domingo, 8 de julho de 2012

OS ALIADOS OCIDENTAIS, OS JUDEUS E ISRAEL


Em artigo anterior estudei as atitudes de Stalin, cabe agora ver como foram – e ainda são – as relações dos países supostamente aliados de Israel e seus vizinhos no Oriente Médio. A relação é também bastante perturbada. Há tempos venho abordando a ambigüidade americana e européia, principalmente após a posse de Obama, culminando no expressivo apoio à chamada “primavera árabe” que, como já se antevia desde os primeiros passos, está entregando o poder ao fundamentalismo islâmico e ao mais radical fanatismo judeófobo e anti-ocidental. Tomando-se em consideração o Egito, a Fraternidade Muçulmana é um movimento abertamente antijudaico, talvez o mais importante do mundo atualmente, desde seu apoio à Alemanha nazista. É inaceitável que possa ser considerado ‘moderado’.
Apesar de falar bonito, principalmente para audiências judaicas, nenhum outro presidente americano, Jimmy Carter incluso, foi tão desinteressado em relação a Israel e incapaz de entender sua verdadeira natureza e interesses. Os próprios líderes de Israel não confiam em Obama, embora para efeito externo digam que sim.
Numa excelente análise, Barry Rubin demonstra que mesmo as boas relações bilaterais, inclusive no que se refere a armamentos têm muito pouco a ver com Obama, pois o Congresso, o povo, as forças armadas americanas apóiam Israel e Obama está limitado em suas opções. Mesmo assim tentou o quanto pôde apoiar as pretensões ‘palestinas’ e pressionar Israel a aceitar suas exigências, mas sentiu-se forçado a recuar por total falta de reciprocidade. Rubin declara: “Note-se que nem mesmo com as repetidas humilhações a que foi submetido pelos árabes, nunca os criticou abertamente, nem o fez mudar sua política para a região ou apoiar Israel mais entusiasticamente”.
Suas atitudes em relação aos demais países anti-Israel, através da sua política regional de apaziguamento com os países árabes, o Irã e principalmente com a Turquia, bem como com os movimentos terroristas Hezbollah e Hamas só tem ajudado a fortalecer o antissemitismo endêmico no Oriente Médio.
Internamente, além de mentir descaradamente ao afirmar que o Islã teve forte influência na formação dos EUA, suas políticas estimulam professores universitários a ensinar uma falsa história de Israel e do Oriente Médio, como faz o professor de ciência política Farhad Malekafzali, da Universidade de Illinois: um entusiasta das falsas teses orientalistas de Edward Saïd mostra Israel como o malvado, que rotineiramente ataca os árabes, suas vítimas. Esta visão já é a predominante na maioria das universidades americanas.
Mas esta situação tem uma longa história, iniciada já quando do lançamento do movimento sionista. Oportunamente retornarei a estes primeiros tempos.
Durante os anos finais da II Guerra, quando já se conhecia muito bem o Holocausto, Stalin, Churchill e Roosevelt se reúnem na Conferência de Moscou de outubro de 1943. No documento que resultou deste encontro, a Declaration Concerning Atrocities, os judeus e o Holocausto sequer foram mencionados. Apesar dos líderes terem perfeita noção do extermínio em massa de judeus, o Holocausto foi tratado somente como mais um aspecto da ocupação alemã e nenhum deles o via como uma razão em si para guerrear contra a Alemanha nazista! Houve uma concordância tácita em sequer citar o morticínio seletivo, como se não tivessem sido os judeus os mais prejudicados.
A “questão judaica” não era apenas uma questão alemã ou soviética, mas também nos países aliados ocidentais a presença do anti-semitismo obstruiu o julgamento dos crimes de guerra. Parece ter havido uma concordância entre a necessidade comunista de ocultar suas políticas de extermínio, principalmente na Ucrânia, Polônia, Bielo-Rússia (hoje Belarus) e países do Báltico, e a onda de anti-semitismo que arrastou, durante a ocupação, França, Bélgica, Holanda e países da Europa Oriental tornando-os colaboradores voluntários dos nazistas na “Solução Final”, embora nominalmente inimigos da Alemanha. Esta distinção é importante: havia uma guerra entre países, mas uma tácita aliança anti-semita.
Nos documentos do Julgamento de Nüremberg, especialmente o Case nº 72 [1] vemos o degradante trecho:
“Alguns campos de concentração possuíam câmaras de gás e fornos crematórios para o extermínio em massa dos internados e queima dos corpos. Alguns deles eram de fato usados para o extermínio de judeus como parte da ‘solução final’ dos problemas judaicos. A maioria de não judeus eram submetidos a trabalhos forçados, embora as condições sob as quais trabalhavam tornavam trabalho e morte praticamente sinônimos. Os internados que adoeciam e ficavam incapazes de trabalhar, eram destruídos nas câmaras de gás ou enviados para enfermarias especiais onde recebiam tratamento inadequado, comida ainda pior do que para os que trabalhavam, e abandonados para morrer”. (United States Military Tribunal, Nüremberg, 30th December, 1947- 28th October 1948, Parte VI – [Crimes against Civilians])
É de ressaltar que a ‘solução final’ é tratada apenas como um assunto acessório e periférico.

PARTE II

Ao mesmo tempo em que aumentavam as tensões entre estados na virada do século, conflitos fundamentais vinham à superfície em virtualmente todas as áreas das ações e comportamentos humanos: nas artes, na moda, nos costumes sexuais, na política e no conflito de gerações.
Modris Eksteins, na obra Rites of Spring


O surgimento do movimento modernista na Alemanha aumentou as tensões com a Inglaterra, a grande potência conservadora da época. O Império Britânico, ‘onde o sol nunca se punha’ e o longo reinado de Victoria (1837-1901) propiciaram ao Reino Unido a condição de Império ‘onde tudo tem lugar e cada coisa no seu lugar” (1).

Com o movimento modernista as coisas como que saíram dos seus lugares, além de que a Alemanha há pouco unificada, foi profundamente modificada pela Kulturkampf que opôs o nordeste, a Prússia Luterana, e a Baviera Católica, ao sul. Embora Bismarck tivesse que retroceder pela vitória nas eleições do Partido Católico de Centro, a Prússia tornou-se a verdadeira potência por suas tradições militares. Bismarck hesitava em implementar as pretensões do Kaiser Guilherme I no sentido de tornar a Alemanha uma potência mundial através da aquisição de colônias ("um lugar ao sol"). Bismarck desejava de todas as maneiras evitar tensões com as potências européias que ameaçassem a segurança da Alemanha. Mas quando, entre 1880 e 1885, o quadro internacional se mostrou auspicioso, acedeu, estabelecendo-se colônias ultramarinas na África (Tanganika, hoje Tanzânia pela união com Zanzibar, e África do Sudoeste, hoje Namíbia, e na Oceania, aumentando as ameaças sobre o Império Britânico. O sucessor de Victoria, Edward VII (1901-1910) reforçou os laços com a França criando um corpo expedicionário para se engajar do lado da França em caso de ataque alemão.

Portanto, estavam criadas as condições culturais e estratégicas para um conflito. Segundo Eksteins, se para a Alemanha era um conflito espiritual, para os ingleses era uma luta para preservar valores sociais, exatamente aqueles valores e ideais que a avant garde atacava: noções de justiça, dignidade, civilidade, contenção e ‘progresso’ sob o império das leis. Lloyd George viria a dizer em 1914: ‘Temos vivido por várias gerações num vale protegido. Temos vivido de forma muito confortável e auto-indulgente e a face dura dos fados nos castiga agora, forçando-nos a nos elevar para poder ver os grandes e eternos valores que interessam a uma nação – os valores elevados que esquecemos: a Honra, o Dever, o Patriotismo e o Sacrifício que aponta o duro caminho para o Céu’ (Eksteins, ibid.).  


A virada de século foi conturbada para todo o planeta. As duas primeiras décadas do século XX foram marcadas por diversas crises, entre as quais as mais importantes foram (2):1905 – I Crise do Marrocos, 1908 – Crise Bósnia, 1911 – Agadir e II Crise Marroquina, 1929 – A Guerra de Trípoli, 1912 – I Guerra dos Bálcãs, 1913 – II Guerra dos Bálcãs, 1913 - Crise da Albânia, 1913 – O Caso Liman Von Sanders (tenente-general alemão designado Inspetor Geral do Exército Turco, sob protestos da Rússia), 1914 – Sarajevo e I Guerra Mundial.


Acordos e tratados durante a guerra e pós-guerra imediato
Sem dúvida a maioria dos acordos diplomáticos durante o período de guerra dizia respeito à disposição dos territórios do Império Otomano logo após a prevista derrotaDesde o início do conflito, tanto Inglaterra e França, quanto a Alemanha, tentaram ganhar a simpatia das lideranças árabes e catalisar o crescente nacionalismo árabe sufocado pelo Império Otomano que explodiu durante a guerra. Os planos alemães foram frustrados por seu aliado otomano que não tinha a mínima intenção de aceitar nenhuma independência. A Inglaterra e a França encorajavam os árabes a se rebelarem contra a autoridade do Sultão, ou, ao menos se abster de apoiar suas campanhas.
Em 1915-16, o alto comissário inglês no Egito, Sir Henry McMahon entrou em negociações com o sheriff de Meca Hussein ibn Ali. A chamada Correspondência McMahon-Hussein garantia a independência dos territórios árabes desde que estes se aliassem à Inglaterra contra os turcos. Mas em 1916 britânicos e franceses firmam secretamente o Tratado Sykes-Picot no qual previam a divisão do Oriente Médio em: (1) áreas controladas diretamente por cada um dos dois países, (2) áreas de influência e (3) mandato misto na Palestina. Não haveria a menor chance de independência árabe. No entanto, o pano de fundo das relações franco-britânicas continuava sendo a desconfiança mútua que persistia desde as Guerras Napoleônicas. Ambos os países, e também a Rússia e a Alemanha, manobravam ainda em 1914 para conseguir influência nos Bálcãs e no Império Otomano que estava falido. Naquele mesmo ano a França emprestou ao Império a fundo perdido, milhões de francos de seus contribuintes. Enquanto a Alemanha e a Inglaterra brigavam pelos direitos de construção da Baghdad Railway (3).
A aliança franco-britânica, tão propalada pelos vencedores da guerra, vacilava quase ao início desta. Edward Grey, secretário para Negócios Estrangeiros afirmava perante o gabinete que ‘sob nenhuma circunstância a Inglaterra toleraria o esmagamento da França’, mas em 11 de junho, pouco tempo antes do início da guerra, afirmava na Câmara dos Comuns: ‘se começar um conflito entre as potências européias, não há nenhuma negociação secreta decidindo sem consulta ao Parlamento se a Inglaterra participará do conflito e, na minha opinião, não deveríamos participar’. Mentiu descaradamente, o que encorajou a Alemanha a aliar-se ao Império Austro-Húngaro (id. ibid.) e iniciarem o conflito.
Dois outros fatores foram importantes: (1) o clima generalizado de conflagração que tomou conta da Europa nestas primeiras décadas e (2) a Declaração Balfour de novembro de 1917.

Ambigüidades, indefinições e traições
Já comentei antes que a Declaração Balfour (4) foi extremamente ambígua ao não falar da criação de uma Pátria Judia, mas sim de um lugar onde os judeus poderiam regular sua convivência com as comunidades não judias da área. Deve-se ressaltar que ela não era nem um acordo, nem uma promessa de um estado Judeu na Palestina nem que a Palestina seria judia, mas somente uma declaração unilateral propondo um lar judeu na Palestina.
A Declaração deixou Hussein apreensivo, no que foi apaziguado pelo governo britânico de que ‘o assentamento judeu na Palestina somente ocorrerá se for consistente com a liberdade política e econômica da população árabe’ (5). Na Conferência de Paz de Paris, em 1919, ocorreu o primeiro encontro entre as lideranças sionista e árabe. Chaim Weizmann, que sucedera Theodor Herzl no comando do movimento Sionista, se reúne com o sucessor de Hussein e firmam o Tratado Weizmann-Faisal, no qual é reconhecida a ascendência comum e a necessidade dos dois povos viverem em paz. Hussein, com muita clarividência, condicionou o Tratado ao cumprimento, por parte dos britânicos, da correspondência McMahon-Hussein, o que já estava previsto que nunca aconteceria pelo Sykes-Picot, que lhe era desconhecido, mas de cujas intenções provavelmente desconfiava por conhecer bem a deslealdade de ingleses e franceses. Assim, a primeira grande chance de entendimento entre árabes e judeus foi perdida pela traição britânico-gaulesa.
Quando a Liga das Nações concede o Mandato para a formação de um estado judeu na Palestina, os ingleses logo disseram que a Declaração Balfour não era bem assim e a re-interpretaram.
A ambigüidade levou as próprias autoridades britânicas - signatárias dos tratados, inclusive o Tratado de Sèvres (6) fixando as novas fronteiras da Turquia -, impedissem o desembarque de navios de refugiados judeus que eram internados em campos provisórios em Chipre.
Na realidade, os diversos acordos, declarações e tratados eram tão incompatíveis entre si, além de ambíguos e indefinidos, que criaram uma imensa confusão em todos os participantes, sem dúvida muito maior nos que mais dependiam de seus resultados: judeus e árabes. As ambigüidades eram evidentes, segundo Quigley: 

Existe um claro contraste entre a avareza imperialista dos acordos secretos como o Sykes-Picot e o tom altruísta das declarações públicas, há também um evidente contraste entre a forma dos britânicos negociarem as disposições na Palestina com os judeus e com os árabes, fazendo com que ambos se sentissem justificados em acreditar que a Inglaterra conduzia a seu favor as ambições naquela área. Esta crença, seja ela baseada em mal entendidos, ou em farsa deliberada, serviu posteriormente para desmoralizar os britânicos aos olhos de ambos os grupos. Como conseqüência, Hussein iniciou uma revolta contra a Turquia em 1916, recebendo um subsídio de £ 225.000 mensais dos britânicos.   


Em minha opinião, baseado nestas negociações e na atitude britânica posterior (1938) em relação à Checoslováquia, o que houve foi farsa deliberada. Os árabes estavam desarticulados entre inúmeros sheiks,sendo os principais Hussein e Ibn Saud, fundador da dinastia sauditaUma Comissão de Inquérito Americana, conhecida como Comissão King-Crane (1919), nomeada por Woodrow Wilson, sugeriu: (1) o abandono do apoio americano à causa sionista, (2) severa restrição à imigração judia e (3) um governo americano ou britânico para a Palestina. Finalmente, a Conferência de San Remo entre as grandes potências decidiu que o Reino Unido receberia o mandato da Palestina (inclusive a Transjordânia) e do Iraque, enquanto que a França ganhava o controle da Síria, inclusive o atual Líbano. Em linhas gerais, a conferência confirmou os termos do Acordo Sykes-Picot e contrariou a Declaração Balfour e as promessas de independência árabe. À ambigüidade e à mentira somava-se a imprecisão, pois as fronteiras entre aqueles territórios não foram especificadas.


Parte III


O Colonial Office, o Milner Group e os ‘White Papers’

O Milner Group foi derivado da Secret Society of Cecil Rhodes, o milionário explorador da África do Sul de cujo nome foi derivado Rodésia. O grupo dominou o The Times, fundou o The Round Table, seu porta-voz, teve grande influência na fundação da British Commonwealth of Nations e da Liga das Nações, fundou o Royal Institute of International Affairs (RIIA) e seu ramo americano, o Council on Foreing Relations (CFR) (7).
Colonial Office era dominado por nomes ligados ao Milner Group, ao qual pertencia Lord Balfour e a maioria dos representantes britânicos na Conferência de Paz de 1919, assim como a cúpula do Partido Conservador, e de onde partira a idéia dos Mandatos. Era simpático aos judeus e às suas legítimas aspirações, mas seu contato maior era com os árabes, pelos quais se sentiam particularmente atraídos, embora nunca se inclinassem ao romantismo pró-árabe de T. E. Lawrence (Lawrence da Arábia).
Carroll Quigley (AAE) afirma que a declaração deveria ser chamada de Milner Declaration, e não Balfour, pois Milner era o verdadeiro redator e seu principal apoio no Gabinete de Guerra, fato que só veio a público através de um discurso de Ormsby-Gore nos Comuns: ‘a redação originalmente apresentada por Lord Balfour não era a redação final aprovada pelo Gabinete de Guerra (...) esta última foi a redação de Lord Milner que teve que ser (por razões de precedência) emitida em nome do Secretário dos Assuntos Estrangeiros’.
No entanto, havia certa relutância em apoiar a causa sionista mais concretamente, baseada, segundo Quigley (op. cit.), em dois fatores: (1) o sentimento de que não seria justo permitir que a minoria de sionistas viesse para a Palestina e expulsassem os árabes ou os levassem a uma posição social e econômica inferior e (2) o sentimento de que isto afastaria os árabes do ocidente, especialmente da cultura britânica, o que seria certo se os judeus obtivessem o controle do Mediterrâneo do Egito à Síria. E a intenção do Milner Group era ocidentalizar os árabes. John Dove (AAE) sugeria que a partição não deveria ser permanente e que os judeus deveriam se contentar em ser apenas parte de uma unidade potencial: ‘Eles não precisam temer serem absorvidos porque têm tudo a ganhar de uma Federação Árabe, como um campo maior para suas atividades’.
White Paper de 1922 (8) uma tentativa de esclarecer a Declaração Balfour, trouxe ainda mais confusão e ambigüidade. Em linhas gerais, comentava as apreensões dos árabes com ‘certas interpretações exageradas’ baseadas na Declaração virem a favorecer um ‘Lar Nacional Judeu na Palestina’. Declarações ‘não autorizadas’ se referiam que o propósito britânico era criar uma Palestina totalmente judia, mas o paper afirma que ‘a Palestina não deveria ser judia, no mesmo sentido que a Inglaterra é Inglesa’‘o Governo de Sua Majestade considera qualquer expectativa neste sentido como impraticável e não tem esta finalidade em vista. Os termos da Declaração (Balfour) não contemplam que a Palestina como um todo possa ser convertida numa Pátria Nacional Judia (como haviam proposto Chaim Weizmann e Nahum Sokolow), mas que tal Lar poderia ser fundado ‘na Palestina’.
Ao mesmo tempo em que dizia que ‘o status de todos os cidadãos da Palestina deveria ser o de palestinos e jamais poderiam ter outro status jurídico’, reafirmava o compromisso com a população judia e garantia que ‘os receios dos judeus de perderem o apoio são infundados e que a Declaração (Balfour) estava reafirmada pela Conferência de San Remo e o Tratado de Sèvres, os quais não eram suscetíveis de modificações’.Considerava ainda o fato que durante as últimas duas ou três gerações os judeus haviam re-criado uma comunidade na Palestina, a qual contava na época 80 mil pessoas e que sua presença lá era de direito e nãopor permissão.
“Re-criavam” estaria se referindo ao fato de que o território era originalmente judeu e por isto estavam lá por direito? Parece que sim, porque na frase seguinte afirmava-se: ‘Esta é a razão pela qual é necessário que a existência da Pátria Nacional Judia deva ser internacionalmente garantida e reconhecida tendo em conta conexões históricas ancestrais’.
Porém o paper esclarecia que ‘as fronteiras da Palestina não foram definidas nem pela Declaração Balfour, nem pela Conferência de San Remo ou pelos Tratados de Sèvres e Lausanne, ou mesmo pelos termos do Mandato Britânico’.
Que Pátria é esta sem fronteiras definidas? E quem viria a defini-las e defendê-las?
Ficava estabelecido também que a comunidade judia poderia aumentar de número pela imigração, desde que não fosse tão maciça que excedesse a ‘capacidade econômica do território de absorver os recém-chegados’ e que imigrantes não deveriam ser um fardo para o povo palestino como um todo, nem privar os já estabelecidos de seus empregos’.
Neste mesmo ano a opinião pública e também a do governo inglês tinham-se tornado menos favoráveis à política sionista. Winston Churchill declarava: ‘Em ambas as Casas do Parlamento há um crescente movimento de hostilidade contra a política sionista na Palestina. Não dou grande importância a este movimento, mas está cada vez mais difícil contestar o argumento de que não é justo pedir ao contribuinte britânico, já sufocado com impostos, suportar o custo da uma política impopular na Palestina’.
Lord Milner, num discurso na Câmara dos Lordes em 27 de junho de 1923, comentou a Declaração Balfour e o White Paper, principalmente quanto à questão da imigração: ‘a agitação árabe que acreditamos ser devida, em grande parte, a estímulos externos, não nos deve afastar dos termos da Declaração. (...) Há espaço no território para uma grande população de imigrantes sem prejudicar de forma nenhuma a população árabe residente e a imigração (judia) pode ser inclusive benéfica para eles. (...) Sou, e sempre fui favorável às políticas pró-árabes e creio na independência dos países árabes. (...) Antevejo uma Federação Árabe e creio que eles cometeriam um grande erro se quisessem incluir a Palestina nesta Federação. Esta requer um mandato permanente e sob esta condição poderia ser um Lar Nacional para os Judeus, recebendo tantos imigrantes quantos o país pudesse economicamente suportar, mas jamais deverá se tornar um estado judeu’ (AAE). Esta foi a posição do governo Britânico até 1939.
Durante o restante da década de 20 e na de 30 ela se tornou insustentável devido a quatro fatores: (1) a permanente obstrução árabe, (2) a intenção sionista de obter controle político e soberania sobre seu território, o que implicaria em revogar o Mandato Britânico, (3) as pressões tanto sionistas quanto árabes durante a Grande Depressão de 1929 e (4) o surgimento de um novo motivo para a imigração: a necessidade de um refúgio para os judeus que escapavam da perseguição nazista.
O Partido Trabalhista, então no poder, emitiu o White Paper de 1930, elaborado por Sidney Webb, Lord Passfield (9), Secretário de Estado para as Colônias (posteriormente Assuntos dos Domínios) do governo de Ramsay MacDonald. Contrariando as reivindicações sionistas, estatuía que o desenvolvimento de uma Pátria Judia na Palestina não era assunto fundamental para o Mandato Britânico. Não obstante, esclarecia que a Inglaterra tinha a intenção de cumprir com suas obrigações com árabes e judeus e resolveria qualquer conflito como resultante de suas necessidades específicas. Apesar de não considerar fundamental para o Mandato comprometia-se a continuar o apoio de um Lar Nacional Judeu na Palestina. O tom, entretanto, era claramente anti-semita. Diversas instituições judias eram severamente criticadas, entre elas a Histradut (Federação Geral dos Trabalhadores) e a Agência Judaica, pois ambas contratavam apenas trabalhadores judeus. O Hope-Simpson Report concluíra que não havia terra suficiente para suportar a imigração contínua e os fazendeiros árabes estavam sofrendo dificuldades econômicas devido à política das organizações judias, e concluía recomendando a cessação da imigração até que novos métodos agrícolas fossem introduzidos no território. O White Paper confirmava esta posição, considerando que esta política era lesiva ao desenvolvimento econômico da população árabe.
O Milner Group protestou veementemente contra o White Paper de 1930, considerado contra os interesses judeus na Palestina, denunciando seu evidente anti-semitismo em artigos no The Times assinados por Jan Smuts e Sir John Simon.


(O assunto não está esgotado e continuará a ser abordado em textos futuros.)


Notas:


1 - Samuel Smiles in Modris Eksteins, Rites of Spring, Mariner Books, NY, 1989

2 - Cf. Carroll Quigley, Tragedy & Hope: A History of the World in Our Times, Macmillan, London-NY, 1966. Passa a ser referido com T&ampH.
3 - Jim Powell, Wilson’s War: how Woodrow Wilson’s great blunder led to Hitler, Lenin, Stalin and WW II,Crown Forum, NY, 2005
4 - His Majestys Government view with favour the establishment in Palestine of a national home for the Jewish people, and will use their best endeavours to facilitate the achievement of this object, it being clearly understood that nothing shall be done which may prejudice the civil and religious rights of existing non-Jewish communities in Palestine, or the rights and political status enjoyed by Jews in any other country.
5 - Carroll Quigley, The Anglo-American Establishment: Rhodes to Cliveden, GSG & Associates, 1981. A partir de agora será referido como AAE.
6 - Com a revolução dos Jovens Turcos comandados por Mustafá Kemal Atatürk foi substituído pelo Tratado de Lausanne com vários territórios voltando à nação turca.
7 - Brevemente publicarei mais dados sobre estes grupos.
8 - Os “white papers” são publicados pelos governos para apresentar uma política ou propor uma linha de ação em um tema de preocupação atual ou esclarecer melhor tratados e convênios diplomáticos. Em diversas Nações, "white paper" é o nome informal de um documento que anuncia uma política governamental. O termo surgiu no Reino Unido, onde se aplica aos documentos governamentais, informes, anúncios ou esclarecimento de políticas. Durante o Mandato britânico da Palestina, publicaram-se três "white papers" que determinaram o futuro imediato do Mandato.
9 - Webb foi um dos fundadores em 1884 da Fabian Society, ligada à Marxist Social Democratic Federation, juntamente com sua mulher, Beatrice, George Bernard Shaw, Annie Besant (mais tarde convertida à Teosofia de Madame Blavatsky), H. G. Wells, Leonard e Virginia Woolf. Até a morte o casal Webb defendeu os métodos stalinistas de opressão, evidenciando a mentira de que há oposição entre socialistas e marxistas-leninistas.


O CUSTO LULA (2)

Uma das broncas do então presidente Lula com a Vale estava no assunto siderúrgicas. A companhia brasileira deveria progredir da condição de mero fornecedor de minério de ferro para produtor de aço, tal era o desejo de Lula. 

Quando lhe argumentavam que havia um problema de custo para investir no Brasil – e não apenas em siderúrgicas – o ex-presidente apelava para o patriotismo. As empresas privadas nacionais teriam a obrigação de fabricar no Brasil. 

Por causa da bronca presidencial ou por erros próprios, o fato é que a Vale está envolvida em três grandes siderúrgicas – ou três imensos problemas – conforme mostra em detalhes uma reportagem de Ivo Ribeiro e Vera Saavedra Durão, no “Valor” de ontem. Em Marabá, no Pará, o projeto da planta Alpa está parado, à espera da construção de um porto e de uma via fluvial, obrigação dos governos federal e estadual, e que está longe de começar. No Espírito Santo, o projeto Ubu também fica no papel enquanto a Vale espera um cada vez mais improvável sócio estrangeiro. Finalmente, o projeto de Pecém, no Ceará, está quase saindo do papel, mas ao dobro do custo original. 

E quer saber? Seria melhor mesmo que não saísse. Acontece que há um excesso de oferta de aço no mundo e, mais importante, os custos brasileiros de instalação das usinas e de produção são os mais altos do mundo. Não, a culpa não é só do dólar nem dos chineses. Estes fazem o aço mais barato do planeta, com seus métodos tradicionais. Mas o aço brasileiro sai mais caro do que nos EUA, Alemanha, Rússia e Turquia, conforme um estudo da consultoria Booz. 

A culpa nossa é velha: carga e sistema tributário (paga-se imposto caro até durante a construção da usina, antes de faturar o primeiro centavo), burocracia infernal e custosa, inclusive na disputa judicial de questões tributárias e trabalhistas, e custo da mão de obra. 

Dados do economista Alexandre Schwartsman mostram que os salários estão subindo no Brasil na faixa de 11 a 12% anuais. A produtividade, estimado 1,5%. Ou seja, aumenta o custo efetivo do trabalho, e mais ainda pela baixa qualificação da mão de obra. Jorge Gerdau Johanpeter, eterno batalhador dessas questões, mostra que a unidade de trabalho por tonelada de aço é mais cara no Brasil do que nos EUA. O Brasil precisaria turbinar os investimentos, mas não há como fazer isso num ambiente tão desfavorável e tão custoso 

Não há patriotismo que resolva. Mas uma boa ação governamental ajudaria. Reparem: todos os problemas dependem de ação política e, especialmente, da liderança do presidente da República. Trata-se de reformas tributária e trabalhista, medidas legais para arejar o ambiente de negócios, simplificar o sistema de licenças ambientais, reforma do Judiciário e por aí vai, sem contar com um impulso na educação. 

Se isso não anda, é falha de governo, não do mercado. A crise global é a mesma para todo mundo, mas afeta os países diferentemente, conforme suas condições locais. O Brasil precisaria turbinar os investimentos, mas não há como fazer isso num ambiente tão desfavorável e tão custoso. O governo cai então no estímulo ao consumo e no protecionismo para barrar e/ou encarecer os produtos estrangeiros. De novo, não conseguindo reduzir o custo Brasil, aumenta o custo mundo. 

A situação é ainda mais grave no lado dos investimentos públicos. Uma das obras de propaganda de Lula era a Ferrovia Norte-Sul, tocada pela estatal Valec. Pois o Tribunal de Contas da União verificou que o dormente ali saía por R$ 300, enquanto na Transnordestina, negócio privado, ficava por R$ 220. 

O atual presidente da Valec, José Eduardo Castello Branco, nomeado há um ano, depois das demissões por denúncias de corrupção, conta ainda que vai comprar a tonelada de trilho por R$ 2 mil, contra o preço absurdo de R$ 3 mil da gestão anterior, que vinha lá do governo Lula. 

Claro que um presidente da República não pode saber quanto custa uma tonelada de trilho, muito menos o preço de um dormente. Nem pode acompanhar as licitações. Mas o ritmo “vamo-que-vamo” imposto pelo ex-presidente, junto com o loteamento político das estatais, criou o ambiente para os malfeitos e, mais importante, porque mais caro, para os enormes equívocos na gestão dos projetos. 

O diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, general Jorge Fraxe, também nomeado por Dilma para colocar ordem na casa, conta que encontrou contratos de obras no valor de R$ 15 bilhões – ou “15 bilhões de problemas”. 

Quando o mundo vai bem, todos crescendo, ninguém repara. Quando a coisa aperta, aí se vê o quanto não foi feito ou foi feito errado.Por: Carlos Alberto Sardemberg Fonte: O Globo, 05/07/2012

GATOS SOB SUSPEITA!



FEZES DE GATO E ATITUDES SUICIDAS EM HUMANOS

Bichanos agora sob suspeita
Um estudo realizado com mais de 45 mil mulheres na Dinamarca, publicado esta semana na revista Archives of General Psichiatry, sugere que existe uma relação estreita entre o parasita Toxoplasma gondii  e as atitudes suicidas em humanos. 
Segundo o estudo, os humanos correm risco serem infectados por este parasita quando limpam as caixas de areia dos gatos, onde esses animais defecam. Trata-se de uma pesquisa inicial que carece de comprovação definitiva, segundo se depreende desta notícia que tem destaque internacional, haja vista que os gatos se tornaram animais de estimação em alta escala nos últimos anos. Transcrevo do original em espanhol matéria a respeito publicada no site Infobae

sábado, 7 de julho de 2012

VOCÊ CONHECE MESMO O PT?



O Foro de São Paulo tem avançado em praticamente todos os campos em que se dispôs a atuar e, com exceção de algumas incansáveis iniciativas ainda isoladas (e constantemente ignoradas pelos veículos de informação e o público geral), sua própria existência tem passado despercebida.

O Partido dos Trabalhadores governa oficialmente o Brasil desde 2003, quando Lula foi eleito presidente. Em dez anos, nunca antes da história deste país viu-se tanto desmando, tanto desbunde, tanto desbrio, tanto descalabro, tantos desvios de verbas e de caráter. O PT teve a proeza de destronar da vida pública de modo praticamente definitivo todas aquelas características que eram vistas, desde os idos da Grécia clássica, como essenciais para o exercício da política: verdade, hombridade, maturidade, honra e honestidade. Se antes aqueles que se desviavam dessa linha-mestra eram vistos como incidências abjetas na vida política brasileira, hoje o próprio desvio é que se transformou em linha-mestra.
Por mais que se repise essa constatação, há grande resistência por parte de uma multidão (para não dizer manada) de gente bem-intencionada, excessivamente ingênua e facilmente enganável, em admitir que, na última década, o nosso país piorou sob todos os aspectos – político, econômico, social, jurídico e cultural. O PT ainda é diuturnamente tratado como a grande vítima das próprias impropriedades que cometeu, como se os planos meticulosamente traçados para se obter e manter o poder no Brasil fossem ora apenas deslizes cometidos por uma minoria aloprada, ora métodos tortos cujo objetivo era apenas garantir o bem do povo ao se buscar a perpetuação do partido no governo.

Há um sem-número de documentos emitidos pelo próprio PT que indica de maneira incontestável o projeto de poder do partido. O radicalismo socialista troglodítico foi substituído por um radicalismo socialista sofisticado, cheio de finesse e com ares de alta intelectualidade, mas o objetivo continua sendo um e o mesmo: enredar a nação em seus tentáculos pegajosos indefinidamente. Esse afã pelo poder não é um “privilégio” apenas do Partido dos Trabalhadores aqui no Brasil: diversos outros partidos, organizações, institutos e que tais, aqui e lá fora, possuem o mesmo objetivo, e, ao contrário do que a insistência extraordinariamente estúpida de um exército de analistas e experts garante, esse objetivo é perseguido de modo muito bem articulado a nível internacional. A própria existência de uma organização como o Foro de São Paulo é, de per si, prova cabal desse fato.

Aliás, o próprio documento preparado pelo PT para o XVIII Encontro do Foro de São Paulo, que ocorre em Caracas ao longo dessa semana, é mais uma peça que explicita, naquela típica linguagem melifluamente “progressista e de esquerda”, os objetivos do PT. Todas as citações que aqui farei são traduções livres de trechos do documento do partido, que foi divulgado em língua hispânica.

O primeiro grande destaque do documento é a defesa da necessidade de se instrumentalizar organizações variadas da sociedade civil para que o PT continue no comando da nação. Nesse sentido, o documento afirma que “o PT terá de dedicar-se com mais empenho a organizar as camadas populares, em particular os trabalhadores assalariados, em sindicatos, movimentos populares urbanos e rurais, associações femininas, movimentos de juventude, instituições desportivas e culturais, e em um sem-número de formas criadas por iniciativa das classes e camadas populares.” Quem aponta isso é o próprio presidente nacional do partido, Rui Falcão, que complementa:

Somente com a participação ativa dessas camadas populares, o PT e o governo poderão vencer as resistências que os setores conservadores, na sociedade, no Congresso e inclusive em setores do aparato do Estado, interpõem às reformas indispensáveis ao plano de desenvolvimento econômico e social que façam do Brasil um país verdadeiramente soberano, independente, e com um povo material e culturalmente avançado.
Notem que “PT” e “governo” são utilizados como se fossem a mesma coisa, partes indissociáveis do mesmo organismo. Esse tom é mantido ao longo de todo o documento: o Partido dos Trabalhadores é visto indisfarçavelmente como o único membro legítimo do governo – ou seja, o PT é o governo. Essa visão é acompanhada sempre e em toda parte pela defesa da superioriedade moral do partido, uma vez que ele é o único que pode tornar o Brasil “culturalmente avançado”.
O PT – que, à guisa de personagem orwelliana, será doravante denominado apenas por Partido, com maiúscula – não objetiva, entretanto, o governo, e quem lembra isso muito bem é Iole Ilíada, secretária de relações internacionais do Partido. A conquista do governo não garante a conquista do poder – algo que, segundo Gramsci, dependia da correlação de forças (rapporti di forze) entre burguesia e proletariado. O objetivo do Partido no governo seria, portanto, atuar na alteração da correlação de forças, ou seja, “deslocar a burguesia como classe hegemônica e dominante” e “transferir poder (em suas várias formas: político, econômico, cultural etc.) às classes trabalhadoras”. O Partido, como já se desconfiava, não está no governo para melhorar a vida da população e trabalhar efetivamente para o desenvolvimento nacional: “vale a pena ser governo quando a esquerda é capaz de usar sua presença como um fator de deslocamento da correlação de forças a favor dos trabalhadores”. E Iole é enfática: “Não se trata aqui de pensar em uma alteração da correlação de forças que gradualmente nos conduza do capitalismo ao socialismo, mas em um processo de acumulação de forças que, em algum momento, pode tornar possível a ruptura desejada.”
Há um nome que define muito bem a “ruptura desejada” que o Partido tanto almeja: revolução. Não falamos aqui daquela revolução tradicional, com sublevação armada e derramamento de sangue, ao modo das revoluções francesa e russa, mas de revolução cultural, estrutural, gramsciana. Continua Iole:
O reconhecimento dessa falta de transferência efetiva de poder aos trabalhadores é importante porque a presença da esquerda no governo pela via eleitoral, por mais que a queiramos duradoura, pode ser transitória. Isso faz com que seja necessário que as mudanças se convertam em transformações estruturais, de difícil reversão por parte de governos de direita que nos possam suceder. Mais ainda, tal reconhecimento é importante para ampliar a consciência e a capacidade de organização, intervenção social e luta dos trabalhadores, de modo que a acumulação de forças possa apontar para a necessidade de conquistar não apenas o governo, mas também o poder.
Extrapolando o contexto nacional, o partido reafirma em quase todos os parágrafos do documento ao XVIII Encontro do Foro de São Paulo seu compromisso com a integração regional – não de países, não de nações, mas de organizações “progressistas e de esquerda”, de modo a formarem uma plataforma comum com engrenagens bem azeitadas que girem na sincronia necessária para tingir de rubro todo o subcontinente. Renato Simões, secretário de movimentos sociais do Partido, explica como isso é visto (e quisto) pelo Partido:
Em sua grande maioria, os partidos progressistas e de esquerda da América Latina se organizam no Foro de São Paulo, cuja influência política vem crescendo, ano após ano, para suas responsabilidades partidárias, seja como membros de governos eleitos, seja como as principais forças de oposição a governos neoliberais. [...]

Em vários países, os movimentos sociais buscam avançar em sua organização, superando fragmentações e pulverizações marcadamente impostas pela hegemonia neoliberal. Eles buscam eixos políticos mais nítidos e unificados para incidir na correlação de forças na sociedade e frente aos governos nacionais. No Brasil, há um importante esforço no sentido de consolidar a CMS – Coordenação dos Movimentos Sociais, que hoje integra os movimentos sociais mais representativos do país. [...]

A recente instalação de uma Comissão de Movimentos Sociais junto ao Grupo de Trabalho do Foro de São Paulo mostra que estamos atentos aos desafios de consolidar estruturas próprias para o diálogo partidário com os governos e movimentos sociais. Como disse a companheira Dilma Rousseff em seu discurso ao Diretório Nacional do PT, antes de assumir a presidência da República, em um terceiro período de governo é essencial aceitar as relações entre o Partido, o Governo e os Movimentos Sociais, trincheiras de uma mesma luta, espaços estratégicos para um mesmo projeto, essencial para a transformação de nossa sociedade.

Uma vez mais, tocamos aqui na simbiose orgânica necessária para a conquista do poder no Partido e sua manutenção: comandar o governo e cooptar os movimentos sociais. O que se busca é a pura instrumentalização ideológica de todos os meios disponíveis para que o Partido tenha controle total e irrestrito sobre a nação. Essa conclusão não é fruto de um delírio que brota de uma mente conservadora (e, portanto, patologicamente perturbada), mas apenas de simples interpretação de texto: é isso o que está escrito, e de modo claro e cristalino.

No entanto, a conquista da hegemonia, dentro da visão gramsciana que permeia o Partido integralmente, só se pode dar de modo seguro e duradouro através da atuação de intelectuais orgânicos – “intelectuais que, além de especialistas na sua profissão, que os vincula profundamente ao modo de produção do seu tempo, elaboram uma concepção ético-política que os habilita a exercer funções culturais, educativas e organizativas para assegurar a hegemonia social e o domínio estatal da classe que representam (Gramsci, 1975, p. 1.518). Conscientes de seus vínculos de classe, manifestam sua atividade intelectual de diversas formas: no trabalho, como técnicos e especialistas dos conhecimentos mais avançados; no interior da sociedade civil, para construir o consenso em torno do projeto da classe que defendem; na sociedade política, para garantir as funções jurídico-administrativas e a manutenção do poder do seu grupo social” (SEMERARO, 2006). 

Como garantir, então, que haja tais intelectuais orgânicos que, ao longo das décadas, atuem para a conquista e a manutenção do poder por parte do Foro de São Paulo? Carlos Henrique Árabe, secretário de formação do Partido, relembra que, durante o XV Encontro do Foro de São Paulo, no México, ocorreu a primeira reunião de escolas e fundações do FSP, que apontou para a necessidade de “abordagem, vinculação, intercâmbio e cooperação entre as fundações, universidades, escolas de formação e outras entidades educacionais e de treinamento dos partidos integrantes do Foro de São Paulo, nas áreas de investigação, formação e divulgação.” O objetivo central eleito pelas organizações que participaram dessa reunião foi a criação da Escola Latinoamericana de Formação Política, uma universidade internacional do Foro de São Paulo para a formação de quadros partidários, lideranças de ONGS e movimentos sociais e, de modo particularmente especial, intelectuais orgânicos.

O Foro de São Paulo tem avançado em praticamente todos os campos em que se dispôs a atuar e, com exceção de algumas incansáveis iniciativas ainda isoladas (e constantemente ignoradas pelos veículos de informação e o público geral), sua própria existência tem passado despercebida. O assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, um dos artífices do documento do Partido para o encontro do FSP, faz questão de lembrar: “As mudanças profundas que vêm experimentando nossos países há anos, sobretudo onde as esquerdas estão no governo, são resultado de dinâmicas internas, evidentemente. No entanto, elas também são consequências de um processo político coletivo que teve no Foro um lugar privilegiado.”

A UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), a Telesur, a ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), todas essas iniciativas foram gestadas no ventre do Foro de São Paulo. Todas as ações desses grupos são unívocas e convergem para o mesmo objetivo: o controle total do subcontinente americano por uma verdadeira camarilha de genocidas em potencial. Quando se atam os elos soltos, que aparentemente nada tem a ver uns com os outros, vê-se com clareza quão bem se encaixam e como a corrente que formam é coesa e aprumada. E é justamente a ausência de qualquer esforço em larga escala para divulgar os planos do Foro de São Paulo que faz do (ingrato) trabalho daqueles que se propõem a monitorar os passos desse grupo algo tão precioso e necessário. E é um trabalho que precisa melhorar: devemos aumentar a capilaridade do fluxo de informações sobre o Foro de São Paulo e estimular outras iniciativas (dentro e fora do Brasil) que objetivem ao desmascaramento do grupo.
Já escrevi em outros textos e volto a afirmar: estamos em guerra. Cedo ou tarde, ela baterá com força à nossa porta, e, aí, já não poderemos fazer mais nada.
 Por: Felipe Melo 

NADA A DECLARAR

No inverno de 1077, o imperador Henrique IV fez a peregrinação a Canossa, curvando-se perante o papa Gregório VII, que o excomungara. Quase um milênio depois, Lula conheceu a sua Canossa, peregrinando com Fernando Haddad a tiracolo até o jardim da mansão de Paulo Maluf, que expôs publicamente sua troca de afagos com a dupla petista. O cargo federal entregue por Dilma Rousseff a um protegido de Maluf não foi o preço, mas apenas a parcela de superfaturamento cobrada pelo minuto e meio de tempo de TV que o PP vendeu ao candidato lulista à Prefeitura de São Paulo. Conhecedor do valor das obsessões, Maluf impôs a Lula a quitação da dívida por um gesto de humilhação maior que o experimentado pelo soberano do Sacro Império: o papa, afinal, dispunha de poder incomparavelmente superior ao do fugitivo da Interpol. 

Luiza Erundina suportaria a aliança com o PP, mas não tolerou a "forma" - a simbologia - que cercou o compromisso. Ela se retirou da chapa à Prefeitura e acusou Lula de uma traição "a princípios". É um recurso de autoilusão, tão patético quanto suas declarações anteriores, que invocavam a "luta pelo socialismo" para justificar sua parceria com Haddad. O "princípio" exclusivo de Lula são os interesses de seu sistema de poder. O lulismo já celebrou Jader Barbalho, José Sarney e Fernando Collor: o congraçamento com Maluf se inscreve numa linha de coerência e só pode surpreender observadores que se ausentaram do planeta durante a última década. 

Antonio Donato, coordenador da campanha de Haddad, reagiu ao episódio criticando uma suposta incoerência de Erundina, não de Lula: "Quem quer mudar o Brasil se preocupa com o conteúdo, e não com a forma". O seu "realismo", difundido entre os dirigentes petistas, vai muito além do "realismo" de José Serra, que queria a aliança com o PP (e se aliou com Valdemar Costa Neto, o réu do mensalão que comanda o PR), mas não se sujeitou à exigência de avalizar publicamente a figura de Maluf. Donato está dizendo que a Canossa de Lula vale a pena, se contribui em algo para um projeto de poder já esvaziado de qualquer sentido substantivo de mudança. 

Todo o incidente seria apenas tedioso, não fosse a circunstância de que Erundina ficou só no seu protesto quixotesco. Os intelectuais de esquerda que apoiam Haddad não ergueram a voz para questionar, analisar ou explicar o gesto de Lula. Nos dias seguintes à humilhação do jardim, descortinou-se um resultado de dez anos de poder lulista: a morte da crítica de esquerda. 

Antonio Cândido, Gabriel Cohn e Eugênio Bucci preferiram nada declarar. Mario Sergio Cortella sugeriu "tocar em frente", após uma "fase de reflexão", mas não ofereceu nenhuma "reflexão". Paul Singer justificou o silêncio como um dever político: "Não tenho interesse em tornar pública qualquer opinião. Vai ficar entre mim e mim mesmo". Marilena Chauí optou por emular o antigo ministro da Justiça da ditadura, Armando Falcão, cujo célebre "nada a declarar" veiculava seu rancor contra a imprensa: "Não vou dar entrevista, meu bem. Não acho nada. Nadinha. Até logo". 

Ouvi, informalmente, de uma das "intelectuais tucanas" que se converteram aos encantos da candidatura de Haddad, uma versão da justificativa medíocre posta em circulação por dirigentes petistas: "Maluf por Maluf, Serra também queria". Emir Sader, que dubla como intelectual, mas opera, efetivamente, como militante, expressou o sentido pragmático do denso silêncio geral: "O fundamental é derrotar a 'tucanalha' em São Paulo. Eu posso gostar ou não do Maluf, mas vou fazer campanha para o Haddad do mesmo jeito". 

Não é verdade que os intelectuais de esquerda jamais criticaram Lula ou o PT. A crítica existia, pública e intensa, antes da chegada de Lula ao Planalto. Continuou depois, até o "mensalão", um pouco mais amena, dirigida contra a escolha de José Alencar para a vice-presidência e as "políticas mercadistas" de Henrique Meirelles no Banco Central. Os intelectuais de esquerda justificaram sua adesão ao governo Lula sob a premissa de que, aos poucos, o lulismo se moveria para a esquerda, rompendo a teia de "alianças pragmáticas" indispensáveis no início do "processo". A profecia não se cumpriu - e, ao contrário, o lulismo se identificou cada vez mais com os aliados conservadores. A crítica, contudo, experimentou progressiva rarefação, até desaparecer. 

Quanto mais o lulismo se adapta à ordem tradicional, menos é criticado pelos intelectuais de esquerda. A equação, superficialmente paradoxal, solicita explicação. Uma sedutora hipótese de solução é imaginar que tais intelectuais estão imbuídos pelo nobre sentimento de "patriotismo partidário". Instado a se subordinar às decisões de um partido comunista que transitava para o controle de Stalin, o dissidente Trotsky invocou a marcha da História rumo ao Futuro: "Certo ou errado, é o meu Partido. Não se pode ter razão contra o Partido ou fora dele". Singer quase repetiu Trotsky - e deve ter pensado na frase do revolucionário russo ao pronunciar a sua, destituída de cores épicas. 

A hipótese, porém, não tem sustentação lógica ou histórica. Trotsky não era um intelectual acadêmico, mas um dirigente bolchevique. Na Rússia, desenrolava-se uma revolução social na moldura da crise geral europeia aberta pela Grande Guerra, não uma eleição municipal no quadro da democracia. A explicação prosaica para a renúncia à crítica é que os intelectuais de esquerda brasileiros encontraram seus lugares à sombra da frondosa árvore do poder lulista. Eles se acostumaram com os benefícios profissionais e, sobretudo, com as "rendas de prestígio" auferidas pela proximidade do governo. No terceiro mandato lulista, e diante da perspectiva de um quarto, interiorizaram como hábitos as normas de elogiar os poderosos e sustar, na hora certa, a inclinação à crítica. A evidência disso é obra de Maluf.Por: DEMÉTRIO MAGNOLI O ESTADÃO - 05/07

O PARAGUAI, A LEI E A DESORDEM

A Constituição paraguaia diz que um presidente pode ser afastado de seu cargo por "mau exercício das funções", se uma maioria parlamentar qualificada decidir fazê-lo. O impeachment de Fernando Lugo, pronunciado em 36 horas, seguiu tal receita. O pretexto utilizado pela maioria parlamentar que o derrubou foi o sangrento confronto entre policiais e sem-terra ocorrido pouco antes, durante a desocupação de uma fazenda. 

É nas crises que se avalia a qualidade dos líderes políticos. Lugo não passou pelo crivo da crise. O estadista paraguaio reagiu de modo ambíguo ao "impeachment expresso". Após o voto da Câmara, disse que respeitaria a deliberação final, do Senado, e enviou advogados para fazer a sua defesa. Depois de tudo, pronunciou um discurso de despedida no qual afirmou que a democracia paraguaia foi "golpeada" - e retirou-se sugerindo que apoiaria "protestos pacíficos" contra a decisão. A oscilação confundiu seus partidários - mas, de qualquer modo, apenas 5 mil pessoas protestavam em Assunção. 

O legalismo da maioria parlamentar foi manchado pela celeridade do processo: como registrou Lugo, seu afastamento demorou menos que o tempo de análise de um recurso contra multa de trânsito, destruindo o direito à defesa. Em editorial, O GLOBO minimizou a importância do caráter sumário do impeachment, enquanto o colunista Merval Pereira qualificou o diagnóstico de que se violou o "devido processo legal" como "questão de interpretação". Há algo de errado quando os princípios gerais do direito são tratados como adornos dispensáveis, quase fúteis. A violação permanente de tais princípios é o método empregado pelos governos de Vladimir Putin e de Hugo Chávez para, "legalmente", asfixiar as liberdades políticas e fraudar a democracia. Nota oportuna: na Rússia e na Venezuela, a cúpula do Judiciário também avaliza, docilmente, a "legalidade" dos atos dos donos do poder. 

O episódio paraguaio deve ser caracterizado como um golpe parlamentar vestido nos andrajos das leis de uma democracia oligárquica. A Constituição do país permite a deposição de um presidente com base em "acusações" de ordem exclusivamente política. O texto constitucional funciona como ferramenta crucial de controle do poder pela elite política tradicional, cuja representação é a maioria parlamentar. Há diferenças significativas entre a deposição de Lugo e a de Manuel Zelaya, em 2009. Contudo, no Paraguai, como em Honduras, o sistema de poder oligárquico faz do presidente eleito um mero despachante dos interesses da elite tradicional organizada no parlamento. 

Lugo era um presidente de esquerda, mas a esquerda jamais chegou ao poder no Paraguai. O governo do "bispo dos pobres" inscreve-se, como elemento de uma certa desordem, na transição paraguaia deflagrada pelo encerramento da ditadura de Alfredo Stroessner, em 1989. O regime ditatorial, que se estendeu por 35 anos, exprimia a hegemonia do partido Colorado. Na longa transição ainda em curso, a elite política molda um sistema pluripartidário de revezamento no poder. O componente dissonante é a emergência de movimentos sociais, especialmente dos sem-terra, num país de grandes propriedades rurais em trajetórias desiguais de modernização. 

Uma estranha aliança entre os movimentos sociais e o Partido Liberal, de centro-direita, propiciou o triunfo de Lugo, em 2008, e a ruptura de 61 anos de hegemonia colorada. O presidente de esquerda equilibrava-se entre os movimentos sociais e a coalizão de governo, carecendo quase totalmente de base parlamentar própria. No Congresso, dependia do apoio inconstante do Partido Liberal e dos humores mutáveis da União dos Cidadãos Éticos (Unace), nome improvável de uma dissidência colorada reunida em torno do ex-general golpista Lino Oviedo. 

O golpe parlamentar do impeachment decorreu da cisão da aliança entre os liberais e o presidente, nas circunstâncias traumáticas criadas pelo tiroteio entre os sem-terra e policiais. As eleições presidenciais estão marcadas para abril de 2013. O Partido Liberal, do agora presidente Federico Franco, calcula que o exercício direto do poder lhe propiciará a vitória, possivelmente em coligação com Oviedo. Os colorados imaginam que o estilhaçamento definitivo da aliança entre a esquerda e os liberais assegurará o seu próprio triunfo. 

As reações latino-americanas ao "impeachment expresso" traduzem a desunião da Unasul. Sob o influxo da Venezuela, o "bloco bolivariano" almeja promover o isolamento completo do governo de Franco - mas os países da Alba têm escassa influência sobre o Paraguai. A Argentina, esquecida de seus próprios interesses nacionais, opera quase como um peão de Chávez, o que complica o cenário do Mercosul, no qual deve agir o Brasil. As reticências brasileiras refletem um realismo geopolítico que escapa à compreensão de Cristina Kirchner.  

No episódio da destituição de Zelaya, o governo Lula participou, com disfarçada relutância, da aventura tragicômica conduzida por Chávez. A irrelevância do Brasil no tabuleiro do istmo centro-americano propiciou o exercício da irresponsabilidade, que rendeu frutos junto às correntes petistas seduzidas pelo brilho falso do "socialismo bolivariano". O Paraguai, porém, não é Honduras: a história, a fronteira, Itaipu e os "brasiguaios" não permitem a transformação do país em campo de folguedos ideológicos. O governo Dilma transita na vereda estreita que passa entre os abismos das sanções econômicas, que provocariam perigosa instabilidade no vizinho estratégico, e da condescendência passiva, que desmoralizaria a cláusula democrática do Mercosul consagrada no Protocolo de Ushuaia. 

O imperativo do realismo diplomático é um problema do governo. Por outro lado, a defesa das liberdades e da democracia exige que se chame as coisas pelo nome delas, sem duplicidade ou eufemismos. Hoje, é Assunção; amanhã, Caracas. Por: Demétrio Magnoli

DEMOCRACIA NA AMÉRICA SO SUL: PERGUNTAS INCÔMODAS

Por que a destituição do presidente Fernando Lugo mereceu resposta tão contundente dos países da região, quando agressões, se não à lei, ao menos ao espírito da convivência democrática, foram recebidas com silêncio obsequioso por parte dos que hoje se insurgem contra "o golpe das elites paraguaias"? 

Seria o impeachment de Lugo mais grave do que o desrespeito de Hugo Chávez aos resultados do referendo de dezembro de 2007? Esqueceram-se de que no ano seguinte o presidente venezuelano promoveu, por decreto, parte das mudanças rejeitadas pela maioria do eleitorado do país naquela que Chávez considerou "una victoria de mierda" das oposições ao seu governo? 

Seria mais grave o rito sumário que marcou a destituição de Lugo do que a aprovação da nova Constituição da Bolívia, em novembro de 2007, num quartel militar cercado por tropas e militantes fiéis a Evo Morales, sem a presença dos parlamentares da oposição? Seria o ato do Congresso paraguaio mais grave do que a decisão tomada por Rafael Correa, no início de seu mandato, permitindo à futura Assembleia Constituinte, onde estava seguro de ter a maioria, dissolver o Parlamento recém-eleito, onde se encontrava em minoria? 

Por que tanta presteza em condenar o Paraguai, quando há anos se assiste sem protesto algum à sistemática deformação das instituições democráticas na Venezuela sob o rolo compressor de Chávez, processo replicado em maior ou menor medida na Bolívia e no Equador? O que representa maior ameaça à democracia na região, um episódio confinado às fronteiras nacionais do mais pobre país da América do Sul ou a vocação expansiva da "revolução bolivariana", cujo epicentro é um país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo e um líder com recursos e disposição para pisotear o princípio da não intervenção nos assuntos domésticos de outros países? 

Para justificar tão surpreendente zelo com a pureza do espírito democrático se elaborou às pressas a teoria de que a destituição de Lugo representaria o ensaio local de uma nova modalidade encontrada pelas elites da região para se livrar de governos nacional-populares. A ideia de que o "neogolpismo" é uma espécie de hidra, com várias cabeças, serve aos interesses maiores de Chávez, Correa e Evo. Presta-se a legitimar o acosso a que submetem os seus adversários internos, tratados como inimigos do povo e lacaios da elite, quando não fantoches do "império" (os Estados Unidos). Nada como inflar ou fabricar ameaças para justificar arbitrariedades. Não foi para se defender dos supostos planos de invasão americana que Chávez armou uma milícia popular sob seu comando direto, com a distribuição de milhares de fuzis, sem que tal aberração merecesse sequer um reparo dos zelosos democratas de hoje? 

Também na Argentina se vê a captura do Estado por um grupo político que atribui a si próprio um papel redentor do povo e da nação, confrontando adversários como quem combate inimigos. Comum a todos esses líderes redentores é a utilização do discurso maniqueísta povo versus elite, o que não os impede de ser ou pretender ser, além de heróis do povo, chefes de uma nova elite que se vai erguendo politicamente e enriquecendo financeiramente sob as asas de seus governos. 

Há mais do que afinidades políticas na aliança entre esses quatro líderes políticos. Existe entre eles uma ampla zona cinzenta em que se misturam negócios, assistência governamental e financiamento de campanha. Morales financiou o programa "Bolívia Cambia, Evo Cumple" (e sabe-se lá o que mais) com recursos transferidos por Chávez sobre os quais nem este nem aquele prestam contas a ninguém. Em meio à primeira campanha de Cristina Kirchner para a presidência, uma mala com US$ 800 mil em dinheiro vivo foi encontrada em mãos de um empresário próximo ao governo chavista, num avião fretado em que viajavam funcionários de alto escalão da petroleira venezuelana, PDVSA, e da estatal argentina de energia, Enarsa. Cinco anos e três juízes depois, a Justiça argentina ainda não esclareceu o caso. 

Que Chávez, Evo, Correia e Cristina se lancem à condenação do Paraguai não é difícil de entender. Mais complicado é compreender a posição do Brasil. Marcamos diferença importante ao não embarcar na canoa das sanções econômicas. Mas patrocinamos a manobra oportunista que permitiu incorporar a Venezuela ao Mercosul na esteira da suspensão do Paraguai. 

O Brasil perdeu uma oportunidade para marcar, sem alarde, fisionomia própria em matéria de compromisso com a democracia na região. Bastava não aceitar o ingresso da Venezuela nessas circunstâncias. De pouco vale ter mais da metade do PIB da região se na hora de exercer liderança política nos apequenamos. 

Presidentes deixam sua marca na política externa em horas assim. Dilma poderia ter-se diferenciado de seu antecessor, sempre solicito no apoio político aos companheiros da vizinhança. Mas isso suscitaria comparações com Lula e irritaria o PT. 

A questão não é só de política externa. Vale ler o artigo assinado pelo secretário-geral do partido, Elói Pietá, publicado no site oficial da legenda logo após o impeachment de Lugo. A chamada do artigo é eloquente: "Mesmo com toda a sua força e grandeza, o Brasil também sofreu as tentações de um golpe do Congresso Nacional contra o Presidente Lula". Sobre o "neogolpismo das elites" o secretário-geral explica: "As elites ricas, onde hoje não controlam o Executivo, voltaram a ter no Parlamento Nacional seu principal ponto de sustentação institucional. Além disso, através da poderosa mídia privada, seu principal guia ideológico e voz junto ao povo, elas continuamente instigam a opinião pública contra os governos populares". 

A decisão brasileira de punir o Paraguai para premiar a Venezuela é tributária dessa visão de mundo. Uma é inseparável da outra.SERGIO FAUSTO O Estado de S.Paulo - 07/07

APÓS UM ATAQUE ISRAELENSE CONTRA O IRÃ



Os mulás enfrentam sérias limitações quanto a capacidade de retaliação, incluindo vulnerabilidade militar e necessidade premente em não aumentar o número de inimigos externos.

Como irão os iranianos responder a um ataque israelense contra a sua infraestrutura nuclear? As respostas a esta previsão têm grande importância, que afetam não apenas a decisão de Jerusalém, mas também o quanto outros países estão trabalhando para evitar um ataque israelense.
Os analistas costumam apresentar o que seria a melhor das hipóteses a favor da política de contenção e dissuasão (alguns comentaristas chegam a ponto de saudar um Irã nuclearmente armado) e ao mesmo tempo prever a pior das hipóteses em consequência de um ataque. Preveem que Teerã fará tudo que estiver ao seu alcance para revidar, como terrorismo, sequestros, ataques com mísseis, combates navais e o fechamento do Estreito de Hormuz. Estas previsões ignoram dois fatos: nenhum dos ataques anteriores de Israel contra países inimigos que estavam construindo armas atômicas, Iraque em 1981 e Síria em 2007, resultaram em retaliação e uma análise do histórico da República Islâmica do Irã desde 1979 aponta para uma avaliação "mais comedida e menos apocalíptica—ainda que preocupante—sobre a provável consequência de um ataque preventivo".
Estas são as palavras de Michael Eisenstadt e Michael Knights do Washington Institute for Near Eastern Policy, que apresentam um excelente guia para os possíveis cenários em "Beyond Worst-Case Analysis: Iran's Likely Responses to an Israeli Preventive Strike." O levantamento por eles realizado sobre o comportamento iraniano nas últimas três décadas levou-os a compreender que três princípios centrais irão provavelmente moldar e limitar a resposta de Teerã a um ataque israelense: insistência quanto à reciprocidade, cautela em não criar inimigos gratuitamente e o desejo de impedir futuros ataques israelenses (ou americanos).
Os mulás, em outras palavras, enfrentam sérias limitações quanto a capacidade de retaliação, incluindo vulnerabilidade militar e necessidade premente em não aumentar o número de inimigos externos. Estabelecidas estas linhas de orientação, Eisenstadt e Knights avaliam oito possíveis ações iranianas, cada uma deverá apreciar o mérito e ao mesmo tempo ter em mente a alternativa – a saber, das armas nucleares estarem sob controle dosislamistas apocalípticos:
  • Ataques terroristas a alvos israelenses, judaicos e americanos. Provável, mas com destruição limitada.
  • Sequestro de cidadãos americanos, especialmente no Iraque. Provável, mas com impacto limitado, como nos anos de 1980 no Líbano.
  • Ataques contra americanos no Iraque e no Afeganistão. Alta probabilidade, principalmente por meio de milícias, mas com destruição limitada.
  • Ataques com mísseis contra Israel. Provável: alguns mísseis do Irã passarão pelas defesas israelenses, levando a mortos e feridos na casa de algumas centenas, mísseis do Hisbolá, limitados em número devido a considerações internas do Líbano. Improvável: Envolvimento do Hamas, pelo fato de ter-se distanciado de Teerã, do governo Sírio que luta pela sobrevivência contra forças de oposição cada vez mais fortes e possivelmente também das forças armadas turcas. Como um todo, é improvável que ataques com mísseis farão estragos devastadores.
  • Ataques contra países vizinhos. Provável: terrorismo, por ser passível de ser negado. Improvável: ataques com mísseis, visto que Teerã não deseja criar novos inimigos.
  • Confrontos com a marinha americana. Provável: contudo, dado o equilíbrio de forças, com estrago limitado.
  • Espalhar secretamente minas no Estreito de Hormuz. Provável, causaria uma escalada nos preços do petróleo.
  • Tentativa de fechar o Estreito de Hormuz. Improvável: difícil de ser alcançado e potencialmente muito danoso aos interesses iranianos, pois precisam do estreito para o comércio.
Os autores também avaliam três efeitos colaterais de um ataque israelense. Sim, os iranianos poderão se aglutinar em torno do governo como resultado imediato do ataque, mas no longo prazo Teerã "poderá ser censurado por ter tratado a questão nuclear de um modo que levou ao confronto militar". A assim chamada via árabe prevê eternamente a retaliação em resposta a ataques militares externos, porém nunca retalia; os prováveis tumultos entre os xiitas do Golfo Pérsico serão contrabalançados por muitos árabes aplaudindo silenciosamente os israelenses. Quanto a abandonar o Tratado de Não Proliferação e iniciar abertamente e com ímpeto o programa de armas nucleares, embora "altamente provável", quanto mais os iranianos retaliarem, mais complicado será para eles obterem as peças para o programa.

Levando tudo isso em conta, os perigos são graves mas não cataclísmicos, administráveis, mas não devastadores. Eisenstadt e Knights esperam um curto período de reações iranianas de alta intensidade, seguidas por um "conflito prolongado de baixa intensidade que poderá durar meses ou até anos" – como o já existente entre Irã e Israel. Um ataque preventivo israelense, concluem eles, ainda que seja uma "iniciativa de alto risco, que carrega consigo o potencial de escalação no Levante ou no Golfo, … não será o evento apocalíptico que alguns prenunciam".
Esta análise expõe de forma convincente que o perigo de armas nucleares caírem nas mãos dos iranianos é de longe muito maior do que o perigo de um ataque para evitar que isto aconteça.
ESCRITO POR DANIEL PIPES | 03 JULHO 2012
INTERNACIONAL - ORIENTE MÉDIO

Publicado no The Washington Times.

Original em inglês: After an Israeli Strike on Iran

Tradução: Joseph Skilnik