quarta-feira, 28 de novembro de 2012

AS CONSEQUÊNCIAS INESPERADAS DO CONTROLE DOS ALUGUÉIS


Suponha que você queira destruir uma cidade. Qual dos dois métodos a seguir você julga ser o mais eficaz: um bombardeio ou a imposição de leis estipulando controle de preços de aluguéis. Embora não pareça, alguns economistas concluíram que as duas coisas são relativamente equivalentes. Quando os preços dos aluguéis são mantidos artificialmente abaixo de seu real valor de mercado, surge uma repentina escassez de imóveis para serem alugados, e a consequência é que o estoque de moradias ainda disponíveis rapidamente se deteriora.

Aqueles que defendem o controle dos preços dos alugueis geralmente o fazem com base em sua visão de 'justiça social' e de "distribuição justa de riqueza". "Não é certo", argumentam eles, "que alguém que tenha morado em um lugar por toda a sua vida seja obrigado a se mudar do seu bairro por conta de um aumento de preço de aluguel"; assim como não é certo que senhorios gananciosos possam se aproveitar de altos valores de aluguel apenas porque várias pessoas querem morar em uma determinada grande cidade.

A típica proposta de controle de aluguéis baseia-se na suposição de que o mesmo nível de atividade econômica será mantido, mas com um resultado distributivo diferente. Ou seja, o mesmo número de apartamentos será ofertado, e será ofertado para as mesmas pessoas e com a mesma qualidade. A única diferença, de acordo com os defensores dos controles de aluguéis, é que os inquilinos desafortunados não mais encherão os bolsos dos senhorios. Qualquer alteração no estoque de imóveis para locação será, portanto, uma exclusiva falha moral por parte dos proprietários.

Ainda de acordo com os defensores dos controles de aluguéis, os senhorios não fazem nenhum esforço em troca dos aluguéis que recebem. Eles ficam apenas sentados sem fazer nada, esperando pelas altas de preços. Essa visão, no entanto, ignora a função do sistema de preços como sendo um transmissor de informações. Um edifício pode ser utilizado de diversas formas. Ele pode ser disponibilizado para locação. Pode ser transformado em um prédio residencial. Pode ser usado para fins comerciais. Pode ainda ser demolido e seu terreno ser utilizado para o cultivo de grãos. São os preços que nos dizem qual o uso mais rentável para um edifício e seu terreno. Quando se institui uma lei controlando os preços dos aluguéis, os sinais enviados pelo sistema de preços são distorcidos.

A realidade dos controles de aluguéis é bem diferente da visão idealizada por seus defensores. Um artigo escrito por Eileen Norcross, do Mercatus Center, e publicado no Wall Street Journal em 13 de setembro de 2008, discute o controle de aluguéis na cidade de Nova York, sugerindo que esta é uma lição que a vale a pena ser repassada. Ela nos conta sobre os imóveis ocupados por Charles Rangel, congressista pelo estado de Nova York. O senhor Rangel ocupa quatro apartamentos de "aluguel estabilizado" em um elegante edifício de Nova York. ("Aluguel estabilizado" significa que, ao contrário do aluguel fixo, o preço pode subir, mas apenas em um percentual estipulado pela prefeitura. "Aluguel estabilizado" também dá ao inquilino o direito de renovar sua locação, queira o proprietário ou não.) O senhor Rangel utiliza três deles como moradia e usa o quarto como escritório. Por causa dos controles de aluguéis, não é possível dizer se tais apartamentos seriam mais bem aproveitados caso fossem utilizados como moradia para várias famílias. Ao Sr. Rangel é dada a condição de utilizar recursos valiosos a preços reduzidos, tudo em detrimento de potenciais moradores da cidade de Nova York.

A autora conta que há 43.317 apartamentos em Nova York sujeitos à lei de controle de aluguéis criada em 1947, e 1.043.677 de unidades com status de "aluguel estabilizado". No total, isso representa cerca de 70% do estoque de imóveis habitacionais de Nova York. Originalmente, o controle de aluguéis era um programa temporário, com o objetivo de ajudar pessoas a encontrar moradia em Nova York durante a 2ª Guerra Mundial sem pagar valores exorbitantes. Hoje, mais de sessenta anos após o final da guerra, o controle de aluguéis ainda domina o mercado.

No auge do debate sobre qual era o sistema mais produtivo para gerir a sociedade, se o capitalismo ou o socialismo, Ludwig von Mises argumentou que toda intervenção estatal sempre gera novas intervenções estatais com o intuito de corrigir as consequências inesperadas geradas pelas intervenções anteriores. Quando aluguéis são mantidos abaixo de seu valor de mercado, os proprietários simplesmente retiram suas unidades do mercado de locação ou as convertem em condomínios, apartamentos de luxo, ou escritórios comerciais. Coisas como "taxa da chave" também costumam aparecer, que é quando aluguéis são artificialmente baixos, mas os senhorios exigem uma altíssima taxa pelo aluguel da chave do apartamento. Outros inventivos senhorios tentaram contornar as restrições fornecendo apartamentos mobiliados, pelos quais os inquilinos pagam o valor do aluguel controlado mas também têm de pagar um valor inflacionado pelo aluguel da mobília. 

Burocratas governamentais e proprietários de imóveis estão em um constante e infindável jogo de gato e rato, de regulação e evasão, o qual acabou gerando sua própria infraestrutura jurídica na forma do Tribunal Habitacional da Cidade de Nova York. Essa corte possui cinquenta juízes e lida com mais de trezentas mil ações anualmente.

O controle de aluguéis, além de ser um óbvio e direto ataque à propriedade privada (você não pode utilizar a sua propriedade da maneira que mais lhe aprouver), também acaba com os incentivos para a boa manutenção dos estoques habitacionais por parte dos senhorios. Com a adoção do controle de aluguéis e com a subsequente queda da oferta, pessoas fazem fila para conseguir um apartamento, e assim os senhorios podem discriminar quais inquilinos ficarão com as unidades mais pobres. Eliminar a chance do proprietário poder aproveitar o retorno sobre seu investimento em habitações mais nobres significa também eliminar seu incentivo para investir na mais básica manutenção dos edifícios.

Portanto, o que é pior: controle de aluguéis ou bombas? No site do Ludwig von Mises Institute há um vídeo de uma palestra sobre preços proferida pelo economista Joseph Salerno, da Pace University, no qual ele propõe um exercício visual constrangedor. Ele mostra para a plateia fotografias de áreas urbanas destruídas e pergunta se elas foram sujeitas a controles de aluguéis ou bombardeadas. Não é fácil responder, mas a semelhança entre as fotos sugere uma trágica, embora previsível ironia. Uma cidade bombardeada é destruída por pessoas com más intenções. Uma cidade submetida ao controle de aluguéis é destruída por pessoas supostamente com ótimas intenções. 





South Bronx — NY — anos 1980                                  Aachen — Alemanha — 1944


South Bronx — NY — anos 1980 Hiroshima — 1945

Nesta mesma palestra, o Prof. Salerno cita um artigo publicado no The New York Times em 1972, escrito pelo imigrante húngaro George Frank: 

"Eu fui um explorador..." 

Eu fui um explorador. A seguir, a história de como me tornei um. 

Nasci 69 anos atrás. Eu aprendi a arte da marcenaria em minha terra natal, Hungria. Este seria meu 50º ano de atividade produtiva, criando em madeira muitas coisas de beleza duradoura. Meu nome é bem conhecido e muito respeitado nesse meio. 

Há cerca de vinte anos, comprei um pequeno galpão industrial no East Harlem, no número 508 da East 117th St., onde trabalhei em conjunto com minha equipe de 10 a 12 homens. Com as mudanças, melhorias e construções adicionais, a fábrica me custou cerca de US$ 65.000,00. 

Alguns anos depois, comprei o edifício. O prédio contíguo, número 510, foi oferecido a mim por uma barganha, por estar em estado ruim de conservação. Com planos de expandir a fábrica, ou utilizar o terreno como estacionamento, eu o comprei. Por US$ 12.500,00 à vista, tornei-me proprietário de um prédio residencial com quatro unidades. 

As quatro famílias que moram no edifício são todas de gente decente e trabalhadora. Até onde eu sei, eles não precisam e nem nunca pediram caridade, ajuda governamental ou assistência. Ainda assim, as forças da lei me obrigam a lhes dar abrigo e aquecimento por um preço mais baixo do que isso me custa. 

Já há vários anos, meus débitos têm excedido minhas receitas em cerca de 25%, isso sem contar os juros ou os pagamentos para a amortização da hipoteca. 

O prédio estava em más condições quando o comprei. Hoje, comparado a outros, é praticamente um parque de diversões. 

Mas o prédio precisa de telhados novos, paredes novas, forros novos, encanamentos novos, fiação nova, portas novas, sistema de aquecimento novo. Precisa de cerca de US$ 15.000,00 em reparos. 

O prédio atualmente gera uma receita bruta anual de US$ 2.600,00, sendo as despesas com impostos e aquecimento de cerca de US$ 3.000,00. 

Por que eu não solicitei um aumento litigioso dos aluguéis? Meu contador me disse que haveria uma montanha de papéis e formulários para preencher, e que se ele por acaso conseguisse algum aumento, os honorários devidos a ele levariam tudo o que eu porventura ganhasse nos primeiros dois anos após o aumento. 

Até agora eu fui multado quatro vezes por não atender às ordens para corrigir violações do código habitacional. Fui intimado à corte há poucas semanas, e expliquei minha difícil situação para um juiz. Após garantir ser "solidário" à minha situação, ele me multou em US$ 40,00 e prometeu que a próxima seria bem mais alta. 

Depois dessa sessão no tribunal, não voltei para casa. Fui direto para o escritório local da Igreja Católica e pedi a eles que aceitassem o prédio como uma doação. Eles não aceitaram. Uma hora mais tarde fiz a mesma oferta aos Protestantes. Novamente, a resposta foi negativa. Em seguida ofereci o prédio para os quatro inquilinos, de graça, sem nenhum pagamento. Eles não quiseram. 

Tudo bem, eu vou abandonar o prédio, foi meu pensamento seguinte. Vou parar de cobrar aluguel, parar de pagar impostos e de pagar pelo aquecimento. Deixarei a prefeitura se apropriar. Parece uma saída fácil, mas meu advogado me diz que não tem como ser feito sem que eu seja juridicamente responsabilizado financeiramente. 

Assim, cá estou eu com um edifício avaliado pela prefeitura em US$ 21.000,00 — eu repito: US$ 21.000,00 —, mas o qual eu não consigo doar, vender, e nem mesmo abandonar. Sou forçado pela lei a mantê-lo e operá-lo. 

Quer dizer, eu era. Não sou mais. 

Vendi o edifício por US$ 30.000,00. 

Como um bom atrativo, coloquei no negócio o meu bom e velho galpão industrial, que me custou quase US$ 70.000,00, a troco de nada. Em outras palavras, vendi dois imóveis que me custaram cerca de US$ 80.000,00, há quinze anos, por US$ 30.000,00, a serem pagos em seis anos, sem juros. 

Com os US$ 50.000,00 que perdi no negócio — a maior parte da poupança da minha vida —, comprei minha liberdade. 

Aos 69 anos, estou velho demais para começar uma revolução ou para brigar com a prefeitura. Por outro lado, não gosto da ideia de ser intimado a comparecer em tribunal pelo "crime" de ter tido a ousadia de ser um dono de imóvel em Nova York. 

Sentirei muita falta da minha fábrica, onde passei 49 anos felizes. Mas... eu não sou mais um explorador! 

Nota: colocando-se o endereço — 508 East 117th St. — no Google Street View, pode-se ver o galpão da fábrica, ainda com o nome do autor do artigo na fachada. À sua esquerda (nº 510) está o prédio de apartamentos. 

Art Carden é professor-assistente de economia e finanças no Rhode Island College em Memphis, Tenessee, além de ser membro adjunto do Independent Institute, localizado em Oakland, Califórnia. Seus papers podem ser encontrados na sua página no Social Science Research Network.

DESVALORIZAR O CÂMBIO ESTIMULA O CRESCIMENTO ECONÔMICO?


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A teoria econômica convencional afirma que desvalorizar a moeda de um país pode ser algo bom para sua economia, dado que uma moeda mais fraca gera uma taxa de câmbio mais desvalorizada, o que estimularia a produção industrial e consequentemente as exportações e o emprego. Isso geraria um crescimento econômico. Donde se conclui que, caso um país queira vivenciar um crescimento econômico mais acelerado, a desvalorização da moeda seria uma medida necessária.

Pensamento popular

De acordo com o pensamento popular, o segredo para o crescimento econômico está na demanda por bens e serviços. Afirma-se que um aumento na demanda por bens e serviços gera crescimento econômico porque tal aumento irá desencadear a produção de bens e serviços. Logo, aumentos ou reduções na demanda por bens e serviços estariam por trás de aumentos e declínios na produção geral da economia. Sendo assim, para manter a economia crescendo, as políticas econômicas do governo têm se concentrar na demanda geral, implementando medidas para estimulá-la.

É fato que parte da demanda por produtos domésticos advém de países estrangeiros. A acomodação desta demanda é rotulada de exportações. Da mesma maneira, os cidadãos locais também exercitam suas demandas por bens e serviços produzidos no estrangeiro, o que é rotulado de importações. Observe que, ao passo que um aumento nas exportações produz uma demanda geral pelos produtos domésticos, um aumento nas importações reduz esta demanda. Donde se conclui que as exportações, sempre de acordo com este pensamento, são um fator que contribui para o crescimento econômico ao passo que as importações são um fator que subtrai do crescimento da economia.

Dado que a demanda internacional pelos bens e serviços de um país é um importante ingrediente na determinação do ritmo do crescimento econômico, faz sentido, segundo este pensamento, fazer com que os bens e serviços produzidos localmente sejam atraentes para os estrangeiros. Uma das maneiras de fazer com que os bens domesticamente produzidos sejam mais demandados por estrangeiros é fazendo com que os preços destes bens sejam mais atraentes para eles.

Por exemplo, imagine que o preço de um saco de batatas no Brasil é de R$10 e de US$10 nos EUA. Imagine também que a taxa de câmbio entre o dólar e o real é de 1:1. À taxa de câmbio de 1 real por 1 dólar, um americano consegue, com US$10, comprar um saco de batatas brasileiras.

Uma das maneiras de os brasileiros estimularem sua competitividade é depreciando o real em relação ao dólar. Suponhamos que, em reação a um anúncio de que o Banco Central brasileiro está disposto a afrouxar sua política monetária, a taxa de câmbio passe para R$2 por US$1. Consequentemente, isto significa que R$10 agora podem ser adquiridos com US$5, o que por sua vez implica que um saco de batatas brasileiras agora custa US$5. Consequentemente, um americano pode agora com US$10 comprar dois sacos de batatas do Brasil em vez de apenas um, como ocorria antes da depreciação do real. Em outras palavras, o poder de compra dos americanos em relação às batatas brasileiras dobrou.

Se aplicarmos o exemplo das batatas para todos os bens e serviços, podemos chegar à conclusão de que, como resultado da depreciação da moeda, tudo o mais constante, a demanda geral por bens produzidos domesticamente tenda a aumentar. Isto, por sua vez, irá gerar um superávit no balanço de pagamentos e, consequentemente, fortalecer o crescimento do PIB. Observe que, para estimular a demanda estrangeira, os brasileiros estão agora oferecendo dois sacos de batatas em troca de um saco de batatas dos EUA. Isto também significa que o preço de um saco de batatas americanas está agora duas vezes mais caro no Brasil em relação a antes da depreciação do real. Muito provavelmente, isto irá reduzir a demanda dos brasileiros por batatas americanas. O que temos até agora, no que concerne ao Brasil, são mais exportações e menos importações, algo que, de acordo com o pensamento convencional, é uma ótima notícia para o crescimento econômico brasileiro.

Igualmente, à taxa de câmbio original de 1:1, uma redução nos preços domésticos das batatas brasileira de R$10 para R$5 também permitiria a um americano trocar seus US$10 por dois sacos de batatas brasileiras. Em suma, mudanças na taxa de câmbio ou mudanças nos preços nos respectivos países irão determinar a chamada 'competitividade internacional', a qual também é rotulada de taxa de câmbio real. Ela pode ser resumida na seguinte fórmula:

Taxa de câmbio real = taxa de câmbio nominal x (preços estrangeiros/preços domésticos)

A taxa de câmbio nominal é a quantidade de moeda nacional necessária para se adquirir uma unidade de moeda estrangeira. Uma desvalorização cambial significa um aumento da taxa de câmbio nominal (aumenta-se o número de reais necessários para se adquirir um dólar).

De acordo com esta expressão, um aumento na taxa de câmbio real (isto é, uma desvalorização do câmbio real) implica um aumento na competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, e uma redução na taxa de câmbio real (isto é, uma apreciação do câmbio real) significa uma queda nesta competitividade internacional. Donde que, seguindo-se esta equação, uma desvalorização da moeda nacional (uma redução na quantidade de moeda estrangeira necessária para adquirir uma mesma quantidade de moeda nacional) levará a uma desvalorização na taxa de câmbio real e, consequentemente, a um aumento na competitividade internacional. 

Já uma queda nos preços estrangeiros levará a uma apreciação da taxa de câmbio real, desta forma reduzindo a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Seguindo-se este raciocínio simples, conclui-se que a desvalorização da moeda nacional — tudo o mais constante — é algo benéfico para o crescimento econômico.

Por que estimular exportações por meio da desvalorização da moeda não pode fazer uma economia crescer continuamente

Quando o Banco Central brasileiro anuncia que irá afrouxar a política monetária, isto leva a uma rápida resposta dos agentes do mercado de câmbio: eles irão vender a moeda nacional e adquirir moedas estrangeiras, o que irá levar a uma depreciação da moeda nacional. Em resposta a isso, vários produtores nacionais perceberão que agora está mais atraente aumentar suas exportações. Para financiar este aumento em sua produção, os produtores recorrerão aos bancos, os quais, em decorrência das recentes injeções monetárias feitas pelo Banco Central, concederão crédito a taxas de juros menores. 

Fazendo uso deste crédito recém-concedido, os produtores poderão agora adquirir os recursos necessários para expandir sua produção de bens com o intuito de acomodar a crescente demanda estrangeira. Em outras palavras, por meio deste crédito recém-criado, os produtores irão retirar recursos reais de outros setores da economia, desviando-os para si próprios. Enquanto os preços domésticos se mantiverem inalterados, os exportadores irão registrar um aumento nos lucros.

No entanto, este suposto aumento na competitividade gerado pela desvalorização da moeda significa que os cidadãos brasileiros irão agora obter menos bens importados para uma mesma quantidade de bens exportados. Em suma, ao passo que o país está enriquecendo em termos de moeda estrangeira (mais dólares estão entrando no país), ele está empobrecendo em termos de riqueza real, isto é, em termos dos bens e serviços necessários para manter o padrão de vida e o bem-estar das pessoas. A quantidade de bens na economia diminui tanto em decorrência do aumento das exportações quanto em decorrência da diminuição das importações. 

À medida que o tempo passa, os efeitos de uma política monetária frouxa começam a fazer um efeito mais generalizado nos preços dos bens e serviços, e, no final, tendem a solapar os lucros dos exportadores. Em suma, um aumento nos preços põe um fim na ilusória tentativa de se criar prosperidade econômica do nada, utilizando apenas manipulações monetárias para este fim. De acordo com Ludwig von Mises



As tão faladas vantagens que a desvalorização proporciona ao comércio exterior e ao turismo se devem inteiramente ao fato de que o ajuste dos preços e salários domésticos ao estado de coisas criado pela desvalorização requer algum tempo. Enquanto este processo de ajustamento não se completa, as exportações são estimuladas e as importações, desencorajadas. Não obstante, isto significa apenas que, neste intervalo de tempo, os cidadãos do país que desvalorizou sua moeda estão obtendo menos em troca do que estão vendendo no exterior, e pagando mais pelo que estão comprando no exterior; o consumo interno, consequentemente, sofre uma redução. Este efeito pode parecer benéfico para aqueles que medem o bem-estar de uma nação pela sua balança comercial. Em linguagem clara, esta realidade pode ser descrita da seguinte forma: o cidadão inglês precisa exportar mais bens ingleses para poder comprar aquela quantidade de chá que corresponderia, antes da desvalorização, a uma menor quantidade de bens ingleses.

Compare esta política de desvalorização da moeda com uma política conservadora na qual a moeda não se expande. Sob estas condições, quando o conjunto da riqueza real do país está se expandindo — isto é, quando a quantidade de bens e serviços está aumentando —, o poder de compra da moeda nacional irá também aumentar. Isto, tudo o mais constante, levará a uma valorização da moeda. Com a expansão da produção de bens e serviços, e com a queda nos preços e nos custos de produção, os produtores nacionais poderão aprimorar sua competitividade internacional e sua lucratividade nos mercados estrangeiros ao mesmo tempo em que a moeda segue se valorizando. 

Por outro lado, quando há uma política monetária frouxa, os ganhos obtidos pelos exportadores são apenas temporários, e se dão à custa de outras atividades da economia, as quais ficam privadas de recursos, como explicado acima. Já quando a política monetária é austera, os ganhos obtidos não se dão à custa de ninguém; eles são apenas a manifestação da criação de riqueza real.

Uma moeda forte, além de permitir aos seus usuários desfrutar mais bens por meio de mais importações, também lhes propicia uma maior qualidade de vida. Viagens internacionais e produtos eletrônicos exóticos se tornam mais acessíveis aos consumidores. Os produtores nacionais, por sua vez, conseguem acesso mais barato a recursos e a bens de capital estrangeiros. Ainda que seus preços de venda no mercado interno se mantenham inalterados — em decorrência da solidez monetária — o resultado é que seus lucros tendem a ser maiores.

Igualmente, as exportações também tendem a aumentar. A taxa de câmbio representa apenas uma fatia do custo total que os estrangeiros têm de pagar para importar bens desta economia. Tão importante quanto a taxa de câmbio é o custo deste bem em sua própria moeda nacional. Que diferença faz para o importador dos bens da economia brasileira se, por exemplo, o real está 10% mais barato em relação ao dólar e, ao mesmo tempo, os preços domésticos no Brasil subiram também 10% em decorrência da inflação monetária? O efeito é nulo. Por outro lado, com uma moeda forte permitindo a importação maciça de bens de capital mais baratos, os custos de produção tendem a cair e a produtividade tenda a aumentar, o que irá reduzir os preços internos e, consequentemente, estimular as exportações. É assim que uma moeda forte estimula também o setor exportador.

Conclusão

No mundo atual, os bancos centrais agem coordenadamente, expandindo em sincronia a oferta monetária de seus respectivos países de modo a manter as flutuações das taxas de câmbio o mais estável possível. Obviamente, durante este processo, tais políticas desencadeiam um persistente processo de empobrecimento, pois o consumo não se dá de acordo com a produção de riqueza real.

Adicionalmente, neste arranjo, se um país tentar adquirir uma vantagem passageira por meio da desvalorização de sua moeda — implantando uma política monetária mais frouxa —, ele conseguirá apenas estimular os outros países a fazer a mesma coisa. Consequentemente, o surgimento de desvalorizações competitivas é a maneira mais garantida de se destruir a economia de mercado e jogar o mundo em um prolongado período de crise.

Sobre isso, Mises escreveu,

Uma aceitação geral dos princípios do câmbio flutuante irá resultar em uma competição maléfica entre as nações, cada uma se esforçando para desvalorizar mais do que a outra. Ao final dessa competição, os sistemas monetários de todas as nações estarão arruinados.

Frank Shostak é um scholar adjunto do Mises Institute e um colaborador frequente do Mises.org.  Sua empresa de consultoria, a Applied Austrian School Economics, fornece análises e relatórios detalhados sobre mercados financeiros e as economias globais.

Tradução de Leandro Roque

ESCOLÁSTICOS, PREVIDÊNCIA, EDUCAÇÃO, RELIGIÃO, KEYNES - UMA ENTREVISTA COM JESÚS HUERTA DE SOTO



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AEN: O senhor faz uma espécie de revisionismo histórico ao descrever a Espanha como sendo o local de nascimento da Escola Austríaca de Economia


de Soto: Sim, mas é acurado.  Concentrar-se somente em Viena é uma postura muito tacanha.  Há essa tendência de crer, como todos os modernistas, que somente o novo tem valor e que estudar o velho seria mera arqueologia.  Porém, na economia e na filosofia, é exatamente o contrário.  A maioria das grandes e boas ideias já havia sido concebida por alguma grande mente no passado, inclusive as mais fundamentais ideias austríacas.
Uma das principais contribuições de Murray Rothbard foi mostrar que a pré-história da Escola Austríaca pode ser encontrada nas obras dos escolásticos espanhóis durante o "Siglo de Oro Español", que foi desde o reinado de Carlos V no século XVI até o barroco do século XVII.
Nos anos 1950, Friedrich Hayek conheceu o grande intelectual italiano Bruno Leoni, autor de Liberdade e Legislação, e Leoni convenceu Hayek de que as origens intelectuais do liberalismo clássico deveriam ser buscadas na Europa Mediterrânea e não na Escócia.  No livro de Leoni, há uma citação de Cícero na qual Cato diz que o direito romano é o conjunto de regras jurídicas mais perfeito de todos porque ele não foi criado por uma só mente.  Ele não foi construído do nada.  Ele é resultado de um processo para o qual várias mentes contribuíram com sua sabedoria.  Advogados e juízes não fazem as leis; eles as descobrem e podem apenas aperfeiçoá-las muito lentamente.
Tenho uma carta de Hayek, datada de 7 de janeiro de 1979, na qual ele diz que os princípios básicos da teoria da concorrência de mercado já haviam sido delineados pelos escolásticos espanhóis do século XVI, e que o liberalismo econômico não havia sido criado pelos calvinistas, mas sim pelos jesuítas espanhóis.
AEN: Quem eram estes predecessores espanhóis da Escola Austríaca?
de Soto: A maioria deles lecionava teologia e ética na Universidade de Salamanca, uma cidade medieval localizada a 240 quilômetros a noroeste de Madri, perto da fronteira com Portugal.  Eles eram majoritariamente dominicanos ou jesuítas, e sua visão econômica é extremamente semelhante àquela que viria a ser enfatizada por Carl Menger mais de 300 anos depois.
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Um de meus favoritos é Diego de Covarrubias y Leyva, que apresentou a teoria do valor subjetivo.  Ele escreveu que "o valor de um bem não depende de sua natureza essencial, mas sim da estimação subjetiva dos homens, mesmo que tal estimação seja insensata."  Ele nasceu em 1512, foi bispo de Segovia e foi ministro do rei Filipe II de Espanha.  Hoje, no museu do pintor espanhol El Greco, na cidade de Toledo, há uma impressionante imagem pintada dele (foto à esquerda).  Carl Menger menciona o tratado sobre depreciação monetária escrito por Covarrubias em 1650.

Outro importante salamanquense foi Luis Saravia de la Calle, o primeiro pensador a demonstrar que são os preços que determinam os custos de produção, e não o contrário.  Ele escreveu que "aqueles que mensuram o preço justo pelo trabalho, pelos custos e pelos riscos incorridos pela pessoa que lidam com o mercado estão cometendo um grande erro.  O preço justo não é encontrado pela contagem dos custos, mas sim pela estimação comum de todos".  Ele foi também um ardoroso crítico do sistema bancário de reservas fracionárias, argumentando que receber juros era incompatível com a natureza de um depósito à vista (em conta-corrente), e que o correto seria o pagamento de taxas para que o ouro permanecesse armazenado nos bancos.
Os salamanquenses se dispuseram a estudar o sistema bancário porque perceberam a relação corrupta e promíscua entre os bancos e o governo, relação essa que dependia fundamentalmente de uma proteção legal concedida à prática das reservas fracionárias.  Os salamanquenses se opunham a todas as formas de inflação.  Por exemplo, havia Martín Azpilcueta Navarro.  Ele nasceu em 1493, viveu 94 anos, e é especialmente famoso por ter explicado a teoria quantitativa da moeda em seu livro de 1556, Comentario resolutorio de cambios (eu tenho a primeira edição!), escrevendo que "a moeda vale mais onde e quando ela está em falta do que onde e quando ela está em abundância."
Navarro era contrário à prática de reservas fracionárias e fez uma clara distinção entre a atividade bancária voltada para empréstimos e a atividade bancária voltada para depósitos.  O banqueiro, disse ele, deveria ser o "guardião, administrador, fiador" do dinheiro em sua posse.  Ele disse que não pode haver um contrato válido entre um depositante e um banqueiro que permita a prática de reservas fracionárias.  Se tal contrato fosse feito, ambos os lados seriam culpados de fraude.
Mais favorável à prática de reservas fracionárias era Luis de Molina, que foi o primeiro a argumentar que depósitos bancários deveriam ser considerados como parte da oferta monetária.  Porém, ele confundiu depósitos com empréstimos, e não entendeu como as reservas fracionárias são inerentemente desestabilizadoras.  Portanto, Navarro e de la Calle foram os antecessores da Escola Monetária Britânica, extremamente receosos de qualquer atividade bancária que mantivesse menos de 100% de reservas para depósitos à vista, ao passo que Molina e Juan de Lugo foram os precursores da Escola Bancária Britânica, mais tolerantes às reservas fracionárias.
AEN: Além das questões bancárias, a posição política dos salamanquenses eram pró-mercado?
de Soto: Eles tendiam a defender posições libertárias de maneira geral.  Por exemplo, Francisco de Victoria é amplamente visto como o fundador do direito internacional.  Ele reviveu a ideia de que o direito natural é moralmente superior ao poder do estado.  Depois, Juan de Mariana condenou toda e qualquer desvalorização da moeda como sendo uma completa e absoluta usurpação, e sugeriu que qualquer cidadão poderia assassinar um governante que impusesse tributos sem o consentimento das pessoas.  O único quesito em que Mariana errou foi em sua condenação das touradas, mas como sou neto de um famoso toureiro, não sou imparcial.
AEN: O elo espanhol-austríaco vai além de um mero acidente histórico?
de Soto: Lembre-se de que, no século XVI, o Imperador Carlos V, Rei da Espanha— também conhecido como Carlos de Habsburgo — enviou seu irmão Fernando I para ser o Rei da "Áustria", palavra que etimologicamente significa "Parte Oriental do Império", ou Österreich.  Esse reina abrangia a maior parte do continente europeu.  A única exceção era a França, então uma ilha isolada e cercada por forças espanholas.
As relações econômicas, políticas e culturais entre a Áustria e a Espanha continuaram por vários séculos.  Carl Menger redescobriu e abraçou essa tradição continental católica do pensamento escolástico espanhol, que na época já estava quase que completamente esquecida.
AEN: Bem, então o que aconteceu com essa tradição, dado que ela teve de ser redescoberta?
de Soto: Adam Smith e seus seguidores vieram a dominar o pensamento econômico espanhol, pondo fim ao desenvolvimento da escola subjetivista, a qual não apenas defendia o livre mercado de forma consistente, como também dominava toda a sua teoria.  A tradição foi mantida viva na França com os escritos de Richard Cantillon, A.J. Turgot e Jean-Baptiste Say, e algum conhecimento conseguiu penetrar a Inglaterra por meio dos escritos de teóricos protestantes do direito natural, como Samuel Pufendorf e Hugo Grócio.  Porém, na Espanha, vivenciamos os anos de decadência dos séculos XVIII e XIX, com o fim dos Habsburgos e início dos Bourbons da França. 
O estatismo de Filipe IV de Espanha o levou a tentar organizar um vasto império centralizado em Madri, um projeto inerentemente inviável.  Os escolásticos foram contra esse estatismo, é claro, mas foram sumariamente desconsiderados e sua tradição foi perdida.  Havia também o problema de que eles escreviam em latim, o que gerou uma barreira linguística.  Adicionalmente, os britânicos criaram e difundiram a Lenda Negra, que durante os dois séculos seguintes denegriu tudo o que era católico e espanhol.  Ironicamente, a Reforma Protestante na realidade atrasou a causa da economia de livre mercado.  A Igreja há muito tempo vinha desempenhando o papel vital de contrabalançar o poder do estado.  Com o declínio da Igreja em decorrência da Reforma, a sabedoria de seus mais brilhantes teóricos econômicos foi perdida, e o poder do estado e a influência de seus apologistas cresceram.
AEN: Por que foi necessário um austríaco para redescobrir a tradição econômica espanhola?
de Soto: Os livros dos escolásticos foram publicados em Bruxelas e na Itália, e foram enviados à Espanha e a Viena.  Foi assim, portanto, que chegaram à Áustria.  Havia também uma tradição de pensamento escolástico na Áustria, a qual, afinal, é 90% católica.
No entanto, foi um escritor católico espanhol quem solucionou o "paradoxo do valor", 27 anos antes de Carl Menger.  Seu nome era Jaime Balmes.  Ele nasceu na Catalunha em 1810 e morreu em 1848.  Durante sua curta vida, ele se tornou o mais importante filósofo tomista da Espanha.  Em 1844, ele publicou um artigo chamado "A Verdadeira Ideia do Valor; ou Pensamentos Sobre a Origem, a Natureza e a Variedade dos Preços".
Balmes perguntava por que uma pedra preciosa valia mais que um pedaço de pão?  E ele próprio respondeu que o valor de um bem está em sua utilidade, de modo que "há uma necessária relação entre a escassez ou abundância de um bem e o aumento ou a redução de seu valor."
AEN: Falemos sobre questões um pouco mais atuais.  O senhor produziu um plano para reformar o sistema previdenciário espanhol.
de Soto: Essa questão de pensões garantidas para todos os idosos é um problema premente em todos os países ocidentais, mas que só será sentido daqui a algumas décadas, quando então não haverá mais solução.  Em todos os países, as obrigações assumidas pela Previdência são enormes, mas a demografia se encarregou de fazer com que elas se tornassem essencialmente impagáveis, a menos que os impostos sejam elevados a níveis intoleráveis.  Antes de saber o que deve ser feito com estes sistemas, é necessário entender suas inerentes contradições.
Primeiro, os sistemas previdenciários alegam ser esquemas de poupança de dinheiro, mas a realidade é que elesdesestimulam a poupança.  Além de as "contribuições compulsórias" incidirem justamente sobre o que seria a poupança dos indivíduos, a previdência leva as pessoas a crerem que elas não precisam ser precavidas quanto ao futuro, pois o estado cuidará delas.  Consequentemente, as pessoas passam a crer que é desnecessário poupar.  É empiricamente comprovável que a expansão da seguridade social coincidiu com um enorme declínio na poupança das pessoas.  Claro.  Poupança é sacrifício.  Por que poupar se meu futuro "está garantido pelo estado"?  Esta queda na poupança tende a elevar os juros e a consequentemente reduzir os níveis de investimento de várias maneiras impossíveis de ser mensuradas.
Segundo, não importa o que a lei diz sobre como empregados e empregadores compartilham o fardo da contribuição previdenciária.  Do ponto de vista econômico, o trabalhador paga todo o imposto.  Mises foi o primeiro a desenvolver esta constatação em seu livro Socialism, no qual ele disse que contribuições para a seguridade social sempre se dão em detrimento dos salários.
Terceiro, o sistema é baseado em uma generalizada e indiscriminada agressão institucional contra os cidadãos.  Logo, trata-se de um ataque direto à liberdade.  E isso, por sua vez, inibe o desenvolvimento criativo da descoberta empreendedorial.  Novas modalidades financeiras de poupança e o uso eficiente da propriedade são tolhidos.  A resultante malversação de capital e mão-de-obra é incalculavelmente alta.
Quarto, o sistema não pode funcionar como seguro e assistencialismo ao mesmo tempo, porque ambos os conceitos são incompatíveis.  Um seguro é baseado no princípio de que os benefícios se dão de acordo com as contribuições.  Já o assistencialismo é baseado na necessidade.  Se os retornos passam a ser declinantes, que é o que ocorrerá, o elemento "seguridade" do sistema passa a abortar o elemento "assistencialista".  E vice-versa.
E por que nós temos esses sistemas?  Porque burocratas acreditam que algumas pessoas supostamente não são capazes de cuidar de si próprias.  Mas isso é o mesmo que dizer que, dado que um pequeno número de pessoas não consegue se alimentar, todos os indivíduos de uma população devem ser forçados a comer em cantinas estatais.
O segredo para qualquer reforma previdenciária é que cada indivíduo deve ser o responsável por sua poupança.  O indivíduo não pode ser forçado a participar de um programa compulsório.  Aqueles que querem sair do sistema previdenciário devem ter a liberdade para fazê-lo.  Não pagarão contribuições e também não ganharão nenhum benefício estatal.  Esse deve ser o objetivo de longo prazo, e é de se esperar que a maioria das pessoas faria essa opção.  No meu plano, nosso período de transição permite uma redução de 50% na taxa de contribuição atual em troca de se abrir mão de todas as reivindicações futuras.  Adicionalmente, nenhum imposto jamais deve ser aumentado para pagar por esse período de transição.  O sistema previdenciário já está falido e é urgente tratar desse assunto; adiar a solução irá apenas intensificar a tragédia quando esta inevitavelmente chegar.
AEN: A educação estatal pode ser benéfica?  Há vantagens em se ter um sistema de ensino comandado pelo estado?
de Soto: O estado opera à margem do mercado, sem jamais ser guiado pelo sistema de lucros e prejuízos.  E quando você não leva em conta o sistema de lucros e prejuízos, é absolutamente impossível saber se o seu trabalho está sendo bem feito. 
Quando a educação é financiada e controlada pelo estado, você tende a criar — para utilizar um linguajar econômico — um 'investimento errôneo' ou um 'investimento intelectual mal feito'.  A teoria do "capital humano", do economista Gary Becker, insinua que quanto mais se investe em educação e quanto mais a criança aprende na escola, mais valorosa ela se torna para a sociedade.  A conclusão óbvia é que o governo deveria pagar pela escolarização e educação de todos para tornar a sociedade mais rica.
Discordo totalmente de Becker.  Como o dinheiro envolvido é o dinheiro de impostos, não há como calcular em termos econômicos se a educação feita desta forma é um bom investimento ou não.  Muito provavelmente não é.  As pessoas gastam anos estudando coisas que não terão utilidade nenhuma para elas.  Isso é um inacreditável desperdício de talento e de recursos.  Mas é exatamente isso o que ocorre quando se dá ao governo o controle das coisas, principalmente do currículo escolar.
A teoria neoclássica costuma tratar o capital em termos generalistas.  Nela, não há um investimento bom e um investimento ruim de capital; é tudo apenas capital e tudo é homogêneo.  Ocorre que, em vários casos, um investimento errôneo em capital intelectual pode acabar trazendo consequências muito mais nefastas para a sociedade do que uma simples malversação de recursos escassos que foram investidos erroneamente em um projeto que se revelou insustentável.
AEN: O senhor vê alguma contradição no meio liberal entre ideias teóricas radicais e propostas modestas de reforma?
de Soto: O maior perigo para a estratégia libertária é cair na armadilha do pragmatismo político.  É fácil se esquecer dos objetivos supremos em decorrência da suposta impossibilidade política de se alcançá-los no curto prazo.  Consequentemente, nossos programas e objetivos se tornam obscuros e nossos intelectuais são cooptados pelo governo.
A maneira correta de impedir que isso aconteça é adotando uma estratégia dupla.  Por um lado, temos de ser abertos e honestos a respeito dos nossos objetivos, e temos de nos esforçar para educar o público, explicando por que nosso objetivo final é o melhor para a sociedade.  Por outro, devemos apoiar toda e qualquer política de curto prazo que nos leve para mais perto dos nossos objetivos.  Desta forma, quando nossos objetivos de curto prazo forem alcançados, não haverá como retroceder.  Poderemos seguir adiante com a total convicção de que as pessoas compreenderão que é necessário continuar fazendo sempre mais.
AEN: O senhor conheceu a Escola Austríaca aos 16 anos descobrindo acidentalmente em uma biblioteca o livro Ação Humana, de Ludwig von Mises.  Parece surpreendente que a ciência econômica já fosse tão intensamente atraente para o senhor em uma idade tão prematura.
de Soto: Minha família é do ramo do seguro de vida, que aliás é o único traço em comum que tenho com John Maynard Keynes, que, na década de 1930, foi o presidente da National Mutual Life Assurance Society de Londres.  O ramo do seguro de vida é um negócio bastante tradicional, tendo evoluído ao longo de 200 anos sem praticamente nenhuma intervenção estatal.  Trabalhando com meu pai, tornei-me naturalmente interessado em teoria monetária, finanças e instituições econômicas.  Queria ser um atuário.  Eu era muito bom em matemática.
Porém, ainda jovem comecei a me dar conta de que aquilo que funciona para as ciências atuariais, que lida com probabilidades de vide e morte, não pode funcionar na ciência econômica, porque não há constantes na ação humana.  Há criatividade, mudanças, escolhas e descobertas, mas não há parâmetros fixos que permitam a criação de funções matemáticas.
Curvas de oferta e demanda não podem refletir a realidade porque as informações necessárias para construí-las só podem ser obtidas ao longo do tempo por meio do processo empreendedorial.  Essas informações jamais aparecem ao mesmo tempo, como a matemática requer que pressuponhamos.
AEN: Keynes aparentemente não chegou a essas mesmas lições a respeito da ação humana ao trabalhar no ramo de seguros.
de Soto: O problema é que Keynes não corrompeu apenas a ciência econômica.  Ele corrompeu também as práticas do ramo atuarial.  Ele rompeu com as políticas tradicionais de sua empresa e começou a valorar seus ativos ao seu valor atual de mercado em vez de utilizar o conservador método do valor histórico.  Quando você avalia ativos de acordo com seu valor atual de mercado, o valor deles fica ao sabor dos ciclos econômicos.  Se a economia estiver vivenciando uma fase de crescimento em decorrência da expansão artificial do crédito, seus ativos passam a valer mais.  Consequentemente, você passa a fazer investimentos mais ousados e errôneos.  Quando vem a recessão, o valor de seus ativos volta a cair, mas seus passivos permanecem inalterados ou podem até mesmo subir.  Resultado: você reduziu o capital de sua empresa, podendo até mesmo tê-la levado à falência.
Quando Keynes começou a fazer isso, ele imediatamente ganhou uma enorme vantagem competitiva sobre seus concorrentes.  Ele passou a poder distribuir dividendos para seus clientes sem que houvesse obtido nenhum ganho de capital.  Enquanto a bolsa de valores estava subindo, tudo era uma maravilha.  Porém, quando a Grande Depressão chegou, sua empresa quase foi à falência por causa desta sua inovação. 
A atual crise imobiliária e financeira decorre diretamente dessa corrupção nos métodos de contabilidade das empresas e dos bancos.
AEN: O senhor deu ao Mises Institute uma foto do Rei Juan Carlos segurando um livro de Mises.  Ele é um misesiano?
de Soto: Não diria isso, mas ele gosta do livre mercado e entende que temos opiniões radicais a respeito.  Todos os anos, nós o convidamos para uma feira que comemora o lançamento de novos livros liberais, e ele é gentil o bastante para comparecer.  Dado que ele não estudou na Universidade de Chicago, ele é mais pró-austríaco do que seria de se esperar.  Nunca se sabe quais indivíduos ou grupos serão atraídos pela Escola Austríaca.
AEN: Por exemplo, a influência dos austríacos por meio dos salamanquenses sobre a moderna Igreja Católica.
de Soto: A Igreja Católica é como um enorme transatlântico.  Se você vira o timão para a direita, a embarcação começa a se mover muito lentamente, mas chega uma hora em que ela finalmente começa a mudar de direção.
Há um poderoso grupo católico na Espanha chamado Opus Dei.  Eles são muito próximos do Papa e são extremamente pró-mercado.  Alguém dentro da ordem leu as obras de Hayek, viu que ele era extremamente pró-mercado e enviou a mensagem para toda a organização: o Opus Dei tem de apoiar os austríacos.
Repentinamente, todos os meus livros estavam sendo lidos por todos os membros da ordem, e eu comecei a ministrar palestras para seus prelados e numerários. Recentemente, li uma tese de Ph.D sobre Mises e Hayek escrita por um membro proeminente do Opus Dei.
As opiniões da Igreja sobre questões econômicas devem ser ouvidas, mas não impactam em questões relativas à fé.  A propósito, na parede do meu escritório, tenho uma bela foto de Hayek com João Paulo II.
AEN: O senhor acha que economistas deveriam levar a religião mais a sério do que costumam levar?
de Soto: Sem dúvida.  A religião tem um papel importante na vida de uma economia.  A religião transmite de geração para geração certos padrões de comportamento e de tradições morais que são essenciais para que haja respeito às normas, separação dos poderes e respeito aos direitos naturais de cada indivíduo.  Sem isso, uma sólida economia de mercado é impossível.  Se os contratos deixam de ser respeitados, a sociedade se desintegra.  A religião, e não o estado, é o meio essencial de se transmitir às pessoas um senso de obrigações morais, como a de que devemos manter nossas promessas e respeitar a propriedade de terceiros.
AEN: Algum economista já foi declarado santo?
de Soto: Dois escolásticos.  São Bernardino de Siena e seu grande pupilo, Santo Antonino de Florença.  Rezemos para que não sejam os últimos.
AEN: Quais são os seus hobbies?
de Soto: Golfe e iatismo.
AEN: Quais são seus filmes e peças teatrais favoritos?
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de Soto: Jornada nas Estrelas e todos de Shakespeare.
AEN: Qual a sua obra literária favorita?
de Soto: Don Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes.
AEN: Quais músicas o senhor mais aprecia?
de Soto: Franz Peter Schubert e Johannes Brahms.
AEN: O senhor consegue pensar em uma obra de arte que simbolize ou retrate a ação humana?
de Soto: A losa roja (imagem ao lado)


Não deixe de ler os espetaculares artigos de Jesús Huerta de Soto aqui.


A entrevista acima foi concedida ao períodico Austrian Economics Newsletter, do Mises Institute.



Jesús Huerta de Soto , professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor da monumental obra Money, Bank Credit, and Economic Cycles.

FAIXA DE GAZA - UMA VISÃO ÁRABE


Um árabe islâmico, jornalista veterano, afirma: “não importa que os foguetes pudessem ter caído sobre as cabeças deles mesmos. No que diz respeito a esses palestinos, não há problemas se vários árabes são mortos no processo de destruir Israel.”


Não existe nada que cause mais náuseas do que observar pessoas se regozijando à medida que foguetes são disparados contra Israel a partir da Faixa de Gaza.

Foi isto que aconteceu quando o Hamas lançou foguetes contra Jerusalém e Tel Aviv.

Assim que as sirenes foram acionadas, muitos palestinos saíram às ruas e subiram nos telhados, especialmente nas regiões árabes de Jerusalém, para aclamarem o Hamas. Às vezes, eles respondiam aos foguetes do Hamas lançando fogos de artifício ao ar como sinal de alegria e cantando: “Todos nós somos Hamas!” e “Ei, judeus, o exército de Maomé está caçando vocês”.

Cenas de júbilo por causa dos ataques dos foguetes sobre Israel também foram relatadas em várias cidades palestinas na Margem Ocidental, incluindo Ramallah, centro do “pragmatismo e da moderação” palestinos.

Mais tarde, ao saberem que os foguetes do Hamas haviam fracassado em sua intenção de matar israelenses nas duas cidades, os palestinos expressaram sua decepção.

Não importa que os foguetes pudessem ter caído sobre as cabeças deles mesmos. No que diz respeito a esses palestinos, não há problemas se vários árabes são mortos no processo de destruir Israel.

As celebrações refletem a forte hostilidade que muitos palestinos continuam a sentir com respeito a Israel, a despeito dos 20 anos de um processo de paz e dos bilhões de dólares de ajuda que receberam do Ocidente. Essa hostilidade é o resultado direto de anos de incitamento anti-Israel e anti-ocidental no mundo árabe e islâmico.

A hostilidade não é dirigida apenas contra Israel, mas também contra seus amigos - sobretudo os Estados Unidos.

Semelhantes explosões de júbilo estouraram em muitas partes da Margem Ocidental, na Faixa de Gaza e na parte oriental de Jerusalém, imediatamente após os palestinos terem ouvido a respeito dos ataques terroristas nos Estados Unidos em 11 de setembro.

E esta não foi a primeira vez que os palestinos expressaram regozijo quando cidades de Israel foram alvejadas.

Durante a guerra de 2006 no Líbano, os palestinos e alguns cidadãos árabes de Israel subiram aos telhados para aplaudirem os ataques dos foguetes do Hezb'allah (Partido de Alá) nas cidades da região Norte de Israel.

Durante a Segunda Intifada, muitos palestinos, especialmente na Faixa de Gaza, tomavam as ruas para cantar, dançar e distribuir doces depois de saberem sobre outro atentado suicida dentro de Israel.

E quando Saddam Hussein atirou foguetes contra Israel no início dos anos 1990, os palestinos também saíram às ruas e subiram nos telhados, cantando: “Ó amado Saddam, ataque, ataque Tel Aviv!”.

A propósito, no início do conflito em Gaza, muitos palestinos em Ramallah, Nablus e Hebron estavam cantando: “Ó amado Qassam (a ala armada do Hamas), destrói, destrói Tel Aviv!” e “O povo quer a destruição de Israel!”.

Ninguém está esperando que os palestinos expressem solidariedade ou simpatia por Israel em sua confrontação com o Hamas.

Mas, quando muitos palestinos manifestam sua alegria em público devido aos ataques de foguetes e mísseis às cidades de Israel, temos o direito de pensar se existe uma maioria de palestinos que concordaria com qualquer forma de compromisso com Israel.

No atual mundo dos palestinos, qualquer um que fale sobre a paz com Israel é um traidor e um colaborador, mas qualquer um que clame pela destruição de Israel e dispare foguetes contra Tel Aviv e contra Jerusalém é um herói. (Khaled Abu Toameh - www.gatestoneinstitute.org)

Khaled Abu Toameh, um muçulmano árabe, é jornalista veterano, vencedor de prêmios, que vem dando cobertura jornalística aos problemas palestinos por aproximadamente três décadas. Estudou na Universidade Hebraica e começou sua carreira como repórter trabalhando para um jornal afiliado à Organização Para a Libertação da Palestina (OLP), em Jerusalém. Abu Toameh trabalha atualmente para a mídia internacional, servindo como “olhos e ouvidos” de jornalistas estrangeiros na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza. Os artigos de Abu Toameh têm aparecido em inúmeros jornais em todo o mundo, inclusive no Wall Street Journal,no US News & World Report e no Sunday Times de Londres. Desde 2002, ele tem escrito sobre os problemas palestinos para o jornal Jerusalem Post. Também atua como produtor e consultor da NBC News desde 1989.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

MAIS UM SUPER-HERÓI SOCIAL

José Dirceu acertou uma: disse que o populismo chegou ao Supremo Tribunal Federal. E chegou mesmo. Não no mérito do julgamento do mensalão, que é o que Dirceu quer desclassificar. Mas nas maneiras e nos discursos afetados dos ministros, em especial o presidente que a Corte acaba de empossar, Joaquim Barbosa — o novo herói brasileiro.

O presépio está ficando completo: a “presidenta”, afilhada do ex-operário, que indicou o negro para a elite do Judiciário. Negro como Barack Obama, o presidente da nação mais rica, que ganhou o Nobel da Paz sem fazer nada — não por seus belos olhos, mas pela cor da sua pele. O mundo politicamente correto é racista.

Depois do Nobel “étnico”, Obama começou a trabalhar e mostrou enfim quem era: um líder fraco, canastrão, tentando se equilibrar entre o conservadorismo americano e seu símbolo de defensor dos fracos. Não agradou verdadeiramente a ninguém. Conseguiu uma reeleição apertada contra um dos piores candidatos republicanos dos últimos tempos. E já saiu anunciando aumento de impostos para os “ricos” — a única coisa que os populistas sabem fazer: garfar quem produz e quem investe para engordar a burocracia estatal.

Claro que Obama não vai produzir bem-estar social nenhum desse jeito, sangrando uma economia asfixiada a pretexto de distribuir renda. Os esquerdistas que emergiram na Europa panfletando contra o rigor fiscal alemão já começaram a dar com os burros n’água. As sociedades cresceram demais, e o que pode salvá-las é mais dinamismo, e não mais impostos e gastos estatais. Mas o mito do governante bonzinho que vai salvar a todos parece indestrutível.

Enquanto a propaganda do oprimido funcionar, o governo sabe que não precisa governar. A última pérola é a campanha publicitária da Infraero. Como se sabe, o governo Dilma não planeja nada (não dá tempo), e aí vem a Copa do Mundo jogar um holofote nos remendos da infraestrutura. O que faz então o governo? Propaganda. Após anos de escárnio no Aeroporto Internacional do Galeão, onde já se viu até passageiro arrastando bagagem pela escada por falta de elevador, o contribuinte tem que ouvir agora a mensagem de que a Infraero está trabalhando pelo seu conforto etc. Podem zombar, os brasileiros não ligam.O Brasil vive esse sonho de ter um governo mais humano por ser presidido por uma mulher. As pessoas acreditam em qualquer coisa. Basta ver os argentinos dando corda para os delírios autoritários de Cristina Kirchner (o presépio progressista tinha que ter uma viúva profissional). Cristina e Dilma são irmãs gêmeas em certas decisões maternais, como a redução na marra das tarifas de energia. O desastre decorrente dessa bondade já se consumou na Argentina, e começa a se consumar no Brasil, com as ações das empresas do setor desabando vertiginosamente. É comovente como o populismo arruína as estruturas de um país sem perder a ternura.

Nem se importam que o ministro da Justiça faça comício contra as prisões brasileiras, quando seus companheiros mensaleiros se encaminham para elas. José Eduardo Cardozo disse que preferia morrer a ir preso no Brasil. Aparentemente, também prefere a morte a ter que descer do palanque e administrar as prisões. Com a crise de violência em São Paulo, um preposto do ministro apareceu para declarar que ofereceu uma maleta detetora de celulares ao governador paulista. O mais importante era avisar à imprensa que o governo tucano não respondera à generosa oferta. Em meio à onda de mortes, a estratégia do governo popular era fazer pegadinha partidária.

Cardozo disse que as prisões brasileiras são medievais. Em seguida, por coincidência, Dias Toffoli, o ministro do PT no Supremo, declarou que as penas de prisão para os mensaleiros são medievais. Os brasileiros não se incomodam de ter um juiz partidário fingindo que julga seus companheiros, e aí ficam achando que o que julga de verdade é herói.

Onde está o heroísmo de Joaquim Barbosa? Ele foi o relator de um processo julgado sete anos depois do fato — e nesse intervalo o partido dos réus fez a festa em três eleições. A estratégia petista de fazer o mensalão sumir no retrovisor só não deu certo porque a imprensa gritou contra o escândalo do escândalo — e praticamente empurrou o STF para o julgamento.

Joaquim fez bem o seu trabalho. Mas também fez bravatas, mostrou pouca serenidade em bate-bocas com colegas (tivera um embate público quase infantil com Gilmar Mendes), se empolgou às vezes com sua própria mão pesada, mostrou-se intolerante e preconceituoso ao dizer a jornalistas que eles estavam fazendo “pergunta de branco”. Tomou posse no STF com discurso militante, para delírio dos progressistas que o veneram por sua origem pobre e pela cor da sua pele.

O Brasil mimou o ex-operário e não aprendeu nada com isso. Continua em busca do seu super-herói social. Os parasitas da nação agradecem. Eles se saem muito bem no reino da fantasia.

Por: Guilherme Fiuza Fonte: O Globo, 24/11/2012

SHAKESPEARE NO BRASIL

"O mundo é um palco e todos os homens e mulheres são meros atores. Eles têm suas entradas e saídas de cena e cada homem, a seu tempo, representa muitos papéis."


Essa profunda descoberta está na peça Como Gostais ou Como Quereis (em inglês, As You Like It), de William Shakespeare. A obra foi escrita em 1599, quando o Brasil, gloriosamente habitado por tupinambás, fundava suas primeiras cidades e era invadido pelos franceses. Vale lembrar essa reflexão sobre o teatro e o mundo que eu chamo de "axioma de Shakespeare" neste Brasil de 2012, habitado por tribos que querem o poder a qualquer preço e por políticos que, diferentemente de Rosalinda (a mocinha da peça), não sabem que há uma razoável distância entre ator e papel, entre o cargo (com suas demandas) e quem o ocupa (com suas limitações).


Ademais, é preciso liquidar de vez com a relação entre política e teatro porque, se há muito de teatral na política, política não é teatro. No palco pode haver esse "as you like it" - esse "a teu gosto" shakespeariano. Mas na política é preciso cumprir metas atacando de frente a injustiça e a desigualdade ou - como lembrou o ministro da Justiça - multiplicar o número de prisões e tirá-las de um medievalismo desumano.

Num caso, tudo é fantasia e tem hora para começar e terminar; no outro, a luta contra a iniquidade não acaba e o Brasil, como estamos fartos de saber, está atrasado em quase tudo. Repetimos dramas que não deveriam mais ser vistos com uma insistência que causa vergonha e não os aplausos que conferimos com gosto no teatro.

O fato central é que o axioma de Shakespeare, esse fundador do humano, na opinião douta de Harold Bloom, nos leva a discutir se o papel faz a pessoa ou se ocorre justamente o oposto.

Eis a questão que tem permeado a democracia liberal e a modernidade tão exemplarmente demarcadas por Alexis de Tocqueville quando descobre que, na América que visitou nos 1830, o mundo era construído mais de indivíduos do que de pessoas, como ocorria nas aristocracias das quais ele fazia parte. Nas aristocracias, o mundo era fixo, as pessoas entravam nos papéis. Nas democracias, dava-se exatamente o contrário: o papel era moldado por pessoas que os redesenhavam ou expandiam. Novos papéis eram sempre inventados.

Mas até que ponto podemos sair e entrar nos papéis que o grande palco da vida nos obriga a desempenhar? Até onde eles devem ser levados a sério? Será que hoje vivemos uma dessacralização de todos os papéis?

Penso que não. Sobretudo se falamos dos papéis públicos - os chamados cargos governamentais. Esses papéis tão pouco discutidos no Brasil, mas que têm sido centrais no meu trabalho.

Cargos públicos ou papéis sociais coletivos, voltados para o bem ou para o mal comum, são parcialmente escolhidos e legitimados. Uma pessoa quer ser ministro, mas para tanto precisa ser escolhido pelo presidente. Ser e estar, como disse Eduardo Portella, é um traço fundamental desses ofícios. Eu posso estar e não ser; ou posso ser e não estar. O lado individual tem de ser conjugado pelo lado legitimador da autoridade. Ninguém é ministro sozinho e quando se está ministro não se está individualizado. Pode um ministro dar publicamente uma opinião como cidadão?

Melhor não fazê-lo. Imagine um general dizendo que seus soldados são uns merdas. Ou um presidente dizendo que a tarefa é maior do que ele imaginava. Ou um juiz que se comporta como advogado de defesa.

Tais casos configuram, no máximo, má-fé e estelionato coletivo (algo que nos últimos dez anos temos assistido passiva e covardemente no Brasil) e, no mínimo, falta de consciência de que um cargo público (pertencendo à coletividade) não permite que o seu ocupante tenha vida privada. Há cargos e cargos. Mas os públicos devoram o lado íntimo das pessoas que os ocupam. O cargo, sendo coletivo, contamina o ator obrigando-o a uma complexa transparência. Só nós, brasileiros, que estamos sempre a reinventar o mundo legal e político com ficções que legitimam o crime como heroísmo e o roubo como parte de uma boa biografia, nos surpreendemos com esse fato.

Se assim não fosse, eu poderia ter as páginas deste jornal para falar grosso disso ou daquilo. Não falo porque não sou ministro; porque não tenho a presença coletiva de um cargo que não é meu, mas é do País e da sociedade. Os pais podem maldizer ou abençoar seus filhos e os ocupantes de cargos públicos podem desgraçar ou exaltar partidos e governos.

É o que vemos hoje no Brasil. Uma shakespeariana troca de papéis com - graças a Deus - consequências e, espero eu, consciência. Por: Roberto da Matta Estado de SP

domingo, 25 de novembro de 2012

DIA DA CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL

Cada indivíduo possui diversas características que ajudam a identificá-lo, entre elas: crença religiosa, altura, classe social, sexo, visão política, nacionalidade e cor da pele. O coletivista é aquele que seleciona arbitrariamente alguma dessas características e a coloca no topo absoluto da hierarquia de valores. Para o nacionalista, a nacionalidade é a coisa mais relevante do mundo. Para o socialista, a classe é tudo que importa. Para o racialista, a “raça” define quem somos. Todos eles ignoram a menor minoria de todas: o indivíduo. 


Schopenhauer disse: “A individualidade sobrepuja em muito a nacionalidade e, num determinado homem, aquela merece mil vezes mais consideração do que esta”. De fato, parece estranho se identificar tanto com alguém somente com base no local de nascimento. O mesmo pode ser dito sobre a cor da pele. Deve um liberal negro ter mais afinidade com um marxista negro do que com um liberal branco? Fica difícil justificar isso. 

Entretanto, o “Dia da Consciência Negra” apela exatamente para este coletivismo. Consciência é algo individual; não existe uma “consciência negra”. Compreende-se a luta contra o racismo, justamente uma forma de coletivismo que deprecia um grupo de indivíduos por causa de sua cor. Mas não creio ser uma boa estratégia de combate ao racismo enaltecer exatamente aquilo que se pretende atacar: o conceito de “raça”. Um mundo onde indivíduos são julgados por seu caráter, não pela cor da pele, como sonhava Martin Luther King, não combina com um mundo que celebra a consciência de uma “raça”. 

A origem do feriado coloca mais lenha na fogueira. Zumbi dos Palmares, ao que tudo indica, tinha escravos. Era a coisa mais natural do mundo em sua época. Ele lutava, portanto, pela sua própria abolição, não da escravidão em si. A humanidade conviveu com a escravidão desde sempre. Diferentes conquistadores transformaram em escravos os conquistados. Os gregos, romanos, incas, astecas, otomanos, todos fizeram escravos. As principais religiões consideravam isso algo normal. Não havia um critério racial para esta nefasta prática. Os próprios africanos eram donos de escravos. 

Somente o foco no indivíduo, com o advento do iluminismo, possibilitou finalmente enterrar as correntes da escravidão. A Declaração da Independência Americana seria a síntese desta nova mentalidade. Os principais abolicionistas usaram suas poderosas palavras como argumento definitivo contra a escravidão. No famoso caso Amistad, em 1839, o ex-presidente John Quincy Adams fez uma defesa eloqüente dos africanos presos: “No momento em que se chega à Declaração de Independência e ao fato de que todo homem tem direito à vida e à liberdade, um direito inalienável, este caso está decidido”. 

O Brasil apresenta um agravante prático: a própria noção de “raça”. Afinal, aqui predomina a mistura, como o recém-falecido Lévi-Strauss percebeu em Tristes Trópicos. Para o antropólogo, ‘negro’ é um termo que “não tem muito sentido num país onde a grande diversidade racial, acompanhando-se de pouquíssimos preconceitos, pelo menos no passado, possibilitou misturas de todo tipo”. Como celebrar a “consciência negra” num país de mestiços, caboclos e cafuzos? Deve o mulato priorizar uma parte de sua origem, em detrimento da outra? A mãe negra é mais importante que o pai branco, ou vice-versa? 

Eu gostaria muito de viver num país onde não houvesse racismo. Infelizmente, acho que feriados que enaltecem a consciência da “raça” não ajudam. Seria melhor criar o “Dia da Consciência Individual”.
Por: Rodrigo Constantino fonte original O GLOBO


O FIM DO PASSARINHO

Um passarinho, voou para dento da sala e não conseguia mais achar a saída de volta. 

Ficou insistindo num vidro fechado que não tinha como abrir.

O estudante idealista parou o jogo de cartas.

_ Precisamos ajudar o coitado do passarinho.

_ Vocês vão parar o jogo só para ajudar um passarinho? disse o banqueiro.

_ Claro que sim, ele precisa de mim.

E foi tentar agarrar o passarinho a todo custo, que obviamente fugia de toda tentativa de ser apanhado.
Escapou mais de cinco vezes, cada vez mais assustado. 

_ Posso dar uma sugestão, disse o advogado liberal.

Por que você simplesmente não abre as duas outras janelas desta sala, dando maiores oportunidades para o passarinho achar uma passagem para sairr?

_ Ele já deve ter se metido em enrascadas destas antes, e por tentativa e erro ele achará eventualmente a saída certa.

O estudante, pelo jeito gostou da ideia e abriu as duas janelas como sugerido.

Mas logo teve uma recaída.

- Isto vai demorar. Aí pegou uma vassoura e começou a tentar induzir o pássaro a voar para a janela mais próxima.

Foi quando o pior aconteceu.

Já confuso e assustado, o pássaro voou com dupla velocidade e bateu no lustre no meio da sala, quebrou o pescoço e caiu como uma pedra.

O banqueiro estava certo.

Se tivessem continuado o jogo o pássaro provavelmente estaria vivo.

O pássaro não pediu a ajuda de ninguém, e morreu pelo altruísmo de alguém bem intencionado, mas totalmente equivocado.

A solução liberal era uma ajuda indireta, aumentava as chances do pássaro sair sozinho, e assim ninguém poderia acusar o advogado de omissão.

Ao contrário do estudante, que no fundo foi o indutor da morte do pobre coitado.

Por que intelectuais acham que todos nós passarinhos somos perfeitos idiotas, que precisamos da ajuda dos estudantes mais esclarecidos?

Mas o pior da tarde ainda estava por vir.

O estudante correu para o centro da sala, pegou o pássaro carinhosamente na mão e pediu ao mordomo para buscar um pouco de whisky.

O idiota achava que o pássaro estava simplesmente desacordado, e que o cheiro do whisky iria reanimá-lo.

Ele continuou com seu autoengano até o fim, e nenhum de nós, eu infelizmente presenciei esta cena, teve a coragem de dizer que o pássaro estava morto.

Ele continuou achando que o pássaro estava salvo e que seu altruísmo não foi em vão.

E assim lentamente, os passarinhos foram lentamente morrendo um após o outro, e no fim só sobraram alguns cidadãos muito altruístas, vivendo à custa do governo. 

Por: Stephen Kanitz

sábado, 24 de novembro de 2012

QUEREMOS FÊMEA!

Vamos aos fatos: a zona do euro voltou a mergulhar na recessão. No terceiro trimestre de 2012, o crescimento econômico foi de 0,1%, depois dos 0,2% do trimestre precedente. Explicações?


Sim, os programas de austeridade jogaram Portugal e a Grécia no tapete. Mas a crise está a atingir a Espanha, a Itália e alguns pulmões econômicos do bloco, como a Holanda e a França. Mesmo a Alemanha, o motor do continente, teve um medíocre desempenho de 0,2%.

No próximo ano, a Comissão Europeia prevê um crescimento de 0,1% nos 17 países do euro. Na melhor das hipóteses.

Perante esse cenário desolador, o leitor talvez questione o que tenciona a Europa fazer para evitar a rápida desagregação da zona euro, a pobreza das suas sociedades e até, quem sabe, a erosão dos seus regimes democráticos.

Relaxe. A União Europeia, pela voz da sua comissária para a Justiça, tem a resposta: cotas para mulheres.

Exato. O leitor leu bem. A União Europeia, confrontada com a pior crise da sua história, pretende que os Estados-membros tomem medidas para que 40% dos conselhos de direção de todas as empresas de capital aberto sejam preenchidos por mulheres. Para combater a discriminação.

E, se é certo que não haverá penalizações (por enquanto) para os que não cumprirem a determinação, Bruxelas espera que cada Estado-membro aplique a medida com vigor.

Longe de mim contestar tamanha bondade paternalista. Mas, antes de avançarmos para as cotas, seria importante que a comissária Viviane Reding respondesse a duas perguntas básicas sobre a aberração.

A primeira, óbvia, é mostrar os mecanismos que geram a suposta desigualdade. Onde estão? Quem são? Como se exercem?

Só é possível corrigir uma discriminação quando se identificam os agentes dessa discriminação. Não basta a simples constatação estatística de que as empresas são majoritariamente lideradas por homens.

Se assim fosse, seria preciso instituir "cotas masculinas" nas universidades europeias, onde as mulheres já são a maioria. Será que Bruxelas tenciona corrigir todos os desequilíbrios que existem em cada área social, econômica, política ou cultural?

Em caso afirmativo, será uma tarefa sem fim. E, no limite, implicará a adoção de políticas "chinesas" de controle de natalidade (e de interferência no sexo dos nascituros) de forma a desenhar uma sociedade rigorosamente composta por homens e mulheres em partes iguais.

Mas existe um outro problema: não basta mostrar os mecanismos discriminatórios em ação. Só faz sentido defender "cotas femininas" se a Comissão Europeia também mostrar, de preferência com estudos sérios e não com delírios politicamente corretos, que tipo de qualidade suplementar uma mulher traz a uma empresa pelo simples fato de ser mulher.

É provável que a sra. Viviane Reding já tenha alguns estudos, digamos, hormonais a respeito. Infelizmente, não conheço nenhum: em economias livres, a liderança de empresas deve depender do mérito, qualquer que seja o sexo dos seus diretores. É a competência, e não o sexo, que deve determinar a gestão empresarial.

E isso deveria ser especialmente importante no momento que a Europa atravessa: escolher conselhos de direção por motivos politicamente corretos pode gerar, de forma perversa, resultados economicamente incorretos.

"Last but not least", o ponto decisivo: as "cotas para mulheres" são um insulto às próprias. Não sei se é uma questão de sorte, mas as mulheres inteligentes (e bem-sucedidas) que me rodeiam jamais aceitariam de cabeça limpa a mão paternalista do Estado para subir a uma posição de comando.
As mulheres não são seres inferiores. São mulheres. E, excetuando em sociedades totalitárias, a liberdade de escolha é real. É tão legítimo procurar uma carreira nos negócios como será fazê-lo nas universidades, nas artes ou até no remanso anônimo do lar.
Se a União Europeia está preocupada com a igualdade, talvez devesse perder mais tempo com a crise econômica que a ameaça destruir. Porque as consequências da crise prometem ser igualitárias para homens e mulheres. Por: João Pereira Coutinho Folha de SP