quinta-feira, 26 de abril de 2012

Brasil à beira de um golpe de estado



Lula e seus asseclas já conseguiram calar a oposição. A CPI fajuta desviará a atenção da população não apenas com relação ao mensalão, mas também da PEC que liquida o Poder Judiciário e impõe uma fissura irreparável nos fundamentos da democracia, da segurança jurídica e, por fim, da liberdade.


Lula, o PT e seus sequazes nem sequer disfarçam. A CPI que é um recurso político da minoria, desta feita foi convocada pela maioria, isto é, pelo PT e seus asseclas, ou seja aquele bando de picaretas com assento no Congresso Nacional que atende pelo designativo de "base aliada". O mentor da CPI é Lula que, segundo matéria do site de O Globo, avisou que vale a pena correr riscos para alcançar os resultados: massacrar a oposição.

Em resumo: a Nação calada consente que o parlamento brasileiro seja utilizado como palco de um embuste, uma pantomima diabólica engendrada pelo cérebro de Lula que, provavelemente, foi afetado pela quimioterapia. O futuro dirá se isso é uma simples ilação. Lula pode ser daqueles que acham que por estar com o pé na cova podem fazer o que bem entendem.

Ora, uma CPI é uma providência no âmbito parlamentar que demanda tempo, mobilização de parlamentares, funcionários, assessores, técnicos e o escambau. Isto custa dinheiro aos cofres públicos. Se for uma coisa séria para valer, que investigará a roubalheira e a propinagem institucionalizada, diga-se de passagem, pela bandalha do PT, tudo bem. Mas se for apenas uma jogada político-eleitoral e com a finalidade precípua de criar as condições para desviar a opinião pública do crime do mensalão e promover a procrastinação de seu julgamento a Nação não está apenas sendo iludida, mas à beira de um golpe de Estado mais à frente. 

Notem por exemplo, que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou nesta quarta-feira, por unanimidade, uma proposta de emenda constitucional (PEC) que permite ao Congresso sustar decisões do Poder Judiciário. Atualmente, o Legislativo pode mudar somente decisões do Executivo. A proposta seguirá agora para uma comissão especial.

Essa proposta de emenda constitucional é mais um passo em consonância com as diretrizes do Foro de São Paulo, a organização comunista fundada por Lula, Chávez et caterva. Quanto a isso não há dúvida nenhuma. Caso esses tarados ideológicos do PT consigam aprovar essa afronta ao Estado de Direito Democrático, consuma-se um Golpe de Estado puro e simples. 

É que o Direito (dentro do Estado de Direito Democrático) tem sua funcionalidade e eficácia, ou seja, a segurança jurídica, dependente da estrita obediência às decisões judiciais. Essas decisões podem ser contestadas dentro dos parâmetros legais/processuais constitucionais, porém não podem sob nenhuma hipótese serem desobedecidas. Em outras palavras, a aprovação dessa PEC destrói o principal fundamento do Estado de Direito Democrático.

Em todos os países latino-americanos sob a direção do Foro de São Paulo, como a Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua, Argentina, Paraguai e Uruguai assiste-se ao desmonte das instituições democráticas. O método aplicado é que é diferente de país para país, embora o objetivo seja o mesmo. Assim, diferentes estratégicas são aplicadadas para atingir o mesmo objetivo, a comunização do continente latino-americano. 

Essa CPI, por exemplo, criada pelo Lula, que é um dos principais articuladores do Foro de São Paulo, tem em mira abrir espaço para hegemonia política do PT. E isso acontece em todos esses países que mencionei, mas como disse, de forma diferente e adequada às situações locais.

Os comunistas do PT agem simultaneamente em várias frentes. Enquanto a CPI do Cachoeira é montada para esmagar lideranças oposicionistas, ao mesmo tempo corre silencioso pela Câmara a PEC - Proposta de Emenda Constitucional que emascula o Poder Judiciário.

As outras frentes de ataque do PT às instituições democráticas são levadas a efeito por um conjunto de novas regras de conduta social baseadas no pensamento politicamente correto. Estas podem parecer pontuais, estarem de acordo com um suposto avanço. Incluem-se aí coisas como o Kit Gay, a descriminalização do aborto, a liberalização dos entorpecentes, como a maconha e até mesmo a prosaica proibição de fumar em praça pública. Quanto ao uso do tabaco, essa campanha anti-fumo permite moldar as consciências de forma que o governo possa aumentar desmesuradamente os impostos do comércio de cigarros. Ninguém levanta a voz contra essa torrente de iniquidades que vem sendo transformada em lei. Até que não exista mais qualquer tipo de reação à intromissão do Estado na vida privada das pessoas. 

Na atualidade ainda se vive um resquicio dessa guerra de valores. Mais adiante não háverá mais nenhum tipo de resistência e os cérebros dos cidadãos já estarão completamente abduzidos pela lavagem cerebral consumada pela canalha ideológica que se adonou da Nação brasileira.

Ninguém reflete sobre tudo isso. Tanto é que Lula e seus sequazes continuam dando as cartas e conseguem, até mesmo, criar um CPI fajuta para a realização de suas ambições de poder absoluto, enquanto a massa de orelhudos fala à boca pequena que o PT não sai mais do poder. Ora, com essa atitude bovinamente alienada, oportunista e acrítica será isto mesmo que irá acontecer. 

A rigor, Lula e seus asseclas já conseguiram calar a oposição. A CPI fajuta desviará a atenção da população não apenas com relação ao mensalão, mas também da PEC que liquida o Poder Judiciário e impõe uma fissura irreparável nos fundamentos da democracia, da segurança jurídica e, por fim, da liberdade.

Com o aparelhamento ideológico da Ordem dos Advogados do Brasil, das universidades, das escolas em todos os níveis, das organizações estudantis, dos sindicatos e centrais sindicais - inclusive as patronais como a Conferação Nacional da Indústria (CNI), constata-se que a Nação está assim como "enfeitiçada" pelo canto de sereia dos comunistas, agora travestidos de ecologistas e de pseudos libertários, na verdade autênticos liberticidas. 

Finalmente, a grande mídia dá a contribuição definitiva para que toda a verdade seja substituída pela repetição da mentira até que esta se torne - pasmem - uma verdade incontestável. Prestam-se, como lacaios de Lula, do PT e seus sequazes, os jornalistas em sua maioria. Calculo que 99% dos jornalistas da grande imprensa brasileira fazem parte dessa legião de mentirosos e idiotas de todos os matizes.

Eu sei o que estou afirmando. Estou no jornalismo há mais de 40 anos e trabalhei em jornais diários. Também sou advogado inscrito na OAB, Mestre em Direito e também trabalhei durante vários anos na Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarinsa (FIESC). Conheço muito bem o ambiente político e empresarial, bem como os empresários brasileiros em nível nacional. 

Assim, acumulo um acervo de conhecimento e informação - sem qualquer modéstia - respeitável. Isto conjugado com a minha memória - sem modéstia também - estupenda, se transforma numa poderosa ferramenta para a produção de análises políticas, econômicas e sociológicas em níveis nacionais e internacionais.E, também sem qualquer falsa modéstia, escrevo sobre qualquer assunto.
Espero poder contribuir de alguma forma para melhorar o Brasil. Se é que o lixo ocidental possa sofrer algum tipo de mudança positiva. Por: Aluizio Amorim

Progressistas, reacionários, histeria e a longa marcha gramsciana


Para os comunistas, o objetivo era a estatização dos meios de produção, a erradicação da classe capitalista, e a tomada de poder pelo proletariado.  Já os social-democratas entenderam ser muito melhor um arranjo em que o estado socialista mantém os capitalistas e uma truncada economia de mercado sob total controle, regulando, restringido, controlando e submetendo todos os empreendedores às ordens do estado.  O objetivo social-democrata não é necessariamente a "guerra de classes", mas sim um tipo de "harmonia de classes", na qual os capitalistas e o mercado são forçados a trabalhar arduamente para o bem da "sociedade" e do parasítico aparato estatal.  Os comunistas queriam uma ditadura do partido único, com todos os dissidentes     sendo enviados para os gulags.  Os social-democratas preferem uma ditadura "branda" — aquilo que Herbert Marcuse, em outro contexto, rotulou de "tolerância repressiva" —, com um sistema bipartidário em que ambos os partidos concordam em relação a todas as questões fundamentais, discordando apenas polidamente acerca de detalhes triviais — "a carga tributária deve ser de 37% ou de 36,2%?".
Esta distinção nos objetivos — totalitarismo brando vs. radical — também é refletida na acentuada diferença entre as estratégias e dos meios utilizados.  Os comunistas, ao menos em sua clássica fase leninista, ansiavam por uma revolução violenta e apocalíptica que destruiria o estado capitalista e levaria à ditadura do proletariado.  Já os mencheviques — social-democratas ou neoconservadores —, fieis ao seu ideal "democrático", sempre se sentiram um tanto desconfortáveis com a ideia de revolução, preferindo muito mais a "evolução" gradual produzida pelas eleições democráticas.  O estado deve ser totalmente aparelhado por intelectuais partidários e simpatizantes, de modo a garantir a continuidade da longa marcha gramsciana da conquista das instituições culturais e sociais do país. 
Por que a esquerda sempre faz uma oposição histérica a toda e qualquer ínfima medida ou iniciativa que seja por ela tida como "antiprogressista" ou, pior ainda, "reacionária"?  Seja no quesito aborto, no quesito dos "direitos" dos homossexuais ("direitos", no linguajar esquerdista, nada mais são do que deveres impingidos aos pagadores de impostos), nos privilégios raciais e sindicais, no feminismo, no desarmamento e até mesmo em tímidas propostas de reformas assistencialistas, a esquerda progressista sempre reage com um furor frenético contra qualquer pessoa — seja político, comentarista político ou apenas alguém da mídia alternativa — que se atreva a fazer algo que leve a um pequeno recuo destes sagrados esquemas socialistas.

O frenesi progressista que vem varrendo o mundo começou realmente no final dos anos 1930.  Naquela época, vivendo em Nova York, minha família, meus amigos e meus vizinhos, todos esquerdistas, haviam chegado ao paroxismo do medo e da raiva por causa da contrarrevolução de Franco e da iminente derrocada do governo espanhol esquerdista durante a Guerra Civil Espanhola.  Superabundavam denúncias e vituperações lacrimosas contra Franco, além de contínuas exortações para que "alguma coisa fosse feita".  Houve a criação de organizações especializadas em enviar de tudo para a Espanha, desde leite até armas e soldados.  Era a "Brigada Internacional", criada para defender a esquerda espanhola (alcunhada de "Legalistas" pelo sempre simpatizante The New York Times e por outros veículos da mídia "respeitável").

Vale enfatizar que estas pessoas jamais — nem antes e nem durante — haviam demonstrado qualquer tipo de interesse pela história, cultura ou política espanhola.  Logo, por que repentinamente passaram a se preocupar com o país?  O historiador esquerdista Allen Guttman chegou até a documentar e celebrar esta histeria em relação à Espanha em seu livro A Ferida no Coração (o título já diz tudo).  Certa vez perguntei ao meu amigo Frank S. Meyer, que havia sido um proeminente comunista americano, a respeito deste enigma.  Ele deu de ombros: "Nós [os comunistas] nunca conseguimos entender o porquê.  Mas tiramos proveito do sentimentalismo progressista da questão".
A explicação ortodoxa dos historiadores é que os esquerdistas da época — cujo quartel-general, a fonte de financiamento, estava nos EUA — estavam especialmente temerosos quanto à "ameaça do fascismo", e defendiam freneticamente a esquerda espanhola porque viam a Guerra Civil daquele país como um prenúncio de uma inevitável Segunda Guerra Mundial.  Mas o problema com esta explicação é que, embora a esquerda progressista houvesse defendido entusiasmadamente a "boa" Guerra contra o Eixo, ela nunca realmente arregimentou a mesma emotividade, a mesma exaltação, o mesmo furor que demonstrava em relação a Franco contra Hitler, por exemplo.
Então, qual a verdadeira explicação para a atual postura da esquerda em relação a temas cultural e economicamente progressistas?
Creio que uma pista pode ser encontrada na mini-histeria que a esquerda demonstrou a respeito da contrarrevolução ocorrida contra o regime esquerdista da Salvador Allende no Chile, uma contrarrevolução que colocou o General Augusto Pinochet no poder.  A esquerda, até hoje, ainda não perdoou a direita chilena e a CIA por este golpe.  Allende ainda é considerado um mártir querido pela esquerda, e sua filha Isabel, um ícone (embora ainda percam para Che Guevara).  Seria esta raiva tão duradoura só porque um regime comunista foi derrubado?  Quase, mas ainda longe.  Afinal, a esquerda não demonstrou grandes emoções, não demonstrou nenhum desespero, quando os regimes comunistas entraram em colapso na União Soviética e no Leste Europeu.
Logo, sugiro que 'A Resposta' para este mistério é a seguinte: a esquerda é, em sua essência, "progressista", o que significa que ela acredita, à moda marxista ou Whig, que a história consiste de uma 'inevitável marcha ascendente' rumo à luz, rumo à utopia socialista.  A esquerda progressista acredita no mito do progresso inevitável; ela acredita que a história está ao seu lado, sempre conspirando a seu favor.  Sendo ela formada por social-democratas (mencheviques), primos dos comunistas (bolcheviques) — com quem vivem entre tapas e beijos —, a esquerda progressista possui um objetivo similar ao dos comunistas, mas não idêntico: um estado socialista igualitário, gerido totalmente por burocratas, intelectuais, tecnocratas, "terapeutas" e pela Nova Classe iluminada, geralmente em colaboração com — e sempre sendo apoiada por — credenciados membros de todos os tipos de grupos vitimológicos, aquela gente que se diz perseguida e que vive lutando por "direitos iguais" — sendo que o 'iguais' significa na verdade 'superiores'.  Estes grupos são formados por negros, mulheres, gays, deficientes, índios, cegos, surdos, mudos etc. 
A esquerda progressista acredita que a história está marchando inexoravelmente rumo a este objetivo.  Uma parte vital deste objetivo é a destruição da família tradicional, "burguesa" e composta de pai e mãe, que deve ser substituída por um sistema em que as crianças são criadas e educadas pelo estado e por sua Nova Classe de orientadores, tutores, terapeutas e demais "cuidadores" infantis.
A utópica marcha da história, objetivo dos social-democratas, também é similar à dos comunistas, mas não exatamente a mesma.  Para os comunistas, o objetivo era a estatização dos meios de produção, a erradicação da classe capitalista, e a tomada de poder pelo proletariado.  Já os social-democratas entenderam ser muito melhor um arranjo em que o estado socialista mantém os capitalistas e uma truncada economia de mercado sob total controle, regulando, restringido, controlando e submetendo todos os empreendedores às ordens do estado.  O objetivo social-democrata não é necessariamente a "guerra de classes", mas sim um tipo de "harmonia de classes", na qual os capitalistas e o mercado são forçados a trabalhar arduamente para o bem da "sociedade" e do parasítico aparato estatal.  Os comunistas queriam uma ditadura do partido único, com todos os dissidentes sendo enviados para os gulags.  Os social-democratas preferem uma ditadura "branda" — aquilo que Herbert Marcuse, em outro contexto, rotulou de "tolerância repressiva" —, com um sistema bipartidário em que ambos os partidos concordam em relação a todas as questões fundamentais, discordando apenas polidamente acerca de detalhes triviais — "a carga tributária deve ser de 37% ou de 36,2%?".
Liberdade de expressão, de imprensa e de ideias é tolerada pelos social-democratas, mas desde que ela se mantenha dentro de um espectro de opiniões pré-aprovadas.  Os social-democratas repelem a brutalidade dos gulags; eles preferem fazer com que os dissidentes padeçam da "suave" e "terapêutica" ditadura do politicamente correto, na qual eles forçosamente têm de aprender as maravilhosas virtudes de ser educado na "dignidade de estilos de vida alternativos", sempre submetidos a um intenso "treinamento de sensibilidade".  Em outras palavras, Admirável Mundo Novo em vez de 1984.  A "marcha ascendente da democracia" em vez da "ditadura do proletariado".
Também típica é a distinção, nas duas utopias, acerca de como lidar com a religião.  Os comunistas, como fanáticos ateístas, tinham o objetivo de abolir por completo a religião.  Já os social-democratas preferem uma abordagem mais suave: subverter o cristianismo de modo a fazer com que a religião se torne aliada da social-democracia.  Daí a sagaz cooptação da esquerda cristã pelos social-democratas: enfatizando o modernismo entre os católicos e o evangelicalismo esquerdo-pietista entre os protestantes — este último objetivando criar um Reino de Deus na Terra na forma de uma coerciva e igualitária "comunidade de amor". 
Trata-se de uma estratégia muito mais astuta: cooptar religiosos em vez de assassinar padres e freiras e confiscar igrejas — esta última feita pelo regime republicano espanhol e por seus partidários trotskistas e anarquistas de esquerda, algo que não gerou absolutamente nenhum grito de protesto por parte de seus devotos defensores progressistas e social-democratas ao redor do mundo.
Esta distinção nos objetivos — totalitarismo brando vs. radical — também é refletida na acentuada diferença entre as estratégias e dos meios utilizados.  Os comunistas, ao menos em sua clássica fase leninista, ansiavam por uma revolução violenta e apocalíptica que destruiria o estado capitalista e levaria à ditadura do proletariado.  Já os mencheviques — social-democratas ou neoconservadores —, fieis ao seu ideal "democrático", sempre se sentiram um tanto desconfortáveis com a ideia de revolução, preferindo muito mais a "evolução" gradual produzida pelas eleições democráticas.  O estado deve ser totalmente aparelhado por intelectuais partidários e simpatizantes, de modo a garantir a continuidade da longa marcha gramsciana da conquista das instituições culturais e sociais do país.  Daí a desconsideração pelos gulags e pela revolução armada.  Por isso o desaparecimento de seus primos (e concorrentes) bolcheviques não ter sido lamentado pelos social-democratas.  Muito pelo contrário: os social-democratas agora detêm o monopólio da marcha "progressista" da história rumo à Utopia.
O que me traz de volta à minha 'Resposta' sobre o porquê da histeria da esquerda progressista: ela se torna histérica sempre que percebe a ameaça de uma pequena reversão na Inevitável Marcha da História.  Ela se torna histérica quando visualiza alguns empecilhos e, principalmente, retrocessos nesta sua inexorável marcha, retrocessos estes que sempre são rotulados, obviamente, de "reações".  Na visão de mundo tanto de comunistas quanto de social-democratas, a mais alta — desde que "progressista" — moralidade é se mostrar não apenas um defensor, mas também, e principalmente, um entusiasmado fomentador da 'inevitável próxima fase da história'.  É ser a "parteira" (na famosa expressão de Marx) desta fase.  Da mesma forma, a mais profunda, se não a única, imoralidade é ser "reacionário", ser alguém dedicado a se opor a este inevitável progresso — ou, pior ainda, alguém dedicado a fazer retroceder a maré, a restaurar costumes enraizados, a "atrasar o relógio". 
Este é o pior pecado de todos, e ele gera todo este frenesi justamente porque qualquer retrocesso bem-sucedido colocaria em dúvida aquele que é o mais profundo e o mais inquestionavelmente aceito mito "religioso" da esquerda progressista: a ideia de que o progresso histórico rumo à sua Utopia é inevitável. 
Trata-se, no mais profundo sentido, de uma guerra não apenas cultural e econômica, mas religiosa.  "Religiosa" porque social-democracia/progressismo de esquerda é uma visão de mundo passional, uma "religião" no mais profundo sentido, pois guiada unicamente pela fé: trata-se da ideia de que o inevitável objetivo da história é um mundo perfeito, um mundo socialista igualitário, um Reino de Deus na Terra, seja este deus "panteizado" (sob Hegel e os adeptos do Romantismo) ou ateizado (sob Marx). 
Esta é uma visão de mundo em relação à qual não deve haver concessões ou clemência.  Ela deve ser contrariada e combatida veementemente, com cada fibra de nosso ser.
Quem vai vencer essa guerra?  Não se sabe.  De que lado está a maioria da população?  Certamente perdida, disponível para quem chegar primeiro.  A maioria está confusa, vagando de um lado para o outro, dividida entre visões de mundo conflitantes.  Ela pode pender para qualquer lado.  Durante suas inúmeras batalhas faccionárias dentro do movimento marxista, Lênin certa vez escreveu que há dois grupos batalhando, cada um formado pela minoria da população, sendo que a maioria está no centro, e é formada justamente pelas pessoas confusas, às quais ele se referiu como O Brejo.  A maioria da população hoje está confusa e constitui O Brejo; estas pessoas estão no terreno no qual a maioria das batalhas será disputada.  E a metáfora é corretamente militar.  A batalha iminente é muito mais ampla e profunda do que apenas discutir alíquotas de impostos.  Trata-se de uma batalha de vida e morte pelo formato do nosso futuro.  Daí se compreende o frenesi que acomete a esquerda sempre que uma medida "reacionária" parece ser favorecida pela sociedade.
A esquerda progressista não se importa muito com — na verdade, ela até gosta de — pequenos revezamentos de poder: uma década de governos abertamente progressistas, nos quais a agenda esquerdista é avançada, seguida de alguns anos de governo "oposicionista" ou "conservador", no qual há apenas uma consolidação ou simplesmente uma redução na velocidade do avanço.  O que ela realmente teme é a perspectiva do conservadorismo se tornar reacionário, no sentido de realmente fazer retroceder alguns ganhos "progressistas".  É isso que a apavora.  Daí a histeria em relação a Franco e a Pinochet; daí o linchamento de Joe McCarthy, que realmente ameaçou ser bem-sucedido em fazer recuar não apenas os comunistas, mas até mesmo os progressistas e social-democratas.  Ameace retroceder "direitos" obtidos por grupos de feministas, de gays, de negros, de desarmamentistas, de funcionários públicos, de sindicalistas ou de qualquer outro do ramo vitimológico, e você verá o que é uma fúria progressista.
Portanto, o combate requer, principalmente, coragem e nervos para não ceder e não se dobrar perante as totalmente previsíveis reações caluniosas e difamantes dos oponentes.  Acima de tudo, o objetivo não deve ser o de se tornar querido e bem aceito por progressistas ou pela Mídia Respeitável.  Tal postura irá gerar apenas mais rendição, mais derrotas.  Igualmente, o objetivo não é apenas o de fazer retroceder o estado leviatã, sua cultura niilista e estas pessoas que querem se apossar do estado e impor sua agenda sobre nós.  O objetivo tem de ser a eliminação completa e irreversível deste monstruoso sonho de um Perfeito Mundo Socializado gerido por "pessoas de bem".
Que a reação ocorra, que os "direitos" sejam retrocedidos, que esta gente recue, entre em órbita e finalmente perceba que, na realidade, sua religião é maléfica.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Manifesto da baixaria


Um fantasma ronda o Brasil: o fantasma da falta de educação e da baixaria. Juízes do Supremo, parlamentares, ministros, altos empresários e governadores perderam o senso luso-brasileiro e ameaçam um bate-boca generalizado. Alguns tentam conjurar essas brigas antiaristocráticas que pegam mal porque revelam muito do que não pode ser mostrado.
Aqui se faz um apelo aos leitores. Sejam sinceros e tirem a honestidade da zona cinzenta dos pecados e dos malfeitos. Façam o contrário dos diplomatas e dos populistas: proclamem o que pensam e sentem. Seremos todos acusados de intrigantes e boquirrotos pela direita (a dona da bola e, por isso mesmo, corrompida), pela esquerda (revolucionária, é claro, mas no poder e com vastos limites) e pelo centro que sempre foi o berço do nosso moralismo que diz que vai, mas não vai antes de saber pra onde a coisa está indo e, por isso mesmo, emudece porque a sinceridade que iguala é o maior pecado de um sistema desigual.
- I -
Critique abertamente e não se esconda no anonimato. Seja grosso com os pulhas que roubam o nosso dinheiro e discorde. Não escolha a pusilanimidade dominante.
- II -
Contrariando frontalmente a visão geral do escândalo que cobre o nosso País de egrégios gregos gregários - de Deltas a Demóstenes -, envolvendo governantes e governados, eu afirmo que quando o bate-boca ocorre nas altas esferas temos um sinal de lucidez, de democracia e de progresso. No contexto da hipocrisia nacional, uma discussão entre ministros do Supremo é algo revolucionário.
Todo tribunal é feito de conflitos, denúncias e busca da verdade. Exceto no Brasil, onde ainda se tem o direito de mentir e se é obrigado a engolir choro. São os conflitos verbais que deixam surgir a Verdade com sua nudez transparente e escandalosa.
Chega de botar a poeira debaixo do tapete em nome de uma ética aristocrática. Vivemos um momento no qual o igualitarismo rompe nossas portas e, como um hóspede imprevisto e não convidado, demanda - acima de tudo - um mínimo de sinceridade. E a sinceridade só surge quando nos entregamos a forças maiores do que nós. Como foi o caso do ministro do Supremo que, criticado pelo colega, reagiu numa veemente e histórica entrevista.
Este manifesto discorda da opinião segundo qual o Supremo fica menor quando seus membros discordam. Pois o seu autor está absolutamente seguro ao dizer que quanto mais os agentes públicos ficarem putos uns com os outros, mais democracia igualitária cairá, como chuva de verão, sobre todos nós.
O imprevisto é o centro da vida democrática. E o imprevisto maior do Brasil no qual vivemos é a descoberta do papel do Estado não como fulcro de igualdade de oportunidades, mas como uma fonte de aristocracia e de enriquecimento ilícito. Só a baixaria pode liquidar a perversão de combinar até mesmo as discórdias. Temos de reformar a nossa boa educação de senhores de engenho que leva à mentira e ao agrado do governante para pegar o contrato sem discutir mérito ou eficiência. Mesmo - pasmem - quando isso pode existir. O bate-boca no Supremo não diminui a Corte magistral. Muito pelo contrário, ele torna essa corte mais honrada e democrática. O Brasil precisa ser desmascarado e posto a nu para si mesmo. É hora de ver o fantasma.
- III -
Democracia é partejada por igualdade (todos podem falar, mesmo errado) e individualismo (todos têm o direito de querer) - esses valores que produzem conflito. O conflito revela o lado vivo do Supremo Tribunal Federal. Ele mostra que os nossos supermagistrados são humanos e suscetíveis de raiva, ressentimento e vingança. Por isso a discussão não é só mais do que bem-vinda: ela é fundamental.
- IV -
Sem opinião não há sinceridade. A medida da honestidade jaz no que realmente pensamos de algum assunto ou pessoa. É, pois, imperioso acabar com as luvas de pelica. Discutir não é ser mal-educado, é afirmar que - finalmente! - podemos concordar em discordar. O Brasil precisa ver as suas meias furadas.
- V -
Acabemos com a frescura dos lenços de seda - sejamos igualitários. Olhemos os fatos que estão nas manchetes e enxerguemos o que dizem. O bom-mocismo nacional é uma simpatia e uma gracinha, como dizem os grã-finos, mas é também o modo de obter altos faturamentos não só em obras, mas em projetos do governo. Essa coisa personalizada e com dono mas sempre isenta, sempre ausente, sempre vendo o debate como uma baixaria e, por isso, sempre inocente porque não se mete ou é responsável por coisa alguma!
Irrompamos respeitosamente com dona mamãe. Ela diz: seja paciente com o tio Fulano ou com o Dr. Sicrano. Eu vos digo: sejam mal-educados e profiram o que pensam. O Brasil precisa de bate-boca - esse cerne da oposição! Mande o professor às favas, denuncie o prefeito, o senador, o empresário, o chefe e o presidente - caso eles sejam mentirosos, incompetentes e desonestos.
- VI -
Desvende o Brasil. Seja um mal-educado dizendo o que pensa. Só assim realizaremos a nossa tão atrasada revolução igualitária, obrigando esta CPI a promover um desmascaramento geral. Rezemos para que todos botem a boca no mundo e sejam sinceros. Se isso ocorrer, faremos o inusitado: não vamos certamente acabar com a corrupção, mas iremos ferir de morte esta república que aristocratiza seus altos funcionários e torna milionários os seus sócios. Mal-educados do mundo, uni-vos! Por: Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo

O pântano político



Merval Pereira
Em tempos de CPI e às vésperas do julgamento do mensalão, o clima político em Brasília, como não poderia deixar de ser, é efervescente, e as posses dos ministros Ayres Britto, como presidente do Supremo Tribunal Federal, e Cármen Lúcia, a primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral, serviram de pano de fundo para manifestações de cunho político nos discursos, mas, sobretudo, para conversas de bastidores.
Depois desses dois dias de conversas, fiquei com a sensação de que o processo do mensalão deve entrar mesmo em pauta ainda no primeiro semestre, e que a CPI do Cachoeira ainda está causando perplexidade na classe política, especialmente em setores petistas que não estão envolvidos diretamente na disputa congressual.
Os governadores petistas, por exemplo, não entendem o que está acontecendo. O de Sergipe, Marcelo Déda, analisa a questão do ponto de vista político, sem entrar no mérito das acusações: “CPI é um instrumento da oposição, da minoria. Nenhum governo gosta de CPI pelo simples fato de que o ambiente político fica descontrolado e o Congresso paralisado”.
O governador da Bahia, Jaques Wagner, que já foi ministro das Relações Institucionais no governo Lula, me disse que não compreendia a estratégia de provocar uma CPI: “Se tivessem me consultado eu diria que não é uma boa estratégia. Governo precisa de calmaria”.
Com relação ao mensalão, tudo parece caminhar para que o processo entre em pauta ainda no primeiro semestre, como quer o novo presidente do STF.
O ministro revisor, Ricardo Lewandowsky, já está trabalhando no seu voto, agora liberado das tarefas do TSE que presidia, e segundo relato de familiares tem varado a noite consultando o processo e o Código Penal.
Os demais ministros também já estão trabalhando em cima do processo que foi disponibilizado depois que o presidente anterior, Cezar Peluso, deu ordens para apressar os procedimentos.
Nos discursos dos dois novos presidentes, o papel da liberdade de informação para fortalecer a democracia foi enfatizado.
O ministro Ayres Britto salientou que “o mais refinado toque de sapiência da nossa última Assembleia Constituinte” foi eleger a democracia como a sua maior força. “Democracia que mantém com a liberdade de informação jornalística uma relação de unha e carne, olho e pálpebra, veias e sangue”.
Na noite anterior, a ministra Cármen Lúcia, ao assumir a presidência do TSE, mandou um recado direto aos meios de comunicação, pedindo sua colaboração: “A imprensa livre é inseparável da democracia. É parceira do Judiciário na concretização da Justiça”.
Essa presença é ainda maior na Justiça Eleitoral, disse ela, para quem “os jornalistas não só acompanham os feitos. Participam do processo, ajudando a promover o interesse público na divulgação dos fatos, na fiscalização permanente do processo e da atuação da Justiça Eleitoral”.
Para a nova presidente do TSE, “não há eleições seguras e honestas sem a ação livre, presente e vigilante da imprensa, a cumprir papel determinante em benefício do poder político”.
Cármen Lúcia pediu, ressaltando “o respeito absoluto à liberdade de opinião”, que a imprensa livre “ajude este Tribunal a exercer plenamente a sua missão. Afirmo-lhes que ele será transparente em seus atos, pelo que rogo aos profissionais de comunicação que sejam atentos a tudo que possa causar dano ao processo eleitoral, informando, com clareza, à opinião pública os fatos a serem conhecidos”.
Viveu-se nesses dias em Brasília um ambiente no Judiciário claramente favorável ao reforço da moralidade e da impessoalidade no serviço público
O novo presidente do STF não fez referências, nem mesmo indiretas, ao processo do mensalão, que ele já classificou em entrevistas como o mais importante processo político a ser julgado. Mas deixou claro que, na sua visão, os juízes devem promover “a abertura da janela dos autos para o mundo circundante, a fim de conhecer a realidade dos jurisdicionados e a expectativa social sobre a decisão”.
Ayres Britto, que abusou no seu discurso da veia poética e de imagens de retórica – ele é autor de vários livros de poesia -, disse que “Juiz não é traça de processo, não é ácaro de gabinete, por isso, sem fugir dos autos nem se tornar refém da opinião pública, tem que levar ao cumprimento das leis e conciliar a macrofunção de combinar o direito com a vida”.
Quem tratou diretamente da questão foi o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, que falou sobre o processo do mensalão em seu discurso.
Referindo-se ao período de sete meses que Ayres Britto terá na presidência, pois se aposenta em novembro por atingir a idade limite de 70 anos, afirmou: “O tempo não será curto para levar adiante processos sobre casos de corrupção que marcaram a nossa História recente. E digo ao novo presidente da Suprema Corte brasileira que a sociedade espera que esse tema não seja mais postergado, e que haja a punição exemplar dos culpados pelos crimes que cometeram contra o patrimônio público”.
Para ele, somente eliminando qualquer ideia de impunidade “podemos combater a corrupção, uma das maiores mazelas do nosso país”.
Referindo-se ao mais recente escândalo envolvendo as relações promíscuas do bicheiro Carlinhos Cachoeira com políticos e empresários, Ophir Cavalcante disse que é digno de reflexão o fato de que “na origem de todos os casos de corrupção, está o modelo de financiamento privado da política, que permite o caixa 2, ou entre outras palavras, o relacionamento promíscuo entre os interesses privados e a coisa pública”.
Para definir os estragos que essa relação espúria provoca na política brasileira, Cavalcante descreveu: “quando um cai, arrasta junto de si bicheiros, falsificadores, policiais, governadores, parlamentares, projetos, obras e, o que é pior, a própria credibilidade das instituições”.
Viveu-se nesses dias em Brasília um ambiente no Judiciário claramente favorável ao reforço da moralidade e da impessoalidade no serviço público, e uma clara rejeição ao patrimonialismo que ainda impera nas nossas relações políticas, enquanto no Congresso as escaramuças partidárias continuavam dentro dos mesmos parâmetros que nos levaram ao “pântano”, como definiu o presidente da OAB nosso ambiente político.Por: Merval pereira Fonte: O Globo, 20/04/2012

Já está na hora de o STF tomar jeito


O encerramento do mandato de Cezar Peluso à frente do Supremo Tribunal Federal pode significar uma mudança positiva no rumo daquela Corte?


É difícil supor que subitamente o STF passe a agir de forma republicana, cumprindo suas funções constitucionais. O clima interno é de beligerância. A cerimônia de posse do presidente Ayres Britto sinalizou que o provincianismo continua em voga. Foi, no mínimo,

Mas pior, muito pior, foi o momento em que a cantora recitou um poema do presidente recém empossado, já chamado de ministro pirilampo: “Não sou como camaleão que busca lençóis em plena luz do dia. Sou como pirilampo que, na mais densa noite, se anuncia”. 

Mas como tudo o que é ruim pode piorar, o discurso de posse foi recheado de metáforas. Numa delas disse algo difícil de supor que seria pronunciado naquele recinto (e mais ainda por um presidente): “A silhueta da verdade só assenta em vestidos transparentes.”

O clima circense (os mais otimistas dirão: descontraído) da posse é uma mostra de como as instituições republicanas estão desmoralizadas. Teremos uma curta presidência de Ayres Britto. Logo o ministro vai se aposentar. Pouco antes, Cezar Peluso também vai seguir o mesmo caminho. A presidente Dilma Rousseff dificilmente vai nomear dois ministros para preencher as vagas. Assim, teremos um STF com nove membros, paralisado, com milhares de processos para julgar. E, para dar mais emoção, tendo na presidência Joaquim Barbosa. Ah, teremos um segundo semestre inesquecível naquela Corte.

Peluso saiu da presidência atirando. Foi sincero. Demonstrou o que é: autoritário, provinciano, conservador, corporativista e com uma questionável formação jurídica. Fez Direito na Faculdade Católica de Santos. Depois teve na USP como orientador Alfredo Buzaid, ministro da Justiça do presidente Médici. Não viu nada de anormal. Devia comungar das ideias de Buzaid. Afinal, a tese foi feita quando ele era ministro do governo mais repressivo da ditadura. Com a redemocratização, Peluso buscou outras companhias. Acabou se aproximando dos chamados setores progressistas. O poder tinha se deslocado e ele, também.

Na entrevista ao saite Consultor Jurídico, disse que organizava reuniões domésticas com os teólogos Leonardo Boff e Gustavo Gutierrez. Relatou que ficou impressionado quando Gutierrez alertou sobre a importância do ato de comer na Bíblia.

Sim, leitor, o que chamou a atenção de Peluso, na Bíblia, foi a comida. Sem nenhum pudor, disse que uma carta do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns foi determinante para sua escolha para o STF pelo ex-presidente Lula. Como se um assunto de Estado fosse da esfera da religião, esquecendo que a Constituição (e desde a primeira Carta republicana, a de 1891) separou a Igreja do Estado.

Atacou frontalmente a ministra Eliana Calmon, corregedora do CNJ. Afirmou que sua atuação estava pautada pela mídia e pelo desejo de fazer carreira política. E, mais, que não obteve nenhum resultado prático da sua ação. Fugiu à verdade. Se não fosse a corajosa atuação da corregedora, por exemplo, não ficaríamos sabendo dos fabulosos “ganhos eventuais” dos desembargadores paulistas (Peluso incluso - teria recebido 700 mil reais).

Peluso foi descortês com os colegas do STF. Na votação sobre as atribuições do CNJ, fez de tudo para ganhar a votação. Interrompeu votos, falou diversas vezes defendendo seu ponto de vista e mesmo assim perdeu. Imputou a derrota à ministra Rosa Weber, que teria dado o voto decisivo. Deixou no ar que ela votou sem ter conhecimento pleno do processo.

Nos ataques aos colegas, não poupou o ministro Joaquim Barbosa. Insinuou que ele não gostava de trabalhar. Era inseguro. Que frequentava bares. E que não tinha nenhuma doença nas costas. O estereótipo sobre Barbosa é tão vil como aqueles produzidos logo após 13 de maio de 1888.

Apontei em três artigos no Globo alguns problemas do STF (“Um poder de costas para o país”, “Triste Judiciário” e “Resta, leitor, rir”). O mau funcionamento daquela Corte não deve ser atribuído somente aos bate-bocas de botequim ou a alguma questão conjuntural. O STF padece de problemas estruturais. Deveria ser um tribunal constitucional, mas não é. Virou um tribunal de última instância. É lento, pesado. Tem de melhorar o desempenho administrativo. E o problema, certamente, não é a escassez de funcionários. São 3 mil. Os ministros tiram muitas licenças. Tudo é motivo para a suspensão dos trabalhos. E não é de hoje. A demora para a indicação de vagas abertas no tribunal também é um complicador.

Tudo indica que a questão central para o bom funcionamento do STF é a forma de como são designados os ministros. De acordo com a Constituição, a iniciativa é do Executivo. O nome é encaminhado, também segundo o rito constitucional, para o Senado. E lá deveria - deveria -  ser sabatinado pelos senadores.

São dois problemas. Um é a escolha presidencial. Não tem se mostrado o melhor método. Os nomes são questionáveis, as vinculações pessoais e partidárias são evidentes. E o selecionado geralmente está muito abaixo do que seria aceitável para uma Corte superior. Já a sabatina realizada pelos senadores não passa de uma farsa.

A última, da ministra Rosa Weber, foi, no mínimo, constrangedora. A ministra mal conseguia articular uma frase com ponto final. Disse que estava muito nervosa. Foi dado um intervalo para café. No retorno, infelizmente para nós brasileiros, o desempenho da senhora Weber continuou o mesmo. Já passou da hora de o STF toma Por: Marco Antonio Villa

terça-feira, 24 de abril de 2012

Nenhum imposto é neutro;qualquer imposto sempre afetará os mais pobres



Em praticamente todos os países do mundo há um constante apelo para se tributar mais a renda dos mais ricos e utilizar essa receita adicional para fazer a "justiça social", promovendo uma ampla "distribuição de renda". O problema de se tributar os ricos, bem como todas as consequências econômicas negativas deste fato, já foram muito bem explicitadas neste artigo, de modo que o objetivo aqui será outro. O objetivo será explicar por que qualquer tipo de imposto, mesmo aquele voltado exclusivamente para as rendas mais altas, sempre acabará inevitavelmente sendo repassado aos mais pobres, de um jeito ou de outro. Em todo o debate ideológico acerca do capitalismo, há duas visões opostas que curiosamente partem do mesmo princípio: tanto os detratores do capitalismo quanto seus defensores dizem se tratar de um sistema puramente individualista, em que cada um age por conta própria, pensando exclusivamente no seu bem. Seus detratores condenam essa exortação à independência; já os defensores glorificam-na. Porém, nenhum dessas posições parece apreciar a verdadeira natureza do capitalismo, e o problema é que ambas essas concepções erradas estão hoje bastante difundidas. Há de fato um aspecto em que as pessoas realmente tentam ser as mais independentes possíveis: elas querem evitar pagar impostos. Todas as discussões a respeito de carga tributária e a respeito de quem — isto é, qual classe social — deve arcar com a maior parte do fardo tributário demonstram um total desconhecimento sobre como o mercado funciona. A esquerda sempre defendeu que os ricos sejam mais tributados, para que eles deem sua "contribuição justa" à sociedade. Já a direita costuma reagir dizendo que os mais ricos — tanto os indivíduos quanto as empresas — já respondem pela maior parte da receita tributária do governo, que a camada mais rica da população paga o mesmo volume de impostos que todo o restante da população combinada, e que boa parte da população não paga nada de imposto de renda. A esquerda então reage dizendo que a desigualdade permanece constante ou, em alguns casos, segue aumentando. Os ricos estão ficando mais ricos, e isso supostamente é ruim, pois precisamos de maior igualdade para atingir a justiça social. E por aí vai. Não irei aqui entrar na (i)moralidade de se defender a espoliação da propriedade alheia; o enfoque será puramente econômico. O problema em todo esse debate popular sobre impostos é que ele não leva em conta que os esforços para se evitar o pagamento de impostos vão muito além dessa pendenga sobre quais seriam as alíquotas de impostos "justas" e sobre quem deve pagar mais. Os esforços para se evitar o pagamento de impostos se estendem para todo o mercado. Se, por exemplo, a alíquota do imposto de renda que incide sobre as rendas mais altas fosse elevada em 20%, os trabalhadores de renda mais alta reagiriam a isso negociando um aumento salarial. (Dado que a esquerda quer muita gente pagando mais imposto, então creio ser correto dizer que ela defende maior imposto justamente sobre pessoas mais produtivas; caso contrário, seria na prática impossível elevar impostos permanentemente. Logo, por se tratar de pessoas produtivas, não é incorreto dizer que elas têm poder de barganha junto a seus empregadores). Se essas pessoas conseguirem um aumento salarial de, por exemplo, 10%, isso significa que praticamente metade do aumento de 20% da carga tributária foi repassada aos seus empregadores. Essa maior alíquota do imposto de renda reduziu os salários líquidos; o consequente aumento nos salários elevou os salários brutos. Neste ponto, a exata divisão do fardo tributário entre empregados e empregadores vai depender do relativo poder de barganha entre eles no mercado de trabalho. O que interessa é que os empregados de maior renda irão repassar uma parte, se não a maior parte, de qualquer aumento em seu imposto de renda para seus empregadores. Consequentemente, estes empregadores irão contratar menos empregados — ou tentarão contratar oferecendo salários bem menores, algo difícil —, e irão tentar repassar esse aumento havido nos custos trabalhistas para os consumidores, na forma de preços maiores. Esse aumento, no entanto, vai depender do relativo poder de barganha entre o vendedor e seus clientes, bem como do nível de concorrência no mercado. Os empresários irão repassar estes maiores custos aos consumidores até o ponto em que possam elevar preços sem sofrer uma relativamente grande perda no volume de vendas. Desta forma, os consumidores que ainda continuarem comprando a estes preços maiores estarão pagando parte do aumento na carga tributária que supostamente deveria afetar apenas os "ricos". Logo, vê-se que a direita está errada ao alegar que os mais pobres não pagam imposto de renda. Além de absolutamente toda a população pagar os impostos indiretos que estão embutidos nos preços dos bens e serviços, a classe média e os pobres também acabam pagando parte daquele aumento do imposto de renda que visava a atacar apenas os ricos. A esquerda, por sua vez, também está errada ao crer que todo o fardo de uma elevação de impostos pode ser confinada exclusivamente aos "ricos". A classe média e os pobres sempre acabarão pagando por um aumento de impostos sobre os ricos através dos maiores preços dos bens e serviços. Qualquer aumento no imposto de renda da camada mais rica da população — seja o 1% mais rico ou os 5% mais ricos — irá acabar por elevar os impostos que toda a população paga indiretamente. É possível contra-argumentar dizendo que o repasse para os preços desse aumento no imposto de renda seria muito pequeno. Talvez apenas uma pequena porcentagem da elevação do imposto de renda, o qual foi repassado aos empregadores, seria repassada aos consumidores na forma de preços maiores. No entanto, caso isso ocorra, o efeito de longo prazo será ainda pior. Se os empregadores tiverem de arcar com uma elevação marginal dos custos trabalhistas sem uma correspondente elevação marginal de sua receita, suas margens de lucro diminuirão. Redução nos lucros significa menos investimentos. E menos investimentos inibem um maior crescimento econômico. Um menor crescimento econômico significa menores aumentos nos salários e na renda de toda a população. Os efeitos dos impostos sobre o crescimento econômico, portanto, são bem mais indiretos do que se imagina. Economias de mercado são sistemas complexos nos quais os interesses de todos os indivíduos estão entrelaçados. Qualquer esforço para alterar os resultados gerados pela livre concorrência no mercado irá gerar consequências inesperadas e indesejadas. O conceito de justiça social é, por si só, algo indefinido e arbitrário. No entanto, mesmo se todos nós de alguma forma concordássemos com uma ideia de redistribuição "socialmente justa", simplesmente não haveria como estruturar a carga tributária (ou os gastos do governo) de maneira a alcançar este objetivo. A imposição de novos impostos altera preços e salários de maneiras impossíveis de serem previstas e difíceis de serem mensuradas mesmo após o fato já consumado. Esquerda e direita parecem ter definitivamente abraçado o mito de que o estado é perfeitamente capaz de restringir os efeitos da tributação a apenas uma determinada classe de pessoas. Embora não seja possível mensurar qual é realmente a verdadeira carga tributária que incide sobre cada pessoa, é perfeitamente possível entender que a real carga tributária é significativamente distinta daquela que havia sido planejada. Pessoas de alta renda não pagam tanto quanto as alíquotas oficiais sugerem. O mercado difunde o fardo tributário de uma maneira bem mais equitativa do que as pessoas imaginam. Tentativas de "fazer os ricos pagarem sua fatia justa" irá apenas aumentar o fardo tributário mutuamente compartilhado por todos, por meio de uma maior tributação indireta e oculta. Por outro lado, os benefícios de reduções de impostos são também mais amplamente compartilhados do que as pessoas imaginam. Há duas lições a serem tiradas disso tudo. A primeira é que nenhum de nós é realmente "independente" e está genuinamente "por conta própria", pois a economia de mercado é um sistema social. A segunda é que políticos não são capazes de utilizar impostos para alcançar objetivos específicos como uma "renda justa", pois a economia de mercado é extraordinariamente complexa e ajustável. E os políticos são qualquer coisa, menos oniscientes. Uma autoridade onisciente e onipotente até poderia impor alguma noção de justiça social; no entanto, a nossa realidade é que a justiça social é algo arbitrário e não exequível na prática. Estas duas lições possuem implicações profundas e extremamente importantes. Felizmente, há uma solução fácil para o problema da carga tributária. Dado que os benefícios do corte de impostos são também difundidos entre todos, qualquer corte no orçamento do governo que possibilite redução de impostos já seria um enorme "avanço social". Todos nós pagamos impostos desnecessariamente altos. Todos nós podemos pagar muito menos. Leia também: A carga tributária brasileira e os impostos sobre os mais pobres D.W. MacKenzie é professor assistente no Carroll College, em Montana, EUA. Tradução de Leandro Roque

A utilidade marginal decrescente é uma lei

Por que os diamantes, que são quase que meras bugigangas decorativas, são muito mais valiosos do que a água, uma substância sem a qual todos nós morreríamos? A resposta para esta pergunta milenar é que o valor de um bem é determinado na margem. Isto significa que não valoramos a categoria "diamantes" em relação à categoria "água"; não fazemos uma comparação direta entre ambos os produtos, que são distintos não apenas em sua composição, como também em suas finalidades. O que realmente fazemos é valorar uma unidade a mais de diamante em relação a uma unidade a mais de água. Este é o conceito de margem. A água é um bem superabundante. Diamantes não. Este é um dos motivos por que um diamante é tão caro, ao passo que a água é financeiramente acessível a todos. Isso também ilustra um importante ponto acerca de tomadas de decisões: em vez de "estabelecer prioridades" e enxergar as coisas como se fossem decisões do tipo 'tudo ou nada', devemos analisar as opções e estabelecer prioridades. Um dos mais importantes princípios da economia é o de que as decisões são feitas na margem, e um dos principais problemas da economia clássica envolvia a origem do valor. A lei da utilidade marginal decrescente é um dogma fundamental da economia, além de ser uma lei tão científica quanto a lei da gravidade (talvez seja até mais científica do que a lei da gravidade, pois ela pode ser deduzida de um axioma — o homem age — que é autoevidente e verdadeiro). A utilidade marginal não é decrescente só porque assumimos ser; a lei da utilidade marginal é uma implicação do axioma da ação, e não meramente uma suposição ad hoc. A "utilidade" que uma pessoa obtém ao consumir um bem ou ao incorrer em uma determinada atividade é mais bem entendida quando se imagina um conjunto de desejos que podem ser satisfeitos ao se empregar determinados meios. (Utilidade não é um resultado matemático de uma função de consumo representada por um conjunto de números reais.) Seguindo esta definição, a "utilidade marginal" de se empregar uma unidade adicional de uma oferta homogênea de bens ou serviços deve ser entendida como o desejo adicional que pode ser satisfeito ao se empregar esta unidade marginal. Do axioma fundamental da praxeologia — que diz que a ação humana é o uso de meios para se chegar aos fins desejados — podemos ver que a utilidade marginal de se empregar a unidade n é preferível à utilidade marginal de se empregar a unidade n+1. Na linguagem da economia convencional, a utilidade marginal deve ser decrescente. Assim, imagine um indivíduo, João, que tem uma esposa, uma filha, um cachorro e a seguinte escala de valores: Alimentar sua família com um bolo Alimentar sua filha com um ovo Alimentar sua esposa com um ovo Alimentar a si próprio com um ovo Alimentar seu cachorro com um ovo Suponha que ele necessite de quatro ovos para fazer um bolo. Com seu primeiro ovo, ele irá alimentar sua filha, pois ele prefere isto a todos os outros conjuntos de desejos que podem ser satisfeitos com apenas um ovo. Com seu segundo ovo ele irá alimentar sua esposa, e com seu terceiro ovo ele irá alimentar a si próprio. Agora, suponha que João compre um quarto ovo. Isso nos leva a um possível falso juízo: o leitor mais desatento pode se sentir tentado a olhar para esta situação e exclamar, "Ahá! Com o quarto ovo, João pode alimentar toda a sua família com o bolo, arranjo este que ele claramente prefere a alimentá-la apenas com ovos mexidos! Portanto, é óbvio que a utilidade marginal do quarto ovo é maior que a utilidade marginal do terceiro ovo. Logo, a utilidade marginal está aumentando!" Mas esta linha de raciocínio ignora um ponto crucial: o quarto ovo só pode ser utilizado para fazer um bolo junto com os três primeiros ovos. Dado que a "utilidade marginal" é um conceito que pode ser aplicado somente a unidades homogêneas de uma dada oferta, "um ovo" deixa de ser a unidade relevante da análise. A homogeneidade das unidades é determinada pelo conjunto de desejos que podem ser satisfeitos com uma unidade de um bem; neste caso, a unidade relevante para a análise é "1 unidade = um arranjo de quatro ovos". Assim, a escala de valores de João passa a ser Alimentar sua família com um bolo Alimentar sua família com ovos mexidos Ele obviamente irá escolher alimentar sua família com um bolo. E, caso ele obtenha um segundo conjunto de quatro ovos, fará os ovos mexidos. O leitor astuto irá notar que a escala de valores listada acima foi elaborada de acordo com os desejos satisfeitos pela unidade marginal de um determinado bem, e não pelo bem em si. Nosso herói João não preferia intrinsecamente o primeiro ovo ao segundo; ele preferia alimentar sua filha a alimentar sua esposa. Se houvesse apenas um ovo disponível, ele teria de escolher entre fins concorrentes, e o fim que mais o satisfaz é alimentar sua filha. Já deve estar evidente que a lei da utilidade marginal é merecedora deste exato status epistemológico: uma lei. Como demonstrou Carl Menger, este teorema, que pode ser deduzido do axioma da ação, é mais do que apenas empiricamente demonstrável: ele é irrefutavelmente verdadeiro. Por: Art Carden, professor-assistente de economia e finanças no Rhode Island College em Memphis, Tenessee, além de ser membro adjunto do Independent Institute, localizado em Oakland, Califórnia. Seus papers podem ser encontrados na sua página no Social Science Research Network. Ele também escreve regularmente nos blogs Division of Labour e The Beacon.

Viagem aos Estados Unidos, de Alexis de Tocqueville

As notas de Tocqueville estariam fadadas ao esquecimento se não tivessem produzido A democracia na América. Alexis Charles Henri Clérel de Tocqueville pertence ao grupo de talentosos historiadores franceses – formado por François Guizot, Jacques Nicolas Augustin Thierry e Jules Michelet – que alcançou a maturidade intelectual no período da Revolução de 1830. O reinado que então teve início, depois de os liberais forçarem Carlos X a abdicar, durou até 1848, mas foi caracterizado por medidas contrárias às ideias que o novo rei, Luís Filipe de Orléans, ex-membro do Clube dos Jacobinos, dizia defender. Não bastou trocar, demagogicamente, a bandeira branca dos Bourbons pela tricolor da Revolução de 1789: sem conseguir a união de legitimistas, bonapartistas e liberais, Luís Felipe logo restringiria a liberdade para silenciar a oposição. Tocqueville, cuja família apoiava os Bourbons, aderiu ao novo governo “sem hesitação, mas sem ímpeto”, segundo seu amigo, Gustave de Beaumont, pois, apesar de jovem – tinha 25 anos –, já possuía “a faculdade [...] de ver mais rápido e mais longe do que os outros” e a sábia capacidade de manter distância dos acontecimentos políticos: “Essa exaltação moral que excita um grande movimento popular, o entusiasmo, o júbilo, as vivas esperanças que saúdam de hábito um novo regime, nada disso o tocava”. Magistrado desde 1827, Tocqueville parte, em 1831, com Gustave de Beaumont, para uma viagem oficial, a fim de estudar o sistema penitenciário dos EUA, desculpa utilizada para alcançar seu verdadeiro propósito: conhecer as experiências democráticas de um país nascente, afastar-se do direito, que o entediava, e dedicar-se ao estudo da política, sua paixão. Sabemos desses detalhes graças ao próprio Beaumont, autor da introdução do Viagem aos Estados Unidos, livrinho que reúne as anotações de Tocqueville, alguns lampejos, trechos de entrevistas – com políticos, diplomatas, juristas, religiosos, militares etc. – e parte diminuta das análises que serviriam à elaboração de um dos maiores clássicos da ciência política: A democracia na América. É também graças a Beaumont que conhecemos os lances heroicos da viagem, quando, nas proximidades de Pittsburg, os dois exploradores, que pretendiam “descer o Ohio e o Mississipi num barco a vapor até Nova Orleans”, são pegos desprevenidos pelo inverno, adiantado cerca de um mês. Sob o frio rigoroso e crescente, a dupla sofre grandes dificuldades – e Tocqueville chega a cair enfermo. O jovem, contudo, supera seus próprios limites e mostra ter uma personalidade obstinada, movida por “uma febre”, afirma seu amigo, que o “devorava sem trégua” – e o fazia tomar notas, de maneira incansável, em pequenas cadernetas, a fim de preservar suas primeiras impressões. Entre a decepção e a euforia Na introdução ao seu A democracia na América, Tocqueville afirma: “Na América, quis mais do que a América; busquei uma imagem da própria democracia, de suas tendências, de seu caráter, de seus preconceitos, de suas paixões; quis conhecê-la, nem que fosse para saber ao menos o que devemos dela esperar ou temer”. E parece ter alcançado seu objetivo, pois escreve, em sua anotações, o melhor elogio que a nação ainda jovem, ávida por superar a Europa, recebeu de um observador imparcial: [...] O mesmo homem pôde dar seu nome a um deserto que ninguém havia atravessado antes dele; ele pôde ver tombar a primeira árvore da floresta, construir no meio da solidão a casa do agricultor, em torno da qual se formou de início um povoado, e hoje transformado em vasta cidade. No curto intervalo que separa a morte do nascimento, assistiu a todas essas mudanças. Em sua juventude, habitou entre nações que já não existem; em sua vida, rios mudaram ou diminuíram seu curso; o próprio clima é outro em relação ao que viu outrora, e tudo isso não é em seu pensamento senão um primeiro passo numa carreira sem limites. Por mais poderoso e impetuoso que seja aqui o curso do tempo, a imaginação precede-o: o quadro não é assaz grande para ela; ela já se apodera de um novo universo. É um movimento intelectual que não pode se comparar àquele que fez nascer a descoberta do Novo Mundo há três séculos; e, com efeito, pode-se dizer que a América é descoberta uma segunda vez. E que não se creia que tais pensamentos só germinam na cabeça do filósofo; eles estão tão presentes no artesão quanto no especulador; no camponês bem como habitante das cidades. Incorporam-se em todos os objetos; fazem parte de todas as sensações; são palpáveis, visíveis, sentidos de certa forma. Nascido sob um outro céu, introduzido no meio de um quadro sempre movente, ele próprio movido pela torrente irresistível que arrasta tudo o que o avizinha, o americano não tem tempo para apegar-se a nada; ele só se acostuma à mudança, e acaba por vê-la como o estado natural do homem; sente a necessidade dela; bem mais, ama-a: pois a instabilidade, em vez de produzir-se para ele por desastres, parece engendrar em torno dele só prodígios... Mas suas primeiras notas, em 29 de maio de 1831, ainda em Nova York, deixam transparecer certa decepção: “Até agora, tudo o que vejo não me entusiasma em absoluto, porque estou mais agradecido à natureza das coisas do que à vontade do homem”. E completa: “Aqui a liberdade humana age em toda a plenitude de seu poder [...]; mas até o momento, esta febre parece só aumentar as forças sem alterar a razão”. Tudo vai bem, o país se desenvolve, mas “a agitação política parece-me muito acessória”. Ainda assim, percebe aquele que talvez tenha sido o principal motivo para o desenvolvimento dos EUA: “O fato é que essa sociedade caminha sozinha; e tem boa chance de não encontrar qualquer obstáculo: o governo parece-me aqui na infância da arte”. Característica, infelizmente, jamais encontrada no Brasil. Nosso viajante é absorvido por um povo “devorado pelo desejo de fazer fortuna”, mas não deixa de observar, com indignação, os índios que mendigam, derrotados: “[...] Belos homens; eles dançam diante de nós a war dance (dança de guerra), para ganhar um pouco de dinheiro; espetáculo horrível! Nós lhes damos um shilling...”. O surgimento de uma cultura não significa, contudo, a necessária destruição de outra. No dia seguinte ao desse espetáculo humilhante, 6 de agosto de 1831, ele nos descreve o encontro solene com um personagem que não se entregou à degradação: “Pequena aldeia indígena. Vestimenta do chefe: calças vermelhas, um cobertor; cabelos enrolados para cima da cabeça com duas penas enfiadas. Pergunto o que são essas penas: responde-me com um sorriso de orgulho que matou dois sioux [...]. Peço-lhe uma dessas penas dizendo-lhe que eu a levarei ao país dos grandes guerreiros, e que ela será admirada. Ele a retira de seus cabelos e entrega-me, em seguida, estende sua mão e cerra a minha”. Apesar do estilo telegráfico, compreensível no caso de alguém que viaja submetido à premência de tudo anotar, Tocqueville consegue ser lírico: “Ao pôr do sol, entramos num canal muito estreito. Vista admirável; instante delicioso. As águas do rio imóveis e transparentes; uma floresta extraordinária que se reflete nas águas. Ao longe, montanhas azuis e iluminadas pelos últimos raios do sol. Fogo dos indígenas que brilha por entre as árvores. Nosso barco avança majestosamente em meio a essa solidão, ao rumor dos cantos guerreiros que o eco dos bosques propaga de todos os lados”. Dias depois, num vilarejo iroquês, age como um explorador que é, ao mesmo tempo, um menino: “Vou caçar. Rio atravessado a nado. Ervas no fundo do rio. Perco-me por um momento na floresta. Retorno ao mesmo lugar sem perceber”. No Canadá, em Montreal, reclama da dominação inglesa e augura um tempo em que os franceses tenham “sozinhos um belo império no Novo Mundo”. Ao visitar Quebec, defende a sublevação dos franceses contra os ingleses – “Aquele que deve agitar a população francesa e levantá-la contra os ingleses ainda não nasceu” – e constata, movido pela repulsa à aparente submissão dos seus conterrâneos: “Nunca estive mais convicto [...] que a maior e mais irremediável infelicidade para um povo é ser conquistado”. Em Boston, constata a riqueza da cidade, faz elogios à vida cultural (em 1831, os bostonianos dispunham de, ao menos, quatro bibliotecas) e escreve, a 22 de setembro, uma inevitável comparação: ...O que mais nos incomoda na Europa são os homens que, nascidos numa condição social inferior, receberam uma educação que lhes dá vontade de sair dela sem fornecer-lhes os meios para isso. Na América, esse inconveniente da educação é quase insensível. A instrução fornece sempre os meios naturais para enriquecer-se, e não cria qualquer mal-estar social. Como defender a democracia? Na cidade de Baltimore, encontra-se com Charles Carroll, último sobrevivente dos signatários da Declaração da Independência, que lhe diz, sem meias palavras: “A mere democracy is but a mob” (“Uma democracia pura não é outra coisa senão um populacho”). Se, a princípio, Tocqueville mantém-se dúbio diante dessa afirmativa, ela certamente o instigou, contribuindo para as geniais conclusões de A democracia na América, entre elas, a de que governos centralizadores e democracias radicais, que oprimem as minorias discordantes, causam o mesmo tipo de mal: Não há [...] na terra autoridade tão respeitável por si mesma nem revestida de um direito tão sagrado que eu desejasse deixar agir sem controle e dominar sem obstáculos. Quando, portanto, vejo dar o direito e a faculdade de fazer tudo a uma potência qualquer, quer se chame povo ou rei, democracia ou aristocracia, quer se exerça numa monarquia, quer numa república, então digo: aí está o germe da tirania, e procuro ir viver sob outras leis. Apesar de fascinantes, por revelarem um país onde tudo podia ser experimentado, no qual a vida possui, até hoje, uma dinâmica inesgotável, as notas de Tocqueville estariam fadadas ao esquecimento se não tivessem produzido A democracia na América, principalmente os Capítulos 6 (“O despotismo nas nações democráticas”) e 7 (“De que maneira defender a liberdade ameaçada”) da Quarta Parte do Livro II, centrais em sua defesa da liberdade, primorosos ao apresentar as contradições que encontrou: “O que mais me repugna na América não é a extrema liberdade reinante; é o pouco de garantia aí encontrado contra a tirania”. Uma preocupação inexistente nos países em que a sociedade, governada por demagogos e populistas, se comporta de maneira servil ou apática. Publicado no site da revista Sibila. Rodrigo Gurgel é escritor, editor e crítico literário.