quinta-feira, 23 de agosto de 2012

CAPITALISMO POPULAR x CAPITALISMO DE COMPADRES


Um excelente livro novo é A Capitalism for the People, de Luigi Zingales, da Universidade de Chicago. Seu livro anterior,Salvando o Capitalismo dos Capitalistas, escrito em parceria com Rugharam Rajan, também é muito bom. O tema é basicamente o mesmo: o perigo do capitalismo de compadres.

Nascido na Itália, Zingales foi para os Estados Unidos quando jovem em busca de um ambiente mais livre, com maiores oportunidades individuais com base no mérito. Como ele próprio reconhece, o ambiente italiano era hostil a qualquer um que ousasse caminhar com as próprias pernas contando apenas com o talento, pois a rede de contatos pessoais era muito mais importante para definir o sucesso. A Itália é mesmo o Brasil da Europa.

Zingales encontrou essa “terra da liberdade” na América, e prosperou. Só que, de uns tempos para cá, ele tem visto os Estados Unidos se parecerem cada vez mais com a Itália da qual ele fugiu. O livre mercado tem sido capturado pelo interesse de grandes negócios, afetando o equilíbrio na democracia.

O povo está com raiva, principalmente após a crise de 2008 e os constantes pacotes de resgates. Sem saber exatamente diagnosticar as causas dos problemas, a população condena o capitalismo como um todo, em vez de sua versão deturpada. Foi para alertar sobre esses riscos que Zingales escreveu o livro.

Um capitalismo que permite que as pessoas fiquem ricas por meio de conexões políticas, não pelo sucesso no mercado, é um capitalismo que parece injusto e corrupto para muita gente. A crença de que o trabalho árduo será recompensado é parte essencial da cultura americana, e foi essa atitude que reduziu as pressões anticapitalistas nos Estados Unidos ao longo do tempo. Ela está agora ameaçada.

A maioria dos americanos acredita no poder dos mercados, mas está perturbada com a influência das grandes empresas no sistema. Na área financeira isso é ainda mais verdadeiro. Os lobistas de Wall Street exercem enorme poder sobre o banco central. Movimentos populistas ganham força com demandas de redistribuição de renda por meio do governo, o que coloca o livre mercado ainda mais em xeque.

O grande valor do mercado está na competição. Quando o governo cria subsídios, barreiras, privilégios, o mercado se transforma em algo completamente diferente. Isso não quer dizer que não exista um papel regulador para o estado. Zingales reconhece os riscos do excesso de regulação, mas ele acha que é importante ter regras claras impostas pelo governo que protejam a concorrência.

Sem uma proteção legal eficiente, sem garantias aos acionistas, com pouca informação aos clientes, os empresários mais inescrupulosos ganham, não os mais eficientes. Zingales deposita muita importância nas instituições, nas regras do jogo. Quando essas podem ser distorcidas de forma arbitrária, os vencedores não são os melhores jogadores, mas os mais corruptos.

Basta pensar nos oligarcas russos, em Silvio Berlusconi na Itália, no Carlos Slim no México, em Eike Batista no Brasil. Todos eles são muito próximos de seus respectivos governos. Suas fortunas vêm de setores sob forte intervenção estatal. Compare-se a isso o falecido Steve Jobs da Apple, Bill Gates da Microsoft ou os donos da Google, e a diferença salta aos olhos. Infelizmente, até nos Estados Unidos a via política tem ganhado cada vez mais peso relativo.

Uma vez que o sistema econômico é construído para favorecer as relações políticas em vez da eficiência, fica extremamente complicado reformá-lo, pois os grupos de interesse passam a acumular poder demais e criam barreiras às mudanças.

Defender o livre mercado não é o mesmo que defender os negócios. Quando os defensores do capitalismo passam a ser confundidos com os defensores desses grandes empresários ligados ao estado, então a imagem do capitalismo sai totalmente manchada. O povo acaba nutrindo ódio ao capitalismo, quando deveria condenar o “capitalismo de compadres”. 

Para o capitalismo sobreviver, as pessoas devem aceitar resultados desiguais. Mas quando os resultados passam a ser extremamente desiguais, e devido ao poder dos lobistas, então a maioria passa a rejeitar o modelo.

Essa é a idéia central do livro. O autor desenvolve com riqueza de detalhes os pontos, e apresenta dados interessantes. O objetivo deve ser resgatar a idéia de uma livre competição, com poder descentralizado, com o mecanismo de pesos e contrapesos funcionando. A hipertrofia do setor financeiro representa uma grande ameaça a isso.

O “capitalismo de compadres” só pode ser derrotado com apoio popular. Virar as costas para a democracia não resolve o problema. É preciso mostrar que a revolta é legítima, mas o alvo está mal calibrado. A culpa não é do capitalismo, mas de sua degeneração. É preciso resgatar a confiança no sistema, com regras simples e igualmente válidas para todos.

É preciso ainda recuperar o “capital cívico”, os valores éticos que rejeitam a idéia de que o importante é vencer, custe o que custar. Como vencer faz toda diferença do mundo. Atletas que ganham sob efeito de doping sofrem rejeição popular. É preciso exercer o mesmo tipo de pressão social contra negócios que vencem graças aos favores estatais. 
Por: Rodrigo Constantino



quarta-feira, 22 de agosto de 2012

POLÍTICA EM TEMPOS LIBERAIS


Escrevo invocando a figura de Amaury de Souza, morto por um câncer no pâncreas aos 69 anos na semana que passou. Foi um dos melhores cientistas políticos de sua geração. Encarou como poucos a tarefa de passar do criticar ao construir, essa travessia fundamental que a finitude e o afeto demandam.

Conheci Amaury nos Estados Unidos, em 1969, onde ele fazia doutorado em Ciência Política no MIT e eu em Antropologia Social em Harvard. Como estrangeiros e um tanto desbravadores, estabeleceu-se entre nós uma simpatia e solidariedade imediatas. Era um momento de grandes esperanças, intensas ansiedades e paradoxais expectativas. A ditadura militar enrijecia no Brasil e nós todos - uma primeira leva de estudantes de Ciências Sociais - aguardávamos com ansiedade o retorno para compartilhar as nossas descobertas pessoais e profissionais. Um dia, em Harvard, ouvi do Amaury a seguinte frase a proposito de um ensaio que escrevi sobre a noção de má sorte - a panema - na Amazônia: "O que importa é demonstrar os argumentos. Tens argumentos?" Jamais me esqueci da majestade da observação. Amaury dizia coisas grandes - toda a história da humanidade é uma tentativa de demonstrar argumentos - de modo direto. A última vez que com ele falei foi num seminário sobre liberalismo no qual, a caminho do palco, ele me confessou sem rodeios: "O que você fez para escrever tão bem?" Passou-me pela cabeça duvidosa do elogio generoso responder de pronto - o sofrimento; mas, logo vi, que essa derradeira pergunta era tão difícil de enfrentar quanto a primeira.

Usando uma palavra em moda, peço vênia ao leitor para louvar a sua coragem de ser um liberal num país que jamais entendeu o que é liberalismo e, graças ao prestígio imenso de sua "esquerda" e ao peso maior ainda de sua ignorância, se dá o luxo de ignorar o pensamento de gente como Alexis de Tocqueville. No Brasil, liberalismo virou nome feio e ser liberal, uma categoria acusatória. Deixo o meu pesar pela travessia do Amaury de Souza e louvo o seu exemplo de vida.

E por falar em liberalismo, impossível não crer que Lula e toda a cúpula do PT soubessem dos meandros do mensalão. Neste Brasil onde as relações pessoais são mais importantes do que as persuasões individuais e ideológicas - aos amigos tudo, aos inimigos a lei! E, com o PT, aos companheiros, tudo isso e o céu também... Numa sociedade marcada por múltiplas éticas, todas a serem respeitadas ou jamais discutidas, porque conhecemos seus praticantes, e dentro de um partido em que o projeto de poder sempre se confundiu com o futuro e o bem-estar da coletividade no qual ele existe, me parece impossível que Lula, José Dirceu, o famoso capitão do time, e outros próceres não tivessem articulado o plano de chegar ao socialismo compadresco petista pelo capitalismo selvagem nacional - o infame mensalão.

Não posso, por tudo o que sei sobre o Brasil, aceitar - data vênia - a tese das defesas segundo a qual a república lulista agia à americana, individualisticamente, com cada qual cumprindo religiosa e burocraticamente o seu papel oficial, num país no qual as obrigações para com os amigos abrangem aceitá-lo até mesmo na sua mais profunda ingratidão, inveja e ressentimento. No Brasil, a amizade não se individualiza e, sendo relacional, engloba os amigos que são aturados ou suportados, por mais loucos que possam ser. Amigo de amigo é amigo; inimigo de amigo é inimigo; mulher de amigo é homem... Conforme dizia um rebelde pernambucano que confundia liberalismo com golpe: eu resisto a tudo, menos ao pedido de um amigo! Até no outro mundo, os pistolões e as rezas nos aliviam. E como ter uma cultura escravocrata se não culpamos e individualizamos o inferior e absolvemos os superiores, com os quais nos apadrinhamos compulsivamente?

Lula foi salvo pelo papel de presidente e lembra o caso Nixon, e, mais adiante, Clinton. Em Watergate, alguns pegaram prisão. Nixon, porém, livrou-se das grades, mas foi destituído do cargo. O tratamento privilegiado concedido aos presidentes (representados como mártires, como Lincoln e Vargas; ou como malandros que passaram raspando pelo fundo da agulha, como Clinton ou JK; ou dissolutos, como Nixon e Collor) mostra como mesmo em tempos pós-modernos a velha identificação entre Deus e rei continua atuando implicitamente junto a certos cargos públicos. Não é, obviamente, um elo axiomático como foi no Egito e no Oriente Médio, mas o papel exclusivo abarcado pela Presidência de um país ultrapassa facilmente os limites do partido e do governo, abarcando a sociedade e seus valores.

No caso do Brasil, há um claro messianismo que todos os populistas exploram sem cessar e que é a marca do lulismo. O Brasil sou eu, diz o nosso populismo real e divino. Um milenarismo tingindo ideologicamente que não é fácil de confrontar porque ele fala a linguagem arcaica da realeza divina e, no caso da nossa presidência divina, que isenta o presidente de atos impuros ou profanos, mesmo quando eles são inescapáveis, ele também discursa usando o mais moderno jargão desta nova língua nacional que se chama economês. Esse idioma de um demonizado neoliberalismo que fala em mercado, competição, igualdade perante a lei, moeda forte, responsabilidade pública, fiscal e pessoal, e meritocracia. Ou seja, tudo isso que o grosso das elites brasileiras odeiam de todo o coração. E que - não tenhamos dúvidas - é o que está em jogo no julgamento desse desprezível mensalão. 
Por: Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo

CINQUENTA TONS DE GOVERNO



287546-fifty-shades-of-grey.jpg
Recentemente, durante uma viagem de avião, notei que pelo menos um terço dos passageiros estava lendo um determinadobest seller. Isso me fez pensar.

Toda organização politicamente ativa e poderosa o suficiente para fazer lobby quer algo do governo, e o governo, sempre que possível, se mostrará extremamente satisfeito em aquiescer às demandas. Durante períodos eleitorais, tal relação se torna ainda mais explícita. Tudo não passa de uma troca de favores: votos em troca de poder e privilégios.

Uma outra maneira da colocar tudo isso: o governo aloca privilégios na forma de regulamentações específicas, de espoliação de uns em troca de favorecimentos para outros, de proteção aos favoritos e de punições aos não condescendentes. Todos os grupos de interesse e todos os partidos políticos têm ideias sobre como seu poder sobre nós pode e deve ser usado.

Para os que não são privilegiados e poderosos o bastante para entrar neste arranjo, como você e eu, será que realmente faz alguma diferença quem irá receber os espólios? Se você será tributado para o governo construir ciclovias ou para dar aumentos salariais ao funcionalismo, o resultado final é o mesmo: você está sendo proibido de utilizar uma parte da sua renda apenas para que políticos e burocratas possam satisfazer seus desejos. Se as regulamentações dizem que você não pode trabalhar em troca de um valor salarial que esteja abaixo de um valor estipulado arbitrariamente por políticos ou se elas proíbem você de comprar determinados produtos, o efeito final é o mesmo: sua liberdade de fazer contratos voluntários está sendo solapada.

O problema real é que todos se limitam a discutir interminavelmente apenas sobre como o governo pode e deve ser usado. Ninguém concebe tirar o governo de cena. O governo deve proibir gays de se unirem civilmente ou deve proibir empresas privadas de discriminar pessoas que optam pela união homossexual? Ou o estado proíbe alguma coisa ou impõe outra. Estes são os dois extremos de sua amplitude de atuação. De um jeito ou de outro, o estado está sendo utilizado para dizer às pessoas o que elas podem e o que elas não podem fazer. Neste sentido, esquerda e direita têm muito mais em comum do que aceitam admitir: ambas partem do princípio — para elas axiomático — de que o estado pode gerenciar a ordem social melhor do que a liberdade. Ambas têm planos sobre como o estado pode bem gerir as pessoas.

O governo deve restringir a circulação de automóveis ou deve estimular suas aquisições? Os bancos devem ser protegidos e estimulados a se fundirem ou devem ser estritamente regulados de modo a não poderem realizar outras atividades senão as bancárias? As grandes empresas devem ser subsidiadas e protegidas das importações ou devem ser tributadas ao máximo? Gordura saturada deve ser de consumo obrigatório como parte de uma nova dieta nacional ou deve ser proibida como sendo um risco à saúde? Remédios devem ter seu acesso dificultado ou subsidiado?

Estes são os grandes debates da nossa era. Mas é óbvio que eles não representam debates. Fundamentalmente, são meras empulhações com o objetivo único de sacramentar o poder decisório do estado. Qualquer que seja a escolha dentre as opções acima, o real vencedor sempre será o governo, seus agentes, seus porta-vozes e seus poderes. Acima de tudo, será a consagração da nossa aceitação do estado controlando nossas vidas, nossas decisões e nossa cultura. Ou o estado me proíbe ou ele me obriga. Estas são as únicas opções ofertadas. E, incrivelmente, tal totalitarismo segue inquestionável pelo rebanho.

A carga tributária deve ser de 40% do PIB ou 37,2%? Deve incidir majoritariamente sobre a renda ou sobre o consumo? Qualquer que seja a escolha, a liberdade é a perdedora, e os direitos de propriedade se tornam cada vez menos garantidos.

Religiosos devem poder controlar o que vemos na televisão, o que lemos e o que fumamos, ou os ateus devem poder impor leis que impeçam as pessoas religiosas de se expressarem livremente? Qualquer que seja a escolha, está-se concedendo ao governo mais controle sobre a sociedade.

Essa é a grande tragédia de se viver sob o leviatã. O ser humano sempre terá ideias distintas e conflitantes sobre como as questões devem ser conduzidas. Isso é inevitável. O problema ocorre quando se delega o monopólio da tomada suprema de decisões para uma entidade amorfa e acima da lei. Quem deve ser premiado? Quem deve ser punido? Quem deve receber privilégios? Quem deve pagar a conta? No final, tudo se torna uma guerra entre grupos de interesse, cada um se esforçando ao máximo para ter influência sobre o estado e, com isso, viver à custa de todo o resto da sociedade.

E o que realmente é essa coisa a que chamamos de estado? O que é o governo? Trata-se de uma gangue envolta por toda uma estrutura institucional que cria regras arbitrárias, fiscaliza seu cumprimento e impõe punições aos dissidentes. Ao mesmo tempo, o estado e seus agentes vivem em uma dimensão paralela, completamente alheios e imunes às leis que eles próprios impõem ao resto da população. Nós não podemos roubar, mas o governo pode. Nós não podemos matar, mas o governo pode. Nós não podemos falsificar dinheiro, mas o governo pode. Nós não podemos sequestrar nem praticar fraude, mas o governo pode. Esta coisa chamada governo possui, obviamente, um forte interesse em manter seu poder, seu prestígio e seu financiamento. Que seus agentes queiram manter seus privilégios, embora moralmente condenável, é algo um tanto compreensível. O que realmente não dá para entender é que pessoas que estão fora do esquema continuem defendendo a existência dele.

A natureza do estado é a mesma, independentemente de qual seja a estrutura do governo. Oligarquia, monarquia absolutista, monarquia constitucional, república presidencialista, república parlamentarista, democracia — todos têm uma característica em comum: eles criam uma casta privilegiada de cidadãos que vivem à custa de todo o resto do populacho.

Em uma democracia, o arranjo é ainda mais descarado. O governo consegue recrutar toda a população para defender a sua causa. O governo magicamente consegue fazer com que as pessoas se limitem a discutir apenas como o governo deve ser utilizado para se alcançar determinados objetivos econômicos e sociais. Que o governo sequer deve ser utilizado para tais fins é algo que não passa pela cabeça das pessoas. Enquanto esta alienação persistir, o governo continuará sendo o vencedor, para o regozijo dos grupos de interesse. Em uma democracia, a função de lobistas e de grupos de interesse é justamente a de recompensar a classe política por seus esforços, transferindo nosso poder e dinheiro para ela. Exatamente qual é a desculpa utilizada — e ela muda de acordo com o momento; algumas vezes sutilmente, outras, dramaticamente — é algo que não interessa ao governo.

O governo é um camaleão, perfeitamente jubiloso em vestir qualquer manto cultural ou ideológico que o permita se camuflar e se imiscuir com quaisquer que sejam as demandas sociais e culturais da época. Em uma democracia litigiosa — como todas são —, existem cinquenta tons de governo, cada tom apropriado para uma determinada época e lugar, cada tom adaptado aos propósitos do momento, todos com o interesse único de firmar seu controle sobre todos.

É disso que se trata todo o "espectro político". O governo nos domina e nós nos submetemos. Ele nos coloca em servidão e nós obedecemos à sua disciplina. Tem de haver uma boa desculpa para tudo isso, caso contrário jamais nos submeteríamos a tamanha humilhação voluntária. Temos de acreditar que o governo, de alguma maneira, em algum nível, está fazendo algo que nos agrade. Talvez, como dizem, o governo seja nós mesmos...

As pessoas gostam de dizer que, na Idade Média, na "era da fé", diferenças religiosas levavam a guerras. No entanto, alguns historiadores que se puseram a analisar aquele período mais detalhadamente observaram algo diferente: governos que querem fazer guerras adoram utilizar a religião como desculpa.

E o mesmo raciocínio se aplica à atualidade. Na atual "era da ciência", somos submetidos a um planejamento científico social no qual especialistas, com as mãos firme nas alavancas de controle, dizem às pessoas como irão utilizá-las. Se a desculpa apresentada será religiosa ou científica, ambientalista ou pragmática, nacionalista ou globalista, realmente não interessa para o resto de nós. Os direitos e as liberdades daqueles que terão de pagar a conta estarão para sempre sacrificados em prol da agenda política de terceiros.

Portanto, na próxima eleição, quando você estiver indo como um cordeirinho para as urnas, pense nos nomes dos candidatos e no que estas pessoas prometeram fazer por você e para você caso você sancione o direito delas de mandar em você. Afinal, sempre que votamos, nos dizem que nós fizemos nossa escolha voluntariamente e agora temos de viver com ela.

Mas é claro que, neste arranjo, não há escolha nenhuma. Um dia talvez percebamos de que não há nenhum sentido em nos submetermos a esta servidão consentida. Ainda haverá um dia em que revogaremos nossa dependência e rejeitaremos toda esta relação escravo-senhor, a qual é a base de sustentação de todo o sistema. Cinquenta Tons de Governo tem sido um best seller há centenas de anos. Já é hora de os governados escreverem um livro totalmente novo.




é o presidente da Laissez-Faire Books e consultor editorial do mises.org. É também autor dos livros It's a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for Breakfast: Living Outside the Statist Quo

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O SISTEMA BANCÁRIO BRASILEIRO


O sistema bancário brasileiro e seus detalhes quase nunca mencionados



logos-bancos.jpg
Ao leitor leigo que teve a coragem de clicar neste artigo não obstante seu título nada atraente, prometo meu máximo esforço para tornar esta leitura palatável e perfeitamente compreensível. O assunto pode parecer árido e desinteressante à primeira vista, porém é o mais importante de toda a economia. Afinal, é justamente o sistema bancário quem multiplica a quantidade de dinheiro na economia e, consequentemente, afeta a oferta de crédito. 

Qualquer assunto que envolva a criação e a manipulação de dinheiro e da oferta de crédito possui mais impacto sobre a economia do que qualquer pacote de estímulo fiscal, qualquer regulamentação, qualquer parceria público-privada. A diferença é que o impacto surge mais no longo prazo e quase sempre suas reais causas não são compreendidas. A manipulação da moeda de um país é algo que afeta a todos, mas em proporções muito distintas. Alguns ganham e muitos (a maioria) perdem. 

Se você entender este artigo, entenderá como realmente funciona o nosso atual sistema financeiro — e o considerará, no mínimo, muito estranho. 

Estrutura

As relações entre o Banco Central e o sistema bancário já foram exaustiva e detalhadamente cobertas em uma série de artigos deste site (dentre os quais, sugiro este, este e este), de modo que neste artigo vamos nos concentrar mais na mecânica do sistema bancário. 

Mais especificamente, vamos nos ater às seguintes questões: como de fato os bancos criam dinheiro, expandem o crédito e afetam toda a economia? Seria possível o sistema bancário criar moeda e expandir a oferta de crédito continuamente caso não houvesse um Banco Central? Como os bancos podem atender ao apelo daquele animador de circo que ocupa o cargo de Ministro da Fazenda e sair concedendo crédito a rodo? A inflação de preços no Brasil, teimosamente alta, tem a ver com o nosso sistema bancário?

Os três primeiros artigos linkados acima detalham como o Banco Central, por meio de suas compras de títulos públicos que estão em posse do sistema bancário, deposita dinheiro (meros dígitos eletrônicos criados do nada, ao simples apertar de uma tecla de computador) em uma conta que os bancos mantêm junto ao Banco Central. Estes dígitos recém-adicionados às suas contas são então utilizados pelos bancos para expandir a oferta de crédito em uma quantidade várias vezes maior do que a quantidade de dígitos criada pelo Banco Central.

Isso é apenas o básico. Os detalhes, no entanto, explicam muita coisa. Vamos a eles.

Os dez principais bancos brasileiros, elencados pelo valor de seus ativos, são: Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, BNDES, Caixa Econômica Federal, Santander, HSBC, Votorantim, Safra e BTG Pactual. Menção honrosa para o Citibank em 11º e para o Banrisul em 12ª, inflando o orgulho dos gaúchos. 

Olhando esta lista — e excluindo o BNDES pelo fato de ele não ser um banco comercial no sentido estrito do termo, isto é, com correntistas pessoas físicas —, é fácil perceber como o sistema bancário brasileiro é concentrado. Afinal, quantas pessoas você conhece que são correntistas apenas do Votorantim, do Safra, do BTG Pactual e do HSBC? Votorantim e BTG sequer trabalham com caderneta de poupança. E os ativos do Santander, quinto da lista sem o BNDES, são a metade dos do Itaú, o segundo da lista.

Logo, se, por exemplo, o Itaú emprestar dinheiro para alguém, o dinheiro deste empréstimo muito provavelmente acabará sendo depositado ou em uma agência do BB, ou em uma do Bradesco, ou em uma da CEF, ou em uma do próprio Itaú. Com uma menor probabilidade, este dinheiro pode ir para o Santander. E com muito menos probabilidade, ele pode ir para qualquer outro banco.

(E se considerarmos a hipótese mais realista de que empréstimos vultosos feitos por uma instituição tendem a ser pulverizados para vários cantos da economia, as chances de que uma fatia deste dinheiro volte para a própria instituição bancária que originou o empréstimo é bem grande.)

Todos estes prolegômenos têm um só objetivo: mostrar que o sistema bancário brasileiro é extremamente concentrado. Fazendo uma simplificação relativamente realista, não é exagero dizer que temos apenas 5 bancos: BB, Itaú, Bradesco, CEF e Santander. Com boa vontade, podemos incluir o HSBC, cujos ativos são quase nove vezes menores que os do BB. Isto significa que, sempre que BB, Itaú, Bradesco ou CEF fizerem um empréstimo, a chance de uma fatia deste dinheiro voltar para eles próprios é bem alta. Mais especificamente, sempre que o BB, por exemplo, faz um empréstimo vultoso, pode-se dizer que 20% (um quinto) deste dinheiro volta para ele.

Juntos, BB, Itaú, Bradesco, CEF e Santander detêm 74% dos ativos de todo o sistema bancário.

E as consequências disso são muitas.

As características do atual sistema bancário

Em teoria — e é isso o que diz os manuais de economia e até mesmo de direito —, a função de um banco é a de servir de intermediário entre o poupador e o investidor. Um banco captaria um depósito de um cliente, o poupador, e emprestaria este valor para um empreendedor. Para fazer isso, o banco emitiria um título prometendo pagar uma determinada taxa de juros Y. O poupador compraria este título. Ato contínuo, o banco emprestaria o dinheiro assim obtido para um empreendedor que necessitasse de financiamento. O banco cobraria deste empreendedor uma taxa de juros X, com X sendo maior do que Y. Esta diferença entre a taxa de juros que o banco paga para captar recursos e a taxa de juros que ele cobra para emprestar se chama spread, e ela seria a principal fonte de receita dos bancos.

Neste modelo, os bancos atuariam como genuínos intermediadores financeiros. Mais ainda: eles estariam agindo como empreendedores alertas às oportunidades e atentos a todas as eventuais descoordenações do mercado. Ao coordenarem um equilíbrio entre poupadores e empreendedores, ao verem que em um setor da economia há alguém disposto a emprestar dinheiro a 10% e, em outro setor, há alguém disposto a pegar dinheiro emprestado a 15%, os bancos fariam esta intermediação e lucrariam com ela. Sua "função social" seria justamente a de reconhecer esta descoordenação, corrigi-la e, neste processo, auferir lucros. Sua atividade como intermediador financeiro seria a de coletar poupança e direcioná-la para empreendedores. 

Neste caso, como os empréstimos feitos pelos bancos estão vindo de uma poupança real que estaria apenas sendo transferida de um indivíduo para o outro, podemos dizer que está havendo a criação de crédito real. O crédito real é a base da acumulação de capital e do crescimento econômico.

No entanto, como bem sabem nossos leitores, o sistema bancário atual — tanto no Brasil quanto no mundo — opera de uma maneira um tanto distinta. Em vez de atuarem como intermediadores da poupança e do investimento, os bancos na realidade possuem o privilégio legal e exclusivo de criar dinheiro do nada, emprestarem este dinheiro e cobrarem juros sobre ele. Como se trata de algo importante e bizarro demais para ser ignorado, vale a pena enfatizar: bancos possuem o privilégio legal, concedido pelo estado, de criar dinheiro eletrônico, de emprestar estes dígitos eletrônicos para pessoas e empresas, e de cobrar juros sobre eles. Algo que lhe daria cadeia se você fizesse, os bancos fazem com a autorização e até mesmo com um forte incentivo estatal.

A principal característica do atual sistema bancário é que o seu real modus operandi não permite sequer que digamos que os bancos também fazem uma intermediação financeira. Não, o sistema bancário atual não atuatambém direcionando poupança para investimentos. Os bancos de hoje lidam majoritariamente com dígitos eletrônicos que eles próprios criam. E, quando você lida com dígitos eletrônicos que podem ser criados do nada, você não se preocupa com a origem daquele dígito. Se você pode criar dígitos eletrônicos para emprestar para João, você não tem de se preocupar em remover estes dígitos eletrônicos da conta do José. Você pode criar os dígitos eletrônicos na conta de João ao mesmo tempo em que José segue tendo total e irrestrito acesso aos dígitos eletrônicos dele.

Sendo assim, a realidade é que, para todas as operações de concessão de crédito, os bancos criam dinheiro eletrônico do nada e emprestam este dinheiro para pessoas, empresas e governos (federal, estaduais e municipais), em um processo que veremos mais abaixo. Dado que tais depósitos bancários assim criados não vieram da poupança, podemos dizer que está havendo a criação de crédito bancário (e não de crédito real). É importante frisar isso: no atual sistema bancário, todo o crédito é bancário. Trata-se de dígitos eletrônicos que são criados pelos bancos e acrescidos às contas dos tomadores de empréstimos. Nenhum dinheiro está sendo removido de uma conta para outra. Está havendo apenas a criação de dígitos eletrônicos.

E é essa capacidade de criar crédito bancário o que gera o contínuo aumento da quantidade de dinheiro eletrônico na economia, bem como suas inevitáveis consequências: inflação de preços e ciclos econômicos.

Para o leitor ter uma ideia da magnitude desta criação de crédito bancário no Brasil, o total de cédulas de papel e de moedas metálicas (ou seja, dinheiro físico) na economia brasileira foi, em julho, de aproximadamente R$ 153 bilhões. Deste valor, R$ 124 bilhões estavam nas mãos do público (isto é, na sua carteira, nos caixas dos estabelecimentos comerciais, nos cofres das empresas etc.) e o restante, R$ 29 bilhões, estava em posse da rede bancária (isto é, nos caixas eletrônicos e nos cofres das agências bancárias). Ao mesmo tempo, o saldo total do crédito bancário na economia, ou seja, a quantidade de dinheiro eletrônico que os bancos criaram e emprestaram, totalizava R$ 2,17 trilhões. Portanto, o total de dinheiro eletrônico criado é de 74 vezes a quantidade de papel-moeda em posse dos bancos e de 14 vezes a quantidade total de papel-moeda existente.

Todo este dinheiro eletrônico, uma vez criado, é espalhado por diversas contas e aplicações bancárias: contas-correntes, contas-poupança, depósitos a prazo, letras de câmbio, letras hipotecárias, letras de imobiliárias, e fundos de investimento, como fundos cambiais, de curto prazo, renda fixa, multimercado e referenciado.

Portanto, eis aqui a primeira e primordial constatação: todo o dinheiro que está hoje na forma de dígitos eletrônicos em contas e aplicações bancárias entrou na economia de uma única maneira: criação de crédito bancário. Não há nenhuma outra maneira de o dinheiro entrar na economia geral a não ser pela criação de crédito bancário. 

E agora a segunda constatação, derivada da primeira: a principal fonte de todos os depósitos bancários que hoje existem na economia não são os depositantes, mas sim os empréstimos que os bancos criam do nada. Os depósitos são a consequência destes empréstimos. Contas bancárias são produto da criação de crédito, e não o contrário.

Uma pessoa, uma empresa ou um funcionário do governo vai ao banco e pede um empréstimo. Ato contínuo, o banco cria, do nada, dígitos eletrônicos na conta desta pessoa. Nenhuma outra conta foi subtraída neste processo. A quantidade de dinheiro eletrônico na economia simplesmente aumentou. Ao ser gasto, este dinheiro recém-criado vai parar nas contas de outras pessoas e empresas. Dali, ele vai para o depósito ou aplicação que este recebedor final escolher.

Os bancos criam dinheiro eletrônico sempre que fazem qualquer tipo de empréstimo ou de investimento. Sem exceção. Se você vai ao banco e pede um empréstimo para comprar um imóvel, o banco vai criar dinheiro eletrônico na sua conta. Se você pedir um empréstimo para comprar um carro, o banco vai criar dinheiro eletrônico na sua conta. Quando o Tesouro faz um leilão de títulos, os bancos criam dinheiro eletrônico para comprar estes títulos. Se um empresário quer descontar uma duplicata, o banco compra o papel — a um valor descontado, é claro — criando dinheiro eletrônico na conta deste empresário. O mesmo ocorre quando uma empresa faz uma operação de vendor (quando a empresa vende um produto a prazo para um cliente, mas quer receber o pagamento à vista, ela leva a nota promissória ao banco, que a comprará a um preço de descontado. Desta forma, o banco está financiando o comprador).

Capital de giro, conta garantida, aquisição de bens, financiamento imobiliário, adiantamento sobre contratos de câmbio, cheque especial, crédito pessoal etc. — tudo é feito com a criação de dinheiro eletrônico. Sempre que um banco adquire um ativo, ele tem de criar um passivo. O ativo é o papel que ele comprou criando dinheiro eletrônico; o passivo são justamente os dígitos eletrônicos que ele acrescenta na conta da pessoa de quem ele comprou o ativo. Ao fazer isso, o banco aumenta a oferta monetária e pressiona os preços para cima.

Portanto, bancos não são — como muitos acreditam — mediadores de crédito. Eles são criadores de crédito.

Como os bancos expandem o crédito muito além do controle do Banco Central

Uma vez entendido que os bancos criam dinheiro do nada, vem a pergunta: o que os restringe? Como garantir que eles não abusem deste invejável poder? 

A resposta é clara: se os bancos saírem criando crédito bancário em demasia, a inflação de preços subirá. Com o aumento dos preços, os bancos terão de aumentar os juros que cobram, caso contrário receberão de volta um dinheiro com menos poder de compra do que aquele que emprestaram. Esta subida dos juros arrefecerá o ímpeto das pessoas e empresas em contraírem empréstimos, o que irá colocar um fim temporário à farra expansionista.

Além desta prudência voluntária dos bancos, há também o controle do Banco Central por meio do depósito compulsório. O depósito compulsório é, como o nome diz, um depósito que os bancos são obrigados a fazer no Banco Central. Todos os bancos têm de manter depositado no Banco Central uma determinada porcentagem do valor total de seus depósitos. Por exemplo, se um banco tem $1.000 em conta-corrente, e o compulsório é de 40%, os bancos têm de manter $400 parados no Banco Central. Estes $400 são suas reservas bancárias. 

(Este sistema em que os bancos são legalmente autorizados a manter como reservas apenas uma fração de seus depósitos é chamado de sistema bancário de reservas fracionárias. Ele difere enormemente daquele sistema descrito no início deste texto, no qual um banco atua como intermediador financeiro. Naquele esquema, o correntista que quiser auferir juros vai emprestar seu dinheiro, ficando sem ter acesso a ele durante o período do empréstimo. No esquema atual, várias pessoas são as donas de um mesmo dinheiro físico — no caso, os $400 que estão nas reservas. Todo o resto é dinheiro eletrônico. Se houver uma corrida bancária para sacar dinheiro, quem chegar por último ficará sem nada. Ele finalmente descobrirá que os dígitos eletrônicos em sua conta eram apenas aquilo: dígitos eletrônicos. Não havia nada físico lastreando aqueles dígitos.)

Neste exemplo numérico dos $1.000 em conta-corrente, se um correntista transferir, digamos, $50 deste banco para um banco de outra marca (do Itaú para o Bradesco, por exemplo), as reservas cairão para $350 e o valor total da conta-corrente será de $950. Neste caso, o banco estará violando a regra de 40% do compulsório. Tendo $950 de conta-corrente, ele tem de ter $380 de reservas bancárias. Logo, o banco terá de arranjar mais $30 para cobrir este "rombo". 

No sistema bancário atual, esta "cobertura de rombo" acontece diariamente no final do expediente bancário, que é quando ocorrem as compensações. Normalmente, o dinheiro que é transferido dos clientes do Itaú para os clientes do BB, da CEF, do Bradesco e do Santander é compensado pelo dinheiro que os clientes destes transferem para o Itaú. No entanto, caso algum banco chegue ao final do dia tendo de arrecadar dinheiro para cobrir o rombo em seu compulsório, ele irá recorrer ao mercado interbancário, no qual aqueles bancos com reservas em excesso emprestam dinheiro para aqueles com reservas insuficientes. Os juros que eles cobram nesta operação é exatamente a taxa SELIC.

O funcionamento do mercado interbancário foi explicado detalhadamente neste artigo, de modo que não irei aqui me aprofundar neste assunto novamente. A intenção de falar sobre o compulsório é mostrar que ele é um mecanismo de controle da expansão monetária. Quanto menor for a porcentagem do compulsório, maior será a quantidade de dinheiro que os bancos podem criar via empréstimos. 

Mas há dois problemas. O primeiro, certamente o leitor mais atento já conseguiu visualizar: quanto maior a concentração bancária, mais tranquilamente os bancos podem expandir o crédito. Se os cinco maiores bancos brasileiros decidem expandir o crédito no mesmo ritmo, o dinheiro que um cria vai parar na conta do outro, e vice-versa. No final do dia, a necessidade de eles recorrerem ao mercado interbancário para obter quantias volumosas para satisfazer a determinação do compulsório é muito pequena. Só terá esta necessidade aquele banco que expandir muito mais do que os concorrentes. Em se tratando de um sistema bancário com poucos bancos e totalmente cartelizado e controlado pelo Banco Central, como o brasileiro, tal coordenação é fácil de ser feita. Aliás, ela é justamente uma das funções do Banco Central. Portanto, este é o primeiro detalhe estrutural que arrefece bastante a capacidade do Banco Central de restringir a expansão creditícia feita pelos bancos.

O segundo problema, que é justamente o ponto deste artigo, é um pouco mais complexo: os bancos podemlegalmente escapar do compulsório imposto pelo Banco Central, o que significa, mais uma vez, que a capacidade de criação de crédito bancário está muito aquém do controle do Banco Central.

A seguir, recorro a um balancete bem simplificado para ilustrar como os bancos podem expandir o crédito para muito além do permitido pelo compulsório. O balancete representa o sistema bancário consolidado de uma determinada economia. De início, o sistema bancário trabalha apenas com depósitos em conta-corrente. O compulsório é de 40%. Os bancos criaram um crédito bancário total de $15.000. Deste valor, $10.000 foram parar nas contas-correntes de todo o sistema bancário, e o restante está disperso pela economia na forma de papel-moeda em posse das pessoas e na forma de passivos de longo prazo do sistema bancário. Observe que há $4.000 na forma de reservas bancárias, satisfazendo o compulsório de 40%. (Tecnicamente, tais reservas podem ser tanto na forma de dinheiro físico no cofre dos bancos, quanto na forma de dinheiro eletrônico depositado junto ao Banco Central).
Balancete consolidado do sistema bancário
Ativos
Passivos + Patrimônio Líquido
Reservas: $4.000
Crédito: $15.000
Depósitos em conta-corrente: $10.000
Passivos de longo prazo: $3.000

Capital: $6.000
Total dos ativos: $19.000
Total dos passivos: $19.000


Observe que, neste ponto, os bancos não mais podem expandir o crédito. Qualquer expansão do crédito levará a um aumento nos depósitos em conta-corrente, o que, consequentemente, imporá a necessidade de se elevar a quantidade de reservas. E, para aumentar suas reservas, os bancos teriam de induzir algumas pessoas a depositar dinheiro em espécie nos bancos. Para tal, eles teriam de oferecer incentivos, como emitir papeis que paguem juros altos. Isso pode afetar seus lucros. 

Outro problema é que mais criação de crédito implica maior probabilidade de saques em espécie, o que reduziria as reservas dos bancos. 

Caso as coisas continuassem assim e — muito importante —, caso o Banco Central não interviesse imprimindo dinheiro e criando mais reservas bancárias, a expansão do crédito estaria estagnada.

No entanto, há outros truques legais que permitem contornar esta situação. Os bancos podem, por exemplo, convencer seus correntistas a migrarem seus depósitos em conta-corrente para uma nova modalidade criada, os depósitos a prazo. Estes depósitos, em nosso exemplo, não possuem regras para compulsório. Quais as consequências?

Suponha que os bancos conseguiram convencer alguns clientes a fazer tal migração de conta, totalizando uma transferência de $5.000 das contas-correntes para os depósitos a prazo. Imediatamente após a transferência, este seria o balancete do sistema bancário:
Balancete consolidado do sistema bancário
Ativos
Passivos + Patrimônio Líquido
Reservas: $4.000
Crédito: $15.000
Depósitos em conta-corrente: $5.000
Depósitos a prazo: $5.000
Passivos de longo prazo: $3.000

Capital: $6.000
Total dos ativos: $19.000
Total dos passivos: $19.000

Observe que agora as reservas estão em excesso em relação ao volume das contas-correntes. A transferência de $5.000 das contas-correntes para depósitos a prazo liberou mais $5.000 para os bancos criarem crédito bancário. 

Após esta nova expansão do crédito bancário, veja o novo balancete do sistema bancário:
Balancete consolidado do sistema bancário
Ativos
Passivos + Patrimônio Líquido
Reservas: $4.000
Crédito: $20.000
Depósitos em conta-corrente: $10.000
Depósitos a prazo: $5.000
Passivos de longo prazo: $3.000

Capital: $6.000
Total dos ativos: $24.000
Total dos passivos: $24.000

Observe que está tudo de acordo com as leis estipuladas pelo Banco Central. O crédito foi expandido em mais $5.000 e este valor foi parar integralmente nas contas-correntes dos bancos. (Haveria o risco de os correntistas sacarem parte deste dinheiro digital que foi criado, o que faria com que os valores das reservas e das contas-correntes fossem menores. Mas isso apenas faria com que a nova expansão do crédito fosse menor; tal ato não seria um empecilho para a expansão do crédito. Pelo bem da brevidade, vamos supor que não houve nenhuma alteração na propensão dos cidadãos a portar um volume maior de dinheiro, o que, aliás, é um argumento bastante realista). As reservas de $4.000 continuam respeitando o compulsório de 40% para o valor total das contas-correntes.

E se os bancos gostarem e quiserem repetir a dose? É perfeitamente possível. Basta eles continuarem incitando os correntistas a migrarem suas contas para depósitos a prazo. Repetindo idêntico procedimento acima, mais $5.000 são transferidos das contas-correntes para os depósitos a prazo. Lembre-se: são apenas dígitos eletrônicos. Não há nenhum obstáculo a esta manipulação.

Eis o balancete do sistema bancário imediatamente após esta nova transferência:
Balancete consolidado do sistema bancário
Ativos
Passivos + Patrimônio Líquido
Reservas: $4.000
Crédito: $20.000
Depósitos em conta-corrente: $5.000
Depósitos a prazo: $10.000
Passivos de longo prazo: $3.000

Capital: $6.000
Total dos ativos: $24.000
Total dos passivos: $24.000

Com reservas em excesso, os bancos podem novamente expandir o crédito em mais $5.000. Eis o balancete dos bancos após esta expansão creditícia:
Balancete consolidado do sistema bancário
Ativos
Passivos + Patrimônio Líquido
Reservas: $4.000
Crédito: $25.000
Depósitos em conta-corrente: $10.000
Depósitos a prazo: $10.000
Passivos de longo prazo: $3.000

Capital: $6.000
Total dos ativos: $29.000
Total dos passivos: $29.000

Com apenas duas rodadas de migração de contas, foi possível ampliar o crédito em $10.000. Mais importante: não houve injeção de dinheiro do banco central; nenhuma moeda física foi criada para permitir este aumento. O único fenômeno ocorrido foram bancos migrando contas e criando dígitos eletrônicos do nada. 

Tal prática pode continuar perpetuamente? Em um ambiente sem um Banco Central, muito difícil, pois, como dito, sempre há o risco de os correntistas decidirem sacar dinheiro. Porém, normalmente, o dinheiro que é sacado acaba sendo gasto; ao ser gasto, ele volta a ser depositado em outra conta-corrente, de modo que a alteração final tende a ser nula. Mas vale a pena enfatizar: sacar dinheiro dos bancos e não depositá-lo novamente é um instrumento poderosíssimo para abalar um sistema bancário de reservas fracionárias. E é exatamente aí que entra o Banco Central, garantindo contínuas injeções de reservas bancárias e impressões de dinheiro (via Casa da Moeda) de modo a não abalar a continuidade deste processo.

Em termos práticos, vale ressaltar que foi exatamente este processo de migração de contas e consequente expansão do crédito que aconteceu durante a década de 1920 nos EUA, quando os bancos expandiram o crédito muito além daquilo que imaginava ser possível o Federal Reserve. Um excelente livro a respeito, que transcreve vários relatórios emitidos pelo Fed à época mostrando enorme surpresa dos burocratas com a evolução do crédito para muito além do que julgavam ser possível, é este (há versões gratuitas para iPad e iPhone, bem como .pdfs.). 

Esta mesma prática é hoje corriqueira em todo o mundo, inclusive no Brasil, cujos dados ilustrados ao final deste artigo irão comprová-la. Nos EUA e na Europa, o sistema bancário, com a anuência de seus respectivos bancos centrais e pelo simples truque da migração de contas (tanto nos EUA quanto na Europa, não há regra de compulsório para depósitos a prazo), expandiu enormemente a oferta de crédito durante a década de 2000, gerando a bolha imobiliária e a subsequente crise financeira, com os resultados que estamos vivenciando hoje.

Aqui no Brasil, o compulsório para depósitos em conta-corrente é talvez o maior do mundo, de 43%. Mas isso é pouco efetivo, pois a migração para contas-poupança, para depósitos a prazo e para fundos de investimento é maciça. O compulsório sobre depósitos a prazo é de 20%. O mesmo valor se aplica aos depósitos de poupança. Qualquer aplicação dos bancos em fundos de investimento está isenta de compulsório. E há mais detalhes: o compulsório sobre depósitos a prazo vigorou apenas durante um determinado período da primeira fase do Plano Real (1996 a 1998). Depois, foi abolido (ficando em seu lugar a necessidade de depositar títulos do Tesouro junto ao Banco Central). Só voltou a vigorar em abril de 2010, e sua taxa é constantemente alterada, variando de 15% a 20%. Ou seja, durante a maior parte da história recente não havia tal instrumento. O espaço que tais alterações de compulsório abre para a expansão do crédito bancário é enorme.

Os números do Brasil

Para se ter uma ideia prática do volume deste fenômeno da migração de contas, veja os dois gráficos abaixo. O primeiro gráfico mostra a evolução nominal da conta-corrente (linha vermelha), dos depósitos em poupança (linha azul) e dos depósitos a prazo (linha verde). Observe que, com a instituição do compulsório sobre depósitos a prazo a partir de 1996, os depósitos em poupança ganham mais captação. Óbvio, pois depósitos a prazo normalmente pagam juros maiores do que depósitos em poupança. Mesmo com a abolição do compulsório ao final de 1998, os depósitos a prazo ainda demoram um pouco para ganhar atratividade, o que só começa a acontecer em definitivo a partir de 2001.
cewolf1.png

O volume de depósitos a prazo é 6 vezes (ou 500%) maior do que o de depósitos em conta-corrente. O volume de depósitos em poupança é 3 vezes maior, ou 200%.

Se construirmos um gráfico mostrando a taxa de crescimento anual das três variáveis, algumas observações se tornam mais óbvias:
variacoes1.png

Em 2003, a estagnação do crédito foi geral, de modo que o crescimento das três contas desacelerou fortemente. Apenas os depósitos a prazo aumentaram em relação a 2002 (5%, como mostra o gráfico ao final de 2003). Nenhuma surpresa. Em 2004, o crédito voltou a se expandir, e os depósitos a prazo, também sem surpresa, foram os que mais cresceram. A partir de 2006, quando o Banco Central começou o ciclo de redução da SELIC, o qual duraria até março de 2008, a taxa de crescimento dos depósitos a prazo começou a desacelerar, ao passo que conta-corrente e conta-poupança passaram a aumentar. A partir de 2007, a relação inversa entre as variáveis se torna explícita: quando a SELIC sobe (2008, segundo semestre de 2010, primeiro semestre de 2011), há uma migração para os depósitos a prazo; quando a SELIC cai (2009 e segundo semestre de 2011 até hoje), há uma migração para a poupança e para a conta-corrente. 

A forte migração para os depósitos a prazo ocorrida em 2008 pode ser explicada tanto pela elevação da SELIC quanto pelo fato de, ainda àquela época, não haver compulsório para os depósitos a prazo. Finalmente, a partir de meados de 2011, com o atual ciclo de redução da SELIC, a taxa de crescimento dos depósitos a prazo voltou a cair, embora seu crescimento ainda esteja maior do que o crescimento dos outros dois depósitos.

Vale notar também que os depósitos em conta-corrente são os primeiros a reagirem a uma alteração na SELIC. Óbvio, pois eles são o primeiro destino de todos os dígitos eletrônicos que foram criados e gastos. A poupança varia simultaneamente, mas com uma pequena defasagem. Já os depósitos a prazo variam inversamente.

Por fim, contemple o gráfico da expansão total do crédito. Ao olhar o gráfico, pense que estes R$2,17 trilhões são meros dígitos eletrônicos criados por bancos.
credit.png


Enquanto isso, o valor total da base monetária em julho — aquela variável que está totalmente sob controle do Banco Central — foi de R$192,5 bilhões. Quem ainda imagina que, em um sistema bancário de reservas fracionárias, o Banco Central pode exercer algum controle benéfico sobre o sistema está seriamente iludido. 

A função do Banco Central em todo este esquema é propiciar seguidas injeções de reservas bancárias para permitir que a expansão do crédito bancário prossiga incólume. Afinal, sempre que ele pára de injetar reservas, a SELIC sobe e o povo reclama

E um detalhe final: mesmo que o BC pare de injetar reservas com o intuito de restringir a expansão do crédito, é perfeitamente possível os bancos continuarem expandindo o crédito bancário ainda por um bom tempo: basta eles coordenarem uma expansão creditícia simultânea ao mesmo tempo em que fazem migrações de contas bancárias. Em um sistema bancário extremamente concentrado como o brasileiro, tal coordenação não é nada difícil.

Conclusão

No sistema monetário atual, o processo de criação de crédito é totalmente artificial. Ao contrário do que imaginam alguns românticos, bancos não são meros intermediadores financeiros entre poupadores e investidores. Bancos são criadores de crédito artificial na forma de meros dígitos eletrônicos. Sendo assim, o sistema bancário de reservas fracionárias, em conjunto com o Banco Central, realiza uma tarefa extremamente importante para a popularidade de políticos: ele aumenta artificialmente a renda das pessoas de forma quase imediata. 

Se a expansão do crédito for alta e, por algum motivo estrutural (alta abertura da economia e aumento da produtividade), o aumento de preços demorar a aparecer, o bem-estar das pessoas irá aumentar (temporariamente, até os preços finalmente começarem a subir), e os políticos da situação ganharão com isso. Tal fenômeno foi evidente na primeira metade da década passada nos EUA e na Europa, quando a expansão do crédito bancário levou a um grande aumento da renda ao mesmo tempo em que a inflação de preços se manteve contida durante algum tempo, exceto no setor imobiliário, o que fez a festa de vários especuladores.

Um país como os EUA, que possui uma economia aberta, consegue manter uma expansão creditícia por um longo período de tempo porque, como sua economia é aberta, as importações ajudam a arrefecer as pressões inflacionistas geradas pela expansão do crédito. Sendo assim, aquele aumento dos juros que põe fim à expansão de crédito (e que dá início à recessão) só irá ocorrer um bom tempo após o ciclo expansionista ter começado. Por exemplo, a última expansão creditícia americana, aquela que gerou a bolha imobiliária, começou em meados de 2001 e só foi acabar em 2006. Neste ínterim, a inflação de preços ficou relativamente contida.

Em um arranjo democrático, a facilidade da expansão do crédito bancário é um mecanismo extremamente tentador. Isso explica por que Guido Mantega vem suplicando de joelhos para os bancos brasileiros expandirem o crédito a juros baixos. Ele sabe que, no curto prazo, tal medida de fato é bastante eficaz politicamente. O problema vem depois, com os ciclos econômicos. Nenhuma economia é capaz de expandir o crédito bancário indefinidamente. Toda expansão sempre termina em recessão. Mas é sim possível postergar recessões com novas rodadas de expansão de crédito, as quais têm de ocorrer em doses cada vez maiores para manter a economia artificialmente aquecida.

Adicionalmente, como no Brasil a economia é bastante fechada, qualquer expansão do crédito bancário rapidamente se transforma em inflação de preços, o que faz com que o Banco Central rapidamente volte a aumentar os juros — leia-se "diminuir as injeções de reservas bancárias". Ao passo que um ciclo expansionista dura de 4 a 5 anos nos EUA, aqui no Brasil ele mal chega a dois. 

O que nos leva à última pergunta remanescente: é possível os bancos atenderem ao apelo do animador de circo e saírem concedendo crédito a rodo? Sim, nada os impede. Exceto o bom senso. Bancos podem expandir o crédito quando quiserem, especialmente se eles operarem sob os auspícios de um Banco Central indulgente, que injete reservas continuamente no sistema. Na nossa atual situação, a única coisa que vem impedindo os bancos de saírem expandindo o crédito de maneira orquestrada é o temor de calotes em decorrência de alto endividamento das famílias e da inadimplência em níveis incômodos.

Nossa situação é curiosa, para não dizer desesperadora: temos de ficar na torcida para que os bancos, contra os interesses do governo, se contenham e evitem a expansão de sua carteira de crédito, algo que também vai contra seus imediatos interesses lucrativos. Ao mesmo tempo, temos um governo que praticamente os obriga a ser mais temerários, a saírem emprestando para qualquer pessoa, sem nenhuma consideração para com risco ou histórico de crédito. E tudo isso apenas para garantir uns décimos a mais no PIB.

Quando a solidez da economia de um país passa a depender de os bancos terem de se conter para não mais aumentarem seus empréstimos, mesmo sendo incitados a isso por um lunático com amplos poderes, apenas uma deidade infinitamente poderosa pode nos salvar da catástrofe.

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

BASTA

A Anvisa é uma das agências fascistas que querem controlar nossas vidas nos mínimos detalhes, com sua proposta de exigir receita médica para comprar remédios tarja vermelha. É uma das pragas contemporâneas.

Não acredito na boa vontade nem na ciência desses tecnocratas da Anvisa. Acho que eles se masturbam à noite sonhando como vão controlar a vida dos outros em nome da saúde pública. Não acredito em motivações ideológicas para nada, apenas em taras sexuais escondidas. Freud na veia...

Dou mais dois exemplos desse tipo de praga: proibir publicidade para crianças e cotas de 50% nas universidade federais para índios, negros e pobres (alguma pequena porcentagem neste último caso vá lá).

Nós, contribuintes, não podemos nos defender dessa lei das cotas. Essa lei rouba nosso dinheiro na medida em que somos nós que pagamos pelas universidades federais.

Até quando vamos aceitar esta ditadura "light" que "bate nossa carteira" dizendo que é em nome da justiça social? "Justiça social" é uma das assinaturas do fascismo em nossa época.
O fascismo não morreu, e um dos maiores desserviços que minha classe intelectual presta à sociedade é deixar que as pessoas pensem que o fascismo morreu. Aldous Huxley ("Admirável Mundo Novo"), George Orwell ("1984") e Ayn Rand ("A Revolta de Atlas") deveriam ser adotados em todas as escolas para ensinar o que os professores não ensinam e deveriam ensinar: que o fascismo não morreu.

O fascismo é a marca de tecnocratas e políticos que querem governar a vida achando que somos idiotas incapazes de decidir e que usam nosso dinheiro para esconder suas incompetências e sustentar suas ideologias "do bem". Querem nos tornar idiotas e pobres, para depois "tomar conta de nós".

O governo brasileiro, que flerta com o fascismo, engana as pessoas se concentrando em temas da "igualdade" e "saúde pública". A proposta de cotas nas universidades federais, além de populismo sem-vergonha, maquia a incompetência imoral do governo em retribuir à sociedade o que arrecada monstruosamente em impostos. A máquina de arrecadação de impostos no Brasil faz do governo sócio parasita de todo mundo que trabalha.

Em vez de investir dinheiro na educação básica, sua obrigação, o governo usa o dinheiro público em aventuras como o mensalão, se escondendo atrás de medidas (cotas nas universidades, controles da Anvisa, proibição de publicidade para crianças) que não arranham a corrupção ideologicamente justificada inventada pelo PT, mas que têm grande apelo publicitário.

O que é corrupção ideologicamente justificada? Você se lembra do "rouba, mas faz"? O PT diz "porque sou do bem, posso roubar". Essas leis não atrapalham a corrupção porque não disputam dinheiro com a corrupção. O pior é que, como parte do corpo de professores e funcionários das universidades federais é também fascista, acha isso tudo lindo.

Quanto à proibição da publicidade infantil, todo mundo sabe que só a família e a escola podem fazer alguma coisa para educar crianças. Todo mundo sabe que é difícil educar, ocupar e conviver dizendo "não" para as crianças. Todo mundo sabe que, quanto menos a mãe está em casa e quanto mais ela é só e menos tempo tem para criança, mais a criança come porcaria.

E quanto mais isso tudo acontece, mais se precisa de escola pública competente para preencher o vazio de famílias que não cumprem sua função, ainda que nunca seja a mesma coisa. Mas escola pública atrapalha a corrupção porque gasta o dinheiro da "mesada do bem". Mais barato para o governo é brincar de proibir a publicidade infantil.

Os mesmos que gozam pensando em mandar na vida dos outros são os que mentem quando não dizem que as crianças comem porcaria porque ficam largadas em casa sem mãe para tomar conta delas (e sem boas escolas). Não precisa ser gênio para saber que ,sem mãe atenta, nada funciona na vida das crianças.

Os mesmos que cospem na cara da família como instituição, estimulam as mulheres a pensarem só em si mesmas e acusam a família de ser autoritária são os que pedem a proibição da publicidade infantil. Por: Luiz Felipe Pondé, Folha de SP

TOMATES E OVOS PODRES


Julian Assange aparece na janela da embaixada do Equador, em Londres. Prepara-se para falar às massas. Não consegue. Uma quantidade generosa de tomates e ovos podres atinge o seu rosto adolescente e pretensamente rebelde. A multidão aplaude. Os jornalistas também. Acabou o circo.

Envergonhado com a humilhação, Assange regressa para dentro da embaixada. Depois de um duche (frio) e de um café (forte), o foragido australiano decide ser homem pela primeira vez na vida e entrega-se às autoridades inglesas. Segue-se a extradição para a Suécia.
"The end."

Foi mais ou menos por essa altura que eu acordei. Assange ainda falava. Imbecilidades sobre imbecilidades. Infelizmente, ninguém jogou tomates ou ovos podres na cara dele. Deprimi.Na janela da mesma embaixada, o fundador da Wikileaks vestia o traje de grande mártir da liberdade de expressão -- um insulto para qualquer jornalista sério -- e pedia aos Estados Unidos para pararem a "caça às bruxas" contra o Wikileaks.

Na cabeça alucinada e apedeuta de Assange, o comportamento de Barack Obama só écomparável à perseguição anticomunista movida pelo Estado americano a alguns dos seus cidadãos em finais da década de 1940.

A comparação deveria ser repulsiva para qualquer criatura com erudição e neurônios. As perseguições anticomunistas do senador Joseph McCarthy foram uma deriva securitária lamentável contra supostos inimigos ideológicos que Washington suspeitava estarem infiltrados no serviço público, no ensino ou na indústria do espetáculo.

As ações de Julian Assange são diferentes: goste-se ou desgoste-se, houve uma revelação objetiva de documentos secretos do governo americano. As vítimas do macartismo eram inocentes. Assange não é inocente.

Mas esse nem sequer é o ponto. Na janela da embaixada do Equador, em Londres, esteve um homem procurado pela Justiça sueca por alegadas agressões sexuais contra mulheres.

E a Suécia, convém lembrar aos amnésicos, é uma democracia europeia civilizada, onde a investigação judicial é séria, os direitos humanos são respeitados --e as garantias de um julgamento justo também. A Suécia não pretende deter e julgar Assange por seus pecadilhos com a Wikileaks. Deseja detê-lo e julgá-lo pelos seus alegados crimes contra duas mulheres em 2010.

Curiosamente, crimes desses costumavam inflamar as feministas de carteirinha. Não mais. Será que o antiamericanismo de Assange perdoa tudo?

Em caso afirmativo, um conselho ao leitor: violar uma mulher pode não ser grave desde que você seja um inimigo declarado da política americana.

Claro que, a pairar sobre esta grotesca novela, existe um equívoco e uma farsa.
O equívoco, alimentado pelo próprio Assange, resume-se em poucas linhas: se houver extradição para a Suécia, a Suécia poderá extraditar Assange para os Estados Unidos onde ele seria julgado por espionagem (um crime punível com a morte).

A hipótese não passa de um delírio teórico e qualquer aluno principiante de direito internacional sabe por que: o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não permite processos de extradição para países onde existe a séria possibilidade de aplicação da pena capital. Não é a Justiça americana que Assange teme. É apenas a Justiça sueca.

Finalmente, a farsa. E dois nomes sobre ela: Rafael Correa. Honestamente, serei mesmo a única pessoa a sentir genuína náusea quando o presidente do Equador surge em cena como um grande defensor da liberdade de expressão?

Por motivos puramente antiamericanos, o Equador resolveu conceder asilo a Julian Assange. Mas, se Assange fosse verdadeiramente um defensor da liberdade de expressão, ele recusaria os favores de um país onde essa liberdade é artigo raro.

Será preciso lembrar aos colegas de ofício os constantes atropelos que o governo de Quito comete sobre jornalistas críticos do presidente?

O mundo midiático, na sua estupidez bovina, continua a olhar para Julian Assange como um herói da "transparência" e da luta contra o "imperialismo".

Seria preferível optar por tomates e ovos podres. Assange não passa de um foragido vulgar e de um manipulador de massas talentoso. João Pereira Coutinho, Folha de SP

CAIXA DE PANDORA


Agora que os principais bancos divulgaram seus balanços do primeiro semestre de 2012, podemos fazer uma análise melhor dos rumos do setor. O que vemos em relação à expansão creditícia, especialmente nos bancos estatais, é inquietante. Não é trivial dizer se há ou não uma bolha de crédito no Brasil. Mas, se o governo seguir na tendência atual, isso claramente será um risco concreto.

A Caixa Econômica Federal expandiu em 45% sua carteira de crédito em apenas 12 meses. Trata-se de um crescimento espantoso, boa parte voltada para o programa "Minha Casa, Minha Vida". O Banco do Brasil, por sua vez, aumentou em 20% a carteira no mesmo período. Juntos, esses dois bancos possuem uma carteira acima de R$ 750 bilhões!

Os bancos privados seguem em mão contrária, reduzindo o ritmo de crescimento. Itaú Unibanco e Bradesco expandiram, na média, em apenas 12% a carteira de crédito nos últimos 12 meses. A inadimplência em alta acendeu o sinal de alerta, e os banqueiros decidiram pisar no freio, apesar da pressão do governo.

O grau de alavancagem dos bancos públicos é bem maior. O Banco do Brasil e a Caixa possuem, somados, mais de R$ 1,6 trilhão em ativos, para míseros R$ 83 bilhões de patrimônio líquido. Ou seja, uma alavancagem de quase 20 vezes! Por outro lado, os três maiores bancos privados possuem, juntos, alavancagem de 10,5 vezes.

Em outras palavras, os bancos públicos apresentam o dobro de risco. A Caixa é o mais agressivo de todos, com quase R$ 600 bilhões em ativos para singelos R$ 21,4 bilhões de patrimônio. Uma alavancagem assustadora de quase 28 vezes! Para explicar de outra forma, basta uma perda de 4% nos ativos para reduzir todo o patrimônio da Caixa a pó.

Ciente do enorme risco, o governo já fala em injetar mais capital no banco. Isso significa, em linguagem clara, que os "contribuintes" serão chamados para pagar pela farra de crédito dos mais endividados. A prudência é punida, enquanto o comportamento de cigarra irresponsável é premiado. O show precisa continuar.

Quando observamos esses dados, a incômoda pergunta feita séculos atrás pelo poeta romano Juvenal vem à tona: Quis custodiet ipsos custodes? Traduzindo: quem vigia os vigias? Se o próprio governo deve cuidar da saúde do sistema financeiro, como garantir que ele não será o grande responsável pela criação de bolhas com foco no curto prazo?

Muitos culpam a desregulamentação pela crise americana recente. Ignoram que o epicentro da crise estava justamente em um setor bastante regulamentado: o de hipotecas. Dois gigantes do setor, empresas semiestatais, bancaram verdadeira orgia de crédito imobiliário, principalmente para as classes mais baixas, com os famosos "subprimes".

Tanto a Fannie Mae como a Freddie Mac sofreram intensa pressão de Washington para expandir a carteira de crédito voltada para os mais pobres. É muito popular o governante que ajuda no sonho da casa própria, independentemente da capacidade futura de pagamento.

Essas empresas, atreladas até a alma ao governo, contavam com um órgão regulador exclusivo, cuja única missão era assegurar sua saúde financeira. Isso não impediu que seu grau de alavancagem chegasse a 50 vezes! O resultado agora é conhecido: os pagadores de impostos foram obrigados a cobrir o rombo bilionário.

É muito tentador para um governante usar bancos públicos para financiar uma farra de crédito sem lastro. Ele colhe os louros no curto prazo, com mais crescimento econômico, enquanto os problemas só aparecem lá na frente, no mandato de outro. Estamos cansados de saber disso com os históricos fracassos do BNH, Banco do Brasil, Banerj, Banespa, etc.

O brasileiro já se encontra bastante endividado. O modelo de consumo calcado em crédito se esgotou. A economia não cresce e a inflação segue elevada. O inverno chegou para as cigarras. Os bancos privados percebem isso, mas sofrem forte pressão do governo para expandirem ainda mais o crédito.

Os bancos públicos assumem a iniciativa, roubando mercado de forma irresponsável. Já correspondem a quase metade do total de crédito do país, lembrando que Marx e Engels defendiam o controle estatal do crédito como instrumento para a revolução comunista.

Quando Pandora abriu a caixa que ganhara de presente, contra todos os alertas, ela espalhou pelo mundo vários males. Sobrou na caixa a esperança, a última que morre. Espera-se que o governo saiba parar com essa política inflacionária a tempo. Caso contrário, teremos muito sofrimento depois. Assim diz Cassandra, cuja maldição era prever o futuro, mas não ser escutada... Por: Rodrigo Constantino, O GLOBO

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

DESCAMINHOS DO MERCOSUL


Num Estado Democrático de Direito cabe submeter a análise da ação política, nela incluída a diplomática, não apenas a juízos de eficiência e de oportunidade, mas também ao juízo da sua conformidade em relação às normas jurídicas vigentes. A relevância do juízo sobre a conformidade jurídica está ligada à aferição da dimensão democrática de um governo, no qual o poder é exercido de acordo com as leis, e não em função dos instáveis caprichos dos governantes. A justificação para a suspensão da participação do Paraguai no Mercosul foi a aplicação da cláusula democrática. Por isso faz todo o sentido a avaliação jurídica do que se passou e seus desdobramentos.

A incorporação da Venezuela ao Mercosul sem a aprovação do Paraguai é uma ilegalidade. Fere frontalmente, como já expus (Folha de S.Paulo, 4/7), o acordado no Tratado de Assunção (artigo 20) e no Protocolo de Outro Preto (artigo 23).

Neste artigo vou examinar outra faceta da não conformidade com as normas jurídicas decorrentes dos procedimentos da aplicação do Protocolo de Ushuaia, que trata da cláusula democrática do Mercosul. Estabelece o artigo 4.º desse protocolo que, "no caso de ruptura da ordem democrática em um Estado Parte do presente Protocolo, os demais Estados Partes promoverão as consultas pertinentes entre si e com o Estado afetado".

As consultas com o Paraguai não foram realizadas. A ausência dessas consultas é um fato grave e configura uma quebra do devido processo legal. Com efeito, no caso específico, o argumento da ruptura democrática no Paraguai tem como base a celeridade do processo de impeachment do presidente Fernando Lugo, que não teria tido tempo suficiente para preparar a sua defesa nesse processo, conduzido pelo Legislativo paraguaio. Esse processo, no entanto, foi considerado válido pelo Judiciário do Paraguai e em consonância com as normas constitucionais do Paraguai e sua legislação infraconstitucional, relacionada a um juízo político sobre a destituição do cargo de presidente por mau desempenho de sua função.

Nesse contexto se impunham substantivamente as consultas com o Paraguai como passo prévio para a aplicação de uma suspensão de sua participação no Mercosul. Explico-me. A consulta é um mecanismo clássico do Direito Internacional e tem como objetivo a troca de opiniões, no caso, ex vi do artigo 4.º do Protocolo de Ushuaia, entre o Paraguai e a Argentina, o Brasil e o Uruguai sobre uma controvérsia em torno da existência de ruptura da ordem democrática. A função da consulta em geral e neste caso específico tem como objetivo embasar uma avaliação jurídica sobre a existência ou não de uma ruptura da ordem democrática por meio da intelligence gathering, seja pela organização e seleção de informação pertinente, seja pela possibilidade de aprender o relevante para compreender a situação que levou ao impeachment no âmbito do ordenamento jurídico paraguaio. Neste caso, essa função da consulta era uma exigência indispensável, pois a avaliação da ruptura da ordem democrática no Paraguai desconsiderou a avaliação feita pelo Legislativo e pelo Judiciário do país, que não a consideraram como tal. Por essa razão, não foi inequívoca a ruptura da ordem democrática e, por isso mesmo, a afirmação da sua ocorrência precisaria ter sido bem fundamentada, o que não se verificou.

Daí, num juízo jurídico sobre a ação política da Argentina, do Brasil e do Uruguai, a conclusão de que a suspensão do Paraguai do Mercosul não obedeceu ao iter do devido procedimento legal previsto pelo Protocolo de Ushuaia. Também a decisão da suspensão, para não se caracterizar como arbitrária, precisaria ser fundamentada, levando em conta, com base nas consultas que não se realizaram, as características de funcionamento da divisão dos Poderes e das normas constitucionais do Paraguai, tal como alegado pelo país. Em síntese, a decisão da suspensão, tal como foi tomada, fere o devido processo legal inerente aos direitos humanos no plano internacional, agravado por um desrespeito específico ao princípio de não intervenção.

O princípio de não intervenção é um princípio consagrado do Direito Internacional Público e foi constitucionalizado como um dos princípios que regem as relações internacionais do Brasil (artigo 4.º, IV, da Constituição federal). No caso do Protocolo de Ushuaia, o desrespeito a esse princípio cria um precedente grave. Com efeito, a avaliação da condição democrática de um país é complexa. Envolve tanto a degeneração do poder democrático por falta de título para o seu exercício, que é o que ocorre com um golpe de Estado, quanto a degeneração proveniente do abuso no seu exercício, que se verifica, por exemplo, pelo desrespeito aos direitos humanos, à independência do Judiciário e à do Legislativo. Por isso, uma decisão sem elaboração e fundamentação caracteriza arbítrio na aplicação da sanção de suspensão, arbítrio incompatível com a importância das normas inerentes à concepção do Mercosul.

Em conclusão, não estão em conformidade com as normas jurídicas que disciplinam esses assuntos tanto a decisão de suspender o Paraguai das atividades do Mercosul quanto a deliberação subsequente dela derivada, de a ele incorporar a Venezuela, que o Brasil respaldou. Essas decisões ilegais terão consequências substantivas de política externa. Tendem a transformar o Mercosul numa plataforma para objetivos políticos, comprometedora de um projeto originalmente voltado para o potencial de uma integração econômica entre países vizinhos, empenhados em administrar e solucionar tensões e rivalidades regionais. Para o Brasil trata-se de uma ação diplomática imprudente, comprometida por imperícia jurídica, que terá reverberações negativas, dada a profundidade do nosso relacionamento com o Paraguai, de que são exemplos a binacional Itaipu e o tema dos brasiguaios. Por: Celso Lafer O Estado de SP