terça-feira, 17 de julho de 2012

NO ENSINO SUPERIOR, 38% NÃO SABEM LER


A universidade da Era Apedeuta — No ensino superior, 38% dos alunos não sabem ler e escrever plenamente


analfabetismo-universitario
Entre os estudantes do ensino superior, 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa. O indicador reflete o expressivo crescimento de universidades de baixa qualidade. Criado em 2001, o Inaf é realizado por meio de entrevista e teste cognitivo aplicado em uma amostra nacional de 2 mil pessoas entre 15 e 64 anos. Elas respondem a 38 perguntas relacionadas ao cotidiano, como, por exemplo, sobre o itinerário de um ônibus ou o cálculo do desconto de um produto.
O indicador classifica os avaliados em quatro níveis diferentes de alfabetização: plena, básica, rudimentar e analfabetismo (mais informações nesta pág.). Aqueles que não atingem o nível pleno são considerados analfabetos funcionais, ou seja, são capazes de ler e escrever, mas não conseguem interpretar e associar informações. Segundo a diretora executiva do IPM, Ana Lúcia Lima, os dados da pesquisa reforçam a necessidade de investimentos na qualidade do ensino, pois o aumento da escolarização não foi suficiente para assegurar aos alunos o domínio de habilidades básicas de leitura e escrita. “A primeira preocupação foi com a quantidade, com a inclusão de mais alunos nas escolas”, diz Ana Lúcia. “Porém, o relatório mostra que já passou da hora de se investir em qualidade.”
Segundo dados do IBGE e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), cerca de 30 milhões de estudantes ingressaram nos ensinos médio e superior entre 2000 e 2009. Para a diretora do IPM, o aumento foi bom, pois possibilitou a difusão da educação em vários estratos da sociedade. No entanto, a qualidade do ensino caiu por conta do crescimento acelerado. “Algumas universidades só pegam a nata e as outras se adaptaram ao público menos qualificado por uma questão de sobrevivência”, comenta. “Se houvesse demanda por conteúdos mais sofisticados, elas se adaptariam da mesma forma.”
Para a coordenadora-geral da Ação Educativa, Vera Masagão, o indicativo reflete a “popularização” do ensino superior sem qualidade. “No mundo ideal, qualquer pessoa com uma boa 8.ª série deveria ser capaz de ler e entender um texto ou fazer problemas com porcentagem, mas no Brasil ainda estamos longe disso.” Segundo Vera, o número de analfabetos só vai diminuir quando houver programas que estimulem a educação como trampolim para uma maior geração de renda e crescimento profissional. “Existem muitos empregos em que o adulto passa a maior parte da vida sem ler nem escrever, e isso prejudica a procura pela alfabetização”, afirma.
Jovens e adultos. Entre as pessoas de 50 a 64 anos, o índice de analfabetismo funcional é ainda maior, atingindo 52%. De acordo com o cientista social Bruno Santa Clara Novelli, consultor da organização Alfabetização Solidária (AlfaSol), isso ocorre porque, quando essas pessoas estavam em idade escolar, a oferta de ensino era ainda menor. “Essa faixa etária não esteve na escola e, depois, a oportunidade e o estímulo para voltar e completar escolaridade não ocorreram na amplitude necessária”, diz o especialista.
Ele observa que a solução para esse grupo, que seria a Educação de Jovens e Adultos (EJA), ainda tem uma oferta baixa no País. Ele cita que, levando em conta os 60 milhões de brasileiros que deixaram de completar o ensino fundamental de acordo com dados do Censo 2010, a oferta de vagas em EJA não chega a 5% da necessidade nacional.
(…)
Por Reinaldo Azevedo

ESPERANDO O FIASCO A CHINA....


Com as notícias de desaceleração da economia da China, inúmeros analistas começam a duvidar do vigor daquele país. Uma reportagem especial da revista The Economist (26/5) destacou vários fatores perversos ao crescimento chinês: o desequilíbrio entre investimento e consumo; a exagerada dependência de petróleo importado; a poluição excessiva; a falta de água e a escassez de mão de obra devido à regra de um filho por família. Vários autores especulam que o aumento acelerado dos salários retardará o ritmo do crescimento da China (Shaum Rein, The end of cheap China, New Jersey: John Wiley & Sons, 2012).

Em contraste com esse cenário, o Brasil teria claras vantagens comparativas em relação à China: água em abundância, matriz energética limpa, petróleo para dar e vender, etc. Os salários estão abaixo do que se paga no mundo desenvolvido. Ou seja, teríamos aí uma boa chance para entrar no vácuo decorrente de uma eventual retração do crescimento chinês.

É verdade que o crescimento da China desacelerou. Será menos de 8% neste ano. Mas o país não está parado. Para resolver a escassez de recursos naturais, a China vem investindo pesadamente na África e na América Latina. A escassez de mão de obra nas cidades vem sendo enfrentada com a facilitação da migração rural-urbana. A explosão dos salários é contrabalançada por um forte aumento da produtividade decorrente da modernização tecnológica e, sobretudo, da crescente qualificação dos trabalhadores.

No caso do Brasil, o custo do trabalho vem disparando, sem contrapartida de um aumento de produtividade. Os gargalos de infraestrutura não se resolvem em tempo hábil. As reformas tributária, trabalhista e previdenciária estão engavetadas. As medidas pontuais são insuficientes para reaquecer o mercado.

Para complicar o problema da baixa produtividade do trabalho, o País decidiu desestimular os investimentos em capital humano que vinham sendo feitos pelas empresas. Refiro-me à Lei 12.513/2011 que passou a tributar aqueles investimentos - até então isentos. Um verdadeiro absurdo no momento em que o Brasil precisa melhorar a educação e alavancar a produtividade.

A China, ao contrário, continua fazendo investimentos maciços nesse campo. Em recente publicação, fiquei sabendo que as matrículas no ensino superior foram multiplicadas por seis nos últimos dez anos, tendo chegado a quase 20% dos jovens na idade respectiva (no Brasil é de 10%).

O Programa Ciência sem Fronteiras é louvável, sem dúvida. O Brasil pretende enviar 110 mil estudantes para o exterior ao longo dos próximos anos. Mas, para mostrar que a corrida é em relação a um ponto móvel, basta lembrar que só em 2008 a China enviou 180 mil estudantes às melhores universidades do mundo e vem fazendo isso todos os anos (James J. Heckman e Junjian Yi, Human Capital, Economic Growth, and Inequality in China, Bonn: Institute for the Study of Labor, maio de 2012).

O resultado é conhecido: 45% do crescimento chinês é atribuído aos ganhos de produtividade decorrentes de melhorias do capital humano. Enquanto isso, a produtividade do trabalho no Brasil cai a cada ano ao mesmo temp que salários e benefícios sobem acima da inflação. O descasamento entre custo do trabalho e produtividade está afetando em cheio a competitividade das indústrias brasileiras.

Os que acreditam no crescimento brasileiro à custa de um fiasco chinês terão de aguardar muito tempo. A busca de maior eficiência é a mais prioritária medida a ser implementada se queremos ganhar a corrida com a China, de quem tanto dependemos. Dentre as várias providências a serem operadas tem destaque a melhoria da qualidade da educação - a começar pela revogação da referida lei que desestimula as iniciativas privadas nesse campo. Por: 
JOSÉ PASTORE O ESTADÃO - 17/07

segunda-feira, 16 de julho de 2012

MILAGRES PRIVADOS E MALDADES ESTATAIS


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Gugu Liberato e Luciano Huck são respectivamente os apresentadores dos quadrosSonhar Mais Um Sonho e Lar Doce Lar, ambos praticamente iguais.  Eles consistem em selecionar a casa de uma família, geralmente muito pobre e que tenha uma história de muito sofrimento, demolir, e construir uma nova, moderna, com tudo que existe do bom e do melhor.  Tudo isso em uma ou duas semanas, período esse em que a produção do programa leva a família para uma viagem de férias.  A produção também presenteia as famílias com cursos, maquinário de trabalho e às vezes até novos empregos.  

Estes quadros são versões brasileiras do programa da TV americana Extreme Makeover: Home Edition, que foi ao ar de 2003 a 2012.  Nele, o apresentador Ty Pennington comandava as reconstruções das casas de famílias americanas, também pobres e sofridas.  A diferença é que, devido ao fato de os EUA serem um país que vivenciou um longo período de grande liberdade econômica, a acumulação de capital lá, ou seja, a riqueza, é muito maior, ao passo que os pobres daqui são muito mais miseráveis do que os de lá.  Mas a fórmula do programa é sempre a mesma, e já se espalhou com sucesso por diversos países.
Eu já me considerava fã do programa americano que era exibido no Brasil na TV a cabo, e passei a acompanhar suas versões brasileiras sempre que posso.  Não só pelas emocionantes histórias, mas também até pelas ótimas dicas de reforma e decoração — foi lá que fiquei sabendo da existência de coisas como a torneira que abre e fecha com um toque.  Porém, analisando o show a partir da ótica praxeológica, podemos ver as maravilhas que ocorrem ali:  uma família, vivendo uma vida dura e morando em condições pra lá de precárias, sem nenhuma perspectiva de melhora, faz uma viagem de férias (muitas delas pela primeira vez na vida) e, quando retorna para o mesmo endereço poucos dias depois, tem não só uma casa incrível e confortável, como também novas e melhores oportunidades de trabalho.  Tudo isso sem a família gastar nem um tostão.  Isto é ou não é o que podemos chamar de milagre
E como todo milagre, ninguém sabe bem como acontece.  Como é possível que algo assim ocorra?  De onde surgem essas casas?  Para alguém ganhar uma casa sem esforço, outro alguém deve ter perdido uma casa, ou o valor correspondente. 
A primeira impressão é a de que as redes de televisão abriram mão das casas.  Ou, como muitos contemplados parecem acreditar, que o apresentador arcou com todos os custos — em uma entrega de casa ao vivo, uma senhora até deixou o Gugu sem graça, pois chegou a se ajoelhar diante dele em agradecimento.  Mas, obviamente, nem a rede de TV e nem o apresentador perdem nada; ao contrário, eles ganham muito dinheiro com o programa. 
Todo o material usado na construção e na decoração é doado pelas empresas que os fabricam e os comercializam.  Em troca, eles têm suas marcas anunciadas durante os programas.  E nos intervalos outras empresas pagam muito dinheiro para aparecerem.  Então são os anunciantes que estão sendo subtraídas dos valores referentes às casas, certo?  Muito menos!  As empresas que anunciam em televisão fazem fortunas em decorrência destes anúncios.  Seus produtos passam a ser — ou se mantêm sendo — vendidos em larga escala, proporcionando altíssimos lucros.  
Então agora tudo ficou claro.  Só podem ser os consumidores destas empresas que juntos perdem uma casa para a família ganhar uma casa.  Cada um deles deve arcar com uma fração do custo das casas, ao pagarem mais caro pelos produtos dos anunciantes do programa.  Errado novamente.  Estes consumidores não perdem nada, apenas ganham.  Ao comprar os produtos dos anunciantes, estes consumidores trocam aquilo que valorizam menos — seu dinheiro — por algo que valorizam mais — o produto.  Muitas vezes, se não fosse pelos anúncios, os consumidores não tomariam conhecimento dos produtos, e acabariam trocando seu dinheiro por um produto menos valorizado por eles do que o anunciado.
Não resta mais ninguém nessa cadeia de envolvidos no processo.  Espere!  Já sei a resposta.  São os trabalhadores dessas empresas, que são explorados pelos patrões, recebendo um salário menor do que merecem, e a diferença vai para cobrir os custos das casas.  Não.  Os empregados não perdem nada, só ganham.  Eles trocam seu trabalho por salário no presente, em vez de terem o valor total do produto produzido num futuro incerto.  E alguns destes trabalhadores ainda devem o emprego à expansão de vendas gerada pela participação da empresa no programa que presenteia as famílias com as casas. 
Não consigo pensar em mais ninguém.  O que aconteceu afinal?  Ninguém teve de perder nada para as famílias ganharem as casas?  Não foi nem sequer um ato de caridade, no qual o doador teria ao menos de abrir mão do valor de uma casa para doar uma casa?  Uma família morando em condições deploráveis, ganha uma casa nova e ainda todos os envolvidos no processo também ganham algo?  Está querendo me dizer que isso é realmente algum tipo de milagre?  Sim, estou.  E este milagre chama-se livre-mercado.  Livre mercado nada mais é do que o que foi descrito acima: trocas voluntárias de títulos de propriedade.  E para uma troca voluntária ocorrer, necessariamente ambas as partes envolvidas devem ganhar.  É somente quando a coerção entra na equação que uma parte perde para outra ganhar.  Ou então as duas partes perdem e o agente coercitivo não envolvido na troca, ganha. 
. . . o livre mercado "maximiza" a utilidade social, já que todos ganham em utilidade. A intervenção coercitiva, por outro lado, significa per se que um ou mais indivíduos coagidos não teriam feito o que fazem no momento, não fosse pela intervenção.  O indivíduo que é coagido a dizer ou não alguma coisa, a fazer ou não uma troca com o interventor ou outra pessoa, tem suas ações modificadas por uma ameaça de violência.  O resultado da intervenção é que o indivíduo coagido perde em utilidade, pois sua ação foi alterada pelo impacto coercitivo.  Qualquer intervenção, seja autística, binária ou triangular, leva os sujeitos a perderem em utilidade.  Na intervenção autística ou binária, cada indivíduo perde em utilidade; na intervenção triangular, ambos ou pelo menos um dos possíveis permutadores perde em utilidade.[1]
Na sociedade atual, o principal agente coercitivo é o estado.  Vamos agora analisar como o estado atua a partir do seguinte episódio do quadro Sonhar Mais Um Sonho
Em primeiro lugar o governo proíbe que uma casa seja construída em uma ou duas semanas.  Nesse período, não é nem sequer possível dar entrada com os papéis que ele exige para autorizar uma simples reforma.  E o tempo mínimo que se leva para se obter um alvará de uma obra é de 30 dias.  Sem o tal do alvará, homens armados do estado proíbem que uma obra se inicie.  É a primeira de inúmeras das intervenções coercitivas do estado sobre o livre mercado, quebrando a cadeia em que todos ganham, fazendo com que partes passem a perder para outras ganharem.  E como ganham.  Em São Paulo, o responsável pela "liberação" de obras particulares ganhou em sete anos mais de 120 apartamentos, no valor de R$50 milhões.  O conceito de se "liberar" é absurdo.  Uma obra é uma troca voluntária de livre mercado entre duas partes.  O estado intervém coercitivamente e proíbe a troca, exigindo pagamentos e cumprimento de requerimentos para "liberar" a troca.  Neste caso de pagamento de propinas de São Paulo, o interventor coercitivo ainda foi 'menos pior' do que um que não aceitasse o suborno, deixando o mercado agir com uma obstrução menor.  Estes programas de televisão são contemplados com uma exceção a esta regra nefanda, que prejudica todo o resto da população. 
Agora voltemos ao episódio.  Já no primeiro minuto, descobrimos que se trata da família da Lucinéia, a "Tia do Doces".  O governo entra nesse ponto com a facínora agência Anvisa, que transforma a atividade que sustenta essa humilde família em crime.  Fabricar cocada em casa e vender para consumidores voluntários, sem atender às especificações de fabricação, transporte e conservação dos agentes coercitivos da Anvisa é proibido.  Isso sem contar que Lucinéia não "emite nota fiscal", não paga nenhum imposto — ou seja, consegue fugir do assalto dos agentes coercitivos da Receita Federal, Estadual e Municipal.  Se estes bandidos da Anvisa ou da Receita a pegarem, ela teria seus doces confiscados e poderia sofrer agressões ainda maiores.  Olhando as condições de vida dessa família é impossível não enxergar a maldade em que consiste a função destes funcionários públicos.
No minuto 8:00, ficamos sabendo que a família está tentando construir com muito esforço a "casa" em que moram há mais de 5 anos — e não conseguiram fazer quase nada!  Nesse momento, lembramos que os impostos diretos sobre os materiais de construção são de 32,80%.  Se não fossem por estes impostos diretos, esta família poderia ter construído mais 1/3 do que conseguiram até então.  A intervenção coercitiva dos impostos sozinha fez com que eles perdessem 1/3 do pouco que tinham!  E o que não foi construído é o que Bastiat chamou de o que não se vê.  O mal que os impostos causam é hediondo. 
E quando chegamos ao minuto 9:15, eu considero que já podemos encerrar os exemplos das incontáveis intervenções coercitivas malévolas, pois esta chega a um nível de maldade que dispensa continuarmos.  Neste ponto, Lucinéia revela que a casa não possui chuveiro.  Ela precisa esquentar água num fogão à lenha para a família conseguir tomar banho.  E logo depois, no minuto 12:00, ela nos mostra o banheiro sem o chuveiro.  Você leitor tem alguma noção do que é não ter um chuveiro?  Obviamente, não é por opção voluntária que eles não têm chuveiro.  Eles não possuem chuveiro porque não têm dinheiro para comprar chuveiro.  Um chuveiro é caro demais para eles!  Um chuveiro elétrico do modelo mais barato custa por volta de R$50[2] e, até o dia da visita do Gugu, eles não conseguiram fazer sobrar este valor para comprar um chuveiro.  E é aí que podemos ver mais uma imensa maldade gerada pela intervenção coercitiva do estado, que, com os impostos, encarece o preço do chuveiro e impossibilita o acesso a esse produto para os mais pobres, como a família da Lucinéia.
A formação de um preço no livre mercado se dá no encontro do vendedor marginal com o comprador marginal.  Você que está lendo este texto provavelmente não deve ser um comprador marginal de chuveiro elétrico.  Se morasse em uma casa sem chuveiro, pagaria R$75, R$100, R$150 e até R$300 por um chuveiro elétrico quando o inverno chegasse, caso estes fossem os preços dos chuveiros.  Muitos certamente trocariam mais de R$1.000 por um chuveiro.  Mas o comprador marginal atual é aquele que paga R$50; e se o preço fosse R$51, ele não teria o chuveiro. 
O potencial comprador que pagaria R$49, não tem o chuveiro.  Lucinéia estava abaixo da margem.  Ela não tinha o chuveiro.  Um imposto de 30% que faz com que o preço do chuveiro vá de R$38 para R$50, faz com que os compradores marginais aos preços de R$39, R$40, R$41 até R$49 fiquem sem chuveiro.  E funcionários públicos cobradores de impostos fizeram isso com a família da Tia do Doce, e estão fazendo isso com os mais pobres.  Esta intervenção coercitiva pode receber um nome diferente de maldade pura?  Podemos somar aí todos os impostos indiretos, todas as barreiras alfandegárias que impedem a entrada de chuveiros importados ainda mais baratos, as regulamentações que encarecem a produção e inibem o surgimento de produtores concorrentes etc.  De fato, o estado inclusive já interveio coercitivamente no mercado de chuveiro com a declarada intenção de apenas aumentar seu preço e impedir que mais pessoas o comprassem. 
É isso.  Enquanto Gugu, Huck e os outros apresentadores orquestram uma sinfonia verdadeiramente milagrosa, na qual pessoas agindo voluntariamente no livre mercado ganham com suas ações, que resultam em uma família miserável recebendo uma linda casa de presente, as intervenções coercitivas dos agentes estatais enredam um filme sádico de terror.  São as ações cotidianas de fiscais da Receita, de policiais federais nas alfândegas, de funcionários das aduaneiras portuárias e de toda e qualquer pessoa que obstrui ou impede violentamente o livre mercado que personificam a pura maldade que vemos no banheiro da Lucinéia.


[1] Governo & Mercado, Murray N. Rothbard.  Livro que será publicado em breve pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil
[2] Uma leitora informa que comprou recentemente um chuveiro elétrico por apenas R$25.  E, de fato, podemos encontrar chuveiros por até menos que isso, como este por R$23,90.  Isto torna o artigo duas vezes mais estarrecedor.

Fernando Chiocca é um intelectual anti-intelectualpraxeologista e conselheiro do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

DEFENDENDO O INDEFENSÁVEL


O chanceler Antonio Patriota, atual porta-bandeira do terceiro-mundismo implantado no Itamaraty, revela pouco talento para uma das tarefas menos gratificantes da diplomacia: a tentativa de defender o indefensável. Seu esforço para explicar e justificar o escandaloso golpe de Mendoza - a suspensão do Paraguai e a admissão da Venezuela no Mercosul - tem servido apenas para comprovar um fato evidente desde o primeiro momento: os governantes de Brasil, Argentina e Uruguai agiram com truculência contra um sócio do bloco, desprezaram sua soberania e violaram as regras da união aduaneira para favorecer o caudilho Hugo Chávez. Em seu depoimento perante a Comissão de Relações Exteriores do Senado, na quarta-feira, o ministro limitou-se a repetir os toscos argumentos já expostos pelo governo e mostrou-se incapaz de responder convincentemente às interpelações de vários senadores.

O ministro insistiu no caráter unânime das decisões a favor do governo bolivariano e contra o Paraguai, como se a convergência de opiniões de três presidentes bastasse para transformar um erro em acerto. Insistiu, igualmente, em citar a cláusula democrática do Protocolo de Ushuaia, mas sem mencionar um detalhe apontado pelo embaixador paraguaio no Brasil, Edélio F. Arévalos, em carta enviada à Comissão: se houver suspeita razoável de ruptura da ordem democrática em algum dos países-membros, os demais Estados-parte promoverão consultas entre si e com o Estado afetado. Esse procedimento, indicado pelo artigo 4.º, foi ignorado. A presidente argentina, Cristina Kirchner, e a brasileira, Dilma Rousseff, decidiram, simplesmente, condenar o Parlamento e o Judiciário paraguaios como violadores da cláusula democrática e impor uma penalidade ao país. O presidente uruguaio, José Mujica, induzido pelas duas colegas, acabou apoiando a tramoia. Foi o único, no entanto, bastante sincero para reconhecer um detalhe escandaloso: as razões políticas prevaleceram sobre as jurídicas. Como o Paraguai foi suspenso, sem ser excluído, nenhum novo sócio poderia ser admitido sem a sua manifestação.

Isso já havia sido apontado pelo vice-presidente uruguaio, Danilo Astori. Ele reafirmou essa opinião em artigo publicado nesta semana. A decisão, segundo Astori, feriu as instituições do Mercosul e pôs em grave risco o futuro da associação. Com isso, acrescentou o vice-presidente uruguaio, a institucionalidade válida não é mais a das regras, a dos tratados, mas a da vontade dos presidentes.

Pode-se discordar da rapidez do impeachment do presidente Fernando Lugo, mas nem por isso o Brasil e outros países podem "ignorar o fato de que tudo se deu dentro da conformidade constitucional do Paraguai", disse o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) ao chanceler Patriota. Em outro cenário, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, expressou o mesmo ponto de vista: todo o processo contra o presidente Lugo seguiu as normas constitucionais. Não houve ruptura da lei nem das condições de vida normal dos cidadãos. Essa é também a posição do governo americano, segundo a subsecretária de Estado para as Américas, Roberta Jacobson. Os Estados Unidos, disse Jacobson, dão "forte apoio" à recomendação de Insulza a favor de uma posição "construtiva" da OEA em relação ao Paraguai. Mas Insulza não fala pela OEA, disse o chanceler brasileiro, respondendo, em mais um lance errado, a uma afirmação que ninguém havia feito.

Patriota insistiu, de modo igualmente inútil, em descrever a suspensão do Paraguai como um aviso: toda iniciativa antidemocrática será repelida pelo Mercosul e pela Unasul. Qual a autoridade do governo brasileiro para se apresentar como defensor da democracia na região?

Segundo o senador Francisco Dornelles, a mensagem lançada pelo governo brasileiro foi outra: "Senhores presidentes da Argentina, da Venezuela, da Bolívia, do Equador, podem continuar com suas políticas de desrespeito à liberdade de imprensa; podem desrespeitar o Congresso e o Judiciário, pois, se os Congressos desses países tomarem alguma medida para defesa constitucional, o Brasil vai intervir e fazer exercer o seu poder". Por: Editorial do Estadão

INSULTO AOS PATRIOTAS DE VERDADE


O sobrenome do chanceler que vive de joelhos é mais que   uma contradição. É um insulto aos patriotas de verdade


Sequestrado pelas Farc em 13 de outubro de 1998, Elkin Rivas sobrevive há quase 100 mil horas ao mais brutal dos cativeiros. Ele tinha 22 anos e era tenente da polícia colombiana quando foi capturado sem ter cometido qualquer crime e sentenciado, sem julgamento formal, a um tipo de horror que não tem prazo para terminar. Aos 34, não sabe quando ─ ou se ─ retomará a vida interrompida. Enquadrado na categoria dos “reféns políticos”, Elkin é um dos 13 remanescentes do grupo cuja soltura as Farc condicionam desde 2006 ao indulto de 500 narcoterroristas capturados pelo governo e condenados pela Justiça.

A interrogação sugerida no segundo parágrafo do post de 9 de agosto de 2010, reproduzido integralmente na seção O País quer Saber, foi desfeita à bala pouco mais de um ano depois. Em 26 de novembro de 2011, em meio a uma tentativa de resgate empreendida por soldados do exército, a tropa narcoterrorista cumpriu a lei da selva: antes de fugir, matou os quatro reféns que mantinha acorrentados. Um era civil. Entre os três militares estava o tenente Elkin Rivas, executado com três tiros na cabeça.

“O Brasil tem uma posição neutra sobre as Farc”, recitou Marco Aurélio Garcia desde o começo do governo Lula, para camuflar as relações de cumplicidade entre o Planalto e a organização narcoterrorista. Em 2010, orientados pelo Assessor Especial para Assuntos Internacionais, o presidente Lula e Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores, não se comoveram com o martírio imposto aos sequestrados por companheiros colombianos.

Em 2011, também monitorados pelo conselheiro Garcia, Dilma Rousseff e o atual chanceler Antonio Patriota não disseram uma única palavra sobre o desfecho do drama. O silêncio da dupla reafirmou a opção obscena por um tipo de neutralidade que iguala um governo constitucional e um bando de assassinos, o certo e o errado, a claridade e a treva. E mostrou que era Garcia o chanceler de fato.

Era e é, berra o desembaraço com que vem agindo o professor de complicações cucarachas desde o impeachment sofrido pelo companheiro Fernando Lugo. Inconformado com a perda do reprodutor de batina, decidiu no mesmo minuto que Hugo Chávez e seus escoteiros bolivarianos tinham razão: houve “um golpe” contra a democracia.

A descoberta do primeiro golpe da História que obedeceu ao que manda a Constituição do país foi a senha para a sequência de pontapés na verdade e na soberania do Paraguai. Ninguém, não custa registrar, deve espantar-se com o que diz a boca à espera de um dentista: Garcia acha que a solução para o futuro do subcontinente está num passado que não deu certo. Espantoso é o servilismo dos chefes do Itamaraty escalados para a execução da política externa da cafajestagem formulada por essa velharia perdida nos escombros do Muro de Berlim.

A vassalagem de Celso Amorim garantiu-lhe o emprego e a estima de todos os liberticidas amigos de Lula. A sabujice de Antonio Patriota ratifica a fama de melhor aluno de Amorim. A ausência de luz própria identifica um integrante da tribo que consulta o chefe até para escolher o prato no restaurante. A expressão assustadiça rima com quem vive de joelhos. E está sempre pronto para defender o indefensável, como atestou a tentativa de justificar no Senado mais um papelão internacional do Brasil.

“A suspensão do Paraguai do Mercosul e da Unasul enviou um sinal claro ao governo recém-instalado em Assunção e mostrou que a região não tolera desvios que comprometam a plena vigência da democracia no continente”, declamou Patriota. Ele considerou irrelevantes tanto o reconhecimento do novo governo paraguaio por dezenas de países quanto o relatório de Jose Miguel Insulza, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, que voltou de uma visita ao Paraguai sem ter enxergado qualquer ilegalidade no afastamento de Lugo.

“É uma opinião pessoal”, desdenhou. “A questão paraguaia precisa ser discutida por todos os membros da OEA. Nosso compromisso com a democracia é inegociável”. As eleições presidenciais marcadas para daqui a nove meses podem normalizar as coisas, concedeu o representante do governo que exigiu a devolução a Cuba da carteirinha de sócio da OEA. Por que o Paraguai só será redimido pela aparição das urnas que sumiram há mais de 50 anos da ilha-fazenda dos Irmãos Castro? “Nenhuma democracia é perfeita”, balbuciou. A ditadura comunista, portanto, é uma democracia imperfeita.

E os países governados por tiranetes amigos só precisam de ajustes, informou a continuação do palavrório: “Todos nós estamos aqui lutando para aperfeiçoar nossa democracia e pode haver aspectos em uma democracia e outra que nos pareçam aprimoráveis”. A plateia indignada com o espetáculo do autoritarismo encenado na Venezuela, na Argentina ou na Bolívia só precisa ter paciência com o bolívar-de-hospício, a viúva-de-tango e o lhama-de-franja. Os três são “aprimoráveis”.

Antes de janeiro de 2003, as diretrizes da política externa se subordinavam aos interesses do país ─ e o cargo de ministro das Relações Exteriores decididamente não era para qualquer um. Hoje, a diplomacia brasileira, humilhada pela revogação da altivez, atende aos interesses de um partido, aos caprichos do Planalto e às vontades de vizinhos vigaristas. No Brasil de Lula e Dilma, até um Celso Amorim pode virar ministro.

Até um Antonio Patriota, cujo sobrenome é mais que uma contradição. É uma afronta à história do Itamaraty. E é um insulto aos patriotas de verdade. Por: Augusto Nunes

DEMOCRATAS DE OCASIÃO



Deixei a poeira assentar para dar meu palpite sobre a polêmica surgida com o impeachment do presidente Fernando Lugo, do Paraguai. Ao saber da notícia, logo previ a reação que teriam os presidentes de alguns países sul-americanos, inclusive o Brasil.

E não deu outra. Hugo Chávez e Cristina Kirchner, como era de se esperar, reagiram de pronto e com a irreflexão que os caracteriza. Logo em seguida, manifestou-se Rafael Correa, do Equador, que, com a arrogância de sempre, rompeu relações com o novo governo paraguaio. Chávez decidiu cortar o fornecimento de petróleo àquele país. E o Brasil? Fiquei na expectativa.

Como observou certa vez García Márquez, o Brasil é um país sensato e, acrescento eu, talvez por nossa ascendência portuguesa, pé no chão. E assim foi que Dilma primeiro mandou seu ministro das Relações Exteriores qualificar o impeachment de "rito sumário". Ou seja, não teria sido dado a Lugo tempo para se defender.

Sucede que o próprio Lugo, presente à sessão do Congresso quando se votou seu impedimento, declarou: "Aceito a decisão do Congresso e estou disposto a responder por meus atos como presidente".

Não disse que o Congresso agira fora da lei nem que tinha sido impedido de se defender. De acordo com as normas constitucionais paraguaias, recorreu à Suprema Corte e ao Tribunal Superior de Justiça, que não atenderam a seus recursos por considerarem constitucional a deposição e legítima a entrega do governo ao vice-presidente.

Só depois que os vizinhos tomaram a inusitada atitude de repelir a decisão do Congresso paraguaio foi que Lugo mudou de opinião e decidiu formar um governo paralelo, este, sim, destituído de qualquer base legal.

Fala-se em golpe, mas só um presidente já politicamente inviável é impedido com o apoio praticamente unânime do Congresso: 76 votos a 1 na Câmara de Deputados e 39 a 5 no Senado. Fora isso, nem os militares nem o povo paraguaios se opuseram. Pelo contrário, o impeachment de Lugo parece fruto de uma concordância nacional. Nessa decisão pesou, sem dúvida, o Partido Liberal, de centro-direita. Mas foi com o apoio deste que ele se elegera presidente da República.

O que houve então? Um complô de que participaram todos os partidos e quase a totalidade dos deputados e senadores? Se fosse isso, o povo paraguaio teria saído às ruas para protestar e denunciá-los. Só uns poucos o fizeram. As Forças Armadas, os intelectuais, os sindicatos protestaram? Ninguém.

O inconformismo com o impeachment de Lugo veio de fora do país: de Hugo Chávez, Cristina Kirchner, Evo Morales, Dilma Rousseff, que se apresentam como defensores da democracia. Serão mesmo?

Vejamos. Hugo Chávez suspendeu o funcionamento de 60 emissoras de rádio e televisão que se opunham a seu governo, criou uma espécie de juventude nazista para atacar seus opositores e fez o Congresso mudar a Constituição para permitir que ele se reeleja indefinidamente. Cristina Kirchner apropriou-se da única empresa que fornece papel à imprensa argentina, de modo que, agora, jornal que a criticar pode parar de circular.

Já Rafael Correa processa um jornal de oposição por dia, exigindo indenizações bilionárias. Democratas como esses há poucos. Dilma mandou seu chanceler a Assunção para pressionar o Congresso paraguaio e evitar o impedimento de Lugo, como o faziam antigamente os norte-americanos conosco.

Como se vê, há um tipo de democrata que só defende a democracia quando lhe convém. Mas, mesmo que Chávez, Cristina, Morales, Correa e Dilma fossem exemplos de líderes democráticos, teriam ainda assim o direito de se sobrepor às instituições paraguaias e à opinião pública daquele país?

Como o impeachment de Lugo consumou-se de acordo com a Constituição paraguaia e pela quase unanimidade dos parlamentares, o único argumento do nosso chanceler foi o de ter sido feito em "rito sumário". No entanto, que chance deram eles ao Paraguai para se defender das sanções que lhe foram impostas? Nenhuma. Essas sanções, além de sumárias, são também ofensivas às instituições do Estado paraguaio e a seu povo.Por: Ferreira Gullar, Folha de SP

domingo, 15 de julho de 2012

CUBA


              O Louvre do comunismo



Continuo convencido de que Cuba é um inesgotável museu da ideologia.



Quando lá andei em outubro do ano passado, percebi que a realidade social declinara ainda mais. Tudo precário e tudo escasso.

Existem jornais detestáveis. Nenhum, porém, se compara com qualquer dos diários cubanos - o Gramna e o Juventud Rebelde. Ambos são órgãos oficiais. O primeiro é do partido e o segundo da juventude do partido. Jamais alguém leu no respectivo noticiário local uma linha sequer que não corresponda à opinião do governo sobre si mesmo. E todas as matérias internacionais são retorcidas para caber na interpretação política e ideológica do regime. Por isso, merecem aplausos os raros jornalistas independentes e comunicadores comunitários que, a duras penas e com grave risco pessoal, enviam ao exterior informações sobre a difícil situação imposta pela reumática gerontocracia que domina o país. O trabalho que realizam cumpre dupla missão cívica. Na primeira, revela o que, de outro modo, não se ficaria sabendo sobre o que acontece por lá. Na segunda, desnuda a criminosa cumplicidade da "rede internacional de solidariedade a Cuba" com a tirania que há mais de meio século vem sendo exercida sobre o bom e sofrido povo cubano.

Os quase três milhões de turistas que vão a Cuba todos os anos pouco veem da realidade local. Passeiam por Habana Vieja, almoçam no Floridita, jantam na Bodeguita del Medio, tomam seus daiquiris e mojitos na varanda do Hotel Nacional e mandam-se para as areias indescritivelmente brancas de Varadero e Cayo Largo. Esse turismo é nada revelador, mas muito sedutor. Aliás, certamente o errado sou eu que em várias idas a ilha nos últimos 12 anos limitei-me a estudar sua realidade social e política. Com tal interesse, já parei em casa de família, nunca fiquei em hotéis de luxo, jamais fui àquelas praias e sequer entrei nos dois badalados e mundialmente conhecidos restaurantes que mencionei acima. Continuo convencido de que Cuba é um inesgotável museu da ideologia. Havana é o Louvre do comunismo.

Quando lá andei em outubro do ano passado, percebi que a realidade social declinara ainda mais. Tudo precário e tudo escasso. O povo mais desesperançado. Contaram-me que tomavam banho e lavavam as coisas apenas com água por falta de sabão, sabonete e detergentes. Estavam com graves dificuldades para a higiene pessoal. Quando voltei ao Brasil, pesquisei na rede e fiquei sabendo que, no início de 2011, os sabonetes haviam saído da "libreta" (aquela caderneta de racionamento que já vai para mais de meio século) e ido para a "libre" ou seja, deviam ser adquiridos aos preços de mercado. Meio dólar a peça, num país onde o salário mensal é de 14 dólares. Num artigo que me chegou dias mais tarde, o autor chamava de liliputiano esse sabonete, tão diminutas eram suas dimensões.

São informações que infelizmente não repercutem tanto quanto deveriam na imprensa mundial. Uma jornalista me conta sobre certa paciente com problema dentário que não conseguia ser atendida no seu centro clínico porque o local estava em falta de detergente para lavar os instrumentos. Há poucos dias, leio que em Sancti Spíritus (cidade com cerca de 300 mil habitantes, na região central da ilha) um grupo de mulheres disputou sabonetes a tapas e bofetadas num armazém local. A baiana só parou com a chegada de várias viaturas policiais. Alguns circunstantes que não participaram do fuzuê comentaram que a permanente escassez e as longas filas que precisam ser enfrentadas para tudo estão levando as donas de casa a esse tipo de descontrole.

Briga de rua pelo direito de comprar sabão? Sabão? Mas o sabão é um dos produtos industriais mais antigos e simples da civilização! É usado desde 2500 anos a.C.. A indústria de sebos e sabões está para a indústria de bens de consumo assim como a roda e a manivela estão para a indústria de bens de capital. Uma economia onde se disputa no braço o direito de comprar sabão está a quilômetros da antessala do atraso. E não me venham dizer que é por culpa dos ianques que em Cuba não conseguem misturar sebo com soda cáustica. Por: Percival Puggina

PARA QUE SERVE UM EX-PRESIDENTE?



A velha piada é que os ex-presidentes são como os vasos chineses: sabemos que são valiosos, mas ninguém sabe o que fazer com eles.
Alguns, como Bill Clinton, mantêm uma atividade frenética; outros, como Vladimir Putin, dão um jeito de nunca deixar o poder, e ainda outros, como Álvaro Uribe, brigam com seu sucessor. Alguns ganham prêmios mundiais e outros intervêm de modo inoportuno nas eleições de outros países.
Nos últimos dias, os dois mais famosos ex-presidentes brasileiros estiveram na arena pública mundial. O contraste entre suas atuações não poderia ter sido mais extremo.
Fernando Henrique Cardoso recebeu o prêmio mais importante do mundo como cientista social: o Prêmio Kluge, outorgado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos.
O prêmio tem um processo de indicação e seleção tão ou mais rigoroso que o Nobel, e seu valor --US$ 1 milhão-- é superior. Quase ao mesmo tempo, Lula aparecia por videoconferência na reunião do Foro de São Paulo em Caracas.
Ele disse: "Apenas com a liderança de Chávez é que o povo realmente vem tendo conquistas extraordinárias. As classes populares nunca foram tratadas com tanto respeito, carinho e dignidade.
Essas conquistas devem ser preservadas e consolidadas. Chávez, conte comigo, conte com o PT, conte com a solidariedade e o apoio de cada militante de esquerda, de cada democrata e de cada latino-americano. Tua vitória será nossa vitória".
É perfeitamente legítimo que Lula expresse seu afeto e admiração por Hugo Chávez. Os afetos --como o amor-- são cegos e merecem respeito. Mas não é legítimo que Lula intervenha na campanha de outro país. Isso os democratas não fazem.
E Lula sabe disso. E já o tinha feito antes, quando, na véspera de um referendo importantíssimo na Venezuela, irrompeu no processo, afirmando que Chávez era o melhor presidente que o país tinha tido nos últimos cem anos.
Tampouco é legítimo distorcer a realidade venezuelana, como Lula fez --especialmente a realidade dos pobres. Chávez vem tendo um efeito devastador sobre a Venezuela, e os pobres são suas principais vítimas.
São eles que pagam as consequências de viver em um dos países mais inflacionários do mundo, são eles que são obrigados a virar-se com um salário real que caiu para o nível que tinha em 1966.
São eles que não conseguem trabalho a menos que seja no setor público e sob a condição de demonstrarem constantemente sua adoração e fidelidade ao "comandante".
São eles que veem seus filhos e filhas assassinados (o índice é dos mais altos do mundo. Não é de estranhar, portanto, que nas últimas eleições legislativas mais de metade dos votos tenha sido contra Chávez.
Na Venezuela, é impossível alcançar essa porcentagem sem milhões de votos dos mais pobres --que, segundo Lula, estão melhor que nunca.
Nesse sentido, não seria má ideia que Lula aprendesse um pouco com o FHC cientista social, que não permite que os afetos lhe enevoem o juízo. E com o FHC político, que não intervém de maneira abusiva nas eleições de outros países.
@moisesnaim
Tradução de CLARA ALLAIN
Moisés Naím
O escritor venezuelano Moisés Naím, do Carnegie Endowment for International Peace, foi editor-chefe da revista "Foreign Policy". Escreve às sextas na versão impressa de "Mundo".

POR QUE A AMÉRICA LATINA NÃO CRESCE COMO A ÁSIA?



Garoto em frente à bandeira da China | Crédito da foto: AP
Enquanto asiáticos cresceram, latino-americanos ficaram para trás na escala da economia global.
Em 1980, a produção industrial no Brasil era maior do que a da Tailândia, Malásia, Coreia do Sul, Índia e China juntas. Trinta anos depois, representava apenas 10% do total produzido por esses países.
O mesmo aconteceu, em menor grau, com outros países da América Latina. Se antes despontavam em relação aos asiáticos, hoje, perderam o diferencial competitivo e tentam correr, em vão, atrás do tempo perdido.
Mas por que a América Latina ficou para trás na economia global quando comparada à Ásia? Quais aspectos, culturais, políticos, históricos, econômicos, administrativos, resultaram em tamanho desequilíbrio?
Para esclarecer as razões da derrocada latino-americana ante a emergência asiática, a BBC conversou com o professor da Universidade de Cambridge Gabriel Palma, especialista em economias comparativas.
BBC Mundo - O sr. aponta em suas pesquisas que o crescimento econômico na Ásia tem sido mantido ao longo das últimas três décadas. Já, na América Latina, a economia oscila entre períodos de rápido crescimento e queda vertiginosa. Por quê?
Gabriel Palma - Desde a década de 80, países asiáticos como Coreia, Cingapura, Malásia e Tailândia têm crescido a uma taxa anual de 7%, enquanto China, Índia e Vietnã, em torno de 9%. No mesmo período, a América Latina cresceu somente 3%.
Isso não significa, contudo, que os países latino-americanos não têm capacidade de crescer. Pelo contrário. Argentina, Chile e Peru, na década de 90; o Brasil e o México, na década de 60 e 70, só para ficar em alguns exemplos, registraram taxas de crescimento semelhantes às verificadas atualmente na Ásia.
A principal diferença é que o crescimento latino-americano não foi sustentado. Na minha opinião, há três razões para isso.
A primeira diz respeito à taxa de investimento privado, que é de 30% do PIB na Ásia, enquanto que, na América Latina, é de 15%. Como resultado, o investimento por trabalhador ocupado na economia brasileira é hoje menor do que na década de 80, enquanto Índia e China apresentam taxas 8 e 12 vezes maiores, respectivamente.
O segundo ponto é que a política econômica na Ásia é claramente keynesiana com taxas de câmbio competitivas e taxas de juros baixas e estáveis.
A reforma econômica na Ásia, ou seja, a liberalização do comércio, a liberalização financeira, foi pragmática, lenta e seletiva. Na Índia, a reforma foi lançada na década de 80, mas a primeira redução de tarifas de importação ocorreu em 87 e a primeira abertura financeira, em 93.
Isso deu tempo aos agentes econômicos de se adaptar às mudanças.
Na América Latina, a reforma foi adotada como uma religião. Tudo foi feito da noite para o dia. Em dois ou três anos, todas as reformas foram implementadas. O resultado foi uma enorme confusão.
BBC Mundo - Ou seja, enquanto a Ásia adotou o pragmatismo, a América Latina enveredou-se pelo fundamentalismo? O senhor quer dizer que esse atraso se deve muito mais a aspectos históricos e culturais do que propriamente econômicos, não?
Gabriel Palma | Crédito da foto: Arquivo pessoal
Para o professor Gabriel Palma, a política econômica da América Latina é influenciada por ideologias.
GabrielPalma: Existem, hoje, dois tipos de capitalismo. O anglo-ibérico, que aplicou todas as reformas religiosamente, e o asiático, que, com uma tradição pragmática, que não se deixa levar por ideologias.
Eu viajo com frequência para a Ásia e sempre vi um ceticismo claro em relação ao messianismo de algumas fórmulas ocidentais, como o Consenso de Washington e o neoliberalismo.
Tal atitude exerce um impacto muito claro na política econômica. Um exemplo é a intervenção no câmbio. Isso é fundamental para os asiáticos.
Enquanto isso, a América Latina aceita que o mercado dite as regras, ao deixar a taxa de câmbio à mercê da oferta e da procura, o que, normalmente, produz resultados desastrosos.
Apesar desse diagnóstico, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), a América Latina tem crescido na primeira década deste século de forma muito estável.
Isso está ligado ao terceiro fator que nos diferencia da Ásia. Na América Latina, temos uma ilusão do mundo das finanças.
Nos anos pré-crise, de 2002 a 2007, a América Latina cresceu entre 4% e 4,5%, mas o valor dos ativos financeiros – aí incluídos as bolsas de valores, os títulos públicos e privados, os ativos dos bancos, cresceu mais de 30% ao ano, ou seja, cinco ou seis vezes mais do que o Produto Interno Bruto (PIB).
Todo mundo achava que isso seria sustentável. É a mesma ilusão que contaminou o mundo ocidental desenvolvido: a crença de que a economia pode crescer independente do que ocorra com o investimento, a produtividade e a mudança tecnológica, ou seja, a economia real.
BBC Mundo - Mas qual a importância dos aspectos culturais nesse processo? O ceticismo e a independência de julgamento, tão comuns na sociedade asiática, explica o seu sucesso econômico?
Gabriel Palma - Os meus amigos asiáticos tendem a minimizar o fator cultural. Ele é importante, claro, mas existem outros fatores mais relevantes.
Na Coreia do Sul, as indústrias formam o grupo (econômico) predominante. Na América Latina, a elite está relacionada às finanças e prefere o setor financeiro a correr os riscos no mercado (de produtos). Na América Latina, temos a melhor rentabilidade financeira do mundo, duas a três vezes maior do que em outros lugares.
Isso se deve a uma política econômica que tem sido fundamental para a desindustrialização da região, a falta de diversificação econômica, a falta de aparato tecnológico. A América Latina abandonou sua política industrial com a ideia de que poderia crescer com commodities e finanças.
É o que se vê nos últimos anos no Chile ou a euforia que existia durante o governo Lula no Brasil. A questão é que, se o preço do cobre no Chile volta aos tempos normais, o deficit em conta corrente salta para 15% do PIB do país.
O contraste histórico é, portanto, claro. Entre os anos 60 e 80, a produção industrial brasileira cresceu 9%. De lá para cá, cresceu apenas 2%. Na Ásia, por outro lado, o crescimento foi de 60%, de 1980 até os dias de hoje. A diferença no crescimento entre América Latina e Ásia é a diferença no crescimento de sua produção industrial. Por: 

Marcelo Justo
BBC Mundo

E TUDO SEM GOVERNO



Conhecem a cidade de Luís Eduardo Magalhães, no Oeste da Bahia? Pois é um polo agropecuário e industrial de nível global. Ali se produz algodão, por exemplo, com a maior produtividade do mundo em plantio não irrigado .

Estive lá há duas semanas, período de colheita, em um momento ruim, por falta de chuvas. Há quebra de safra. Mas topei com muitos estrangeiros, executivos de vários países que estavam lá para negociar contratos de compra. Os produtores locais são conhecidos no mercado internacional pela pontualidade e rigor na entrega. Vai daí, conseguem contratos de longo prazo, o que minimiza os problemas de uma safra ruim .

E tudo sem governo, comenta o pessoal de lá. Foi assim mesmo que a região se desenvolveu, inclusive com a recuperação do algodão. Esse cultivo estava praticamente morto no Brasil, quando foi restabelecido por agricultores de Luís Eduardo e Rondonópolis, esta no Mato Grosso, com base em genética e tecnologia de ponta. Esses agricultores vieram principalmente do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Saindo do nada, ali desenvolveram o terreno e novas modalidades .

A cidade baiana ainda não é muito grande, mal passou dos 50 mil habitantes, mas sofre, na sua escala, os problemas de uma metrópole congestionada. Tem trânsito, falta infraestrutura na cidade e nas áreas produtivas .

Ou seja, a iniciativa privada toca os negócios, o governo não ajuda. Não faz nem deixa fazer. Ali, como em diversos outros polos dinâmicos, há empresas privadas dispostas a investir em rodovias, aeroporto, via fluvial e porto (no Rio São Francisco). Mas dependem de concessões, que simplesmente não saem .

É exatamente igual à situação que encontrei recentemente em Foz de Iguaçu (PR), turismo, e São José dos Campos (SP), centro industrial de ponta. Projetos de aeroportos privados estão praticamente prontos, incluindo o financiamento, aguardando as decisões do governo federal. Pessoas envolvidas contam que há anos buscam autorização para fazer até mesmo simples obras paralelas, como a ampliação de estacionamentos, e topam com burocracias e má vontade dos funcionários do governo federal .

Em Luís Eduardo, construíram um aeroporto assim, digamos, meio na marra, em propriedade particular. Está lá, novinho, mas não dá para replicar essa solução em cidades com necessidades maiores .

A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse, nesta semana, que o governo anunciará em agosto um grande programa de concessões de aeroportos, ferrovias, rodovias e usinas de eletricidade. É positivo, mas em termos. Será um anúncio de intenções, porque a partir daí se iniciará o processo que leva até a licitação e entrega das obras às empresas privadas .

É nisso que o governo se atrasa. E está aí uma das causas do baixo nível de crescimento do país, a falta de investimentos em infraestrutura. Não é uma coisa do outro mundo, há modelos já testados no Brasil e em outros países.

Se demora tanto, isso é um sinal de incompetência, mas também de restrições e resistências que partem da máquina governamental e dos políticos no poder. Alguns são contra as privatizações por razões ideológicas. Outros, a maioria, porque precisam de cargos nas estatais e na administração para nomear e contratar .

Difícil superar essa combinação.

(Em tempo: perguntei aos luiseduardenses se estavam confortáveis com o nome da cidade. Responderam: era pior, Mimoso do Oeste) .

DUPLO CALOTE
O banco ou a empresa concede crédito ao cliente. Este não paga, o caso vai para a Justiça. Quanto o credor consegue recuperar no Brasil? Menos de 20% do dinheiro emprestado .

Na Inglaterra, o credor pega de volta quase 100%. Dirão: mas é um país desenvolvido, com um sistema judiciário tradicional. Pode ser, mas na Colômbia, aqui ao lado, na Coreia do Sul e Taiwan, o nível de recuperação é de quase 90% .

O dado consta da pesquisa "Fazendo Negócios", do Banco Mundial. Acrescentamos: na concessão do crédito, banco ou empresa recolhem impostos elevados, isso aqui no Brasil. Quando o devedor não paga, o credor tem que pedir ao governo a devolução do imposto já recolhido. Já perceberam. Se der tudo certo, o credor recebe parte do IR, no mínimo um ano depois de solicitado . Por: CARLOS ALBERTO SARDENBERG

MONOPÓLIOS



O economista e os monopólios

A denúncia dos males provocados pelos monopólios sempre foi uma das tarefas centrais da teoria econômica. A despeito disso, o economista moderno defende com surpreendente frequência esquemas que envolvem monopólios. Como isso é possível?
Por que tão poucos economistas preferem mercados livres a privatizações acompanhadas de regulação rígida? Se de fato as firmas não têm interesse em ofertar bens ditos públicos, por que tanto zelo em proibir que elas tentem? Por que os economistas se irritam tanto diante da simples menção à proposta de Hayek de introduzir competição na esfera monetária? Por que tanta relutância para aplicar a teoria de monopólio na atividade política e estatal?
Existem várias causas para esse fenômeno, algumas das quais explorarei neste artigo. Argumentarei que certos aspectos da evolução da teoria econômica fizeram com que o monopólio passasse a ser considerado, na visão dos economistas, um predador banguela, na medida em que a teoria econômica moderna alimenta a impressão de que os monopólios poderiam ser satisfatoriamente regulados e utilizados para melhorar o desempenho que seria obtido em mercados livres "imperfeitos".
Em termos mais específicos, destacarei duas características da teoria microeconômica que sustentam a ilusão de monopólios domáveis pela regulação: (i) a crença de que as curvas de custos da teoria de equilíbrio estático teriam contrapartidas literais no mundo real, de modo que poderiam ser estimadas empiricamente e (ii) a crença de que essas curvas de custo seriam invariantes em relação à estrutura de mercado, ou seja, o conhecimento a respeito das formas mais baratas de produzir um bem não dependeria da existência de um grau maior ou menor de competição.
Em termos mais gerais, essas duas características são derivadas (a) do gradual abandono de uma concepção de competição associada à ideia de rivalidade em favor de outra calcada na noção de equilíbrio, (b) do gradual abandono de uma concepção institucionalista de economia em favor de outra calcada na busca pela especialização técnica e (c) do gradual abandono de uma concepção metodológica que interpretava as relações teóricas como entidades abstratas em favor de outra calcada na busca de conceitos empiricamente operacionais.
Em termos mais abstratos, essas três tendências são redutíveis a uma só: o progressivo domínio da visão de mundo positivista na Economia. Para que essas afirmações todas sejam entendidas e discutidas, façamos o caminho de volta: examinarei inicialmente as tendências (a), (b) e (c) ao longo do desenvolvimento da teoria de competição e monopólio e em seguida criticarei as características (i) e (ii).
Ao longo da evolução da teoria, a variação no tratamento dado ao monopólio reflete a mudança gradual que sofreu a noção de competição: de processo de rivalidade empresarial a uma alocação de equilíbrio eficiente, obtida sob as hipóteses de produto homogêneo, livre entrada e conhecimento perfeito.[1]
Durante o período da escola clássica, a partir de Adam Smith, a crítica aos monopólios tratava em larga medida de monopólios legais: as regulações impostas pelos governos, tanto no comércio exterior quanto nos mercados internos de cada país, refletiam a busca por privilégios monopolísticos, que bloqueavam a atividade competitiva. Esta última, por sua vez, era essencialmente vista como a atividade pela qual os empresários rivalizavam entre si na tentativa de lucrar com sua produção oferecida aos consumidores.
Depois da revolução marginalista de 1871, a compreensão de como isso é feito foi aprofundada: a nova teoria do valor mostrou como os recursos escassos de uma sociedade tendem a ser alocados às necessidades mais urgentes, com o auxílio do sistema de preços. Essa nova concepção apenas reforçou a visão clássica de competição: em um mercado competitivo os empresários são livres para sugerir aos consumidores diferentes usos possíveis dos limitados recursos e o lucro é a recompensa aos empresários que melhor antecipam as soluções que geram mais valor do que o custo de oportunidade dos recursos empregados. O monopólio, como antes, é associado às restrições impostas pela regulação estatal ao processo competitivo de experimentação e não pela busca de equilíbrios competitivos eficientes. De fato, como relata DiLorenzo[2], a implementação da legislação antitruste nos Estados Unidos no final do século dezenove não refletiu a opinião dos economistas do período, que não consideravam a mera concentração de firmas em um instante do tempo ou outras coisas que viriam a ser violações a lei antitruste como ameaças ao processo rival de competição.
A partir da década de trinta, porém, com a formalização da Economia, a preocupação exclusiva com a descrição do equilíbrio competitivo fez com que aatividade competitiva fosse ignorada. A competição deixou de ser um verbo para descrever um estado: um mercado competitivo seria aquele caracterizado pelo preço igual ao custo marginal de produção. Com isso, os economistas deixaram de perceber que os dados descritos pela teoria de equilíbrio não existiriam sem a atividade competitiva que antecede o equilíbrio. Práticas como publicidade ou a experimentação com qualidade e preços, antes vistas como parte essencial do processo competitivo, passaram a ser vistas como sinais de atividade anticompetitiva. A visão clássica de competição, abandonada a partir de então, sobreviveu na teoria moderna apenas entre os austríacos, que não aderiram a revolução formalista na disciplina.
O formalismo moderno, por outro lado, favoreceu o abandono de uma visão de mundo institucionalista que caracterizava a economia até então. A obtenção de alocações eficientes nos mercados passou a ser vista como um problema técnico. Isso permitiu que economistas pudessem ignorar o entorno institucional, como se este fosse uma questão à parte do problema técnico de encontrar soluções alocativas eficientes. Confiar a uma instituição estatal, monopolista, a tarefa de regulação do monopólio deixou então de soar paradoxal.
Finalmente, associado a esse tecnicismo temos o abandono da postura filosófica tradicional a respeito da natureza da teoria econômica, em favor de uma interpretação positivista dessa ciência. Para autores como Mill, Senior, Menger, Keynes (pai e filho) ou Hayek, representantes da tradição antiga, as relações entre as variáveis da teoria não representam grandezas observáveis na prática, mas apenas relações abstratas, que desconsideram todas as outras variáveis que influenciam o fenômeno complexo concreto estudado pela economia. Para esses autores, a teoria pura teria caráter puramente "algébrico"[3], na medida em que nunca poderíamos substituir valores concretos nas fórmulas.
Nessa ótica, tudo o que um economista quer dizer quando afirma que uma curva de custo médio de curto prazo tem forma de U é que, em uma determinada planta industrial de tamanho fixo, produzir nela apenas algumas unidades ou uma quantidade muito grande seria muito caro (pois o custo fixo médio seria alto no primeiro caso e o custo variável médio seria alto no segundo), de modo que existe uma quantidade intermediária que é produzida a custo unitário menor. Isso não significa, no entanto, que possamos conhecer a forma concreta da curva, digamos, por uma auditoria. Hayek nota que o economista moderno tende a confundir o conhecimento abstrato do teórico com o conhecimento prático do agente, ignorando o fato trivial de que minimizar custos é uma batalha diária. Na verdade, não existiria algo como "a" função de produção do setor e portanto uma relação bem conhecida denominada função custo: a cada instante os dados locais se alteram, de modo que, se o gerente ligasse o "piloto automático" e saísse de férias, as curvas de custo rapidamente se deslocariam para cima!
A partir da década de trinta, porém, influenciados por uma visão operacionalista de ciência, as grandezas econômicas passaram a fazer sentido apenas quando mensuráveis em princípio. Temos então economistas sugerindo que o estado, por meio de mandamentos centrais, regule o comportamento das firmas de forma a emular o equilíbrio competitivo, ordenando que as firmas produzam até que o custo marginal (CMg) se iguale ao preço. Mas, pergunta Hayek, como as firmas conheceriam o custo que prevaleceria em competição, se o processo competitivo necessário para que isso fosse conhecido foi bloqueado pela regulação? Nesse ponto, o analista moderno, por falta de sofisticação filosófica, comete uma petição de princípio: supõe conhecido de início a própria solução do problema alocativo.
Esse erro ignora a assimetria entre explicação e previsão no que se refere à análise de fenômenos complexos: quando a tarefa era explicar o funcionamento dos mercados, podemos utilizar as curvas usuais na interpretação algébrica. Quando a tarefa é substituir ou regular os mercados, porém, é necessário que tais curvas sejam interpretadas de forma operacional. As duas interpretações metodológicas contrárias, porém, convivem na visão de mundo do economista moderno. Tome como ilustração o problema do controle de preços, ilustrado na figura. Em um mercado competitivo, o economista mostra que um controle de preços não funciona, pois se o preço for fixo em B, por exemplo, a demanda (D) será maior do que a oferta (S). Para o argumento, não importa o conteúdo concreto das curvas de demanda e custos. Afinal, se essas curvas fossem conhecidas, poderíamos dispensar o uso do sistema de preços! Só faz sentido a liberdade no mercado porque de fato desconhecemos os custos e benefícios envolvidos.
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Agora, considere no gráfico da direita uma firma monopolista operando em regime de concessão pública. O gráfico ainda é útil para dizer que o preço de monopólio C será superior ao competitivo D, coeteris paribus. O problema surge quando o economista acredita que, como regulador, poderia forçar a firma a operar em D. Isso, como vimos, requer duas ilusões. Em primeiro lugar, reguladores e regulados precisam conhecer as magnitudes envolvidas no mundo real, o que não é possível em um sistema econômico minimamente complexo, cujos fundamentos se alteram a cada instante. Em segundo lugar, é necessário nutrir a esperança de que essa economia seja habitada por anjos que não irão regular o preço em C, maximizando o lucro do monopolista, repartido entre reguladores e regulados. Nem a retomada desse tema clássico pela moderna escola da escolha pública, porém, demove o economista de sua fé na capacidade de controlar (de forma monopolista) os monopólios.
Vista a primeira característica da microeconomia moderna que facilita a crença de que monopólios podem ser domados, a saber, a crença de que as curvas de custo da teoria podem ser observadas na realidade, passamos agora a considerar a segunda, que afirma que os custos não dependem da estrutura de mercado. Essas duas características podem ser ilustrada por meio de uma disparate encontrado em qualquer livro-texto da área: "se o governo fixar o preço de um bem, o monopolista passa a se comportar como se fosse uma firma competitiva, produzindo até que o custo marginal seja igual a esse preço".
Se o governo de fato conhecesse todas as curvas do nosso diagrama da direita, isso teria sentido. Mas por que a análise do diagrama anterior deixou de valer? Se as curvas se alterarem continuamente, poderíamos ter por exemplo um preço fixo menor do que D e teríamos novamente um excesso de demanda. Será que ao longo do tempo teríamos efetivamente alocações mais eficientes?
Além disso, imaginar que os custos unitários de produzir em monopólio seriam idênticos aos custos que ocorreriam sob competição é algo que soa verdadeiramente extraordinário para alguém não comprometido com a teoria, mas é algo necessário para que o dirigismo inerente à visão tradicional seja mantido. Se os custos fossem dados de forma automática, de forma independente da atividade empresarial, poderiam-se expurgar da teoria as características necessárias para que a competição de fato ocorra, como a propriedade privada, que permite a liberdade para experimentar cursos de ação não imaginados anteriormente.
Aqui, entram em contraste as visões austríaca e neoclássica sobre competição. Para a primeira, o mercado funciona como um processo de descoberta e a competição é um estímulo à atividade empresarial que busca novas formas de melhor atender às necessidades dos consumidores. Para a segunda, por outro lado, não existe nada a ser descoberto: os agentes sempre maximizam funções conhecidas e o mercado é apenas um mecanismo de computação. Ao dispensar a função empresarial, relegada a uma análise exógena da inovação, esta concepção burocratiza o funcionamento dos mercados, de modo a abrir caminho para uma análise que ignora os problemas gerados por monopólios dirigidos, tornando possível a crença de que as "falhas de mercado" poderiam ser corrigidas por monopólios regulados.


[1] Para uma excelente história da transformação da noção de competição, ver MACHOVEC, F.M. Perfect Competition and the Trasformation of Economics. Londres: Routledge, 1995.
[2] DiLORENZO, T. The Origins of Antitrust: an interest-group perspective.International Review of Law and Economics, vol. 5, pp. 1985.
[3] HAYEK, F.A. The Theory of Complex Phenomena, in Studies in Philosophy, Politics and Economics, London, UK: Routledge & Kegan Paul. 1967, nota de rodapé 14.

Fabio Barbieri é mestre e doutor pela Universidade de São Paulo.  Atualmente, é professor da USP na FEA de Ribeirão Preto.