sexta-feira, 7 de setembro de 2012

BANCOS NÃO PODEM CRIAR DINHEIRO



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No que diz respeito a alguns assuntos monetários, praticamente todos os economistas seguidores da Escola Austríaca concordam entre si. Bancos centrais e o produto que eles criam — papel-moeda de curso forçado — são instituições inflacionárias que geram distúrbios na economia e que não servem a nenhuma outra função senão redistribuir renda dentro da sociedade. O papel-moeda de curso forçado é um arranjo inerentemente estatista porque precisa ser constantemente protegido por meio de leis que impõem o seu curso forçado e por outras formas de intervenção governamental. O papel-moeda pode ser produzido em quantidades virtualmente ilimitadas pelas impressoras dos bancos centrais. Essa inflação monetária beneficia aqueles que primeiro recebem esse dinheiro recém-criado e destrói a economia em decorrência dos ciclos econômicos que causa. Por conseguinte, os bancos centrais deveriam ser abolidos o mais rapidamente possível.

Alternativas superiores aos bancos centrais estão prontamente disponíveis. Especificamente, metais como ouro e prata podem ser produzidos em termos puramente de livre mercado, isto é, sem necessitar de nenhuma forma de privilégio legal; e suas quantidades dependem muito menos dos caprichos arbitrários de qualquer ser humano. Nenhuma medida ou reforma especial são necessárias para criar um sistema de moedas metálicas, pois moedas de ouro e prata tendem a surgir espontaneamente em mercado genuinamente livre — como mostra a história. A principal medida de uma reforma monetária libertária é, portanto, abolir imediatamente todas as formas de controle monopolista da moeda (como leis que impõem seu curso forçado, os impostos sobre metais etc.). Ademais, todos os governos deveriam devolver todo o ouro e a prata que confiscaram de seus cidadãos quando estabeleceram seus papéis-moedas nacionais.

Em relação a um ponto vital, entretanto, os economistas austríacos não chegaram a um consenso, e esta discordância tem produzido um intenso e dinâmico debate ao longo dos anos. Esse debate não está relacionado especificamente à produção de uma moeda metálica ou a qual tipo de metal deve ser utilizado como dinheiro; ele se refere mais minuciosamente ao fenômeno da criação de dinheiro feita por fornecedores de serviços financeiros, como bancos comerciais. Para entender a questão, é útil fazermos uma distinção entre três tipos de serviços financeiros ou bancários.

Bancos de crédito (ou bancos de investimento)

Os bancos atuam como intermediadores financeiros quando pegam emprestado dinheiro do indivíduo X e em seguida emprestam esse dinheiro para o indivíduo Y. Note que, nesse empreendimento, em todas as etapas está claro quem é o dono do dinheiro. Antes de emprestar seu dinheiro para o banco, X é o proprietário exclusivo desse dinheiro. Ao emprestá-lo para o banco, X abre mão do direito de utilizar o dinheiro pela duração de tempo estipulada no contrato, e concede esse direito ao banco. O banco então irá emprestar esse dinheiro a Y, desta forma também renunciando ao seu direito de utilizar o dinheiro e concedendo esse direito a Y pela duração de tempo estipulada no contrato. No tempo presente, portanto, Y é o proprietário legítimo do dinheiro.

Em algum momento futuro, reivindicações contraditórias de propriedade sobre o dinheiro podem surgir caso o crédito concedido por X ao banco tenha um período de duração menor do que o crédito concedido pelo banco a Y. Cumprir tais reivindicações contraditórias seria uma impossibilidade física. Há apenas um objeto físico (o dinheiro), porém duas ou mais pessoas desejam utilizá-lo para propósitos distintos. Do ponto de vista jurídico, reivindicações contraditórias normalmente geram litígios. Economicamente, elas geram um estado de desequilíbrio, pois pelo menos um dos lados litigantes terá seus projetos prejudicados.

Porém, de novo, no tempo presente, somente Y possui uma reivindicação válida sobre o dinheiro, pois no momento ele é o proprietário legítimo do dinheiro. Não há reivindicações contraditórias no início da transação creditícia. E o banco certamente fará de tudo para impedir litígios futuros adequando a duração de seu crédito para B — seja obtendo um prolongamento do empréstimo concedido por A ou obtendo mais crédito por meio de outro cliente.

Bancos de depósito

Os bancos incorrem em atividades de depósito quando aceitam o dinheiro de um cliente apenas para guardá-lo — porque o cliente, por exemplo, imagina ser mais seguro guardar o dinheiro no banco do que no cofre de sua casa. Nesse caso, o banco atua essencialmente como um armazém, que nada mais faz do que guardar o dinheiro e emitir um recibo ou um certificado de armazenamento, o qual é entregue para o depositante. O banco não tem o direito de utilizar esse dinheiro. Ao contrário, o cliente detém todos os direitos de uso do dinheiro para si próprio, querendo do banco apenas o serviço de armazenamento do dinheiro. Tal serviço certamente será cobrado, muito embora seja concebível, por exemplo, que os bancos ofertem-no gratuitamente para aqueles clientes que também incorram em frequentes operações de crédito. Evidentemente, nos bancos de depósito não pode haver reivindicações contraditórias sobre o dinheiro. Em todos os momentos, o cliente retém propriedade e controle totais sobre o dinheiro.

Ter seu dinheiro pronto para ser vendido (em troca de bens ou serviços) a qualquer momento — é assim que um proprietário de dinheiro utiliza seu dinheiro. Disso decorre que os depositantes querem utilizar seu dinheiro constantemente. É apenas uma questão meramente técnica se eles vão querer manter o dinheiro guardado em suas carteiras ou se vão deixar a custódia sob os cuidados de um banco. Essa escolha não afeta o comportamento deles. Em ambos os casos, eles planejam e agem sob a firme crença de que podem utilizar seu dinheiro a qualquer momento.

Depositantes podem utilizar seu dinheiro depositado no banco de duas maneiras: eles podem apresentar seus recibos de armazenamento ao banco e demandar a restituição do dinheiro, com o qual irão comprar bens e serviços; ou podem utilizar os próprios recibos de armazenamento em troca de bens e serviços, desta forma evitando a viagem ao banco. Com o intuito de facilitar esse último tipo de transação, os bancos normalmente padronizam e aprimoram os recibos de várias maneiras. Por exemplo, eles criam recibos de papel específico para determinadas quantias de prata (como cinco, dez e quinze onças), eles utilizam um papel especial para dificultar a falsificação, e por aí vai. Foi desta forma que as tradicionais cédulas de dinheiro surgiram. Entretanto, vários outros instrumentos, como contas-correntes ou, mais recentemente, cartões de débito, possuem o mesmo propósito: são títulos sobre uma determinada soma de dinheiro atualmente existente.

Observe que, nos bancos de depósito, todos os recibos são totalmente lastreados pela exata quantia de dinheiro que eles cobrem. Um banco de depósito é necessariamente um "banco com 100% de reservas", assim como qualquer armazém tem de operar com 100% de reservas. E um banco que incorra em ambas as atividades — isto é, banco de depósito e banco de crédito — também é um banco com 100% de reservas, pois todos os recibos (títulos de reivindicação sobre o dinheiro) que ele emitiu estão, a qualquer momento, completamente lastreados pelo dinheiro que está em seus cofres. Não é possível haver reivindicações contraditórias sobre o dinheiro que está guardado nos cofres dos bancos. Portanto, nem bancos de depósito nem bancos de crédito per se produzem litígios, e nenhum deles implica desequilíbrio econômico. 

Bancos de reservas fracionárias

Os bancos praticam reservas fracionárias quando se apossam de parte do dinheiro depositado e o utilizam para a concessão de crédito. Eles podem fazer isso de duas maneiras: emprestando diretamente o dinheiro que foi depositado ou criando recibos de armazenamento em uma quantia maior do que o total de dinheiro que há em seus cofres. Por exemplo, os clientes do Banco RF (BRF) depositaram nele $1.000, e o BRF correspondentemente emitiu recibos (ou criou contas-correntes) no valor total de $1.000. 

Ato contínuo, o banco concede um crédito de $500 para João, "criando" uma conta corrente em seu nome em um valor de $500. Essa medida imediatamente cria uma situação na qual existem reivindicações contraditórias sobre o dinheiro físico existente. Os depositantes continuam em posse de recibos que lhe conferem a propriedade sobre $1.000, pois em momento algum eles renunciaram ao seu direito sobre a quantia total de seus depósitos. Porém, João agora também possui um título sobre $500. Claramente, é impossível que todos esses títulos de reivindicação sejam satisfeitos pela quantidade existente de dinheiro nos cofres do banco.

Em nível jurídico, essa situação está propensa a acabar em litígio. Em nível econômico, ela implica imediatamente um desequilíbrio, pois os depositantes agem como se eles realmente controlassem a quantia total de seus depósitos, e João age como se ele controlasse outros $500. Os membros dessa pequena comunidade se comportam como se houvesse mais recursos do que realmente existem. Em suma, eles se tornaram vítimas de uma ilusão. A ilusão pode durar algum tempo por causa da seguinte circunstância: os depositantes raramente pedem a imediata restituição em dinheiro de todos os seus recibos de armazenamento. Esse dinheiro não-reclamado é exatamente o dinheiro que os bancos podem utilizar para incorrer em reservas fracionárias.

O debate

O debate entre os economistas austríacos está centrado nesse último tipo de prática bancária. Durante muito tempo, a visão austríaca padrão rejeitava a prática bancária de reservas fracionárias. Desde a publicação de seu livro The Theory of Money and Credit, em 1912, Ludwig von Mises (1980, 1998) rejeitou a prática bancária das reservas fracionárias por razões econômicas. F. A. Hayek seguiu o mesmo caminho (1929, 1931, 1937), pelo menos em suas primeiras obras sobre questões monetárias. Já Murray Rothbard (1983, 1990, 1991, 1993, 1994) rejeitava a prática por questões econômicas e éticas.

Desvios dessa ortodoxia começaram com Lawrence H. White em seu livro de 1984, Free Banking in Britain e em obras posteriores (1989, 1999). A defesa feita por White das reservas fracionárias foi ampliada e sistematizada por seu aluno George Selgin (1988) em The Theory of Free Banking, bem como em uma posterior coleção de artigos (1996). Vários outros autores se juntarem ao grupo, mas nenhum exerceu a mesma influência. Exceto pelos escritos de Rothbard (1988) e Walter Block (1988), praticamente ninguém defendeu a posição ortodoxa no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Assim, a defesa do sistema bancário de reservas fracionárias, operando em um ambiente sem um banco central, estava a ponto de se tornar um princípio da ortodoxia austríaca, ao menos no que dizia respeito às obras publicadas. Foi esse sucesso de White e Selgin despertou interesse em suas obras e levou outros acadêmicos austríacos a analisarem criticamente seus argumentos.

Até hoje, White e Selgin responderam apenas de modo bastante incompleto a essas críticas Sendo assim, no restante deste artigo, limitarei minha exposição a alguns dos principais argumentos que convincentemente demonstram os problemas inerentes a um sistema bancário de reservas fracionárias.

Sustentabilidade e deterioração institucional

A primeira coisa a ser observada é que um sistema bancário de reservas fracionárias não pode ser visto como algo desconectado de bancos centrais, papeis-moeda de curso forçado e instituições monetárias internacionais, como o FMI. Em última instância, essas instituições são tentativas fracassadas de resolver os problemas gerados pelo sistema bancário de reservas fracionárias. Elas foram criadas com o intuito de centralizar todas as reservas em dinheiro e para permitir que os bancos pudessem, em determinados momentos, se recusar a restituir em dinheiro as demandas de seus depositantes.

O principal problema dos bancos que praticam reservas fracionárias é que eles, a todo e qualquer momento, encontram-se virtualmente insolventes — pois seus passivos monetários são sempre maiores do que a quantidade de dinheiro em seus cofres. Se muitos clientes exigirem a restituição de seus depósitos em dinheiro, o banco estará condenado. Pode-se alegar que o banco sempre tentará manter em seus cofres uma quantia de dinheiro suficiente para satisfazer as demandas por restituição. Porém, exatamente qual quantia de dinheiro é "suficiente"? Por causa da incerteza inerente a todos os empreendimentos humanos, não há uma maneira cognitiva de o banco responder a essa pergunta. Tudo o que ele pode fazer é incorrer no método de tentativa e erro. E, nesse processo, ele tentará diminuir ao máximo possível a proporção de suas reservas em relação ao seu passivo, pois fazer isso é uma maneira de ganhar vantagem frente à concorrência dos outros bancos. Obviamente, tal empreendimento intensifica a probabilidade de que, um dia, ele ficará com uma quantia menos do que suficiente de dinheiro para restituir seus depositantes.

Ademais, a quebra de um banco que pratica reservas fracionárias pode desencadear a quebra de vários outros bancos que também praticam reservas fracionárias, como um efeito dominó. Várias crises bancárias do passado realmente geraram um efeito dominó, e culminaram no colapso de todo o sistema bancário.

A vulnerabilidade de todo o sistema bancário serviu de argumentação poderosa tanto para a regulamentação do setor bancário quanto para o estabelecimento de bancos centrais, os quais supostamente deveriam fornecer "liquidez" para o sistema em momentos de adversidade. Entretanto, o banco central criar dinheiro para resolver "problemas de liquidez" é uma medida que dura apenas por um determinado tempo. Tão logo os bancos se acostumam a serem prontamente socorridos com grandes quantias de dinheiro em situações de emergência, eles perdem o medo de tais situações e começam a emitir recibos de armazenamento — isto é, a criar contas-correntes para empréstimos sem lastro — em escalas cada vez maiores. Assim, ao invés de solucionar os problemas do sistema bancário de reservas fracionárias, os bancos centrais apenas exacerbam o risco moral e multiplicam esses problemas.

A mesma bagunça foi gerada por todas as tentativas de se resolver esse problema causado por bancos centrais por meio da criação de bancos centrais internacionais, papel-moeda de curso forçado e outras invenções. Em suma, um sistema bancário de reservas fracionárias é insustentável, e não pode ser salvo ou aprimorado por outros esquemas. No entanto, ele permite a criação de políticas ilimitadas, as quais no passado foram apoderadas pelos inimigos da propriedade privada e da livre iniciativa para que estes pudessem criar um número cada vez maior de instituições políticas centralizadoras.

Os supostos benefícios da reservas fracionárias

Os únicos beneficiários permanentes do sistema bancário de reservas fracionários são os próprios banqueiros — que são protegidos da concorrência por meio de barreiras à livre entrada no mercado bancário e de outras regulamentações — e os vários governos, que possuem um ávido interesse em ter acesso imediato a um dinheiro "adicional". E o fornecimento desse dinheiro extra é algo que bancos que operam com 100% de reservas não podem oferecer.

Tentativas de equilibrar os custos e benefícios do sistema bancário de reservas fracionárias, "olhando de uma perspectiva puramente econômica", apenas obscurecem o fato de que tal esquema é amplamente favorável ao enriquecimento de vários grupos de interesse. O fato incontestável é que o sistema bancário de reservas fracionárias cria ganhadores e perdedores. Com efeito, nas ciências econômicas, os termos 'custos' e 'benefícios' se referem à ação humana individual. Custos são os custos de oportunidade derivados da ação de um indivíduo, e benefícios também são sempre os benefícios gerados para um indivíduo. Se uma instituição cria benefícios para alguns membros da sociedade ao mesmo tempo em que piora a situação de outras pessoas, então simplesmente não há bases para a afirmação de que, "de uma perspectiva puramente econômica", os benefícios justificam os custos ou os riscos ou qualquer outra coisa.

Tal é o caso dos supostos benefícios do sistema bancário de reservas fracionárias. Vamos supor, em prol da argumentação, que o sistema bancário de reservas fracionárias estimule a industrialização. Disso não se pode concluir que esse tipo de arranjo bancário seja algo bom. Algumas pessoas — por exemplo, os banqueiros, empreendedores sem propriedade, e o governo — irão lucrar com uma industrialização rápida e financiada pelos bancos. Entretanto, outras pessoas — por exemplo, donos de propriedades, capitalistas-empreendedores e artesãos utilizando tecnologia tradicional — ficarão em desvantagem em decorrência de tal crescimento artificial. Não há nenhuma base científica para a afirmação de que o primeiro grupo deve ser privilegiado em detrimento do segundo. 

Ademais, embora provavelmente seja verdade que o sistema bancário de reservas fracionárias promova aindustrialização, não é verdade que ele promova o crescimento econômico. O crescimento econômico depende, é fato, de uma maior "abundância" ou de um "aprimoramento" dos bens a serem utilizados pelos indivíduos. Independente de qual seja a escala de valores do indivíduo, o crescimento depende da quantidade disponível de fatores de produção e da sagacidade como esses fatores são combinados entre si. Claramente, imprimir dinheiro não aumenta a quantidade de fatores necessária para a produção, tampouco aprimora a capacidade empreendedorial. Disso se conclui que, na melhor das hipóteses, bancos que praticam reservas fracionárias jogam a economia em um diferente caminho de crescimento; eles redirecionam a renda de modo a produzir um diferente tipo de crescimento; mas eles não aumentam — e nem são capazes de aumentar — o crescimento geral de economia.

Também é errado supor que o sistema bancário de reservas fracionárias seja particularmente adequado para "ajustar" a oferta monetária em resposta a mudanças na demanda, da parte dos indivíduos, por mais dinheiro em seus encaixes — isto é, quando as pessoas decidem reter mais dinheiro consigo. O motivo é que, antes de tudo, nenhum ajuste especial é necessário. Quando alguém aumenta sua demanda por mais dinheiro, isso significa que ele está disposto a pagar um preço maior para obter dinheiro ou — o que dá no mesmo — que ele quer um preço maior para o dinheiro que ele está vendendo. Em ambos os casos, o aumento dessa demanda por dinheiro aumenta seu poder de compra, equilibrando desta forma a demanda e a oferta de dinheiro. E o mesmo é válido, obviamente, para o caso de uma redução na demanda por dinheiro.

Portanto, a oferta de dinheiro não precisa ser ajustada à demanda por dinheiro. Ao contrário de todas as outras mercadorias, o dinheiro constantemente se ajusta por si mesmo às condições do mercado. Os serviços prestados por qualquer unidade de dinheiro são constantemente ajustados sob o impacto das mudanças na demanda e oferta de dinheiro. É claro que tal ajuste automático não se dá em benefício de todos. Nenhum ajuste consegue tal proeza, e nenhum arranjo institucional, como o sistema bancário de reservas fracionárias, pode alterar esse fato.

Reservas fracionárias e os ciclos econômicos

Conclui-se que é errada a afirmação de que um aumento na oferta de dinheiro fiduciário (recibos fiduciários, isto é, recibos de armazenamento em uma quantia maior do que o total de dinheiro real nos cofres dos bancos) pode "contrabalançar" um aumento na demanda por dinheiro. Aumentos na demanda por dinheiro se neutralizam sozinhos. O real impacto da criação de recibos fiduciários adicionais vem em duas partes.

Por um lado, a criação de recibos fiduciários adicionais reduz o poder de compra do dinheiro — um efeito igual ao que ocorreria caso houvesse um aumento no dinheiro propriamente dito, o dinheiro real. Por outro lado, entretanto, e em distinto contraste com aumentos na oferta de dinheiro real (no caso, um dinheiro metálico), recibos fiduciários adicionais geram um ciclo econômico. Como já mencionado, tão logo esses recibos são criados, as pessoas começam a agir de maneiras incompatíveis com a real oferta de bens na economia. Essa reação é precisamente o que está no cerne daquilo que os economistas chamam de desequilíbrio.

Um aumento na oferta de dinheiro real (dinheiro metálico) não gera um desequilíbrio porque os participantes do mercado podem antecipar o impacto que essa quantidade adicional de dinheiro terá sobre os preços e também porque, normalmente, é explícito quem é o proprietário de cada nova unidade monetária.

Os participantes de mercado podem também antecipar o impacto que a criação de recibos fiduciários adicionais terá sobre os preços. Entretanto, embora normalmente seja claro quem é o proprietário de cada recibo, de modo algum é claro quem é o dono do dinheiro ao qual tais recibos se referem. Existem mais recibos do que dinheiro. Eis aqui a contradição. Eis aqui a raiz do desequilíbrio gerado pelo sistema bancário de reservas fracionárias.

Paulo possui $1.000 em sua conta-corrente. Todos os seus empreendimentos e todos os seus gastos com consumo se baseiam nesse valor que ele crê possuir em sua conta-corrente. Roberto pensa e age da mesma forma. Ele possui $2.000 em sua conta-corrente. Entretanto, o banco na realidade possui apenas $500 em seus cofres. Trata-se de um banco que pratica reservas fracionárias; todo o seu negócio se baseia na esperança de que Paulo e Roberto jamais irão, em conjunto, pedir a restituição em dinheiro de grande parte de seus recibos. 

Assim, resta a pergunta: enquanto esse esquema funcionar, vale a pena se preocupar com ele? Será que a realidade é algo diferente daquilo que as pessoas acreditam ser real?

Defensores do sistema bancário de reservas fracionárias implicitamente endossam a ideia de que 'realidade' é aquilo que as pessoas creem ser real. Partindo do óbvio fato de que o indivíduo que mantém em sua posse um recibo de depósito deseja manter consigo esse recibo, os defensores deduzem que as pessoas adquirem recibos de depósito não porque eles sejam um meio conveniente de portar dinheiro, mas sim porque elas querem portar esses recibos per se. Assim, para esses defensores, não há absolutamente nenhuma diferença fundamental entre uma unidade de dinheiro real e um recibo que se refere a esse dinheiro. Tanto o dinheiro real quanto o recibo são formas de "dinheiro". Ambos se diferem um do outro apenas em grau, não em tipo. 

Afirmo que essa crença é uma absurdidade que precisa apenas ser explicitada para se tornar óbvia. Existe uma diferença fundamental entre um pedaço de propriedade e um recibo — por exemplo, entre uma onça de ouro e um recibo de armazenamento para uma onça de ouro; ou (hoje) entre uma cédula de dinheiro e um cheque que dá a alguém a propriedade sobre uma cédula. Similarmente, há uma diferença fundamental entre um título que é redimível agora e um título que se torna redimível apenas no futuro. Apenas uma propriedade física e evidente pode de fato ser poupada ou investida, ao passo que o uso de recibos de depósito (instantaneamente redimíveis em dinheiro) apenas nos faz crer que realmente poupamos ou investimos algo.

Por sua própria natureza, o sistema bancário de reservas fracionárias cria uma diferença entre o que existe de fato e o que as pessoas creem que existe. Ele faz as pessoas pensarem que estão em uma situação melhor do que realmente estão — e essa convicção desencadeia a fase expansionista do ciclo econômico. Entretanto, mais cedo ou mais tarde, quando as pessoas descobrem que, em seus empreendimentos, elas se basearam em coisas que não existiam, a recessão inevitavelmente chega.

Um sistema bancário de reservas fracionárias honesto

O sistema bancário de reservas fracionárias nada mais é do que um esquema Ponzi em larga escala. Ele enriquece alguns à custa de outros. Ele gera distúrbios econômicos e serve como instrumento auxiliar dos governos e de outros grupos de interesse.

O melhor argumento a favor do sistema bancário de reservas fracionárias invoca a liberdade de escolha e de contrato. Deveria o sistema de reservas fracionárias ser proibido caso todos os agentes envolvidos soubessem o que estão fazendo? Não, não deveria, pois nenhuma lei deveria suprimir qualquer atividade insensata apenas porque ela é insensata. Porém, sejamos mais específicos sobre o que a frase "todos os agentes envolvidos soubessem o que estão fazendo" implicaria. Bancos de reservas fracionárias teriam de utilizar uma linguagem diferente da que normalmente utilizam, pois palavras como "depósito" são enganosas. Eles teriam de deixar claro que o dinheiro "depositado" junto a eles é, na verdade, um crédito de duração não especificada. E os "recibos de armazenagem" que eles emitem teriam de ser apresentados não como dinheiro mas como algum tipo extremamente líquido de nota promissória. Assim, bancos de reservas fracionárias honestos teriam de instruir seus clientes mais ou menos da seguinte forma:




Quando você deposita seu ouro em nosso Banco RF, você abre mão da sua propriedade sobre ele por um período de tempo indefinido. Nós nos tornamos os proprietários do ouro e podemos utilizá-lo da maneira que mais nos aprouver. Em troca, damos a você "recibos RF" no valor da quantia total do seu depósito, pagamos a você x% de juros sobre o investimento, e prometemos fazer o possível para restituir seu investimento em ouro quando você o demandar. Se por algum motivo não formos capazes de fazer tal restituição, a seguinte regra se aplica...

Nos "recibos RF", haveria uma nota promissória do seguinte tipo:







O Banco RF promete ao portador desse recibo tentar restituí-lo com o ouro de nossas reservas. Porém, como os recibos RF não são 100% lastreados pelo ouro que presentemente se encontra em nosso banco, em caso de impossibilidade de restituição, as seguintes regras se aplicam...

É perda de tempo especular sobre o sucesso que o sistema bancário de reservas fracionárias teria caso apresentasse explicitamente essas cláusulas, as quais não existem hoje. Em uma economia livre, o arranjo estipulado poderia de fato ser atraente como um investimento com uma combinação específica de riscos e benefícios, porém é fato que ele claramente em nada beneficiaria o indivíduo que apenas tem a intenção de manter dinheiro consigo.

As pessoas mantêm dinheiro consigo porque elas querem ter a certeza de que o dinheiro vai estar ali quando precisarem dele (caso contrário, já teriam se desfeito dele há muito tempo). É, portanto, seguro dizer que um sistema bancário de reservas fracionárias honesto teria uma existência apenas marginal em uma economia genuinamente livre.


Notas
[1] Mises originalmente concedeu algumas vantagens para o sistema bancário de reservas fracionárias; porém, mais tarde, repudiou essa concessão.  No cômputo geral, ele sempre foi um sincero e aberto oponente dessa prática.  Sobre isso, ver o importante trabalho de Salerno (1993), em particular pp. 139ff.  Ver também Hülsmann (2000).
[2] Ver em particular Hoppe 1994; Huerta de Soto 1994, 1995, 1998a, e 1998b; Hülsmann 1996a, 1996b, e 1998; e Hoppe, Hülsmann, e Block 1998. Ver também Reisman 1996.
[3] Ver, por exemplo, Selgin and White 1996.
[4] Quanto a esse ponto, os defensores das reservas fracionárias normalmente dizem que há uma distinção legal entre insolvência e "falta de liquidez".  Sou incapaz de ver qualquer diferença econômica entre ambos os termos.
[5] Estritamente falando, essa afirmação é verdadeira apenas para dinheiro metálico (moeda-commodity), e não para dinheiro de papel de curso forçado.  Ver Hülsmann 1998.  Essa distinção pode ser ignorada aqui porque estamos interessados exclusivamente nas diferenças entre aumentos na oferta de dinheiro metálico e aumentos na oferta de recibos fiduciários.
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Referências
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Jörg Guido Hülsmann é membro sênior do Mises Institute e autor de Mises: The Last Knight of Liberalism e e The Ethics of Money Production.  Ele leciona na França, na Université d'Angers.

Tradução de Leandro Roque

COMO O MUNDO IRÁ MUDAR



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O mundo não irá se tornar livre pela criação de novas leis ou por causa da renovação de leis antigas. Também não será por causa de novos líderes políticos e nem por causa do resultado de eleições. Tampouco será por causa de uma mudança no governo. O mundo irá se tornar mais livre somente em decorrência de uma mudança na atitude das pessoas em relação ao governo. Não será por causa de legislações, mas sim em decorrência de um desprezo por legislações.

A mudança genuína ocorrerá não quando o estado for reformado, mas quando ele for ignorado. Não quando os políticos forem melhores, mas quando eles forem irrelevantes.

Quando as leis criadas pelo estado não mais forem consideradas necessárias ou importantes, o estado deixará de ser respeitado. E quando ele deixar de ser respeitado, ele não mais conseguirá se impor sobre ninguém, pois sua existência deixará de ser exequível.

É assim que o mundo irá mudar.

Evidências frente à descrença

O mundo pode sim se livrar desta relíquia bárbara conhecida como 'estado'. O estado é uma poderosa ficção cujo poder depende totalmente da crença das pessoas em sua necessidade, ou inevitabilidade. Mas a crença no estado não é insuperável. Não é intransponível. Não é algo que está contido em um microchip indestrutível inserido na mente das pessoas. Pressupor que um estado tem de existir ou que ele sempre existirá não é um fato indiscutível. O estado, assim como várias outras superstições hoje tidas como ultrajantes, deploráveis, desumanas ou ineficientes, pode perfeitamente um dia ser jogado na lata de lixo da história.

No passado, foram inúmeras as pessoas que riram da noção de que uma instituição tão velha quanto a própria humanidade, a instituição da escravidão, um dia seria ou poderia ser abolida. O senso comum que prevaleceu durante séculos, mesmo entre aquelas pessoas que já haviam percebido a repugnância moral da escravidão, era o de que a escravidão era apenas um aspecto inerente à natureza humana. Reformistas argumentavam que a melhor coisa que podia ser feita era tentar criar uma versão mais humana para a escravidão.

A escravidão era uma instituição que, por mais diabólica que fosse e por mais utópicos que parecessem aqueles que defendiam que o mundo seria melhor sem ela, estava aqui para ficar. Alguns dedicaram sucessivos esforços para tentar aprimorar a instituição da escravidão, para ensinar os senhores de engenho a serem "bons" e "mais humanos" para com seus escravos. Alguns criaram regras e costumes com o intuito de limitar os efeitos mais sórdidos da instituição. Mas a instituição em si era considerada tão inevitável quanto a escassez e a morte.

O erro fatal deste raciocínio é que a escravidão e o governo, ao contrário da escassez e da morte, são instituições criadas por humanos. Escravidão e governo são, acima de tudo, construções mentais. Suas manifestações físicas não são realidades que os humanos simplesmente encontram na natureza, mas realidades que nós mesmos criamos. E humanos só criam aquilo que antes imaginam. Uma ideia só irá se tornar uma ação caso o indivíduo atuante acredite que vale a pena levar adiante tal ideia. Para subjugar outro ser humano, ou para tolerar e permitir a subjugação de um ser humano por outro, é necessário antes que o indivíduo tenha em mente a ideia da subjugação, e que ele creia que implementá-la é preferível a ignorá-la ou condená-la. Já a escassez e a morte natural não necessitam de nenhum consentimento humano. O velho ditado sobre a morte e os impostos serem inevitáveis é somente metade verdadeiro.

Se o estado, assim como a escravidão, é o resultado das ideias de indivíduos, então ele não é inevitável. Algum dia a humanidade ainda irá olhar para trás e vislumbrar a instituição chamada estado com a mesma sensação de vergonha e estupefação que sente hoje em relação à escravidão. Como foi possível que tantas pessoas — várias delas boas pessoas — vivessem suas vidas diariamente cercadas por uma instituição tão corrupta, tão desumana, tão ignóbil, tão coerciva, tão violenta e tão aviltante? Elas realmente consideravam tal instituição necessária? Elas realmente não percebiam o quão degradante tal instituição era? Será difícil entender como tantos humanos consideravam o estado inevitável, tolerável e até mesmo bom. Assim como a escravidão se tornou uma relíquia odiada, o mesmo pode ocorrer ao estado.

Como tudo acontece

A escravidão não foi abolida por mudanças nas regras, nas leis ou nas lideranças políticas. Tais mudanças normalmente são meras consequências de mudanças na mentalidade e na crença das pessoas. Embora mudanças nas regras, nas leis ou nas lideranças políticas erroneamente recebam os créditos, elas jamais são a causa. A escravidão acabou assim que as ideias das pessoas a respeito dela foram alteradas. As pessoas passaram a acreditar que a escravidão não apenas era um mal, como também era um mal desnecessário. As pessoas começaram a ver a escravidão como algo tão maléfico, que elas se tornaram dispostas a tolerar os inevitáveis sacrifícios de curto prazo trazidos pela abolição da escravidão com o intuito de colher os frutos do aperfeiçoamento de longo prazo da condição humana.

O cálculo de custo e benefício foi alterado tão logo a noção de moralidade das pessoas sobrepujou o temor da 'instabilidade institucional'. As desconhecidas consequências da abolição da escravidão se tornaram um risco aceitável quando comparadas aos conhecidos males da instituição, os quais haviam se tornado uma realidade inaceitável.

Reforma política

Reformas políticas jamais podem produzir liberdade. Elas podem, em raras ocasiões, ampliar um pouco de liberdade para apenas algumas pessoas; porém, enquanto tal ampliação ocorrer via métodos políticos, o que realmente estará ocorrendo é uma barganha que está retirando a liberdade em algumas outras áreas. Quase sempre, haverá um fomento de longo prazo da confiança no estado. Todo o jogo político se resume a rearranjar e a reforçar a necessidade do estado.

O jogo político atrai grande atenção e, sendo assim, vários sugerem utilizá-lo como uma maneira de educar as pessoas sobre o poder da liberdade. Mas utilizar a política como ferramenta educacional somente será de alguma valia no longo prazo se tal medida também ensinar às pessoas que, no fundo, a política é um mal, e que o governo jamais pode ser uma instituição benéfica. Se a política meramente inspirar as pessoas a defender a ideia de que o estado pode melhorar as coisas, então ela não irá, no final, tornar a sociedade mais livre. É a descrença na política e no estado o que leva à liberdade.

Sempre haverá pessoas com desejo de poder, com desejo de controlar os outros. Somente quando o resto não mais acreditar que tal poder é necessário, e consequentemente não mais obedecer às ordens dos senhores de engenho, poderá a liberdade triunfar.

Mudança de foco

Humanos querem resolver problemas da maneira mais imediata e direta possível. Queremos saber onde começa o problema da restrição da liberdade. Descobrimos a fonte de maneira gradual e progressiva. Primeiro, o foco está nas pessoas — na liderança política considerada incapaz e corrupta. Isso rapidamente se generaliza para partidos políticos ou grupos, depois para políticas e leis, depois para agências e instituições, até finalmente chegar ao próprio estado.

Neste ponto parece que chegamos ao âmago do problema: o estado em si, e não as personalidades, partidos, agências ou leis sob seus auspícios. Porém, uma mudança de foco ainda mais profunda é necessária. O estado não é a raiz do problema. O real problema não é uma instituição, mas uma ideia. A ideia de que o governo é necessário. É esta ideia a culpada de todas as coisas ruins que o estado já fez.

Uma pequena mudança de foco já está ocorrendo. Algumas pessoas já percebem que não há diferenças entre partidos políticos. Outras não acreditam que políticos são seres superiores capazes de solucionar problemas criados pelo próprio estado. E já é mais comum ver instituições estatais e os incentivos distorcidos criados pelo governo sendo criticados. Isso é um progresso, mas é muito pouco. Ainda é muito raro ver a existência do próprio estado sendo criticada, e ainda mais raro é ver uma crítica à ideia de que o estado é necessário.

A crença em sua necessidade é que o concede todo poder ao estado, o qual, por definição, é repleto de maus incentivos que atraem e estimulam pessoas ruins.  Dizer que pessoas, partidos ou políticas são o prob
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lema é como culpar a calçada por ter quebrado a sua perna após você ter ignorado que o prédio possuía escadas e elevadores e ter decidido pular da janela. Xingar a calçada é inútil e ignorante. A reação adequada seria questionar a necessidade de pular da janela; talvez, ao fazer isso, você descobriria outros métodos menos dolorosos para alcançar o seu objetivo de chegar à rua.

Não existe uma forma ou arranjo de estado que seja garantidor da liberdade. A solução sempre será paz, livre mercado e voluntarismo. O anel do poder não pode ser utilizado para o bem; ele deve ser jogado no fogo antes que o bem seja utilizado como desculpa para o mal.

Mudando vidas e mudando a vida

Não quero aqui subestimar as possíveis consequências de algumas tentativas de se reformar o estado. Por meio de tais esforços, vidas podem ser mudadas. Uma decisão judicial pode salvar um indivíduo ou toda uma vizinhança de ser demolida e desapropriada pelo estado. A revogação de uma regulamentação pode mudar para melhor a vida de um empreendedor, permitindo que ele finalmente possa correr atrás de seu sonho. Tais medidas são análogas a donativos enviados para regiões que sofreram desastres naturais; elas podem genuinamente mudar vidas e oferecer um grande alívio. Elas podem mudar vidas, mas não podem mudar a vida.

Desastres sempre ocorrerão. Assim como as condições que geraram fome não são melhoradas com o alívio instantâneo da pessoa que recebe donativos, as ações estatais que destroem a liberdade não são abolidas quando determinadas ações estatais momentaneamente deixam de estorvar uma vizinhança ou de regular um determinado setor da economia. O estado sempre continuará — pois depende disso — buscando sua própria expansão, e crescerá em cima de todos os pontos fracos que encontrar, garantindo que um incontável número de vidas continue dependentes de sua existência, mas sem que as condições gerais de vida sejam fundamentalmente alteradas. Tratar a doença é uma medida nobre, mas não é o mesmo que erradicar a doença.

Mudar vidas é um trabalho nobre e gratificante. Mas para aqueles corajosos o bastante para sonhar, mudar a vida é uma bem-aventurança, e é algo que só pode ser feito por meio do enfraquecimento — e não do aperfeiçoamento — do estado.

O que fazer?

A única tática que merece ser perseguida é a do esclarecimento. O esclarecimento próprio e o dos outros, sempre de maneira contínua. Isso não significa dizer às pessoas em que acreditar ou o que fazer. Trata-se muito mais de descoberta do que de educação. Um professor, por meio do fornecimento de informações, pode ajudar um aluno a descobrir a verdade, mas o aluno tem de ter a curiosidade e a ânsia da descoberta. É o próprio descobridor quem decide se quer ou não descobrir.

Torne-se uma pessoa livre e a sua liberdade será um estímulo e um farol para outras que também querem ser mais livres. Comporte-se como uma pessoa livre e todos irão querer imitá-lo. Crie liberdade na sua própria vida, troque ideias, seja aberto e receptivo ao poder da criatividade humana. Liberte sua mente e você começará a libertar a mente dos outros — não ao dizer a eles em que acreditar, mas ao demonstrar e discutir a superioridade das ideias de liberdade.

O mercado não produz inovações e tecnologias porque pessoas espertas dão ordens a terceiros; o mercado produz inovações e tecnologias porque se trata de um arranjo em que há uma contínua troca de idéias, um contínuo fluxo de criação e imitação, de tentativa e erro — o maior jogo ininterrupto de trocas econômicas.

A construção de uma sociedade livre não tem de esperar que o estado se torne limitado ou ausente; com efeito, o estado só irá desaparecer após uma sociedade livre ter sido construída para substituí-lo. O fantástico poder das ideias irá destruir as bases que sustentam o estado tão logo pessoas livres começarem a viver e a respirar ideias que demonstrem a vida, a energia, o prazer, o progresso e a satisfação da liberdade.

Isso não significa que todos aqueles que querem liberdade devem fazer a mesma coisa. Demonstrar e discutir as ideias de uma sociedade livre é uma tarefa tão ampla e evolucionária que abre inúmeras portas. As diferenças intrínsecas aos seres humanos no que diz respeito às suas habilidades e interesses levam a inúmeros esforços, e o esclarecimento e o preparo permitem um amplo espaço para diferenciações.

Nossas diferenças irão se manifestar nas outras pessoas com quem trocarmos ideias, bem como nos métodos e meios que utilizarmos. A construção da sociedade livre tem de se basear na troca de ideias. Só assim a mudança poderá ser duradoura. Não se deve enganar, adular, forçar, atiçar, empurrar, subornar ou ditar ordens. Tais medidas irão, no final, levar a menos liberdade, e não a mais.

A liberdade não é inevitável, mas é possível. Um estado que não esmague a liberdade não é uma realidade possível. Enquanto o estado for considerado algo necessário, ele irá existir; e ele sempre crescerá para muito além de seus limites originalmente imaginados e desejados. Todos os estados tendem a saquear e a depredar a sociedade que o sustenta até destruí-la e destruir a si próprio; o que varia é apenas a velocidade com que isso ocorre. Mas se a crença na necessidade do estado permanecer, o estado deposto será rapidamente substituído por um estado novo, e todo o processo será reiniciado.

A única fundação sobre a qual uma sociedade pode ser construída sem entrar em colapso é a crença na possibilidade de uma vida sem políticos e burocratas nos apontando armas e ditando ordens.

Esta é uma crença que tem de se tornar popular. Argumentos consequencialistas (práticos) e deontológicos (morais) contra o estado são válidos, mas insuficientes. As pessoas sempre irão aceitar um sistema imoral e ineficiente caso acreditem que ele seja necessário. Tão logo elas descobrirem que tal sistema é desnecessário, elas irão abandoná-lo e fornecer razões práticas e morais para fazê-lo. Mas, para que isso aconteça, a crença na necessidade do estado tem de ser derrubada.

Realista e radical

Se abrirmos nossa imaginação, há ampla e abundante evidência de ordem sem o estado. Normas e instituições não-estatais produzem a maior parte do mundo que vemos ao nosso redor. Historicamente, a sociedade precede o estado, e há ampla evidência de soluções não-estatais para aqueles problemas os quais fomos ensinados que somente o estado pode resolver.

Sempre que as pessoas se tornam capazes de imaginar soluções melhores, elas imediatamente deixam de apoiar soluções inferiores (mesmo diante do desconhecido, caso elas acreditem na premissa) e deixam de proibir novas experimentações. Pessoas com uma imaginação pequena demais para visualizar um automóvel podem perfeitamente aceitar restrições à construção de estradas. No entanto, pessoas que embora sejam incapazes de visualizar a manifestação específica de um automóvel, sejam capazes de imaginar o progresso humano e as invenções capazes de surpreendê-las, serão muito mais reticentes em restringir a construção de algo que seja uma promessa desconhecida.

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É exatamente por isso que não é necessário que todos nós compartilhemos a mesma visão — ou sequer um mesmo ideal específico — em relação a um mundo sem políticos e burocratas. Temos, no entanto, de ser corajosos, audazes e tolerantes o bastante para vermos nas relações humanas o potencial para a ordem sem o estado.

Aqueles que conseguem imaginar tal mundo têm a tarefa de abrir a mente de terceiros para esta mesma possibilidade. Mostrem a elas, inspirem-nas e deixem-nas intrigadas. Onde a imaginação é deficiente, também o é a liberdade.

A dissolução do estado não depende de as pessoas se tornarem melhores ou que a moralidade mude, ou que haja um próximo passo na evolução. É uma falácia crer que o governo é necessário e inevitável. Ele pode desaparecer a qualquer momento. É tudo uma questão de mudarmos nossas crenças, paradigmas e teorias a respeito do mundo. É necessário apenas que percebamos que o estado não é necessário. Eu digo "apenas" estando perfeitamente ciente de que o poder de imaginação necessário para entender a desnecessidade do estado não é pequeno. Abrir nossas mentes a esta possibilidade é o maior e mais promissor desafio intelectual e prático de nossa era.
Isaac Morehouse é membro do Instituto de Estudos Humanos da George Mason University.

REDUÇÃO ARTIFICIAL DOS JUROS


Alguns efeitos inesperados da redução artificial dos juros

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Onde estamos hoje

Em julho, entramos no sexto ano desta crise, embora vários setores da mídia continuem determinados a chamar a atual situação de "recuperação". Mero auto-engano. O mundo está em uma crise contínua há meia década. Enormes doses de Valium e Prozac — as quais os bancos centrais tecnicamente rotulam de "afrouxamento quantitativo" (quantitative easing, ou simplesmente QE) — foram ministradas para acalmar os nervos e dar a falsa impressão de cura.

Um QE, obviamente, nada mais é do que a simples criação de novas quantias de unidades monetárias digitais. Tais dígitos eletrônicos inicialmente inundam os bancos com reservas extras que podem ser utilizadas livremente, as quais são majoritariamente injetadas nos mercados financeiros. O propósito dos bancos centrais ao criar dinheiro é manipular os preços dos ativos e as taxas de juros. O QE é uma droga extremamente perigosa. É um alucinógeno. Pode fazer o paciente se sentir melhor por algum tempo, mas é incapaz de curar a doença. Com efeito, deixa o paciente ainda mais doente. A economia global sofre de graves distorções que são o resultado de vários anos de crédito artificialmente barato: bancos excessivamente alavancados, endividamento excessivo, preços dos ativos inflacionados, capital direcionado para investimentos insustentáveis. E baratear ainda mais o crédito — e manipular com ainda mais intensidade os preços dos ativos — é justamente o objetivo do QE. O QE serve apenas para estimular mais endividamentos e aumentar a oferta monetária.

O QE e taxas de juros forçosamente baixas são uma política equivalente ao crack. Ela vicia. Não há fim a ela.

Sempre que os bancos centrais mundiais anunciam novas rodadas de afrouxamento quantitativo — seja na forma de mais redução de juros ou de monetização direta dos títulos da dívida pública —, a motivação é a mesma. Tais medidas possuem um perceptível toque de desespero, algo que não passa despercebido do público. Toda política monetária expansionista sempre será, em última instância, ineficaz. Ou, para ser mais exato, ela será eficaz apenas em postergar um pouco mais a necessária correção e liquidação dos enormes desequilíbrios gerados pelas políticas monetárias expansionistas anteriores, o que significa que ela estará contribuindo apenas para que o inevitável ajuste final seja ainda mais doloroso. Trata-se de uma medida contraproducente e destrutiva. E certamente não está ajudando a restaurar a confiança.

Ainda assim, vários acadêmicos e vários comentaristas econômicos não desistem. Segundo eles, se o Banco Central Europeu houvesse cortado 0,5 pontos percentuais em vez de 0,25, o mercado poderia ter reagido de maneira mais otimista. Talvez isso teria restaurado a confiança. É mesmo? Os principais bancos centrais mundiais — BCE, Fed e Banco da Inglaterra — já estão hoje submetendo suas economias a taxas de juros abaixo de 1%. Quão realista é pressupor que a chave para a recuperação está em mais um corte de mais 0,25 pontos percentuais?

Aos entusiastas das infindáveis políticas de 'estímulo' monetário restou apenas se agarrar com crescente vigor à sua própria retórica. O que mais eles podem fazer? Sua purpurinada visão de mundo — segundo a qual em um sistema de ilimitado poder de criação de dinheiro fiduciário o banco central sempre poderá gerar mais "demanda agregada" ao simplesmente fornecer mais dinheiro ao sistema bancário — está na lona.

O dinheiro nunca é neutro

Que a política monetária dos principais bancos centrais mundiais fosse acabar neste beco sem saída não é nenhuma surpresa para quem conhece a teoria econômica. Foi surpresa apenas para aqueles que possuem a simplista e limitada visão convencional sobre estímulos monetários. Frases do tipo "o BCE está tentando desobstruir o fluxo de crédito na zona do euro" servem apenas para mascarar a complexidade dos reais efeitos da criação de dinheiro e da manipulação dos juros, e fazem com que as recorrentes políticas de estímulo monetário pareçam não apenas inócuas como também francamente positivas. Afinal, quem poderia ser contra o nobre propósito de desobstruir o crédito, fornecer liquidez aos mercados e estimular a atividade econômica?

Uma das principais contribuições de Ludwig von Mises à teoria monetária foi a sua demonstração categórica danão-neutralidade da moeda. Ele demonstrou que alterações no poder de compra do dinheiro fazem com que os preços de diferentes bens e serviços se alterem de uma maneira que não é simultânea e nem uniforme, e que é incorreto afirmar que alterações na quantidade de dinheiro geram mudanças proporcionais e simultâneas no 'nível' de preços.

Sendo assim, um estímulo monetário nunca afetará o PIB e a inflação — dois agregados estatísticos aos quais a mídia e os economistas atribuem avassaladora importância — de maneira direta e exclusiva. Todo e qualquer estímulo monetário irá afetar e alterar várias outras variáveis também, e esses outros efeitos possuem consequências bem mais profundas: a política monetária sempre irá alteras os preços relativos, sempre irá alterar o direcionamento dos investimentos, sempre irá alterar a maneira como recursos escassos são alocados na economia, e sempre irá alterar a distribuição de renda e riqueza. Todo estímulo monetário sempre irá criar ganhadores e perdedores. Inevitavelmente.

Os defensores das políticas de expansão monetária alegam que todos se beneficiam do "estímulo econômico" que elas geram. No entanto, o dinheiro que é criado não chega a todas as pessoas da economia ao mesmo tempo; sendo assim, ele não afeta os preços de maneira uniforme e simultânea. Como regra geral, aqueles que primeiro recebem este dinheiro recém-criado se beneficiam à custa daqueles que o recebem por último. Aqueles que, na cadeia da distribuição deste dinheiro, estão localizados mais próximos do produtor de dinheiro (o banco central) serão sempre os ganhadores. Estes normalmente são os bancos e todos os participantes do mercado financeiro. Eles podem gastar o dinheiro recém-criado antes que este se disperse por toda a economia e eleve os preços. Sendo assim, eles podem gastar um dinheiro cujo poder de compra ainda não foi afetado. Aqueles que recebem este dinheiro por último veem seu poder de compra ser erodido, pois, quando sua renda nominal aumenta, os preços já subiram há mais tempo.

No presente estágio do mega-ciclo de crédito, mais acomodação monetária irá apenas ajudar os bancos a conceder mais empréstimos insustentáveis e a financiar ativos que já estão com preços artificialmente altos. Várias 'bolhas' — que são resultado de expansões monetárias passadas — continuarão sendo formadas, sustentadas e infladas ainda mais. As forças de mercado — que, caso contrário, iriam ajustar os preços, realocar os ativos e trazer a economia de volta ao equilíbrio — são desta forma completamente debilitadas.

Uma das consequências inesperadas da manipulação dos juros

A expansão monetária feita pelo banco central em conjunto com o sistema bancário é uma forma de intervenção de mercado. E, como toda forma de intervenção, cria uma série de consequências inesperadas, muitas das quais são difíceis de serem identificadas claramente, e são ainda mais difíceis de serem quantificadas. Mas são extremamente reais. A seguir, um exemplo real e bastante perceptível.

Tanto nos EUA quanto na Europa está havendo uma tendência de se substituir atendentes nos caixas de supermercados por máquinas de autoatendimento que permitem aos fregueses escanear o código de barra de seus produtos e fazer o pagamento por conta própria. Trata-se de mais um caso de trabalho humano sendo substituído por máquinas. Uma análise superficial diria que isso é um mero sinal dos tempos, uma consequência inevitável do progresso tecnológico. No entanto, tal fenômeno não é apenas uma consequência da tecnologia. A substituição de trabalho humano por máquinas que, no fundo, geram mais trabalho do que comodidade para os consumidores é resultado de um cálculo econômico feito pelo empreendedor — neste caso, pelos gerentes e administradores dos supermercados.

O gasto com a aquisição das máquinas, o capital que o administrador do supermercado deixa de investir em outras áreas para poder adquirir as máquinas, os juros que ele tem de pagar sobre os empréstimos contraídos para adquirir as máquinas, e todos os potenciais prejuízos futuros decorrentes do manuseio inapropriado das máquinas pelos clientes do supermercado — ou até mesmo o possível aumento do roubo de itens do supermercado em decorrência da menor quantidade de empregados para vigiar os clientes — terão de ser comparados à redução de custo permitida pela redução do emprego de pessoas nos caixas do supermercado.

No atual cenário de juros forçosamente baixos, este cálculo econômico parece estar a favor das máquinas. Afinal, quanto menores os juros, maior o incentivo para se contrair empréstimos para financiar a aquisição de máquinas para substituir o trabalho humano. Este desemprego diretamente causado pela manipulação dos juros é certamente uma consequência inesperada de uma política monetária expansionista.

Seria assim em um genuíno livre mercado? A resposta mais curta é: impossível saber. Mas o que podemos saber com certeza é que, no atual arranjo artificialmente criado pelos bancos centrais, não é economicamente racional manter pessoas trabalhando como caixas de supermercado, pois é muito mais barato substituí-las por máquinas de autoatendimento. 

Acrescente a isso as crescentes regulamentações exigidas pelo estado de bem-estar social, os encargos sociais e trabalhistas, as leis de salário mínimo, as licenças de maternidade e de paternidade, e todas as outras leis que visam à "proteção do trabalhador", e vemos claramente como os governos estão elevando o custo de empregar pessoas e encarecendo a mão-de-obra humana ao mesmo tempo em que a política monetária dos bancos centrais em favor de taxas de juros cada vez menores e de empréstimos cada vez mais fartos e baratos estão facilitando cada vez mais a aquisição de máquinas. Sob qualquer ângulo que se veja, os trabalhadores estão sendo expulsos do mercado pelos governos. A legislação para protegê-los serve apenas para encarecer sua mão-de-obra ao passo que esforços para baratear o crédito tornam o investimento em máquinas uma alternativa bem mais barata.

Não me entenda mal: o padrão de vida de uma sociedade é sobejamente elevado quando se aumenta o uso de capital produtivo (máquinas) por trabalhador. E para continuarmos elevando nosso padrão de vida, temos de continuar aumentando essa proporção de capital por trabalhador. E máquinas de autoatendimento em supermercado sem dúvida representam um aumento da quantidade de capital na economia. Aumentar a quantidade de capital é a única maneira de se expandir a produtividade humana. Mas há uma maneira certa e uma maneira errada de se fazer isso. A maneira correta é por meio da poupança, da abstenção do consumo, o que libera recursos reais de determinados setores da economia (aqueles mais próximos do consumo final) e os direciona para ser utilizados como capital em investimentos voltados para o longo prazo. [Veja mais detalhes deste processo aqui]. O quanto deve ser investido em capital não é algo que deve ser dependente das decisões de burocratas de bancos centrais e suas manipulações monetárias; deve ser o resultado de decisões voluntárias de poupança.

Estas decisões de livre mercado podem perfeitamente reduzir a velocidade de investimentos em capital, mas esta menor velocidade seria totalmente apropriada. A estrutura produtiva resultante deste arranjo voluntário seria muito mais estável e sustentável. Por outro lado, investimentos estimulados pela criação de dinheiro — e não pela poupança — levam a uma alocação insustentável de capital, justamente a causa primária dos ciclos econômicos. O simples fato de grandes setores de uma economia dependerem de contínuas doses de estímulo monetário para serem sustentados em sua dimensão atual já é uma clara indicação das graves distorções geradas pelas políticas monetárias. Quanto mais disso o sistema pode aguentar?

Conclusão

É uma enorme ingenuidade — ou um sinal de incrível arrogância — acreditar que bancos centrais podem antecipar todas as consequências de suas intervenções monetárias. Dizer que elas são benéficas para todos é algo totalmente incorreto. 

Uma política monetária expansionista pode lograr apenas um efeito: estimular mais pessoas a tomarem mais empréstimos e a se endividarem ainda mais. A possível elevação do PIB que tal medida gera tem como efeito colateral o aumento da alavancagem dos bancos e o aumento da concessão de empréstimos de risco. O atual martírio vivenciado pelo mundo foi gerado justamente por este tipo de estímulo monetário, o qual ocorreu por vários anos seguidos. Foi isso que gerou a crise financeira, bancária e de endividamento. No momento, as autoridades estão combatendo uma crise bancária estimulando os bancos a incorrerem em ainda mais riscos. É impossível você reduzir juros e expandir a oferta monetária e esperar que isso leve a uma desalavancagem e a uma melhoria da situação do sistema bancário.

É particularmente bizarro ver economistas afirmando que novas intervenções dos bancos centrais — tanto na forma de mais redução de juros quanto na forma da compra direta de títulos dos governos — irá restaurar a confiança no sistema. Será que esses especialistas realmente acreditam que o público irá se sentir mais confiante caso bancos já excessivamente alavancados cresçam ainda mais rapidamente com a ajuda das impressoras dos bancos centrais? Será que a incerteza acerca do excessivo endividamento dos governos será abolida caso os bancos centrais prometam sustentar estes governos por meio de uma política que se resume a nada mais do que imprimir dinheiro e comprar títulos do governo — algo que simplesmente estimula o aumento dos déficits? Seria isso uma solução ou apenas um adiamento politicamente conveniente do inevitável acerto de contas?

Isso não pode terminar bem.

Detlev Schlichter é formado em administração e economia. Trabalhou 19 anos no mercado financeiro, como corretor de derivativos e, mais tarde, como gerente de portfolio. Nesse meio tempo, conheceu a Escola Austríaca de Economia e, desde então, dedicou seus últimos 20 anos ao estudo autônomo da mesma. Foi apenas após conhecer a Escola Austríaca que ele percebeu o quão mais profundas e satisfatórias eram as teorias austríacas para explicar os fenômenos econômicos que ele observava diariamente em seu trabalho. 

Tradução de Leandro Roque

A BALELA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO



O Estado Democrático de Direito brasileiro é destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. Tem como fundamentos:

I - a soberania
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
V - o pluralismo político.

Assim, tal Estado de Direito deveria ser caracterizado pelo respeito irrestrito de todo e qualquer cidadão à lei magna da Nação, a sua Constituição, e às demais leis. Diríamos, ainda, que tal Estado traduziria o “Império da Lei”, império este legalmente garantido, em última instância, pelo emprego dos meios violentos de que são possuidoras as Forças Armadas, cuja destinação constitucional, de amplo conhecimento, está explicitada no Art. 142 da Lei Magna: 

“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Em seu Art. 5º, afirma, a Constituição, que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, segundo os incisos ordenados que se seguem a esta assertiva.

Repito para melhor enfatizar, que o Estado Democrático de Direito brasileiro deveria traduzir o “Império da Lei”, mas, entretanto, em realidade não o traduz, pois, o seu Art. 5º, em diversos de seus incisos, vem sendo desrespeitado, impunemente, com a conivência e estímulo de autoridades governamentais. Estas acobertam ações violentas de associações ilegais, enquanto procuradores e juízes, por manobras jurídicas escusas, portanto, ao arrepio da lei em vigor, fazem com que militares, já reformados, sejam execrados perante a opinião pública, por pretensos crimes, julgados injustamente e condenados indevidamente. São militares reformados, mas segundo o Estatuto dos Militares, ainda, pertencentes à Instituição e, consequentemente, abandonados à própria sorte. 

Estão, esses militares, sendo duramente atingidos em face do revanchismo ideológico daqueles que não os perdoam por terem, em operações de combate, derrotado a subversão armada comunista, nas décadas de 60 e 70, cumprindo, legalmente, ordens superiores, impedindo a instalação, no Brasil, de uma ditadura sanguinária. 

O caso do Cel Ustra tem sido emblemático pela série de processos que vem respondendo sem que o Exército, na pessoa de seus comandantes, assuma a responsabilidade respectiva, pois, o Cel Ustra, na Ativa, cumpriu o seu dever legal como Agente do Estado, não devendo responder pelas acusações levianas de que é alvo. A lei é explícita quando afirma: “As pessoas jurídicas de direito público (no caso o Exército) e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Por outro lado, está plenamente em vigor a Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, que em seu art. 1º estabelece: “É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de Fundações vinculadas ao Poder Público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. 
§ 1º Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.” 
Essa lei, que concedeu anistia, pressupôs esquecimento recíproco, de modo a apagar todos os fatos que ocorreram em determinado período e que tipificaram delitos políticos ou conexos. 

O ministro do STF, Marco Aurélio Mello, afirma que “a visão é de que há uma lei. E a lei é de Anistia. Anistia, o que é? É o esquecimento do passado, é o perdão em relação ao passado. Evidentemente, a sociedade está sempre em evolução. Anistia, pelo próprio significado etimológico, é justamente isso: estão anistiados, quer dizer, já não podem mais sofrer agruras. A partir do momento em que houve a Anistia, nós passamos a ter o quê? Situações jurídicas constituídas em decorrência da Lei de Anistia. Sempre a retroação não contribui para a segurança jurídica, para o avanço cultural. Precisamos aprender a virar a página.”

Não significa isso a busca da reconciliação nacional, em prol da qual os diversos comandantes enguliram os chamados “sapos catastróficos”, esquecendo inclusive o que jamais deveriam esquecer, parte de nossa gloriosa história como Força Armada, para muitos verdadeira traição? Qual o motivo, então, pelo qual são perseguidos militares, como cães danados, sem o respaldo da Força? 

Será tal reconciliação apenas unilateral (o que não justifica o abandono dos subordinados à sanha dos revanchistas odiosos) e sincera ou, acima disso, busca ela outros objetivos como a melhoria dos orçamentos, sempre inadequados, o que é uma obrigação maior do Presidente, que encarna a figura de Comandante em Chefe, responsável pela Segurança Nacional?

Procuradores e juízes, com nítido viés ideológico, tentam colocar acima da Lei da Anistia, imposições de tratados internacionais que tratam de direitos humanos. Entretanto, mostrando má formação, desconhecimento ou má fé, esquecem que um dos fundamentos do Estado de Direito é a Soberania e que existe uma hierarquia das leis, prevalecendo o que está na Lei Maior, a Constituição, e na própria Lei da Anistia, anterior à vergonhosa submissão a leis internacionais.

Até quando agüentaremos os escrachos e as cusparadas nos rostos de homens com vastas folhas de bons serviços prestados à Nação, nas ruas e nos tribunais, sob a acusação de pretensos crimes, quando os acusadores mentem para mudar uma estória da qual devem se envergonhar?

“A Instituição será maculada, violentada e conspurcada diante da leniência de todos aqueles que não pensam, não questionam, não se importam e não se manifestam.” Por: Gen Marco Antonio Felício da Silva

AS FARC JÁ MANDAM NA COLÔMBIA



Prisioneiros políticos vítimas de falsos testemunhos, condenados pela máfia togada que só defende terroristas


Volto a falar sobre a situação da Colômbia porque é gravíssima e não vejo a mídia noticiar nada do que se passa, a não ser, fazer coro com as FARC e seus seguidores. Cada dia que passa as coisas tornam-se mais horrendas, tensas e indignas, e observo que o que se divulga não reflete absolutamente NADA da realidade. A imprensa afirma, feliz, que os colombianos estão aprovando esta aberração e que a popularidade de Santos está subindo depois do anúncio deste “acordo” infame. Nada mais falso!!! Só quem está aprovando são aqueles que se beneficiarão com a impunidade, ou seja, as FARC e seus seguidores como os tais “Colombianos pela Paz”, ONG criada pela porta-voz das FARC “Teodora de Bolívar”, os políticos “ex” terroristas, os “padres” comunistas e a Justiça a serviço dos terroristas de todos os matizes.


Hoje a situação está da seguinte maneira: o ex-juiz Baltazar Garzón terá um programa no Canal Capital, televisão estatal dirigida pelo jornalista das FARC Hollman Morris, com o sugestivo título “Como vão a paz e os direitos humanos?”. Na Espanha esse juiz está suspenso de suas funções após julgamento por escutas ilegais em processos. Desempregado, logo recebeu apoio do traidor Juan Manuel Santos e hoje aparece como “assessor” da OEA na Colômbia sendo mantido com os impostos dos colombianos.


O Promotor Geral da Nação, Eduardo Montealegre (que deveria ser “triste” por seus atos infames) decretou que se suspendam imediatamente as ordens de captura e extradição contra os porta-vozes das FARC que estão “negociando” a tal “paz” e que serão expedidos salvo-condutos para que eles possam sair do país. As FARC JÁ estão mandando na Colômbiaconforme desejava Marulanda, tanto é assim, que fizeram um vídeo onde Timochenko diz “chegamos à mesa de diálogos sem rancores nem arrogâncias” seguido de um “rap” debochadíssimo que diz em suas falas (me recuso a chamar aquilo de verso!):

“Vou para Havana desta vez para conversar
o burguês (referindo-se a Uribe) que nos procurava 
não nos pôde derrotar.

Vou para Havana, desta vez para conversar
com aquele que me acusava de mentir sobre a paz.

Vou para Havana, souberam com que emoção
Vou conversar a sorte de minha nação”.

Já no final dizem, com um sorriso na cara, dizem: “Nunca haverá rendição!” e o clip termina com Timochenko repetindo o bordão das FARC:“Juramos vencer e venceremos!”. Precisa mais? Vejam o clip:
 


Enquanto Timochenko dá as cartas e Santos diz aos colombianos que “tenham paciência”, as FARC continuam cometendo seus atos terroristas, emboscando, assassinando militares e civis, inclusive crianças, derrubando aquedutos e torres de transmissão de energia que deixam cidades inteiras às escuras, plantando minas e dizendo o quê, como, quando e onde o governo deve obedecer-lhes, e no tal “acordo” avisam que não vão cessar os ataques. A revolta entre os colombianos de bem - que são maioria -, ao contrário do que afirma a mídia brasileira, é imensa! Hoje a associação de militares da reserva ativa, ACORE, enviou um documento ao Governo solicitando participação na mesa de negociações de pelo menos três militares - que representem as três Forças - mais três do Ministério da Defesa. Para o general Jaime Ruiz as Forças Armadas são inegociáveis! E eles estão cobertos de razão, porque uma das primeiras coisas que as FARC vão fazer é acabar com o Tribunal Militar e perseguir ainda mais os militares que já estão presos injustamente sob acusações falsas, conforme venho denunciando ao longo desses dois últimos anos. 



Além disso, o general Jaime Ruiz teme que os guerrilheiros, agora anistiados de todos os seus crimes, conformarão as novas milícias substituindo os militares como já ocorre na Venezuela. E não era esse o sonho antigo das FARC, do Foro de São Paulo e do Bloco Regional de Poder Militar que denuncio desde 2008?


O ex-presidente Uribe vem sendo duramente atacado por denunciar que este “acordo” é um crime que se comete contra a Colômbia e os colombianos, e hoje, numa entrevista que ofereceu ao canal Caracol, ele referiu este “processo de paz” como “uma bofetada na democracia”. E diz, dentre outras coisas, que Santos perdeu dois anos de seu governo apenas se aproximando dos terroristas para tentar um diálogo, abandonando completamente a plataforma que o elegeu de dar continuidade à segurança do país. Assistam a essa entrevista magnífica aqui, pois por um problema técnico o código não pôde ser inserido.


E para que não reste nenhuma dúvida sobre o que afirma Uribe, traduzo abaixo parte de uma publicação do blog “Colombia grande y libre” onde eles denunciam que essas conversações vêm sendo feitas em Cuba desde 6 de outubro de 2011, cujo acordo já foi assinado desde 7 de março de 2012, tudo pelas costas do Congresso e do povo colombiano!


“Não há nada que negociar, TUDO já foi entregue por Santos às FARC, com a assinatura de umas capitulações vergonhosas, pelas costas do país e em segredo, sob a vigilância de dois governos comunistas.


Cumprimos o dever patriótico de denunciar a assinatura dos acordos de ‘paz’ em Havana por parte de Juan Manuel Santos, Luciano Marín Arango, cognome “Iván Márquez” e Timoleón Jimenez, cognome “Timochenko” em 7 de março de 2012 em Havana, Cuba, como conclusão final das mesas de negociação e diálogo que se instalaram em segredo e pelas costas do país na mesma cidade, em 6 de outubro de 2011, lideradas pelo Alto Comissionado em Segurança e Alto Comissionado para a Paz, Sergio Jaramillo Caro. Foram garantidores e testemunhas desse acordo os presidentes da Venezuela e de Cuba, Hugo Chávez Frías e Raúl Castro. Os governos da Noruega e da Venezuela desempenharam os papéis de financiadores e de logística de tais mesas de negociação.


Colocamos isto para conhecimento da opinião pública, com a finalidade de que o povo colombiano se pronuncie contra um acordo que não foi autorizado pelo Congresso da Colômbia, nem pela Constituinte Primária. Não podemos confiar em Santos com o engano de que apenas vai instalar as mesas de conversações. É uma farsa bem montada para nos fazer crer que as FARC cederam, porém a verdade é que tudo foi concedido nas mesas de capitulações, mal chamadas de conversações. 


Deixamos o seguinte documento como constância histórica e para sua avaliação, amigo colombiano. Evitemos que o futuro de nossos filhos e não sabemos de quantas gerações mais, seja hipotecado ao comunismo internacional, pela assinatura infame de um traidor e covarde, o presidente liberal Juan Manuel Santos”.


Traduzi apenas o começo da publicação e o restante vocês podem ler aqui. É estarrecedor o que Santos está tramando contra seu próprio povo, apenas para satisfazer sua vaidade pessoal desmedida e doentia de re-eleição ou Prêmio Nobel da Paz, sem levar em consideração que deu às FARC um status de Estado dentro do próprio Estado Colombiano, uma vez que as reconhece como um “interlocutor” legítimo com o qual se possa negociar. Isto é crime de lesa-pátria e é como TRAIDOR que ele será lembrado pela história!


É este o cotidiano da Colômbia: ataques terroristas sem cessar contra civis indefesos, enquanto falam de "paz". E são esses monstros que muito em breve vão governar o país. Santos, você é um monstro abjeto igual às FARC!



Cabe lembrar, ainda, que nesse acordo não se falou uma só palavra nas milhares de vítimas seqüestradas, nem na entrega de armas, nem no fim do narco-tráfico. Só as FARC deram as cartas. As fotos que ilustram esta edição de hoje mostram a situação real da Colômbia: os presos-políticos que não cometeram NENHUM crime, encarcerados injustamente, muitos condenados a penas que equivalem a prisão perpétua. E a outra, chocante, mostra um atentado ocorrido em 27 de agosto último, quando este maldito “acordo” já havia sido assinado! É o destino de todo o nosso continente que está em jogo, portanto, não fechem os olhos a esta realidade dramática, porque se as FARC chegarem mesmo ao poder político na Colômbia, será o fim de todos nós. Fiquem com Deus e até a próxima!


Comentários e traduções: G. Salgueiro

A MÁFIA QUE GOVERNA A RÚSSIA



GodfatherPutin



Embora o percentual de assassinatos de jornalistas russos seja maior que o de jornalistas ocidentais, um passaporte ocidental nada garante.

O fato de a televisão russa estar nas mãos da KGB e dos jornalistas estarem sendo rotineiramente assassinados (e seus assassinos continuando soltos) é apenas a ponta de um iceberg muito maior de uma Guerra Fria.


Na segunda-feira (7/11/2011) eu conversei com Luke Harding, chefe do escritório em Moscou do jornal britânico The Guardian que foi expulso da Rússia em 5 de fevereiro de 2011. “Para você a Rússia está fechada” foi o que ele ouviu quando retornava para Moscou após uma curta viagem à Grã-Bretanha. O passaporte russo dele foi anulado e ele foi enxotado do país, mesmo sob protesto de seus colegas de profissão e amigos e mesmo ele tendo uma casa em Moscou (que por sinal fora invadida anteriormente pela polícia secreta russa a fim de intimidar Harding e sua família). O Kremlin possui meios especiais de passar recados para os jornalistas que não cooperam: invadem a casa deles, mudam os objetos de lugar, abrem as janelas do décimo andar dos quartos das crianças e, se tudo isso falhar, eles expulsam o crítico indesejado do país.

Os efeitos colaterais desse tipo de ação não podem ser ignorados. Mas, segundo Harding, aqueles que dominam a Rússia – os siloviki – não estão muito interessados em ter boas relações com a Grã-Bretanha ou Estados Unidos. Eles não dão a mínima para a nossa boa opinião. Eles estão mais preocupados em controlar a dissidência; e punir um jornalista britânico negando a ele acesso à Rússia serve de aviso para todos os jornalistas estrangeiros em Moscou. Não critique o Estado russo. Não critique a FSB ou o Presidente Putin. “Penso ser importante manter a honestidade ao falar sobre o regime de Putin”, explica Harding. O governo russo discorda violentamente.

Harding é bravo e, talvez, sortudo. Ele poderia ser raptado e morto, como sua colega Natalya Estemirova(amiga de Anna Politovskaya, uma crítica de Putin que foi morta a tiros em 7 de novembro de 2006, o dia do aniversário de 54 anos de Putin). Embora o percentual de assassinatos de jornalistas russos seja maior que o de jornalistas ocidentais, um passaporte ocidental nada garante. Paul Klebnikov da revista Forbes morreu após levar quatro tiros em 9 de julho de 2004 em uma rua de Moscou. O editor da Forbes russa, ao expressar sua opinião, disse que o assassinato de Klebnikov estava ligado às “atividades profissionais” do jornalista no país.

Luke Harding escreveu um livro sobre suas experiências na Rússia intitulado Mafia State: How one reporter became an enemy of the brutal new Russia. É o relato de um homem decente que entrou em uma zona política indecente. Harding tentou deixar claro na entrevista a necessidade da distinção entre o caloroso e de bom coração povo russo e os gângsteres no comando do país. “A Rússia não é a nossa inimiga”, disse. Os chefes do Kremlin e seus serviços de segurança são o problema. Descrevendo a mentalidade de Putin como “empacado na Guerra Fria”, Harding disse que o Estado russo é uma competição caótica de interesses com atitudes soviéticas predominando nos altos níveis. “Eles não gostam dos Estados Unidos”, enfatizou.

Há alguma esperança de mudança positiva? Harding acha que não há perspectiva imediata de uma revolução laranja ou coisa do tipo na Rússia. “Talvez em quatro anos, ou dez”, explicou. Parece haver pouca dúvida de que Putin será eleito presidente no próximo ano [NT: Este artigo foi escrito em 2011]. Perguntei a Harding acerca da declaração do ex-presidente ucraniano Leonid Kravchuk sobre Putin estar “um escalão abaixo” dos verdadeiros governantes da Rússia. Harding descartou a ideia, dizendo que claramente era Putin quem estava no comando; embora em outra ocasião Harding tenha admitido que o sistema russo seja nebuloso. Em seu livro ele escreveu: “Em uma cidade inclinada à rumores e teorias da conspiração, é razoável dizer que durante o período de Medvedev poucas pessoas em Moscou realmente sabiam o que se passava no Kremlin. Mesmo o governo russo parece estar afundado na escuridão”.

Não podemos esquecer que Harding está escrevendo sobre um país que tem milhares de ogivas nucleares posicionadas estrategicamente, incluindo o ICBM mais avançado do planeta, o SS-27. O fato de a televisão russa estar nas mãos da KGB e dos jornalistas estarem sendo rotineiramente assassinados (e seus assassinos continuando soltos) é apenas a ponta de um iceberg muito maior de uma Guerra Fria. O frio, por assim dizer, continua. Se a “nova” Rússia pode ser caracterizada como um regime de assassinato e censura doméstica, há alguma campanha russa de espionagem e subversão se propagando nos países estrangeiros?

Perguntei para Harding sobre o ex-agente da KGB Alexander Lebedev, um bilionário russo que atualmente é dono de dois jornais britânicos. “Ele não é o típico oligarca russo”, respondeu Harding, que descreveu Lebedev como “charmoso”, culto e elegante. “Como você se sente com um ex-agente da KGB sendo dono de dois jornais britânicos?”, perguntei. Embora Harding pessoalmente goste de Lebedev, ele não está completamente à vontade com a posição de Lebedev.

Estaria Lebedev usando seus jornais como instrumento de ocultação das notícias na Inglaterra? Supostamente Lebedev não interfere na política editorial, “Mas seus jornais esqueceram de analisar meu livro”, admite rindo Harding. Seria esse um inocente equívoco? Perguntei à Harding porque Lebedev não lida com o campeão mundial de xadrez e crítico de Putin, Garry Kasparov; ele admitiu que provavelmente Lebedev fosse um agente do Kremlin.

Então o que mudou na Rússia desde a queda da União Soviética? O rótulo comunista foi removido e a doutrinação ideológica não acontece mais. Mesmo assim o instrumento da ditadura continua com uma mentalidade soviética e um vasto arsenal nuclear; opressão e censura em casa, subversão no resto do mundo.

POR JEFFREY NYQUIST



A ESQUERDA CAVIAR



O Rio é vítima de uma verdadeira praga: a “esquerda caviar”, formada por parte da elite financeira e cultural do país. Seus membros posam de altruístas enquanto louvam ditadores sanguinários como Fidel Castro. Do conforto de seus apartamentos em Paris, porque ninguém é de ferro.

Roberto Campos fez um diagnóstico preciso da árvore genealógica da turma, ao afirmar que “trata-se de filhos de Marx numa transa adúltera com a Coca-Cola”. Somente isso pode explicar a esquizofrenia de nossos artistas e intelectuais de esquerda, que admiram o socialismo, mas adoram também três coisas que só o capitalismo sabe dar: “Bons cachês em moeda forte, ausência de censura e consumismo burguês”.

Um cínico poderia dizer que a hipocrisia é útil. Aproximando-se do poder, esses intelectuais conseguem privilégios e mamatas. A Petrobras, por exemplo, destinou a bagatela de R$ 652 milhões para patrocínios culturais entre 2008 e 2011. É uma montanha de dinheiro capaz de testar a integridade até mesmo de um santo!

Mas não creio ser apenas isso. Acredito que um dos fatores tem ligação com o sentimento de culpa dessa elite. E convenhamos: nada como uma elite culpada tentando expiar seus “pecados”. Com que facilidade ela adere aos discursos mais sensacionalistas e demagógicos. Chega a dar dó. Em um país que culturalmente condena o lucro e enxerga a economia como um jogo de soma zero, onde José, para ficar rico, precisa tirar de João, o sucesso acaba sendo uma “ofensa pessoal”, como disse Tom Jobim. Essa visão é um prato cheio para produzir uma elite culpada e desesperada para pregar aos quatro ventos as “maravilhas” do socialismo.

Por isso vemos cineastas herdeiros de banco fazendo filmes que enaltecem guerrilheiros comunistas. Por isso vemos filhos de grandes escritores lambendo as botas de tiranetes latino-americanos. Imagem é tudo.

E estas pobres almas acreditam que, ao louvarem a ideologia que quer destruí-los, conquistarão a fama de abnegados e descolados. Como é fácil falar que o capitalismo não presta quando se é milionário!

Joãozinho Trinta foi no alvo quando disse que os intelectuais é que gostam de miséria, pois os pobres gostam é de luxo. Nada mais natural do que desejar melhorar as condições de vida. E nada melhor para isso do que o trabalho duro em um ambiente de livre mercado. Lucro e trabalho são sócios nesta empreitada. O grande obstáculo é justamente o governo inchado, obeso, que cria burocracia asfixiante e arrecada quase 40% do que é produzido em nome da “justiça social”.

Quem labuta para criar riqueza e subir na vida não tem tempo para “salvar o planeta” ou construir “um mundo melhor”. Estas são as bandeiras da esquerda festiva, dos artistas que, do conforto de suas mansões, adoram detonar o capitalismo enquanto desfrutam de tudo de bom que só ele pode oferecer.

Sobre a seita ambientalista, aliás, recomendo a leitura do excelente livro “Os Melancias”, de James Delingpole. A máscara dos alarmistas climáticos que fazem ecoterrorismo cai por completo, expondo a verdadeira face vermelha por trás do movimento verde.

Mas divago. Eis o que eu realmente queria dizer: boa parte da elite carioca gosta de defender candidatos socialistas com discursos messiânicos. Entre uma cerveja e outra, essa turma esbraveja contra os ricos capitalistas e repete como sua utopia salvaria a humanidade das garras dos gananciosos e insensíveis. Depois voltam para seu conforto egoísta com a alma lavada. A retórica vale mais que atos concretos. Garçom, mais uma cerveja!

Foi assim que o brizolismo conseguiu prosperar no Rio, com os aplausos de muita gente da zona sul. Foi assim também que Heloísa Helena, do PSOL (o PT de ontem), conseguiu mais votos no Rio do que em qualquer outro lugar. O que esperar de um povo que elegeu Saturnino Braga em vez de Roberto Campos para o Senado? Essa análise toda foi para chegar ao novo queridinho da elite carioca, o personagem de filme de ação, herói que desafia as milícias. Há só um detalhe: seu partido é aquele que prega o socialismo (com um atraso de duas décadas), que pretende escolher até o tema das escolas de samba, que tem deputado que gosta de queimar a bandeira de Israel em praça pública, demonstrando sua intolerância, além de enorme desrespeito ao povo judeu. Leiam “Fascismo de esquerda”, de Jonah Goldberg. Socialismo e liberdade não combinam. Um é o contrário do outro. Todo regime socialista levou à escravidão e à miséria. Até quando os cariocas vão cair na ladainha dos artistas que adoram o socialismo, lá do conforto de Paris?
Por: Rodrigo Constantino

O CAIXA 2



Fiquei estarrecido quando tomei conhecimento, pela mídia, de que a mais alta autoridade da República, à época que eclodiu o denominado escândalo do mensalão, alegara tratar-se de um mero caixa 2.

Uma autoridade fiscal chegaria ao limite da perplexidade ao ouvir de um contribuinte que praticara crime de sonegação por omissão de receita, por exemplo, a justificação de que fora tão somente um cândido exercício de caixa 2. Pois bem, esse mau contribuinte poderia acrescentar que se inspirara em discurso de autoridade.

O advogado, no exercício de uma função essencial ao Estado Democrático de Direito, tem a obrigação de buscar a absolvição ou, ao menos, a redução das penas que, em tese, seriam aplicáveis a seus clientes. O que espanta, todavia, é ver políticos e advogados festejarem o crime do caixa 2, diante da possibilidade de prescrição. Bradam solenemente: Foi apenas caixa 2! É a banalização da indecência.

Crime deve ser confessado de forma compungida e envergonhada, de cabeça baixa, com um mínimo sinal de arrependimento. Somente criminosos doentios se vangloriam de suas iniquidades.

Essas condutas funcionam como uma espécie de cupins da frágil estrutura de valores da sociedade brasileira. Somadas a outras, que de tão pequenas às vezes não são percebidas, vão minando as convicções das pessoas e arruinando o processo civilizatório.

A alegação do caixa 2 é um episódio neste processo de aviltamento dos valores. Não é, todavia, fato isolado. O ovo da serpente há muito se encontra instalado no Estado brasileiro.

A redemocratização no Brasil, infelizmente, revigorou a condenável prática do fisiologismo. Não tendo sido decorrente de uma ruptura institucional, mas de um processo conciliatório, a redemocratização trouxe à mesa do governo personagens antes abrigados na oposição.

Os novos protagonistas da cena política exigiram, legitimamente, que fossem representados na administração, já sobrecarregada pelos oriundos da velha ordem. A Nova República iniciou a temporada das "indicações". Foi a festa do velho fisiologismo.

A arena política passou a ser povoada por uma miríade de partidos e tendências, em que prevaleceram interesses localizados, pretextando o que foi chamado de presidencialismo de coalizão. O clássico fisiologismo, então, se sofisticou.

Se antes as postulações dos partidos políticos se limitavam às "indicações", num novo estágio elas se direcionaram para despudoradas demandas por "diretoria que fura poço" e tesouraria de estatais.

Mais recentemente, surgiu o que se chamou de aparelhamento, em que se vislumbrava um comprometimento ideológico dos indicados. Não é nada disso, entretanto, ainda que, em alguns momentos, se escutassem murmúrios de teses obscuras, cada vez mais subjugadas pelo pragmatismo. Aparelhamento é apenas outra denominação do fisiologismo, aplicável à ambição de grupelhos políticos não tradicionais. Qualquer que seja o nome, o que fica evidente é o propósito de manter-se no poder e dele se servir.

Chegou-se à ousadia de cobrar fidelidade da toga ao poder. Muitos se espantam quando magistrados decidem de forma diferente da expectativa dos que os nomearam. Marianne, símbolo da República desde a Revolução Francesa, deve estar ruborizada.

Essas práticas pouco edificantes se combinam com barganhas e negócios que têm por base as emendas parlamentares ao Orçamento. Serão elas, mantido o modelo existente, uma fonte inesgotável de escândalos. Não raro, os acusadores de hoje se convertem nos acusados de amanhã. A maldição está num sistema completamente vulnerável à corrupção.

O afrouxamento moral do Estado tem outras faces. Qual o respaldo moral para cobrar as dívidas dos contribuintes, se o Estado não paga precatórios, atrasa tanto quanto possível restituições e compensações de tributos e faz uso de todos os recursos procrastinatórios para evitar a liquidação de sentenças em que foi condenado? Essa assimetria de conduta, tão recorrente, é um desserviço à República.

Não me surpreendo, embora deplore, quando vejo cidadãos, publicamente, dizendo que não pagam impostos porque os políticos são corruptos. É o império da torpeza bilateral.

O que impressiona, de mais a mais, é constatar que essa crise axiológica, que não é recente, vem crescendo continuadamente, sem que nada interrompa sua execrável trajetória.

Há uma novidade, todavia. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos réus do mensalão, independentemente das decisões que venham a ser tomadas, trouxe a lume alguns conceitos alentadores, superando o ranço positivista que pretende a supremacia do formalismo sobre os fatos. O que se colhe fora do juízo, ainda que não sejam provas cabais, robustece as evidências extraídas no rito judicial. Nenhuma destinação, por mais meritória que seja, sacraliza dinheiro oriundo de peculato. Deve-se alegar caixa 2 em tom contrito e penitente. Como contraponto, pessoas inocentes têm o direito de ser declaradas inocentes. É uma réstia de esperança, até mesmo para os céticos, como eu.

Por: Everardo maciel O Estadão

GESTÃO TERRITORIAL



Os ambientalistas querem aumentar as áreas preservadas do País. Indígenas lutam para demarcar mais terras exclusivas. Quilombolas tentam dominar seus espaços históricos. Agricultores precisam expandir a exploração do solo. E as cidades continuam crescendo. Haverá como acomodar tantas demandas sobre o espaço nacional?

Evaristo de Miranda, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estuda há anos a ocupação do território e o uso das terras no Brasil. Especialista em monitoramento sensorial por satélite, com doutorado em Ecologia na França, o renomado agrônomo comprova que anda sobrando pedido e faltando lugar para apaziguar tantos interesses. Mágica não resolve.

O resumo das informações da Embrapa mostra séria problemática. Atenção aos números. Na atividade agropecuária, somando as pastagens e as lavouras, exploram-se 2,15 milhões de quilômetros quadrados, representando uma fatia de 25% do território nacional. Essa superfície de produção, mantida nas propriedades rurais, pouco se tem alterado, conforme atestam os últimos três Censos Agropecuários do IBGE. Regra geral, as lavouras avançam sobre as pastagens extensivas, reduzindo-as, indicando intensificação no uso das terras. Eleva-se a produtividade por hectare ocupado. Boa agronomia, melhor zootecnia.

Expandem-se fortemente, por sua vez, as unidades de conservação ambiental. Os parques e reservas florestais constituem locais delimitados de preservação, mantidos sob responsabilidade do poder público. Geridos tanto pelo governo federal quanto pelos Estados, eles abrangem 14% do território nacional. Acrescendo-se a eles os parques municipais e certos domínios preservados pelas Forças Armadas, a fatia estatal de proteção da biodiversidade beira os 17% do País.

Identificadas e demarcadas, as terras indígenas ocupam 1,25 milhão de quilômetros quadrados, notadamente distribuídos pela Amazônia. Reservadas para o extrativismo dos arborícolas, essas imensas glebas recheadas de vegetação nativa representam próximo de 15% do Brasil. Adicionadas, as unidades de proteção da biodiversidade e as reservas indígenas, juntas, ocupam 32% do território nacional. Tal volume de terras ultrapassa o de qualquer outra nação, sendo de 10% a média mundial de áreas protegidas.

Além das áreas públicas, os estabelecimentos rurais declararam ao IBGE, por ocasião do último Censo Agropecuário (2006), manter um total de 50 milhões de hectares formando suas reservas legais e suas áreas de preservação permanente, localizadas dentro das propriedades. Isso significa que 5,9% do território nacional, apropriados por particulares, está sendo preservado para a fauna e a flora nativas, em especial nas faixas próximas dos cursos d'água. Matas ciliares.

Existem, ainda, os quilombolas. Asseguradas pela Constituição, as áreas remanescentes de quilombos têm sido progressivamente tituladas, já atingindo cerca de 1% do País. Por fim, as zonas urbanas expandem-se, por ora, sobre 0,25% do território. Considerando essas várias situações - agricultura, reservas florestais, indígenas, quilombolas e cidades -, chega-se ao índice de 64% do território nacional que apresenta ocupação definida e restrita. Uai, diria o caboclo, cadê o resto?

Embora o catastrofismo ecológico leve a opinião pública do Sul-Sudeste a imaginar o caos, excita a mente imaginar que um terço do território nacional ainda está praticamente desconhecido da sociedade. O incerto distribui-se, basicamente, nas imensas áreas devolutas e nos alagados da Região Norte. Basta saber que o bioma da Amazônia representa, sozinho, metade do Brasil e se mantém intacto em 81,2% nos lugares inóspitos, quase impenetráveis à exploração humana. Floresta virgem.

Quer dizer, em pleno século 21 existem 36% do território nacional sem uso definido. E sobre essa fatia, principalmente, recaem todas as demandas contemporâneas sobre a ocupação do território. Quais são elas?

Primeiro, a criação de novas unidades de proteção ambiental. Definidas pelo Ministério do Meio Ambiente, o mapa das áreas prioritárias para conservação da biodiversidade sugerem, no mínimo, dobrar a salvaguarda ecológica atual.

Segundo, as exigências do Código Florestal. Qualquer que seja o capítulo final dessa longa novela, com certeza haverá uma duplicação das zonas preservadas dentro das propriedades rurais, especialmente nas margens dos rios.

Terceiro, os reclamos dos indígenas e, quarto, dos quilombolas. Não cessam os pedidos dessas populações tradicionais, indicando que se avançará nas demarcações existentes.

Quinto, resta a agricultura. Impelida pela demanda mundial de alimentos, e suportada pela biotecnologia, mesmo ganhando produtividade a produção rural deverá expandir as suas áreas cultivadas e pastoreadas. Perderia o bonde da História se o Brasil deixasse de aproveitar a chance de se tornar o celeiro do mundo.

Nas contas de Evaristo de Miranda, o somatório das demandas pela ocupação e uso do território nacional, especialmente contando as limitações ambientais, alcança 6,45 milhões km2. Isso representa quase 76% do território nacional. Conclusão: inexiste possibilidade, física e geográfica, de atender a todas as vontades expressas na sociedade. Como resolver os conflitos? Quem arbitra a disputa?

Sem estratégia definida pelo Estado, a solução depende do brilho na mídia e do jogo da política. Por enquanto, em face do preconceito urbano contra o ruralismo, quem está perdendo é a agropecuária. A necessidade de sua expansão recebe sinais negativos da sociedade, que, ao contrário, apoia que dela se subtraiam áreas de produção. Periga encolher o campo.

Gestão territorial: eis um bom tema para o debate nacional.


Por: Xico Graziano O Estadão