terça-feira, 30 de julho de 2013

IGREJA, ESTADO E POLÍTICOS - O ESTATISMO QUER SER A NOVA RELIGIÃO OFICIAL

Diga e pense o que quiser a respeito do chefe da Igreja Católica, e discorde de todos os pontos que ele defende. Ainda assim é inescapável o fato de que ele representa uma voz de genuína autoridade moral em meio a uma cultura política totalmente pútrida e carente de genuínos porta-vozes da verdade.

E é por isso que é extremamente patético e repugnante ver sórdidas figuras políticas se esmerando para aparecer ao lado do sumo pontífice em cerimônias especiais, fazendo discursos e poses para fotos ao lado de um líder que impõe um respeito natural, respeito este que nenhum político ou chefe de estado usufrui. 

Mas não deixa de ser divertido ver políticos, sempre tão acostumados a ser o alvo das pompas, subitamente terem de trocar de posição e se rebaixarem ao papel de meros coadjuvantes perante um chefe de estado que, ao contrário deles, usufrui respeito e admiração genuínos, sem que para isso tenha de fazer promessas assistencialistas e contar mentiras populistas.

Políticos se submetem a esse protocolo porque sabem que o papa é um dos poucos seres humanos da terra que não podem ser ameaçados ou coagidos por nenhum governo. O papa — bem como outros líderes religiosos — pode não ter nenhum regimento de soldados, mas ele tem algo de fazer inveja aos políticos, para grande desespero destes: um exército de seguidores voluntários, que o admira por aquilo que ele é, e não por aquilo que ele promete fazer. 

Estado x religião

Se levarmos em conta a história da longa e conturbada relação entre igreja e estado, esta atual postura submissa de políticos e chefes de estado ao líder de uma religião é algo extraordinário, e suas implicações merecem uma exploração mais profunda.

Historicamente, a religião sempre representou uma ameaça aos governos porque ela compete pela lealdade dos cidadãos. A maioria dos políticos considera que é o estado, e não Deus, o regente supremo da terra. Eles simplesmente não toleram uma visão de mundo — uma fé — que está em contradição com a ideia de que o poder do estado deve ser supremo e ilimitado.

A principal razão por que a religião é um contínuo e eterno incômodo para os líderes políticos advém do fato de que essa instituição define a autoridade moral independentemente do poder dos governos. Todas as outras organizações da sociedade (com a possível exceção da família) veem o estado como a fonte suprema das sanções éticas. 

Desde a Revolução Francesa, o estado vem querendo tomar o lugar da igreja e da religião na tarefa de arbitrador do que é certo e do que é errado na vida privada e cívica do indivíduo. Porém, por causa de toda a corrupção, de toda a roubalheira, de toda a extorsão tributária, de todas as recessões e de todas as intromissões ilimitada em nossas vidas, o estado desperdiçou toda a autoridade moral que um dia ele reivindicou para si próprio. Por mais que ele tenha se esforçado, o fato é que, no final, a população ainda reconhece a igreja, a religião e várias outras entidades privadas como as genuínas merecedoras de atenção e respeito, ao passo que a esfera política é amplamente considerada um paraíso apenas para os salafrários e esbanjadores.

Mesmo entre agnósticos e ateus não-ativistas, várias figuras religiosas são admiradas por seus feitos, palavras e atitudes. Por exemplo, Madre Teresa de Calcutá e João Paulo II representavam carismas bem distintos dentro da tradição cristã: ela passou sua vida servindo aos mais pobres da humanidade com humildade e desprendimento; ele proclamou o evangelho desde sua eminente posição no topo da hierarquia católica. No entanto, ambos foram creditados como genuínos portadores das melhores intenções, mesmo quando provavelmente estavam errados, e eram respeitados por verbalizarem posições íntegras e probas, ainda que várias vezes impopulares, sobre os assuntos mais prementes da atualidade.

Qual figura política atual consegue exalar naturalmente o mesmo tipo de deferência e respeito? Por acaso, o cidadão comum possui uma profunda ternura e afeição a algum político, mesmo aquele em quem ele votou? Pense nos líderes políticos de hoje, tanto aqueles que ocupam cargos para os quais foram eleitos quanto aqueles que meramente foram nomeados para funções burocráticas. Há algum cuja morte geraria uma efusão em massa de pesar e tristeza, mesmo entre seus não-eleitores? 

Esta realidade se deve, em parte, à ideia — hoje já totalmente arraigada — de que líderes políticos não são guiados por boas intenções, e nem muito menos por uma genuína convicção moral de fazer o que é certo, mas sim por interesses próprios. São os votos, as propinas e os lobbies que azeitam as engrenagens da máquina estatal, e todos sabem disso. Não importa se de direita, de esquerda ou de centro: políticos são ávidos em satisfazer apenas os desejos dos grupos de interesses que os apóiam e financiam sua eleição, e que por isso conseguem vários privilégios protecionistas do estado.

Em contraste, pense naquelas instituições que estão separadas do estado, como a família, a igreja, a religião e a classe de micros e pequenos empreendedores. Cada uma delas é uma instituição voluntária cuja autoridade não é impingida por meio da força, mas sim conseguida por meio do consentimento. Nenhuma destas instituições é perfeita porque todas são formadas por seres humanos falíveis; porém, como um todo, elas conseguem obter nosso respeito e atenção, e exercem mais influência sobre a cultura de uma sociedade do que o setor político e suas ramificações na mídia e nas universidades.

E é exatamente por isso que políticos, intelectuais a soldo de políticos, artistas e demais grupos organizados se dedicam diariamente a demonizar todas essas classes. Só que esta tática de demonização não é de modo algum inédita na seara da política. Durante séculos, o estado vem tentando fazer isso com a igreja, caluniando a voz moral da religião como algo hipócrita e potencialmente tirânico. O estado atual assumiu funções que, para serem de fato executadas, necessitariam de atributos que outrora eram vistos como pertencentes exclusivamente a Deus, dentre eles a onisciência e a onipotência.

Progressistas e conservadores contra a igreja

As posições imutáveis e inflexíveis da igreja geram incômodos a ambos os lados do espectro ideológico, de progressistas a conservadores. João Paulo II, por exemplo, foi violentamente atacado pelos neoconservadores americanos por ter se pronunciado de forma veemente contra a invasão do Iraque. Um deles chegou a fazer a vergonhosa insinuação de que o papa era inimigo dos EUA simplesmente porque ele não apoiava essa campanha de agressão ao Oriente Médio. A verdade é que o pontífice jamais ignoraria a inerente contradição entre ser pró-vida e pró-guerra, e tampouco iria distorcer a doutrina católica da 'guerra justa' apenas para apoiar o ataque a uma nação que claramente não representava perigo algum aos EUA. Os conservadores não perdoaram isso. Os eventos de 11 de setembro não mudaram as leis morais, e o papa entendia que assassinato ainda era assassinato. 

Já os progressistas e demais adeptos do secularismo — dentre eles vários políticos — atacam a igreja e a figura do papa sempre que seus pronunciamentos teológicos vão contra a sua agenda. Eles rotineiramente criticam — e de forma violenta — as posições da igreja em relação ao aborto, à eutanásia, ao casamento gay, ao feminismo e aos métodos contraceptivos. Eles simplesmente não entendem que o catolicismo, como todas as religiões, possui regras que não podem simplesmente ser descartadas para satisfazer os modismos culturais da época. Eles veem a igreja e a religião como um obstáculo à sociedade plenamente secular que sonham em criar — tendo o estado como o agente desta revolução cultural.

Ambos os espectros ideológicos não entendem que as posições da igreja e do papa são teológicas, e não políticas. Eles não aceitam que haja pessoas que colocam a obediência a Deus acima da obediência ao estado. O papa é um homem a serviço de Deus, e não um político a serviço de agendas partidárias. Sua função é manter inalterada a já estabelecida e consagrada doutrina católica, e não atender a caprichos de políticos. Sua missão é salvar almas e não servir aos ditames de grupos organizados.

Para estas pessoas, a não-subserviência do papa a nenhum governo e a nenhuma agenda ideológica é o pecado imperdoável do líder religioso.

O estado jamais poderá substituir a religião

Uma evidência explícita de que estas pessoas têm o estado como religião e fazem dele sua profissão de fé é que o mesmo julgamento rigoroso que elas direcionam ao papa e às instituições religiosas não é aplicado ao estado.

O estado se comprovou um fracasso em fornecer resultados minimamente satisfatórios para qualquer pessoa tenha um comprometimento espiritual a uma genuína fé. Sua seguridade social não apenas não foi capaz de fornecer uma segurança real, como também se mostrou uma péssima substituta para as obrigações familiares; seu assistencialismo não elevou de forma definitiva o padrão de vida das pessoas; os conflitos de classe criados pelo estado — entre pagadores de impostos e consumidores de impostos — estão cada vez mais exacerbados; e suas tentativas de gerenciar a economia geraram apenas estagnação e desilusão.

E, principalmente: quando mensurado por padrões mínimos de moralidade, o estado é reprovado já em sua própria natureza. Ele é o maior dos ladrões, o maior dos corruptores, o maior dos corruptos, o maior dos espoliadores, a mais coercitiva das instituições, o mais notório fraudador e falsificador de dinheiro, e o mais insolente dos mentirosos. E, em cada um destes crimes, o estado conta com toda uma classe de intelectuais ávida para defendê-lo, justificá-lo e dizer que não há nada de errado nessas medidas — os mesmos intelectuais que condenam a igreja por estar em descompasso com as "demandas da modernidade".

O estado é um erro em suas mais fundamentais e conspícuas formas, enquanto que a igreja e outras organizações baseadas no consentimento e na liberdade de escolha jamais chegaram perto do tipo de fracasso que diariamente é exibido pelo estado. Políticos e burocratas nunca estiveram tão impopulares perante o povo, um fato que a grande mídia tenta minimizar ao dizer que a insatisfação é apenas pontual e corrigível. E, no entanto, quando olhamos para todas as sociedades do planeta, constatamos que o estado nunca teve tantos poderes sobre nossas vidas como tem atualmente — poderes que a igreja jamais presumiu ter, mesmo em seu ápice. 

Como pode o estado manter este seu maciço e espantoso poder mesmo em meio à mais ampla e disseminada percepção de sua falência moral? A resposta está na força: o estado aliciou a população por meio de ardilosos esquemas confiscatórios e implantou um cuidadoso arranjo de concessões e benefícios a grupos de interesse. Tal arranjo é eficaz, mas é totalmente instável. E não há nenhuma grande figura política que não saiba disso. Estou certo de que não há um dia em que eles não se preocupem com o futuro da instituição ao qual juraram dedicar suas vidas.

Toda a efusão de bajulação, respeito involuntário e até mesmo inveja que os políticos direcionam ao papa possui significados muito mais profundos do que aparentam à primeira vista. Se você quer ver o formato da ordem social do futuro, olhe para os homens e mulheres de fé e coragem — prelados, empreendedores, pais, mães, intelectuais autônomos e filantropos. É para eles, e não para a classe corrupta de parasitas, que a história está se voltando em busca de uma genuína liderança que mereça confiança.

Até lá, reconfortemo-nos com o fato de que todos estes políticos sabem que jamais receberão o mesmo tipo de adulação sincera que o povo direciona ao pontífice.

Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.
Ron Paul é médico e ex-congressista republicano do Texas. Foi candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2012. Seu website: http://www.ronpaulcurriculum.com/

segunda-feira, 29 de julho de 2013

JESÚS HUERTA DE SOTO EXPLICA O SOCIALISMO DE MANEIRA COMPLETA E DEFINITIVA


Há três livros que ocupam um lugar honroso em minha biblioteca austríaca: Socialism, de Ludwig von Mises; Austrian Perspective on the History of Economic Thought, de Murray N. Rothbard; e Democracia - o deus que falhou, de Hans-Hermann Hoppe. Em minha concepção, estes livros brilham de forma incandescente sempre que olho para eles em minha estante.

E você certamente está se perguntando: onde fica o Ação Humana, de Mises? E o Man, Economy, and State, de Rothbard? E o Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos, de Jesús Huerta de Soto? É claro que estes livros também estão lá, mas o fato é que osTrês Grandes flutuam em uma bolha gravitacional própria, pois formam o núcleo solar do meu processo definitivo de cura em relação ao insidioso vírus socialista. É claro que, nesta tarefa, fui ajudado por vários satélites menores que giram ao redor dos Três Grandes, dentre eles 1984, A Revolta de Atlas e An American in the Gulag.

Quando tinha nove anos de idade, tornei-me um stalinista fanático imediatamente após ter lido O Capital na biblioteca de minha cidade. Aos trinta anos, já havia suavizado um pouco: agora eu era um marxista linha-dura, militante fervoroso do Partido Trabalhista britânico. Tão arraigada em minha mente estava essa ideologia negra, que estou convencido de que, olhando em retrospecto, eu tinha olhos de serpente, uma cauda bifurcada e chifres diabólicos.

Felizmente, consegui me curar deste horror ao finalmente perceber que o socialismo é uma completa idiotice criada por uma gente inescrupulosa, sedenta por poder e ávida por escravizar a humanidade em causa própria, além de ser também a mais maléfica, estúpida e destrutiva religião que a humanidade já inventou. Além dos vários outros desastres que esta ideologia que odeia o ser humano já causou, em sua ânsia por manter as pessoasestúpidas, doentes e pobres — e, consequentemente, mais servis e dóceis para serem exploradas —, o socialismo dizimou centenas de milhões de pessoas, particularmente no século XX, período este que hoje deve ser visto como a sua saudosa era dourada. 

Infelizmente, levei vários anos para me curar desta virulenta infecção mental, processo esse que envolveu uma década de estudos autônomos, de percepção tardia e, principalmente, de várias perguntas duras feitas a mim mesmo, bem como vários relacionamentos despedaçados, memoráveis e amargas acusações de deslealdade, e a dolorosa degradação gerada por hábitos mentais já inoculados em minha mente — afinal, foram anos em que fui treinado a nutrir ódio exasperado e inveja maliciosa de pessoas mais bem sucedidas do que eu.

Os três livros que finalmente destruíram o normalmente imune vírus do socialismo que havia infectado a minha mente foram os supracitados, especialmente o Socialism, de Ludwig von Mises, um livro que até hoje se mostra vigoroso e inspirador a cada releitura, uma espécie de equivalente não-fictício de O Senhor dos Anéis.

Mas eu sentia que havia espaço para um quarto livro, pois ainda não me sentia completamente curado. Ainda faltavam algumas respostas. Ainda faltavam alguns argumentos que me tornassem completamente imune aos resistentes tentáculos do marxismo, como, por exemplo, o ambientalismo. Você tem de fazer com que seu sistema imunológico esteja sempre em prontidão para matar toda e qualquer tentativa de reentrada de antigas e familiares viroses. Havia a necessidade de um quarto livro que fosse capaz de fornecer esta reinoculação ao meu espírito guerreiro contra as aparentemente infindáveis e insidiosas formas de manifestação socialista.

Felizmente, encontrei este quarto livro.

Embora minha educação autônoma tenha chutado o socialismo de volta para o berçário da inveja, que é o seu lugar original, todos os livros que eu havia lido nunca esclareceram uma última questão, a qual vinha me incomodando há anos: por que, afinal, o socialismo demora tanto tempo para fracassar? A União Soviética durou 70 anos e o padrão monetário fiduciário vigente no Ocidente desde 1971 já está durando mais de 40 anos. Sim, o sistema atual permite o cálculo econômico, há a crença míope dos tolos, e há o sistema de 'mentiras criminosas organizadas' ao qual chamamos de governo. Mas qual é o mecanismo essencial que separa o livre mercado da tirania do socialismo? Como algo tipicamente repugnante e podre como o socialismo sobrevive por décadas, sendo que em minhas leituras anteriores aprendi que tal excrescência deveria fracassar em poucos anos, tão logo sua horrenda natureza baseada no ódio e na inveja vingativa é revelada?

Sim, podemos falar sobre os subsídios ocidentais concedidos aos soviéticos e sobre a fé inapropriada que as pessoas ainda depositam nos bancos centrais, mas isso não responde à pergunta: por que o socialismo sobrevive por décadas, principalmente em suas variações e formatos mais brandos, como a social-democracia? Se é verdade que o socialismo é algo imbecil e autodestrutivo, como então essa gonorréia conseguiu se apossar da mente de grande parte da humanidade e por que ela continua sobrevivendo e vicejando por tanto tempo em suas várias formas e encarnações? Se é verdade que o próspero mercado de ideias, como explicado por Hayek, e o exuberante mercado da destruição criativa, como explicado por Schumpeter, realmente funcionam em parceria para expurgar as invenções fracassadas e promover inspirações de sucesso, por que ainda existem tantos keynesianos e tão poucos austríacos? Por que existe tanto governo e tão pouca liberdade?

Jesús Huerta de Soto descobre e revela o misterioso sistema operacional escondido atrás destas perguntas, e o faz de uma forma simples e majestosamente conectiva em seu livro Socialismo, cálculo econômico e função empresarial. Nesta obra, o economista espanhol fornece a resposta a esta pergunta por meio de um enlace entre a ação humana, o empreendedorismo e o cálculo econômico, tudo recheado com uma perspectiva salamanquense da história econômica e uma aspereza tipicamente andaluz para a análise política. O resultado é uma das mais perspicazes e finas monografias austríacas que já tive o deleite de ler, o que fez com que a obra facilmente quebrasse a hegemonia do meu triunvirato de livros heróicos, criando um novo quadrumvirato.

Como Huerta de Soto explica de maneira cristalina, chegando inclusive a utilizar ilustrações para enfatizar melhor sua cadeia de raciocínio, a mente humana está sempre trabalhando de maneira empreendedorial para fazer com que novas ideias se transmutem em ações cujo resultado final será a melhoria do bem-estar humano. Segundo o economista espanhol, a divisão do conhecimento prático empreendedorial se aprofunda "verticalmente" e se expande "horizontalmente", processo esse que permite (e ao mesmo tempo requer) um aumento da população, que estimula a prosperidade e o bem-estar geral, e que ocasiona o progresso da civilização.

Ao mesmo tempo, há uma elite socialista que está constantemente tentando destruir este processo evolutivo, cortando todos os seus elos com o intuito de fazer com que este arranjo produza aquilo que ela quer e faça aquilo que melhor sirva aos interesses pessoais e imorais desta elite, ignorando completamente os desejos independentes e temporais do restante dos indivíduos deste sistema. No entanto, não obstante esta constante e indesejada interferência — e não importando em que ponto do sistema a violência estatal irá se manifestar ou como suas regulações irão afetar as cadeias de informações geradas por empreendedores e consumidores —, o mercado sempre tenta sobreviver, como um ninho de formigas perturbado por uma enxada.

O socialismo, portanto, sobrevive por causa do livre mercado, o qual constantemente tenta reparar os estragosque o socialismo provoca por meio de suas tributações, regulamentações e inflações. O livre mercado tem a capacidade de se auto-corrigir, de se auto-conectar e de se auto-reorganizar, tudo espontaneamente, como um rio que flui não obstante todos os entulhos que despejam nele. Desta forma, o triunfo final do socialismo ocorreria quando houvesse a completa obstrução da fluência do rio, o que representaria a obliteração da humanidade; já o triunfo final do livre mercado será quando este maléfico entulho for finalmente retirado, destruído e erradicado, e o rio puder novamente voltar a fluir sem obstruções.

Sendo assim, quanto mais socialismo houver no sistema, mais rápida será a sua própria morte, pois ele destruirá aquilo do qual se alimenta parasiticamente. Foi assim com o nacional-socialismo e com o comunismo soviético. Já as versões mais anêmicas do socialismo, cujo monstro é menos sedento por sangue, conseguem sobreviver por mais tempo, como ocorre com as sociais-democracias ocidentais.

No entanto, o socialismo sempre será uma besta em contínua expansão, que se alimenta dos sete pecados capitais (ira, avareza, preguiça, vaidade, luxúria, inveja e gula) por meio de mecanismos como assistencialismo, protecionismo, favoritismo e privilégios. Embora a interminável batalha entre socialismo e livre mercado possa algumas vezes se mostrar equilibrada durante um período de tempo, o fato é que socialismo está constantemente tentando — aliás, este é o seu objetivo final — esmagar o livre mercado. Por isso, é de extrema importância eliminar esta aberração por completo, se o nosso objetivo é alcançar um mundo seguro, livre e próspero.

Tudo isso, e muito mais, se torna cristalino quando você lê o livro do professor Huerta de Soto. Esta pequena resenha de modo algum faz justiça ao brilhantismo do livro, o qual você deve ler com atenção para formar suas próprias conclusões. Tudo o que posso dizer é que o livro é altamente recomendado para todas as pessoas interessadas no tema, e ainda mais especificamente para aquelas que querem entender o cerne da insidiosa, maléfica e hipócrita natureza do socialismo, e entender como aniquilar os impulsos suicidas e destruidores desta ideologia que odeia o ser humano, antes que estes impulsos auto-sacrificantes nos destruam.

Por: Andy Duncan é consultor independente para assuntos relativos à indústria de servicos financeiros do Reino Unido.


O MERCADO TRANSFORMA TUDO E TODOS EM MERCADORIA?

Mais clichês já foram proferidos sobre o capitalismo e a economia de mercado do que sobre qualquer outro fenômeno social. Recentemente, lendo as atas de um simpósio internacional ocorrido em 1982, editadas por Walter Block e Irving Hexham, deparei-me com essa observação:

A filosofia do livre mercado nos faz olhar para toda a vida social como se ela fosse um mercado... Ela leva as pessoas a considerarem tudo que as cerca como mercadorias, como coisas que têm preços, como objetos a serem usados.

Quem disse isso realmente é o de menos, embora devo esclarecer que nenhum dos dois editores foram os culpados por isso (duvido que Walter Block diria algo assim mesmo sob ameaça de tortura). Não se trata de um argumento atípico: o livre mercado supostamente "mercadoriza" tudo, e reduz toda a vida a uma questão de cédulas e moedas.

Mas será que é realmente isso que o mercado faz?

Murray Rothbard descreveu o livre mercado como sendo simplesmente "o arranjo social em que os indivíduo praticam trocas voluntárias de bens e serviços". Ao dar a um de seus livros o título Governo e Mercado, Rothbard estava situando "governo" e "mercado" como antinomias. O mercado consiste em transações voluntárias entre agentes dispostos a transacionar; o governo, ou o "poder", introduz a coação nas relações humanas, criando efeitos coercivos que não teriam sido escolhidos voluntariamente pelos indivíduos. 

Se estado e mercado são opostos, comparemos então a pura economia de mercado com a pura aplicação do poder — o serviço militar obrigatório. O recrutamento compulsório consiste em um grupo de pessoas sobre as quais o estado declara ter o direito de utilizar seus corpos em conflitos que envolvem a imposição de violência e o alto risco de morte. O risco moral presente no recrutamento compulsório é óbvio: o estado estará mais preparado para iniciar guerras e incorrer em táticas propensas a gerar significantes perdas de vidas caso o custo de tal atividade seja socializada e os soldados utilizados sejam, do ponto de vista do estado, praticamente sem custos. Se houver muito mais de onde aquelas centenas de milhares de soldados vieram, e nenhuma das autoridades tiver de ser responsabilizada por qualquer custo gerado pela perda de vidas, então é de se esperar que tal arranjo gere mais negligência com a vida humana do que em outro contexto.

Nosso crítico diz que o mercado "leva as pessoas a considerarem tudo que as cerca como mercadorias, como coisas que têm preços, como objetos a serem usados". Mas não seria exatamente isso que o estado faz no caso do recrutamento compulsório, essa que é a mais antimercado das transações? O estado vê o populacho como uma simples matéria-prima a ser empregada, involuntariamente, na busca dos perigosos e violentos objetivos do estado — em outras palavras, como "um objeto a ser utilizado." Com uma diferença: o estado sequer paga um preço mutuamente acordado pela mão-de-obra que ele recruta!

É assim que o estado se comporta continuamente. Ele não precisa interagir com as pessoas ou ter qualquer consideração por suas preferências e direitos; muito menos ele se sente na necessidade de negociar termos satisfatórios com elas. Ele sempre pode agir unilateralmente, de modo que, ao indivíduo, não reste outra alternativa senão aceitar o que quer que o estado tenha determinado em relação a questões como o quanto de sua propriedade será expropriada, o que seu filho aprenderá na escola ou para onde ele será enviado para lutar e morrer.

Já no mercado existe o sistema de preços. Os preços de mercado exercem uma importante função, além de tornarem possíveis tanto o cálculo econômico quanto a ampliação da divisão do trabalho. Os preços de mercado implicam propriedade, a qual por sua vez implica o direito de se desfazer do bem do qual se é dono. Se o preço que ofereço não lhe agrada, você não precisa executar seu serviço laboral para mim. Se o preço que ofereço não lhe agrada, você não precisa entregar sua propriedade para mim. Os preços de mercado nos relembram que a cooperação social tem de trazer em si uma cooperação genuína, o que significa que nenhum lado de uma transação tem o direito de trapacear ou roubar o outro, uma vez que essa é a moralidade do criminoso. Ao contrário deste, os participantes do mercado precisam chegar a acordos que sejam mutuamente satisfatórios para que uma transação ocorra.

Os preços de mercado, em outras palavras, não são coisas artificiais e malvadas que desestimulam a cooperação social. Ao contrário: são eles, acima de tudo, que tornam possível a cooperação social. Eles transmitem a regra de que nós não podemos simplesmente sair andando por aí como selvagens egocêntricos, tomando o que quisermos dos outros, como se nada e ninguém pudesse sobrepujar nossas demandas e desejos. Temos de estar sempre dispostos a oferecer algo em troca das coisas que queremos adquirir, de modo que a pessoa que está nos oferecendo o bem que queremos possa também melhorar suas condições — ao invés de ser por nós explorada, sem qualquer consideração para com seu bem estar.

Com o estado, por outro lado, o preço é aquele que ele próprio determina. Ele vai ofertar serviços que você não quer, que você nunca vai usar e que você pode até achar moralmente repugnante — e então vai dizer que você tem de pagar por eles. Em caso de desapropriação (domínio eminente), quando o estado confisca sua propriedade para benefício próprio, ele irá lhe pagar alguma coisa, porém será o próprio estado quem vai decidir exatamente quanto vai lhe pagar. Como isso pode ser preferível a um mundo em que cada indivíduo tem a liberdade de declarar os termos em que ele aceita dispor de sua propriedade e mão-de-obra? Como isso pode ser preferível a um mundo em que nenhuma transação ocorre a menos que ambos os lados voluntariamente concordem em fazê-la?

É o estado, portanto, e não o mercado, que "considera tudo que [o] cerca como mercadoria... como objetos a serem usados." Precisamente porque age fora do mercado, o estado pode criar preços arbitrários para seus serviços, fazer com que esses preços sejam diferentes para diferentes classes de pessoas e, no fim, ameaçar usar de força física contra qualquer um que se recuse a pagá-los. Quem mais na sociedade civil pode se comportar assim?

Agora, nosso crítico pode retrucar dizendo que não deseja dispensar o mercado como um todo, mas apenas quer ver o mercado tendo uma participação menor na sociedade. Mais: ele quer apenas estimular uma abordagem mais democrática e comunitária da propriedade e de seu uso. Porém, nem uma votação democrática e nem linguagens floreadas alteram minimamente a questão moral. Se uma maioria de eleitores vota a favor de me expropriar ou de me mandar para lutar uma das guerras que o estado empreende pelo mundo afora, a situação em nada difere em termos morais de uma situação em que o estado tivesse feito essas coisas por conta própria.

Quanto ao mercado ter uma menor participação na sociedade, há a inevitável consequência: quanto menor for a sua participação, maior será a participação da arbitrariedade e da força, as quais aumentarão na mesma proporção em que o mercado encolher. Se a livre interação de proprietários não mais puder determinar os termos em que os indivíduos irão interagir entre si, então a ameaça da força assumirá tal função. E aí nós veremos qual sistema realmente considera todos como "objetos a serem usados".

Nada é mais fácil ou mais elegante do que condenar o suposto materialismo do mercado. Mas esse tipo de retórica é o inimigo do pensamento racional. A escolha é clara: propriedade privada e preços de mercado ou a lei da selva. E afetações de cinismo em relação ao mercado ou ilusões românticas sobre como a vida seria mais legal sem ele não podem obscurecer essa escolha fundamental.

domingo, 28 de julho de 2013

O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO NÃO É FALTA DE DINHEIRO

A qualidade do capital humano é essencial para o desenvolvimento. A baixa qualidade da educação explica a perda da liderança econômica da Inglaterra para os Estados Unidos por volta de 1870 e para a Alemanha no fim do século XIX. Para Rondo Cameron e Larry Neal, no livro A Concise Economic History ofthe World, a Inglaterra foi o último país rico a universalizar a educação fundamental. A Revolução Industrial ocorreu, secundo eles, "na era do artesão inventor. Depois, a ciência formou a base do processo produtivo". Em vez dos recursos da natureza - algodão, lã, linho, minério de ferro -, a indústria passou a depender cada vez mais de novos materiais, nascidos da pesquisa científica. Nessa área, americanos e alemães, com melhor educação, venceram os ingleses. A Suécia, que era atrasada no início do século XIX, se industrializou rapidamente graças à educação. Em 1850, apenas 10% dos suecos eram analfabetos, enquanto um terço dos ingleses não sabia ler nem escrever.


No Brasil, até os anos 1960, acreditava-se que a educação seria mero efeito do desenvolvimento. Em 1950 os respectivos gastos públicos eram de apenas 1,4% do PIB. A partir dos anos 1970, a visão se inverteu. Convencemo-nos de que a prosperidade depende da educação. Os gastos subiram e hoje atingem 5,8% do PIB. A educação fundamental foi universalizada na década de 90 (um século e meio depois dos Estados Unidos e quase meio século depois da Coreia do Sul). Agora, demandamos melhora da qualidade, mas a ideia está contaminada pelo hábito de esperar que a despesa pública resolva qualquer problema. Daí o equivocado projeto de lei que aumenta os gastos em educação para 10% do PIB. Na mesma linha, Dilma e o Congresso querem aplicar na educação grande parte das receitas do petróleo.

Proporcionalmente, nossos gastos em educação equivalem à média dos países ricos. Passamos os Estados Unidos (5,5% do PIB). Investimos mais do que o Japão, a China e a Coreia do Sul, três salientes casos de êxito na matéria (todos abaixo de 5% do PIB). Na verdade, a má qualidade da nossa educação tem mais a ver com gestão do que com falta de recursos. O professor José Arthur Giannotti assim se referiu aos jovens que foram às ruas pedir mais dinheiro para o setor: "Pleiteiam mais verbas sem se dar conta da podridão do sistema. Mais do que verbas, é urgente uma completa revisão das instituições educativas vigentes. A começar pela reeducação dos educadores, que, na maioria das vezes, ignoram o que estão a ensinar" (O Estado de S. Paulo, 19/6/2013).

Outro educador, Naercio Menezes Filho, citou o interessante caso de Sobral (Valor, 21/6/2013). Entre 2005 e 2011 o município cearense avançou quatro vezes mais rápido no ensino fundamental do que São Paulo, sem aumento significativo de despesa. "O gasto por aluno que Sobral usa para alcançar esse padrão de ensino nas séries iniciais é de apenas R$ 3 130,00, enquanto a rede municipal de São Paulo gasta ao redor de R$ 6 000 por aluno, ou seja, duas vezes mais." Destinar receitas do petróleo para a educação é um duplo equívoco: (1) o problema não é de insuficiência de recursos, mas de sua aplicação, como vimos; (2) não é correto financiar políticas públicas permanentes com recursos finitos e voláteis. No longo prazo, as reservas de petróleo se esgotarão, enquanto os preços (e as receitas) se sujeitam às oscilações do mercado mundial de commodities.

A proposta desconhece outra lição da experiência: a receita de recursos naturais não renováveis deve pertencer às gerações futuras. O exemplo a seguir é o da Noruega, onde as receitas do petróleo são carreadas para um fundo que em 2012 acumulava 131% do PIB. O fundo serve para lidar com os efeitos de quedas dos preços do petróleo e principalmente com os custos previdenciários que advirão do envelhecimento da população.

A educação brasileira precisa de uma revolução gerencial e de prioridades, inclusive para gastar melhor os recursos disponíveis. Ampliar os respectivos gastos e destinar-lhe as receitas do petróleo agrada a certas plateias, mas o resultado poderá ser apenas o aumento dos desperdícios. Será péssimo para as próximas gerações. 
Por: Maílson de Nóbrega Revista Veja

sábado, 27 de julho de 2013

O TESTE DA REALIDADE

De acordo com a propaganda oficial, o Brasil era. até há pouco tempo, um fenômeno de sucesso sem paralelo na história.

O problema, para o governo, é que não se pode esconder a verdade indefinidamente. 

ESTARIA O ANO DE 2013, NA ECONOMIA, JÁ PERDIDO PARA O GOVERNO DA PRESIDENTE Dilma Rousseff? 

A resposta mais sensata a essa pergunta é que, em dezembro deste ano, ela será substituída por outra, muito parecida: 2013 foi um ano perdido para o governo? O que muda é o tempo do verbo. No mais, teremos o habitual discursório para debater se um crescimento de 1,5%, 2% ou 2,5% no PIB foi bom, médio ou ruim - como se houvesse alguma grande diferença, nas realidades efetivas do Brasil, entre tais números ou outros do mesmo porte. O fato que verdadeiramente importa, seja lá qual for a cifra final de 2013. é que a economia está num pedaço de mau caminho. Pior: continua no mesmo mau caminho em que patina há mais de dez anos, e que ações de pura marquetagem produzidas pela máquina oficial de propaganda têm conseguido esconder durante esse tempo todo do público em geral, dos meios de comunicação e mesmo da maioria das cabeças pensantes do país.

Os números do momento, sem dúvida, são mais do que desconfortáveis. O último deles, divulgado no começo de julho, atesta que agora em maio a economia encolheu 1.4% em relação a abril. Trata-se de um certo TBC-Br, índice do Banco Central, que acrescentou outra informação: nos últimos 12 meses, o PIB cresceu apenas 1,9%, indicando que o crescimento do ano todo de 2013, se não houver uma vigorosa mudança no segundo semestre, ficará abaixo de 2%. É menos da metade do que o governo anunciava em janeiro. Não existe, na verdade, nenhum prognóstico animador. Um dos mais bonzinhos é o do FMI, justo ele, que faia em crescimento de 2,5% para o ano. O próprio Banco Central contenta-se em prever 2.7% - e não existe no horizonte visível nenhum fato concreto que permita esperar coisa muito diferente. Não há nada de bom nessa salada. Qualquer que seja o crescimento do PIB em 2013, será pouco - e isso quer dizer, no fim das contas, que a economia brasileira simplesmente não está funcionando de maneira a atender às necessidades da população. São necessidades desesperadas, urgentes e concretas, ligadas às condições de vida infernais do dia a dia da maior parte dos brasileiros: some-se a isso a exasperação com a roubalheira, o descaso e a incompetência sem limites do governo, e o que se tem é uma explosão como a do mês de junho.

O que o governo Dilma Rousseff está recebendo, agora, é a conta a pagar por mais de dez anos de mentira, durante os quais acreditou que seria possível mentir para sempre. Ainda há pouco falavam que o Brasil, graças ao gênio do ex-presidente Lula, era um fenômeno de sucesso sem paralelo na história econômica mundial. Teríamos "índices chineses" de crescimento. A transposição das águas do rio São Francisco seria a maior realização da engenharia humana desde as pirâmides do Egito. O governo do PT estaria fazendo uma das maiores transferências de renda para os pobres já vista na história. O petróleo do pré-sal levaria o Brasil à Opep - e por ai se vai. Mas não havia nada disso no mundo real. Em dez anos, de 2003 até agora. o Brasil passou uma única vez o crescimento anual de 7% na economia, em 2010 - quando teria de crescer no mínimo 7.5% ao ano, durante pelo menos uma ou duas décadas, para mudar de verdade. Ao longo de toda a gestão Lula-Dilma, a partir de 2003 e incluindo-se o ano de 2013 - com as previsões em vigor -, o Brasil cresceu, em média, 3,7% ao ano, apesar de toda a explosão no desenvolvimento mundial. E metade do que precisamos. E menos que o resultado da América Latina como um todo, muito menos que o dos países "emergentes" e ainda menos que o dos Brics, onde o Brasil figura em último lugar, disparado. A transposição de águas não transpôs água, mas apenas verbas. No caso do petróleo do pré-sal, venderam a pele do urso antes de matarem o urso, e hoje nem sabem mais direito onde está o urso.

É esse o problema com a verdade. Um dia ela aparece. 
Por: J. R. Guzzo Revista Exame

sexta-feira, 26 de julho de 2013

"VAI PASSAR"

Nunca se viu até hoje o caso de dois cachorros que tenham trocado, de livre e espontânea vontade, o osso de um pelo osso do outro, ensina Adam Smith. Ninguém como o velho Smith para dizer cenas verdades. No caso, ele falava do livre-comércio — uma característica exclusiva do ser humano, assim como a palavra, a escrita e outras coisas que distinguem os homens dos animais.


O pensador escocês que informou ao mundo, mais de 200 anos atrás, que o capitalismo existia, explicou como funcionava e demonstrou por que era indispensável para a evolução racional da sociedade, ia direto ao ponto em matéria de economia — mas sua clareza é a mesma quando transportada para a política. Nenhum partido, em nenhuma democracia do mundo, entra numa eleição para perder.

Não quer trocar seu osso com ninguém, quando está no governo — e quando está fora não quer trocar nada, e sim tirar o osso de quem está dentro. O Brasil, é claro, vive segundo essa mesma regra.

Mas a história, aqui, é muito mais quente, porque o osso em disputa é muito maior. Perder uma eleição lá fora é ruim — mas no fim é apenas isso, uma derrota. Aqui não. Se o PT perder a eleição presidencial de 2014. seja com a presidente Dilma Rousseff ou com o ex-presidente Lula, vai haver um terremoto na vida pessoal de dezenas de milhares de pessoas, possivelmente muito mais, a começar por seus bolsos. No caso, iriam embora o governo, os anéis e os dedos.

É disso, e só disso, que se trata. Fala-se uma enormidade, e cada vez mais, sobre o "quadro sucessório"; todo mundo "trabalha com a hipótese" de alguma coisa. (É uma das curiosidades da nossa atual linguagem política: aboliu-se o verbo "pensar". Hoje o indivíduo não pensa — só "trabalha com a hipótese".)

Mas o que está valendo mesmo, no jogo a dinheiro, é a corrida de uma multidão de gente para salvar o próprio couro. Até dois ou três meses atrás, esse era um problema inexistente: o governo tinha certeza de que Dilma "estava eleita já no primeiro turno". Mas a coisa mudou de repente, e o medo de perder invadiu o PT e a base aliada. Já apareceu um "volta Lula", tramado no escuro por ele mesmo, para desmanchar a candidatura de Dilma à reeleição; e os aliados, assim que sentiram o primeiro cheirinho de pólvora no ar, voltaram ao bazar de compra e venda do seu apoio.

As perdas materiais, aí, envolvem gente que não acaba mais. Quantos serão? É difícil saber ao certo. Entram, logo de cara, além dos 39 ministros que pretendem estar no próximo governo, perto de 25 000 funcionários de "confiança" nomeados livremente pelo presidente e sua turma — aos quais se devem somar os empregos que podem dar nas empresas estatais.

Muitos desses cargos são coisa de cachorro grande: a prova mais recente foi a batalha que o senador Fernando Collor ("aliado") travou para substituir os ocupantes de dois empregos na Petrobras por gente sua. Brigou e levou: Dilma. que já não tinha escolhido os dois que estavam lá, também não escolheu os seus substitutos, em mais um belo retrato de como funciona seu governo.

Some-se a isso a grossa maioria dos 594 deputados federais e senadores, e a miudeza política que sobrevive nos subúrbios mais distantes do poder central.

Não se pode esquecer, é claro, todo o mundo multibilionário e opaco dos fundos de pensão gerenciados pelo PT e chefes sindicais — adicione-se a eles, aliás, a nata do mundo sindical petista. Multiplique-se, enfim, tudo isso pelo número de parentes, amigos, amantes, sócios etc. dessa turma, e já estamos falando numa quantidade de gente na casa dos seis algarismos.

O leitor fica convidado a fazer sua conta pessoal.
Falta acrescentar, ainda, os privilégios dos donos do poder, e que valem tanto quanto dinheiro sonante. Um caso, entre milhares, ajuda a entender com perfeita clareza por que é indispensável, para o PT e a base aliada, manter o governo em 2014.

Trata-se da última obra que o governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, colocou em sua biografia. Cabral, que há anos vive ajoelhado diante de Lula, mandou buscar seu cachorro "Juquinha", em sua casa de praia em Mangaratiba, num Agusta AW109 Grand New que faz pane da frota de sete helicópteros do governo estadual, mantidos ao custo estimado de 10 milhões de reais por ano. República?

Está mais para corte de Maria Antonieta tropical. Ao povão do Rio, nessa fantasia, fica reservado o papel dos barões famintos e napoleões retintos que desfilam no samba Vai Passar, de Chico Buarque. 
Talvez esteja aí, no fundo, o problema real da política brasileira de hoje. Se o PT cair fora, quem vai mandar o helicóptero buscar "Juquinha" em Mangaratiba? 
Por: J.R. Guzzo Revista Veja

quinta-feira, 25 de julho de 2013

O FIM DE UMA ERA

Estamos vivendo o final de uma era. Vários fatores, externos e internos, se conjugam para isso. Vejamos os mais relevantes:


1) Fim do crescimento acelerado da China: como todos nós sabemos, a China passa por um delicado rebalanceamento de sua economia, onde a nova liderança política pretende reduzir o peso do investimento como fator líder do crescimento, em benefício da elevação do consumo. Este é relativamente baixo, pois é estimado como sendo da ordem de 35% do PIB. Existem outros aspectos importantes desta política, como um esforço para elevar o conteúdo tecnológico das exportações, mas o fato é que o melhor resultado que se pode esperar para este ano é um crescimento de 7,5%. Olhando mais adiante, o PIB irá se expandir a uma taxa ainda inferior a essa. Mesmo ressalvando que a demanda de alimentos e de petróleo continuará a crescer de forma rápida, os ganhos de renda via preços de exportação de commodities serão menores, afetando negativamente o Brasil.

2) Fim do período de juros internacionais muito baixos: como todos sabem, o Banco Central americano vem sinalizando uma suave reversão da política monetária expansionista. Com isso, o juro de mercado dos papéis longos já subiu algo como 600 pontos. Este movimento e a volta do crescimento mais robusto em 2014 estão levando a uma valorização da moeda americana e a uma alteração nos fluxos de capitais na direção daquele país. Assim, o custo de capital para o Brasil tende a se elevar. Também nossa política comercial externa mostrará mais uma de suas fragilidades, qual seja, o fato de ter abandonado há dez anos qualquer esforço para elevar a penetração de produtos brasileiros no maior mercado do mundo, algo que é parte da explicação de porque nossas exportações estão enfraquecendo rapidamente.

3) Fim do crescimento rápido da nossa demanda interna: como se sabe, a partir de 2010 a demanda das famílias começou a enfraquecer, o que hoje é visível a olho nu. Não se repetirão mais a velocidade da inclusão de novas famílias no mercado de consumo (não existem outros 13 milhões de domicílios que possam receber o Bolsa Família), a bancarização acelerada de novos clientes e a existência de baixos níveis de endividamento. Ao contrário, o elevado comprometimento de renda com prestações é hoje uma limitação à expansão rápida do consumo. É por isso que todos os esforços governamentais para bombar a demanda têm tido resultados pífios.

4) Fim da folga fiscal: a arrecadação vai se elevar muito mais lentamente, tornando mais difícil financiar novos gastos, elevações reais do salário mínimo e novas concessões de benefícios fiscais.

5) Fim do período de crescimento rápido do PIB: no período 2011 / 2013, o crescimento do PIB será inferior a 2%. Isso não acontece por acaso. Já se discutiu à exaustão que ou as condições de oferta melhoram e, junto com elas, nossa competitividade, ou uma boa parte do modesto crescimento da demanda vai vazar para o exterior, na forma de maior importação. Pelo menos dois fatores estão se transformando num obstáculo intransponível para se atingir crescimento mais robusto. Falo aqui do custo total da mão de obra e da carga tributária. O custo do trabalho não para de aumentar (salários, encargos e outros dispêndios) e não tem qualquer ligação mais sistemática com a elevação da produtividade. E este é um processo ainda em curso, pois, como já mostrou José Pastore, a legislação trabalhista não para de criar novos gastos por todos os tipos de razão, e isto sem considerar a nova pauta sindical, onde se inclui a demanda da semana de 40 horas de trabalho, que será discutida neste semestre.

Simultaneamente, a complexidade de nossos tributos está atingindo limites insuportáveis para as companhias. Não se trata apenas do tamanho da carga, mas da insanidade da mudança cotidiana de regras dos mais diversos tipos de impostos (PIS/Cofins e ICMS, especialmente). Se estes dois fatores não forem adequadamente encaminhados, nossos custos de produção jamais se tornarão de novo minimamente competitivos. Ao mesmo tempo, é sonho imaginar que uma megadesvalorização cambial magicamente resolve esses problemas, sem ser dissipada por uma forte inflação.

6) Fim do novo experimento de campeões nacionais: este fenômeno já vinha se delineando desde o colapso dos grupos Independência e Bertin, do caso LBR e outras dificuldades. Entretanto, a derrocada do Grupo X ilustra o ponto de forma definitiva. Embora o ajuste ainda não tenha terminado, é certo que o conglomerado das seis empresas não existirá mais como tal. A empresa de energia (MPX) terá outro controlador, os dois portos, que são bons ativos, deverão ter continuidade com outra organização empresarial. É nebuloso o futuro dos ativos ligados ao petróleo.

Mesmo no melhor cenário, as perdas resultantes deste processo serão muito expressivas. Por exemplo, se tomarmos o preço das ações das seis empresas abertas, nas datas das respectivas operações, e colocarmos os valores em dólar e compararmos com os preços do último dia onze, chegaremos a uma perda do mercado da ordem de US$ 12 bilhões. A OGX e a OSX tinham colocado no mercado externo bônus da ordem de US$ 4,1 bilhões, sendo que o mais líquido deles está hoje sendo negociado a 16 centavos por dólar. Muitas dívidas bancárias estão sendo renegociadas, processo que está longe de seu final. Entretanto, é certo que o volume de provisão que o sistema terá de fazer será considerável. É fácil antever que o mercado de crédito ficará ainda mais seletivo. Outros credores e fornecedores também estão sendo afetados.

A forte deterioração das expectativas e o desarranjo político atual tem, em parte, a ver com a percepção dessas tendências.

Estamos realmente no final de uma era, especialmente de uma era onde o marketing é mais importante que os fatos, onde o discurso é que estamos a um passo do paraíso, enfim, do nunca antes neste País. Vai ser preciso trabalhar muito para voltar a crescer. 
Por: José Roberto Mendonça de Barros O Estado de S. Paulo

A "TERCEIRA VIA"É ESCRAVIDÃO DISFARÇADA


Políticos ao redor do mundo, praticamente sem exceção, vivem parolando sobre as supostas glórias da "terceira via", isto é, a adoção de um modelo econômico que não seja nem capitalismo nem socialismo, mas sim uma mistura daquilo que "ambos os sistemas têm de melhor". A moda é antiga, mas ganhou especial vigor na década de 1990 nos EUA, na Grã-Bretanha e na Alemanha, com as respectivas eleições de Bill Clinton, Tony Blair e Gerhard Schröder. Desde então, a defesa de tal sistema só se revigora a cada ano, não obstante seus retumbantes fracassos.

O principal objetivo da terceira via é combinar a eficiência econômica do capitalismo com a "justiça social" do socialismo — o que significa a imposição de maiores impostos, mais assistencialismo e regulamentações opressivas. Em suma, a terceira via é apenas um nome mais pomposo e populista para a manutenção do status quo.

Ludwig von Mises, ainda em 1921, já havia acabado com essa noção de que você pode combinar o "melhor" do socialismo e do capitalismo. Não existe isso de "o melhor" do socialismo, escreveu ele, pois mesmo a menor quantidade de socialismo distorce o funcionamento de uma sociedade livre.

E, de fato, nem é preciso fazer aqui uma explicação mais elaborada dessa tese para que se entenda por que tal afirmação é verdadeira. Todas as coisas que nos enfurecem em nosso dia a dia — utilizar os Correios, encontrar boas escolas públicas, trafegar nas ruas estatais congestionadas, utilizar a saúde pública, ir a uma repartição qualquer — são, em sua totalidade, operações governamentais. Já os setores da economia que estão, de um modo geral, livres de amarras governamentais — a indústria tecnológica, o comércio via internet e o setor de serviços (aqueles que não são pesadamente regulamentados pelo governo) — funcionam como deveriam.

Economias de mercado prósperas e capitalizadas conseguem aguentar o fardo imposto pelas políticas da "terceira via" com bem mais vigor do que as economias menos desenvolvidas. Por exemplo, a "terceira via" adotada pelas antigas repúblicas socialistas do Leste Europeu destruiu uma década de tentativas de reforma após 1989. E, ainda hoje, a pesada regulação estatal continua aprisionando enormes segmentos da população da América Latina, da África e do Oriente Médio na pobreza.

Amartya Sen, que ganhou o Prêmio Nobel de economia em 1998, é considerado o guru do pensamento da "terceira via". Diz-se que ele colocou uma "face mais humana" na ciência econômica ao introduzir uma "dimensão ética" e uma "preocupação com os pobres" em seus ensaios. Entretanto, a verdade é que essa "ética" e essa "preocupação" nada têm a ver com o quanto ele pessoalmente contribui para causas caritativas. Tais termos são simplesmente códigos para sinalizar que ele defende a medicina socializada, o agigantamento do assistencialismo e um grande papel do governo em planejar a economia.

O fato é que todos nós devemos ficar bastante atentos a propostas de "uma face mais humana" para a economia. Por algum motivo, essa face invariavelmente se traduz na munheca cerrada do estado. É por isso que Sen escreveu que a prosperidade das nações ocidentais "não é o resultado de nenhuma garantia fornecida pelo mercado ou pela busca por lucros, mas sim devido à assistência social que o estado ofertou". É interessante, no entanto, constatar que os soviéticos nunca foram capazes de gerar prosperidade por meio de sua ampla rede de proteção social. Isso, Amartya não explica.

Ao ler toda a literatura defensora da "terceira via", a impressão que se tem é a de que o estado é formado por funcionários amorosos, cuidadosos e sábios, sempre em prontidão para confortar os angustiados e fornecer seguridade para os marginalizados. Com efeito, nenhum estado com essas características jamais existiu e jamais irá existir, por uma única razão: a característica única e inconfundível do estado é o seu uso da violência, e não a sua oferta de amor. O estado não possui recursos próprios; tudo o que ele adquire é por meio da agressão contra as pessoas e suas respectivas propriedades.

As regulamentações estatais são violentas, pois impedem — ao imporem condições sob pena de processo — que indivíduos façam contratos voluntários entre si. Os subsídios, na forma de dinheiro dado diretamente a determinados grupos, são violentos, pois transferem riqueza de um grupo para outro sem a permissão daqueles. A inflação monetária é uma forma sutil e insidiosa de roubo, pois subtrai poder de compra do dinheiro que o estado nos obriga a utilizar. E não irei mencionar aqui os impostos apenas para não ferir a decência.

Mises argumentava que a "terceira via" é instável porque as intervenções criam efeitos nocivos e imprevistos, os quais acabam clamando por mais intervenções apenas para serem corrigidos. O resultado é uma inexorável marcha rumo à economia planejada, a menos que alguns passos definitivos sejam dados com o intuito de retroceder o agigantamento do estado. Uma maneira de contornar esse problema, obviamente, é simplesmente assegurar aos cidadãos que os efeitos ruins do intervencionismo (por exemplo, um menor nível de investimentos) são compensados pelos supostos bons efeitos (toda uma classe de pessoas aliviadas do fardo de ter de trabalhar, por exemplo).

Porém, como podem os "custos sociais" e os "benefícios sociais" de várias políticas serem comparados uns aos outros? Se seguirmos a lógica ensinada pela Escola Austríaca de economia, isso é impossível. O valor de algo é o produto de cada mente humana individual. Os planejadores sociais não têm acesso a essa informação subjetiva simplesmente porque algo tão pessoal como 'valores' não pode ser colocado em equações e sofrer manipulações. É impossível existir algo como "custo social" ou "bem-estar social" em um sentido matemático; tais coisas simplesmente não podem ser computadas.

Adicionar e subtrair valores individuais, e com isso criar um índice de bem-estar geral, é uma impossibilidade — se levarmos a lógica a sério. Porém, no mundo de Amartya Sen, não se pode deixar que a lógica interfira na "face humana". Em suas teorias sobre custo social, ele defende a ideia de que as "utilidades interpessoais" podem ser comparadas. Afinal, se é para termos um estado amoroso e caridoso, temos então de ter alguns meios para compreender a vontade do povo.

Sen é mais desavergonhado e direto que a maioria de seus colegas, porém é fato que o vício de quase toda a ciência econômica moderna é essa presunção de que os economistas sabem melhor do que as próprias pessoas o que é bom para elas próprias e para toda a sociedade. Entretanto, se realmente quisermos que a vontade do povo prevaleça, nenhum sistema tem chances de gerar um resultado melhor do que a economia de mercado. Em um livre mercado, toda a produção, trabalho e consumo refletem as escolhas voluntárias de indivíduos que querem melhorar sua situação de vida. Em uma sociedade puramente voluntária, ninguém é forçado a fazer nada que seja contrário a seus objetivos finais individuais, desde que estes sejam buscados de forma pacífica.

Entender genuinamente esse ponto seria, aí sim, começar a pôr uma autentica face humana na ciência econômica. É o estado quem trata as pessoas como sendo menos do que humanas, como meros objetos a serem manipulados de acordo com a visão que terceiros têm sobre como a sociedade deve funcionar. A verdadeira dinâmica da "terceira via" não é o préstimo ou a compaixão: trata-se, ao contrário, da batalha cruel e selvagem pelo controle das alavancas do poder e da riqueza propiciada por elas. 

Não é coincidência alguma que, tão logo os políticos de qualquer ideologia chegam ao poder, a primeira coisa que eles fazem é falar que são favoráveis à terceira via.

Por: Lew Rockwell  presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State


Tradução de Leandro Roque

quarta-feira, 24 de julho de 2013

SOCIALISMO E RETROCESSO DA CIVILIZAÇÃO


Nas páginas 33—35 do meu livro Socialismo, cálculo econômico e função empresarial, faço uma análise do processo empreendedorial e explico como a divisão do conhecimento prático empreendedorial se aprofunda "verticalmente" e se expande "horizontalmente", processo esse que permite (e ao mesmo tempo requer) um aumento da população, que estimula a prosperidade e o bem-estar geral, e que ocasiona o progresso da civilização. Como indicado naquelas páginas, este processo de "verticalização" e "horizontalização" do conhecimento se baseia


1. na especialização da criatividade empreendedorial em campos cada vez mais específicos, com cada vez mais profundidade e detalhes;

2. no reconhecimento dos direitos de propriedade do empreendedor criativo, o que significa que ele tem o direito de manter para si os frutos de sua atividade criativa em cada uma destas áreas;

3. na troca livre e voluntária destes frutos gerados pela especialização de cada ser humano, uma troca que sempre será mutuamente benéfica para todos aqueles que participam do processo de mercado; e

4. no crescimento contínuo da população humana, o que torna possível "ocupar" e cultivar empreendedorialmente um crescente número de novas áreas de conhecimento criativo empreendedorial, o que enriquece a todos.

De acordo com esta análise, qualquer coisa que garanta a propriedade privada daquilo que cada indivíduo cria e contribui para o processo de produção, que defenda a posse pacífica daquilo que cada indivíduo cria ou descobre, e que facilite (ou não impeça) o processo de trocas voluntárias (os quais, por definição, sempre são mutuamente satisfatórios no sentido de que representam uma melhoria da situação de cada pessoa) irá gerar prosperidade, aumentar a população, e aprofundar o avanço quantitativo e qualitativo da civilização.

Da mesma forma, qualquer ataque à posse pacífica de bens e aos direitos de propriedade sobre estes bens; qualquer manipulação coerciva do livre processo de trocas voluntárias; em suma, qualquer intervenção estatal em uma economia de livre mercado sempre irá gerar efeitos indesejados, suprimir a iniciativa individual, corromper a moral e os hábitos de comportamento responsável, tornar o público imaturo, infantilizado e irresponsável, acelerar o declínio do tecido social, consumir a riqueza acumulada, e bloquear a expansão da população humana e o progresso da civilização, aumentando a pobreza geral.

Como ilustração, consideremos o processo de declínio e desaparecimento da clássica civilização romana. Embora suas características mais proeminentes possam ser facilmente extrapoladas para várias circunstâncias do nosso mundo contemporâneo, infelizmente a maioria das pessoas hoje já se esqueceu, ou ignora por completo, essa importante lição histórica; e, como resultado, elas são incapazes de ver os graves riscos que hoje nossa civilização enfrenta. Com efeito, como explico em detalhes em minhas aulas (e resumo em um vídeo gravado durante uma delas, sobre a queda do Império Romano [La Caída del Imperio Romano], o qual, para minha surpresa, já foi visto na internet por mais de 400 mil pessoas), e de acordo com estudos anteriores feitos por autores como Rostovtzeff (The Social and Economic History of the Roman Empire) e Mises (Ação Humana), "o que provocou a queda do império [romano] e a ruína de sua civilização não foram as invasões bárbaras, mas sim a desintegração dessa interdependência econômica".

Para ser mais exato, Roma foi vítima de um retrocesso na especialização e na divisão do processo comercial, uma vez que as autoridades políticas sistematicamente obstruíam ou impediam trocas voluntárias a preços de livre mercado. E faziam isso em meio a um aumento descontrolado nos subsídios, nos gastos públicos ("panem et circenses") e nos controles estatais sobre todos os preços de mercado. É fácil entender a lógica por trás destes eventos. 

Começando especialmente no século III, a compra de votos e de popularidade levou à disseminação da distribuição de subsídios para a população adquirir alimentos ("panem"). Tais subsídios eram financiados com dinheiro de impostos, política essa conhecida como "annona". Além destes subsídios, havia também uma contínua organização dos mais esbanjadores e opulentos jogos públicos para divertir a população ("circenses"). Em decorrência deste arranjo, não apenas os agricultores italianos ficaram arruinados, como também a população de Roma não parou de crescer até chegar a quase 1 milhão de habitantes. (Por que trabalhar exaustivamente em sua terra se os seus produtos não poderão ser vendidos a preços lucrativos, dado que o estado os distribui praticamente de graça em Roma?).

Sendo assim, a medida mais racional para os agricultores italianos seria deixar o campo e se mudar para a cidade e viver do assistencialismo. Mas tal política tem seus inevitáveis custos, e tais custos não poderiam ser cobertos eternamente pelo dinheiro de impostos. Consequentemente, a solução criada pelo governo para continuar sua política foi a inflação — mais especificamente, a redução do conteúdo metálico das moedas. A consequência foi inescapável: uma queda incontrolável no poder de compra do dinheiro, isto é, um aumento descontrolado dos preços, ao qual as autoridades responderam decretando que os preços fossem congelados aos seus valores anteriores, além de imporem sentenças extremamente rigorosas aos "infratores". 

A imposição deste controle de preços levou a desabastecimentos e a uma ampla escassez (uma vez que, aos baixos preços estipulados pelo governo, não mais era lucrativo produzir ou buscar soluções criativas para os problemas da escassez; ao mesmo tempo, o consumismo e o desperdício estavam sendo artificialmente estimulados). As cidades rapidamente começaram a ficar sem estoques, e a população começou a voltar para o campo e a viver em autarquia em condições muito mais penosas, em regime de mera subsistência, um regime que gerou as bases para o que mais tarde viria a ser o feudalismo.

Este processo de retrocesso da civilização (ou descivilização), o qual surgiu da ideologia demagógica socialista — típica do estado assistencialista e do intervencionismo estatal na economia —, pode ser ilustrada de uma maneira graficamente simples pela inversão da explicação do gráfico da página 34 do meu livro supracitado, Socialismo, cálculo econômico e função empresarial, no qual descrevo o processo por meio do qual a divisão do trabalho (ou melhor, a especialização do conhecimento) se aprofunda e consequentemente a civilização avança.

Comecemos pelo estágio representado pela linha superior do gráfico (T1), o qual reflete o nível avançado de desenvolvimento espontaneamente alcançado pelo processo de mercado romano no início do século I, o qual, como demonstrou o estudioso Peter Temin ("The Economy of the Early Roman Empire" Journal of Economic Perspectives, vol. 20, no. 1, winter 2006, pp. 133?151), era caracterizado por um notável grau de respeito legal e institucional pela propriedade privada (o direito romano), e pela especialização e difusão das trocas voluntárias em todos os setores e mercados (particularmente no mercado de trabalho, uma vez que, como Temin demonstrou, o efeito da escravidão foi muito mais modesto do que sempre se acreditou até hoje). Como resultado, a economia romana daquele período alcançou um nível de prosperidade, desenvolvimento econômico, urbanização e cultura que só voltaria a ser visto no mundo em meados do século XVIII.



As letras maiúsculas sob cada pessoa na figura acima indicam os fins a que cada indivíduo se dedica e se especializa. Ele então comercializa os frutos de sua criatividade e esforço empreendedorial (representados pela lâmpada que "acende") pelos frutos dos outros indivíduos, e todos se beneficiam dessa troca. No entanto, quando a intervenção estatal na economia aumenta (por exemplo, por meio de controle de preços), as trocas são obstruídas e diminuem, e as pessoas se descobrem no estágio representado pela linha do meio do gráfico. Elas são obrigadas a reduzir a amplitude de sua especialização, abandonando, por exemplo, os fins G e M e se concentrando apenas nos fins AB, CD e EF. Houve uma redução na divisão do trabalho e nas transações voluntárias, levando consequentemente a um menor grau de especialização, o que requer um maior número de cópias e reproduções, e um excesso de esforço. O resultado óbvio é uma queda na produção final de todo o processo social, e consequentemente um aumento na pobreza.

O ponto máximo do declínio econômico e da recessão ocorre no estágio mostrado na linha inferior do gráfico (T3). Neste estágio, em decorrência da crescente pressão intervencionista do estado, dos contínuos aumentos nos impostos, e das sufocantes regulamentações, as pessoas, com o único intuito de sobreviver (ainda que a um nível de pobreza até então inconcebível), são forçadas a abandonar quase que completamente a divisão do trabalho e os processos de transações voluntárias que constituem o mercado, a deixar as cidades e retornar ao campo para criar gado e cultivar seus próprios alimentos, fabricar seu próprio couro e construir suas próprias choupanas. Cada indivíduo irá desnecessariamente duplicar as atividades e os fins minimamente necessários para sobreviver (os quais foram marcados ABCD no gráfico). Logicamente, a produtividade irá sofrer uma acentuada queda, e todos os tipos de escassez surgirão, o que levará a uma redução da população em decorrência da falta de recursos. Neste ponto, o processo de desurbanização e descivilização estará completo.

Como Mises indicou,

A combinação de uma política de preços congelados com a deterioração da moeda provocou a completa paralisação tanto da produção quanto do comércio dos gêneros de primeira necessidade, e desintegrou a organização econômica da sociedade. ... Para não morrer de fome, as pessoas fugiam da cidade para o campo e tentavam produzir, para si mesmas, cereais, azeite, vinho e o de que mais necessitassem. ... As cidades, o comércio interno e externo, as manufaturas urbanas deixaram de exercer a sua função econômica. A Itália e as províncias retornaram a um estágio mais atrasado da divisão social do trabalho. A estrutura econômica da antiga civilização, que havia alcançado um nível tão alto, retrocedeu ao que hoje é conhecido como a organização feudal típica da Idade Média. ... [Os imperadores] reagiram de maneira infrutífera, sem atingir a raiz do mal. A compulsão e coerção a que recorreram não podiam reverter a tendência de desintegração social que, ao contrário, era causada precisamente pelo excesso de compulsão e coerção [da parte do estado]. Nenhum romano tinha consciência do fato de que o processo era provocado pela interferência do governo nos preços e pela deterioração da moeda.

Mises conclui,

Uma ordem social está fadada a desaparecer se as ações necessárias ao seu bom funcionamento são rejeitadas pelos padrões morais, são consideradas ilegais pelas leis do país e são punidas pelos juízes e pela polícia. O Império Romano se esfacelou por ter ignorado o liberalismo e o sistema de livre iniciativa. O intervencionismo e o seu corolário político, o governo autoritário, destruíram o poderoso império, da mesma forma que necessariamente desintegrarão e destruirão, sempre, qualquer entidade social. [Itálicos meus].

A análise de Mises foi contínua e invariavelmente confirmada não somente em vários exemplos históricos específicos (processos de declínio e retrocesso da civilização, como, por exemplo, no norte e em outras partes da África; a crise em Portugal após a "Revolução dos Cravos"; a crônica doença social que afeta a Argentina, que era um dos países mais ricos do mundo antes da Segunda Guerra Mundial, mas que hoje, em vez de receber imigrantes, perde sua população continuamente; processos similares que estão devastando a Venezuela e outros regimes populistas na América Latina etc.), mas também, e acima de tudo, pelo experimento do socialismo verdadeiro, o qual, até a queda do Muro de Berlim, imergiu centenas de milhões de pessoas no sofrimento e no desespero.

Da mesma maneira, atualmente, em um mercado mundial totalmente globalizado, as forças descivilizadoras do assistencialismo, do sindicalismo, da manipulação monetária e financeira dos bancos centrais, do intervencionismo econômico, do aumento das regulações e da carga tributária, e da falta de controle das contas públicas estão ameaçando até mesmo aquelas economias que até então sempre foram consideradas as mais prósperas (os Estados Unidos e a Europa). Vivendo hoje uma encruzilhada histórica, estas economias estão lutando para se livrar das forças descivilizadoras da demagogia política e do poder dos sindicatos à medida que elas tentam retornar ao caminho do rigor monetário, do controle do orçamento, da redução de impostos e do desmantelamento da confusa e intricada rede de subsídios, intervenções e regulamentações que sufocam o espírito empreendedorial e infantilizam e desmoralizam as massas. Seu sucesso ou fracasso nesta empreitada irá determinar seu futuro e, mais especificamente, se elas irão continuar a liderar o avanço da civilização como fizeram até hoje, ou se, em caso de fracasso, elas deixarão a liderança da civilização para outras sociedades que, como as sociedades sino-asiáticas, se esforçam de maneira fervorosa e sem nenhum constrangimento para se tornarem as principais do novo mercado mundial globalizado.

É hoje evidente que a civilização romana não caiu em decorrência das invasões bárbaras: ao contrário, os bárbaros facilmente se aproveitaram de um processo social que já estava, por razões puramente endógenas, em marcante declínio e em estágio de avançado colapso.

Mises explicou desta maneira:

Os agressores externos simplesmente se aproveitaram de uma oportunidade que lhes foi oferecida pelo enfraquecimento interno do império. De um ponto de vista militar, as tribos que invadiram o império nos séculos IV e V não eram superiores aos exércitos que as legiões haviam derrotado facilmente algum tempo antes. Mas o império havia mudado; sua estrutura econômica e social tornara-se medieval.

Adicionalmente, o grau de regulação, estatismo e pressão tributária do império se tornou tão grande, que os próprios cidadãos romanos frequentemente preferiam se submeter aos invasores bárbaros por considerá-los um mal menor. Lactâncio, em seu tratado De Mortibus Persecutorum ("A morte dos perseguidores"), escrito no ano 314-315 d.C., afirma,

Chegou-se ao extremo de ser maior o número dos que viviam dos impostos do que o dos contribuintes, até que, por serem consumidos os recursos dos colonos pela enormidade dos impostos extraordinários, as terras foram abandonadas e os campos cultivados foram transformados em selvas. ... Numerosos governadores e subalternos oprimiam cada uma das regiões, inclusive quase a cada uma das cidades. Igualmente numerosos eram os funcionários do fisco, magistrados e substitutos dos prefeitos do Pretório, cuja atividade na ordem civil era escassa, mas intensa à hora de ditar multas e proscrições. As exações de todo tipo eram, já não direi frequentes, mas constantes, e os atropelos para levá-las a cabo, insuportáveis. (citado por Antonio Aparicio Pérez, La Fiscalidad en la Historia de España: Época Antigua, años 753 a.C. a 476 d.C., Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 2008, p. 313).

Claramente, esta situação se assemelha assombrosamente à atual situação mundial de várias maneiras, e uma legião de escritores já demonstrou como o atual nível de subsídios e regulamentações impõe um fardo desmoralizante e intolerável sobre o crescentemente molestado setor produtivo da sociedade. Com efeito, alguns poucos autores, como o espanhol Alberto Recarte, já tiveram a coragem de exigir uma redução "no número de funcionários públicos, particularmente aqueles cujo trabalho é regular, inspecionar e vigiar todas as atividades econômicas por meio da imposição de requerimentos legais custosos e extremamente intervencionistas" (El Desmoronamiento de España, Madrid: La Esfera de los Libros, 2010, p. 126). Sempre é necessário relembrar que todos nós dependemos da produção da atividade econômica privada. Sem ela, definhamos.

Em De Gubernatione Dei (IV, VI, 30), Salviano de Marselha escreve,

Enquanto isso, os pobres estão despojados, as viúvas gemem e os órfãos são pisados a pés, a tal ponto que muitos, incluindo gente de bom nascimento e de boa instrução, se refugiam junto aos inimigos para não perecer à perseguição pública. Eles vão procurar nos bárbaros a misericórdia dos romanos, uma vez que eles não mais toleram a inclemência bárbara que encontram nos romanos. São dife­rentes dos povos onde buscam refúgio; nada têm das suas manei­ras, nada têm da sua língua e, seja-me permitido dizer, também nada têm do odor fétido dos corpos e das vestes dos bárbaros; mas preferem sujeitar-se a essa dissemelhança de costumes a sofrer, entre os romanos, a injustiça e a crueldade. Assim, emigram para os Godos ou para os Bagaldos, ou para os outros bárbaros que em toda a parte dominam, e não se arrependem de sua expatriação, pois preferem viver livres sob a aparência da escravidão que de serem escravos sob a aparência da liberdade (citado em ibid., pp. 314?315).

Finalmente, em seu Historiæ adversum Paganos ("Histórias contra os Pagãos"), o historiador Paulo Orósio conclui,

Os bárbaros passaram a detestar suas espadas, trocaram-nas pelo arado e estão afetuosamente tratando o resto dos romanos como camaradas e amigos, de modo que agora, entre eles, podem ser encontrados alguns romanos que, vivendo com os bárbaros, preferem a liberdade com pobreza a pagar tributos e viver com ansiedade entre seus semelhantes. (itálicos meus).

Não sabemos se, no futuro, a civilização ocidental, que prosperou até hoje, será substituída pela civilização de outros povos que hoje podem ser considerados "bárbaros". No entanto, temos de estar certos sobre duas coisas: primeiro, em meio à mais severa recessão a assolar o mundo ocidental desde a Grande Depressão de 1929, caso fracassemos em aplicar as medidas essenciais — isto é, desregulamentação, especialmente no mercado de trabalho, redução nos impostos e no intervencionismo econômico, maior controle sobre os gastos públicos e a eliminação de subsídios e protecionismos —, corremos o risco de perder muito mais do que apenas o poder de compra da moeda; e segundo, se perdermos em definitivo a batalha da competitividade no mercado mundial globalizado, e entrarmos em um declínio crônico, tal derrota não terá sido por causa de fatores exógenos, mas sim em decorrência de nossos próprios erros, falhas, omissões e deficiências morais.

Não obstante tudo isso, gostaria de finalizar com uma nota de otimismo. É verdade que enfrentamos vários desafios, e é muito fácil nos tornarmos desanimados em decorrência da abundância de inimigos da liberdade que vicejam por todos os lados. Mas também é verdade que, contrariamente à cultura dos subsídios, da irresponsabilidade, da falta de princípios morais e da dependência do estado para tudo, há também, surgindo das cinzas entre vários jovens (e também entre aqueles de nós que já não são mais tão jovens), a cultura da liberdade empreendedorial, da criatividade, da assunção de risco e do comportamento baseado em princípios morais. Em suma, a cultura da maturidade e da responsabilidade (em oposição ao infantilismo ao qual nossas autoridades e políticos gostariam de nos restringir com o intuito de nos tornar cada vez mais servis e dependentes). Para mim, está claro quem possui as melhores armas morais e intelectuais, e que, por isso, são os donos do futuro. É por isso que sou um otimista.

Por: Jesús Huerta de Soto , professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor da monumental obra Money, Bank Credit, and Economic Cycles.