Confrontado com sucessivas evidências de que a crise econômica americana provocaria estragos no mundo inteiro, o então presidente Lula decidiu proibi-la de entrar no Brasil. ”Um dia acordei invocado e liguei para o Bush”, gabou-se em 27 de março de 2008. “Eu disse: ‘Bush, meu filho, resolve o problema da crise, porque não vou deixar que ela atravesse o Atlântico’”. Como Lula só fala português, Bush não deve ter entendido o recado do colega monoglota. Alheia ao perigo, o alvo da ameaça já rondava as praias do Brasil quando, quase seis meses depois do telefonema improvável, o chefe de governo voltou a tratar do assunto.
“Que crise? Pergunte ao Bush”, recomendou em 17 de setembro a um jornalista preocupado com os sinais de que o problema americano não pouparia o País do Carnaval. “O Brasil vive um momento mágico”, emendou no dia 21. No dia 22, a ressalva entre vírgulas informou que o momento não era tão mágico assim: “Até agora, graças a Deus, a crise americana não atravessou o Atlântico”. Uma semana depois, a ficha começou a cair. “O Brasil, se tiver que passar por um aperto, será muito pequeno”, garantiu em 29 de setembro. Pareceu render-se no dia 30: “A crise é tão séria e profunda que nem sabemos o tamanho. Talvez seja a maior na História mundial”.
Em 4 de outubro, o otimista delirante voltou ao palco: “Lá nos Estados Unidos, a crise é um tsunami”, comparou. “Aqui, se chegar, vai ser uma marolinha, que não dá nem para esquiar”. No dia 5 de outubro, achou prudente depositar o problema no colo do Legislativo. “Queremos que esse tema da crise mundial seja levado ao Congresso”, comunicou. No dia 8, conseguiu enxergar o tamanho do buraco. “Ninguém está a salvo, todos os países serão atingidos pela crise”. Em 10 de novembro de 2008, a metamorfose delirante fechou gloriosamente a procissão de frases amalucadas. “Toda crise tem solução”, ensinou. “A única que eu pensei que não tivesse jeito era a crise do Corinthians”.
O raquitismo das taxas de crescimento registradas de lá para cá mostrou o que acontece a um país governado por alguém que enfrenta com bazófias e bravatas complicações econômicas de dimensões globais. A longevidade da crise, agora agravada pelas quebradeiras que abalam a União Europeia, confirmou que o mundo lida com um monstro impiedoso com populistas falastrões. Mas o Brasil não aprende, comprova o comportamento de Dilma Rousseff. Três anos depois, a estratégia inaugurada pelo Exterminador do Plural começou a ser reprisada em dilmês.
Lula acordava invocado com Bush. Em março, Dilma deixou de dormir direito por andar invocada com um certo “tsunami monetário”. Num improviso de espantar Celso Arnaldo, atribuiu a paternidade da criatura a “países desenvolvidos que não usam políticas fiscais de ampliação da capacidade de investimento para retomar e sair da crise que estão metidos e que usam, então, despejam, literalmente, despejam US$ 4,7 trilhões no mundo ao ampliar de forma muito, é importante que a gente perceba isso, muito adversa, perversa para o resto dos países, principalmente aqueles em crescimento”.
Lula recomendava aos americanos que se mirassem no exemplo do Brasil. Dilma se promoveu a professora da Europa. “Eu acho que uma coisa importante é que os países desenvolvidos não só façam políticas expansionistas monetárias, mas façam políticas de expansão do investimento”, ensinou em 5 de março. “Porque o investimento não só melhora a demanda interna, mas abre também a demanda externa para os nossos produtos”. No dia seguinte, concluiu a lição. “O que o Brasil quer mostrar é que está em andamento uma forma concorrencial de proteção de mercado que é o câmbio, uma forma artificial de proteção do mercado. Somos uma economia soberana. Tomaremos todas as medidas para nos proteger”.
Lula zombava da marolinha. Nesta semana, Dilma reiterou que com o Brasil ninguém pode. “Nós estamos 100% preparados, 2oo% preparados, 300% preparados para enfrentar a crise”, preveniu. No dia seguinte, as previsões sobre o crescimento do PIB em 2012 baixaram de 4,5% para menos de 3%. Como Lula em 2008, Dilma resolveu interceptar o cortejo de índices aflitivos com outro balaio de medidas de estímulo ao consumo. Como ficou mais fácil comprar automóveis, os congestionamentos de trânsito ficarão ainda maiores. Os brasileiros motorizados terão mais tempo para pensar em como pagar o que devem ao banco.
Nesta quinta-feira, reproduzidos pelo site do jornal português O Público, trechos da entrevista concedida por Lula à documentarista Graça Castanheira comprovaram que, enquanto a afilhada cuida da economia brasileira, o padrinho socorre os países europeus mais necessitados. “Obama pensa nos americanos, Merkel nos alemães, cada um no seu mandato”, descobriu o professor de tudo. “O mundo não está pensando de forma globalizada”. Tradução: o planeta precisa de um Lula.
A performance da dupla que gerou o Brasil Maravilha comprova que só em terra estrangeira a História se repete como farsa. Aqui, uma farsa é reprisada há mais de nove anos a plateias que engolem qualquer história. Oremos.Por: Augusto Nunes
QUANDO TUDO O QUE SE ESCREVE TIVER SE DESFEITO EM FARRAPOS, QUANDO ATÉ MESMO OS MELHORES TIVEREM SE TORNADO APENAS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA JAMAIS CONSULTADA, AS PALAVRAS DE UM PENSADOR AINDA ESTARÃO VIVAS PARA MOSTRAR, SOBRE RUÍNAS DOS TEMPOS, A PERENIDADE DO ESPÍRITO HUMANO.
sexta-feira, 25 de maio de 2012
Liberdade, Liberdade
Prezado leitor, estimada leitora, peço que você faça agora um exercício de memória voltando ao primeiro dia deste ano de 2012. Lembre de cada ida ao trabalho, que poderia ser um dia de folga, com a família, com um bom livro ou filme. Pense naquelas broncas todas que o chefe deu, na quantidade de sapo que você foi obrigado a engolir para manter seu emprego.
Lembre ainda aquela perda enorme de tempo nas filas do transporte coletivo, ou no engarrafamento dentro de seu carro, porque falta transporte coletivo decente. Pense ainda nos desafios que você teve de enfrentar no trabalho em janeiro, fevereiro, março, abril e maio, nos momentos em que você quase desanimou, mas teve que arregaçar as mangas e seguir em frente.
Pronto. Agora você já pode ficar sabendo que foi tudo isso em vão! Sei que pareço cruel, mas é que a verdade precisa ser dita. Todo esse esforço homérico, esse tempo dedicado ao trabalho em vez do lazer, ele foi a fundo perdido. Até agora, caro leitor, tudo isso serviu apenas para pagar as mamatas dos políticos, os esquemas corruptos dos governantes e seus apaniguados.
Sabe o escândalo do Cachoeira? Lembra do mensalão do PT? Pois é, de onde você acha que saiu a grana para tudo isso? Os invasores do MST, os anistiados terroristas comunistas, os funcionários públicos cheios de privilégios, os sindicalistas, os subsídios bilionários para as empresas amigas do rei, tudo isso demanda muita verba. Na verdade, quase 40% de tudo que é produzido no país, e que seu trabalho faz parte.
A partir de hoje você começa a trabalhar para você mesmo, e não mais para Brasília e para seu governo estadual. Agora você vai labutar para pagar tudo aquilo que supostamente o governo deveria oferecer para cobrar tanto imposto.
Mas não entre em desespero, nem comece a me xingar. Hoje é sexta-feira! É dia de cerveja com os amigos! Ops, preciso fechar com mais uma lembrança chata. Um certo “amigo” vai com você nessa "chopada" mesmo sem convite. É o fiscal da Receita, que leva mais da metade de cada gole que você der na bebida. Não vá com tanta sede ao pote, pois ele custa caro graças ao governo.
Amanhã, entretanto, será outro dia. Liberdade, liberdade!Por: Rodrigo Constantino
Exaustão do modelo baseado no consumo
O governo divulgou mais um pacote de estímulo à demanda, outra vez focado na indústria automobilística. Entre as principais medidas estão a queda do IPI sobre automóveis, a redução do IOF em operações de crédito às pessoas físicas, a liberação dos depósitos compulsórios (recursos que os bancos têm de depositar no Banco Central) para financiar a compra de veículos, e a diminuição dos juros do BNDES, que também beneficia as montadoras, ao estimular a venda de caminhões.
A preocupação com a demanda reflete a constatação de que em 2012 o PIB pode crescer menos que os 2,7% registrados em 2011, quando tivemos o pior desempenho entre os BRICS e os países da América do Sul. De fato, depois de desacelerar no segundo semestre de 2011, a economia estagnou no primeiro trimestre deste ano. É o que sugere o IBC-Br, indicador calculado pelo Banco Central para antecipar o PIB, que registrou quedas sucessivas nos três primeiros meses do ano, apontando crescimento nulo tanto contra o trimestre anterior quanto o mesmo período de 2011. Com isso, dificilmente o PIB este ano vai subir mais do que 2,5%. O Boletim Macroeconômico do IBRE estima que no primeiro trimestre o PIB tenha crescido 0,4%, puxado por uma alta de 0,8% no consumo das famílias, compensando queda de 2,5% no investimento e uma contribuição nula da demanda externa (exportações menos importações). Para ter alta de 2,5% no ano, o PIB teria de crescer a uma média anualizada de quase 5% nos outros três trimestres.
É preciso reduzir a importância do consumo turbinado pelo crédito e estimular o investimento e o aumento da produtividade
Irá o pacote mudar esse quadro? Terão sido essas medidas as melhores a tomar tendo em vista o quadro descrito acima? A resposta a essas duas questões é provavelmente não. A desaceleração da demanda tem muito a ver com a exaustão de um modelo baseado no consumo. Ele está se exaurindo por que as famílias já estão bem endividadas – excluindo-se o crédito imobiliário, a razão crédito às famílias sobre o PIB no Brasil já é relativamente alta – e o ciclo recente de compra de bens de consumo duráveis faz com que haja pouco espaço para vender mais carros, geladeiras etc.
Um sinal do endividamento elevado é exatamente o aumento da inadimplência no financiamento de automóveis, a despeito da alta no emprego e na renda. Melhor do que dar ainda mais incentivos à indústria automobilística e estimular as famílias a se endividarem ainda mais seria adotar um programa de melhoria do clima de investimento no Brasil. É sintomático que no mesmo dia em que o pacote foi anunciado a China acenou com estímulos ao crescimento via investimentos na infraestrutura.
É preciso reduzir a importância do consumo turbinado pelo crédito e estimular o investimento e o aumento da produtividade. Isso não vai ocorrer via subsídios do BNDES: basta ver que entre 1995 e 2010 os desembolsos do banco quadruplicaram como proporção do PIB e a taxa de investimento pouco se mexeu. Melhor seria fazer reduções horizontais da carga tributária, simplificar a burocracia, investir em infraestrutura e reduzir mais os juros. Por: Armando Castelar Pinheiro
Fonte: O Globo, 23/05/2012
"Não há, no Brasil, a mais remota consciência de que orçamento não é questão do governo. É do povo"
Incentivando o debate público sobre impostos e sua eficiente aplicação, o Instituto Millenium entrevistou o ex-ministro da Educação, do Interior e da Fazenda e consultor jurídico, Everardo Maciel. O tema da conversa foram os impostos, em atenção ao Dia da Liberdade de Impostos e ao alerta de conscientização que traz a data.
Para o ex-ministro, o sistema tributário brasileiro é complexo porque as situações exigem. E por atendê-las bem, a nossa tributação é uma das mais eficientes do mundo do ponto de vista da arrecadação. Já sobre aplicação dos recursos, Maciel acredita que é preciso dar atenção à questão orçamentária e que ela é um assunto do “povo”.
Leia
Instituto Millenium: No seu artigo “As batalhas pela simplificação tributária”, o senhor afirma que “Há uma convicção generalizada de que a demanda por simplificação se tornou universal e de que o caos tributário não é propriedade de nenhum país”. Por que questões tributárias tenderam à tanta complexidade no mundo inteiro?
Everardo Maciel: É da própria natureza da matéria tributária. O reconhecimento da complicação existe porque o direito tributário está ligado à relações que ficam cada vez mais complexas. Por exemplo, faria sentido a tributação de preços de transferências há 30 anos? Não. Simplesmente a globalização não autorizava que se pensasse em operações tão complexas como preço de transferências, que têm uma legislação extremamente complexa.
O comércio eletrônico de mercadorias é um assunto bastante discutido hoje em dia. Ele não é tratado no código tributário nem na Constituição de 1988, simplesmente porque esse tipo de comércio não existia. Agora que ele existe, como proceder? Criou-se um problema complexo. Esse caso não é o de um cidadão que sai do seu estado e vai fazer compras em alguma loja varejista de outro. Agora o cidadão pede pela internet e recebe pelos Correios. Neste caso, vale a regra constitucional que diz que as vendas não contribuintes são tratadas pela alíquota interna ou a interestadual? Bela discussão.
Reitero que a complexidade se dá pelas relações. Alguém pensaria, por exemplo, que forma de tributação seria adequada para operações como transferência de programas via download? Agora há o intangível. Como tributar? Nosso sistema não foi feito para isso. Para incorporar essas mudanças, há a necessidade de reinventá-lo.
Imil: E qual deve ser o esforço das autoridades?
Maciel: Tentar simplificar esse processo à medida que vão surgindo novas complicações.
Imil: Em comparação aos países desenvolvidos como fica a eficiência do sistema tributário do Brasil?
Maciel: Nosso sistema tributário é extremamente eficiente em alguns aspectos, em outros não. Por exemplo, no plano da utilização intensiva dos novos meios de comunicação e informação, o Brasil talvez seja o país mais sofisticado do mundo. Do ponto de vista da simplificação da legislação, a legislação brasileira na área do consumo é muito complexa, porque é produto de um embate federativo. Diferentemente da tributação do consumo europeu e dos EUA. Por outro lado, a dos EUA é muito vulnerável à sonegação. A brasileira não é frágil assim. O sistema tributário americano, incidente na renda, é inadministrável, mas o do consumo é simples.
Imil: No Brasil cerca de 40% dos impostos incidem sobre os consumo.
Maciel: Eu sempre questiono esses percentuais. Porque partem de informações equivocadas. O Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM) incide sobre consumo. Ninguém tem dúvida. O Imposto de Propriedade Industrial (IPI) incide sobre consumo, ninguém tem dúvida. Agora, o Programa de Integração social (PIS)/ Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) incide? Opa! Considere o PIS/COFINS cumulativo: a base de cálculo dele é a do Imposto de Renda. Ele é imposto de renda ou de consumo? Quando eu falo sobre imposto de consumo ou de renda, é em um plano abstrato. Não com essas estatísticas questionáveis.
Imil: Na opinião do senhor, um imposto único seria uma solução para uma simplificação fiscal?
Maciel: Não. Jamais poderá existir. É uma utopia irrealizável. A complexidade da vida não admite um imposto único. O imposto único é uma tese quase secular. Na Argentina, no começo do século XX, havia a “Revista do Imposto Único”, que contou inclusive com a contribuição de Monteiro Lobato. Mas não existe a possibilidade. Como fundir imposto de importação, Imposto de Renda e imposto patrimonial? Impossível. O imposto que os substituísse os substituiria inadequadamente. Se a simplicidade é um objetivo da política tributária, ela não pode deixar de ser simples para ser simplória.
Imil: E a descrição dos impostos em notas fiscais, o senhor acha que isso ajudaria a conscientizar e esclarecer a população em torno da questão dos impostos?
Maciel: Não, isso tornaria a vida do contribuinte um inferno. Seria passível de equívocos o tempo todo. Na conta de luz ou telefone você vê impostos discriminados, de forma exageradamente simplista. O cidadão lê, sabe ou se importa? Não. Essa exigência da discrição na nota fiscal apenas iria criar um problema ainda maior para o empresário. Um país que tem 45 alíquotas efetivas de ICMS e tem diferença de alíquotas estaduais diferentes, e tem produtos isentos e imunes, e tem produtos da zona franca… Só causaria problemas….
Imil: O sistema tributário no Brasil se mostra muito eficiente em arrecadação, já no retorno em bens essenciais para a população, nem tanto. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributária (IBPT) divulgou o estudo Índice de Retorno De Bem Estar à Sociedade (IRBES), que coloca o Brasil na trigésima posição em retorno de bens para a população. entre os 30 países com maior a carga tributária. Como o senhor vê esta situação?
Maciel: Posso dizer que é uma questão que sai da área tributária. É a área do gasto público: há muito desperdício e pouco foco, para não falar de corrupção. A política de gasto público deve ser revista completamente.
Imil: A população muitas vezes não sabe como se posicionar quanto a questão dos impostos no Brasil. Reclamam uma melhoria em suas vidas, mas o discurso se perde entre a redução imediata dos impostos e os gastos eficientes. O que o senhor pensa sobre isso? Como deveria ser feito?
Maciel: Nós temos uma tradição de dar pouca importância às discussões orçamentárias. Se você perguntar a qualquer brasileiro o que esta acontecendo no orçamento da União, ele não vai saber responder. Nem um jornalista estudado. As pessoas querem o máximo de conforto com o mínimo de impostos. Não há, no Brasil, a mais remota consciência de que orçamento não é questão do governo. É do povo. No limite, a parcela da população que consegue enxergar no orçamento um instrumento para se fazer a vontade do povo, pela via do gasto público, é nula. Não existe consciência fiscal no Brasil. Nunca houve. Mudar isso é uma mudança política.
A questão é a evolução da cidadania. Nós temos um déficit enorme. Não creio que seja sanado em pouco tempo.Por: Everardo Maciel em Instituto Millenium
quinta-feira, 24 de maio de 2012
TRABALHO ESCRAVO
"O direito nunca é infringido a não ser quando alguém se encontra destituído de uma parte daquilo que apropriadamente lhe pertença, ou de sua liberdade pessoal, sem o seu consentimento ou contra a sua vontade." (Humboldt)
A Câmara aprovou nesta terça-feira a PEC do Trabalho Escravo, que pode expropriar a propriedade rural ou urbana, sem indenização, caso seja detectado "trabalho escravo". Muitos aplaudem a medida, cheios de boas intenções. Eu confesso que lamento profundamente a decisão. Não por ser a favor do trabalho escravo, naturalmente. E sim porque tenho muito receio da arbitrariedade do estado com o uso flexível e vago do conceito "escravo".
Alguns podem associar o termo automaticamente àqueles trabalhadores acorrentados, levando chibatadas dos capatazes. Não é nada disso. Se não tiver carteira assinada (quase 40% da mão de obra brasileira não possui carteira), se as condições do local de trabalho não forem "adequadas" de acordo com infindáveis normas vagas, se as autoridades, enfim, resolverem achar indícios de "trabalho escravo", então o proprietário poderá perder sua propriedade sem mais nem menos. Abre-se um precedente perigoso, um risco enorme ao nobre e fundamental pilar da propriedade privada.
Abaixo, um texto meu antigo, quando foi levantada pela primeira vez esta ideia:
Escravidão é coerção. Para configurarmos um trabalho como escravo, necessitamos invariavelmente do conceito objetivo de obrigatoriedade contra a vontade, sendo o trabalhador forçado a executar suas tarefas sob ameaça de punição caso não as cumpra. A escravidão é, portanto, um conceito objetivo atrelado a moral, e independe dos sofismas e eufemismos que legisladores de plantão resolvam aplicar. Ela pode ser permitida por lei, como já foi no passado, ou distorcida pela lei, como o é atualmente, mas isso nada altera sua definição básica de caracterizar-se pela supressão da liberdade de escolha individual.
Algumas pessoas, mesmo que bem intencionadas, preferem manipular tais conceitos objetivos e complicar a questão da escravidão, associando-a a aspectos subjetivos e abstratos, como a dignidade humana. Revoltados com certas condições de trabalho, principalmente no meio rural, essas pessoas criam novos conceitos para definir a escravidão, solapando a objetividade da lei e abrindo perigoso espaço para o poder arbitrário do burocrata do momento. Tal atitude abre um perigoso precedente, permitindo que a arbitrariedade do conceito de "justiça social" condene à morte a necessária e concreta noção de justiça, essencial para a liberdade dos indivíduos.
Alguns defensores de malabarismos com o conceito de escravidão argumentam que sem um salário "justo" ou mínimo para a subsistência, temos um evidente caso de trabalho escravo. Isso está incorreto. O princípio básico de liberdade é o direito à propriedade, incluindo aí a escolha voluntária do indivíduo no que diz respeito ao trabalho e às trocas que este irá efetuar. Se alguém decide, voluntariamente, por um trabalho filantrópico, por exemplo, com a ausência de remuneração material pelo seu esforço, este nunca poderá ser considerado um escravo. Já um trabalhador que recebe salário "decente", mas não é livre para escolher abandonar tal serviço, é um escravo.
Logo, escravidão não pode ter ligação com a remuneração, e sim com a livre escolha ou não do trabalhador. Isso para não falar dos que consideram que remuneração, numa visão materialista marxista, dá-se somente através de papel-moeda. Ora, o próprio termo salário vem de sal, produto que já foi utilizado como moeda de troca antigamente. Portanto, um trabalhador que aceita, voluntariamente, oferecer seu esforço individual em troca de comida e moradia, sem dinheiro como forma de pagamento, não pode ser considerado um escravo. Mais escravo que ele é o "contribuinte" que entrega compulsoriamente cerca de metade de sua renda para o estado, que concentra ainda mais poder através da retórica contra a escravidão!
As condições materiais da vida desses trabalhadores pode, e deve, suscitar nas pessoas de bem a vontade de ajudar. Porém, há que se preservar a justiça, sempre. O inferno está cheio de boas intenções, diz a sabedoria popular. E a dignidade humana não estará condicionada à conta bancária, mas sim ao aspecto moral da conduta individual. O sujeito que permanece livre para escolher, assumindo responsabilidade por seus atos, é mais digno de respeito que o homem que depende de burocratas "iluminados" para decidir seus passos. Parasitas do governo, em busca de votos, que retiram a liberdade individual, não estão dando dignidade alguma, mas sim a destruindo. A dignidade vem da liberdade do indivíduo em exercer livremente suas preferências.
Exauridos os argumentos conceituais, podemos combater as recentes medidas sobre escravidão através da linha prática. Sabemos que o PT possui ranço ideológico socialista, além de uma proximidade criminosa com o MST. Observando a história, vemos que contorcionismos com a definição de escravidão foram bastante úteis aos revolucionários marxistas, cuja míope visão de luta de classes levou ao extermínio de milhões de indivíduos inocentes. Na melhor das hipóteses, fossem os defensores do combate à "escravidão" pessoas sinceramente imbuídas de senso de justiça, seus objetivos ficariam limitados à aplicação da lei via julgamento criminal dos fazendeiros com trabalho escravo. Entretanto, é a expropriação de suas terras que estes visam, numa clara confissão de perfídia, que passa despercebida pelos leigos românticos.
O próximo passo poderia ser tranquilamente estender tal luta contra a "escravidão" para o meio urbano, alegando que trabalhadores sem carteira assinada e excluídos das "garantias" da lei precisam de ajuda. Levando-se em conta que estamos falando de quase metade da população economicamente ativa, temos um prato cheio para os revolucionários de plantão. Amanhã, a empregada que voluntariamente trabalha sem carteira justamente para fugir das "regalias" utópicas das leis, poderá ser considerada uma escrava, e seu patrão poderá ter sua residência confiscada pelos nobres combatentes da escravidão. Salve-se quem puder! Por: Rodrigo Constantino
O FANATISMO MARXISTA NÃO MORRE
Tanta paranóia, nem o Freud explica
Após o fracasso do marxismo – leninismo no Brasil pelo desencadeamento da Contrarrevolução de 1964, os comunistas procuraram refazer - se da reação inesperada e vitoriosa.
Quem olhasse o Brasil à época poderia apostar que o comunismo triunfaria. Os fanáticos por Marx, Trotsky, Mao, Stalin, Fidel, haviam montado o dispositivo ideal para a tomada do poder. A reviravolta deixou - os estupefatos.
Depois, com o beneplácito do espírito democrático vigente, foram se reagrupando, subvertendo, assaltando, explodindo, seqüestrando e infernizando o País com sua esquizofrenia comunista.
Os Presidentes Generais reagiram aos atos criminosos e estabeleceram dispositivos legais para dar combate àqueles inimigos sem rosto, com falsas identidades, e que não pestanejavam em justiçar companheiros, caso desconfiassem de sua lealdade.
Os lados oponentes, por vezes se chocaram e, na luta, morreram subversivos, agentes do governo e até pessoas inocentes.
Não era o propósito das forças legais exterminarem os criminosos e, sim, prendê – los para que fossem julgados. E eles sempre contavam com o concurso de famosos advogados, e sem pagarem por seus crimes, eram soltos, na maioria, após pouco tempo de encarceramento.
Alguns, nem isto, pois foram para o exterior, mediante sua troca por seqüestrados pelos seus cumpanheiros. Mas anistiados todos os criminosos voltaram, prestigiados, mais canalhas, mais paranóicos.
Outros, sem o treinamento em escolas no exterior, na China, Rússia e Cuba, sem o preparo psicológico para as ilegais ações que os induziram a realizar, quando presos, não suportavam, e até tiravam a própria vida.
Na época, muitos jovens aventuraram - se a ser guerrilheiros nas selvas (como os enganados estudantes da "Guerrilha do Araguaia") surgiram os grupelhos também de iludidos nas cidades, que atendiam como massa de manobra aos desígnios de seus escolados chefes.
Alguns, com falsas identidades se escafederam, como o Dirceu, mas sem o apoio que o “pai do mensalão” teve da metamorfose ambulante, optaram por novos rumos, com novas famílias e vivem por aí, embora constem como mortos.
Na atualidade, assistimos com pesar os integrantes do “Levante Popular da Juventude” (com seus “escrachos” e “esculachos”), seguindo a mesma insânia de seus antecessores, e testemunhamos como jovens mal orientados protagonizam cenas degradantes e gestos ofensivos e dignos de repúdio, como dar cusparada nos seus alvos.
Imaginemos como nas décadas de 60 e 70, eles impregnaram e iludiram aqueles adolescentes, que no seu idealismo distorcido foram cooptados, e muitos perderam a própria vida na sua malfadada missão.
A dolorosa e arriscada missão dos agentes da repressão era a de inibir, não de matar, era prendê – los para serem julgados, e não trucidá - los ou torturá - los.
Não foi criado aqui um “PAREDON”, como em Cuba da elogiada tirania castrista, seu referencial. Os Presidentes dos governos militares, não pretendiam extinguir seus torpes inimigos.
Muitos já perguntaram, porque não eliminaram a Dilma, o Genuíno, o Tarso, o Dirceu e outros que hoje pululam no cenário nacional com desenvoltura, e gozando de plena saúde, sem traumas de torturas físicas ou mentais buscando uma vingança vergonhosa?
Sim, tiveram suas vidas preservadas, sem seqüelas, mas espertos para levar vantagem em tudo, pois se autonomearam de heróis, e pela disseminação de idéias falsas alcançaram o poder, receberam polpudas indenizações, e avançam sem oponentes, rumo ao estabelecimento de um tirânico governo marxista - leninista no Brasil.
Sim, alguns acreditam que os governos militares deveriam ter sido implacáveis, eliminando sem pruridos, este bando de canalhas.
Não sofreram, mas fizeram uma avassaladora guerra psicológica, tão eficaz que passaram a usufruir, com boa saúde, é bom ressaltar, das vantagens da incessante e incansável propaganda de seu comunismo oportunista.
Nenhum deles morreu, infelizmente. Gen. Bda Rfm Valmir Fonseca Azevedo Pereira
Brasília, DF, 23 de maio de 2012
quarta-feira, 23 de maio de 2012
PRISIONEIRO DO RESSENTIMENTO
Mais velho, mais sofrido — e nem por isso mais sábio —, o ex-presidente Lula levou para a Câmara Municipal de São Paulo, onde receberia na segunda-feira o título de Cidadão Paulistano, as suas obsessões e os seus fantasmas: as elites e o mensalão. Ao elogiar no seu discurso a gestão da prefeita Marta Suplicy, ele se pôs a desancar a “parte da elite” de cujo preconceito ela teria sido vítima “porque ousou governar para os pobres”. Marta fez os CEUs (centros educacionais unificados), exemplificou, para acolher crianças de favelas, algo inaceitável para aqueles que não querem que os outros sejam “pelo menos iguais” a eles.
O ressentimento de que Lula é prisioneiro o impede de aceitar que, numa megalópole como esta, há de tudo para todos os gostos e desgostos — e não apenas no topo da pirâmide social. Os que nele se situam, uma população que o tempo e as oportunidades de ascensão de há muito tornaram heterogênea, não detêm o monopólio do preconceito de classe. Durante anos, até eleitores mais pobres, portadores, quem sabe, do proverbial complexo de vira-lata, refugaram a ideia de votar em um candidato presidencial que, vindo de onde veio e com pouco estudo, teria as mesmas limitações que viam em si para governar o Brasil.
Lula tampouco admite, ao menos em público, que dificilmente teria chegado lá se o destino não o tivesse levado a viver na mais aberta sociedade do País — que também abriga, repita-se, cabeças egoístas e retrógradas, mas onde o talento, o trabalho e a perseverança são os mecanismos por excelência de equalização social. Em 1952, quando a sua mãe o trouxe com alguns de seus irmãos para cá, estava em pleno andamento, aliás, a substituição das tradicionais elites políticas paulistas por nomes que expressavam as mutações por que vinha passando desde a 2.ª Guerra Mundial o perfil demográfico da capital.
Pelo voto popular, chegaram ao poder descendentes de imigrantes e outros tantos cujas famílias, vindas de baixo, prosperaram com a industrialização, educaram os filhos e os integraram, à americana, na renovada estrutura política. O curso natural das coisas, pode-se dizer, consumou a metamorfose na pessoa do carismático torneiro mecânico pau de arara ungido presidente da República. No Planalto, é bom que não se esqueça, ele vergastava as elites nos palanques e se acertava na política com o que elas têm de pior. Lula se amancebou com expoentes do coronelato do atraso, do patrimonialismo e da iniquidade — o mesmo estamento oligárquico que contribuiu para confinar à miséria incontáveis milhões de nordestinos.
Elas não lhe faltaram no transe do mensalão — “um momento”, repetiu pela enésima vez o mais novo cidadão paulistano, “em que tentaram dar um golpe neste país”. Na sua versão da história, as elites, a oposição e a mídia só desistiram de destituí-lo de medo de “enfrentarem o povo nas ruas”. Falso. Lula ainda não havia completado o trajeto da contrição — “eu não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas” — à ameaça de apelar ao povo, quando a oposição preferiu não pedir o seu impeachment para não traumatizar o País pela segunda vez em 13 anos. Pelo menos um dos homens do presidente, ministro de Estado, procurou os líderes oposicionistas para dissuadi-los da iniciativa.
O estopim foi o depoimento do marqueteiro de Lula, Duda Mendonça, na CPI dos Correios, em agosto de 2005. Ele revelou ter recebido em conta que precisou abrir no paraíso fiscal das Bahamas, a conselho de Marcos Valério, o publicitário que viria a ser o pivô do mensalão, a soma de R$ 10 milhões pelos serviços prestados três anos antes à campanha presidencial do petista e ao partido. Afinal, parcela da bolada já estava no exterior e outra sairia do caixa 2 da agremiação — os famosos “recursos não contabilizados” que Lula admitiria existir na reunião ministerial que convocou para o dia seguinte da oitiva de Duda. Tecnicamente, o PT poderia ter o seu registro cassado, e o presidente poderia ser afastado, se as elites quisessem levar a ferro e fogo o combate político. Se conspiração houve, em suma, foi para “deixar pra lá”.O ESTADO DE S. PAULO
A virtude do lucro
O começo do século XXI tem sido marcado pela revalorização da figura do empreendedor. Não é raro, por exemplo, que faculdades tenham cursos e seminários de empreendedorismo ou de liderança. Até que ponto esses cursos são capazes de formar empreendedores de verdade é uma questão em aberto; eles certamente indicam, contudo, um interesse no tema. Muito tem sido escrito sobre as virtudes necessárias a um empreendedor de sucesso: qual sua motivação, como ele se relaciona com seus stakeholders, de onde ele tira as ideias que revolucionam o mercado. Neste texto, tratar-se-á do mesmo tema só que de outro ponto de vista: explorarei, de maneira introdutória, qual o papel econômico do empreendedor; isto é, qual é sua função no mercado e por que ele é importante.
Para começar a falar disso é preciso falar de valor. Mais especificamente: o que determina o valor de um bem ou serviço? O curioso dessa pergunta é que, no fundo, todo mundo sabe a resposta, mas teria dificuldade em explicar em detalhe: o que te leva, leitor, a aceitar pagar mais por um bem do que por outro? Simples: a capacidade (segundo a sua percepção) daquele bem de satisfazer a seus desejos e necessidades. Se gosto mais de sorvete de limão do que de chocolate, então eu estaria disposto a pagar mais pelo primeiro do que pelo segundo. Se eu realmente detestar sorvete de chocolate, não o compraria nem que custasse 1 centavo o litro. E se todos pensassem assim, o sorvete de chocolate logo sumiria das lojas. São os diversos desejos das diversas pessoas que, comprando e se abstendo de comprar, determinam os preços.
Espere um momento; algo não parece bem nessa explicação. Pois veja: água é essencial para a vida; anel de diamante é luxo desnecessário. Tendo que escolher entre ter um deles e abrir mão do outro, todo mundo escolheria a água. E, mesmo assim, um galão d'água é muito mais barato que o menor dos diamantes. Esse problema incomodou os economistas por muito tempo nos séculos XVIII e XIX, até que três economistas, trabalhando independentemente (um dos quais, Carl Menger, deu origem à chamada Escola Austríaca que inspira este site), resolveram a questão, apontando o fator que, integrado aos desejos e necessidades dos homens, determina o valor de um bem: a escassez relativa. Um copo d'água vale tão pouco porque a água nos é muito abundante; um copo a mais ou a menos pouco afeta os usos que fazemos da água. Mas pode ter certeza: se a água potável disponível diminuísse drasticamente de forma inesperada, em poucos dias veríamos milionários oferecendo suas joias em troca de um copo. E desperdiçar um copo d'água seria tão impensável como jogar, hoje em dia, diamantes no lixo. Isso em parte já ocorre: em países sem a abundância hídrica do Brasil a água é, de fato, mais cara.
A esses bens e serviços que satisfazem as necessidades dos consumidores (copo d'água, anel de diamante, etc.) chamamos "bens de consumo" (falarei sempre de bens, mas saibam que o mesmo se aplica a serviços, isto é, coisas que não conseguimos segurar na mão ou no copo). Existem bens, contudo, que não são usados diretamente pelos consumidores, mas que servem para produzir outros bens. São os bens de capital, também chamados de meios de produção. Alguns exemplos são matérias-primas como metais ou grãos, máquinas utilizadas na indústria, o papel que será usado na confecção de um livro, a mão-de-obra que vai transformar a matéria-prima, a energia elétrica, etc.
O que determina o valor dos bens de capital é o valor dos bens de consumo que eles podem ser usados para produzir. Imagine que, progressivamente, nossa sociedade se desencante com o automóvel, e que as pessoas passem a preferir outros meios de transporte como a bicicleta, que andem mais a pé e que o metrô se torne mais acessível, etc. A demanda por automóveis cairia. Com menos vendas de carro, algumas empresas fechariam, outras diminuiriam a escala de sua produção. Uma máquina cuja única utilidade fosse na linha de montagem de automóveis seria menos demandada e perderia valor. O lucro possível de se obter com tal máquina cairia, e portanto o industrial do ramo não estaria disposto a pagar por ela o mesmo que pagaria em tempos passados, quando o carro era visto como necessidade absoluta por todo mundo que pudesse comprá-lo.
Como tudo isso se relaciona com o empreendedor? Ora, o empreendedor é alguém que compra meios de produção (matéria-prima, energia, trabalho) e os articula para produzir outros bens (que podem ser bens de consumo ou ainda outros bens de capital). Tendo em mente a determinação do valor dos bens descrita acima, como a empresa lucra? Ela lucra quando usa bens de capital de valor X e consegue, com eles, produzir outros bens cujo valor de venda seja maior do que X.
Agora chegamos ao ponto central. Reparem: Como o valor dos bens de capital é determinado pelo valor dos bens de consumo que eles são capazes de produzir (o valor da máquina que produz carros depende do valor esperado dos carros), o valor agregado dos bens de capital de uma linha de produção deveria ser igual ao valor do produto final deles (corrigido, é verdade, por uma taxa de juros referente ao tempo que o processo produtivo leva). O esperado, portanto, é que não exista nem lucro nem prejuízo. Se consigo produzir, com um conjunto de bens de capital, bens de consumo no valor Y, então o valor dos bens de capital também deveria ser Y, e ninguém me venderia esses bens de capital por menos do que eles valem. Como é, então, que algumas empresas conseguem lucrar?
O lucro só é possível por um motivo: o mercado, isto é, a rede de pessoas que trocam umas com as outras, pode ignorar muitas coisas e errar em suas avaliações. O empreendedor que tem lucro é alguém que descobriu um modo de usar os recursos disponíveis que o resto do mercado, em sua maioria, ainda não conhece, ou nunca pensou, ou pensou e considerou uma ideia ruim. Todo ato empreendedor é um ato de risco: é um lançar-se contra a opinião estabelecida, na crença e na esperança de que há uma possibilidade de criação de valor que tem sido ignorada; que há jeitos de se atender à demanda da população que ainda não foram tentados. Todo mundo pensa que um dado bem de capital pode, no máximo, produzir o valor X; e por isso ele é vendido pelo preço X; mas o empreendedor vê nele o potencial de produzir um valor maior que X; e assim começa um negócio. Se estiver certo, sua empresa terá lucro. Se estiver errado, prejuízo.
A conclusão disso tudo é que não existe um "lucro normal", algo que todo empreendedor pode esperar e ter como garantido. Todo lucro é de certa maneira excepcional, fruto de um uso dos recursos que o resto do mercado não foi capaz de prever. É uma aposta acertada contra a opinião vigente (isto é, contra os preços que o mercado atribui aos meios de produção). É verdade que barreiras e regulamentações legais viciam um pouco essa realidade: num setor cartelizado ou até monopolizado, em que o governo impõe restrições legais à entrada de novas empresas (e ele é o único capaz de fazê-lo, por deter os meios coercitivos necessários), a empresa pertencente ao cartel pode contar com um lucro acima do que teria se houvesse livre concorrência, cobrando preços mais altos. Mesmo assim, ela ainda está sujeita à concorrência de bens substitutos vindos de outros setores (os Correios perderam muita demanda com a chegada do e-mail) e com as flutuações de demanda por seu bem; seu lucro também é excepcional e depende de algum esforço de adequar-se às demandas dos consumidores.
Ademais, todo lucro coloca em funcionamento os mecanismos que levam a sua própria extinção: ele sinaliza que há valor a ser criado numa área e dá o incentivo para outros empreendedores imitarem os exemplos de sucesso. Conforme mais gente imite a ideia lucrativa original, o valor dos bens de capital usados sobe (pois há mais demanda por eles), e o valor dos bens produzidos cai (pois há mais oferta deles), até que o lucro se esgota. O mercado encontrou um novo equilíbrio. Mas o mercado é complexo e composto de bilhões de pessoas e outras incontáveis variáveis que mudam o tempo todo. Novas mudanças estão sempre acontecendo, novas ideias sendo postas em prática o tempo todo; pessoas nascem e morrem, outras mudam suas preferências. Uma mulher resolveu cuidar de sua saúde e parar de beber refrigerante: isso já desloca o mítico ponto de equilíbrio. O mercado é, portanto, um sistema dinâmico que está sempre se dirigindo a um equilíbrio que muda de lugar a todo instante. E o empreendedor é o agente dessa mudança.
É ele que põe o processo em andamento. Todas as outras funções do mercado (trabalhadores e poupadores, basicamente) recebem dele seu direcionamento. É claro que todo mundo depende de todo mundo: sem trabalhadores para oferecer a mão-de-obra e sem poupadores para disponibilizar o capital, o empreendedor nada poderia fazer. Mas é ele que dá a finalidade para o trabalho e para o capital. Quem determina que tipo de vagas de emprego serão ofertadas? E quem determina as opções de investimento do capital? Os empreendedores, sempre tentando atender da forma mais eficiente possível à demanda dos consumidores. Eles colocam em andamento o processo pelo qual as pessoas são incentivadas a poupar (para ganhar uma taxa de retorno em seu capital) e a trabalhar (oferta de vagas de emprego a diversos salários). Se, depois de concluído o processo, depois de pagar seus trabalhadores, fornecedores e credores, sobrar algo (grande parte do qual, provavelmente, será reinvestido na empresa), isso significará que ele criou valor. Nem por isso poderá descansar; o mercado está sempre mudando, novos pontos de equilíbrio estão surgindo, as velhas oportunidades de lucro estão se esgotando. Seu trabalho, portanto, nunca para.
Joel Pinheiro da Fonseca é membro do Instituto de Formação e Educação e um dos responsáveis pela publicacção da revista Dicta&Contradicta.
Brasileiro deve até as calças: Classe C já compromete 60% da renda anual
No momento em que o governo tenta conter de novo o desempenho fraco da economia pelo consumo, o peso das dívidas antigas alcança valores recordes no orçamento das famílias brasileiras. Em abril, só as dívidas financeiras representavam em média 45% da renda anual, segundo projeção do economista Simão Silber, da Universidade de São Paulo (USP), com base em dados do Banco Central (BC). Esse percentual era de 24,94% em janeiro de 2007 e de 35,8% no começo de 2010.
— O comprometimento das famílias com o endividamento aumentou bastante recentemente e dá sinais de saturação. A questão é que o maior acesso a crédito no Brasil é acompanhado por taxas de juros ainda elevadas, o que significa um perfil de endividamento que não é saudável. Isso gera a armadilha da dívida. As pessoas vão se estrangulando e ficam presas aos bancos — afirma o professor de Economia da Uerj Luiz Fernando de Paula, admitindo risco de aumento de inadimplência por causa das medidas de estímulo ao consumo anunciadas pelo governo.
Além disso, atualmente, todo mês, mais de um quinto da renda das famílias já está comprometida com o pagamento de dívidas bancárias. Neste caso, essa fatia saltou de 18%, em janeiro de 2008, para 22% em fevereiro último. Um percentual muito elevado, segundo economistas, já que o consumidor ainda tem despesas como educação, habitação, transporte, saúde e alimentação. O excesso de dívidas acaba se traduzindo em aumento de inadimplência. Em março, a taxa, que considera atrasos acima de 90 dias, chegava a 7,4% dos financiamentos para pessoas físicas, ou R$ 38,85 bilhões.
Classe C deve 60% de sua renda anual
O educador financeiro Mauro Calil considera o grau de endividamento das famílias hoje elevado. Ele acredita que as novas medidas de incentivo ao consumo podem até ser favoráveis para a sociedade, por estimularem a economia, mas alguns indivíduos pagarão a conta, com mais endividamento.
A situação no Brasil é mais delicada que em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, a fatia da renda mensal para quitar dívidas bancárias varia de 15% a 17%. Em países ricos, o nível de endividamento pode até ultrapassar 100% da renda anual. Mas, como os juros são menores e os prazos muito mais longos que no Brasil, o peso final no orçamento mensal das famílias (que é o comprometimento) é proporcionalmente menor. Outro agravante no caso brasileiro, segundo o professor da Uerj, é o prazo mais curto dos financiamentos.
— O endividamento e, principalmente, o comprometimento da renda mensal hoje são muito maiores que em 2008 e 2009, e o pacote do governo é o mesmo. Para voltar a se endividar com crédito, o consumidor tem de recuperar espaço no orçamento — diz Luiz Rabi, gerente de indicadores de mercado da Serasa Experian. Cálculos da área econômica do banco Pine indicam que o nível de endividamento médio é ainda maior entre as famílias da chamada classe C, com renda mensal entre 2,5 e cinco salários mínimos (de R$ 1.555 a R$ 3.110): chegaria a 60% da renda anual.
— Ultimamente as dívidas que esse extrato têm contraído são mais caras que em 2009, por exemplo. Até então, o endividamento era em CDC (crédito direto ao consumidor), agora há dívida em cheque especial, cujos juros são mais altos — observa Marco Maciel, economista-chefe do banco Pine. Luiz Fernando de Paula lembra ainda que a baixa renda, além de só ter acesso a crédito com taxas de juros mais altas, tem menos facilidade para negociar suas dívidas com as instituições financeiras.
O encarregado administrativo Daivison da Costa, de 31 anos, foi um dos que se viu envolvido em dívidas que não conseguia pagar. Em 2007, ele teve um cheque de cerca de R$ 2 mil protestado às vésperas de seu casamento. As despesas do dia a dia e os gastos com a cerimônia e com a casa nova dificultaram o pagamento. — Outro problema foi o parcelamento proposto pelo banco. As parcelas eram muito altas, incompatíveis com meus gastos mensais e com juros muito altos — conta Daivison. A supervisora de vendas Jane Araújo, de 42 anos, contraiu uma dívida de R$ 1.600 no banco em 2007, mas só deu atenção ao problema quando o débito bateu R$ 6 mil: — Meu limite era de quase R$ 2 mil, e, a essa altura, era impossível pagar.
Silber, da USP, não vê nas medidas de estímulo ao crédito grande potencial para impulsionar a economia.— Por mais que o governo queira, vai ser difícil esticar tanto o crédito como já foi feito. E isso não ocorrerá por causa da estrutura atual. Os juros ainda são muito altos e dívidas, mesmo pequenas, já comprometem muito a renda. Além disso, os prazos dos empréstimos são curtos no Brasil — diz Silber, lembrando que o prazo médio dos empréstimos para pessoa física é de 600 dias, menos de dois anos.
A economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Marianne Hanson também acredita que o endividamento vai limitar o impacto dessas medidas, porque as pessoas estão mais cautelosas. As operações de crédito do sistema financeiro alcançaram 49,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, mais que o dobro dos 24,1% registrados em 2003. É consenso entre os economistas que a expansão do crédito agora ocorrerá num ritmo menos vertiginoso.
Maciel, do Pine, ressalta ainda que a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de crédito são muito restritos à indústria automotiva. (O Globo)
O "POLITICAMENTE CORRETO" COMO FORMA DE MAQUIAR A INCOMPETÊNCIA DO GOVERNO DO PT
Neste vídeo o filósofo Luiz Felipe Pondé explica de forma super sucinta, o que é o pensamento politicamente correto e seus efeitos. No caso brasileiro ele serve para escamotear a incompetência do governo. Está perfeito.
terça-feira, 22 de maio de 2012
VERDADE/ QUE VERDADE?
Foi saudada como um momento histórico a designação dos membros da Comissão da Verdade. Como tudo se movimenta lentamente na presidência de Dilma Rousseff, o fato ocorreu seis meses após a aprovação da lei 12.528. Não há qualquer justificativa para tanta demora. Durante o trâmite da lei o governo poderia ter desenhando, ao menos, o perfil dos membros, o que facilitaria a escolha.
Houve, na verdade, um desencontro com a história. O momento para a criação da comissão deveria ter sido outro: em 1985, quando do restabelecimento da democracia. Naquela oportunidade não somente seria mais fácil a obtenção das informações, como muitos dos personagens envolvidos estavam vivos. Mas — por uma armadilha do destino — quem assumiu o governo foi José Sarney, sem autoridade moral para julgar o passado, pois tinha sido participante ativo e beneficiário das ações do regime militar.
O tempo foi passando, arquivos foram destruídos e importantes personagens do período morreram. E para contentar um setor do Partido dos Trabalhadores — aquele originário do que ficou conhecido como luta armada — a presidente resolveu retirar o tema do esquecimento. Buscou o caminho mais fácil — o de criar uma comissão — do que realizar o que significaria um enorme avanço democrático: a abertura de todos os arquivos oficiais que tratam daqueles anos.
É inexplicável o período de 42 anos para que a comissão investigue as violações dos direitos humanos. Retroagir a 1946 é um enorme equívoco, assim como deveria interromper as investigações em 1985, quando, apesar da vigência formal da legislação autoritária, na prática o país já vivia na democracia — basta recordar a legalização dos partidos comunistas. Se a extensão temporal é incompreensível, menos ainda é o prazo de trabalho: dois anos. Como os membros não têm dedicação exclusiva e, até agora, a estrutura disponibilizada para os trabalhos é ínfima, tudo indica que os resultados serão pífios. E, ainda no terreno das estranhezas e sem nenhum corporativismo, é, no mínimo, extravagante que tenha até uma psiquiatra na comissão e não haja lugar para um historiador.
A comissão foi criada para “efetivar o direito à memória e a verdade histórica”. O que é “verdade histórica”? Pior são os sete objetivos da comissão (conforme artigo 3º), ora indefinidos, ora extremamente amplos. Alguns exemplos: como a comissão agirá para que seja prestada assistência às vítimas das violações dos direitos humanos? E como fará para “recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional”? De que forma é possível “assegurar sua não repetição”?
O encaminhamento dado ao tema pelo governo foi desastroso. Reabriu a discussão sobre a lei de anistia, questão que já foi resolvida pelo STF em 2010. A anistia foi fundamental para o processo de transição para a democracia. Com a sua aprovação, em 1979, milhares de brasileiros retornaram ao país, muitos dos quais estavam exilados há 15 anos. Luís Carlos Prestes, Gregório Bezerra, Miguel Arraes, Leonel Brizola, entre os mais conhecidos, voltaram a ter ativa participação política. Foi muito difícil convencer os setores ultraconservadores do regime militar que não admitiam o retorno dos exilados, especialmente de Leonel Brizola, o adversário mais temido — o PT era considerado inofensivo e Lula tinha bom relacionamento com o general Golbery do Couto e Silva.
Não é tarefa fácil mexer nas feridas. Há o envolvimento pessoal, famílias que tiveram suas vidas destruídas, viúvas, como disse o deputado Alencar Furtado, em 1977, do “quem sabe ou do talvez”, torturas, desaparecimentos e mortes de dezenas de brasileiros. Mas — e não pode ser deixado de lado — ocorreram ações por parte dos grupos de luta armada que vitimaram dezenas de brasileiros. Evidentemente que são atos distintos. A repressão governamental ocorreu sob a proteção e a responsabilidade do Estado. Contudo, é possível enquadrar diversos atos daqueles grupos como violação dos direitos humanos e, portanto, incurso na lei 12.528.
O melhor caminho seria romper com a dicotomia — recolocada pela criação da comissão — repressão versus guerrilheiros ou ação das forças de segurança versus terroristas, dependendo do ponto de vista. É óbvio que a ditadura — e por ser justamente uma ditadura — se opunha à democracia; mas também é evidente que todos os grupos de luta armada almejavam a ditadura do proletariado (sem que isto justifique a bárbara repressão estatal). Nesta guerra, onde a política foi colocada de lado, o grande derrotado foi o povo brasileiro, que teve de suportar durante anos o regime ditatorial.
A presidente poderia ter agido como uma estadista, seguindo o exemplo do sul-africano Nelson Mandela, que criou a Comissão da Verdade e Reconciliação. Lá, o objetivo foi apresentar publicamente — várias sessões foram transmitidas pela televisão — os dois campos, os guerrilheiros e as forças do apartheid. Tudo sob a presidência do bispo Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz. E o país pôde virar democraticamente esta triste página da história. Mas no Brasil não temos um Mandela ou um Tutu.
Pelas primeiras declarações dos membros da comissão, continuaremos prisioneiros do extremismo político, congelados no tempo, como se a roda da história tivesse parado em 1970. Não avançaremos nenhum centímetro no processo de construção da democracia brasileira. E a comissão será um rotundo fracasso. Por: MARCO ANTONIO VILLA
O GLOBO - 22/05
segunda-feira, 21 de maio de 2012
ECOS DE 1967: UNIÃO EM ISRAEL
A guerra não está a quatro dias de distância, mas ela se aproxima.
Em maio de 1967, violando descaradamente acordos de trégua anteriores, o Egito expulsou do Sinai os pacificadores da ONU, moveu 120 mil soldados para a fronteira com Israel, bloqueou Eilat (a saída sul de Israel para o oceano), assinou repentinamente um pacto militar com a Jordânia e, junto com a Síria, decretou guerra para a destruição final de Israel.
Maio de 1967 foi o mês mais amedrontador e desesperador de Israel. O país estava cercado e sozinho. Garantias prévias de grandes potências se mostraram inócuas. Um plano para testar o bloqueio com uma flotilha ocidental falhou por falta de participantes. O tempo estava se esgotando. Forçada a proteger-se contra uma invasão através de mobilização e massa – e com um exército composto enormemente por reservistas civis –, a vida se reduziu a quase nada. O país estava morrendo.
Em 5 de junho, Israel lançou um ataque preventivo contra a força aérea egípcia, procedendo então a vitórias luminosas nos três fronts. A Guerra dos Seis Dias é uma lenda, mas menos lembrado é que, em 1º de junho, a oposição nacionalista (o precursor do Likud de Menachem Begin) foi, pela primeira vez, trazida ao governo, criando uma coalizão emergencial de unidade nacional.
Todos entenderam porquê. Você não leva a cabo uma guerra preventiva extremamente arriscada sem a participação total de uma grande coalizão representando um consenso nacional.
Quarenta e cinco anos depois, entre os dias 7 e 8 de maio de 2012, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu chocou seu país ao incluir o principal partido da oposição, o Kadima, em um governo de unidade nacional – algo chocante porque, apenas algumas horas antes, o Knesset expediu um documento convocando eleições antecipadas em setembro.
Por que o bem-sucedido Netanyahu cancelou eleições que ele tinha certeza que ganharia?
Porque, para os israelenses de hoje, é maio de 1967. O pavor não é tão agudo: o clima não é de desespero, mas de pressentimento. O tempo está se esgotando, mas não tão rapidamente. A guerra não está a quatro dias de distância, mas ela se aproxima. Os israelenses hoje encaram a maior ameaça a suas existências – mulás apocalípticos pregando publicamente a aniquilação de Israel com armas nucleares – desde maio de 1967. O mundo está novamente dizendo aos israelenses para não fazerem nada enquanto encontra uma solução. Mas se tal solução não for encontrada – como em 1967 – os israelenses sabem que uma vez mais terão de se defender sozinhos.
Uma decisão tão grave demanda um consenso nacional. Ao criar a maior coalizão em quase três décadas, Netanyahu está estabelecendo a premissa política para um ataque preventivo, se vier a acontecer. O novo governo comanda impressionantes 94 dos 120 assentos do Knesset, descritos por um colunista de Israel como “centenas de toneladas de concreto sólido”.
Isso foi demais para a recente publicidade midiática sobre a suposta grande resistência à dureza de Netanyahu contra o Irã. Duas notáveis figuras aposentadas da inteligência foram amplamente paparicadas pela imprensa por falarem contra Netanyahu. Poucos notaram que uma delas foi ignorada por Netanyahu para ser chefe do Mossad, enquanto a outra foi demitida por Netanyahu como chefe do Mossad (deixando o cargo vago). Ver o centrista Kadima (que retirou Israel de Gaza) unir-se a uma coalizão liderada pelo Likud cujo Ministro da Defesa é ex-primeiro-ministro pelo Partido Trabalhista (que ofereceu metade de Jerusalém a Yasser Arafat) é a própria definição de união nacional – e refuta a ladainha popular “Israel está dividido”. “Todos estão falando a mesma língua”, explicou um membro do Knesset, “ainda que haja diferença nos tons.”
Para ter certeza, Netanyahu e Shaul Mofaz, do Kadima, deram razões mais prosaicas para sua união: leis de serviços nacionais, leis eleitorais e negociações com os palestinos. Mas Netanyahu, o primeiro premiê do Likud a reconhecer o Estado palestino, não precisava do Kadima para ingressar nas negociações de paz. Por dois anos ele tem esperado o comparecimento de Mahmoud Abbas. Abbas não apareceu. Nem aparecerá. Nada vai mudar nesse front.
O que muda é a posição de Israel em relação ao Irã. Essa ampla coalizão demonstra a prontidão política de Israel para atacar, se necessário (sua prontidão militar é indubitável).
Aqueles que aconselham a submissão, a resignação ou a eterna paciência a Israel não podem mais desabonar a posição dura de Israel como o trabalho de direitistas irremediáveis. Não com um governo que representa 78% do país.
Netanyahu postergou as eleições de setembro que lhe garantiriam mais quatro anos no poder. Ele escolheu, ao invés disso, formar uma coalizão nacional que garanta 18 meses de estabilidade – 18 meses nos quais Israel fará alguma coisa para impedir o Irã caso o mundo não faça nada.
E não será o trabalho de um homem, um partido ou uma facção ideológica. Como em 1967, será o trabalho de uma nação.
Publicado na National Review Online.
Charles Krauthammer é colunista da National Review e do The Washington Post.
Tradução: Felipe Melo
ARGENTINA
A conta das lambanças populistas das duas administrações Kirchner está chegando para a Argentina.
O momento não é somente de escassez e de fuga de dólares; é também de forte desaceleração da atividade econômica.
Até agora, podia-se dizer que, apesar de tudo - apesar da falta de crédito externo que se seguiu ao megacalote de 2001; apesar da manipulação tosca das estatísticas de preços; apesar da repressão dos preços e das tarifas; apesar do super-reajuste de salários e aposentadorias; e apesar do achatamento dos lucros do setor produtivo -, a Argentina vinha crescendo uma beleza: média de 8% ao ano desde 2003.
Não é o que acontece em 2012. Em vez de garantir avanço do PIB de pelo menos 5,0%, como vinham projetando organismos oficiais, as mais recentes estimativas são de que o resultado das contas nacionais neste ano poderá não ser positivo. Tende a ficar ao redor de zero por cento. Mesmo desse modo, as consultorias independentes vêm trabalhando com um crescimento do PIB ao redor de 3,0%.
O ex-secretário de Indústria do governo de transição do ex-presidente Eduardo Duhalde, Dante Sica, hoje à frente da consultoria Abeceb, explica que a economia argentina enfrenta forte deterioração fiscal - na medida em que despesas crescem muito acima da arrecadação. Os dispêndios públicos (que englobam os do governo central mais os das províncias) correspondiam, em 2001, a 21,9% do PIB. Já em 2011, saltaram para 38,17% do PIB. Somente os subsídios do governo argentino para cobrir o congelamento de tarifas das empresas públicas explicam 4 pontos porcentuais desse total.
Estatísticas oficiais de inflação apontam para elevação dos preços inferior a 10% ao ano, enquanto a inflação real ficou próxima dos 25% em 2011 e está sendo projetada para alguma coisa em torno dos 22% em 2012 (veja a tabela).
Para manter as aparências e impedir a disparada da inflação real, o governo não consegue desvalorizar o câmbio na mesma proporção em que a elevação dos preços tira força do peso. A população percebe o atraso no ajuste cambial e corre às tradicionais casas de câmbio para suprir-se de moeda estrangeira.
Assim, o câmbio paralelo vai ganhando força, mesmo com a ostensiva repressão do governo. Sexta-feira, por exemplo, enquanto o câmbio oficial apontava 4,47 pesos por dólar, o paralelo negociava a nada menos que 5,63 pesos por dólar - uma diferença de 20,6%.
No ano passado, a deterioração das finanças públicas, conjugada com a escassez de moeda estrangeira, levou o governo de Cristina Kirchner a queimar US$ 6,1 bilhões de seus reservas internacionais (12% do total) para cobrir despesas correntes - prática temerária em administração pública. Neste ano, para não provocar excessiva sangria nas reservas, a política prevalecente passou então a ser reter as importações e reforçar os controles de fluxos de moeda estrangeira.
Além dos problemas crônicos com achatamento da rentabilidade (efeito do tabelamento de preços e de tarifas), o setor produtivo argentino enfrenta alta generalizada de custos, especialmente de salários - reajustados mais ou menos de acordo com a inflação real.
O governo de Cristina Kirchner tem a seu favor a inapetência da oposição ou, mesmo, a falta de uma oposição organizada. Apesar da boa margem de votos (53%) obtida nas eleições do ano passado, quando Cristina foi reconduzida à Presidência, o descontentamento popular vai tomando corpo. Por enquanto, ela vem desviando a atenção do agravamento dos problemas com alguns lances de apelo nacionalista. O ressurgimento da questão das Malvinas e a expropriação da principal companhia de petróleo, a YPF, antes sob controle da espanhola Repsol, são os exemplos mais recentes.
Mas o agravamento da crise externa e a possível redução dos preços das commodities agrícolas (o principal segmento das exportações) devem agravar as dificuldades.Por: CELSO MING - O Estado de S.Paulo
domingo, 20 de maio de 2012
O CÓDIGO E AS FLORESTAS PLANTADAS
As florestas plantadas são uma oportunidade para a criação dos mecanismos de crédito de carbono florestal
A DISCUSSÃO em torno do Código Florestal segue apaixonada.
Felizmente, estamos no final desse lento e árduo processo, e após anos de debates -entre os quais se destacaram as dezenas de audiências públicas realizadas pelo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, por todo o país- a presidente da República deverá vetar alguns artigos realmente desequilibrados e enviar ao Congresso uma medida provisória corrigindo as distorções ali contidas: definir bem as APPs e deixar claro que não haverá nenhum tipo de anistia para quem não cumpriu a legislação vigente na ocasião do desmatamento praticado.
Feitas essas mudanças, teremos afinal um instrumento definitivo a nortear o procedimento de produtores rurais de todo o país. E a paz reinará no campo, mesmo com a oposição de algumas pessoas que não leram o Código Florestal e não gostam dele.
Enquanto isso, seria interessante voltar os olhos para o outro lado desse assunto. Todo mundo sabe que o Brasil tem hoje aproximadamente 65% de suas formações florestais conservadas, ou seja, cerca de 40% do território brasileiro. Esse é um patrimônio formidável que precisamos exibir na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, de 13 a 22 de junho próximo, no Rio.
Mais do que isso, porém, há um dado que quase ninguém conhece: temos 7 milhões de hectares de florestas plantadas no país! E a área vem crescendo, especialmente para atender à indústria de celulose e papel. Essas florestas já são fonte para mais de 5.000 produtos do nosso dia a dia, como móveis, ferramentas, construção civil, cosméticos, siderurgia, painéis de madeira, produtos farmacêuticos, produtos de limpeza e outros, sem contar a aplicação em biocombustíveis, uma alternativa renovável e verde ao petróleo fóssil.
Um dado muito interessante é que as florestas plantadas são mais eficientes do que as nativas no sequestro de CO, gás cuja redução de emissão é uma prioridade. O ciclo do eucalipto, por exemplo, é de sete anos entre o plantio e a colheita, e as árvores estão em constante crescimento, uma vez que, assim que são colhidas, novas mudas são plantadas em seu lugar, perpetuando o ciclo plantio/colheita.
Quanto mais jovem uma árvore, maior necessidade de energia ela tem para crescer, e isso significa novas absorções de carbono. Já as árvores maduras, como as das florestas nativas, por exemplo, exigem menos energia e, em contrapartida, sequestram menos carbono.
Por isso, as florestas plantadas são uma oportunidade para a criação dos mecanismos de crédito de carbono florestal, que vão ajudar o país a cumprir seus compromissos na redução do aquecimento global.
Outro tema interessante relativo às florestas plantadas é a inesgotável fonte de pesquisas ligadas à sustentabilidade, questão fundamental para o futuro da humanidade.
Algumas áreas mais avançadas da ciência, como a nanotecnologia e a biotecnologia, estão olhando para as florestas. Através da nanotecnologia -ciência que estuda a matéria em escala atômica e molecular e tem como princípio básico a construção de produtos a partir de átomos- será possível obter, nos próximos anos, novas gerações de produtos florestais, mais duráveis e leves, mais fortes e resistentes.
A biotecnologia foi a tecnologia agrícola mais adotada nos últimos dez anos. O Brasil assumiu papel de destaque, ocupando o segundo lugar do ranking de área plantada com organismos geneticamente modificados (OGMs) no mundo -uma área equivalente a mais de 30 milhões de hectares, segundo o International Service for the Acquisition of Agro-Biotech Application.
Na área florestal, a biotecnologia arbórea -ou árvores geneticamente modificadas- encontra-se em fase de testes e de estudos, no Brasil e no exterior.
Sua utilização permitirá o incremento do volume e do valor de produção florestal, a provisão de melhorias ambientais, a conservação de biodiversidade e a redução da pobreza, através da capacitação de pequenos produtores para a atividade florestal. Ou seja, é uma alternativa potencial para os desafios que temos a enfrentar.Por: Roberto Rodrigues Folha de SP 19/05
REPÚBLICA DESTROÇADA
Em 1899 um velho militante, desiludido com os rumos do regime, escreveu que a República não tinha sido proclamada naquele mesmo ano, mas somente anunciada. Dez anos depois continuava aguardando a materialização do seu sonho. Era um otimista. Mais de cem anos depois, o que temos é uma República em frangalhos, destroçada.
Constituições, códigos, leis, decretos, um emaranhado legal caótico. Mas nada consegue regular o bom funcionamento da democracia brasileira. Ética, moralidade, competência, eficiência, compromisso público simplesmente desapareceram. Temos um amontoado de políticos vorazes, saqueadores do erário. A impunidade acabou transformando alguns deles em referências morais, por mais estranho que pareça. Um conhecido político, símbolo da corrupção, do roubo de dinheiro público, do desvio de milhões e milhões de reais, chegou a comemorar recentemente, com muita pompa, o seu aniversário cercado pelas mais altas autoridades da República.
Vivemos uma época do vale-tudo. Desapareceram os homens públicos. Foram substituídos pelos políticos profissionais. Todos querem enriquecer a qualquer preço. E rapidamente. Não importam os meios. Garantidos pela impunidade, sabem que se forem apanhados têm sempre uma banca de advogados, regiamente pagos, para livrá-los de alguma condenação.
São anos marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso. A disputa política é pelo poder, que tudo pode e no qual nada é proibido. Pois os poderosos exercem o controle do Estado - controle no sentido mais amplo e autocrático possível. Feio não é violar a lei, mas perder uma eleição, estar distante do governo.
O Brasil de hoje é uma sociedade invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reação, por mínima que seja. Não há mais distinção. O panorama político foi ficando cinzento, dificultando identificar as diferenças. Partidos, ações administrativas, programas partidários são meras fantasias, sem significados e facilmente substituíveis. O prazo de validade de uma aliança política, de um projeto de governo, é sempre muito curto. O aliado de hoje é facilmente transformado no adversário de amanhã, tudo porque o que os unia era meramente o espólio do poder.
Neste universo sombrio, somente os áulicos - e são tantos - é que podem estar satisfeitos. São os modernos bobos da corte. Devem sempre alegrar e divertir os poderosos, ser servis, educados e gentis. E não é de bom tom dizer que o rei está nu. Sobrevivem sempre elogiando e encontrando qualidades onde só há o vazio.
Mas a realidade acaba se impondo. Nenhum dos três Poderes consegue funcionar com um mínimo de eficiência. E republicanismo. Todos estão marcados pelo filhotismo, pela corrupção e incompetência. E nas três esferas: municipal, estadual e federal. O País conseguiu desmoralizar até novidades como as formas alternativas de trabalho social, as organizações não governamentais (ONGs). E mais: os Tribunais de Contas, que deveriam vigiar a aplicação do dinheiro público, são instrumentos de corrupção. E não faltam exemplos nos Estados, até mesmo nos mais importantes. A lista dos desmazelos é enorme e faltariam linhas e mais linhas para descrevê-los.
A política nacional tem a seriedade das chanchadas da Atlântida. Com a diferença de que ninguém tem o talento de um Oscarito ou de um Grande Otelo. Os nossos políticos, em sua maioria, são canastrões, representam mal, muito mal, o papel de estadistas. Seriam, no máximo, meros figurantes em Nem Sansão nem Dalila. Grande parte deles não tem ideias próprias. Porém se acham em alta conta.
Um deles anunciou, com muita antecedência, que faria um importante pronunciamento no Senado. Seria o seu primeiro discurso. Pelo apresentado, é bom que seja o último. Deu a entender que era uma espécie de Winston Churchill das montanhas. Não era, nunca foi. Estava mais para ator de comédia pastelão. Agora prometeu ficar em silêncio. Fez bem, é mais prudente. Como diziam os antigos, quem não tem nada a dizer deve ficar calado.
Resta rir. Quem acompanha pela televisão as sessões do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e as entrevistas dos membros do Poder Executivo sabe o que estou dizendo. O quadro é desolador. Alguns mal sabem falar. É difícil - muito difícil mesmo, sem exagero - entender do que estão tratando. Em certos momentos parecem fazer parte de alguma sociedade secreta, pois nós - pobres cidadãos - temos dificuldade de compreender algumas decisões. Mas não se esquecem do ritualismo. Se não há seriedade no trato dos assuntos públicos, eles tentam manter as aparências, mesmo que nada republicanas. O STF tem funcionários somente para colocar as capas nos ministros (são chamados de “capinhas”) e outros para puxar a cadeira, nas sessões públicas, quando alguma excelência tem de se sentar para trabalhar.
Vivemos numa República bufa. A constatação não é feita com satisfação, muito pelo contrário. Basta ler o Estadão todo santo dia. As notícias são desesperadoras. A falta de compostura virou grife. Com o perdão da expressão, mas parece que quanto mais canalha, melhor. Os corruptos já não ficam envergonhados. Buscam até justificativa histórica para privilégios. O leitor deve se lembrar do símbolo maior da oligarquia nacional - e que exerce o domínio absoluto do seu Estado, uma verdadeira capitania familiar - proclamando aos quatro ventos seu “direito” de se deslocar em veículos aéreos mesmo em atividade privada.
Certa vez, Gregório de Matos Guerra iniciou um poema com o conhecido “Triste Bahia”. Bem, como ninguém lê mais o Boca do Inferno, posso escrever (como se fosse meu): triste Brasil. Pouco depois, o grande poeta baiano continuou: “Pobre te vejo a ti”. É a melhor síntese do nosso país. Por:Marco Antonio Villa, O Estado de S. Paulo, 30/10/11
HISTORIADOR, É PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS(UFSCAR)
sexta-feira, 18 de maio de 2012
O MITO DO MONOPÓLIO NATURAL
O termo "utilidade pública" ... é em si absurdo. Todo bem é útil "para o público", e praticamente qualquer bem ... pode ser considerado "necessário". Qualquer designação de algumas poucas indústrias como sendo "utilidade pública" é completamente arbitrária e injustificada. — Murray Rothbard, Power and Market
A maioria dos setores considerados de 'utilidade pública' usufrui o privilégio de receber concessões e garantias monopolísticas do governo, pois são considerados "monopólios naturais". Falando mais simplesmente, diz-se que um monopólio natural ocorre quando os investimentos necessários para a produção deste serviço apresentam custos altos e relativamente fixos, fazendo com que os custos totais de longo prazo caiam à medida que a produção aumenta. Em tais indústrias, afirma a teoria, um único produtor será capaz de produzir a um custo menor do que se houvesse dois produtores no mercado, situação esta que cria um monopólio "natural". Caso mais de um produtor passe a ofertar seus serviços no mercado, os preços serão mais altos.
Ademais, afirma-se que a concorrência em tais setores causaria inconveniências para os consumidores por causa da necessidade de duplicação de instalações — por exemplo, a escavação de ruas para a instalação de dois ou mais encanamentos de água ou gás. Evitar tais inconveniências é outra desculpa fornecida pelo governo para conceder o monopólio destes setores para empresas específicas.
Trata-se de um mito dizer que a teoria do monopólio natural foi primeiro desenvolvida por economistas para, só então, ser utilizada por legisladores para "justificar" a concessão de monopólios. A verdade é que os monopólios foram criados décadas antes de a teoria ser formalizada por economistas de mentalidade intervencionista, que então utilizaram a teoria como uma justificativa ex post para a intervenção estatal. Na época, quando as primeiras concessões monopolísticas estavam sendo feitas pelo estado, a grande maioria dos economistas entendia que uma produção em larga escala e intensiva em capital não levava a monopólios; ao contrário, representava um aspecto desejável do processo concorrencial.
A palavra "processo" é importante aqui. Se a concorrência é vista como um processo empreendedorial dinâmico e competitivo, então o fato de que um único produtor consegue incorrer nos menores custos em qualquer ponto do tempo é algo de pouca ou nenhuma consequência. As duradouras e permanentes forças da concorrência — incluindo a concorrência potencial, aquela que ainda não se estabeleceu, mas que possui liberdade de entrada no mercado — irão fazer com que um monopólio no livre mercado seja uma impossibilidade.
A teoria do monopólio natural também não possui história. Não há nenhuma evidência da teoria do "monopólio natural" ocorrendo na prática — de um produtor alcançar custos totais de longo prazo menores do que o de todos os seus concorrentes e, com isso, estabelecer um monopólio permanente. Como será discutido abaixo, em várias das chamadas indústrias de utilidade pública do final do século XVIII e início do século XIX, havia literalmente dúzias de concorrentes.
Economias de escala durante a era das concessões monopolísticas
Durante o final do século XIX, nos EUA, quando os governos locais estavam começando a conceder monopólios para as empresas do setor de utilidade pública, o entendimento econômico geral era o de que "monopólios" eram criados pela intervenção do governo — e não pelo livre mercado — por meio de concessões, protecionismo e outras políticas. Produções vultosas e economias de escala eram vistas como virtudes competitivas, e não como vícios monopolísticos.
Por exemplo, Richard T. Ely, co-fundador da American Economic Association, escreveu que "uma produção em larga escala é algo que de maneira alguma significa necessariamente uma produção monopolizada."[1] John Bates Clark, também co-fundador, escreveu em 1888 que a ideia de que combinações industriais iriam "destruir a concorrência" não deveria ser "aceita muito precipitadamente".[2]
Herbert Davenport, da Universidade de Chicago, alertou em 1919 que a existência de apenas algumas empresas em um setor em que há economias de escala não é algo que "requer a eliminação da concorrência",[3] e seu colega James Laughlin observou que, mesmo quando "uma combinação entre indústrias é ampla, uma combinação rival pode gerar uma enérgica concorrência".[4] Irving Fischer[5] e Edwin R.A. Seligman[6] concordaram que produções em larga escala geravam benefícios competitivos por meio da redução de custos com publicidade, processos de venda e remessas.
De acordo com economistas da virada do século XIX para o XX, unidades que produziam em larga escala beneficiavam de maneira inequívoca os consumidores. De acordo com Seligman, sem uma produção em larga escala, "o mundo iria retornar a um estado de bem-estar mais primitivo, e iria virtualmente renunciar aos inestimáveis benefícios da melhor maneira de se utilizar capital".[7] Simon Patten, da Wharton School, expressou visões similares ao dizer que "a combinação de capital não gera nenhuma desvantagem econômica para a comunidade. ... Combinações são muito mais eficientes do que eram os produtores individuais que elas desalojaram do mercado."[8]
Como praticamente qualquer outro economista da época, Franklin Giddings, da Universidade de Columbia, entendia a concorrência de maneira muito semelhante a como os economistas austríacos a veem hoje: como um processo dinâmico e competitivo. Consequentemente, ele observou que
A concorrência, de uma forma ou de outra, é um processo econômico permanente. ... Portanto, quando a concorrência de mercado parece ter sido suprimida, devemos investigar o que ocorreu com as forças que geraram essa concorrência. Adicionalmente, devemos também investigar até que ponto a concorrência de mercado realmente foi suprimida ou se ela foi convertida em outros formatos.[9]
Em outras palavras, uma empresa "dominante" que estabelece um preço menor que o de suas rivais, em qualquer ponto do tempo, não suprimiu a concorrência, pois a concorrência é "um permanente processo econômico."
David A. Wells, uma dos mais populares escritores econômicos do final do século XIX, escreveu que "o mundo demanda uma abundância de mercadorias, e as demanda a preços baixos; e a experiência nos mostra que ele só irá conseguir o que quer por meio do emprego de um grande volume de capital, utilizado em escala extensiva".[10] E George Gunton acreditava que
A concentração de capital não expulsa pequenos capitalistas do mercado, mas simplesmente os integra a sistemas de produção maiores e mais complexo, nos quais eles se tornam capacitados a produzir ... de forma mais barata para a comunidade e a obter uma renda maior para eles próprios. ... Em vez de a concentração de capital destruir a concorrência, ocorre o oposto. ... Por meio do uso de um volume maior de capital, de máquinas mais aprimoradas e de melhores instalações, o truste pode e irá vender a preços menores que os de uma única empresa.[11]
Todas as citações até agora apresentadas não advêm de uma lista selecionada a dedo, mas sim de uma lista abrangente. Pode parecer estranho para os padrões atuais, mas, em finais da década de 1880, havia apenas dez homens que já haviam obtido o status de economistas profissionais em tempo integral nos EUA.[12] Assim, as citações acima cobrem praticamente todos os economistas profissionais que, na época, opinaram sobre a relação entre economias de escala e concorrência na virada do século.
A importância destas visões é que estes homens observaram em primeira mão o advento da produção em larga escala e não viram o surgimento de monopólios, "naturais" ou quaisquer outros. No espírito da Escola Austríaca, eles entenderam que a concorrência era um processo contínuo, e que uma dominância de mercado era sempre e necessariamente algo temporário caso não houvesse regulamentações governamentais criadoras de monopólios. Esta visão é também consistente com as minhas próprias pesquisas, que constataram que os "trustes" formados em fins do século XIX estavam na realidade reduzindo seus preços e expandindo a produção em um ritmo mais rápido que o restante da economia — tais trustes representavam as indústrias mais dinâmicas e competitivas da economia, e não eram monopolistas.[13] Talvez tenha sido por isso que eles eram o alvo favorito de legisladores protecionistas que queriam impor leis "antitruste".
Os economistas só passaram a adotar a teoria do monopólio natural após a década de 1920, quando a ciência econômica se deixou enfeitiçar pelo "cientificismo" e adotou uma teoria tipicamente oriunda da engenharia, a qual categorizava as indústrias em termos de retornos de escala constantes, decrescentes e crescentes (custos totais decrescentes). De acordo com esta forma de pensar, a estrutura do mercado — e, consequentemente, a concorrência — era determinada por relações matemáticas inspiradas na engenharia. Com a exceção de economistas como Joseph Schumpeter, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e outros membros da Escola Austríaca, o contínuo processo de concorrência e disputa empreendedorial passou a ser solenemente ignorado.
Quão "natural" eram os primeiros monopólios naturais?
Não há absolutamente nenhuma evidência de que, no início do processo de regulamentação das indústrias de utilidade pública, houvesse qualquer tipo de fenômeno que representasse um "monopólio natural". Como afirmou Harold Demsetz:
Existiam seis empresas de eletricidade na cidade de Nova York no ano de 1887. Quarenta e cinco empresas de eletricidade possuíam o direito legal de operar em Chicago em 1907. Antes de 1895, Duluth, Minnesota, era servida por cinco empresas de eletricidade, e Scranton, Pensilvânia, tinha quatro em 1906. ... Durante as últimas décadas do século XIX, a concorrência era a norma nas indústrias de gás nos EUA. Antes de 1884, seis empresas concorrentes operavam em Nova York ... a concorrência era comum e especialmente forte no setor de telefonia ... Entre as principais cidades, Baltimore, Chicago, Cleveland, Columbus, Detroit, Kansas City, Minneapolis, Filadélfia, Pittsburgh e St. Louis possuíam pelo menos duas empresas telefônicas em 1905.[14]
Em um ato de extrema atenuação da verdade, Demsetz conclui que "é de se duvidar de que a indústria de utilidade pública fosse caracterizada por economias de escala na época em que a concorrência de mercado foi abolida em prol das regulamentações."[15]
Um exemplo ainda mais instrutivo da inexistência de monopólio natural nas indústrias de utilidade pública foi fornecido pelo economista George T. Brown em seu livro de 1936 intitulado "The Gas Light Company of Baltimore".[16] O livro apresenta a história da Empresa de Luz a Gás de Baltimore, a qual aparece proeminentemente em todos os compêndios sobre a história dos monopólios naturais. A história desta empresa é que, desde sua fundação em 1816, ela sempre batalhou contra novos concorrentes. Sua resposta típica a esta concorrência era não apenas tentar concorrer no mercado, mas também fazer lobby nos governos estadual e municipal para que eles não concedessem autorização para a operação de seus concorrentes. Embora a empresa operasse com economias de escala, isso não impedia que numerosos concorrentes surgissem constantemente.
"A concorrência é a alma da economia", escreveu o editorial do jornal The Baltimore Sun em 1851 saudando a notícia da chegada de novos concorrentes no setor de luz a gás.[17] A Empresa de Luz a Gás de Baltimore, no entanto, "se opôs à concessão de direitos de operação para sua nova concorrente".[18]
George Brown afirma que "as empresas de gás de outras cidades estavam expostas a uma concorrência devastadora", e em seguida detalha como estas mesmas empresas tentaram desesperadoramente entrar no mercado de Baltimore. Porém, se a concorrência era tão "devastadora", por que então estas empresas queriam entrar em novos mercados, presumivelmente tão "devastadores" quanto? Ou a teoria de Brown sobre "concorrência devastadora" — a qual rapidamente passou a ser amplamente aceita pela academia — estava incorreta, ou aquelas empresas eram irracionais e estavam famintas por serem punidas financeiramente.
Ao ignorar a natureza dinâmica do processo concorrencial, Brown incorreu no mesmo erro que inúmeros economistas ainda cometem: acreditar que a concorrência "excessiva" pode ser "destrutiva" caso produtores eficientes, que produzem a custos baixos, consigam desalojar seus rivais menos eficientes do mercado.[19] Tal concorrência pode ser "destrutiva" para estes concorrentes ineficientes, que produzem a custos altos, mas é benéfica para os consumidores.
Em 1880, havia três empresas de gás concorrentes em Baltimore, que concorriam intensamente entre si. Elas tentaram se fundir e formar um monopólio em 1888, porém a entrada de um novo concorrente frustrou seus planos: "Thomas Aha Edison introduziu a luz elétrica, o que ameaçou a existência das todas as empresas de gás."[20] Daquele momento em diante, havia concorrência não apenas entre as empresas de gás e entre as empresas elétricas, como também, e principalmente, entre as empresas de gás e as empresas elétricas, todas as quais incorriam em volumosos custos fixos, o que levava a economias de escala. Não obstante, em momento algum se formou um monopólio "natural".
Quando o primeiro monopólio finalmente apareceu, ele se deveu unicamente à intervenção governamental. Por exemplo, em 1890, um projeto de lei introduzido na legislatura de Maryland "pedia que a Consolidated [empresa de gás] fizesse um pagamento anual à cidade de $10.000 e mais 3% de todos os dividendos declarados em troca do privilégio de usufruir um monopólio de 25 anos."[21] Esta é a hoje familiar abordagem na qual os burocratas do governo entram em conluio com executivos da indústria para estabelecerem um monopólio que irá espoliar os consumidores e cujos rendimentos serão então compartilhados com os políticos na forma de taxas de concessão e tributos sobre as receitas monopolísticas.
A "regulamentação" legislativa das empresas de gás e eletricidade gerou o previsível resultado da formação de preços monopolistas, dos quais o público reclamou amargamente. E então, em vez de desregulamentar a indústria e permitir que a livre concorrência determinasse os preços, a regulamentação dos serviços de utilidade pública foi propagandeada como uma maneira de supostamente acalmar os consumidores, os quais, de acordo com Brown, "sentiam que a maneira negligente na qual seus interesses estavam sendo servidos [pelo controle legislativo dos preços do gás e da eletricidade] resultou em altas tarifas e privilégios monopolistas. O avanço das regulamentações do setor de utilidade pública em Maryland exemplificava o que viria a acontecer em outros estados."[22]
Nem todos os economistas se deixaram levar pela teoria do "monopólio natural" esposada pelos monopolistas da indústria de utilidades públicas e seus bem remunerados conselheiros econômicos. Em 1940, o economista Horace M. Gray, da escola de pós-graduação da Universidade de Illinois, pesquisou a história do "conceito de utilidade pública", incluindo a teoria do monopólio "natural". "Durante o século XIX", observou Gray, acreditava-se francamente que "o interesse público seria mais bem promovido pela concessão de privilégios especiais para indivíduos e para empresas" em várias indústrias.[23] Isto incluía patentes, subsídios, tarifas, concessões de terras para ferrovias, e concessões monopolísticas para serviços de utilidade "pública". "O resultado final foi monopólio, exploração e corrupção política".[24]
Com relação às utilidades "públicas", Gray afirma que "entre 1907 e 1938, a política dos monopólios criados e protegidos pelo estado se tornou firmemente estabelecida ao longo de uma significativa fatia da economia, passando a ser o princípio básico da moderna regulamentação do setor de utilidade pública".[25] Daquela época em diante, "o status de utilidade pública se tornou o paraíso e o refúgio de todos os aspirantes a monopolistas que consideravam ser muito difícil, muito custoso ou muito precário adquirir e manter monopólios por meio exclusivamente da ação privada."[26]
Para sustentar esta afirmação, Gray demonstrou como praticamente todas as empresas aspirantes a monopolista nos EUA tentaram obter o status de "utilidade pública", incluindo-se aí as indústrias de rádio, imobiliárias, de leite, de transporte aéreo, de carvão e agrícolas, para citar apenas algumas. Aquelas indústrias que conseguiram obter o status político de "utilidade pública" também utilizaram o conceito de utilidade pública para impedir o surgimento de qualquer concorrência.
O papel dos economistas neste esquema era o de construir aquilo que Gray chamou de "uma confusa argumentação" em prol "das forças sinistras do privilégio e dos monopólios privados", isto é, em prol da teoria do monopólio "natural". "A proteção dos consumidores desapareceu".[27]
Pesquisas econômicas mais recentes confirmam a análise de Gray. Em um dos primeiros estudos estatísticos dos efeitos da regulação das tarifas elétricas, publicado em 1962, George Stigler e Claire Friedland não encontraram, para o período de 1917 a 1932, diferenças significativas nos preços e nos lucros das empresas de utilidade pública operando com e sem comissões reguladoras.[28] As primeiras instituições reguladoras de tarifas, além de não terem beneficiado os consumidores, foram "capturadas" pela indústria regulada, como acontece em várias outras indústrias, desde transporte de cargas até companhias aéreas e TV a cabo. É válido notar que os economistas demoraram quase 50 anos para começar a estudar os efeitos reais — e não apenas os teóricos — da regulamentação de tarifas.
Dezesseis anos após o estudo de Stigler-Friedland, Gregg Jarrel observou que, entre 1912 e 1917, 25 estados substituíram as regulamentações municipais pela regulamentação estadual das tarifas de energia elétrica, cujos efeitos foram elevar em 46% os preços e em 38% os lucros, ao mesmo tempo em que a produção caiu 23%.[29] Ou seja, mesmo com a regulamentação municipal não tendo conseguido manter os preços baixos, as empresas de utilidade pública queriam um aumento ainda mais rápido em seus preços, de modo que elas exitosamente fizeram lobby para a implantação de regulações estaduais em vez de municipais, sob a teoria de que os reguladores estaduais seriam menos pressionados por grupos de consumidores locais, algo que ocorria frequentemente com prefeitos e vereadores.
Os resultados desta pesquisa são consistentes com a interpretação de Horace Gray de que a regulação de tarifas de utilidades públicas é um esquema anticonsumidor, monopolístico e especificador de preços.
O problema da "duplicação excessiva"
Além dos mitos sobre economias de escala, outro motivo apresentado para a concessão de monopólios aos setores de "monopólios naturais" era o de que permitir muitos concorrentes seria algo que geraria desordem. Segundo este argumento, seria muito custoso para uma comunidade permitir que várias empresas fornecedoras de água, várias produtoras de energia elétrica ou mesmo várias operadoras de TV a cabo saíssem escavando ruas para fazer suas instalações. Porém, como observou Harold Demsetz:
O problema da duplicação excessiva de sistemas de distribuição se deve à incapacidade de algumas comunidades de estipular preços adequados para o uso destes recursos escassos. O direito de utilizar ruas, passagens e vias públicas é o direito de utilizar recursos escassos. A ausência de um preço para a utilização destes recursos escassos — um preço que deve ser alto o bastante para refletir os custos de oportunidade de usos alternativos, como os serviços de um tráfego contínuo e paisagens não danificadas — irá levar à sua utilização excessiva. A estipulação de uma tarifa apropriada para o uso destes recursos escassos iria reduzir o grau de duplicação para níveis ótimos.[30]
Portanto, assim como o problema dos monopólios "naturais" é gerado pela intervenção governamental, o mesmo ocorre com o problema da "duplicação de instalações". Ele é criado pela incapacidade dos governos de precificar corretamente os recursos urbanos escassos. Mais especificamente, o problema é na realidade causado pelo fato de que o governo é o dono das ruas sob as quais os sistemas de distribuição das empresas de utilidade pública são instalados, e a impossibilidade do cálculo econômico racional dentro de instituições socialistas as impede de precificar estes recursos apropriadamente, como ocorreria em um regime de propriedade privada guiado pela concorrência de mercado.
Contrariamente à alegação de Demsetz, a precificação econômica racional neste caso é impossível exatamente porque o governo é o dono das ruas e estradas. Mesmo políticos benevolentes e iluminados, especialmente aqueles que estudaram a obra de Harold Demsetz, simplesmente não teriam como determinar de maneira racional quais deveriam ser os preços cobrados. Murray Rothbard já explicou tudo isso:
O fato de que o governo deve dar permissão para o uso de suas ruas tem sido citado como justificativa para severas regulamentações governamentais sobre as empresas de "utilidade pública", muitas das quais (como empresas de água e de eletricidade) têm de utilizar as ruas. As regulações, portanto, são tratadas como arranjos voluntários e mutuamente recompensadores. Porém, ao se agir assim, está-se ignorando o fato de que a propriedade governamental das ruas é, em si, um permanente ato de intervenção. A regulamentação das utilidades públicas ou de qualquer outra indústria desestimula investimentos nestes setores, desta forma privando os consumidores da melhor satisfação de seus desejos. Ela distorce a maneira como os recursos são alocados no livre mercado.[31]
O chamado argumento do "monopólio sobre um espaço limitado", que defende a concessão de monopólios para serviços de utilidade pública é apenas uma distração, argumentou Rothbard, pois o número de empresas que irão operar lucrativamente em qualquer linha de produção
é uma questão institucional e depende de dados concretos, como o grau de demanda do consumidor, o tipo de produto vendido, a produtividade física dos processos, a oferta e a precificação dos fatores, o prognóstico dos empreendedores etc. Limitações espaciais tendem a ser de pouca importância.[32]
Com efeito, mesmo que as limitações espaciais permitissem que apenas uma empresa operasse em um determinado mercado geográfico, isto não necessariamente configuraria um monopólio, pois "monopólio" é "uma denominação que só faz sentido se preços monopolísticos forem implantados". E "todos os preços em um livre mercado, como liberdade de entrada, são competitivos".[33] Somente a intervenção estatal pode gerar preços monopolísticos.
A única maneira de se alcançar preços de livre mercado que reflitam os verdadeiros custos de oportunidade e que levem a níveis ótimos de "duplicação" é por meio da liberdade de comercialização, algo possível somente em um livre mercado e totalmente impossível sem propriedade privada e mercados desimpedidos. Decretos políticos simplesmente não são substitutos factíveis para preços determinados pelo livre mercado, pois o cálculo econômico racional é impossível na ausência de mercados.
Havendo propriedade privada de ruas e calçadas, aos proprietários individuais destas seria oferecida a opção de preços mais baixos para os serviços de utilidade pública em troca da inconveniência temporária de ter de permitir que uma empresa de utilidade pública faça uma trincheira sob sua propriedade. Se, neste sistema, ocorrer "duplicações", então é porque indivíduos com plena liberdade de escolha valoraram a oferta extra de serviços ou os preços menores, ou ambos, de maneira mais elevada do que o custo imposto a eles decorrente da inconveniência de ter de tolerar um projeto de construção temporário em sua propriedade. Mercados genuinamente livres não necessitam de concessões monopolísticas e tampouco geram "duplicações excessivas" em absolutamente nenhum sentido econômico.
E A GRÉCIA ESTÁ DE VOLTA
Defensores da manutenção do euro vão poder construir um discurso equilibrando austeridade e crescimento
E os mercados voltaram a empurrar a Grécia e a Europa para o precipício da ruptura financeira. Para muitos investidores e analistas, isso já aconteceu e o enterro final tem data marcada: as eleições parlamentares na Grécia em junho.
Depois de alguns meses de tranquilidade, comprada à custa de 1 trilhão emprestados pelo Banco Central Europeu, a especulação voltou a dominar os mercados pelo mundo afora. O Brasil não foi exceção, e o índice Bovespa, em dólares, caiu mais de 30% nas últimas semanas.
Os investidores não dão mais a menor importância para dados macroeconômicos favoráveis que continuam a ser divulgados em alguns países importantes e poucos se emocionam com resultados positivos divulgados por empresas nas Bolsas.
A explicação para tal comportamento é simples: segundo os mercados, o capitalismo não tem futuro, e o que nos espera é uma depressão econômica do tipo da que ocorreu na década dos anos 30 do século passado.
Poucos investidores têm ainda coragem de olhar para a frente com otimismo e, aproveitando os preços de hoje, compor uma cesta de ações de qualidade e que garanta um retorno elevado à frente.
Nem mesmo os juros reais negativos nas aplicações mais seguras -que, em passado recente, estimularam o investimento em ações- funcionam como antídoto ao pessimismo deletério que tomou conta de todos. Um dos poucos investidores que têm confrontado os pessimistas é o octogenário e carismático Warren Buffett.
Um dos principais acionistas de uma empresa de seguros e investimentos americana, além de ser seu comandante em chefe, Buffett acaba de informar à SEC que aumentou de forma significativa sua participação no capital da GM e da Viacon, uma importante empresa americana no setor de comunicações.
Aliás, Buffett ficou famoso por investir em momentos de pânico, quando a maioria dos investidores está vendendo seus investimentos. Não por outra razão, é um dos homens mais ricos do mundo.
Nos próximos meses, vamos saber quem está com a razão: Buffett ou os defensores do caos, como Nouriel Roubini, o economista das trevas, como é conhecido.
Sempre digo a meus interlocutores que estou velho demais para acreditar no colapso do sistema de economias de mercado, como é chamado o capitalismo nos dias de hoje. Acrescento sempre que aprendi -na minha convivência e leituras da história- que os chamados políticos adoram chegar perto do abismo, mas, uma vez lá, acabam por tomar medidas que evitem o pior. E ainda acredito que isso vá acontecer na Europa nos próximos meses.
Comecemos pela Grécia, onde a ambição pelo poder de um político do partido Nova Democracia mergulhou o país em uma eleição que não poderia ser realizada naquele momento. O resultado -previsto então há meses pelas pesquisas de opinião- foi um Parlamento dividido e o aparecimento de um demagogo de extrema esquerda, tão esperto quanto vazio. Ele é hoje considerado o virtual primeiro-ministro grego e o político que vai mergulhar a Grécia e a Europa no caos.
Mas as próximas eleições vão ser disputadas em outras condições. A mais importante delas é que os defensores da manutenção do euro vão poder construir um discurso diferente, equilibrando austeridade e crescimento.
A volta do pânico mexeu também com a chanceler alemã e abriu espaço importante para uma mudança no discurso oficial anterior e introduziu uma bem-vinda preocupação com o crescimento.
Nesse sentido, a vitória de Hollande na França foi uma bênção dos deuses gregos para todos, inclusive nós, brasileiros. Uma nova parceria entre esses dois países, que sempre representaram o eixo central do projeto da Europa unida, pode abrir finalmente um caminho mais auspicioso para se enfrentar as armadilhas estruturais criadas com a implementação errada do euro nos anos que se seguiram à queda do Muro de Berlim.
Espero sinceramente que isso aconteça e, se estiver certo, talvez o enterro do euro tenha de ser adiado mais uma vez... Por: LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
FOLHA DE SP - 18/05
Assinar:
Postagens (Atom)