes problemas. Ao enquadrarmos o fenômeno acima nas categorias de ação meio (comprar e vender ações) e fim (lucro ou prejuízo), considerando a passagem do tempo, podemos ter uma clara noção do fenômeno econômico envolvido.

Primeiramente, nos parece evidente que os agentes ao comprarem e venderem ações objetivam um lucro. Ou seja, podemos visualizar de forma clara que os agentes se utilizam de meios (no caso, negociar ativos por meio da "manutenção" e "realização" de suas posições durante um período de tempo) objetivando um fim; a obtenção de lucro num ambiente de incerteza genuína. O insight é entender, por meio do axioma da ação, que todo ser humano busca sair de uma situação de menor conforto — no caso a situação financeira de entrada no mercado — para entrar numa situação de maior conforto; no caso o lucro, ou, de outra forma, o valor de venda desejado.

Com esse encadeamento praxeológico em mente, podemos compreender porque há uma tendência para que os agentes, no terreno das perdas, "segurem" por mais tempo (vendam mais tarde) suas posições perdedoras e, no terreno dos ganhos, para que "realizem" ou vendam suas posições o quanto antes. Não obstante os agentes estarem agindo racionalmente — objetivando um lucro — a expectativa de realização do objetivo final (realização de lucros) faz com que eles se comportem de forma diferenciada no terreno das perdas e dos ganhos, com diferentes propensões ao risco. Quando no terreno das perdas, há uma maior tendência de manutenção das posições do que de realização (venda) delas, simplesmente pelo fato do objetivo final (o lucro ou os ganhos desejados) ainda não ter sido atingido. O investidor permanece em situação de prejuízo a espera do seu objetivo principal; o lucro. Já no campo dos ganhos, há uma maior tendência para a venda das posições o quanto antes, pelo fato de já estarem operando próximo ou ter atingido o nível desejado de lucro.

De fato, a Teoria do Prospecto trata de um fenômeno econômico que se verifica independentemente de tempo e lugar. Onde quer que tenhamos investidores comprando e vendendo ações com o objetivo de lucro, haverá uma tendência para que eles sejam propensos ao risco no campo das perdas e avessos ao risco no campo dos ganhos. Assim, de uma vez por todas — o que serve para todos os teoremas econômicos derivados praxeologicamente — teses e monografias que busquem testar empiricamente a Teoria do Prospecto, em determinado tempo e lugar, não fazem sentido lógico.

Conclusão

Neste artigo procurei mostrar a importância e a vantagem da utilização da praxeologia para a análise de teoremas econômicos. Observamos que a derivação praxeológica dos teoremas econômicos não é uma questão trivial, apesar de num primeiro momento nos parecer simples. Para compreendermos e derivarmos os teoremas econômicos é necessário um trabalho de reflexão sobre o evento econômico que se pretende analisar, de modo a enquadrá-lo num sistema praxeológico, ou seja, em um sistema de categorias de ação logicamente encadeadas (causa e efeito), derivado a partir do axioma da ação humana. Não precisamos lançar mão de argumentos fisiológicos ou psicológicos como níveis de saciedade e intensidade de resposta humana a estímulos físicos, tão aludidos em sala aula pelos acadêmicos experimentalistas e do mainstream. Será principalmente por meio do exercício constante da praxeologia que os economistas austríacos disseminarão o sólido conhecimento econômico em que estão assentados.


[1] Exemplos de categorias de ação: meios, fins, custos, benefícios, compra e venda, lucro e prejuízo, valores, escolha, preferência, tempo, causalidade.
[3] HOPPE, H.H.A Ciência Econômica e o Método Autríaco. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 1ª Edição(pg. 19)
[4] SELGIN, G.A. Praxeology and Undertanding: An Analysis of the Controversy in Austrian Economics. Ludwig von Mises Institute, Auburn University, Auburn, Alabama, 1990. (Pag. 14).
[5] ROTHBARD, M. In defense of "Extreme Apriorism". Southern Economic journal XXIII (3) (January 1957), pp. 314-20.
[6] MISES,LvM. Epistemological Problems of Economics, p. 30.
[7] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 59)
[8] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 66)
[9] HOPPE, H.H. A Ciência Econômica e o Método Autríaco. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 1ª Edição
[10] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 134)
[11] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 130 e 131)
[12] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 563)
[13] MISES, L. Ação Humana. São Paulo: Instituto Mises Brasil, 2010. 3ª Edição (pg. 565)
[15] http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/1961/000362539.pdf?sequence=1
[16] KAHNEMAN,D. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.(pg.350/51)

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

AS CONSEQUÊNCIAS INESPERADAS DO CONTROLE DOS ALUGUÉIS


Suponha que você queira destruir uma cidade. Qual dos dois métodos a seguir você julga ser o mais eficaz: um bombardeio ou a imposição de leis estipulando controle de preços de aluguéis. Embora não pareça, alguns economistas concluíram que as duas coisas são relativamente equivalentes. Quando os preços dos aluguéis são mantidos artificialmente abaixo de seu real valor de mercado, surge uma repentina escassez de imóveis para serem alugados, e a consequência é que o estoque de moradias ainda disponíveis rapidamente se deteriora.

Aqueles que defendem o controle dos preços dos alugueis geralmente o fazem com base em sua visão de 'justiça social' e de "distribuição justa de riqueza". "Não é certo", argumentam eles, "que alguém que tenha morado em um lugar por toda a sua vida seja obrigado a se mudar do seu bairro por conta de um aumento de preço de aluguel"; assim como não é certo que senhorios gananciosos possam se aproveitar de altos valores de aluguel apenas porque várias pessoas querem morar em uma determinada grande cidade.

A típica proposta de controle de aluguéis baseia-se na suposição de que o mesmo nível de atividade econômica será mantido, mas com um resultado distributivo diferente. Ou seja, o mesmo número de apartamentos será ofertado, e será ofertado para as mesmas pessoas e com a mesma qualidade. A única diferença, de acordo com os defensores dos controles de aluguéis, é que os inquilinos desafortunados não mais encherão os bolsos dos senhorios. Qualquer alteração no estoque de imóveis para locação será, portanto, uma exclusiva falha moral por parte dos proprietários.

Ainda de acordo com os defensores dos controles de aluguéis, os senhorios não fazem nenhum esforço em troca dos aluguéis que recebem. Eles ficam apenas sentados sem fazer nada, esperando pelas altas de preços. Essa visão, no entanto, ignora a função do sistema de preços como sendo um transmissor de informações. Um edifício pode ser utilizado de diversas formas. Ele pode ser disponibilizado para locação. Pode ser transformado em um prédio residencial. Pode ser usado para fins comerciais. Pode ainda ser demolido e seu terreno ser utilizado para o cultivo de grãos. São os preços que nos dizem qual o uso mais rentável para um edifício e seu terreno. Quando se institui uma lei controlando os preços dos aluguéis, os sinais enviados pelo sistema de preços são distorcidos.

A realidade dos controles de aluguéis é bem diferente da visão idealizada por seus defensores. Um artigo escrito por Eileen Norcross, do Mercatus Center, e publicado no Wall Street Journal em 13 de setembro de 2008, discute o controle de aluguéis na cidade de Nova York, sugerindo que esta é uma lição que a vale a pena ser repassada. Ela nos conta sobre os imóveis ocupados por Charles Rangel, congressista pelo estado de Nova York. O senhor Rangel ocupa quatro apartamentos de "aluguel estabilizado" em um elegante edifício de Nova York. ("Aluguel estabilizado" significa que, ao contrário do aluguel fixo, o preço pode subir, mas apenas em um percentual estipulado pela prefeitura. "Aluguel estabilizado" também dá ao inquilino o direito de renovar sua locação, queira o proprietário ou não.) O senhor Rangel utiliza três deles como moradia e usa o quarto como escritório. Por causa dos controles de aluguéis, não é possível dizer se tais apartamentos seriam mais bem aproveitados caso fossem utilizados como moradia para várias famílias. Ao Sr. Rangel é dada a condição de utilizar recursos valiosos a preços reduzidos, tudo em detrimento de potenciais moradores da cidade de Nova York.

A autora conta que há 43.317 apartamentos em Nova York sujeitos à lei de controle de aluguéis criada em 1947, e 1.043.677 de unidades com status de "aluguel estabilizado". No total, isso representa cerca de 70% do estoque de imóveis habitacionais de Nova York. Originalmente, o controle de aluguéis era um programa temporário, com o objetivo de ajudar pessoas a encontrar moradia em Nova York durante a 2ª Guerra Mundial sem pagar valores exorbitantes. Hoje, mais de sessenta anos após o final da guerra, o controle de aluguéis ainda domina o mercado.

No auge do debate sobre qual era o sistema mais produtivo para gerir a sociedade, se o capitalismo ou o socialismo, Ludwig von Mises argumentou que toda intervenção estatal sempre gera novas intervenções estatais com o intuito de corrigir as consequências inesperadas geradas pelas intervenções anteriores. Quando aluguéis são mantidos abaixo de seu valor de mercado, os proprietários simplesmente retiram suas unidades do mercado de locação ou as convertem em condomínios, apartamentos de luxo, ou escritórios comerciais. Coisas como "taxa da chave" também costumam aparecer, que é quando aluguéis são artificialmente baixos, mas os senhorios exigem uma altíssima taxa pelo aluguel da chave do apartamento. Outros inventivos senhorios tentaram contornar as restrições fornecendo apartamentos mobiliados, pelos quais os inquilinos pagam o valor do aluguel controlado mas também têm de pagar um valor inflacionado pelo aluguel da mobília. 

Burocratas governamentais e proprietários de imóveis estão em um constante e infindável jogo de gato e rato, de regulação e evasão, o qual acabou gerando sua própria infraestrutura jurídica na forma do Tribunal Habitacional da Cidade de Nova York. Essa corte possui cinquenta juízes e lida com mais de trezentas mil ações anualmente.

O controle de aluguéis, além de ser um óbvio e direto ataque à propriedade privada (você não pode utilizar a sua propriedade da maneira que mais lhe aprouver), também acaba com os incentivos para a boa manutenção dos estoques habitacionais por parte dos senhorios. Com a adoção do controle de aluguéis e com a subsequente queda da oferta, pessoas fazem fila para conseguir um apartamento, e assim os senhorios podem discriminar quais inquilinos ficarão com as unidades mais pobres. Eliminar a chance do proprietário poder aproveitar o retorno sobre seu investimento em habitações mais nobres significa também eliminar seu incentivo para investir na mais básica manutenção dos edifícios.

Portanto, o que é pior: controle de aluguéis ou bombas? No site do Ludwig von Mises Institute há um vídeo de uma palestra sobre preços proferida pelo economista Joseph Salerno, da Pace University, no qual ele propõe um exercício visual constrangedor. Ele mostra para a plateia fotografias de áreas urbanas destruídas e pergunta se elas foram sujeitas a controles de aluguéis ou bombardeadas. Não é fácil responder, mas a semelhança entre as fotos sugere uma trágica, embora previsível ironia. Uma cidade bombardeada é destruída por pessoas com más intenções. Uma cidade submetida ao controle de aluguéis é destruída por pessoas supostamente com ótimas intenções. 





South Bronx — NY — anos 1980                                  Aachen — Alemanha — 1944


South Bronx — NY — anos 1980 Hiroshima — 1945

Nesta mesma palestra, o Prof. Salerno cita um artigo publicado no The New York Times em 1972, escrito pelo imigrante húngaro George Frank: 

"Eu fui um explorador..." 

Eu fui um explorador. A seguir, a história de como me tornei um. 

Nasci 69 anos atrás. Eu aprendi a arte da marcenaria em minha terra natal, Hungria. Este seria meu 50º ano de atividade produtiva, criando em madeira muitas coisas de beleza duradoura. Meu nome é bem conhecido e muito respeitado nesse meio. 

Há cerca de vinte anos, comprei um pequeno galpão industrial no East Harlem, no número 508 da East 117th St., onde trabalhei em conjunto com minha equipe de 10 a 12 homens. Com as mudanças, melhorias e construções adicionais, a fábrica me custou cerca de US$ 65.000,00. 

Alguns anos depois, comprei o edifício. O prédio contíguo, número 510, foi oferecido a mim por uma barganha, por estar em estado ruim de conservação. Com planos de expandir a fábrica, ou utilizar o terreno como estacionamento, eu o comprei. Por US$ 12.500,00 à vista, tornei-me proprietário de um prédio residencial com quatro unidades. 

As quatro famílias que moram no edifício são todas de gente decente e trabalhadora. Até onde eu sei, eles não precisam e nem nunca pediram caridade, ajuda governamental ou assistência. Ainda assim, as forças da lei me obrigam a lhes dar abrigo e aquecimento por um preço mais baixo do que isso me custa. 

Já há vários anos, meus débitos têm excedido minhas receitas em cerca de 25%, isso sem contar os juros ou os pagamentos para a amortização da hipoteca. 

O prédio estava em más condições quando o comprei. Hoje, comparado a outros, é praticamente um parque de diversões. 

Mas o prédio precisa de telhados novos, paredes novas, forros novos, encanamentos novos, fiação nova, portas novas, sistema de aquecimento novo. Precisa de cerca de US$ 15.000,00 em reparos. 

O prédio atualmente gera uma receita bruta anual de US$ 2.600,00, sendo as despesas com impostos e aquecimento de cerca de US$ 3.000,00. 

Por que eu não solicitei um aumento litigioso dos aluguéis? Meu contador me disse que haveria uma montanha de papéis e formulários para preencher, e que se ele por acaso conseguisse algum aumento, os honorários devidos a ele levariam tudo o que eu porventura ganhasse nos primeiros dois anos após o aumento. 

Até agora eu fui multado quatro vezes por não atender às ordens para corrigir violações do código habitacional. Fui intimado à corte há poucas semanas, e expliquei minha difícil situação para um juiz. Após garantir ser "solidário" à minha situação, ele me multou em US$ 40,00 e prometeu que a próxima seria bem mais alta. 

Depois dessa sessão no tribunal, não voltei para casa. Fui direto para o escritório local da Igreja Católica e pedi a eles que aceitassem o prédio como uma doação. Eles não aceitaram. Uma hora mais tarde fiz a mesma oferta aos Protestantes. Novamente, a resposta foi negativa. Em seguida ofereci o prédio para os quatro inquilinos, de graça, sem nenhum pagamento. Eles não quiseram. 

Tudo bem, eu vou abandonar o prédio, foi meu pensamento seguinte. Vou parar de cobrar aluguel, parar de pagar impostos e de pagar pelo aquecimento. Deixarei a prefeitura se apropriar. Parece uma saída fácil, mas meu advogado me diz que não tem como ser feito sem que eu seja juridicamente responsabilizado financeiramente. 

Assim, cá estou eu com um edifício avaliado pela prefeitura em US$ 21.000,00 — eu repito: US$ 21.000,00 —, mas o qual eu não consigo doar, vender, e nem mesmo abandonar. Sou forçado pela lei a mantê-lo e operá-lo. 

Quer dizer, eu era. Não sou mais. 

Vendi o edifício por US$ 30.000,00. 

Como um bom atrativo, coloquei no negócio o meu bom e velho galpão industrial, que me custou quase US$ 70.000,00, a troco de nada. Em outras palavras, vendi dois imóveis que me custaram cerca de US$ 80.000,00, há quinze anos, por US$ 30.000,00, a serem pagos em seis anos, sem juros. 

Com os US$ 50.000,00 que perdi no negócio — a maior parte da poupança da minha vida —, comprei minha liberdade. 

Aos 69 anos, estou velho demais para começar uma revolução ou para brigar com a prefeitura. Por outro lado, não gosto da ideia de ser intimado a comparecer em tribunal pelo "crime" de ter tido a ousadia de ser um dono de imóvel em Nova York. 

Sentirei muita falta da minha fábrica, onde passei 49 anos felizes. Mas... eu não sou mais um explorador! 

Nota: colocando-se o endereço — 508 East 117th St. — no Google Street View, pode-se ver o galpão da fábrica, ainda com o nome do autor do artigo na fachada. À sua esquerda (nº 510) está o prédio de apartamentos. 

Art Carden é professor-assistente de economia e finanças no Rhode Island College em Memphis, Tenessee, além de ser membro adjunto do Independent Institute, localizado em Oakland, Califórnia. Seus papers podem ser encontrados na sua página no Social Science Research Network.

DESVALORIZAR O CÂMBIO ESTIMULA O CRESCIMENTO ECONÔMICO?


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A teoria econômica convencional afirma que desvalorizar a moeda de um país pode ser algo bom para sua economia, dado que uma moeda mais fraca gera uma taxa de câmbio mais desvalorizada, o que estimularia a produção industrial e consequentemente as exportações e o emprego. Isso geraria um crescimento econômico. Donde se conclui que, caso um país queira vivenciar um crescimento econômico mais acelerado, a desvalorização da moeda seria uma medida necessária.

Pensamento popular

De acordo com o pensamento popular, o segredo para o crescimento econômico está na demanda por bens e serviços. Afirma-se que um aumento na demanda por bens e serviços gera crescimento econômico porque tal aumento irá desencadear a produção de bens e serviços. Logo, aumentos ou reduções na demanda por bens e serviços estariam por trás de aumentos e declínios na produção geral da economia. Sendo assim, para manter a economia crescendo, as políticas econômicas do governo têm se concentrar na demanda geral, implementando medidas para estimulá-la.

É fato que parte da demanda por produtos domésticos advém de países estrangeiros. A acomodação desta demanda é rotulada de exportações. Da mesma maneira, os cidadãos locais também exercitam suas demandas por bens e serviços produzidos no estrangeiro, o que é rotulado de importações. Observe que, ao passo que um aumento nas exportações produz uma demanda geral pelos produtos domésticos, um aumento nas importações reduz esta demanda. Donde se conclui que as exportações, sempre de acordo com este pensamento, são um fator que contribui para o crescimento econômico ao passo que as importações são um fator que subtrai do crescimento da economia.

Dado que a demanda internacional pelos bens e serviços de um país é um importante ingrediente na determinação do ritmo do crescimento econômico, faz sentido, segundo este pensamento, fazer com que os bens e serviços produzidos localmente sejam atraentes para os estrangeiros. Uma das maneiras de fazer com que os bens domesticamente produzidos sejam mais demandados por estrangeiros é fazendo com que os preços destes bens sejam mais atraentes para eles.

Por exemplo, imagine que o preço de um saco de batatas no Brasil é de R$10 e de US$10 nos EUA. Imagine também que a taxa de câmbio entre o dólar e o real é de 1:1. À taxa de câmbio de 1 real por 1 dólar, um americano consegue, com US$10, comprar um saco de batatas brasileiras.

Uma das maneiras de os brasileiros estimularem sua competitividade é depreciando o real em relação ao dólar. Suponhamos que, em reação a um anúncio de que o Banco Central brasileiro está disposto a afrouxar sua política monetária, a taxa de câmbio passe para R$2 por US$1. Consequentemente, isto significa que R$10 agora podem ser adquiridos com US$5, o que por sua vez implica que um saco de batatas brasileiras agora custa US$5. Consequentemente, um americano pode agora com US$10 comprar dois sacos de batatas do Brasil em vez de apenas um, como ocorria antes da depreciação do real. Em outras palavras, o poder de compra dos americanos em relação às batatas brasileiras dobrou.

Se aplicarmos o exemplo das batatas para todos os bens e serviços, podemos chegar à conclusão de que, como resultado da depreciação da moeda, tudo o mais constante, a demanda geral por bens produzidos domesticamente tenda a aumentar. Isto, por sua vez, irá gerar um superávit no balanço de pagamentos e, consequentemente, fortalecer o crescimento do PIB. Observe que, para estimular a demanda estrangeira, os brasileiros estão agora oferecendo dois sacos de batatas em troca de um saco de batatas dos EUA. Isto também significa que o preço de um saco de batatas americanas está agora duas vezes mais caro no Brasil em relação a antes da depreciação do real. Muito provavelmente, isto irá reduzir a demanda dos brasileiros por batatas americanas. O que temos até agora, no que concerne ao Brasil, são mais exportações e menos importações, algo que, de acordo com o pensamento convencional, é uma ótima notícia para o crescimento econômico brasileiro.

Igualmente, à taxa de câmbio original de 1:1, uma redução nos preços domésticos das batatas brasileira de R$10 para R$5 também permitiria a um americano trocar seus US$10 por dois sacos de batatas brasileiras. Em suma, mudanças na taxa de câmbio ou mudanças nos preços nos respectivos países irão determinar a chamada 'competitividade internacional', a qual também é rotulada de taxa de câmbio real. Ela pode ser resumida na seguinte fórmula:

Taxa de câmbio real = taxa de câmbio nominal x (preços estrangeiros/preços domésticos)

A taxa de câmbio nominal é a quantidade de moeda nacional necessária para se adquirir uma unidade de moeda estrangeira. Uma desvalorização cambial significa um aumento da taxa de câmbio nominal (aumenta-se o número de reais necessários para se adquirir um dólar).

De acordo com esta expressão, um aumento na taxa de câmbio real (isto é, uma desvalorização do câmbio real) implica um aumento na competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, e uma redução na taxa de câmbio real (isto é, uma apreciação do câmbio real) significa uma queda nesta competitividade internacional. Donde que, seguindo-se esta equação, uma desvalorização da moeda nacional (uma redução na quantidade de moeda estrangeira necessária para adquirir uma mesma quantidade de moeda nacional) levará a uma desvalorização na taxa de câmbio real e, consequentemente, a um aumento na competitividade internacional. 

Já uma queda nos preços estrangeiros levará a uma apreciação da taxa de câmbio real, desta forma reduzindo a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Seguindo-se este raciocínio simples, conclui-se que a desvalorização da moeda nacional — tudo o mais constante — é algo benéfico para o crescimento econômico.

Por que estimular exportações por meio da desvalorização da moeda não pode fazer uma economia crescer continuamente

Quando o Banco Central brasileiro anuncia que irá afrouxar a política monetária, isto leva a uma rápida resposta dos agentes do mercado de câmbio: eles irão vender a moeda nacional e adquirir moedas estrangeiras, o que irá levar a uma depreciação da moeda nacional. Em resposta a isso, vários produtores nacionais perceberão que agora está mais atraente aumentar suas exportações. Para financiar este aumento em sua produção, os produtores recorrerão aos bancos, os quais, em decorrência das recentes injeções monetárias feitas pelo Banco Central, concederão crédito a taxas de juros menores. 

Fazendo uso deste crédito recém-concedido, os produtores poderão agora adquirir os recursos necessários para expandir sua produção de bens com o intuito de acomodar a crescente demanda estrangeira. Em outras palavras, por meio deste crédito recém-criado, os produtores irão retirar recursos reais de outros setores da economia, desviando-os para si próprios. Enquanto os preços domésticos se mantiverem inalterados, os exportadores irão registrar um aumento nos lucros.

No entanto, este suposto aumento na competitividade gerado pela desvalorização da moeda significa que os cidadãos brasileiros irão agora obter menos bens importados para uma mesma quantidade de bens exportados. Em suma, ao passo que o país está enriquecendo em termos de moeda estrangeira (mais dólares estão entrando no país), ele está empobrecendo em termos de riqueza real, isto é, em termos dos bens e serviços necessários para manter o padrão de vida e o bem-estar das pessoas. A quantidade de bens na economia diminui tanto em decorrência do aumento das exportações quanto em decorrência da diminuição das importações. 

À medida que o tempo passa, os efeitos de uma política monetária frouxa começam a fazer um efeito mais generalizado nos preços dos bens e serviços, e, no final, tendem a solapar os lucros dos exportadores. Em suma, um aumento nos preços põe um fim na ilusória tentativa de se criar prosperidade econômica do nada, utilizando apenas manipulações monetárias para este fim. De acordo com Ludwig von Mises



As tão faladas vantagens que a desvalorização proporciona ao comércio exterior e ao turismo se devem inteiramente ao fato de que o ajuste dos preços e salários domésticos ao estado de coisas criado pela desvalorização requer algum tempo. Enquanto este processo de ajustamento não se completa, as exportações são estimuladas e as importações, desencorajadas. Não obstante, isto significa apenas que, neste intervalo de tempo, os cidadãos do país que desvalorizou sua moeda estão obtendo menos em troca do que estão vendendo no exterior, e pagando mais pelo que estão comprando no exterior; o consumo interno, consequentemente, sofre uma redução. Este efeito pode parecer benéfico para aqueles que medem o bem-estar de uma nação pela sua balança comercial. Em linguagem clara, esta realidade pode ser descrita da seguinte forma: o cidadão inglês precisa exportar mais bens ingleses para poder comprar aquela quantidade de chá que corresponderia, antes da desvalorização, a uma menor quantidade de bens ingleses.

Compare esta política de desvalorização da moeda com uma política conservadora na qual a moeda não se expande. Sob estas condições, quando o conjunto da riqueza real do país está se expandindo — isto é, quando a quantidade de bens e serviços está aumentando —, o poder de compra da moeda nacional irá também aumentar. Isto, tudo o mais constante, levará a uma valorização da moeda. Com a expansão da produção de bens e serviços, e com a queda nos preços e nos custos de produção, os produtores nacionais poderão aprimorar sua competitividade internacional e sua lucratividade nos mercados estrangeiros ao mesmo tempo em que a moeda segue se valorizando. 

Por outro lado, quando há uma política monetária frouxa, os ganhos obtidos pelos exportadores são apenas temporários, e se dão à custa de outras atividades da economia, as quais ficam privadas de recursos, como explicado acima. Já quando a política monetária é austera, os ganhos obtidos não se dão à custa de ninguém; eles são apenas a manifestação da criação de riqueza real.

Uma moeda forte, além de permitir aos seus usuários desfrutar mais bens por meio de mais importações, também lhes propicia uma maior qualidade de vida. Viagens internacionais e produtos eletrônicos exóticos se tornam mais acessíveis aos consumidores. Os produtores nacionais, por sua vez, conseguem acesso mais barato a recursos e a bens de capital estrangeiros. Ainda que seus preços de venda no mercado interno se mantenham inalterados — em decorrência da solidez monetária — o resultado é que seus lucros tendem a ser maiores.

Igualmente, as exportações também tendem a aumentar. A taxa de câmbio representa apenas uma fatia do custo total que os estrangeiros têm de pagar para importar bens desta economia. Tão importante quanto a taxa de câmbio é o custo deste bem em sua própria moeda nacional. Que diferença faz para o importador dos bens da economia brasileira se, por exemplo, o real está 10% mais barato em relação ao dólar e, ao mesmo tempo, os preços domésticos no Brasil subiram também 10% em decorrência da inflação monetária? O efeito é nulo. Por outro lado, com uma moeda forte permitindo a importação maciça de bens de capital mais baratos, os custos de produção tendem a cair e a produtividade tenda a aumentar, o que irá reduzir os preços internos e, consequentemente, estimular as exportações. É assim que uma moeda forte estimula também o setor exportador.

Conclusão

No mundo atual, os bancos centrais agem coordenadamente, expandindo em sincronia a oferta monetária de seus respectivos países de modo a manter as flutuações das taxas de câmbio o mais estável possível. Obviamente, durante este processo, tais políticas desencadeiam um persistente processo de empobrecimento, pois o consumo não se dá de acordo com a produção de riqueza real.

Adicionalmente, neste arranjo, se um país tentar adquirir uma vantagem passageira por meio da desvalorização de sua moeda — implantando uma política monetária mais frouxa —, ele conseguirá apenas estimular os outros países a fazer a mesma coisa. Consequentemente, o surgimento de desvalorizações competitivas é a maneira mais garantida de se destruir a economia de mercado e jogar o mundo em um prolongado período de crise.

Sobre isso, Mises escreveu,

Uma aceitação geral dos princípios do câmbio flutuante irá resultar em uma competição maléfica entre as nações, cada uma se esforçando para desvalorizar mais do que a outra. Ao final dessa competição, os sistemas monetários de todas as nações estarão arruinados.

Frank Shostak é um scholar adjunto do Mises Institute e um colaborador frequente do Mises.org.  Sua empresa de consultoria, a Applied Austrian School Economics, fornece análises e relatórios detalhados sobre mercados financeiros e as economias globais.

Tradução de Leandro Roque

ESCOLÁSTICOS, PREVIDÊNCIA, EDUCAÇÃO, RELIGIÃO, KEYNES - UMA ENTREVISTA COM JESÚS HUERTA DE SOTO



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AEN: O senhor faz uma espécie de revisionismo histórico ao descrever a Espanha como sendo o local de nascimento da Escola Austríaca de Economia


de Soto: Sim, mas é acurado.  Concentrar-se somente em Viena é uma postura muito tacanha.  Há essa tendência de crer, como todos os modernistas, que somente o novo tem valor e que estudar o velho seria mera arqueologia.  Porém, na economia e na filosofia, é exatamente o contrário.  A maioria das grandes e boas ideias já havia sido concebida por alguma grande mente no passado, inclusive as mais fundamentais ideias austríacas.
Uma das principais contribuições de Murray Rothbard foi mostrar que a pré-história da Escola Austríaca pode ser encontrada nas obras dos escolásticos espanhóis durante o "Siglo de Oro Español", que foi desde o reinado de Carlos V no século XVI até o barroco do século XVII.
Nos anos 1950, Friedrich Hayek conheceu o grande intelectual italiano Bruno Leoni, autor de Liberdade e Legislação, e Leoni convenceu Hayek de que as origens intelectuais do liberalismo clássico deveriam ser buscadas na Europa Mediterrânea e não na Escócia.  No livro de Leoni, há uma citação de Cícero na qual Cato diz que o direito romano é o conjunto de regras jurídicas mais perfeito de todos porque ele não foi criado por uma só mente.  Ele não foi construído do nada.  Ele é resultado de um processo para o qual várias mentes contribuíram com sua sabedoria.  Advogados e juízes não fazem as leis; eles as descobrem e podem apenas aperfeiçoá-las muito lentamente.
Tenho uma carta de Hayek, datada de 7 de janeiro de 1979, na qual ele diz que os princípios básicos da teoria da concorrência de mercado já haviam sido delineados pelos escolásticos espanhóis do século XVI, e que o liberalismo econômico não havia sido criado pelos calvinistas, mas sim pelos jesuítas espanhóis.
AEN: Quem eram estes predecessores espanhóis da Escola Austríaca?
de Soto: A maioria deles lecionava teologia e ética na Universidade de Salamanca, uma cidade medieval localizada a 240 quilômetros a noroeste de Madri, perto da fronteira com Portugal.  Eles eram majoritariamente dominicanos ou jesuítas, e sua visão econômica é extremamente semelhante àquela que viria a ser enfatizada por Carl Menger mais de 300 anos depois.
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Um de meus favoritos é Diego de Covarrubias y Leyva, que apresentou a teoria do valor subjetivo.  Ele escreveu que "o valor de um bem não depende de sua natureza essencial, mas sim da estimação subjetiva dos homens, mesmo que tal estimação seja insensata."  Ele nasceu em 1512, foi bispo de Segovia e foi ministro do rei Filipe II de Espanha.  Hoje, no museu do pintor espanhol El Greco, na cidade de Toledo, há uma impressionante imagem pintada dele (foto à esquerda).  Carl Menger menciona o tratado sobre depreciação monetária escrito por Covarrubias em 1650.

Outro importante salamanquense foi Luis Saravia de la Calle, o primeiro pensador a demonstrar que são os preços que determinam os custos de produção, e não o contrário.  Ele escreveu que "aqueles que mensuram o preço justo pelo trabalho, pelos custos e pelos riscos incorridos pela pessoa que lidam com o mercado estão cometendo um grande erro.  O preço justo não é encontrado pela contagem dos custos, mas sim pela estimação comum de todos".  Ele foi também um ardoroso crítico do sistema bancário de reservas fracionárias, argumentando que receber juros era incompatível com a natureza de um depósito à vista (em conta-corrente), e que o correto seria o pagamento de taxas para que o ouro permanecesse armazenado nos bancos.
Os salamanquenses se dispuseram a estudar o sistema bancário porque perceberam a relação corrupta e promíscua entre os bancos e o governo, relação essa que dependia fundamentalmente de uma proteção legal concedida à prática das reservas fracionárias.  Os salamanquenses se opunham a todas as formas de inflação.  Por exemplo, havia Martín Azpilcueta Navarro.  Ele nasceu em 1493, viveu 94 anos, e é especialmente famoso por ter explicado a teoria quantitativa da moeda em seu livro de 1556, Comentario resolutorio de cambios (eu tenho a primeira edição!), escrevendo que "a moeda vale mais onde e quando ela está em falta do que onde e quando ela está em abundância."
Navarro era contrário à prática de reservas fracionárias e fez uma clara distinção entre a atividade bancária voltada para empréstimos e a atividade bancária voltada para depósitos.  O banqueiro, disse ele, deveria ser o "guardião, administrador, fiador" do dinheiro em sua posse.  Ele disse que não pode haver um contrato válido entre um depositante e um banqueiro que permita a prática de reservas fracionárias.  Se tal contrato fosse feito, ambos os lados seriam culpados de fraude.
Mais favorável à prática de reservas fracionárias era Luis de Molina, que foi o primeiro a argumentar que depósitos bancários deveriam ser considerados como parte da oferta monetária.  Porém, ele confundiu depósitos com empréstimos, e não entendeu como as reservas fracionárias são inerentemente desestabilizadoras.  Portanto, Navarro e de la Calle foram os antecessores da Escola Monetária Britânica, extremamente receosos de qualquer atividade bancária que mantivesse menos de 100% de reservas para depósitos à vista, ao passo que Molina e Juan de Lugo foram os precursores da Escola Bancária Britânica, mais tolerantes às reservas fracionárias.
AEN: Além das questões bancárias, a posição política dos salamanquenses eram pró-mercado?
de Soto: Eles tendiam a defender posições libertárias de maneira geral.  Por exemplo, Francisco de Victoria é amplamente visto como o fundador do direito internacional.  Ele reviveu a ideia de que o direito natural é moralmente superior ao poder do estado.  Depois, Juan de Mariana condenou toda e qualquer desvalorização da moeda como sendo uma completa e absoluta usurpação, e sugeriu que qualquer cidadão poderia assassinar um governante que impusesse tributos sem o consentimento das pessoas.  O único quesito em que Mariana errou foi em sua condenação das touradas, mas como sou neto de um famoso toureiro, não sou imparcial.
AEN: O elo espanhol-austríaco vai além de um mero acidente histórico?
de Soto: Lembre-se de que, no século XVI, o Imperador Carlos V, Rei da Espanha— também conhecido como Carlos de Habsburgo — enviou seu irmão Fernando I para ser o Rei da "Áustria", palavra que etimologicamente significa "Parte Oriental do Império", ou Österreich.  Esse reina abrangia a maior parte do continente europeu.  A única exceção era a França, então uma ilha isolada e cercada por forças espanholas.
As relações econômicas, políticas e culturais entre a Áustria e a Espanha continuaram por vários séculos.  Carl Menger redescobriu e abraçou essa tradição continental católica do pensamento escolástico espanhol, que na época já estava quase que completamente esquecida.
AEN: Bem, então o que aconteceu com essa tradição, dado que ela teve de ser redescoberta?
de Soto: Adam Smith e seus seguidores vieram a dominar o pensamento econômico espanhol, pondo fim ao desenvolvimento da escola subjetivista, a qual não apenas defendia o livre mercado de forma consistente, como também dominava toda a sua teoria.  A tradição foi mantida viva na França com os escritos de Richard Cantillon, A.J. Turgot e Jean-Baptiste Say, e algum conhecimento conseguiu penetrar a Inglaterra por meio dos escritos de teóricos protestantes do direito natural, como Samuel Pufendorf e Hugo Grócio.  Porém, na Espanha, vivenciamos os anos de decadência dos séculos XVIII e XIX, com o fim dos Habsburgos e início dos Bourbons da França. 
O estatismo de Filipe IV de Espanha o levou a tentar organizar um vasto império centralizado em Madri, um projeto inerentemente inviável.  Os escolásticos foram contra esse estatismo, é claro, mas foram sumariamente desconsiderados e sua tradição foi perdida.  Havia também o problema de que eles escreviam em latim, o que gerou uma barreira linguística.  Adicionalmente, os britânicos criaram e difundiram a Lenda Negra, que durante os dois séculos seguintes denegriu tudo o que era católico e espanhol.  Ironicamente, a Reforma Protestante na realidade atrasou a causa da economia de livre mercado.  A Igreja há muito tempo vinha desempenhando o papel vital de contrabalançar o poder do estado.  Com o declínio da Igreja em decorrência da Reforma, a sabedoria de seus mais brilhantes teóricos econômicos foi perdida, e o poder do estado e a influência de seus apologistas cresceram.
AEN: Por que foi necessário um austríaco para redescobrir a tradição econômica espanhola?
de Soto: Os livros dos escolásticos foram publicados em Bruxelas e na Itália, e foram enviados à Espanha e a Viena.  Foi assim, portanto, que chegaram à Áustria.  Havia também uma tradição de pensamento escolástico na Áustria, a qual, afinal, é 90% católica.
No entanto, foi um escritor católico espanhol quem solucionou o "paradoxo do valor", 27 anos antes de Carl Menger.  Seu nome era Jaime Balmes.  Ele nasceu na Catalunha em 1810 e morreu em 1848.  Durante sua curta vida, ele se tornou o mais importante filósofo tomista da Espanha.  Em 1844, ele publicou um artigo chamado "A Verdadeira Ideia do Valor; ou Pensamentos Sobre a Origem, a Natureza e a Variedade dos Preços".
Balmes perguntava por que uma pedra preciosa valia mais que um pedaço de pão?  E ele próprio respondeu que o valor de um bem está em sua utilidade, de modo que "há uma necessária relação entre a escassez ou abundância de um bem e o aumento ou a redução de seu valor."
AEN: Falemos sobre questões um pouco mais atuais.  O senhor produziu um plano para reformar o sistema previdenciário espanhol.
de Soto: Essa questão de pensões garantidas para todos os idosos é um problema premente em todos os países ocidentais, mas que só será sentido daqui a algumas décadas, quando então não haverá mais solução.  Em todos os países, as obrigações assumidas pela Previdência são enormes, mas a demografia se encarregou de fazer com que elas se tornassem essencialmente impagáveis, a menos que os impostos sejam elevados a níveis intoleráveis.  Antes de saber o que deve ser feito com estes sistemas, é necessário entender suas inerentes contradições.
Primeiro, os sistemas previdenciários alegam ser esquemas de poupança de dinheiro, mas a realidade é que elesdesestimulam a poupança.  Além de as "contribuições compulsórias" incidirem justamente sobre o que seria a poupança dos indivíduos, a previdência leva as pessoas a crerem que elas não precisam ser precavidas quanto ao futuro, pois o estado cuidará delas.  Consequentemente, as pessoas passam a crer que é desnecessário poupar.  É empiricamente comprovável que a expansão da seguridade social coincidiu com um enorme declínio na poupança das pessoas.  Claro.  Poupança é sacrifício.  Por que poupar se meu futuro "está garantido pelo estado"?  Esta queda na poupança tende a elevar os juros e a consequentemente reduzir os níveis de investimento de várias maneiras impossíveis de ser mensuradas.
Segundo, não importa o que a lei diz sobre como empregados e empregadores compartilham o fardo da contribuição previdenciária.  Do ponto de vista econômico, o trabalhador paga todo o imposto.  Mises foi o primeiro a desenvolver esta constatação em seu livro Socialism, no qual ele disse que contribuições para a seguridade social sempre se dão em detrimento dos salários.
Terceiro, o sistema é baseado em uma generalizada e indiscriminada agressão institucional contra os cidadãos.  Logo, trata-se de um ataque direto à liberdade.  E isso, por sua vez, inibe o desenvolvimento criativo da descoberta empreendedorial.  Novas modalidades financeiras de poupança e o uso eficiente da propriedade são tolhidos.  A resultante malversação de capital e mão-de-obra é incalculavelmente alta.
Quarto, o sistema não pode funcionar como seguro e assistencialismo ao mesmo tempo, porque ambos os conceitos são incompatíveis.  Um seguro é baseado no princípio de que os benefícios se dão de acordo com as contribuições.  Já o assistencialismo é baseado na necessidade.  Se os retornos passam a ser declinantes, que é o que ocorrerá, o elemento "seguridade" do sistema passa a abortar o elemento "assistencialista".  E vice-versa.
E por que nós temos esses sistemas?  Porque burocratas acreditam que algumas pessoas supostamente não são capazes de cuidar de si próprias.  Mas isso é o mesmo que dizer que, dado que um pequeno número de pessoas não consegue se alimentar, todos os indivíduos de uma população devem ser forçados a comer em cantinas estatais.
O segredo para qualquer reforma previdenciária é que cada indivíduo deve ser o responsável por sua poupança.  O indivíduo não pode ser forçado a participar de um programa compulsório.  Aqueles que querem sair do sistema previdenciário devem ter a liberdade para fazê-lo.  Não pagarão contribuições e também não ganharão nenhum benefício estatal.  Esse deve ser o objetivo de longo prazo, e é de se esperar que a maioria das pessoas faria essa opção.  No meu plano, nosso período de transição permite uma redução de 50% na taxa de contribuição atual em troca de se abrir mão de todas as reivindicações futuras.  Adicionalmente, nenhum imposto jamais deve ser aumentado para pagar por esse período de transição.  O sistema previdenciário já está falido e é urgente tratar desse assunto; adiar a solução irá apenas intensificar a tragédia quando esta inevitavelmente chegar.
AEN: A educação estatal pode ser benéfica?  Há vantagens em se ter um sistema de ensino comandado pelo estado?
de Soto: O estado opera à margem do mercado, sem jamais ser guiado pelo sistema de lucros e prejuízos.  E quando você não leva em conta o sistema de lucros e prejuízos, é absolutamente impossível saber se o seu trabalho está sendo bem feito. 
Quando a educação é financiada e controlada pelo estado, você tende a criar — para utilizar um linguajar econômico — um 'investimento errôneo' ou um 'investimento intelectual mal feito'.  A teoria do "capital humano", do economista Gary Becker, insinua que quanto mais se investe em educação e quanto mais a criança aprende na escola, mais valorosa ela se torna para a sociedade.  A conclusão óbvia é que o governo deveria pagar pela escolarização e educação de todos para tornar a sociedade mais rica.
Discordo totalmente de Becker.  Como o dinheiro envolvido é o dinheiro de impostos, não há como calcular em termos econômicos se a educação feita desta forma é um bom investimento ou não.  Muito provavelmente não é.  As pessoas gastam anos estudando coisas que não terão utilidade nenhuma para elas.  Isso é um inacreditável desperdício de talento e de recursos.  Mas é exatamente isso o que ocorre quando se dá ao governo o controle das coisas, principalmente do currículo escolar.
A teoria neoclássica costuma tratar o capital em termos generalistas.  Nela, não há um investimento bom e um investimento ruim de capital; é tudo apenas capital e tudo é homogêneo.  Ocorre que, em vários casos, um investimento errôneo em capital intelectual pode acabar trazendo consequências muito mais nefastas para a sociedade do que uma simples malversação de recursos escassos que foram investidos erroneamente em um projeto que se revelou insustentável.
AEN: O senhor vê alguma contradição no meio liberal entre ideias teóricas radicais e propostas modestas de reforma?
de Soto: O maior perigo para a estratégia libertária é cair na armadilha do pragmatismo político.  É fácil se esquecer dos objetivos supremos em decorrência da suposta impossibilidade política de se alcançá-los no curto prazo.  Consequentemente, nossos programas e objetivos se tornam obscuros e nossos intelectuais são cooptados pelo governo.
A maneira correta de impedir que isso aconteça é adotando uma estratégia dupla.  Por um lado, temos de ser abertos e honestos a respeito dos nossos objetivos, e temos de nos esforçar para educar o público, explicando por que nosso objetivo final é o melhor para a sociedade.  Por outro, devemos apoiar toda e qualquer política de curto prazo que nos leve para mais perto dos nossos objetivos.  Desta forma, quando nossos objetivos de curto prazo forem alcançados, não haverá como retroceder.  Poderemos seguir adiante com a total convicção de que as pessoas compreenderão que é necessário continuar fazendo sempre mais.
AEN: O senhor conheceu a Escola Austríaca aos 16 anos descobrindo acidentalmente em uma biblioteca o livro Ação Humana, de Ludwig von Mises.  Parece surpreendente que a ciência econômica já fosse tão intensamente atraente para o senhor em uma idade tão prematura.
de Soto: Minha família é do ramo do seguro de vida, que aliás é o único traço em comum que tenho com John Maynard Keynes, que, na década de 1930, foi o presidente da National Mutual Life Assurance Society de Londres.  O ramo do seguro de vida é um negócio bastante tradicional, tendo evoluído ao longo de 200 anos sem praticamente nenhuma intervenção estatal.  Trabalhando com meu pai, tornei-me naturalmente interessado em teoria monetária, finanças e instituições econômicas.  Queria ser um atuário.  Eu era muito bom em matemática.
Porém, ainda jovem comecei a me dar conta de que aquilo que funciona para as ciências atuariais, que lida com probabilidades de vide e morte, não pode funcionar na ciência econômica, porque não há constantes na ação humana.  Há criatividade, mudanças, escolhas e descobertas, mas não há parâmetros fixos que permitam a criação de funções matemáticas.
Curvas de oferta e demanda não podem refletir a realidade porque as informações necessárias para construí-las só podem ser obtidas ao longo do tempo por meio do processo empreendedorial.  Essas informações jamais aparecem ao mesmo tempo, como a matemática requer que pressuponhamos.
AEN: Keynes aparentemente não chegou a essas mesmas lições a respeito da ação humana ao trabalhar no ramo de seguros.
de Soto: O problema é que Keynes não corrompeu apenas a ciência econômica.  Ele corrompeu também as práticas do ramo atuarial.  Ele rompeu com as políticas tradicionais de sua empresa e começou a valorar seus ativos ao seu valor atual de mercado em vez de utilizar o conservador método do valor histórico.  Quando você avalia ativos de acordo com seu valor atual de mercado, o valor deles fica ao sabor dos ciclos econômicos.  Se a economia estiver vivenciando uma fase de crescimento em decorrência da expansão artificial do crédito, seus ativos passam a valer mais.  Consequentemente, você passa a fazer investimentos mais ousados e errôneos.  Quando vem a recessão, o valor de seus ativos volta a cair, mas seus passivos permanecem inalterados ou podem até mesmo subir.  Resultado: você reduziu o capital de sua empresa, podendo até mesmo tê-la levado à falência.
Quando Keynes começou a fazer isso, ele imediatamente ganhou uma enorme vantagem competitiva sobre seus concorrentes.  Ele passou a poder distribuir dividendos para seus clientes sem que houvesse obtido nenhum ganho de capital.  Enquanto a bolsa de valores estava subindo, tudo era uma maravilha.  Porém, quando a Grande Depressão chegou, sua empresa quase foi à falência por causa desta sua inovação. 
A atual crise imobiliária e financeira decorre diretamente dessa corrupção nos métodos de contabilidade das empresas e dos bancos.
AEN: O senhor deu ao Mises Institute uma foto do Rei Juan Carlos segurando um livro de Mises.  Ele é um misesiano?
de Soto: Não diria isso, mas ele gosta do livre mercado e entende que temos opiniões radicais a respeito.  Todos os anos, nós o convidamos para uma feira que comemora o lançamento de novos livros liberais, e ele é gentil o bastante para comparecer.  Dado que ele não estudou na Universidade de Chicago, ele é mais pró-austríaco do que seria de se esperar.  Nunca se sabe quais indivíduos ou grupos serão atraídos pela Escola Austríaca.
AEN: Por exemplo, a influência dos austríacos por meio dos salamanquenses sobre a moderna Igreja Católica.
de Soto: A Igreja Católica é como um enorme transatlântico.  Se você vira o timão para a direita, a embarcação começa a se mover muito lentamente, mas chega uma hora em que ela finalmente começa a mudar de direção.
Há um poderoso grupo católico na Espanha chamado Opus Dei.  Eles são muito próximos do Papa e são extremamente pró-mercado.  Alguém dentro da ordem leu as obras de Hayek, viu que ele era extremamente pró-mercado e enviou a mensagem para toda a organização: o Opus Dei tem de apoiar os austríacos.
Repentinamente, todos os meus livros estavam sendo lidos por todos os membros da ordem, e eu comecei a ministrar palestras para seus prelados e numerários. Recentemente, li uma tese de Ph.D sobre Mises e Hayek escrita por um membro proeminente do Opus Dei.
As opiniões da Igreja sobre questões econômicas devem ser ouvidas, mas não impactam em questões relativas à fé.  A propósito, na parede do meu escritório, tenho uma bela foto de Hayek com João Paulo II.
AEN: O senhor acha que economistas deveriam levar a religião mais a sério do que costumam levar?
de Soto: Sem dúvida.  A religião tem um papel importante na vida de uma economia.  A religião transmite de geração para geração certos padrões de comportamento e de tradições morais que são essenciais para que haja respeito às normas, separação dos poderes e respeito aos direitos naturais de cada indivíduo.  Sem isso, uma sólida economia de mercado é impossível.  Se os contratos deixam de ser respeitados, a sociedade se desintegra.  A religião, e não o estado, é o meio essencial de se transmitir às pessoas um senso de obrigações morais, como a de que devemos manter nossas promessas e respeitar a propriedade de terceiros.
AEN: Algum economista já foi declarado santo?
de Soto: Dois escolásticos.  São Bernardino de Siena e seu grande pupilo, Santo Antonino de Florença.  Rezemos para que não sejam os últimos.
AEN: Quais são os seus hobbies?
de Soto: Golfe e iatismo.
AEN: Quais são seus filmes e peças teatrais favoritos?
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de Soto: Jornada nas Estrelas e todos de Shakespeare.
AEN: Qual a sua obra literária favorita?
de Soto: Don Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes.
AEN: Quais músicas o senhor mais aprecia?
de Soto: Franz Peter Schubert e Johannes Brahms.
AEN: O senhor consegue pensar em uma obra de arte que simbolize ou retrate a ação humana?
de Soto: A losa roja (imagem ao lado)


Não deixe de ler os espetaculares artigos de Jesús Huerta de Soto aqui.


A entrevista acima foi concedida ao períodico Austrian Economics Newsletter, do Mises Institute.



Jesús Huerta de Soto , professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor da monumental obra Money, Bank Credit, and Economic Cycles.