sexta-feira, 9 de novembro de 2012

DÉCIMA LIÇÃO


Dez lições de economia para iniciantes - Décima lição: bancos, bancos centrais e ciclos econômicos


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Você sabia que se a maioria dos correntistas de qualquer banco, por mais sólido que ele venha a ser, resolver sacar o dinheiro de suas contas não haverá dinheiro suficiente nos cofres do banco? E que desde 1970 aconteceram 124 crises bancárias no mundo, sem contar a Islândia e a Europa?

Os bancos comerciais, por receberem depósitos à vista (que, juntamente com o papel-moeda e as moedas metálicas compõem o que os economistas chamam de meios de pagamento ou, simplesmente, moeda) são propagadores de crédito e multiplicadores da moeda emitida pelos bancos centrais.

No sistema de reservas fracionárias acontece o que Fernando Ulrich relata em seu artigo sobre o sistema bancário indicado como leitura complementar a esta aula: "No entanto, no atual sistema bancário de reservas fracionárias, os bancos normalmente não emprestam o dinheiro em espécie que foi depositado. Eles, em vez disso, criam uma nova conta-corrente (formada unicamente por dígitos eletrônicos), cujo valor é então concedido como empréstimo. Desta forma, o balancete de um banco irá mostrar um total de $200 na forma de depósitos em conta-corrente, sendo $100 em dinheiro em espécie e $100 em empréstimos (com dinheiro exclusivamente eletrônico). Portanto, o banco possui 50% de dinheiro em espécie (reservas) para honrar seu passivo de $200. Ele possui apenas uma "fração" como reserva. Ao constatarem que os correntistas raramente retiram seus fundos, os bancos se sentem confiantes para expandir o crédito, concedendo empréstimos em quantias várias vezes superiores ao dinheiro originalmente depositado. Bancos, desta forma, criam dinheiro "ex nihilo". Ou, como descrito nos atuais livros-texto de economia, eles multiplicam dinheiro. Trata-se do "multiplicador monetário".

Prossegue Ulrich, em linguagem simples, em seu esclarecedor artigo: "Portanto, por meio da prática de reservas fracionárias, os bancos podem emitir passivos de curto prazo ao mesmo tempo em que mantêm apenas uma pequena fração de ativos líquidos de curto prazo, sendo que a vasta maioria dos ativos está na forma de investimentos de longo prazo. Ao longo da história, a maioria dos bancos mostrou-se incapaz de sobreviver durante muito tempo seguindo esta prática, dado que eles simplesmente não eram capazes de restituir todo o seu passivo em espécie (no passado, ouro; no presente, cédulas criadas pelo banco central). A criação de um banco central foi a consequência lógica desse arranjo, uma criação com o objetivo de remediar essa falha".

Até a primeira guerra mundial os governos estavam restritos em sua capacidade de emitir moeda, porque vigia o sistema de lastro ouro, em que eles só podiam emitir caso houvesse um aumento nas suas reservas de ouro. Com o final daquela guerra, os governos no mundo inteiro abandonaram o lastro ouro, que ficou restrito apenas aos Estados Unidos. Mas em 15 de agosto de 1971, no governo Nixon, os Estados Unidos abandonaram o padrão ouro.

Esse abandono de um lastro foi muito ruim porque provocou inflação em todos os países. Para você ter uma ideia de como isso foi ruim, saiba que o Federal Reserve (o Fed — Banco Central americano) foi criado em 1913 e que um dólar do ano de 1800 equivalia a um dólar de 1913, mas que um dólar atual vale 0,03 de um dólar de 1913! Você não acha que existe algo de errado com o Fed e os bancos centrais em geral?

E no Brasil, as coisas foram diferentes? A verdade é que foram muito piores! Veja só que coisa espantosa: nosso Banco Central foi criado pelo decreto 4.595, de 31 de dezembro de 1964. A moeda que circulava na época era o cruzeiro, criado em 1942. O cruzeiro novo foi implantado no dia 13 de fevereiro de 1967. O cruzeiro, padrão monetário desde 1942, perdia três zeros e se transformava em cruzeiro novo. Portanto, 1 cruzeiro = 0,001 cruzeiro novo.

O cruzeiro substituiu o cruzeiro novo em 15 de Maio de 1970, sendo que um cruzeiro valia um cruzeiro novo. Durou até 27 de fevereiro de 1986.

O cruzado é proveniente do Plano Cruzado, implantado pelo governo Sarney. A partir do dia 28 de Fevereiro de 1986, mil cruzeiros passaram a valer um cruzado. 
Para implantar o cruzado o governo aproveitou as cédulas de 10 mil, 50 mil e 100 mil cruzeiros, carimbando-as para o novo padrão. Portanto, 1 cruzeiro de 1986 passou a valer 0,001 cruzado, ou seja, 1 cruzeiro de 1964, quando nosso Banco Central foi criado, equivalia a 0,000001 cruzados.

Mas a farra não ficou nisso: o cruzado novo entrou em circulação no dia 15 de janeiro de 1989, na segunda reforma monetária do presidente José Sarney. A nova moeda substituía o cruzado, sendo que 1 cruzado novo valia 1000 cruzados, o que significa que 1 cruzeiro de 1964 equivalia agora a 0,000000001 cruzados novos.

O cruzeiro foi reintroduzido como padrão monetário em substituição ao cruzado novo, como parte do "Plano Collor", em março de 1990, sem ocorrer a perda de três zeros. Então, 1 cruzeiro de 1964 equivalia agora a 0,000000001 cruzeiros de 1989.

O cruzeiro real foi implantado no 1º de Agosto de 1993, substituindo o cruzeiro, sendo 1 cruzeiro real equivalente a 1.000 cruzeiros de 1991. Isso significa que 1 cruzeiro de 1964 passava a valer agora 0,000000000001 cruzeiros reais de 1989!

Mas você pensa que a farra acabou aí? Nada disso! O Real foi lançado em 01/07/1994, pelo Plano Real, no governo Itamar Franco. Primeiramente foi estabelecido um índice paralelo para efeito de transição, a Unidade Referencial de Valor (URV). A conversão de cruzeiros reais, para reais foi feita mediante a divisão do valor em cruzeiros reais pelo valor da URV naquela data, que era de CR$2.750,00. Então, um real vale 2.750 cruzeiros reais, ou seja, para encerrar a conversa, 1 cruzeiro de 1964, quando nosso glorioso Banco Central foi criado, equivale a 0,000000000 divididos por 2750!

Não se assuste, porque a coisa é ainda pior: não consideramos a inflação que aconteceu entre 1964 e 1994, consideramos apenas as mudanças de moeda, senão ainda teríamos que dividir esse último número pela inflação que se verificou naqueles 30 anos, que foi uma das maiores do mundo! Literalmente, desde que foi criado, o Banco Central do Brasil nada mais fez do que destruir a nossa moeda!

E por que é muito importante que não ocorram distúrbios na quantidade de moeda? A resposta dos austríacos é que os ciclos econômicos, vale dizer, a inflação e o desemprego são provocados exatamente por manipulações artificiais na moeda e no crédito.

A ideia central da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) é que, quando ocorre uma expansão do crédito bancário, supondo que as expectativas quanto à inflação futura não existam, as taxas de juros, inicialmente, caem, mantendo-se abaixo dos níveis que alcançariam se o crédito não tivesse aumentado. O efeito disso é que, necessariamente, os padrões de gastos sofrerão alterações: os gastos de investimentos subirão relativamente aos gastos de consumo corrente e às poupanças. Portanto, a expansão monetária, necessariamente, provoca uma ausência de coordenação entre os planos de poupança e de investimento do setor privado. Esse impacto descoordenador da política monetária é essencial na visão austríaca, mas não é levado em conta pela teoria macroeconômica convencional.

Ora, a política monetária, ao alterar os preços relativos, modifica os sinais emitidos pelos preços. No caso de uma expansão monetária, estes sinais apontam para a redução dos lucros das empresas que produzem para consumo corrente e para o aumento dos lucros da produção de bens para consumo futuro. Alteram-se, portanto, as taxas de retorno sobre as várias combinações de capital. Os retornos nos estágios de produção mais próximos do consumo caem, enquanto crescem os retornos nos estágios de produção mais afastados do consumo; recursos não específicos deslocam-se dos primeiros para os segundos; vai diminuindo a produção de bens de consumo, ao mesmo tempo em que os padrões de produção de bens de capital vão sofrendo alterações, passando-se a produzir bens que se adaptem a estruturas de produção que abarquem mais estágios do que anteriormente. Para que esses investimentos se completem até o estágio dos bens de consumo final, deverão ser subtraídos mais recursos do consumo, o que significa que a produção de bens de ordens mais baixas deverá manter-se em queda, até que a nova estrutura de produção se complete.

O processo descrito se reverte por ele mesmo: na medida em que as rendas dos donos dos fatores de produção aumentam (em decorrência da expansão monetária), cresce a demanda por bens de consumo, o que faz com que os preços desses bens, relativamente aos preços dos bens mais afastados do consumo, aumentem. Reverte-se, desta forma, o processo: caem os retornos nos estágios mais afastados do consumo final, enquanto sobem os retornos nos estágios mais próximos do consumo final; recursos não específicos fazem o caminho de volta; os bens de capital, que haviam sido dimensionados para a estrutura de produção anterior, têm agora que ser redimensionados para uma estrutura menos intensiva em capital; surgirão perdas e desemprego, que serão mais fortes nos setores que anteriormente haviam se expandido mais e que, agora, se defrontam com superproduções.

As perdas e o desemprego gerados nada mais são do que a contrapartida das alocações perversas de recursos geradas pela expansão monetária. Ou seja, expansão monetária e recessão são inseparáveis!

Para a Escola Austríaca, então, a crise que vem se abatendo sobre os Estados Unidos, a Europa e que se espalha por todo o mundo foi provocada por uma combinação malévola de: bancos centrais fixando as taxas de juros em níveis absurdamente baixos, na tentativa errada de manter as economias em crescimento; gastos irresponsáveis dos governos, que acabaram provocando dívidas públicas espantosamente elevadas. Infelizmente, os governos vêm "combatendo" essa crise da pior forma possível, com os bancos centrais mantendo as taxas de juros próximas de zero e os governos ampliando consideravelmente os seus gastos. Para os austríacos – e toda a experiência de mais de um século mostra que eles estão com a razão – essas medidas só servirão para alimentar mais a crise.
Ubiratan Jorge Iorio é economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 

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