sexta-feira, 30 de novembro de 2012

¿Y sí?

A pergunta mais importante em economia é também a mais difícil de ser respondida: o que ocorreria caso, em vez de adotarmos determinada política A, adotássemos a política B?


Esta é também uma pergunta recorrente na vida comum: se tivesse entrado à esquerda, em vez de à direita, teria chegado mais cedo ao trabalho? Ou, se tivesse me dedicado à medicina, como queria minha mãe (de acordo com a tradição judaica, o feto não é considerado viável até se formar médico), que caminhos minha vida teria tomado?

Algumas dessas questões não têm resposta fora do campo da ficção, pois são experimentos únicos, para tristeza da minha mãe. No que tange a outras, porém, se há regularidades teóricas e empíricas, podemos imaginar como certos fenômenos teriam se desenrolado caso decisões diferentes tivessem sido tomadas em momentos cruciais.

Estava pensando nisso ao observar os desenvolvimentos recentes na Argentina. Não há de ter escapado da atenção do leitor mais atento a magnitude do protesto contra a presidente Cristina Kirchner nem a queda abrupta de sua popularidade pouco tempo depois de sua reeleição.

A verdade é que a Argentina tem, há tempos, adotado um conjunto de políticas econômicas “heterodoxas” que, embora lhe tenha dado certo alívio por um período, foi minando gradativamente sua capacidade de crescimento.

A começar pela despreocupação com a inflação. No começo de 2004, tempos em que o Indec [o IBGE local] ainda era uma instituição confiável, livre do tacão do governo, a inflação havia recuado para níveis muito baixos (cerca de 2%), uma vez dissipados os efeitos da maciça desvalorização do peso no começo de 2002. A atividade econômica, por sua vez, vinha em franca recuperação e o país reunia, assim, as condições ideais para consolidar o controle da inflação.

No que se refere ao desempenho fiscal, a deterioração também foi marcante.Naquele momento crucial, contudo, mais uma oportunidade foi desperdiçada. As autoridades desprezaram a questão inflacionária e elegeram o crescimento como único objetivo. Ao final de 2005, a inflação já ultrapassava os dois dígitos e, para lidar com o problema, o governo recorreu a controles diretos de preços e subsídios; com o fracasso destes, passou a adulterar o índice de inflação. Hoje a inflação oficial se encontra ao redor de 10% nos últimos 12 meses, enquanto estimativas privadas sugerem um índice cerca de três vezes mais alto.

O superavit primário do governo federal, que superava os 3% do PIB até 2008, vem em queda acentuada e equivalia a mero 0,3% do PIB no ano passado, evaporando ao longo de 2012.

Por fim, para a alegria de vários economistas pátrios, a taxa de câmbio argentina foi administrada, supostamente mantida a patamares que tornariam a indústria local competitiva. Obviamente, com a aceleração da inflação, isso não passou de ilusão. A Argentina chegou a ter uma fatia de mercado equivalente a 9% das importações brasileiras (seu principal mercado, que absorve cerca de 20% das exportações platinas); hoje, essa participação caiu para 7%, a menor em quase 20 anos.

Dados esses desenvolvimentos, o surpreendente não é que a Argentina esteja enfrentando problemas sérios; o inusitado, na verdade, é que eles tenham demorado tanto a se manifestar, provavelmente atenuados pelo forte aumento de preços das commodities, assim como pelo bom desempenho brasileiro entre 2004 e 2010.

O interessante é que, embora pouca se ouça dos nossos keynesianos de quermesse sobre a Argentina hoje, a combinação de política por ela adotada de 2004 para cá era cantada em verso e prosa como a receita para o Brasil crescer aceleradamente.

O desempenho argentino pode ser considerado, contudo, como o que poderia ocorrer com o Brasil caso tivéssemos ouvido o canto das sereias heterodoxas. E também como o que pode nos acontecer a continuar a deterioração segura e implacável da nossa política econômica. Por: Alexandre Schwartsman

Fonte: Folha de S. Paulo, 21/11/2012

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