segunda-feira, 8 de julho de 2013

ALGUÉM E NINGUÉM

Mais que um simples escândalo literário e editorial, a FLIP deste ano é um delito de malversação de dinheiro público do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Embratel, da Petrobrás e da Eletrobrás.

Tentando justificar a ausência de escritores liberais e conservadores na Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) deste ano, assim se pronunciaram os seus mais destacados representantes:

Miguel Conde, curador: “Não acho que escritores associados à direita sejam numerosos. Tenho até dificuldade em pensar em nomes.”

Sérgio Miceli, membro da principal mesa de debates : “Bons pensadores à direita são peça rara no país.”

Milton Hatoum, conferencista encarregado da palestra de abertura : “De escritor importante no Brasil, não me lembro de nenhum de direita.”

Dada a relevância dos personagens, não creio exagerar ao supor que suas opiniões e seu nível de cultura exemplificam a média dos participantes, excetuada a hipótese, hedionda mas plausível, de que ela vá daí para baixo.

Nesse sentido, a FLIP é a mais espetacular amostra viva da completa destruição da alta cultura no país, substituída pela tagarelice autopromocional de usurpadores e carreiristas barbaramente incultos e infinitamente presunçosos, cuja sobrevivência no cenário intelectual só se deve a três fatores: (1) proteção governamental, (2) interbadalação mafiosa, (3) sistemática e preventiva exclusão dos adversários reais e possíveis.

O fator 3 vem sendo aplicado com tal perseverança, que acabou por moldar a cabeça dos seus mesmos praticantes. Primeiro eles se recusam a falar de um autor, depois concluem, do seu próprio silêncio, que ele não existe. Sua regra áurea é o argumentum ad ignorantiam: “Tudo aquilo que eu não sei ou que esqueci é inexistente, nulo ou irrelevante.”

Os três citados mostraram mais ignorância da cultura brasileira do que se poderia tolerar – mas não aprovar – em alunos de ginásio.

Não vou discutir com esses palhaços. Vou fornecer ao leitor um breve mostruário daquilo que eles, tomando a sua própria ignorância como medida da realidade, dizem ser inexistente ou quase.

Eis aqui, colhidos a esmo, uns poucos nomes de escritores e outros intelectuais brasileiros de ontem e de hoje, todos mais que consagrados (muitos internacionalmente), tidos como “de direita” seja por eles próprios, seja por seus detratores esquerdistas:

Afonso d’Escragnolle Taunay

Alberto Oliva

Ângelo Monteiro

Antônio Olinto

Antônio Paim

Arthur César Ferreira Reis

Augusto Frederico Schmidt

Bruno Garschagen

Bruno Tolentino

Carlos Lacerda

Cornélio Penna

Demétrio Magnoli

Denis Rosenfield

Diogo Mainardi

Dora Ferreira da Silva

Eduardo Gianetti da Fonseca

Eduardo Prado

Eugênio Gudin

Gerardo Mello Mourão

Gilberto de Mello Kujawski

Gilberto Freyre

Gustavo Corção

Heitor de Paola

Heraldo Barbuy

Ignácio da Silva Telles

Irineu Strenger

Ives Gandra da Silva Martins

João Camilo de Oliveira Torres

João de Scantimburgo

Joaquim Nabuco

Jorge Caldeira

José Américo de Almeida

José Guilherme Merquior

José Osvaldo de Meira Penna

Josué Montello

Júlio de Mesquita Filho

Leonardo Prota

Leonel Franca (Pe.)

Lúcio Cardoso

Luís Viana Filho

Luiz Felipe Pondé

Machado de Assis

Manuel Bandeira

Maria José de Queiroz

Mário Ferreira dos Santos

Mário Guerreiro

Mário Vieira de Mello

Maurílio Penido (Pe.)

Miguel Reale

Milton Campos

Nelson Rodrigues

Nicolas Boer

Octavio de Faria

Oliveira Lima

Oliveira Vianna

Otto Maria Carpeaux (primeira fase)

Paulo Francis (segunda fase)

Paulo Mercadante

Paulo Ricardo de Azevedo (Pe.)

Pedro Calmon

Percival Puggina

Plínio Barreto

Rachel de Queiroz

Reinaldo Azevedo

Renato Cirell Czerna

Ricardo Velez Rodriguez

Roberto Campos

Roberto Fendt Júnior

Rodrigo Gurgel

Romano Galeffi

Roque Spencer Maciel de Barros

Ruy Barbosa

Vicente Ferreira da Silva

Vilém Flusser

Wilson Martins.

Faço a lista no improviso e de memória, porque tenho alguma e porque estudei. Os anões da FLIP não sabem nada, não são intelectuais exceto no sentido muito elástico e gramsciano do termo, isto é, agentes de organizações de esquerda encarregados de “ocupar espaços” na mídia, nas universidades e no movimento editorial e ali abrir vagas para seus parceiros de militância, vetando o acesso de candidatos politicamente indesejáveis. O establishmentesquerdista recompensa-os generosamente ao ponto de induzir cada um à ilusão de que é mesmo, como diria Léon Bloy, “aquilo que se convencionou chamar de alguém” -- e de que tudo o mais é um vasto ninguém.

Mais que um simples escândalo literário e editorial, a FLIP deste ano é um delito de malversação de dinheiro público do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Embratel, da Petrobrás e da Eletrobrás. Pessoas que desconhecem a cultura brasileira não têm nenhum direito de representá-la e de ser subsidiadas para isso pelos já tão espoliados e exaustos contribuintes. A FLIP não é um acontecimento da esfera intelectual, é só mais um episódio banal da corrupção avassaladora que tomou conta deste país.

* * *

Assinalo aqui, de passagem e com imensa tristeza, o recente falecimento de um queridíssimo amigo, o escritor e filósofo Paulo Mercadante, uma das inteligências mais lúcidas e produtivas que este país já conheceu.

Comunista na juventude, Paulo rompeu com o Partido após a denúncia dos crimes de Stálin por Nikita Kruschev em 1956, e formou, com Antônio Paim e outros, o núcleo do que viria a ser a corrente liberal do pensamento brasileiro nas décadas seguintes.

Paulo Mercadante foi o homem mais gentil, bondoso e generoso que conheci, além de autor de pelo menos um clássico indiscutível (A Consciência Conservadora no Brasil) e de notáveis ensaios filosóficos que pairam léguas acima das cabecinhas da FLIP.

Por: Olavo de Carvalho   Publicado no Diário do Comércio.

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