domingo, 15 de julho de 2012

CUBA


              O Louvre do comunismo



Continuo convencido de que Cuba é um inesgotável museu da ideologia.



Quando lá andei em outubro do ano passado, percebi que a realidade social declinara ainda mais. Tudo precário e tudo escasso.

Existem jornais detestáveis. Nenhum, porém, se compara com qualquer dos diários cubanos - o Gramna e o Juventud Rebelde. Ambos são órgãos oficiais. O primeiro é do partido e o segundo da juventude do partido. Jamais alguém leu no respectivo noticiário local uma linha sequer que não corresponda à opinião do governo sobre si mesmo. E todas as matérias internacionais são retorcidas para caber na interpretação política e ideológica do regime. Por isso, merecem aplausos os raros jornalistas independentes e comunicadores comunitários que, a duras penas e com grave risco pessoal, enviam ao exterior informações sobre a difícil situação imposta pela reumática gerontocracia que domina o país. O trabalho que realizam cumpre dupla missão cívica. Na primeira, revela o que, de outro modo, não se ficaria sabendo sobre o que acontece por lá. Na segunda, desnuda a criminosa cumplicidade da "rede internacional de solidariedade a Cuba" com a tirania que há mais de meio século vem sendo exercida sobre o bom e sofrido povo cubano.

Os quase três milhões de turistas que vão a Cuba todos os anos pouco veem da realidade local. Passeiam por Habana Vieja, almoçam no Floridita, jantam na Bodeguita del Medio, tomam seus daiquiris e mojitos na varanda do Hotel Nacional e mandam-se para as areias indescritivelmente brancas de Varadero e Cayo Largo. Esse turismo é nada revelador, mas muito sedutor. Aliás, certamente o errado sou eu que em várias idas a ilha nos últimos 12 anos limitei-me a estudar sua realidade social e política. Com tal interesse, já parei em casa de família, nunca fiquei em hotéis de luxo, jamais fui àquelas praias e sequer entrei nos dois badalados e mundialmente conhecidos restaurantes que mencionei acima. Continuo convencido de que Cuba é um inesgotável museu da ideologia. Havana é o Louvre do comunismo.

Quando lá andei em outubro do ano passado, percebi que a realidade social declinara ainda mais. Tudo precário e tudo escasso. O povo mais desesperançado. Contaram-me que tomavam banho e lavavam as coisas apenas com água por falta de sabão, sabonete e detergentes. Estavam com graves dificuldades para a higiene pessoal. Quando voltei ao Brasil, pesquisei na rede e fiquei sabendo que, no início de 2011, os sabonetes haviam saído da "libreta" (aquela caderneta de racionamento que já vai para mais de meio século) e ido para a "libre" ou seja, deviam ser adquiridos aos preços de mercado. Meio dólar a peça, num país onde o salário mensal é de 14 dólares. Num artigo que me chegou dias mais tarde, o autor chamava de liliputiano esse sabonete, tão diminutas eram suas dimensões.

São informações que infelizmente não repercutem tanto quanto deveriam na imprensa mundial. Uma jornalista me conta sobre certa paciente com problema dentário que não conseguia ser atendida no seu centro clínico porque o local estava em falta de detergente para lavar os instrumentos. Há poucos dias, leio que em Sancti Spíritus (cidade com cerca de 300 mil habitantes, na região central da ilha) um grupo de mulheres disputou sabonetes a tapas e bofetadas num armazém local. A baiana só parou com a chegada de várias viaturas policiais. Alguns circunstantes que não participaram do fuzuê comentaram que a permanente escassez e as longas filas que precisam ser enfrentadas para tudo estão levando as donas de casa a esse tipo de descontrole.

Briga de rua pelo direito de comprar sabão? Sabão? Mas o sabão é um dos produtos industriais mais antigos e simples da civilização! É usado desde 2500 anos a.C.. A indústria de sebos e sabões está para a indústria de bens de consumo assim como a roda e a manivela estão para a indústria de bens de capital. Uma economia onde se disputa no braço o direito de comprar sabão está a quilômetros da antessala do atraso. E não me venham dizer que é por culpa dos ianques que em Cuba não conseguem misturar sebo com soda cáustica. Por: Percival Puggina

PARA QUE SERVE UM EX-PRESIDENTE?



A velha piada é que os ex-presidentes são como os vasos chineses: sabemos que são valiosos, mas ninguém sabe o que fazer com eles.
Alguns, como Bill Clinton, mantêm uma atividade frenética; outros, como Vladimir Putin, dão um jeito de nunca deixar o poder, e ainda outros, como Álvaro Uribe, brigam com seu sucessor. Alguns ganham prêmios mundiais e outros intervêm de modo inoportuno nas eleições de outros países.
Nos últimos dias, os dois mais famosos ex-presidentes brasileiros estiveram na arena pública mundial. O contraste entre suas atuações não poderia ter sido mais extremo.
Fernando Henrique Cardoso recebeu o prêmio mais importante do mundo como cientista social: o Prêmio Kluge, outorgado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.
O prêmio tem um processo de indicação e seleção tão ou mais rigoroso que o Nobel, e seu valor --US$ 1 milhão-- é superior. Quase ao mesmo tempo, Lula aparecia por videoconferência na reunião do Foro de São Paulo em Caracas.
Ele disse: "Apenas com a liderança de Chávez é que o povo realmente vem tendo conquistas extraordinárias. As classes populares nunca foram tratadas com tanto respeito, carinho e dignidade.
Essas conquistas devem ser preservadas e consolidadas. Chávez, conte comigo, conte com o PT, conte com a solidariedade e o apoio de cada militante de esquerda, de cada democrata e de cada latino-americano. Tua vitória será nossa vitória".
É perfeitamente legítimo que Lula expresse seu afeto e admiração por Hugo Chávez. Os afetos --como o amor-- são cegos e merecem respeito. Mas não é legítimo que Lula intervenha na campanha de outro país. Isso os democratas não fazem.
E Lula sabe disso. E já o tinha feito antes, quando, na véspera de um referendo importantíssimo na Venezuela, irrompeu no processo, afirmando que Chávez era o melhor presidente que o país tinha tido nos últimos cem anos.
Tampouco é legítimo distorcer a realidade venezuelana, como Lula fez --especialmente a realidade dos pobres. Chávez vem tendo um efeito devastador sobre a Venezuela, e os pobres são suas principais vítimas.
São eles que pagam as consequências de viver em um dos países mais inflacionários do mundo, são eles que são obrigados a virar-se com um salário real que caiu para o nível que tinha em 1966.
São eles que não conseguem trabalho a menos que seja no setor público e sob a condição de demonstrarem constantemente sua adoração e fidelidade ao "comandante".
São eles que veem seus filhos e filhas assassinados (o índice é dos mais altos do mundo. Não é de estranhar, portanto, que nas últimas eleições legislativas mais de metade dos votos tenha sido contra Chávez.
Na Venezuela, é impossível alcançar essa porcentagem sem milhões de votos dos mais pobres --que, segundo Lula, estão melhor que nunca.
Nesse sentido, não seria má ideia que Lula aprendesse um pouco com o FHC cientista social, que não permite que os afetos lhe enevoem o juízo. E com o FHC político, que não intervém de maneira abusiva nas eleições de outros países.
@moisesnaim
Tradução de CLARA ALLAIN
Moisés Naím
O escritor venezuelano Moisés Naím, do Carnegie Endowment for International Peace, foi editor-chefe da revista "Foreign Policy". Escreve às sextas na versão impressa de "Mundo".

POR QUE A AMÉRICA LATINA NÃO CRESCE COMO A ÁSIA?



Garoto em frente à bandeira da China | Crédito da foto: AP
Enquanto asiáticos cresceram, latino-americanos ficaram para trás na escala da economia global.
Em 1980, a produção industrial no Brasil era maior do que a da Tailândia, Malásia, Coreia do Sul, Índia e China juntas. Trinta anos depois, representava apenas 10% do total produzido por esses países.
O mesmo aconteceu, em menor grau, com outros países da América Latina. Se antes despontavam em relação aos asiáticos, hoje, perderam o diferencial competitivo e tentam correr, em vão, atrás do tempo perdido.
Mas por que a América Latina ficou para trás na economia global quando comparada à Ásia? Quais aspectos, culturais, políticos, históricos, econômicos, administrativos, resultaram em tamanho desequilíbrio?
Para esclarecer as razões da derrocada latino-americana ante a emergência asiática, a BBC conversou com o professor da Universidade de Cambridge Gabriel Palma, especialista em economias comparativas.
BBC Mundo - O sr. aponta em suas pesquisas que o crescimento econômico na Ásia tem sido mantido ao longo das últimas três décadas. Já, na América Latina, a economia oscila entre períodos de rápido crescimento e queda vertiginosa. Por quê?
Gabriel Palma - Desde a década de 80, países asiáticos como Coreia, Cingapura, Malásia e Tailândia têm crescido a uma taxa anual de 7%, enquanto China, Índia e Vietnã, em torno de 9%. No mesmo período, a América Latina cresceu somente 3%.
Isso não significa, contudo, que os países latino-americanos não têm capacidade de crescer. Pelo contrário. Argentina, Chile e Peru, na década de 90; o Brasil e o México, na década de 60 e 70, só para ficar em alguns exemplos, registraram taxas de crescimento semelhantes às verificadas atualmente na Ásia.
A principal diferença é que o crescimento latino-americano não foi sustentado. Na minha opinião, há três razões para isso.
A primeira diz respeito à taxa de investimento privado, que é de 30% do PIB na Ásia, enquanto que, na América Latina, é de 15%. Como resultado, o investimento por trabalhador ocupado na economia brasileira é hoje menor do que na década de 80, enquanto Índia e China apresentam taxas 8 e 12 vezes maiores, respectivamente.
O segundo ponto é que a política econômica na Ásia é claramente keynesiana com taxas de câmbio competitivas e taxas de juros baixas e estáveis.
A reforma econômica na Ásia, ou seja, a liberalização do comércio, a liberalização financeira, foi pragmática, lenta e seletiva. Na Índia, a reforma foi lançada na década de 80, mas a primeira redução de tarifas de importação ocorreu em 87 e a primeira abertura financeira, em 93.
Isso deu tempo aos agentes econômicos de se adaptar às mudanças.
Na América Latina, a reforma foi adotada como uma religião. Tudo foi feito da noite para o dia. Em dois ou três anos, todas as reformas foram implementadas. O resultado foi uma enorme confusão.
BBC Mundo - Ou seja, enquanto a Ásia adotou o pragmatismo, a América Latina enveredou-se pelo fundamentalismo? O senhor quer dizer que esse atraso se deve muito mais a aspectos históricos e culturais do que propriamente econômicos, não?
Gabriel Palma | Crédito da foto: Arquivo pessoal
Para o professor Gabriel Palma, a política econômica da América Latina é influenciada por ideologias.
GabrielPalma: Existem, hoje, dois tipos de capitalismo. O anglo-ibérico, que aplicou todas as reformas religiosamente, e o asiático, que, com uma tradição pragmática, que não se deixa levar por ideologias.
Eu viajo com frequência para a Ásia e sempre vi um ceticismo claro em relação ao messianismo de algumas fórmulas ocidentais, como o Consenso de Washington e o neoliberalismo.
Tal atitude exerce um impacto muito claro na política econômica. Um exemplo é a intervenção no câmbio. Isso é fundamental para os asiáticos.
Enquanto isso, a América Latina aceita que o mercado dite as regras, ao deixar a taxa de câmbio à mercê da oferta e da procura, o que, normalmente, produz resultados desastrosos.
Apesar desse diagnóstico, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a América Latina tem crescido na primeira década deste século de forma muito estável.
Isso está ligado ao terceiro fator que nos diferencia da Ásia. Na América Latina, temos uma ilusão do mundo das finanças.
Nos anos pré-crise, de 2002 a 2007, a América Latina cresceu entre 4% e 4,5%, mas o valor dos ativos financeiros – aí incluídos as bolsas de valores, os títulos públicos e privados, os ativos dos bancos, cresceu mais de 30% ao ano, ou seja, cinco ou seis vezes mais do que o Produto Interno Bruto (PIB).
Todo mundo achava que isso seria sustentável. É a mesma ilusão que contaminou o mundo ocidental desenvolvido: a crença de que a economia pode crescer independente do que ocorra com o investimento, a produtividade e a mudança tecnológica, ou seja, a economia real.
BBC Mundo - Mas qual a importância dos aspectos culturais nesse processo? O ceticismo e a independência de julgamento, tão comuns na sociedade asiática, explica o seu sucesso econômico?
Gabriel Palma - Os meus amigos asiáticos tendem a minimizar o fator cultural. Ele é importante, claro, mas existem outros fatores mais relevantes.
Na Coreia do Sul, as indústrias formam o grupo (econômico) predominante. Na América Latina, a elite está relacionada às finanças e prefere o setor financeiro a correr os riscos no mercado (de produtos). Na América Latina, temos a melhor rentabilidade financeira do mundo, duas a três vezes maior do que em outros lugares.
Isso se deve a uma política econômica que tem sido fundamental para a desindustrialização da região, a falta de diversificação econômica, a falta de aparato tecnológico. A América Latina abandonou sua política industrial com a ideia de que poderia crescer com commodities e finanças.
É o que se vê nos últimos anos no Chile ou a euforia que existia durante o governo Lula no Brasil. A questão é que, se o preço do cobre no Chile volta aos tempos normais, o deficit em conta corrente salta para 15% do PIB do país.
O contraste histórico é, portanto, claro. Entre os anos 60 e 80, a produção industrial brasileira cresceu 9%. De lá para cá, cresceu apenas 2%. Na Ásia, por outro lado, o crescimento foi de 60%, de 1980 até os dias de hoje. A diferença no crescimento entre América Latina e Ásia é a diferença no crescimento de sua produção industrial. Por: 

Marcelo Justo
BBC Mundo

E TUDO SEM GOVERNO



Conhecem a cidade de Luís Eduardo Magalhães, no Oeste da Bahia? Pois é um polo agropecuário e industrial de nível global. Ali se produz algodão, por exemplo, com a maior produtividade do mundo em plantio não irrigado .

Estive lá há duas semanas, período de colheita, em um momento ruim, por falta de chuvas. Há quebra de safra. Mas topei com muitos estrangeiros, executivos de vários países que estavam lá para negociar contratos de compra. Os produtores locais são conhecidos no mercado internacional pela pontualidade e rigor na entrega. Vai daí, conseguem contratos de longo prazo, o que minimiza os problemas de uma safra ruim .

E tudo sem governo, comenta o pessoal de lá. Foi assim mesmo que a região se desenvolveu, inclusive com a recuperação do algodão. Esse cultivo estava praticamente morto no Brasil, quando foi restabelecido por agricultores de Luís Eduardo e Rondonópolis, esta no Mato Grosso, com base em genética e tecnologia de ponta. Esses agricultores vieram principalmente do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Saindo do nada, ali desenvolveram o terreno e novas modalidades .

A cidade baiana ainda não é muito grande, mal passou dos 50 mil habitantes, mas sofre, na sua escala, os problemas de uma metrópole congestionada. Tem trânsito, falta infraestrutura na cidade e nas áreas produtivas .

Ou seja, a iniciativa privada toca os negócios, o governo não ajuda. Não faz nem deixa fazer. Ali, como em diversos outros polos dinâmicos, há empresas privadas dispostas a investir em rodovias, aeroporto, via fluvial e porto (no Rio São Francisco). Mas dependem de concessões, que simplesmente não saem .

É exatamente igual à situação que encontrei recentemente em Foz de Iguaçu (PR), turismo, e São José dos Campos (SP), centro industrial de ponta. Projetos de aeroportos privados estão praticamente prontos, incluindo o financiamento, aguardando as decisões do governo federal. Pessoas envolvidas contam que há anos buscam autorização para fazer até mesmo simples obras paralelas, como a ampliação de estacionamentos, e topam com burocracias e má vontade dos funcionários do governo federal .

Em Luís Eduardo, construíram um aeroporto assim, digamos, meio na marra, em propriedade particular. Está lá, novinho, mas não dá para replicar essa solução em cidades com necessidades maiores .

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse, nesta semana, que o governo anunciará em agosto um grande programa de concessões de aeroportos, ferrovias, rodovias e usinas de eletricidade. É positivo, mas em termos. Será um anúncio de intenções, porque a partir daí se iniciará o processo que leva até a licitação e entrega das obras às empresas privadas .

É nisso que o governo se atrasa. E está aí uma das causas do baixo nível de crescimento do país, a falta de investimentos em infraestrutura. Não é uma coisa do outro mundo, há modelos já testados no Brasil e em outros países.

Se demora tanto, isso é um sinal de incompetência, mas também de restrições e resistências que partem da máquina governamental e dos políticos no poder. Alguns são contra as privatizações por razões ideológicas. Outros, a maioria, porque precisam de cargos nas estatais e na administração para nomear e contratar .

Difícil superar essa combinação.

(Em tempo: perguntei aos luiseduardenses se estavam confortáveis com o nome da cidade. Responderam: era pior, Mimoso do Oeste) .

DUPLO CALOTE
O banco ou a empresa concede crédito ao cliente. Este não paga, o caso vai para a Justiça. Quanto o credor consegue recuperar no Brasil? Menos de 20% do dinheiro emprestado .

Na Inglaterra, o credor pega de volta quase 100%. Dirão: mas é um país desenvolvido, com um sistema judiciário tradicional. Pode ser, mas na Colômbia, aqui ao lado, na Coreia do Sul e Taiwan, o nível de recuperação é de quase 90% .

O dado consta da pesquisa "Fazendo Negócios", do Banco Mundial. Acrescentamos: na concessão do crédito, banco ou empresa recolhem impostos elevados, isso aqui no Brasil. Quando o devedor não paga, o credor tem que pedir ao governo a devolução do imposto já recolhido. Já perceberam. Se der tudo certo, o credor recebe parte do IR, no mínimo um ano depois de solicitado . Por: CARLOS ALBERTO SARDENBERG

MONOPÓLIOS



O economista e os monopólios

A denúncia dos males provocados pelos monopólios sempre foi uma das tarefas centrais da teoria econômica. A despeito disso, o economista moderno defende com surpreendente frequência esquemas que envolvem monopólios. Como isso é possível?
Por que tão poucos economistas preferem mercados livres a privatizações acompanhadas de regulação rígida? Se de fato as firmas não têm interesse em ofertar bens ditos públicos, por que tanto zelo em proibir que elas tentem? Por que os economistas se irritam tanto diante da simples menção à proposta de Hayek de introduzir competição na esfera monetária? Por que tanta relutância para aplicar a teoria de monopólio na atividade política e estatal?
Existem várias causas para esse fenômeno, algumas das quais explorarei neste artigo. Argumentarei que certos aspectos da evolução da teoria econômica fizeram com que o monopólio passasse a ser considerado, na visão dos economistas, um predador banguela, na medida em que a teoria econômica moderna alimenta a impressão de que os monopólios poderiam ser satisfatoriamente regulados e utilizados para melhorar o desempenho que seria obtido em mercados livres "imperfeitos".
Em termos mais específicos, destacarei duas características da teoria microeconômica que sustentam a ilusão de monopólios domáveis pela regulação: (i) a crença de que as curvas de custos da teoria de equilíbrio estático teriam contrapartidas literais no mundo real, de modo que poderiam ser estimadas empiricamente e (ii) a crença de que essas curvas de custo seriam invariantes em relação à estrutura de mercado, ou seja, o conhecimento a respeito das formas mais baratas de produzir um bem não dependeria da existência de um grau maior ou menor de competição.
Em termos mais gerais, essas duas características são derivadas (a) do gradual abandono de uma concepção de competição associada à ideia de rivalidade em favor de outra calcada na noção de equilíbrio, (b) do gradual abandono de uma concepção institucionalista de economia em favor de outra calcada na busca pela especialização técnica e (c) do gradual abandono de uma concepção metodológica que interpretava as relações teóricas como entidades abstratas em favor de outra calcada na busca de conceitos empiricamente operacionais.
Em termos mais abstratos, essas três tendências são redutíveis a uma só: o progressivo domínio da visão de mundo positivista na Economia. Para que essas afirmações todas sejam entendidas e discutidas, façamos o caminho de volta: examinarei inicialmente as tendências (a), (b) e (c) ao longo do desenvolvimento da teoria de competição e monopólio e em seguida criticarei as características (i) e (ii).
Ao longo da evolução da teoria, a variação no tratamento dado ao monopólio reflete a mudança gradual que sofreu a noção de competição: de processo de rivalidade empresarial a uma alocação de equilíbrio eficiente, obtida sob as hipóteses de produto homogêneo, livre entrada e conhecimento perfeito.[1]
Durante o período da escola clássica, a partir de Adam Smith, a crítica aos monopólios tratava em larga medida de monopólios legais: as regulações impostas pelos governos, tanto no comércio exterior quanto nos mercados internos de cada país, refletiam a busca por privilégios monopolísticos, que bloqueavam a atividade competitiva. Esta última, por sua vez, era essencialmente vista como a atividade pela qual os empresários rivalizavam entre si na tentativa de lucrar com sua produção oferecida aos consumidores.
Depois da revolução marginalista de 1871, a compreensão de como isso é feito foi aprofundada: a nova teoria do valor mostrou como os recursos escassos de uma sociedade tendem a ser alocados às necessidades mais urgentes, com o auxílio do sistema de preços. Essa nova concepção apenas reforçou a visão clássica de competição: em um mercado competitivo os empresários são livres para sugerir aos consumidores diferentes usos possíveis dos limitados recursos e o lucro é a recompensa aos empresários que melhor antecipam as soluções que geram mais valor do que o custo de oportunidade dos recursos empregados. O monopólio, como antes, é associado às restrições impostas pela regulação estatal ao processo competitivo de experimentação e não pela busca de equilíbrios competitivos eficientes. De fato, como relata DiLorenzo[2], a implementação da legislação antitruste nos Estados Unidos no final do século dezenove não refletiu a opinião dos economistas do período, que não consideravam a mera concentração de firmas em um instante do tempo ou outras coisas que viriam a ser violações a lei antitruste como ameaças ao processo rival de competição.
A partir da década de trinta, porém, com a formalização da Economia, a preocupação exclusiva com a descrição do equilíbrio competitivo fez com que aatividade competitiva fosse ignorada. A competição deixou de ser um verbo para descrever um estado: um mercado competitivo seria aquele caracterizado pelo preço igual ao custo marginal de produção. Com isso, os economistas deixaram de perceber que os dados descritos pela teoria de equilíbrio não existiriam sem a atividade competitiva que antecede o equilíbrio. Práticas como publicidade ou a experimentação com qualidade e preços, antes vistas como parte essencial do processo competitivo, passaram a ser vistas como sinais de atividade anticompetitiva. A visão clássica de competição, abandonada a partir de então, sobreviveu na teoria moderna apenas entre os austríacos, que não aderiram a revolução formalista na disciplina.
O formalismo moderno, por outro lado, favoreceu o abandono de uma visão de mundo institucionalista que caracterizava a economia até então. A obtenção de alocações eficientes nos mercados passou a ser vista como um problema técnico. Isso permitiu que economistas pudessem ignorar o entorno institucional, como se este fosse uma questão à parte do problema técnico de encontrar soluções alocativas eficientes. Confiar a uma instituição estatal, monopolista, a tarefa de regulação do monopólio deixou então de soar paradoxal.
Finalmente, associado a esse tecnicismo temos o abandono da postura filosófica tradicional a respeito da natureza da teoria econômica, em favor de uma interpretação positivista dessa ciência. Para autores como Mill, Senior, Menger, Keynes (pai e filho) ou Hayek, representantes da tradição antiga, as relações entre as variáveis da teoria não representam grandezas observáveis na prática, mas apenas relações abstratas, que desconsideram todas as outras variáveis que influenciam o fenômeno complexo concreto estudado pela economia. Para esses autores, a teoria pura teria caráter puramente "algébrico"[3], na medida em que nunca poderíamos substituir valores concretos nas fórmulas.
Nessa ótica, tudo o que um economista quer dizer quando afirma que uma curva de custo médio de curto prazo tem forma de U é que, em uma determinada planta industrial de tamanho fixo, produzir nela apenas algumas unidades ou uma quantidade muito grande seria muito caro (pois o custo fixo médio seria alto no primeiro caso e o custo variável médio seria alto no segundo), de modo que existe uma quantidade intermediária que é produzida a custo unitário menor. Isso não significa, no entanto, que possamos conhecer a forma concreta da curva, digamos, por uma auditoria. Hayek nota que o economista moderno tende a confundir o conhecimento abstrato do teórico com o conhecimento prático do agente, ignorando o fato trivial de que minimizar custos é uma batalha diária. Na verdade, não existiria algo como "a" função de produção do setor e portanto uma relação bem conhecida denominada função custo: a cada instante os dados locais se alteram, de modo que, se o gerente ligasse o "piloto automático" e saísse de férias, as curvas de custo rapidamente se deslocariam para cima!
A partir da década de trinta, porém, influenciados por uma visão operacionalista de ciência, as grandezas econômicas passaram a fazer sentido apenas quando mensuráveis em princípio. Temos então economistas sugerindo que o estado, por meio de mandamentos centrais, regule o comportamento das firmas de forma a emular o equilíbrio competitivo, ordenando que as firmas produzam até que o custo marginal (CMg) se iguale ao preço. Mas, pergunta Hayek, como as firmas conheceriam o custo que prevaleceria em competição, se o processo competitivo necessário para que isso fosse conhecido foi bloqueado pela regulação? Nesse ponto, o analista moderno, por falta de sofisticação filosófica, comete uma petição de princípio: supõe conhecido de início a própria solução do problema alocativo.
Esse erro ignora a assimetria entre explicação e previsão no que se refere à análise de fenômenos complexos: quando a tarefa era explicar o funcionamento dos mercados, podemos utilizar as curvas usuais na interpretação algébrica. Quando a tarefa é substituir ou regular os mercados, porém, é necessário que tais curvas sejam interpretadas de forma operacional. As duas interpretações metodológicas contrárias, porém, convivem na visão de mundo do economista moderno. Tome como ilustração o problema do controle de preços, ilustrado na figura. Em um mercado competitivo, o economista mostra que um controle de preços não funciona, pois se o preço for fixo em B, por exemplo, a demanda (D) será maior do que a oferta (S). Para o argumento, não importa o conteúdo concreto das curvas de demanda e custos. Afinal, se essas curvas fossem conhecidas, poderíamos dispensar o uso do sistema de preços! Só faz sentido a liberdade no mercado porque de fato desconhecemos os custos e benefícios envolvidos.
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Agora, considere no gráfico da direita uma firma monopolista operando em regime de concessão pública. O gráfico ainda é útil para dizer que o preço de monopólio C será superior ao competitivo D, coeteris paribus. O problema surge quando o economista acredita que, como regulador, poderia forçar a firma a operar em D. Isso, como vimos, requer duas ilusões. Em primeiro lugar, reguladores e regulados precisam conhecer as magnitudes envolvidas no mundo real, o que não é possível em um sistema econômico minimamente complexo, cujos fundamentos se alteram a cada instante. Em segundo lugar, é necessário nutrir a esperança de que essa economia seja habitada por anjos que não irão regular o preço em C, maximizando o lucro do monopolista, repartido entre reguladores e regulados. Nem a retomada desse tema clássico pela moderna escola da escolha pública, porém, demove o economista de sua fé na capacidade de controlar (de forma monopolista) os monopólios.
Vista a primeira característica da microeconomia moderna que facilita a crença de que monopólios podem ser domados, a saber, a crença de que as curvas de custo da teoria podem ser observadas na realidade, passamos agora a considerar a segunda, que afirma que os custos não dependem da estrutura de mercado. Essas duas características podem ser ilustrada por meio de uma disparate encontrado em qualquer livro-texto da área: "se o governo fixar o preço de um bem, o monopolista passa a se comportar como se fosse uma firma competitiva, produzindo até que o custo marginal seja igual a esse preço".
Se o governo de fato conhecesse todas as curvas do nosso diagrama da direita, isso teria sentido. Mas por que a análise do diagrama anterior deixou de valer? Se as curvas se alterarem continuamente, poderíamos ter por exemplo um preço fixo menor do que D e teríamos novamente um excesso de demanda. Será que ao longo do tempo teríamos efetivamente alocações mais eficientes?
Além disso, imaginar que os custos unitários de produzir em monopólio seriam idênticos aos custos que ocorreriam sob competição é algo que soa verdadeiramente extraordinário para alguém não comprometido com a teoria, mas é algo necessário para que o dirigismo inerente à visão tradicional seja mantido. Se os custos fossem dados de forma automática, de forma independente da atividade empresarial, poderiam-se expurgar da teoria as características necessárias para que a competição de fato ocorra, como a propriedade privada, que permite a liberdade para experimentar cursos de ação não imaginados anteriormente.
Aqui, entram em contraste as visões austríaca e neoclássica sobre competição. Para a primeira, o mercado funciona como um processo de descoberta e a competição é um estímulo à atividade empresarial que busca novas formas de melhor atender às necessidades dos consumidores. Para a segunda, por outro lado, não existe nada a ser descoberto: os agentes sempre maximizam funções conhecidas e o mercado é apenas um mecanismo de computação. Ao dispensar a função empresarial, relegada a uma análise exógena da inovação, esta concepção burocratiza o funcionamento dos mercados, de modo a abrir caminho para uma análise que ignora os problemas gerados por monopólios dirigidos, tornando possível a crença de que as "falhas de mercado" poderiam ser corrigidas por monopólios regulados.


[1] Para uma excelente história da transformação da noção de competição, ver MACHOVEC, F.M. Perfect Competition and the Trasformation of Economics. Londres: Routledge, 1995.
[2] DiLORENZO, T. The Origins of Antitrust: an interest-group perspective.International Review of Law and Economics, vol. 5, pp. 1985.
[3] HAYEK, F.A. The Theory of Complex Phenomena, in Studies in Philosophy, Politics and Economics, London, UK: Routledge & Kegan Paul. 1967, nota de rodapé 14.

Fabio Barbieri é mestre e doutor pela Universidade de São Paulo.  Atualmente, é professor da USP na FEA de Ribeirão Preto.

QUEM PRECISA DE CRESCIMENTO?


Confesso que acordei um tanto sombrio hoje. Deve ser o clima, com essas nuvens carregadas. Ou talvez seja a sexta-feira 13. Sei lá. O que sei é que minha paciência, normalmente elevada, chegou ao limite e explodiu. Portanto,data venia, mas não posso ficar calado diante das novas afirmações de nossa ilustre “presidenta”.

Dilma disse: "Uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz para as suas crianças e adolescentes, não é o PIB". Não é lindo isso? Não obstante o mistério de o que exatamente este governo tem feito de bom para nossas crianças e adolescentes, resta descobrir como será o futuro deles se a economia ficar estagnada.

Mas eis o que realmente revira meu estômago: não era este o governo que ainda há pouco se vangloriava porque nosso PIB ultrapassara o do Reino Unido? O governo dança conforme a música. A presidente cada vez mais se parece com seu antecessor, o Zelig, o camaleão humano que sabe se adaptar para qualquer público e ocasião. Haja cara-de-pau!

O Secretário de Política Econômica do Ministério das Finanças, Márcio Holland, pede paciência. Como eu disse no começo, a minha se esgotou. Para o economista, existe crescimento acima de 7%, mas sem democracia, sem estabilidade e com má distribuição de renda. Ora, ora, temos vários casos com crescimento bem maior que o nosso, com democracia e maior estabilidade, como o Chile ou países asiáticos.

Além disso, resta descobrir onde estão a grande estabilidade e a boa distribuição de renda no Brasil. À democracia eu concedo o benefício da dúvida, mas quando se trata do PT é sempre bom estar alerta. Ela tem resistido, a duras penas, a despeito do PT, e não por causa dele.

Acordei sombrio, dizia eu. Pensei na excelente coleção dos “reis malditos”, de Maurice Druon, uma vez que a superstição com a sexta-feira 13 pode ter ligação com o extermínio dos Cavaleiros Templários a mando de Felipe O Belo, no começo do século 14.

No livro, o autor coloca no Grão-Mestre dos Templários, Jacques DeMolay, as últimas palavras que amaldiçoaram seus algozes: “Eu convoco vocês ao Tribunal dos Céus antes do término deste ano!” Não chego a tanto. Mas convoco este governo ao tribunal dos dados econômicos objetivos até o final do ano!

sexta-feira, 13 de julho de 2012

DESTRUIÇÃO DA SUINOCULTURA NO BRASIL


Como o CADE está destruindo a suinocultura no Brasil

 

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Em 13 de julho de 2011, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) finalmente aprovou, por 04 votos a 01, a fusão  da Sadia com a Perdigão, após um processo de negociações que vinha se arrastando por cerca de dois anos, e que ao fim resultou em uma série de medidas tão gravosas que por apenas um pouco mais inviabilizaram definitivamente a operação.
Da fusão entre as duas bem-sucedidas empresas, nasceu a holding BRF — Brasil Foods, amputada ainda na maternidade, sendo obrigada a alijar uma parte substantiva dos seus ativos, além de ter sido submetida a uma severa dieta de participação no mercado.
Nada menos que 10 fábricas de alimentos, 04 abatedouros, 12 granjas, 02 incubadoras de aves, 08 centros de distribuição e 04 unidades de produção de ração terão de ser vendidos, e para uma única compradora; além disso, o conglomerado também terá de se desfazer de nada menos que 12 marcas consagradas pelo público consumidor: Resende, Wilson, Doriana, Texas Burguer, Confiança, Patitas, Escolha Saudável, Fiesta, Delicata, Light & Elegant, Tekitos e Freski.
Acabou? Mal começou: o conglomerado ficou ainda impedido de entrar em campo por três anos para a produção e comercialização no mercado interno de presunto, linguiça, paio, palheta, pernil, lombo e produtos natalinos, em especial, suínos (grifos meus); 04 anos para o salame, e 05 anos para comidas prontas, tais como almôndegas.
Mais: a marca Batavo ficou proibida de produzir e comercializar produtos de origem em carne animal, tendo sido limitada ao setor dos produtos lácteos.  Por fim, à holding BRF restou resignar-se com a proibição de substituir as marcas alienadas e de estabelecer parcerias com o varejo para vendas com exclusividade ou criar pontos de vendas exclusivos.
Será que me esqueci de algum detalhe? No total, a BRF foi decepada em uma capacidade operacional de 730 mil toneladas por ano, o equivalente a 80% da capacidade produtiva da antiga Perdigão. (Fonte: Veja Economia)
Uma pausa para um suspiro e uma reflexão...
Estamos em 2012, exatamente um ano depois, faceando as seguintes manchetes:
Será que alguém conseguiu enxergar no cotejo entre as duas notícias alguma relação de causa e efeito? Pois é...
Com o impedimento da BRF de participar do mercado e, de forma agravante, de ter sido obrigada a vender um substancial conjunto de ativos para os quais ainda não encontrou um comprador único, naturalmente criou-se um enorme vácuo na cadeia econômica, especialmente danoso para o setor da suinocultura, que tem no estado de Santa Catarina o principal produtor nacional.
Sem haver quem compre a produção, que a beneficie e a distribua para todo o país, naturalmente, somente restou ao suinocultor ver os preços de sua produção despencarem na cratera logística aberta pelo governo.  Mas, pasmem, o preço ao consumidor final, no varejo, longe de ter diminuído proporcionalmente, como seria de se esperar segundo um raciocínio mais ligeiro, curiosamente tomou o rumo inverso e encareceu significativamente, tanto mais quanto mais afastado o mercado consumidor das regiões produtoras.  
Isto só pode ser explicado, logicamente, pelo duro golpe na estrutura logística promovido pela pretensiosa mão estatal do "Super CADE".  Moral da história: o consumidor saiu (muito) mais lesado do que se a fusão entre as duas empresas não tivesse sido submetida a nenhum óbice.
Ademais, os produtos de ambas as marcas — digo, Perdigão e Sadia —, vinham sendo oferecidos com um certo equilíbrio entre qualidade e custo, de modo que suas concorrentes, até então, vinham buscando a diferenciação pela priorização de uma ou outra  característica.  Agora, dado o novo cenário, as rivais que primavam pelo preço mais acessível viram-se livres para praticar preços mais altos sem ter necessariamente de melhorar a qualidade de seus produtos, ao passo que as concorrentes, que se diferenciavam pela qualidade, não viram motivo para manchar a reputação perante o público-alvo mais seleto (e endinheirado) para o qual se especializaram.
No frigir dos ovos, o consumidor saiu-se triplamente prejudicado: perdeu o bem da marca favorita e viu-se diante da inglória alternativa de comprar um substituto de pior qualidade por um preço majorado!
Da minha experiência pessoal, há várias marcas para as quais não me contentei com os substitutos e, ao final, fossem por ser de qualidade inferior ou de preço não razoável para os meus padrões de consumo, simplesmente abdiquei completamente de adquirir os respectivos gêneros.  Portanto, creio ser possível acreditar que outras pessoas de classe média tenham repetido, em maior ou menor grau, o meu comportamento, o que revela uma forma não contábil de empobrecimento relativo ou diminuição da qualidade de vida.
Como tem sido anunciado, o governo catarinense tem acenado com medidas paliativas, tais como a de incluir a carne suína na merenda escolar e de promover campanhas midiáticas enaltecendo o valor nutritivo e os benefícios para a saúde promovidos pelo seu consumo.  Da parte do governo federal surgiram propostas de facilitação de créditos, prorrogação de dívidas e diminuição de alguns tributos.
Como sempre, remédios absolutamente ineficazes; pior do que isto, geradores de ainda novas distorções, as quais demandarão novas medidas de contenção dos indesejados efeitos colaterais, gerando assim uma insana e infindável espiral intervencionista de insucessos. 
Vamos lá, detalhadamente: pra começar, no que me aconselha a prudência a não tomar o lugar de um nutricionista, declino da tarefa de especular o efeito alimentar para as crianças da rede escolar que serão submetidas a tal esperável monotonia em seus cardápios.  Porém, do ponto de vista psicológico, ou ainda do mero bom senso, não há quem aguente ingerir carne suína permanentemente, isto sem falar das que não gostam, não consomem por motivos religiosos, e das que não podem consumir por motivo de alergia.
No meu tempo como aluno da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante, passei por uma situação semelhante, de modo que não me é difícil imaginar o cenário a porvir: naquela época, o governo do então presidente José Sarney se negava a pagar ágio pela carne bovina cujo preço havia sido congelado por meio do plano Cruzado, de modo que só nos era servido peixe, dia após dia (Arre!).  Consequentemente, depois de algum tempo, já recusávamos as piscosas porções antes mesmo de nos serem servidas, as quais possivelmente iam acabar parando no lixo.
À parte do empobrecimento não monetário da qualidade de vida dos alunos da rede pública de ensino catarinense, frise-se que uma preferência pela carne suína na merenda escolar só pode ser efetivada por uma concomitante preterição dos outros produtos de origem animal, com injusto prejuízo para os respectivos produtores, resultando afinal que a ação promete ser absolutamente ineficaz do ponto de vista econômico (conquanto o possa ser do político, ou melhor, do politiqueiro...)
Com relação às campanhas midiáticas, difícil imaginar algo que seja mais nonsense! De partida, é extremamente injusto, senão ilegal ou inconstitucional, que o governo pague por propaganda para beneficiar cidadãos particulares com o dinheiro dos impostos tanto de consumidores quanto de não-consumidores de carne suína; complementarmente, a medida teria o mesmo resultado que disparar um tiro no ar, já que não se trata de um problema relacionado à rejeição da carne suína pelos consumidores, mas sim pela impossibilidade ou dificuldade destes de encontrá-la nas gôndolas e balcões frigoríficos, processada ou não processada.
Já o governo federal aponta com soluções ainda mais caquéticas do que o estado sulista, vez que promete encurralar os produtores em uma espiral de endividamentos sem prover-lhes absolutamente nenhuma saída viável da crise que lhes assola.
Na literatura internacional, destacam-se os trabalhos de Dominick Armentano, Thomas DiLorenzo e Mary Bennett Peterson, autores que se empenharam em demonstrar, tanto teórica quanto empiricamente, que todas as empresas que forma processadas pelas leis antitruste nos EUA, longe de estarem diminuindo a produção, aumentando o preço dos seus produtos e serviços e estagnando tecnologicamente, sempre estiveram centradas em proporcionar ganhos para os seus clientes, o que as fez progredir tecnologicamente em uma escala inaudita e baixar os preços vertiginosamente; que o Shermann Act, a primeira lei antitruste do mundo, nasceu de um lobby de empresários mercadologicamente incompetentes mas politicamente influentes que geraram incomensuráveis prejuízos para a sociedade americana, na forma de cotas de participação, gravames aduaneiros, políticas de preços máximos e de preços mínimos, bem como programas estatais de estocagem de grãos — e, pasmem, até mesmo de programas de subsídios para que fazendeiros NÃO produzissem!  Em uma frase genial, a economista Mary Bennett Peterson sintetizou: "a legislação antitruste não nasceu para proteger a concorrência, mas os concorrentes!".
Nem só de concorrência vive o mercado, mas também de cooperação, parcerias e de coordenação.  Muitas vezes, os concorrentes servem, eles próprios e em conjunto, como fomentadores de um determinado mercado.  Como exemplos, lancemos os olhos à rua 25 de Março, em São Paulo-SP, ou à rua Teresa, em Petrópolis-RJ.  Nestas ruas, compreende-se claramente que o aglomerado de concorrentes favorece o comparecimento da clientela muito mais do que se houvesse um único participante em cada um daqueles lugares.
Nos seus delírios macroeconômicos, os economistas apontam-nos irreais modelos de competição perfeita para defender um cenário de concorrentes atomizados como a solução para o que afirmam ser desejável, isto é, um (jamais alcançável) "equilíbrio do mercado".  Fogo fátuo!  Um único participante de um dado mercado inteiramente livre de intervenções estatais está mais sujeito à concorrência do que uma dúzia de comensais em um sistema de mercado autarquizado, pois a qualquer momento podem candidatar-se novos participantes, seja com produtos semelhantes, seja com soluções totalmente inovadoras, tal como Mary Bennet Peterson muito bem elucidou-nos:
Quem de fato pôs o ferreiro da vila fora do mercado, ou, mais recentemente, o fez com o vendedor de gelo, ou, ainda mais recentemente, com o doceiro da esquina?  Muitos podem estar inclinados a dizer que estes empreendedores de outra era foram economicamente vencidos pelos gigantes de Detroit, pelas grandes empresas de utilidades públicas, Westinghouse e General Eletric, pelas redes de alimentos A&P, Safeway, Grand Union e por outros grandes conglomerados.  Eu argumentaria, ao contrário, que o real algoz do vendedor de gelo foi o consumidor — a pessoa que comprou um refrigerador elétrico ou a gás. (PETERSON, Mary Bennett. The regulated consumer. The Ludwig von Mises Institute, Auburn Alabama, 2007).
Assim tem sido com a Brasil Foods, um empreendimento que só terá condições de competir com gigantes globais se munir-se dos ganhos de escala advindos da fusão, o que promete servir aos consumidores preços mais baratos e produtos de maior qualidade e mais inovadores.
Causa-me um desconsolo ter tido conhecimento de que os setores atingidos, mormente o da produção suína, estejam a pedir de joelhos ao governo por ajuda na forma de benefícios e privilégios particularizados que nada têm a proporcionar-lhes senão mais dependência e prejuízos, quando deveriam raciocinar se não estão sendo vítimas de pretéritas e malogradas ingerências estatais na economia, sendo o caso especificamente, como os fatos levam a crer, resultantes da desastrada atuação do CADE.  Que este singelo artigo alimente o debate e sirva como um botão de parada de emergência para tal vicioso ciclo, eis uma das minhas mais caras esperanças. 
Até lá, vou tristemente recitando "No meio do caminho", de Carlos Drummond de Andrade: "No meio do caminho tinha uma pedra; Tinha uma pedra no meio do caminho;..."


Bacharel em Ciências Náuticas no Centro de Instrução Almirante Braz de Aguiar, em Belém, PA. Técnico da Receita Federal com cursos na área de planejamento, gestão pública e de licitações e contratos administrativos. Dedicado ao estudo autodidata da doutrina do liberalismo, especialmente o liberalismo austríaco.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

NÃO É A EUROPA, É A CHINA


O Brasil está preparado para enfrentar a crise na zona do euro, tem reservas, tem liquidez, pode reduzir os juros porque a inflação recua, tem um mercado financeiro saudável, conta ainda com o potencial do mercado interno, mas está preparado para a desaceleração da China. E aumentam os sinais de que o PIB chinês não deve passar de 7,5% este ano. Muitos analistas falam no comércio entre os dois países, com a China importando menos, mesmo assim, ainda comprando commodities, petróleo, minério de ferro, soja. Além disso, argumentam, o comércio entre os dois países - importação e exportação -, hoje de US$ 37,2 bilhões, continua vigoroso. Cresceu 7% no primeiro semestre do ano, sobre igual período de 2011. É verdade que as importações da China aumentaram 9% enquanto as exportações apenas 6%, mas o Brasil ainda acumula um superávit de US$ 5,1 bilhões no semestre.

Medo de quê? Sim, se a China continua sendo um dos maiores e mais vigorosos mercados do Brasil, onde está o problema? Aqui, um aspecto para o qual poucos atentam. A China não está importando menos do Brasil ou algo parecido, está crescendo menos e importando menos do mundo, Ou seja, dos nossos parceiros comerciais - Estados Unidos, Europa - e nem falamos do espaço que ela está roubando dos produtos brasileiros na Argentina e no mercado mundial. A China é, com os Estados Unidos, o maior importadora mundial, em torno de US$ 2 trilhões por ano; representa cerca de 16% do comércio mundial. Seus principais parceiros são Estados Unidos, União Europeia e Japão - em recessão, ou crescendo não mais que 1,5%.

E os números divulgados esta semana em Pequim mostram que a economia chinesa está crescendo menos; o FMI estima 7,5%, o governo fala em 8,0%. E um crescimento sustentado pelo setor imobiliário onde surgem nítidos sinais de superaquecimento e especulação. Uma pesquisa feita na China mostra que 1 entre 5 pessoas compraram dois imóveis. Já se viu isso nos Estados Unidos e, agora, na Espanha. Esses mesmos indicadores informam que os investimentos representam 49% do PIB, em obras do governo, sim, mas a maior parte no setor imobiliário. Desde 2010, o governo procurou desestimular as compras especulativas, aumentou em 60% a entrada para adquirir um segundo imóvel, mas dá sinais de estar recuando. O consumo interno, que representa 35% do PIB chinês, não está reagindo e a saída encontrada pelo governo é forçar o aumento das exportações, importar menos e intensificar a compra de produtos nacionais.

E é isso que os números do comércio exterior chinês confirmam. As exportações chinesas aumentaram 11,3% em junho e as importações apenas 6,3%. E isso ocorreu em todos os setores, não apenas de commodities. A China voltou a usar o câmbio. "O ritmo no crescimento do comércio na segunda economia do mundo recuou para o nível mais baixo desde a crise global de 2008. Como a demanda interna não reagiu aos estímulos ainda indefinidos do governo, pode-se esperar mais pressão sobre o mercado externo", afirma Alister Cham, da Moody's Analistic.

"A desaceleração das importações chinesas foi maior do que se esperava", e se espera mais porque há nítidos sinais de que a economia chinesa não deve reagir este ano. Haverá mais protecionismo e mais pressão sobre o mercado externo. Só que será difícil encontrar mais espaço nos Estados Unidos ou Europa, que representam quase 50% das exportações chinesas. Restam os outros países. Nós.

Comércio encolhe. O que a OMC e a Unctad (Agência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento) estão prevendo é uma forte desaceleração do comércio mundial, que deve crescer menos de 3,7% depois de haver aumentado apenas 5% no ano passado e 13% em 2010.

Não é só isso. Mas os indicadores da China não mostram apenas uma retração do comércio mundial; afinal, isso poderia ser compensado pelos outros países com maior incentivo à demanda interna e aos investimentos. É muito mais. O que a China confirma é a desaceleração da economia mundial que, já se prevê, não deve crescer muito mais de 3% este ano. Não há mercado externo, não há incentivos internos nos países que representam quase 60% do PIB mundial. Um cenário inquietante e desanimador no qual o Brasil tenta, mas ainda não se ajustou. Não é a Europa, a zona do euro. É tudo. É a economia mundial que está parando. 
Por: ALBERTO TAMER   O Estado de S.Paulo - 12/07

NOTINHAS DEPRIMENTES



O PT é parceiro político das Farc e outras organizações criminosas. Não há como disfarçar que é ele próprio, portanto, uma organização criminosa.

Aprovada a legislação gayzista, toda veleidade de distinguir entre uma mulher e um homem vestido de mulher será crime. A boutade de Groucho Marx, “Afinal, você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?” terá virado realidade. Vocês estão preparados para viver num mundo onde as percepções sensíveis mais naturais e espontâneas terão de ceder ante a fantasia do legislador?

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É difícil discutir ao mesmo tempo com gayzistas empenhados em impor ao país as leis da Rainha de Copas e com crentes burros que não entendem a diferença entre o conceito de “natureza” usado num contexto religioso ou metafísico e o mesmo conceito tal como aparece na ciência moderna. O empenho devoto que estes colocam em provar que o homossexualismo “é antinatural” – afirmação que é verdadeira no primeiro sentido e falsa no segundo – contrasta de maneira patética com sua total abstinência de qualquer ação efetiva contra a ascensão do poder gayzista. Todos, sem exceção visível, deixaram a psicóloga Marisa Lobo enfrentando sozinha, no Congresso, uma multidão enfurecida, enquanto eles, na segurança de seus lares, se deleitavam no sentimento de pureza doutrinal com que verberavam a antinaturalidade do homossexualismo em mensagens ao Facebook ou ao Orkut. Não é de hoje que a afetação de rigidez moral é o disfarce perfeito da covardia e da omissão.

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Faz tempo que a “grande mídia”, praticamente do mundo inteiro, se transformou em puro show business, alheio e até hostil ao dever de informar o público. Poucos fatos, em todo o universo, são tão bem provados quanto aqueles, precisamente, que a classe jornalística em peso faz questão de ignorar, ou de só reconhecer tarde demais, quando nada mais resta a fazer a respeito.

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Barack Hussein Obama elegeu-se presidente com documentos falsos. Sua certidão de nascimento é falsa, seu cartão de Social Security é falso, seu alistamento militar é falso. Especular onde ele nasceu é conjetura, saber se é elegível ou não é matéria de controvérsia legal, mas os documentos falsos são fatos brutos, visíveis com os olhos da cara. A mídia chapa-branca, que é a mídia americana inteira, desviou a discussão dos fatos para as especulações, e os próprios birthers caíram no engodo, insistindo em tentar vetar pela lei eleitoral um candidato que mais facilmente teriam enviado à cadeia por crime de falsidade documental. Napoleão ensinava que é preciso atacar o adversário diretamente e num só ponto, o mais vulnerável. Os birthers, iludidos pela classe jornalística maciçamente obamista, diluíram sua força de ataque, investindo contra o inimigo em terrenos onde ele desfruta de um estoque ilimitado de subterfúgios processuais.


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O PT é parceiro político das Farc e outras organizações criminosas. Não há como disfarçar que é ele próprio, portanto, uma organização criminosa. Digo isso há mais de uma década, e só agora, pouco a pouco, a coisa começa a se tornar visível nos grandes jornais, acolchoada em mil e um eufemismos que lhe dão ares quase que de inocência angélica. É um simulacro de jornalismo encobrindo, ex post facto, longos anos de cumplicidade passiva.

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A verdade, em geral, só aparece quando o interesse político em ocultá-la se dissolve com o tempo, e o assunto passa das mãos de jornalistas mentirosos para as dos historiadores de ofício. Aí, mitos longamente consagrados acabam caindo como castelos de cartas, mas longe dos olhos da multidão. Hoje sabe-se que Joe McCarthy foi até modesto ao falar de oitenta agentes comunistas no governo de Washington, que os EUA jamais sofreram derrota militar no Vietnã, que a II Guerra Mundial foi de cabo a rabo um plano de Stálin para se apossar de meia Europa, que Alger Hiss e os Rosenbergs eram mesmo agentes soviéticos e até que, da dupla Sacco e Vanzetti, só o primeiro era inocente. Sabe-se disso e de muito mais, mas sabe-se entre especialistas, entre estudiosos, enquanto a massa continua se alimentando de lendas urbanas propositadamente fabricadas para a sua imbecilização. É impossível estudar esses e outros episódios do mesmo teor sem trazer à memória os versos célebres de Murilo Mendes, que contrastavam “as lentas sandálias do bem” com “as velozes hélices do mal”.

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Há mais de uma década sugeri, consciente de que pregava no deserto, que os coleguinhas jornalistas averiguassem nos Arquivos de Moscou os nomes das dezenas de profissionais de imprensa que em 1964, segundo o homem da KGB no Brasil, Ladislav Bittman, estavam na folha de pagamentos dos serviços de inteligência da URSS. Muitos desses indivíduos ainda estão por aí, pontificando nos jornais e na TV, e sendo ouvidos  respeitosamente como especialistas idôneos até mesmo por organizações “conservadoras”. Ainda não decorreu, parece, o tempo que tornará inofensiva a revelação do seu crime.

Quando essa verdade, inutilizada pelo decurso de prazo, for finalmente liberada para divulgação, todos saberão também, tarde demais,  que a lenda da autoria norte-americana do golpe de 64, até hoje cultivada como verdade de evangelho, foi inteiramente inventada no escritório do próprio Ladislav Bittman mediante falsificação de uma carta do então diretor do FBI, J. Edgar Hoover a um seu agente lotado no Brasil.

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Cinqüenta por cento dos que respondem a fatos e documentos com o epíteto de “teoria da conspiração” são charlatães. Os outros cinqüenta são papagaios de pirata.



Publicado no Diário do Comércio.
 

A APOSTA ERRADA DO GOVERNO


A aposta errada do governo

12 de julho de 2012
Autor: Rolf Kuntz
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Rolf Kuntz
O governo continua apostando no mercado interno para enfrentar a crise global, mas até agora a aposta deu pouco ou nenhum resultado. As políticas de estímulo resultaram quase exclusivamente no aumento do consumo, do endividamento, da insolvência e das importações. Jornais publicam longas matérias sobre os altos níveis de calote, em geral involuntário, e sobre como evitar as armadilhas do crédito. O problema é importante, mas é apenas um dos muitos sintomas de um desarranjo muito mais amplo. Por nove semanas o mercado financeiro reduziu as projeções de crescimento econômico. O último número é 2,01%, mediana das previsões coletadas pelo Banco Central (BC) para o Boletim Focus. O próprio BC já havia, em junho, baixado sua estimativa de 3,5% para 2,5%.
A economia brasileira teria crescido muito mais no ano passado e continuaria a expandir-se com folga, neste ano, se o aumento do produto interno bruto (PIB) fosse mais dependente do consumo privado e do custeio do setor público. Foi essa, no entanto, a terapia básica adotada pelo governo. Teria dado resultados melhores, provavelmente, se os grandes problemas da produção nacional fossem conjunturais. Não são, mas os formuladores da política oficial têm agido como se a maior ameaça econômica viesse de fora, isto é, das grandes potências em crise. Com essa interpretação, tão irrealista quanto confortável, o governo se dispensa de cuidar mais seriamente dos problemas reais, todos made in Brazil.
O governo se dispensa de cuidar mais seriamente dos problemas reais, todos made in Brazil
Gastança pública e estímulo ao consumo são bons para fazer a economia pegar no tranco, em tempos de desemprego e muita capacidade ociosa. A longo prazo, o crescimento depende mesmo é da taxa de investimento e da eficiência do capital investido. Entre janeiro e março deste ano, o Brasil investiu o equivalente a 18,7% do PIB. Além de baixa, essa proporção foi inferior à do primeiro trimestre do ano passado (19,5%) e à de igual período de 2010 (19,2%). Mesmo para esse resultado abaixo de medíocre foi necessária a participação externa, porque a taxa de poupança, naqueles três meses, ficou em 15,7% do PIB (17% em 2011). O governo, como já foi comprovado muitas vezes, é o mais importante moedor de recursos e tem-se dedicado com empenho à despoupança.
O Ministério da Fazenda reduziu de 20,8% para 20,4% sua projeção da taxa de investimento. A nova estimativa apareceu em abril, no último boletim da série Economia Brasileira em Perspectiva. Esse tipo de correção tem sido frequente. O setor privado investe menos do que poderia, se enfrentasse menos entraves, e o governo, bem menos do que promete, por incapacidade gerencial. Neste ano, o governo federal acelerou os empenhos e desembolsos, num esforço para se antecipar às limitações do período eleitoral. Mesmo assim, os resultados foram ruins.
De janeiro a junho, o Tesouro aplicou R$ 18,9 bilhões, 2,1% mais que em igual período de 2011, descontada a inflação, mas 13,7% menos que no primeiro semestre de 2010. Além disso, o total desembolsado correspondeu a apenas 21% do valor previsto para 2012 no Orçamento Geral da União. Como sempre, restos a pagar, R$ 14,1 bilhões, compuseram a maior parte dos desembolsos.
A realização do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, continua deficiente e os números divulgados pelo governo são enfeitados. No primeiro semestre, 52,6% dos desembolsos foram financiamentos destinados aos programas habitacionais, como indica tabela divulgada pela organização Contas Abertas. A maior parte do PAC é executada mais lentamente. Também é ruim a execução dos projetos dependentes das estatais. Mesmo a mais eficiente, a Petrobrás, tem sido incapaz de entregar os resultados prometidos, como deixou claro a nova presidente, Graça Foster, em suas primeiras declarações depois de assumir o posto.
O baixo investimento seria compensado, em parte, se a produtividade do capital investido fosse mais alta. Não se pode, no entanto, contar com isso. No setor privado, é normal o esforço para extrair o máximo de cada real investido, mas a aplicação do dinheiro no setor público segue outros critérios. Queimam-se recursos com emendas parlamentares de alcance paroquial. Montanhas de dinheiro são perdidas em projetos mal preparados, em contratos com empreiteiras malandras, em convênios com organizações delinquentes e em negócios com fornecedores despreparados. O escândalo do petroleiro João Cândido, lançado ao mar com discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e só entregue dois anos depois, é um exemplo especialmente pitoresco de como investir mal.
Tudo isso se reflete na balança comercial. Até a primeira semana de julho, as exportações foram 1,4% menores que as de um ano antes, as importações, 4% maiores e o superávit, 44,6% inferior. O sistema produtivo está emperrado e só o governo insiste em desconhecer esse fato.
Fonte: O Estado de S. Paulo