terça-feira, 18 de junho de 2013

A PERGUNTA PARA A QUAL OS LIBERTÁRIOS SIMPLESMENTE NÃO TÊM RESPOSTA

Por algum motivo insondável, os insolentes progressistas de um famoso website pensam que nos deixaram atônitos e desconcertados com a seguinte pergunta, para a qual, segundo eles, nenhum libertário tem resposta:

"Se o arranjo que os libertários defendem é tão bom, então por que nenhum país do mundo nunca o implantou?"

Então esta é a pergunta irrespondível? O que há de tão difícil nela? Pelo menos 90% de tudo o que libertários escrevem é uma resposta a esta pergunta, pelo menos implicitamente.

Vamos reformular ligeiramente esta pergunta para deduzirmos a resposta. Você perceberá que, quando formulada corretamente, o quão ridícula é a pergunta, pois há uma total falta de conexão entre a premissa inicial e a conclusão.

(1) "Se o arranjo que os libertários defendem é tão bom, então por que as grandes empresas não aceitam concorrer no livre mercado e encarar seus prejuízos, preferindo ser socorridas pelo governo sempre que possível?"

(2) "Se o arranjo que os libertários defendem é tão bom, então por que as pessoas preferem ganhar dinheiro por meio de privilégios especiais em vez de por meio da produção e do trabalho duro e honesto?"

(3) "Se o arranjo que os libertários defendem é tão bom, então por que a polícia não quer abrir mão do dinheiro, dos armamentos e de toda a autoridade oriunda da guerra às drogas?"

(4) "Se o arranjo que os libertários defendem é tão bom, então por que algumas pessoas preferem alcançar seus objetivos por meio da violência, da fraude e do roubo?"

(5) "Se o arranjo que os libertários defendem é tão bom, então por que os grandes empresários sempre preferem receber subsídios e privilégios, e ainda pedem ao governo que aumente as tarifas de importação?"

(6) "Se o arranjo que os libertários defendem é tão bom, então por que a classe política prefere viver parasiticamente à custa do trabalhão dos outros e adora exercer seu vasto poder sobre toda a população?"

(7) "Sabemos que lobistas e grupos de interesse conseguem sempre ganhar benefícios especiais porque, ao passo que tais benefícios são concentrados e individualmente significativos, seus custos estão dispersos entre toda a população e são individualmente irrisórios, o que significa que o público em geral não tem nenhum interesse em se organizar contra isso. Um aumento de $0,10 no litro de leite dificilmente estimulará alguém a dedicar sua vida a se opor aos lobistas, mas um ganho extra de $100 milhões por ano em lucros para as empresas envolvidas no lobby certamente é algo pelo qual é válido gastar tempo e esforço.

Se o arranjo que os libertários defendem é tão bom, então por que isso acontece?"

(8) "Se o arranjo que os libertários defendem é tão bom, então por que as pessoas não se esforçam para tentar implantá-lo após terem passado uns 18 anos de sua vida sofrendo lavagem cerebral nas escolas e universidades, ouvindo diariamente sobre o quão maravilhoso e insubstituível é o estado?"

Portanto, quando alguém, pela enésima vez, lhe fizer a seguinte pergunta: "Se o libertarianismo é tão bom, então por que não existem países libertários?"

Apenas responda utilizando a mesma tática: "Espere aí, você está me perguntando por que motivo todas aquelas pessoas que estão em uma posição de poder absoluto e que podem dar ordens e espoliar a população impunemente não abrem mão deste poder e voluntariamente renunciam? Ótima pergunta!"


O ERRO DE KEYNES

A Escola Austríaca de economia já forneceu ao mundo devastadoras críticas à obra magna de Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (doravante Teoria Geral). Friedrich A. von Hayek, Jacques Rueff, Henry Hazlitt, Murray Rothbard, Ludwig Lachmann, Ludwig von Mises e William Hutt já contribuíram com importantes e sólidos argumentos contra Keynes e o keynesianismo.

Para o júbilo dos defensores da liberdade, podemos agora acrescentar um novo nome a esta distinta lista. Em 2012, o espanhol Juan Ramón Rallo, diretor do Instituto Juan de Mariana, professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri, e graduado sob a orientação de Jesús Huerta de Soto, publicou uma nova crítica à Teoria Geral com o título de Los Errores de la Vieja Economía em homenagem à obra de Henry Hazlitt intitulada The Failure of the 'New Economics'.

Na época de Hazlitt, o programa de Keynes ainda era revolucionário e foi descrito por Hazlitt como sendo um tipo de "Nova Economia" que rompia com as constatações da economia clássica, e especialmente com a Lei de Say. Hoje, o keynesianismo já se tornou a corrente dominante. O keynesianismo, e mais especificamente a sua ideia de que os gastos do governo reduzem o desemprego, é o programa majoritariamente ensinado nas universidades, jubilosamente aplicado por políticos (pode haver coisa melhor do que um economista dizendo a um político que ele tem de gastar mais?) e proeminentemente defendido pelo vencedor do Prêmio Nobel de 2008, Paul Krugman.

Com efeito, a imediata resposta política à atual crise financeira do mundo ocidental foi inspirada pela Teoria Geral. Uma segunda Grande Depressão tinha de ser evitada, diziam os economistas, e as ideias de Keynes foram aplicadas. Os governos então adotaram uma política monetária expansionista combinada a volumosos estímulos fiscais, e tudo em resposta àquilo que, aos olhos de Krugman, parecia ser uma bolha causada pela 'especulação temerária estimulada pelo mercado', fenômeno este que havia sido inspirado pelo "espírito animal" dos agentes de mercado. 

Sendo assim, ainda que o livro de Rallo fosse apenas um resumo dos velhos argumentos apresentados contra aTeoria Geral, o momento para a sua publicação seria mais do que apropriado, já que as ideias do passado ainda são a prática do presente. No entanto, Los Errores de la Vieja Economía é muito mais do que um mero sumário e síntese dos argumentos expostos pelo supracitados autores austríacos. Rallo aproveita, combina e aprimora estes argumentos de uma maneira metódica e ordenada. Ainda mais importante, ele acrescenta suas próprias e inovadoras ideias para, no final, produzir um argumento devastador contra a Teoria Geral.

A crítica de Rallo à Teoria Geral utilizando a teoria austríaca é rigorosa, sistemática e profunda. Importante ressaltar que as ideias de Keynes não são em nenhum momento do livro distorcidas ou mal interpretadas. A completa ausência de espantalhos faz com que o ataque desferido por Rallo ao cerne das crenças keynesianas seja mais forte e poderoso do que o de seus pares. Rallo também não sai à procura de contradições e inconsistências terminológicas. Neste sentido, a crítica de Rallo é ainda mais profunda e devastadora do que, por exemplo, os trechos do brilhante livro de Henry Hazlitt que enfatizam as inconsistências, as imprecisões e toda a falta de clareza de Keynes. Rallo possui um grande e genuíno interesse em fornecer um retrato claro e coerente do raciocínio de Keynes e, por isso, apresenta a teoria keynesiana sob uma luz extremamente favorável.

Vejamos agora alguns dos argumentos de Rallo, começando pela famosa crítica feita por Keynes à Lei de Say. Para começar, Keynes distorceu a Lei de Say, e esta versão distorcida, que aparece na Teoria Geral, afirma que a oferta cria sua própria demanda. Rallo corrige essa distorção e descreve a Lei de Say em sua versão original: no longo prazo, a oferta de bens se ajusta à demanda por eles. Em última análise, bens são ofertados porque o indivíduo quer adquirir outros bens (entre eles, o dinheiro). Um indivíduo produz com o intuito de demandar, o que significa que é impossível haver um excesso de produção.

A Lei de Say nos leva diretamente ao mais inovador argumento do livro de Rallo, que aborda a velha crítica ao entesouramento. Até mesmo alguns severos críticos de Keynes — por exemplo, o pessoal do campo monetarista ou neoclássico — admitem que ele ao menos estava correto na questão de que o entesouramento — mais especificamente, o ato de guardar dinheiro dentro da gaveta — é uma atividade perigosa e desestabilizadora.

Rallo, no entanto, demonstra, comprova e enfatiza a função social do entesouramento. Se as pessoas estão demandando dinheiro — isto é, se elas estão aumentando a quantidade de dinheiro vivo em seus encaixes — isso não significa que elas não estão demandando nada do mercado. O entesouramento é uma reação natural dos poupadores e dos consumidores a uma estrutura de produção que não está se ajustando às suas reais necessidades. Trata-se de um sinal de protesto enviado aos empreendedores: "Por favor, ofertem-nos outros bens de consumo e de capital! Mudem a atual estrutura de produção, pois os bens que ela nos oferece hoje não nos é adequada."

Em uma situação de grande incerteza, é mais prudente entesourar do que imobilizar fundos para o longo prazo. Rallo nos oferece um exemplo visual. Suponhamos que a incerteza aumente porque as pessoas estão à espera de um terremoto. Consequentemente, elas começam a entesourar, ou seja, elas aumentam seus encaixes em dinheiro vivo, o que dá a elas mais flexibilidade. Tal atitude é completamente racional e benéfica do ponto de vista dos participantes do mercado. A alternativa keynesiana seria dar este dinheiro para o governo para que ele pudesse gastar. A construção de arranha-céus estatais não apenas iria contra a vontade da maioria das pessoas prudentes, como também se comprovaria desastrosa casso o terremoto ocorresse.

Entesourar é um seguro contra incertezas futuras. Rallo argumenta que, se a demanda por dinheiro aumentar (em termos técnicos, se a preferência por liquidez aumentar) por causa desta maior cautela, as taxas de juros de curto prazo tenderão a cair, ao passo que as de longo prazo irão subir. As pessoas irão investir mais em ativos de curto prazo e menos em ativos de longo prazo, pois elas querem se manter líquidas. Isso leva a um reajuste na estrutura de produção. Mais recursos serão direcionados para a produção de bens que apresentarem maior liquidez (em um padrão-ouro, por exemplo, este bem seria o ouro), e para a produção de bens de consumo. A estrutura de produção será alterada, apresentando agora um maior número de processos mais curtos e menos arriscados e um menor número de processos mais longos e mais arriscados.

O entesouramento, portanto, não faz com que os fatores de produção fiquem ociosos. No cenário acima, tais fatores serão alocados para a produção de ouro e para outros projetos de curto prazo. Rallo insiste que não é nada irracional querer entesourar. Com efeito, quando projetos de longo prazo são mantidos e as condições econômicas se alteram, estes projetos talvez tenham de ser liquidados. Por exemplo, o terremoto destruiria o arranha-céu que está sendo construído.

Vale observar que a maioria dos austríacos não é adepta de uma teoria híbrida que diz que a taxa de juros é determinada tanto pela preferência pela liquidez quanto pela preferência temporal. Rallo, porém, é adepto desta teoria híbrida, e acredita que a taxa de juros, ou a estrutura das taxas de juros, é determinada tanto pela preferência temporal quanto pela preferência pela liquidez. A maioria dos austríacos defende apenas a teoria da preferência temporal como formadora das taxas de juros. Devido à incerteza, um agente prefere estar líquido em vez de ilíquido. E devido à preferência temporal, um agente prefere estar mais líquido agora do que no futuro. Consequentemente, em condições normais, os juros de curto prazo tendem a ser menores do que os juros de longo prazo. Quando a incerteza aumenta, os juros de longo prazo tendem a ficar ainda maiores. No entanto, em uma crise financeira, um outro efeito tende a prevalecer sobre esta tendência. Quando a sociedade em geral se torna ilíquida — em consequência do início da crise —, surge uma maior demanda por empréstimos de curto prazo. Esta busca por liquidez imediata tende a fazer com que os juros de curto prazo aumentem e se tornem maiores do que os juros de longo prazo.

A questão dos recursos ociosos é outro tópico importante do livro de Rallo, uma vez que Keynes recomenda a inflação monetária como forma de evitar que os fatores de produção se tornem ociosos e o desemprego aumente. Rallo pergunta por que, em primeiro lugar, os fatores se tornaram ociosos e o desemprego aumentou? A resposta é que os proprietários destes fatores — no caso dos bens de capital, os donos das fábricas; e no caso da mão-de-obra, os desempregados — estão demandando um preço por seus serviços que é maior do que o valor presente de seu produto marginal. Nestas circunstâncias, a inflação monetária irá apenas gerar uma redistribuição de renda em prol dos proprietários destes fatores, em nada ajudando a reestruturar a economia — ou seja, a estrutura de produção continuará desajustada e a economia vivenciará um consumo de capital, isto é, recursos escassos continuarão sendo utilizados em linhas de produção para a qual não há mais demanda.

Por outro lado, quando os fatores de produção têm seus preços reajustados, isto é, quando os preços dos bens de capital caem e os salários diminuem até chegar ao valor de seu produto marginal, a demanda agregada não cai, como sugere Keynes. Ao contrário: a demanda aumenta porque, em decorrência do maior número de pessoas agora empregadas e do maior nível de investimentos em decorrência da queda no preço das máquinas, a produção total da economia também aumenta.

Rallo ataca impiedosamente outros conceitos keynesianos. O famoso "multiplicador do investimento" é uma das vítimas. Segundo esta teoria, um aumento unitário no volume de investimento de uma economia provoca ondas sucessivas de aumento da renda, cuja dimensão depende da propensão marginal a consumir ou poupar. Esta teoria requer que todos os fatores de produção estejam apresentando alguma ociosidade. Mais especificamente, para Keynes estar correto, é necessário que haja desemprego voluntário de todos os fatores de produção e que também haja capacidade ociosa nas indústrias de bens de consumo. 

Vejamos. Se não houver desemprego voluntário de todos os fatores, o estímulo governamental a novos projetos de investimentos irá gerar apenas gargalos, uma vez que fatores de produção serão retirados de outros projetos mais lucrativos e direcionados para projetos artificiais. Os keynesianos concordam com isso. Se todos os tipos de fatores de produção estiverem apresentando alguma ociosidade, mas não houver mais capacidade produtiva nas indústrias de bens de consumo, então estímulos governamentais irão apenas elevar os preços dos bens de consumo e encurtar a estrutura de produção, tornando-a mais voltada para o presente. Os keynesianos também concordam com isso. E, finalmente, se os dois fenômenos ocorrerem conjuntamente — isto é, se houver uma ociosidade geral dos fatores e houver folga na capacidade produtiva das indústrias de bens de consumo, que é o pressuposto da teoria de Keynes —, por que então não há um acordo voluntário entre os proprietários dos fatores de produção e os empreendedores? Keynes não respondeu a essa questão, e preferiu ir diretamente para a defesa do aumento dos gastos do governo e da inflação monetária para corrigir esta situação.

Outra importante ideia keynesiana que Rallo aborda é a famosa armadilha da liquidez. Uma armadilha da liquidez ocorre quando, em uma economia em recessão, as taxas de juros estão muito baixas. Nesta situação, Keynes diz que a política monetária se torna inútil, pois os especuladores irão simplesmente entesourar todo o dinheiro que o governo imprimir. Os especuladores não irão investir em títulos porque eles já estão com preços máximos (os juros são mínimos), e os preços deles irão cair quando os juros finalmente voltarem a subir. Neste ponto, a política monetária se torna impotente e o aumento do gasto público se torna necessário para estimular a demanda agregada.

Rallo mostra que, após um período de forte crescimento artificial estimulado pela expansão do crédito, em que vários investimentos errôneos foram feitos, a economia entra em recessão quando esta expansão do crédito é reduzida em decorrência da alta dos preços (que levam a um aumento dos juros cobrados pelos bancos). Neste cenário, os preços estão mais altos e há um endividamento generalizado das pessoas e empresas. Consequentemente, praticamente não há demanda por novos empréstimos, mesmo que as taxas de juros sejam acentuadamente reduzidas. Neste caso, a economia na verdade se encontra em uma armadilha de iliquidez, uma vez que indivíduos e empresas estão preocupados em aumentar sua liquidez. Eles querem reduzir suas dívidas e não pegar mais empréstimos. A política monetária de redução dos juros irá na realidade piorar a situação, pois com juros baixos não há incentivo para pagar antecipadamente e cancelar as dívidas (pois uma redução dos juros eleva o valor presente da dívida). A solução para esta situação de incerteza generalizada é o entesouramento, a estabilidade das instituições, a liquidação dos investimentos ruins e a redução das dívidas.

Uma alta incerteza não implica um alto desemprego, uma vez que até mesmo sob uma alta incerteza a redução dos preços dos fatores de produção faz com que novos projetos sejam mais lucrativos. Sob uma alta incerteza, estes projetos de investimento serão a produção de ouro (se a economia estiver em um padrão-ouro) e a produção de bens de consumo voltada para o curto prazo.

Rallo demonstra que, ao contrário do que diz a Teoria Geral, não é a oferta agregada ou a demanda agregada o que importa, mas sim a composição das duas. Em uma depressão em que a estrutura da produção está distorcida e a economia apresenta uma "armadilha da liquidez", se a demanda agregada for estimulada pelos gastos do governo, a estrutura existente não terá como produzir os bens que os consumidores querem com mais urgência. Logo, a solução não é mais gastos e mais endividamento, mas sim uma redução da dívida e a liquidação dos investimentos ruins para fazer com que novos e mais sensatos investimentos sejam exequíveis.

Para Keynes, por outro lado, o problema sempre será de 'demanda insuficiente'. Sendo assim, o que deve ser feito se consumidores e investidores não quiserem comprar os produtos que as empresas estão oferecendo, preferindo poupar? Keynes recomenda reduzir os impostos, as taxas de juros e desvalorizar a moeda. Se isso não funcionar, o governo deve sair comprando os produtos que os consumidores não querem comprar. Porém, pergunta Rallo, por que os consumidores e investidores deveriam comprar bens que eles não querem?

A resposta de Keynes é que, se isso não for feito, o desemprego aumentará. E Rallo contra-argumenta: mas se uma pessoa é forçada a gastar seu salário comprando algo que ela não quer, qual seria seu incentivo para trabalhar? Por que ela sequer deveria ter um emprego? A alternativa a forçar as pessoas a gastar é reduzir os salários até o valor de seu produto marginal, o que elevaria a produção e a demanda. Como demonstra Rallo, a sociedade não se torna mais rica se o governo induzir ou forçar as pessoas a comprar bens que elas não querem. 

Logo, para Rallo, eis a essência da Teoria Geral: quando as pessoas não querem comprar aquilo que está sendo produzido, o governo deveria obrigá-las a agir contra sua vontade.

As observações sobre o livro de Rallo aqui demonstradas são apenas uma pequena amostra. Dentre outras coisas, Rallo também apresenta uma análise das principais definições inventadas por Keynes e os erros teóricos de cada uma delas (como, por exemplo, seu viés pró-consumismo). Ele apresenta uma análise austríaca dos mercados financeiros, discutindo as inter-relações que existem entre a estrutura da curva de juros, as taxa de juros, a taxa de redesconto, a estrutura do investimento, a armadilha da liquidez e a bolsa de valores. Ele analisa a questão dos salários reais e nominais, os ciclos econômicos, as implicações políticas dos ciclos e todos os antecessores intelectuais da Teoria Geral de Keynes, e tudo utilizando a teoria austríaca. Também extremamente útil é o guia criado por Rallo para os leitores da Teoria Geral, que torna mais fácil e mais eficiente ler e identificar os principais erros de Keynes, capítulo por capítulo. Como extra, no final do livro, Rallo também apresenta uma crítica ao modelo IS-LM, desenvolvido por John Hicks e Franco Modigliani, que formalizou a teoria de Keynes e que ainda é maciçamente ensinado nas universidades ao redor do mundo.

O livro de Rallo, além de repleto de observações brilhantes, é hoje a obra que fornece a mais poderosa e completa demolição dos argumentos keynesianos. Los Errores de la Vieja Economía será, no futuro, a referência, tanto dos estudiosos quanto dos leigos, para encontrar todos os erros no pensamento de Keynes e nas políticas adotadas pelos governos. O único ponto negativo do livro é que, por enquanto, existe apenas a versão em espanhol. É de se esperar que a obra rapidamente seja disponibilizada em outros idiomas.

Por: Philipp Bagus é professor adjunto da Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro A Tragédia do Euro. Veja seuwebsite.
Tradução de Leandro Roque

segunda-feira, 17 de junho de 2013

KONDRATIEV - A IRRESISTÍVEL FORÇA GRAVITACIONAL DOS CICLOS ECONÔMICOS LONGOS

Uma sucessão de bolhas? A bolha da tecnologia, que inflou de 1995 ao estouro em 2000, foi sucedida pela bolha imobiliária, que estourou em 2007-2008. No momento, boa parte dos especialistas defende que há uma bolha dos títulos dos governos ao redor do mundo. De fato, os juros nunca estiveram tão baixos. O Tesouro do governo dos Estados Unidos está pagando apenas 2,09% ao ano para o prazo de dez anos, e créditos exóticos, como os Tesouros de Ruanda e Mongólia, aproveitaram o momento para captar dinheiro fácil.

Há quatro anos acredita-se que os juros deveriam subir, mas, desafiando os especialistas, os juros caem ano após ano. A pergunta é: temos realmente uma bolha de títulos de renda fixa, ou há algum outro fator estrutural que explique tal comportamento paradoxal dos juros? O que isto significa para o mercado de ações nos Estados Unidos e no Brasil?

Nicolai Kondratiev foi um economista russo do princípio do século XX, que se propôs a estudar falhas da economia capitalista. Em livros e estudos, chegou à conclusão de que esta percorre ciclos econômicos longos e razoavelmente regulares. Os principais seguidores atuais da tese dos ciclos de Kondratiev — ou K-wave — acreditam que o ciclo varia de 55 a 80 anos. As variáveis explicadas pelos ciclos longos são principalmente taxas de juros, preços de ações, e inflação.

Ao passo em que os chamados "ciclos econômicos", que variam de 7 a 15 anos, são usualmente traçados causalmente a políticas monetárias dos Bancos Centrais, a K-wave é supostamente explicada por outros fatores, como tecnologia ou demografia.

Prefiro, no entanto, entender o comportamento da K-wave primordialmente por fatores causais relacionados a respostas monetárias e fiscais do sistema — sejam advindas das políticas monetária e fiscal, ou do próprio sistema financeiro privado —, que por sua vez refletem paradigmas geracionais.

A K-wave costuma ser dividida em quatro "estações" de 15 a 20 anos cada. Não recomendo o foco na duração das estações, mas sim na sua sucessão lógica bem como nos indicadores de mudança da estação.

O diagrama abaixo mostra de forma simplificada o atual ciclo Kondratiev dos Estados Unidos, cuja passagem do Inverno para a Primavera ocorreu em 1949 (veja no diagrama a passagem entre estas estações na posição das seis horas, marcada à época em que o mercado acionário tocou o ponto mais baixo).

A Primavera de Kondratiev começa quando a economia já está depurada: os bancos já se livraram dos ativos tóxicos e se tornaram melhor capitalizados, e não são mais necessárias políticas monetárias e fiscais agressivas. É o período no qual gradualmente o processo inflacionário é retomado (reflação), após a longa temporada hibernal, deflacionária e desalavancadora.

A confiança ainda permanece frágil, e há receio pelos agentes de uma recaída da deflação, que caracterizou o Inverno (descrito mais abaixo). Há uma retomada lenta do crédito, e as taxas de juros sobem um pouco, de maneira gradual. Os ativos mais beneficiados são ações e imóveis. Os preços dos títulos (e demais ativos de renda fixa prefixados), que atingiram o topo no fim do inverno, começam a cair, pelo aumento gradual das taxas de juros.

Diagrama de Kondratiev – estações

















O Verão começa quando o mercado acionário alcança o topo histórico (all-time high) e inicia leve descida (conforme o diagrama, o Verão se iniciou em 1966, na posição das nove horas). A confiança no futuro dispara, a inflação gradualmente acelera até chegar ao máximo ao fim do Verão. As taxas de juros também batem no topo no mesmo momento. Os ativos mais beneficiados são imóveis, commodities, e ouro. Os títulos tocam o preço mais baixo (o que significa que seus juros chegam ao valor mais alto).

Ao final do Verão a economia já está em recessão inflacionária (estagflação). Os indicadores da passagem do Verão para o Outono são a recessão, e a inflação que já começa a ceder. As ações, portanto, tocam um ponto baixo na passagem para o Outono. (veja a passagem do Verão para o Outono, em 1980, na posição das doze horas).

Durante o Outono a inflação começa a ser debelada e cai durante todo este período desinflacionário, e a confiança dos agentes aumenta gradualmente, inicialmente aumentando suavemente, mas eventualmente alcançando a euforia ao final da estação. As taxas de juros caem durante todo o Outono, beneficiando ações, títulos, e imóveis, e punindo severamente commodities e o ouro, que chegam ao mínimo no fim da estação. O endividamento aumenta. Ao final do Outono, há um crash no mercado acionário.

O ponto máximo (all-time high) das ações e o crash marcam o início do Inverno (que começou em 2000 nos Estados Unidos, com o toque no máximo do S&P500 em 1.530 pontos, seguido do estouro da bolha de tecnologia, marcado no diagrama na posição das três horas). A confiança migra gradualmente de preocupação ao medo, do medo ao pânico, e do pânico à desesperança, principalmente por conta do impacto de uma crise bancária e da desalavancagem. A moderação da inflação de preços se acentua e passa a haver pressão deflacionária.

A desalavancagem do setor financeiro com a contração aguda do crédito gera inadimplência e defaults. As taxas de juros caem muito, e os títulos começam a subir no meio da estação, após a contração aguda do crédito, e chegam ao topo ao final do Inverno. Mesmo tendo caído muito com o crash, o mercado acionário sofre duas ou três correções agudas adicionais após altas provisórias, durante o Inverno. Os ativos de curto prazo e de 'caixa', bem como o ouro, se beneficiam.

Segundo a análise da K-wave, os Estados Unidos se encontram atualmente no Inverno, que se estima que perdure até 2015-2020. O índice de ações S&P500 (ver Figuras 1 e 2 abaixo), importante indicador de mudança de estações, mostra que os dois picos após o crash de 2000 (em 2007 e agora em abril de 2013) falharam em se aproximar dos 1.530 anteriores (quando ajustados pela inflação, conforme ilustra a Figura 2). Caso o S&P500 alcance e se sustente na faixa entre 1.750 e 1.850 pontos, a análise de K-wave indicará que provavelmente o Inverno terá sido superado. Mas ainda estamos distantes deste ponto. A K-wave sugere que haverá ainda mais um crash antes da entrada na Primavera, completando a terceira perna de queda.

Figura 1 – S&P 500 (1997-2013)







fonte: Bloomberg, O Ponto Base.

Figura 2 – S&P 500 em dólares constantes de 2000 (1997-2013)


fonte: Bloomberg, O Ponto Base.

Outro importante indicador, o índice Preço/Lucro (P/L ou PE Ratio) está hoje em 15,5x, ou seja, muito abaixo do nível do ano 2000, de 30x. O P/L deveria alcançar e permanecer em18 a 20x para uma comprovação de que o Inverno já tenha sido superado.

Figura 3 – Índice Preço/Lucro (PE Ratio) do S&P 500 (1994-2013)


fonte: Bloomberg, O Ponto Base.

Hoje há um relevante suporte para os preços das ações. E não tem nada a ver com o tal do "great rotation" — que os 'comprados' acreditam que ocorreria desde 2012 —, e que consistiria no êxodo dos investimentos em títulos (por conta de suposta alta de juros) para alocação em ações. O suporte é baseado no fragilíssimo argumento de que o dividend yield[7] de 2,5 a 3% excede os juros dos títulos, ou seja, de que os rendimentos com dividendos excedem os rendimentos em renda fixa.

De fato, esta força representa mais que um mero suporte, pois está havendo efetiva pressão de compra. É temerário que empresas como IBM captem recursos a 1% ao ano para pagar dividendos e aumentar o dividend yield, criando incentivos artificiais para a alta das ações. Essa artimanha por estes hackers do sistema não é sustentável.

Os Estados Unidos e o mundo desenvolvido possuem atualmente economias auxiliadas à base de maciças injeções monetárias e aumento de dívida pública. Não obstante, as forças deflacionárias do Inverno de Kondratiev desafiam e suplantam as ações dos governos. Os preços dos títulos demonstram ser sustentáveis e devem permanecer altos (ou seja, com juros baixos) até a entrada da Primavera. Deve-se ficar atento aos sinais do S&P500 e de seu P/L, que serão importantes para referendar uma efetiva mudança de estação.

Em que ponto da K-wave está o Brasil? O que isto significa para ações, inflação e juros brasileiros?

E afinal, por que utilizar uma teoria não aceita pelo mainstream para usar como uma das ferramentas de análise de investimentos? Por que razão ocorre uma sucessão repetitiva de estação para estação na K-wave?

Em breve discorrerei sobre essas questões.

Artigo originalmente publicado em O Ponto Base.

 Menos que os níveis correntes de inflação.

 [é também comum a grafia Kondratieff] Kondratiev, que tinha apoio do establishment durante a era Lênin, foi assassinado em 1938 por ordem de Stalin na Gulag em que se encontrava preso desde 1930. Stalin se desapontou quando Kondratiev deixou de corroborar sua crença de que o capitalismo se extinguiria com a Grande Depressão.


 Recomendo o premonitório livro de Michael Alexander, Stock Cycles - Why Stocks Won't Beat Money Markets over the Next Twenty Years. Não discorre apenas sobre K-wave, mas é uma boa introdução ao tema.

 O conceito de ciclos econômicos é em grande medida aceito pela ciência econômica convencional, ou mainstream, em contraste com o conceito de K-wave.

] Explicarei tal mecânica em artigos posteriores.

] A média histórica do P/L americano desde 1900 é de 16x. Um valor acima de 16x indica que há expectativa de crescimento de lucros que justifique um múltiplo acima da média.


 Dividend yield é a razão entre os dividendos anuais por ação e o preço atual da ação

Helio Beltrão é o presidente do Instituto Mises Brasil.

domingo, 16 de junho de 2013

A ESTATÍSTICA, O PONTO FRACO DO GOVERNO

É fato que vivemos na Era das Estatísticas. Em uma época obcecada por números e que venera dados estatísticos como sendo algo extremamente "científico", algo capaz de nos fornecer a chave para o segredo de todo o conhecimento, uma vasta gama de dados de todos os tipos, formatos e tamanhos nos é despejada diariamente. E estes dados provêm majoritariamente de agências do governo.

Embora agências privadas e associações comerciais de fato colham e publiquem algumas estatísticas, elas se limitam a mensurar apenas aquelas variáveis específicas demandadas por indústrias específicas. A grande maioria das estatísticas é coletada e disseminada pelo governo. A principal estatística da economia, o popular "produto interno bruto" — que permite que todo e qualquer economista se transforme em um adivinho das condições empreendedoriais —, é publicada pelo governo.

Além do mais, muitas estatísticas são subproduto de outras atividades governamentais: da Receita Federal advêm dados não apenas dos impostos mas também do patrimônio de pessoas e empresas que pagam esses impostos; do Ministério do Trabalho e da Previdência Social advêm estimativas da criação de empregos e do número de desempregados; da Alfândega advêm dados sobre o comércio exterior; do Banco Central advêm dados sobre o sistema bancário, e assim por diante. E à medida que novas técnicas estatísticas vão sendo desenvolvidas, novas ramificações da burocracia estatal vão sendo criadas para utilizar e aplicar essas estatísticas.

O inchaço das estatísticas governamentais impõe vários malefícios óbvios para o libertário. Em primeiro lugar, o governo tem de recrutar um verdadeiro exército de civis para fazer o trabalho da coleta de dados e da análise dos números. Isso significa que uma quantidade enorme de esforços e recursos é retirada do setor produtivo (o setor privado) e desviada para o setor improdutivo (setor público) apenas para fazer a coleta e a subsequente produção de estatísticas. Em um genuíno livre mercado, no qual a função do governo é mínima, a quantidade de mão-de-obra, de capital e de terra dedicada à coleta de estatísticas iria definhar para apenas uma pequena fração do total atual. O tanto que o governo gasta apenas para coletar estatísticas, bem como o total de burocratas que ele emprega para tal serviço, ainda tem de ser estimado e divulgado. 

Os custos ocultos do envio de informações

Em segundo lugar, a esmagadora maioria dos dados é coletada por meio da coerção estatal. Isso não apenas significa que tais dados são produto de atividades contraproducentes e indesejáveis, como também significa que o verdadeiro custo destas estatísticas para a população é muito maior do que a mera quantidade de impostos utilizada pelo governo para financiar esta atividade. Tanto as empresas privadas quanto os cidadãos têm de arcar com os onerosos custos de registrar todas as informações e arquivar todos os milhares de papeis e recibos que estas estatísticas exigem. E não apenas isso: estes custos fixos impõem um fardo relativamente maior sobre as micro e pequenas empresas, que não estão equipadas para lidar com esta montanha de formalidades burocráticas — e nem podem se dar ao luxo de gastar muito dinheiro com isso. 

Uma empresa comum tem de desviar tempo, dinheiro e capital humano para compilar todas as estatísticas que o governo e seus múltiplos ministérios e agências exigem. Vários empregados das empresas privadas se ocupam exclusivamente da coleta e do relato destas estatísticas exigidas pelo governo. Para pequenas empresas, isso é especialmente oneroso. Não são incomuns casos em que as pessoas que lidam com o governo têm de manter vários conjuntos de livros de registro apenas para atender aos diversos e desiguais requerimentos das agências e ministérios do governo.

Portanto, estas aparentemente inocentes estatísticas, que são geradas pela coleta compulsória de dados das empresas, afetam sensivelmente o mercado, pois aumentam os custos das pequenas empresas e reduzem sua capacidade de investimento e expansão, algo que é bem visto pelas grandes empresas, que com isso sofrem menos risco de concorrência. A burocracia enrijece todo o sistema econômico e protege os grandes contra eventuais investidas dos pequenos.

Outras objeções

Mas há outros motivos importantes, e não tão óbvios, para o libertário encarar as estatísticas governamentais com desalento e temor. Não apenas a coleta e a produção de estatísticas vão muito além da clássica função governamental de defender o indivíduo e a propriedade privada; não apenas recursos econômicos escassos são desperdiçados e mal alocados; não apenas os pagadores de impostos, as indústrias, as pequenas empresas e os consumidores são onerados e sobrecarregados. Há ainda algo pior: as estatísticas coletadas pelo governo são, em um sentido crucial, essenciais para todas as atividades intervencionistas e de cunho socialista do governo.

O cidadão comum, enquanto consumidor, não possui nenhuma necessidade de utilizar estatísticas em sua rotina. Por meio da publicidade, das informações fornecidas por amigos, e de sua própria experiência, ele é capaz de descobrir o que está acontecendo nos mercados à sua volta. O mesmo é válido para uma empresa. O empreendedor tem de saber mensurar e satisfazer as condições do mercado em que ele atua, determinar os preços que ele tem de pagar por aquilo que ele compra e de cobrar por aquilo que ele vende, incorrer em contabilidade de custos para estimar seus gastos e por aí vai. Porém, nenhuma destas atividades depende realmente daquela mixórdia de dados estatísticos sobre a economia ingerida e regurgitada pelo governo. O empreendedor, assim como o consumidor, conhece e aprende os detalhes de seu mercado por meio de suas experiências diárias.

Um substituto para os dados do mercado

Já os burocratas, assim como todos os pretensos reformadores estatistas, vivem em uma realidade completamente distinta. Eles decididamente vivem fora do mercado. Consequentemente, para se inteirar da situação que estão tentando planejar e reformar, eles têm de obter um conhecimento que não é pessoal, que não advém da experiência diária. E o único formato que tal conhecimento pode adquirir é o formato estatístico.

As estatísticas são os olhos e os ouvidos do burocrata, do político, do reformador socialista. É somente por meio da estatística que eles podem saber, ou ao menos ter uma vaga ideia, do que está acontecendo na economia.

É somente por meio da estatística que eles podem descobrir quantos idosos apresentam raquitismo, quantos jovens têm cáries, quantos pobres precisam de mais repasses do governo, e quantos empresários precisam de mais subsídios estatais. Desta forma, é somente por meio da estatística que estes intervencionistas descobrem quem "necessita" do quê ao longo de toda a economia, e quanto de dinheiro federal deve ser canalizado em qual direção.

O plano-mestre

Certamente, somente pelas estatísticas pode o governo federal fazer qualquer tentativa, por mais espasmódica que seja, de planejar, regular, controlar e reformar várias indústrias — ou, em última instância, de impor o planejamento central e a socialização de todo o sistema econômico. Por exemplo, se o governo não recebesse nenhuma estatística sobre o funcionamento das companhias aéreas, como ele iria sequer pensar em regular as tarifas e as finanças das empresas? Se o governo não recebesse dados sobre a situação das indústrias, como ele iria especificar tarifas protecionistas? Sem a estatística, como o governo iria regular rigidamente o mercado de telefonia? Principalmente: sem as estatísticas, como o governo iria manipular as taxas de juros? Como o governo iria impor controles de preços se ele não soubesse sequer quais bens estão sendo vendidos no mercado e a que preços? 

As estatísticas, repetindo, são os olhos e os ouvidos dos intervencionistas: do intelectual reformista, do político, do burocrata do governo. Arranque estes olhos e ouvidos, destrua estas diretrizes de conhecimento, e toda a ameaça de qualquer tipo de intervenção estatal será quase que completamente eliminada.

Obviamente, é verdade que mesmo privado de todo o conhecimento estatístico da situação do país, o governo ainda assim poderia tentar intervir, tributar, subsidiar, regular e controlar. Ele poderia tentar subsidiar os pobres e os idosos mesmo sem ter a mais mínima ideia de quantos deles existem e de onde eles estão; ele poderia tentar regular uma indústria sem nem mesmo saber quantas empresas existem e quais são suas características básicas; ele poderia tentar controlar os ciclos econômicos sem nem mesmo saber se os preços e a atividade empreendedorial estão em ascensão ou em queda. Ele poderia tentar, mas não iria muito longe. O caos seria óbvio, patente e evidente demais até mesmo para os padrões burocráticos, e mais ainda para os cidadãos.

E isso pode ser comprovado pelo fato de que um dos principais argumentos em prol da intervenção estatal é que o governo "corrige" o mercado, e torna o mercado e toda a economia mais "racional". Obviamente, se o governo fosse privado de tudo o que se passa na seara econômica, simplesmente não poderia haver nem mesmo uma pretensa racionalidade na intervenção estatal.

Seguramente, a ausência de estatísticas recolhidas pelo estado iria, de maneira absoluta e imediata, destruir toda e qualquer tentativa de planejamento de cunho de socialista. É difícil imaginar, por exemplo, o que os planejadores centrais do Kremlin poderiam fazer para planejar e controlar a vida dos cidadãos soviéticos se eles fossem privados de todas as informações, de todos os dados estatísticos, sobre estes cidadãos. O governo não saberia nem para quem dar ordens, muito menos como tentar planejar uma intrincada economia.

Portanto, dentre todas as várias medidas que já foram propostas ao longo dos anos para tentar restringir e limitar o governo, ou para revogar suas desastrosas intervenções, a simples e nada espalhafatosa abolição das estatísticas do governo provavelmente seria a mais completa e eficaz delas. A estatística, tão vital para o estatismo — seu homônimo —, também é o calcanhar da Aquiles do estado.

Por: Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 


sábado, 15 de junho de 2013

COMO PRIVATIZAR SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA

Para uma economia ser desenvolvida e funcionar bem, ela tem de ter uma infraestrutura de qualidade. É uma infraestrutura de qualidade que irá facilitar o fluxo de bens, de pessoas, de informação e de energia. É uma infraestrutura de qualidade que permitirá o escoamento da produção, fazendo com que oferta e demanda estejam sempre no mesmo compasso. Consequentemente, portos, estradas, pontes, ferrovias, aeroportos, redes de comunicação, linhas de transmissão de energia, sistemas de fornecimento e distribuição de água, gás encanado, metrô e vários outros sistemas de infraestrutura representam insumos essenciais para uma economia. 

Uma infraestrutura ruim — tanto em termos de quantidade quanto em termos de qualidade — não somente aumenta os custos da produção e da distribuição, mas também pode literalmente deixar uma economia de joelhos. Grandes economias como Índia, Brasil e várias nações da Ásia e da América Latina têm sido severamente afetadas por sua pobre infraestrutura, que é majoritariamente gerida pelo estado.

Mesmo a nação mais rica do mundo tem problemas de infraestrutura. Nos EUA, por exemplo, o número de veículos dobrou desde 1980, mas a capacidade viária total do país aumentou apenas 6%. O resultado foi um dramático aumento dos custos gerados pelos congestionamentos (tempo perdido, combustível extra etc.).

Em todo o mundo, os gastos com manutenção e com investimentos em infraestrutura são de 2% do PIB. Europa e Ásia gastam mais (quase 7% do PIB) e a América Latina e o Caribe gastam menos (3,02% do PIB). Países ricos podem se dar ao luxo de direcionar mais recursos para infraestrutura do que países pobres, que direcionam seus gastos (ineficientes, como todos os gastos do governo) para outras prioridades.



O que nos leva a uma pergunta crítica: a infraestrutura deve ser ofertada e gerenciada pelo setor público ou pelo setor privado?

Adam Smith já havia respondido a esta pergunta em seu livro A Riqueza das Nações (1776). Ele concluiu que: "Não há personagens mais incompatíveis do que o comerciante e o soberano", uma vez que as pessoas são mais esbanjadoras e imprevidentes com a riqueza dos outros do que com a riqueza própria.

Ele acreditava que a propriedade e a gerência estatais eram negligentes e dispendiosas porque burocratas e funcionários públicos não possuem um interesse direto no resultado comercial de suas ações.

Análises comparativas dos custos do fornecimento privado e do fornecimento público de bens e serviços dão suporte à conclusão de que empresas privadas são mais eficazes — tanto em termos de custos quanto em termos de qualidade — do que empresas estatais. E evidências consideráveis sugerem que o custo estatal incorrido pelo fornecimento de uma determinada quantidade e qualidade de serviço é aproximadamente duas vezes maior do que o fornecimento privado. Este resultado ocorre com tamanha frequência, que acabou dando origem a uma regra empírica: "a regra burocrática do dois". Tudo custa duas vezes mais quando fornecido pelo estado.

A privatização da infraestrutura, no entanto, pode levar a um problema: como introduzir e manter a concorrência na área privatizada. Economistas neoclássicos argumentam que projetos de infraestrutura possuem a característica do monopólio natural, de modo que a privatização destes setores traria um problema de falta de concorrência. Já economistas austríacos são desconfiados da própria tese de que existe de fato algo chamado monopólio natural

É claro que todos os economistas liberais defendem que a iniciativa privada possa construir e gerir serviços de infraestrutura; porém, infelizmente, tal realidade nem sempre é exequível. Afinal, dado que a infraestrutura já existe e foi majoritariamente construída pelo estado, seria desarrazoado imaginar que empresas privadas poderiam, em pé de igualdade, construir sua própria infraestrutura para concorrer em condições de igualdade com o estado. Dado que rodovias, portos, aeroportos, metrô, linhas de transmissão e sistemas de fornecimento e distribuição de água já existem, não faz sentido imaginar empresas privadas construindo sistemas paralelos para concorrer com o estado. O custo de se abrir uma nova estrada, um novo aeroporto, um novo porto ou um novo sistema de fornecimento e distribuição de água para concorrer com um já existente seria absolutamente proibitivo. 

(É claro que tal alternativa não pode jamais ser proibida. Sempre que uma empresa privada quiser construir seu próprio porto, seu próprio aeroporto, sua própria estrada, seu próprio metrô, seu próprio sistema de distribuição de água etc. ela deve ser perfeitamente livre para tal — e, neste caso, também deve ser perfeitamente livre para cobrar os preços que quiser).

Sendo assim, seria mais prático e realista concentrarmo-nos em como melhorar a infraestrutura já existente. E isso envolve retirar do estado e entregar ao setor privado a gerência destes serviços. Só que, neste cenário, mesmo que não haja nenhuma barreira artificial à concorrência, é muito provável que a empresa privada para a qual o serviço for entregue não terá concorrência, pois, por uma questão de economias de escala, uma única empresa pode fornecer serviços de infraestrutura de forma mais barata do que várias empresas (múltiplos portos, aeroportos, rodovias, pontes, metrôs e sistema de fornecimento e distribuição de água na "mesma" localidade não são economicamente viáveis).

Os oponentes da infraestrutura fornecida pelo setor privado são rápidos em apontar justamente para este fantasma do monopólio natural, utilizando-o para justificar a necessidade de que apenas o estado esteja neste setor.

Felizmente, há uma maneira de solucionar este impasse. Há uma maneira de contornar a questão do monopólio natural e introduzir concorrência no fornecimento privado de serviços de infraestrutura.

E tal maneira envolve um sistema de licitação competitiva no qual uma empresa privada irá adquirir a concessão de uma determinada infraestrutura. Embora a concorrência prática dentro de um mercado possa ser impossível, os benefícios gerados pela concorrência naquele mercado podem ser alcançáveis.

Enquanto houver um vigoroso processo de licitação pela concessão de uma infraestrutura, o melhor dos dois mundos será possível: não haverá desperdício de recursos com a duplicação de estruturas (algo que seria supérfluo e desnecessário) e os preços cobrados serão competitivos. Em teoria, tal sistema pode garantir que os incentivos benéficos normalmente associados à gerência privada de uma empresa (por exemplo, o fato de que proprietários privados terão interesse em controlar custos e aprimorar a eficiência como forma de maximizar seus lucros) estarão presentes.

Como funciona?

O segredo para um processo de licitação competitiva é o seguinte: a licitação para a concessão de um serviço de infraestrutura não deve ser em termos de uma soma de dinheiro a ser paga pelo direito de explora a concessão, mas sim termos dos preços que o vencedor da concessão irá cobrar e dos serviços que irá ofertar ao público em troca do privilégio de ser o ofertante exclusivo.

Se a concessão fosse meramente entregue ao licitante que ofertasse o maior preço por esse direito exclusivo, a própria concorrência entre as empresas iria jogar o valor dos lances no leilão para uma soma igual ao valor presente dos lucros futuros esperados para este mercado. E, vale lembrar, os lucros futuros esperados seriam lucros de monopólio.

Tal processo de licitação iria apenas transferir os lucros monopolistas do vencedor da concessão para o governo. E, no final, os consumidores ainda pagariam preços monopolistas pelos serviços.

Em vez disso, um leilão deve ser feito de maneira que a concessão seja entregue ao licitante que prometer a melhor combinação entre preço e qualidade para os consumidores. Neste caso, a concorrência iria derrubar os preços cobrados pelos serviços. Para cada nível de qualidade exigido haveria um preço. E este seria sempre o menor possível.

No entanto, a teoria nem sempre vira realidade. Com efeito, vários estudiosos do assunto já manifestaram suas ressalvas quanto a este processo de licitação. Uma das preocupações está relacionada ao próprio formato do processo.

Selecionar um vencedor (isto é, determinar uma estrutura ótima de preços e de combinação de serviços) pode ser algo extremamente complexo e subjetivo, e não há nenhuma garantia de que o processo de licitação será realmente competitivo. Por exemplo, quando um prazo de concessão estiver próximo do fim, outras empresas podem se mostrar relutantes a participar do novo processo de licitação se a concessionária atual também estiver participando do leilão, pois esta certamente estará mais bem informada do que suas rivais quanto aos verdadeiros custos e à real demanda do mercado.

Outra preocupação está relacionada ao comportamento do vencedor da concessão durante a vigência de seu contrato. Se o contrato for para um prazo razoavelmente longo, será necessário que haja alguma fórmula que permita alterações nas tarifas cobradas à medida que o custo, a demanda e a tecnologia mudem ao longo do tempo — em última instância, renegociações de tarifa devem ser permitidas.

O arranjo em que há uma fórmula é preferível; porém, se ele for impraticável e optar-se pela renegociação, então sugere-se que uma empresa privada — uma empresa de auditoria e contabilidade, por exemplo — seja escolhida para auditar a concessionária e confirmar se os termos do contrato estão sendo observados. A escolha desta empresa de auditoria também pode ocorrer por meio do mesmo processo de licitação: aquela que ofertar o menor preço pelo serviço de auditoria, ganha. E, desnecessário dizer, tal empresa terá todo o interesse em ser imparcial: afinal, trata-se de uma empresa privada que opera no mercado, e zelar por sua reputação é extremamente importante.

Outros problemas podem surgir à medida que o fim do contrato vai se aproximando e a atual concessionária não tiver interesse em participar do novo processo de licitação: sendo assim, ela poderá reduzir suas operações de manutenção e deixar de investir em novos ativos, deixando para a próxima empresa a tarefa de lidar com os problemas resultantes.

Todos estes problemas são importantes, mas não são insolúveis. As variáveis realmente cruciais são o grau de complexidade tecnológica e a rapidez em que ocorrem mudanças tecnológicas nos setores concessionados. Selecionar um licitante pode ser difícil em uma área em que a tecnologia criou incontáveis opções de serviços potenciais. Já em uma área em que é possível especificar um limitado número de serviços, bem como seu padrão, selecionar uma concessionária por meio do processo de licitação aqui defendido não traz dificuldade alguma.

E naqueles setores em que o ritmo das mudanças tecnológicas não é muito rápido, é fácil concordar com algum tipo de fórmula que governe alterações nas tarifas, de modo que uma renegociação dos termos do contrato durante a vigência do contrato nunca seja necessária.

Conclusão

Este arranjo que envolve licitação competitiva, especificação antecipada de preços e de tipo de serviço ofertado, e auditoria privada em caso de renegociação de contrato é capaz de gerar o melhor dos dois mundos: a empresa vencedora da licitação poderá explorar todas as possíveis economias de escala na oferta de seus serviços ao mesmo tempo em que os preços cobrados, que foram determinados em um processo concorrencial, serão os menores possíveis. Isso impede que a empresa vencedora da concessão utilize sua posição privilegiada para cobrar preços abusivos e ofertar serviços ruins. Mais ainda: o arranjo faz com que as empresas tenham de controlar seus custos eficientemente caso queiram maximizar seus lucros.

Para criar incentivos adicionais para que os detentores das concessões aprimorem continuamente a qualidade dos serviços, os contratos podem estipular que a concessionária faça uma espécie de depósito-caução, o qual seria dado à agência de auditoria caso a concessionária violasse os termos da concessão.

Uma vez em prática, a concessionária teria todos os incentivos para agressivamente cortar seus custos e adotar novas tecnologias, pois cada centavo economizado representa um centavo de lucro. Se os proprietários da empresa não atentarem para o controle de custos, os lucros da empresa cairão, o valor de suas ações despencará e a empresa passará a ser o alvo favorito de uma aquisição por outros proprietários mais bem capacitados e ansiosos para auferir os ganhos resultantes de uma troca de gerência.

São várias as nações do globo que enfrentam problemas dantescos de infraestrutura. Para solucioná-los, métodos testados e aprovados de oferta privada destes serviços devem ser adotados. Serviços de infraestrutura ofertados por franquias privadas, quando corretamente especificados e auditados, são a chave para a melhoria deste setor. E o que é melhor: a um preço baixo e sem grandes pirotecnias.

Por: Steve Hanke é professor de Economia Aplicada e co-diretor do Institute for Applied Economics, Global Health, and the Study of Business Enterprise da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, EUA. O Professor Hanke também é membro sênior do Cato Institute em Washington, D.C.; professor eminente da Universitas Pelita Harapan em Jacarta, Indonésia; conselheiro sênior do Instituto Internacional de Pesquisa Monetária da Universidade da China, em Pequim; conselheiro especial do Center for Financial Stability, de Nova York; membro do Comitê Consultivo Internacional do Banco Central do Kuwait; membro do Conselho Consultivo Financeiro dos Emirados Árabes Unidos; e articulista da Revista Globe Asia.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

QUEDA À VISTA

Queda à vista: 10 gurus do mercado que esperam por um "crash" na bolsa - InfoMoney 

Veja mais em: http://www.infomoney.com.br/mercados/acoes-e-indices/noticia/2816087/queda-vista-gurus-mercado-que-esperam-por-crash-bolsa

QUANDO SONHADORES DEPREDAM ÔNIBUS

Assim como a imprensa criou o Maio 68, alguns jornalistas com pretensões de moderninhos parecem querer criar um Junho 2013. Em seu blog, Marcelo Tas compara o vandalismo de um punhado de filhinhos do papai a serviço do PT em São Paulo aos protestos da praça Taksim em Istambul. “Não sou a favor do vandalismo. Nem da demonização da Polícia Militar. Sou a favor de algo delicado demais para esses tempos ruidosos: dos sonhos”.

Sonhos? Que sonhos? Os manifestantes empunham uma bandeira utópica que em lugar nenhum do mundo ousou ser hasteada, o transporte público gratuito. Pelo jeito ainda não descobriram que não existe almoço grátis. Transporte público gratuito é sinônimo de transporte subsidiado pelo contribuinte. Porque Estado não subsidia coisa alguma. Mas em algo o jornalista tem razão:

- O que vejo nas manifestações em São Paulo não é simplesmente uma revolta por 20 centavos a mais no preço da passagem dos ônibus, como muitos tentam vender os fatos. Assim como não vejo em Istambul uma revolta pela construção de um shopping numa pracinha no centro da cidade.

De fato, o que está em jogo não são 20 centavos. E os rebeldes de São Paulo não são exatamente rebeldes sem causa. Estão em jogo as eleições do ano que vem. As manifestações violentas dos últimos dias – que prometem se repetir hoje – têm um só objetivo, desgastar o governo de Alckmin. Não imagine o leitor que tenho alguma simpatia por tucanos. Apenas constato. Tas alega que desgasta também a prefeitura do PT.

- Também vejo, e quero muito acreditar nisso, que não há uma tendência partidária nas manifestações. Afinal, em São Paulo, o prefeito petista está alinhado com o governador tucano na mesma posição.

Nada mais falacioso. Na verdade, só beneficia o atual prefeito. Haddad apela a Dona Dilma – como já apelou - e, se esta se digna a soltar algum lastro, ele se transforma no prefeito que foi sensível aos apelos populares. O PT põe o bode na sala e pede aplausos quando o retira.

Tem razão também o jornalista que a revolta de Istambul não é contra a construção de um shopping numa pracinha no centro da cidade. Não é preciso estar lá para saber disso. O movimento já se estendeu a outras cidades da Turquia, onde ninguém está construindo shoppings no centro da cidade. As manifestações, pelo que se lê, são contra a islamização crescente do governo de Recip Erdogan. No fundo, um desejo de ocidentalização de uma Turquia que se candidata a membro da União Européia, mas não larga o osso do Islã.

Se há uma preocupação pertinente na revolta na Turquia, o vandalismo em São Paulo não passa de uma reles manobra eleitoreira. Pelo que se sabe, os incêndios e depredações estão sendo patrocinados por uma ONG que mama nas tetas do Estado.

Em meio a isso, Luís Nassif reproduz em seu blog o manifesto de um tal de André Pedro Borges, que só vê candura e sonhos no vandalismo dos paus mandados do PT:

- Enquanto isso a molecada, no seu saudável inconformismo, vai para as ruas defender – FUNDAMENTALMENTE – o seu direito de sonhar com um mundo diferente. Um mundo onde o ensino, os trens e os ônibus sejam de qualidade e gratuitos para quem deles precisa. Onde os cidadãos tenham autonomia de decidir sobre o que devem e o que não devem fumar ou beber. Onde os índios possam nos mostrar que existem outros modos de vida possíveis nesse planeta, fora da lógica do agrobusiness e das safras recordes. Onde crenças e religião sejam assunto de foro íntimo, e não políticas de Estado. Onde cada um possa decidir livremente com quem prefere trepar, casar e compartilhar (ou não) a criação dos filhos. Onde o conceito de Democracia não se resuma à obrigação de digitar meia dúzia de números nas urnas eletrônicas a cada dois anos.

Se o quebra-quebra era originariamente contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus, de repente assume proporções que nem os baderneiros imaginavam: é o direito ao sonho. Transporte gratuito, droga livre (como se já não fosse), excelência de uma cultura onde até infanticídio é permissível, em oposição ao malvado agrobusiness – sem o qual o país morreria à míngua. Borges defende a livre eleição de parceiros, neste país onde homossexuais fazem a primeira página dos jornais. Como se o Brasil fosse uma teocracia islâmica, onde crianças são vendidas em casamento. O articulista até parece ter encontrado um sistema de democracia mais eficaz do que o voto universal, pena que não nos revela qual seja.

- Sempre vai haver quem prefira como modelo de estudante exemplar aquele sujeito valoroso que trabalha na firma das 8 da manhã às 6 da tarde - diz André Borges -, pega sem reclamar o metrô lotado, encara mais quatro horas de aulas meia-boca numa sala cheia de alunos sonolentos em busca de um canudo de papel, volta para casa dos pais tarde da noite para jantar, dormir e sonhar com um cargo de gerente e um apartamento com varanda gourmet.

Engana-se o Borges. Quem trabalha e ganha honestamente seu pão está fora de moda. Jamais vai ganhar a primeira página dos jornais, nem entrevistas privilegiadas. Só tem direito a voz, nestes dias que correm, quem quebra vitrines, depreda bancos e queima ônibus. 

- Não é meu caso - prossegue o arauto da violência -. Não tenho nem sombra de dúvida de que prefiro esses inconformados que atrapalham o trânsito e jogam pedra na polícia. Ainda que eles nos pareçam filhinhos-de-papai, ingênuos em seus sonhos, utópicos em suas propostas, politicamente manobráveis em suas reivindicações, irresponsavelmente seduzidos pelos provocadores de sempre. Desde a Antiguidade, esses jovens ingênuos e irresponsáveis são o sal da terra, a luz do sol que impede que a humanidade apodreça no bolor da mediocridade, na inércia do conformismo, na falta de sentido do consumismo ostentatório, nas milenares pilantragens travestidas de iluminação espiritual.

Atenção! Teoria nova na mídia. Os responsáveis pelos avanços da humanidade já não são os cientistas, os estadistas, os professores, os inventores, os descobridores. Mas os vândalos, que com suas ações fertilizam a terra e iluminam a humanidade.

No fundo, o sonho por um mundo diferente, no dizer dos defensores de quebra-quebras. Talvez o país da Cocagne, aquela pátria imaginária longe da fome e das guerras, onde as frutas caíam das árvores nas bocas de seus habitantes, onde imperava o lazer e a preguiça e onde o trabalho era proibido. De repente, uma reedição de Maio 68, que adotou como slogan uma frase de Che Guevara: “seamos realistas, pidamos lo imposible”. O impossível do Che aí está, uma ilha faminta e dominada pela mais longa ditadura do século passado.

Sonho paradoxal este, onde em nome do passe livre queimam-se meios de transporte. Como já se convencionou chamar de primavera qualquer protesto de massas, é de espantar que nenhum jornalista ainda não tenha ousado falar em primavera paulistana. O leitor não perde por esperar.

O dia promete hoje na Paulicéia. Além da baderna, há greve geral de transportes. O saldo global será evidentemente creditado aos militantes do sonho.

Por: Janer Cristaldo

TINHA DE ACONTECER

Vendo o sucesso mundial do comunismo sem rosto, não cabe perguntar “Como isso aconteceu?” e sim “Como poderia não ter acontecido?”

A maior, a mais profunda e aparentemente a mais irrevogável conseqüência da dissolução do Império Soviético foi esta: como agora o comunismo não existe mais, qualquer um está livre para defender as mesmas políticas que os comunistas defendiam, impor os mesmos controles sociais que os comunistas impunham, atacar e denegrir as mesmas pessoas e valores que os comunistas atacavam e denegriam, cultuar e enaltecer os mesmos ídolos que os comunistas cultuavam e enalteciam, tudo isso sem jamais poder ser chamado de comunista.

Os comunistas, é claro, sempre gostaram de camuflar-se, de agir sob mil máscaras irreconhecíveis. Mas agora já não precisam disso: são os seus inimigos que os camuflam, que os escondem, por medo, por terror pânico de parecer saudosistas da Guerra Fria ou "extremistas de direita" (sabendo-se que hoje em dia tudo o que esteja à direita do centro-esquerda é extremismo).

Em vez de um comunismo que não ousa dizer seu nome, temos agora um comunismo do qual os adversários não ousam dizer o nome. Tão intenso é entre liberais e conservadores o temor de pronunciar a palavra proibida, que qualquer semi-analfabeto de plantão numa cátedra universitária, com um retrato de Che Guevara na camiseta e o livrinho dos pensamentos do presidente Mao no bolso, estourando de orgulho por ter ajudado a matar cem milhões de pessoas, pode se alardear comunista no horário nobre e em cadeia nacional, seguro de que todo mundo verá nisso nada mais que um modo de dizer, uma graciosa hipérbole usada pour épater le bourgeois por um bom menino que, no fundo do seu coraçãozinho, não é comunista de maneira alguma (exemplo: http://www.cdc.ufop.br/).

Foi assim que, sob a proteção de uma densa e bem articulada rede de proibições lingüisticas e inibições mentais, o movimento comunista chegou a dominar quase todo o cenário político latino-americano, a controlar todos os países da Europa Ocidental por meio de um grupo de burocratas jamais eleitos, a retomar o poder em várias nações recém-egressas do comunismo e até a colocar um dos seus mais devotos servidores na presidência dos EUA, enquanto todos os que viam isso acontecer temiam que, se dissessem que estava acontecendo, soariam tão antiquados quanto um deputado da UDN, tão malvados quanto um torturador fascista ou tão loucos quanto o mais inventivo “teórico da conspiração”.

Como foi possível que transformação tão vasta, tão rápida e – em aparência – tão paradoxal viesse a suceder? Como foi possível que, à queda fragorosa de um regime falido e reconhecidamente criminoso se seguisse, não o debilitamento ou extinção da corrente política que por toda parte o sustentava, mas sim, ao contrário, a sua ascensão espetacular à posição de ideologia mundial dominante e, graças à proibição de nomeá-la, inatacável?

Só faço essa pergunta por caridade para com a burrice alheia, para com a indolência mental e a covardia moral daqueles que hoje, somente hoje, começam a suspeitar de algo que já estava óbvio e patente nos primeiros anos da década de 1990. Óbvio e patente, é claro, para quem observa, estuda, investiga e busca a verdade no meio da confusão; não para aqueles que se sentem tranqüilos e seguros de si porque assistiram ao Jornal Nacional ou leram a Folha de S. Paulo.

Hoje, aos 66 anos de idade, faltando apenas dois para completar meio século de jornalismo, estou definitivamente persuadido de que qualquer cidadão que tenha sua principal ou única fonte de informações na mídia popular – chamada “grande”, talvez, só pela dimensão das suas dívidas ou das suas negociatas com o governo --, é um bocó de mola incurável, um cretino desprezível cuja opinião não vale o bafo que a expele.

Vendo o sucesso mundial do comunismo sem rosto, não cabe perguntar “Como isso aconteceu?” e sim “Como poderia não ter acontecido?” Imaginem se, finda a II Guerra, derrubado o governo do Führer, ninguém movesse uma palha para punir os crimes do regime extinto e expor ao mundo o horror da ideologia que os produzira, mas, ao contrário, todo mundo tratasse de silenciar a respeito “para não reabrir velhas feridas” e deixasse os altos funcionários nazistas nos seus lugares, enriquecidos pelo rateio dos bens do Estado e livres para circular pelo mundo como honestos e bem-vindos investidores? Quem não vê que em dez anos o nazismo estaria de volta sob outro nome, talvez até com o mesmo?

“Poderíamos ter vencido o comunismo em 1991”, disse Vladimir Bukovski, “mas para isso precisaríamos de um novo Tribunal de Nuremberg”.

Não houve tribunal nenhum.

Mutatis mutandis, de que serviu abortar em 1964 o golpe comunista que se preparava no Brasil, se em seguida o novo regime, em vez de educar a população contra o comunismo, preferiu se embelezar com as pompas da “neutralidade ideológica” e do “pragmatismo” e só combater os comunistas seletivamente e na sombra, como que envergonhado de antemão pelos crimes que essa escolha imbecil o levaria quase que inevitavelmente a cometer? Pior ainda, de que adiantou bloquear o avanço dos comunistas se em seu lugar se instalou no governo um autoritarismo tão centralizador quanto o deles, substituindo a elite iluminada vermelha por uma elite iluminada verde-oliva, tão ciumenta das suas prerrogativas ao ponto de excluir da política os líderes conservadores mais populares, preenchendo os seus espaços com os mais medíocres e subservientes, para os quais o posto de meros carimbadores de decretos era até uma honra insigne?

Como seria possível, aqui e no resto do mundo, que o que aconteceu não acontecesse? Por:Olavo de Carvalho   Publicado no Diário do Comércio.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

O COLUNISTA APODRECE

Nos últimos meses, sucessão de minicatástrofes mostra que a idade física está a aproximar-se da mental

Pedra no rim não é para qualquer um. Eu sei porque dei à luz uma. "Dar à luz": nunca uma expressão foi tão apropriada. Passei dois dias no hospital em maio e, de regresso à casa, não houve familiar ou amigo que não tivesse disparado o clichê: "Isso só é comparável à dor de parto".

Errado, irmãos. Com uma boa epidural, eu poderia dar à luz uma pedra do rim todas as semanas. A minha admiração sincera só está com as antigas mulheres que despachavam o serviço sem anestesia. Como foi possível, meu Deus? Como foi possível que incontáveis mulheres se tenham submetido a uma dor lancinante só para que a nossa espécie crescesse e se multiplicasse?

De bom grado entregaria a minha pedra, hoje em frasco de vidro, para que sobre ela se edificasse um monumento às parideiras desconhecidas. Se dar à luz dependesse dos homens, a história da civilização não teria passado do Paleolítico.

Estou curado. Do rim. Não estou curado do resto. Acabo de fazer 37 anos e, nos últimos meses, uma sucessão de minicatástrofes mostra que a idade física está a aproximar-se da mental. Biologicamente, são 37; mas é preciso inverter a ordem dos números para ter um retrato do artista quando "jovem".

Tudo começou com um almoço de domingo e um dente que não deveria estar no prato. De quem era aquele dente, perguntei, pronto para fazer piada com a cozinheira desdentada.

Os restantes comensais olharam para mim horrorizados e uma das crianças, chorando de medo, apontou para um buraco na minha boca.

Mas não são apenas os dentes que quebram e me abandonam. O cabelo também está a fazer as malas. Se fosse um dramaturgo, já teria escrito uma peça a respeito. Imagino a cena: o cabelo, deitado na cama e ligado a uma máquina, murmurando para mim. "Por favor, João, eu sei que sou importante na tua vida. Mas tens que me deixar ir."

E eu, agarrando na mão do meu amigo, implorando para que ele fique mais um pouco. "Só até os 40, rapaz, só até os 40!"

Não há 40 para ninguém. Pelo menos, sem alterar hábitos de vida. Entreguei os testes médicos ao especialista. Ele olhou para os testes. Depois para mim. Depois para os testes. Depois para mim. "Tem a certeza de que esses testes são seus?", perguntou o desgraçado.

Sentença: anos de excessos, anos de inatividade ""e a fatura chegou. É preciso comer melhor e, sobretudo, fazer exercício físico diário.

Obedeci. A partir de agora, usarei duas gotas de uísque Laphroaig apenas como perfume. E, sobre o exercício, perguntei na academia se existia um desporto leve, só para início de conversa. "Hidroginástica", disse-me a moça, com um inconfundível esgar de piedade.

Experimentei. Gostei. Tenho uma piscina enorme e mais de 30 mulheres só para mim. Todas elas poderiam ser minhas avós, mas isso nunca foi um problema para quem sempre apreciou mulheres maduras.

O ambiente é descontraído e graças a elas já conheço as melhores lojas ortopédicas de Lisboa, que me salvaram recentemente depois de mais um lamentável acidente doméstico.

Aconteceu minutos depois de despertar, quando me entreguei a tarefas radicais que não tenciono repetir tão cedo ""no caso, subir a persiana do quarto. Um estalido nas costas transformou-me de imediato em estátua e foram precisas doses equinas de analgésicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares para que voltasse a caminhar sem colete cervical.

Sou um homem novo, disposto a cuidar melhor da minha carcaça. E, hipocondríaco confesso, tentei saber tudo sobre a história da família para fazer exames preventivos. Foi assim que a palavra "colonoscopia" passou a fazer parte do meu dicionário.

Avancei para ela sem medo, embora gostasse de lavrar aqui o meu protesto: por que motivo as batas hospitalares para doentes continuam a tapar tudo na frente e a deixar generosas frestas na retaguarda?

Não que isso seja motivo para embaraços, claro, exceto se formos reconhecidos por alguns pacientes que também esperam a sua vez em traje igual. "Gosto muito de o ler", disse-me um. "É mais magro ao vivo que na TV", disse-me outra.

Agradeci, encostando-me ainda mais à parede. E quando finalmente chamaram pelo meu nome, fiz uma vênia de maestro e depois fui recuando, recuando, recuando, até desaparecer pela porta do bloco.

Nunca devemos virar as costas aos nossos fãs. Por: João Pereira Coutinho Folha de SP