quinta-feira, 25 de julho de 2013

O FIM DE UMA ERA

Estamos vivendo o final de uma era. Vários fatores, externos e internos, se conjugam para isso. Vejamos os mais relevantes:


1) Fim do crescimento acelerado da China: como todos nós sabemos, a China passa por um delicado rebalanceamento de sua economia, onde a nova liderança política pretende reduzir o peso do investimento como fator líder do crescimento, em benefício da elevação do consumo. Este é relativamente baixo, pois é estimado como sendo da ordem de 35% do PIB. Existem outros aspectos importantes desta política, como um esforço para elevar o conteúdo tecnológico das exportações, mas o fato é que o melhor resultado que se pode esperar para este ano é um crescimento de 7,5%. Olhando mais adiante, o PIB irá se expandir a uma taxa ainda inferior a essa. Mesmo ressalvando que a demanda de alimentos e de petróleo continuará a crescer de forma rápida, os ganhos de renda via preços de exportação de commodities serão menores, afetando negativamente o Brasil.

2) Fim do período de juros internacionais muito baixos: como todos sabem, o Banco Central americano vem sinalizando uma suave reversão da política monetária expansionista. Com isso, o juro de mercado dos papéis longos já subiu algo como 600 pontos. Este movimento e a volta do crescimento mais robusto em 2014 estão levando a uma valorização da moeda americana e a uma alteração nos fluxos de capitais na direção daquele país. Assim, o custo de capital para o Brasil tende a se elevar. Também nossa política comercial externa mostrará mais uma de suas fragilidades, qual seja, o fato de ter abandonado há dez anos qualquer esforço para elevar a penetração de produtos brasileiros no maior mercado do mundo, algo que é parte da explicação de porque nossas exportações estão enfraquecendo rapidamente.

3) Fim do crescimento rápido da nossa demanda interna: como se sabe, a partir de 2010 a demanda das famílias começou a enfraquecer, o que hoje é visível a olho nu. Não se repetirão mais a velocidade da inclusão de novas famílias no mercado de consumo (não existem outros 13 milhões de domicílios que possam receber o Bolsa Família), a bancarização acelerada de novos clientes e a existência de baixos níveis de endividamento. Ao contrário, o elevado comprometimento de renda com prestações é hoje uma limitação à expansão rápida do consumo. É por isso que todos os esforços governamentais para bombar a demanda têm tido resultados pífios.

4) Fim da folga fiscal: a arrecadação vai se elevar muito mais lentamente, tornando mais difícil financiar novos gastos, elevações reais do salário mínimo e novas concessões de benefícios fiscais.

5) Fim do período de crescimento rápido do PIB: no período 2011 / 2013, o crescimento do PIB será inferior a 2%. Isso não acontece por acaso. Já se discutiu à exaustão que ou as condições de oferta melhoram e, junto com elas, nossa competitividade, ou uma boa parte do modesto crescimento da demanda vai vazar para o exterior, na forma de maior importação. Pelo menos dois fatores estão se transformando num obstáculo intransponível para se atingir crescimento mais robusto. Falo aqui do custo total da mão de obra e da carga tributária. O custo do trabalho não para de aumentar (salários, encargos e outros dispêndios) e não tem qualquer ligação mais sistemática com a elevação da produtividade. E este é um processo ainda em curso, pois, como já mostrou José Pastore, a legislação trabalhista não para de criar novos gastos por todos os tipos de razão, e isto sem considerar a nova pauta sindical, onde se inclui a demanda da semana de 40 horas de trabalho, que será discutida neste semestre.

Simultaneamente, a complexidade de nossos tributos está atingindo limites insuportáveis para as companhias. Não se trata apenas do tamanho da carga, mas da insanidade da mudança cotidiana de regras dos mais diversos tipos de impostos (PIS/Cofins e ICMS, especialmente). Se estes dois fatores não forem adequadamente encaminhados, nossos custos de produção jamais se tornarão de novo minimamente competitivos. Ao mesmo tempo, é sonho imaginar que uma megadesvalorização cambial magicamente resolve esses problemas, sem ser dissipada por uma forte inflação.

6) Fim do novo experimento de campeões nacionais: este fenômeno já vinha se delineando desde o colapso dos grupos Independência e Bertin, do caso LBR e outras dificuldades. Entretanto, a derrocada do Grupo X ilustra o ponto de forma definitiva. Embora o ajuste ainda não tenha terminado, é certo que o conglomerado das seis empresas não existirá mais como tal. A empresa de energia (MPX) terá outro controlador, os dois portos, que são bons ativos, deverão ter continuidade com outra organização empresarial. É nebuloso o futuro dos ativos ligados ao petróleo.

Mesmo no melhor cenário, as perdas resultantes deste processo serão muito expressivas. Por exemplo, se tomarmos o preço das ações das seis empresas abertas, nas datas das respectivas operações, e colocarmos os valores em dólar e compararmos com os preços do último dia onze, chegaremos a uma perda do mercado da ordem de US$ 12 bilhões. A OGX e a OSX tinham colocado no mercado externo bônus da ordem de US$ 4,1 bilhões, sendo que o mais líquido deles está hoje sendo negociado a 16 centavos por dólar. Muitas dívidas bancárias estão sendo renegociadas, processo que está longe de seu final. Entretanto, é certo que o volume de provisão que o sistema terá de fazer será considerável. É fácil antever que o mercado de crédito ficará ainda mais seletivo. Outros credores e fornecedores também estão sendo afetados.

A forte deterioração das expectativas e o desarranjo político atual tem, em parte, a ver com a percepção dessas tendências.

Estamos realmente no final de uma era, especialmente de uma era onde o marketing é mais importante que os fatos, onde o discurso é que estamos a um passo do paraíso, enfim, do nunca antes neste País. Vai ser preciso trabalhar muito para voltar a crescer. 
Por: José Roberto Mendonça de Barros O Estado de S. Paulo

A "TERCEIRA VIA"É ESCRAVIDÃO DISFARÇADA


Políticos ao redor do mundo, praticamente sem exceção, vivem parolando sobre as supostas glórias da "terceira via", isto é, a adoção de um modelo econômico que não seja nem capitalismo nem socialismo, mas sim uma mistura daquilo que "ambos os sistemas têm de melhor". A moda é antiga, mas ganhou especial vigor na década de 1990 nos EUA, na Grã-Bretanha e na Alemanha, com as respectivas eleições de Bill Clinton, Tony Blair e Gerhard Schröder. Desde então, a defesa de tal sistema só se revigora a cada ano, não obstante seus retumbantes fracassos.

O principal objetivo da terceira via é combinar a eficiência econômica do capitalismo com a "justiça social" do socialismo — o que significa a imposição de maiores impostos, mais assistencialismo e regulamentações opressivas. Em suma, a terceira via é apenas um nome mais pomposo e populista para a manutenção do status quo.

Ludwig von Mises, ainda em 1921, já havia acabado com essa noção de que você pode combinar o "melhor" do socialismo e do capitalismo. Não existe isso de "o melhor" do socialismo, escreveu ele, pois mesmo a menor quantidade de socialismo distorce o funcionamento de uma sociedade livre.

E, de fato, nem é preciso fazer aqui uma explicação mais elaborada dessa tese para que se entenda por que tal afirmação é verdadeira. Todas as coisas que nos enfurecem em nosso dia a dia — utilizar os Correios, encontrar boas escolas públicas, trafegar nas ruas estatais congestionadas, utilizar a saúde pública, ir a uma repartição qualquer — são, em sua totalidade, operações governamentais. Já os setores da economia que estão, de um modo geral, livres de amarras governamentais — a indústria tecnológica, o comércio via internet e o setor de serviços (aqueles que não são pesadamente regulamentados pelo governo) — funcionam como deveriam.

Economias de mercado prósperas e capitalizadas conseguem aguentar o fardo imposto pelas políticas da "terceira via" com bem mais vigor do que as economias menos desenvolvidas. Por exemplo, a "terceira via" adotada pelas antigas repúblicas socialistas do Leste Europeu destruiu uma década de tentativas de reforma após 1989. E, ainda hoje, a pesada regulação estatal continua aprisionando enormes segmentos da população da América Latina, da África e do Oriente Médio na pobreza.

Amartya Sen, que ganhou o Prêmio Nobel de economia em 1998, é considerado o guru do pensamento da "terceira via". Diz-se que ele colocou uma "face mais humana" na ciência econômica ao introduzir uma "dimensão ética" e uma "preocupação com os pobres" em seus ensaios. Entretanto, a verdade é que essa "ética" e essa "preocupação" nada têm a ver com o quanto ele pessoalmente contribui para causas caritativas. Tais termos são simplesmente códigos para sinalizar que ele defende a medicina socializada, o agigantamento do assistencialismo e um grande papel do governo em planejar a economia.

O fato é que todos nós devemos ficar bastante atentos a propostas de "uma face mais humana" para a economia. Por algum motivo, essa face invariavelmente se traduz na munheca cerrada do estado. É por isso que Sen escreveu que a prosperidade das nações ocidentais "não é o resultado de nenhuma garantia fornecida pelo mercado ou pela busca por lucros, mas sim devido à assistência social que o estado ofertou". É interessante, no entanto, constatar que os soviéticos nunca foram capazes de gerar prosperidade por meio de sua ampla rede de proteção social. Isso, Amartya não explica.

Ao ler toda a literatura defensora da "terceira via", a impressão que se tem é a de que o estado é formado por funcionários amorosos, cuidadosos e sábios, sempre em prontidão para confortar os angustiados e fornecer seguridade para os marginalizados. Com efeito, nenhum estado com essas características jamais existiu e jamais irá existir, por uma única razão: a característica única e inconfundível do estado é o seu uso da violência, e não a sua oferta de amor. O estado não possui recursos próprios; tudo o que ele adquire é por meio da agressão contra as pessoas e suas respectivas propriedades.

As regulamentações estatais são violentas, pois impedem — ao imporem condições sob pena de processo — que indivíduos façam contratos voluntários entre si. Os subsídios, na forma de dinheiro dado diretamente a determinados grupos, são violentos, pois transferem riqueza de um grupo para outro sem a permissão daqueles. A inflação monetária é uma forma sutil e insidiosa de roubo, pois subtrai poder de compra do dinheiro que o estado nos obriga a utilizar. E não irei mencionar aqui os impostos apenas para não ferir a decência.

Mises argumentava que a "terceira via" é instável porque as intervenções criam efeitos nocivos e imprevistos, os quais acabam clamando por mais intervenções apenas para serem corrigidos. O resultado é uma inexorável marcha rumo à economia planejada, a menos que alguns passos definitivos sejam dados com o intuito de retroceder o agigantamento do estado. Uma maneira de contornar esse problema, obviamente, é simplesmente assegurar aos cidadãos que os efeitos ruins do intervencionismo (por exemplo, um menor nível de investimentos) são compensados pelos supostos bons efeitos (toda uma classe de pessoas aliviadas do fardo de ter de trabalhar, por exemplo).

Porém, como podem os "custos sociais" e os "benefícios sociais" de várias políticas serem comparados uns aos outros? Se seguirmos a lógica ensinada pela Escola Austríaca de economia, isso é impossível. O valor de algo é o produto de cada mente humana individual. Os planejadores sociais não têm acesso a essa informação subjetiva simplesmente porque algo tão pessoal como 'valores' não pode ser colocado em equações e sofrer manipulações. É impossível existir algo como "custo social" ou "bem-estar social" em um sentido matemático; tais coisas simplesmente não podem ser computadas.

Adicionar e subtrair valores individuais, e com isso criar um índice de bem-estar geral, é uma impossibilidade — se levarmos a lógica a sério. Porém, no mundo de Amartya Sen, não se pode deixar que a lógica interfira na "face humana". Em suas teorias sobre custo social, ele defende a ideia de que as "utilidades interpessoais" podem ser comparadas. Afinal, se é para termos um estado amoroso e caridoso, temos então de ter alguns meios para compreender a vontade do povo.

Sen é mais desavergonhado e direto que a maioria de seus colegas, porém é fato que o vício de quase toda a ciência econômica moderna é essa presunção de que os economistas sabem melhor do que as próprias pessoas o que é bom para elas próprias e para toda a sociedade. Entretanto, se realmente quisermos que a vontade do povo prevaleça, nenhum sistema tem chances de gerar um resultado melhor do que a economia de mercado. Em um livre mercado, toda a produção, trabalho e consumo refletem as escolhas voluntárias de indivíduos que querem melhorar sua situação de vida. Em uma sociedade puramente voluntária, ninguém é forçado a fazer nada que seja contrário a seus objetivos finais individuais, desde que estes sejam buscados de forma pacífica.

Entender genuinamente esse ponto seria, aí sim, começar a pôr uma autentica face humana na ciência econômica. É o estado quem trata as pessoas como sendo menos do que humanas, como meros objetos a serem manipulados de acordo com a visão que terceiros têm sobre como a sociedade deve funcionar. A verdadeira dinâmica da "terceira via" não é o préstimo ou a compaixão: trata-se, ao contrário, da batalha cruel e selvagem pelo controle das alavancas do poder e da riqueza propiciada por elas. 

Não é coincidência alguma que, tão logo os políticos de qualquer ideologia chegam ao poder, a primeira coisa que eles fazem é falar que são favoráveis à terceira via.

Por: Lew Rockwell  presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State


Tradução de Leandro Roque

quarta-feira, 24 de julho de 2013

SOCIALISMO E RETROCESSO DA CIVILIZAÇÃO


Nas páginas 33—35 do meu livro Socialismo, cálculo econômico e função empresarial, faço uma análise do processo empreendedorial e explico como a divisão do conhecimento prático empreendedorial se aprofunda "verticalmente" e se expande "horizontalmente", processo esse que permite (e ao mesmo tempo requer) um aumento da população, que estimula a prosperidade e o bem-estar geral, e que ocasiona o progresso da civilização. Como indicado naquelas páginas, este processo de "verticalização" e "horizontalização" do conhecimento se baseia


1. na especialização da criatividade empreendedorial em campos cada vez mais específicos, com cada vez mais profundidade e detalhes;

2. no reconhecimento dos direitos de propriedade do empreendedor criativo, o que significa que ele tem o direito de manter para si os frutos de sua atividade criativa em cada uma destas áreas;

3. na troca livre e voluntária destes frutos gerados pela especialização de cada ser humano, uma troca que sempre será mutuamente benéfica para todos aqueles que participam do processo de mercado; e

4. no crescimento contínuo da população humana, o que torna possível "ocupar" e cultivar empreendedorialmente um crescente número de novas áreas de conhecimento criativo empreendedorial, o que enriquece a todos.

De acordo com esta análise, qualquer coisa que garanta a propriedade privada daquilo que cada indivíduo cria e contribui para o processo de produção, que defenda a posse pacífica daquilo que cada indivíduo cria ou descobre, e que facilite (ou não impeça) o processo de trocas voluntárias (os quais, por definição, sempre são mutuamente satisfatórios no sentido de que representam uma melhoria da situação de cada pessoa) irá gerar prosperidade, aumentar a população, e aprofundar o avanço quantitativo e qualitativo da civilização.

Da mesma forma, qualquer ataque à posse pacífica de bens e aos direitos de propriedade sobre estes bens; qualquer manipulação coerciva do livre processo de trocas voluntárias; em suma, qualquer intervenção estatal em uma economia de livre mercado sempre irá gerar efeitos indesejados, suprimir a iniciativa individual, corromper a moral e os hábitos de comportamento responsável, tornar o público imaturo, infantilizado e irresponsável, acelerar o declínio do tecido social, consumir a riqueza acumulada, e bloquear a expansão da população humana e o progresso da civilização, aumentando a pobreza geral.

Como ilustração, consideremos o processo de declínio e desaparecimento da clássica civilização romana. Embora suas características mais proeminentes possam ser facilmente extrapoladas para várias circunstâncias do nosso mundo contemporâneo, infelizmente a maioria das pessoas hoje já se esqueceu, ou ignora por completo, essa importante lição histórica; e, como resultado, elas são incapazes de ver os graves riscos que hoje nossa civilização enfrenta. Com efeito, como explico em detalhes em minhas aulas (e resumo em um vídeo gravado durante uma delas, sobre a queda do Império Romano [La Caída del Imperio Romano], o qual, para minha surpresa, já foi visto na internet por mais de 400 mil pessoas), e de acordo com estudos anteriores feitos por autores como Rostovtzeff (The Social and Economic History of the Roman Empire) e Mises (Ação Humana), "o que provocou a queda do império [romano] e a ruína de sua civilização não foram as invasões bárbaras, mas sim a desintegração dessa interdependência econômica".

Para ser mais exato, Roma foi vítima de um retrocesso na especialização e na divisão do processo comercial, uma vez que as autoridades políticas sistematicamente obstruíam ou impediam trocas voluntárias a preços de livre mercado. E faziam isso em meio a um aumento descontrolado nos subsídios, nos gastos públicos ("panem et circenses") e nos controles estatais sobre todos os preços de mercado. É fácil entender a lógica por trás destes eventos. 

Começando especialmente no século III, a compra de votos e de popularidade levou à disseminação da distribuição de subsídios para a população adquirir alimentos ("panem"). Tais subsídios eram financiados com dinheiro de impostos, política essa conhecida como "annona". Além destes subsídios, havia também uma contínua organização dos mais esbanjadores e opulentos jogos públicos para divertir a população ("circenses"). Em decorrência deste arranjo, não apenas os agricultores italianos ficaram arruinados, como também a população de Roma não parou de crescer até chegar a quase 1 milhão de habitantes. (Por que trabalhar exaustivamente em sua terra se os seus produtos não poderão ser vendidos a preços lucrativos, dado que o estado os distribui praticamente de graça em Roma?).

Sendo assim, a medida mais racional para os agricultores italianos seria deixar o campo e se mudar para a cidade e viver do assistencialismo. Mas tal política tem seus inevitáveis custos, e tais custos não poderiam ser cobertos eternamente pelo dinheiro de impostos. Consequentemente, a solução criada pelo governo para continuar sua política foi a inflação — mais especificamente, a redução do conteúdo metálico das moedas. A consequência foi inescapável: uma queda incontrolável no poder de compra do dinheiro, isto é, um aumento descontrolado dos preços, ao qual as autoridades responderam decretando que os preços fossem congelados aos seus valores anteriores, além de imporem sentenças extremamente rigorosas aos "infratores". 

A imposição deste controle de preços levou a desabastecimentos e a uma ampla escassez (uma vez que, aos baixos preços estipulados pelo governo, não mais era lucrativo produzir ou buscar soluções criativas para os problemas da escassez; ao mesmo tempo, o consumismo e o desperdício estavam sendo artificialmente estimulados). As cidades rapidamente começaram a ficar sem estoques, e a população começou a voltar para o campo e a viver em autarquia em condições muito mais penosas, em regime de mera subsistência, um regime que gerou as bases para o que mais tarde viria a ser o feudalismo.

Este processo de retrocesso da civilização (ou descivilização), o qual surgiu da ideologia demagógica socialista — típica do estado assistencialista e do intervencionismo estatal na economia —, pode ser ilustrada de uma maneira graficamente simples pela inversão da explicação do gráfico da página 34 do meu livro supracitado, Socialismo, cálculo econômico e função empresarial, no qual descrevo o processo por meio do qual a divisão do trabalho (ou melhor, a especialização do conhecimento) se aprofunda e consequentemente a civilização avança.

Comecemos pelo estágio representado pela linha superior do gráfico (T1), o qual reflete o nível avançado de desenvolvimento espontaneamente alcançado pelo processo de mercado romano no início do século I, o qual, como demonstrou o estudioso Peter Temin ("The Economy of the Early Roman Empire" Journal of Economic Perspectives, vol. 20, no. 1, winter 2006, pp. 133?151), era caracterizado por um notável grau de respeito legal e institucional pela propriedade privada (o direito romano), e pela especialização e difusão das trocas voluntárias em todos os setores e mercados (particularmente no mercado de trabalho, uma vez que, como Temin demonstrou, o efeito da escravidão foi muito mais modesto do que sempre se acreditou até hoje). Como resultado, a economia romana daquele período alcançou um nível de prosperidade, desenvolvimento econômico, urbanização e cultura que só voltaria a ser visto no mundo em meados do século XVIII.



As letras maiúsculas sob cada pessoa na figura acima indicam os fins a que cada indivíduo se dedica e se especializa. Ele então comercializa os frutos de sua criatividade e esforço empreendedorial (representados pela lâmpada que "acende") pelos frutos dos outros indivíduos, e todos se beneficiam dessa troca. No entanto, quando a intervenção estatal na economia aumenta (por exemplo, por meio de controle de preços), as trocas são obstruídas e diminuem, e as pessoas se descobrem no estágio representado pela linha do meio do gráfico. Elas são obrigadas a reduzir a amplitude de sua especialização, abandonando, por exemplo, os fins G e M e se concentrando apenas nos fins AB, CD e EF. Houve uma redução na divisão do trabalho e nas transações voluntárias, levando consequentemente a um menor grau de especialização, o que requer um maior número de cópias e reproduções, e um excesso de esforço. O resultado óbvio é uma queda na produção final de todo o processo social, e consequentemente um aumento na pobreza.

O ponto máximo do declínio econômico e da recessão ocorre no estágio mostrado na linha inferior do gráfico (T3). Neste estágio, em decorrência da crescente pressão intervencionista do estado, dos contínuos aumentos nos impostos, e das sufocantes regulamentações, as pessoas, com o único intuito de sobreviver (ainda que a um nível de pobreza até então inconcebível), são forçadas a abandonar quase que completamente a divisão do trabalho e os processos de transações voluntárias que constituem o mercado, a deixar as cidades e retornar ao campo para criar gado e cultivar seus próprios alimentos, fabricar seu próprio couro e construir suas próprias choupanas. Cada indivíduo irá desnecessariamente duplicar as atividades e os fins minimamente necessários para sobreviver (os quais foram marcados ABCD no gráfico). Logicamente, a produtividade irá sofrer uma acentuada queda, e todos os tipos de escassez surgirão, o que levará a uma redução da população em decorrência da falta de recursos. Neste ponto, o processo de desurbanização e descivilização estará completo.

Como Mises indicou,

A combinação de uma política de preços congelados com a deterioração da moeda provocou a completa paralisação tanto da produção quanto do comércio dos gêneros de primeira necessidade, e desintegrou a organização econômica da sociedade. ... Para não morrer de fome, as pessoas fugiam da cidade para o campo e tentavam produzir, para si mesmas, cereais, azeite, vinho e o de que mais necessitassem. ... As cidades, o comércio interno e externo, as manufaturas urbanas deixaram de exercer a sua função econômica. A Itália e as províncias retornaram a um estágio mais atrasado da divisão social do trabalho. A estrutura econômica da antiga civilização, que havia alcançado um nível tão alto, retrocedeu ao que hoje é conhecido como a organização feudal típica da Idade Média. ... [Os imperadores] reagiram de maneira infrutífera, sem atingir a raiz do mal. A compulsão e coerção a que recorreram não podiam reverter a tendência de desintegração social que, ao contrário, era causada precisamente pelo excesso de compulsão e coerção [da parte do estado]. Nenhum romano tinha consciência do fato de que o processo era provocado pela interferência do governo nos preços e pela deterioração da moeda.

Mises conclui,

Uma ordem social está fadada a desaparecer se as ações necessárias ao seu bom funcionamento são rejeitadas pelos padrões morais, são consideradas ilegais pelas leis do país e são punidas pelos juízes e pela polícia. O Império Romano se esfacelou por ter ignorado o liberalismo e o sistema de livre iniciativa. O intervencionismo e o seu corolário político, o governo autoritário, destruíram o poderoso império, da mesma forma que necessariamente desintegrarão e destruirão, sempre, qualquer entidade social. [Itálicos meus].

A análise de Mises foi contínua e invariavelmente confirmada não somente em vários exemplos históricos específicos (processos de declínio e retrocesso da civilização, como, por exemplo, no norte e em outras partes da África; a crise em Portugal após a "Revolução dos Cravos"; a crônica doença social que afeta a Argentina, que era um dos países mais ricos do mundo antes da Segunda Guerra Mundial, mas que hoje, em vez de receber imigrantes, perde sua população continuamente; processos similares que estão devastando a Venezuela e outros regimes populistas na América Latina etc.), mas também, e acima de tudo, pelo experimento do socialismo verdadeiro, o qual, até a queda do Muro de Berlim, imergiu centenas de milhões de pessoas no sofrimento e no desespero.

Da mesma maneira, atualmente, em um mercado mundial totalmente globalizado, as forças descivilizadoras do assistencialismo, do sindicalismo, da manipulação monetária e financeira dos bancos centrais, do intervencionismo econômico, do aumento das regulações e da carga tributária, e da falta de controle das contas públicas estão ameaçando até mesmo aquelas economias que até então sempre foram consideradas as mais prósperas (os Estados Unidos e a Europa). Vivendo hoje uma encruzilhada histórica, estas economias estão lutando para se livrar das forças descivilizadoras da demagogia política e do poder dos sindicatos à medida que elas tentam retornar ao caminho do rigor monetário, do controle do orçamento, da redução de impostos e do desmantelamento da confusa e intricada rede de subsídios, intervenções e regulamentações que sufocam o espírito empreendedorial e infantilizam e desmoralizam as massas. Seu sucesso ou fracasso nesta empreitada irá determinar seu futuro e, mais especificamente, se elas irão continuar a liderar o avanço da civilização como fizeram até hoje, ou se, em caso de fracasso, elas deixarão a liderança da civilização para outras sociedades que, como as sociedades sino-asiáticas, se esforçam de maneira fervorosa e sem nenhum constrangimento para se tornarem as principais do novo mercado mundial globalizado.

É hoje evidente que a civilização romana não caiu em decorrência das invasões bárbaras: ao contrário, os bárbaros facilmente se aproveitaram de um processo social que já estava, por razões puramente endógenas, em marcante declínio e em estágio de avançado colapso.

Mises explicou desta maneira:

Os agressores externos simplesmente se aproveitaram de uma oportunidade que lhes foi oferecida pelo enfraquecimento interno do império. De um ponto de vista militar, as tribos que invadiram o império nos séculos IV e V não eram superiores aos exércitos que as legiões haviam derrotado facilmente algum tempo antes. Mas o império havia mudado; sua estrutura econômica e social tornara-se medieval.

Adicionalmente, o grau de regulação, estatismo e pressão tributária do império se tornou tão grande, que os próprios cidadãos romanos frequentemente preferiam se submeter aos invasores bárbaros por considerá-los um mal menor. Lactâncio, em seu tratado De Mortibus Persecutorum ("A morte dos perseguidores"), escrito no ano 314-315 d.C., afirma,

Chegou-se ao extremo de ser maior o número dos que viviam dos impostos do que o dos contribuintes, até que, por serem consumidos os recursos dos colonos pela enormidade dos impostos extraordinários, as terras foram abandonadas e os campos cultivados foram transformados em selvas. ... Numerosos governadores e subalternos oprimiam cada uma das regiões, inclusive quase a cada uma das cidades. Igualmente numerosos eram os funcionários do fisco, magistrados e substitutos dos prefeitos do Pretório, cuja atividade na ordem civil era escassa, mas intensa à hora de ditar multas e proscrições. As exações de todo tipo eram, já não direi frequentes, mas constantes, e os atropelos para levá-las a cabo, insuportáveis. (citado por Antonio Aparicio Pérez, La Fiscalidad en la Historia de España: Época Antigua, años 753 a.C. a 476 d.C., Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 2008, p. 313).

Claramente, esta situação se assemelha assombrosamente à atual situação mundial de várias maneiras, e uma legião de escritores já demonstrou como o atual nível de subsídios e regulamentações impõe um fardo desmoralizante e intolerável sobre o crescentemente molestado setor produtivo da sociedade. Com efeito, alguns poucos autores, como o espanhol Alberto Recarte, já tiveram a coragem de exigir uma redução "no número de funcionários públicos, particularmente aqueles cujo trabalho é regular, inspecionar e vigiar todas as atividades econômicas por meio da imposição de requerimentos legais custosos e extremamente intervencionistas" (El Desmoronamiento de España, Madrid: La Esfera de los Libros, 2010, p. 126). Sempre é necessário relembrar que todos nós dependemos da produção da atividade econômica privada. Sem ela, definhamos.

Em De Gubernatione Dei (IV, VI, 30), Salviano de Marselha escreve,

Enquanto isso, os pobres estão despojados, as viúvas gemem e os órfãos são pisados a pés, a tal ponto que muitos, incluindo gente de bom nascimento e de boa instrução, se refugiam junto aos inimigos para não perecer à perseguição pública. Eles vão procurar nos bárbaros a misericórdia dos romanos, uma vez que eles não mais toleram a inclemência bárbara que encontram nos romanos. São dife­rentes dos povos onde buscam refúgio; nada têm das suas manei­ras, nada têm da sua língua e, seja-me permitido dizer, também nada têm do odor fétido dos corpos e das vestes dos bárbaros; mas preferem sujeitar-se a essa dissemelhança de costumes a sofrer, entre os romanos, a injustiça e a crueldade. Assim, emigram para os Godos ou para os Bagaldos, ou para os outros bárbaros que em toda a parte dominam, e não se arrependem de sua expatriação, pois preferem viver livres sob a aparência da escravidão que de serem escravos sob a aparência da liberdade (citado em ibid., pp. 314?315).

Finalmente, em seu Historiæ adversum Paganos ("Histórias contra os Pagãos"), o historiador Paulo Orósio conclui,

Os bárbaros passaram a detestar suas espadas, trocaram-nas pelo arado e estão afetuosamente tratando o resto dos romanos como camaradas e amigos, de modo que agora, entre eles, podem ser encontrados alguns romanos que, vivendo com os bárbaros, preferem a liberdade com pobreza a pagar tributos e viver com ansiedade entre seus semelhantes. (itálicos meus).

Não sabemos se, no futuro, a civilização ocidental, que prosperou até hoje, será substituída pela civilização de outros povos que hoje podem ser considerados "bárbaros". No entanto, temos de estar certos sobre duas coisas: primeiro, em meio à mais severa recessão a assolar o mundo ocidental desde a Grande Depressão de 1929, caso fracassemos em aplicar as medidas essenciais — isto é, desregulamentação, especialmente no mercado de trabalho, redução nos impostos e no intervencionismo econômico, maior controle sobre os gastos públicos e a eliminação de subsídios e protecionismos —, corremos o risco de perder muito mais do que apenas o poder de compra da moeda; e segundo, se perdermos em definitivo a batalha da competitividade no mercado mundial globalizado, e entrarmos em um declínio crônico, tal derrota não terá sido por causa de fatores exógenos, mas sim em decorrência de nossos próprios erros, falhas, omissões e deficiências morais.

Não obstante tudo isso, gostaria de finalizar com uma nota de otimismo. É verdade que enfrentamos vários desafios, e é muito fácil nos tornarmos desanimados em decorrência da abundância de inimigos da liberdade que vicejam por todos os lados. Mas também é verdade que, contrariamente à cultura dos subsídios, da irresponsabilidade, da falta de princípios morais e da dependência do estado para tudo, há também, surgindo das cinzas entre vários jovens (e também entre aqueles de nós que já não são mais tão jovens), a cultura da liberdade empreendedorial, da criatividade, da assunção de risco e do comportamento baseado em princípios morais. Em suma, a cultura da maturidade e da responsabilidade (em oposição ao infantilismo ao qual nossas autoridades e políticos gostariam de nos restringir com o intuito de nos tornar cada vez mais servis e dependentes). Para mim, está claro quem possui as melhores armas morais e intelectuais, e que, por isso, são os donos do futuro. É por isso que sou um otimista.

Por: Jesús Huerta de Soto , professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor da monumental obra Money, Bank Credit, and Economic Cycles.

terça-feira, 23 de julho de 2013

IMPOSTOS : BRASIL É LÍDER MUNDIAL NA COBRANÇA

O Brasil continua sendo o país em que se paga mais impostos, no comparativo mundial. 

 Veja o quadro que circula na Internet, com base em dados do Bando Mundial


Os 10 países onde MENOS se trabalhou em um ano para pagar impostos.

1. Maldivas:........................... 0 horas
2. Emirados Árabes Unidos: 12 horas
3. Bahrein: ............................36 horas
4. Qatar: ...............................36 horas
5. Bahamas: ..........................58 horas
6. Luxemburgo: ....................59 horas
7. Omã: .................................62 horas
8. Suíça: ................................63 horas
9. Irlanda: .............................76 horas
10.Seicheles: ........................76 horas

Os 10 países onde MAIS se trabalhou em um ano para pagar impostos:

1. Brasil: ..................................2.600 horas ( é mais que o dobro do 2º colocado! 
2. Bolívia:................................ 1.080 horas
3. Vietnã:................................... 941 horas
4. Nigéria:.................................. 938 horas
5. Venezuela:............................. 864 horas
6. Bielorrússia: ...........................798 horas
7. Chade: ................................... 732 horas
8. Mauritânia:............................ 696 horas
9. Senegal:................................. 666 horas
10.Ucrânia:................................ 657 horas

Fonte: Banco Mundial (Doing Business 2011)

POR QUE OS CARROS DE HOJE SÃO TODOS IGUAIS


Aquele carro antigo, que havia sido especialmente alugado para a ocasião, esperava pelos noivos para levá-los a uma festa logo após a cerimônia do casamento. Eu estava entre aqueles convidados que se mostravam mais embevecidos pelo carro do que pela festa de casamento em si. Absolutamente maravilhoso.

Era um Studebaker. Até onde sei, era um conversível da linha Commander, de 1940. Tive de ir pesquisar: esta empresa nasceu em 1852 e morreu em 1967, e produziu alguns dos carros mais visualmente fantásticos de sua época. Ela até chegou a produzir um carro elétrico em 1902! Mas os controles de preços adotados pelo governo americano durante a Segunda Guerra Mundial encolheram suas margens de lucro, o que gerou um processo de fusão em toda a indústria automotiva, que acabaria por matar a empresa. 

Mas, naquele sábado à tarde, o carro ainda estava fabuloso, após todos esses anos. Estávamos em um estacionamento a céu aberto repleto de automóveis modelos novos. Mas ninguém dava a mínima para eles. Estávamos todos obcecados com este velho Studebaker. Seu nome havia sido escolhido corretamente: aquele automóvel despertava atenção. O formato fazia dele uma obra de arte. O capô não era nada parecido com o que existe hoje. O interior de couro vermelho era extremamente luxuoso.

Ficamos lá extasiados, em total admiração. Divagamos um pouco sobre como seria o consumo de combustível. Não deveria ser muito maior do que o dos gigantescos utilitários atuais. Ainda assim, concordamos que pagar mais para dirigir algo tão legal valeria a pena.



Studebaker Commander Convertible

No entanto — e eis todo o problema —, isso não é uma opção. Nenhum fabricante está autorizado a fazer um carro igual a esse. Façamos um pequeno retrospecto e pensemos um pouco. Na década de 1930, os telefones eram horrorosos, pesados e nada práticos, e você era um grande sortudo se tivesse um. Ninguém hoje abriria mão de um smartphone em troca de uma daquelas coisas antigas. O mesmo é válido para computadores, televisões, fogões, fornos microondas, sapatos etc. Ninguém quer retroceder no tempo. 



Já com os carros, a situação é distinta. Nossa sensação de nostalgia só faz aumentar, em vez de diminuir. Mas o problema é que nem sequer temos a opção de voltar ao passado. Não mais teremos carros bonitos como os de antigamente. O governo e suas dezenas de milhares de regulamentações específicas para o setor automotivo não permitem. 

No dia anterior ao casamento, estava eu em uma loja de conveniência quando vejo outro carro fabuloso, desta vez um pequeno modelo esportivo. Mesmo eu que não ligo muito para carros fiquei extasiado. Normalmente, não me importo muito com o modelo de carro que dirijo. Mas aquele carro em específico era sensacional demais para não despertar a minha admiração.

Perguntei ao proprietário onde ele havia comprado, que modelo era, quem era o fabricante etc. Aquele carro havia desafiado a minha impressão de que todos os carros atuais são iguais. Ele me disse que ele próprio o havia construído em sua garagem. Ele comprou todo o kit de montagem na Factory Five Racing.

Perguntei: "Você hoje tem de montar seu próprio carro porque nenhum fabricante pode vender algo assim?"

"Correto!", disse ele.

Estas empresas que se especializaram em vender componentes automotivos avulsos são uma forma fantástica de você conseguir respirar em uma era em que o controle governamental sobre o mundo físico é total. Elas são uma maneira legal de driblar as imposições estatais. A lei ainda permite que colecionadores, proprietários de carros antigos e praticantes de hobby possam dirigir estes belos carros. Mas ela não permite que os fabricantes atuais comercializem carros que se pareçam com estes.

Aquele antigo ditado diz que "Se você quer algo bem feito, faça você mesmo." Há apenas um problema com este ditado: em uma economia desenvolvida, ele não deveria ser válido. Deveríamos poder tirar vantagem da divisão do trabalho. Assim como não temos de tecer nossas próprias roupas, não deveríamos ter de construir por conta própria nossos carros. Mas foi justamente a este caminho que as regulações estatais nos levaram.

Você por acaso já parou para pensar por que todos os fabricantes constroem carros visualmente sensacionais — os quais elas chamam de "carros-conceito" —, mas por algum motivo tais carros nunca estão à venda? Sempre fiquei intrigado em relação a isso. Imaginava que era simplesmente porque os carros-conceito eram caros demais para serem fabricados. Mas não é por isso. A questão é que as regulamentações estatais não permitem que eles sejam comercializados.

As coisas não aconteceram todas de uma só vez. As proibições foram graduais e ocorreram ao longo de quatro décadas, sempre em nome da segurança e do ambientalismo. Tudo começou nos EUA, em 1966, com a criação daNational Highway Traffic Safety Administration [agência governamental que faz parte do Departamento de Transportes, cuja missão é "proteger vidas, impedir danos, e reduzir acidentes automotivos"]. Depois surgiuEnvironmental Protection Agency [agência governamental encarregada de "proteger a saúde humana e o ambiente"]. Inevitavelmente, dezenas de outras agências surgiram depois. Todas queriam se apossar de uma fatia do automóvel.

A princípio, cada regulamentação criada parecia fazer algum sentido. Afinal, quem não quer estar mais seguro? Quem não quer consumir menos combustível?

Mas a realidade é que todos esses decretos são impostos sem a mais mínima consideração quanto à realidade dos custos e benefícios. Mais ainda: eles são criados sem qualquer consideração em relação ao seu impacto sobre o design de um carro. E, uma vez que as regulamentações são impostas, elas jamais são revogadas. Elas são mais definitivas do que as normas sobre uma peça de software patenteada.

Agora o fim do jogo já chegou. Por mais que tentem, os próprios fabricantes passam aperto para tentar diferenciar seus carros dos de seus concorrentes. A homogeneização do automóvel já está banalizada. Todos os carros atuais são parecidos. Como já disse, nunca fui muito entusiasta de carros e, exatamente por isso, só comecei a notar esse fenômeno nos últimos 12 meses. E, ainda assim, pensei que estava apenas imaginando coisas. Porém, algumas pessoas brincando com o Photoshop descobriram que, se você apenas trocar a grade frontal dos carros, é possível fazer uma BMW ficar igual a uma Kia e um Hyundai ficar idêntico a um Honda. É tudo um só carro.

Realmente, tem de ter uma explicação para isso. Fui procurar e descobri um vídeo feito pela CNET que enumera cinco motivos para os carros de hoje serem iguais: decretos para que a frente do carro seja mais alta para proteger pedestres, decretos que limitam a altura do carro para economizar combustível e uma traseira grande que contrabalance a frente grande. Essa combinação fez com que tanto o pára-brisa quanto todas as janelas dos carros se tornassem irritantemente pequenas, o que afeta a visibilidade e acaba tornando os carros menosseguros para serem dirigidos. Adicionalmente, o peitoril das janelas ficou mais alto, o que dá a claustrofóbica sensação de se estar dentro de um tanque. Em outras palavras, uma histeria em relação à segurança e ao ambiente destruiu toda a estética dos carros.

Pouco importa que segurança e ecologia criem resultados contraditórios. Quanto menor o consumo de combustível, mais leve e delicado tem de ser o carro e maior é a probabilidade de você morrer em um acidente. As regulamentações que especificam um consumo máximo de combustível certamente já mataram muitas pessoas. Similarmente, como princípio geral, quanto mais seguro for o carro, mais combustível ele irá consumir. Enquanto isso, a própria gasolina vem sendo arruinada em decorrência de todas as misturas etílicas que o governo determina que devem ser acrescentadas, o que reduz a vida útil do motor.

Estas regulamentações são as responsáveis pelo desaparecimento da perua e pelo subsequente domínio do mercado por veículos enormes que podem ser classificados como caminhonetes, os quais são regulados por um padrão distinto. É isso mesmo: regulamentações criadas para reduzir o consumo de combustível geraram o efeito exatamente oposto ao estimular as pessoas a abandonar os carros e ir para os utilitários — que era exatamente o que os grandes fabricantes queriam. Não é de se estranhar que as críticas mais contundentes às regulamentações que estipulam valores máximos para consumo de combustível não sejam feitas pela indústria automotiva, mas sim pelos usuários.

É verdade que ninguém tinha a intenção de acabar com a diversidade, a funcionalidade e a beleza dos carros. Mas isso foi exatamente o que aconteceu. E é isso o que acontece sempre que as elites políticas e burocráticas impõem sobre os cidadãos o seu próprio sistema de valores, desconsiderando totalmente os valores subjetivos dos produtores e dos consumidores. Eles são os mestres e nós somos os escravos, e cabe a nós aceitarmos nosso fardo resignadamente.

Considere a questão a respeito dos pedestres. Quantas vidas realmente já foram salvas por uma frente mais elevada? Ninguém sabe. Mas a própria regulamentação parece excluir a possibilidade de que motoristas e pedestres possam resolver seus problemas por conta própria, sem uma intervenção regulatória. Em outras palavras, estamos sendo tratados como crianças. Aliás, pior ainda. Estamos sendo tratados como se simplesmente não possuíssemos cérebro.

A situação é muito séria. Trinta anos atrás, os futuristas imaginavam que os carros do futuro seriam belos e estonteantes, e dariam imenso prazer ao serem dirigidos. Considere, por exemplo, este Triumph, que era tido como o "carro do futuro". Este futuro foi totalmente destruído. Os reguladores o transformaram no carro do passado, um sonho frustrado que teve de morrer para abrir espaço para estas coisas esquisitas e homogeneizadas que temos a permissão de comprar atualmente.

Houve uma época em que os ocidentais se orgulhavam de seus carros e zombavam implacavelmente os carros horríveis que eram produzidos sob um sistema socialista, como, por exemplo, na Alemanha Oriental. O Trabant já entrou para a história como um dos piores carros já produzidos. Porém, analisando em retrospecto, o fato é que você não apenas conseguia ver algo através das janelas, como também a intenção ao menos parecia ser a de colocar os interesses do motorista acima dos interesses da Mãe Natureza e dos não-motoristas. Parece que os planejadores centrais socialistas tinham um pouco mais de bom senso do que os burocratas reguladores da atualidade.

No final, se o objetivo é proteger os pedestres e a Terra, então o transporte coletivo e as bicicletas são o futuro. E todos nós sabemos que é exatamente isso que eles querem. Ano passado, por exemplo, o governo Obama — e é dos EUA que saem todas essas regulamentações idiotas — anunciou novos padrões de consumo de combustível a serem obedecidos até 2025, padrões estes aos quais nenhum carro atual movido exclusivamente a gasolina é capaz de se enquadrar. Tais padrões irão elevar acentuadamente o preço dos carros e forçar a criação de um mundo em que os carros são todos elétricos ou híbridos recarregados na tomada. (Quem quiser ler todos os arrepiantes detalhes, veja aqui.)

Todos nós corretamente condenamos pacotes de socorro destinados a bancos e empresas, bem como arranjos corporativistas que mesclam interesses privados com interesses do governo. Também condenamos veementemente todo e qualquer tipo de auxílio estatal a empresas falidas. Porém, eis aqui uma verdade: se os barões da indústria automotiva e os sindicatos que as dominam não possuíssem conexões políticas, a abolição do automóvel provavelmente já seria um fato consumado. Por enquanto, o automóvel ainda é permitido. Mas os governos não permitem que ele se desenvolva, que ele assuma o formato que os consumidores desejam e que ele funcione como um verdadeiro bem econômico.

O automóvel foi a base da segunda revolução industrial. Burocratas usurpadores estão retirando o automóvel do nosso futuro. Houve uma época em que sonhávamos com carros voadores. Os reguladores de hoje conseguiram a façanha de nos fazer sonhar apenas com a volta dos dias gloriosos de décadas passadas. Isso é simplesmente patético.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

INDEPENDÊNCIA DE BRASÍLIA OU MORTE


"Viveram pouco para morrer bem
Morreram jovens para viver sempre."

Este verso encontra-se na base do Obelisco do Parque do Ibirapuera, o maior monumento de São Paulo, construído em homenagem à Revolução de 9 de julho de 1932. Ele é um mausoléu onde estão os restos mortais dos estudantes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo — o MMDC — e de mais 713 combatentes que morreram durante os conflitos. Mas o monumento não é grande o suficiente, pois junto com estes homens, morreu o espírito de liberdade de todas as gerações posteriores: o poder de um governo central nunca mais foi enfrentado.

Um dos objetivos dos revolucionários era a proclamação de uma nova Constituição para o Brasil, que devolvesse ao estado de São Paulo poderes usurpados pela ditadura de Getúlio Vargas — por isso ela também é chamada de Revolução Constitucionalista. Mas entre os líderes do movimento havia os separatistas, lutando pela independência total de São Paulo.

O separatismo, que sempre foi muito forte por toda a história de São Paulo, foi representado durante a Revolução de 1932 por escritores como Mario de Andrade, que declarou que naquele momento "faria tudo, daria tudo para São Paulo se separar do Brasil", e Monteiro Lobato, que afirmou que o constitucionalismo era apenas um disfarce para o separatismo:



Após a vitória de São Paulo, na campanha ora empenhada, se faz mister que seus dirigentes não se deixem embalar pelas ideias sentimentais de brasilidade, irmandade e outras sonoridades.[...] Ou São Paulo desarma a União e arma-se a si próprio, de modo a dirigir doravante a política nacional a seu talento e em seu proveito, ou separa-se.[...] Trata-se de uma guerra de independência disfarçada em guerra constitucionalista.

De fato, a história de São Paulo é repleta de levantes por mais autonomia, o primeiro deles ocorrendo em 1641, quando o fazendeiro Amador Bueno foi aclamado Rei de São Paulo, que pretendia se tornar independente da Coroa Portuguesa. Os motivos dos separatistas podiam não ser os mais nobres, mas a causa separatista é sempre bem vinda, e o proeminente historiador inglês Robert Southey (1774 – 1843) chegou a declarar que "se a aclamação (separação) tivesse ocorrido, os paulistas seriam o povo mais formidável das Américas." 

Depois deste, muitos outros conflitos ocorreram, nem todos de cunho separatista, desde a Revolução Liberal de 1842, até a Greve Geral Anarquista de 1917, mostrando uma tradição paulista de não aceitar passivamente os desmandos do poder central. E esta não é uma característica exclusiva de São Paulo, pois ocorreram muitas revoltas separatistas em diversos outros estados, como a Inconfidência Mineira, a Revolução Farroupilha, a Guerra do Contestado, a Conjuração Baiana, a Sabinada, a Confederação do Equador, a Revolução Pernambucana, a Revolução Praieira e muitas outras. De todos os movimentos, apenas dois obtiveram sucesso em sua secessão: o Grito do Ipiranga, que marcou a Independência do Brasil de Portugal, e a Guerra da Cisplatina, que separou o Uruguai do Brasil.

Por estes dois exemplos, podemos ver que secessão não é nenhuma panaceia. O Brasil continua sob quase todos os aspectos pior do que Portugal, e o Uruguai não é nenhuma Suíça — mas podemos imaginar como o Uruguai estaria se, além de todos os seus problemas, ainda tivesse de ajudar a sustentar Brasília; e se o todo o Brasil tivesse de, além de sustentar Brasília, ainda pagar impostos para Lisboa.

Gary North apontou em controverso artigo publicado neste site na semana passada que a Revolução Americana que separou os Estados Unidos da Grã Bretanha prejudicou em muito a liberdade, pois quando os EUA eram parte do império, recaia sobre os colonos um imposto de apenas 1% e eles gozavam de um dos ambientes de maior liberdade do mundo. Porém, já no eclodir da Revolução, os revolucionários inflacionaram a moeda, impuseram um controle de preços e, após a Revolução, a carga tributária havia triplicado — e nunca mais parou de subir.

Enquanto os revolucionários americanos destruíram o sistema monetário imprimindo desenfreadamente o Continental, os revolucionários paulistas de 9 de julho criaram uma moeda própria lastreada em ouro, o que deu indícios de que a consolidação da secessão iria dar início a uma região autônoma muito mais livre.

Conquanto as secessões de Brasil e Estados Unidos não tenham representado por si sós avanços na liberdade, elas careceram de um elemento específico que consiste na maior vantagem do separatismo: ambas formaram estados de proporções continentais. Em uma espetacular palestra sobre as vantagens de estados pequenos e os perigos da centralização, Hans-Hermann Hoppe explica que estados pequenos devem necessariamente adotar políticas de livre mercado. Países como Andorra e Liechtenstein não iriam sobreviver se impusessem protecionismo, ao passo que um país com as dimensões dos EUA consegue produzir praticamente tudo internamente e, embora fosse empobrecer demasiadamente, poderia suportar enormes barreiras de importações. Países pequenos também tendem a adotar menos regulamentações e impostos mais baixos, pois competem com outros estados pelos seus súditos, e as pessoas simplesmente se mudam de vizinhança (estado) caso este se torne opressor. Logo, a esperança para a liberdade seria um mundo formado por milhares de Andorras, Mônacos, Liechtensteins, Hong Kongs, Cingapuras etc.

Além dos políticos que controlam territórios gigantescos e se tornam multibilionários por conta disso, acho que um mundo com estas configurações seria uma desvantagem apenas para entidades desportivas e seus campeonatos mundiais entre países. Para a FIFA, por exemplo, organizar uma Copa do Mundo entre dezenas ou centenas de milhares de micro-países seria talvez inviável e nada atrativo. No entanto, poderia levar um pouco mais de "justiça", já que faria mais sentido o Uruguai enfrentar a seleção do Rio Grande do Sul, ou a Espanha enfrentar a seleção de Minas Gerais, do que o enorme Brasil. Mas a própria Espanha possui fortes movimentos separatistas, e quando sua seleção foi campeã do mundo, diversas bandeiras das regiões que lutam por independência entraram em campo na comemoração, erguidas pelos jogadores das específicas localidades. Nacionalistas catalães, galegos e bascos ignoram a seleção espanhola.

Mas por que falar de futebol no meio de um texto sobre revoluções separatistas? Não está desviando demais do assunto? Na verdade, não. O Brasil não passa de uma abstração e o futebol, que antes era considerado um estrangeirismo, é um dos elementos que compõem a identidade nacional, a qual era inexistente antes de 1930, como nos mostra o historiador revisionista libertário Leandro Narloch em seu best seller Guia politicamente incorreto da história do Brasil. O samba, a feijoada, a capoeira, o futebol, o mulato etc. foram artificialmente elevados a itens de uma cultura brasileira. E para quê? Para ajudarem a fortalecer um governo altamente centralizado, já que o que segura esta enorme entidade política unida é tão somente a opinião popular. E se as pessoas das diferentes e longínquas regiões não se identificarem culturalmente umas com as outras, a união não tem como se manter. Destruir diferenças regionais através do multiculturalismo também ajuda a manter um poder central no comando de um grande território.

É realmente surpreendente o fato de os brasileiros dos diferentes estados concordarem com a união e o comando central de Brasília. Apesar de todo autoritarismo do governo federal, é certo que alguns estados levam suas vantagens neste arranjo político, como mostra o redistributivismo entre os estados; mas e quanto aos brasileiros dos estados que só obtêm desvantagens, como eles aturam isto? O que aconteceu com o espírito revolucionário que foi tão presente na história? Por que continuam sendo súditos de um presidente que sequer escolheram? Este mapa mostra que a pessoa que ocupa a presidência atualmente foi a vitoriosa nas eleições em apenas parte dos estados.



Eleições já são uma grande farsa que não legitimam a autoridade de ninguém, e mesmo um vitorioso com 90% dos votos sequer foi o escolhido pelos que votaram no outro candidato e pelos que nem votaram. Mas um mapa com esta coloração já não é motivo suficiente para se separar a parte azul da vermelha, cada uma ficando com seu presidente? Este vídeo mostra como a atual presidente é extremamente rejeitada mesmo no Rio de Janeiro, estado em que ela foi a vitoriosa com 60% dos votos:

E, logicamente, o mais sensato seria que cada um dos estados tivesse como seu presidente o respectivo governador eleito; e, prosseguindo com a lógica secessionista, ela só iria encontrar limites no indivíduo, como notou Ludwig von Mises. Mas se alcançássemos um território formado por milhares de cidades-estados como vislumbrado por Hoppe, um ambiente propício para a liberdade e o consequente progresso e enriquecimento geral iria vigorar.

A revolta contra o poder que foi revelada durante a recente onda de protestos parece estar generalizada, e o sentimento separatista esboça um ressurgimento. O professor Antony Mueller traçou um paralelo da atual presidente como uma espécie de Maria Antonieta, ao comparar os gastos extravagantes das duas cortes. Apenas para citar um exemplo, a rainha atual levou uma comitiva para Roma para a posse do novo Papa que ocupou 52 quartos num hotel de luxo, tudo pago pelos trabalhadores brasileiros que são obrigados a força da bala a sustentar essa opulência. Quanto mais tempo o povo terá que suportar tudo isso até que um governador proclame a independência de seu estado? Sustentar Brasília pra quê?

 Uma das motivações dos separatistas foi continuar com a prática de escravizar índios, proibida pela Bula Papal de 1640, que excomungava todos que escravizassem índios (o que fez com que os paulistas expulsassem os jesuítas de São Paulo). E, além disso, a Coroa Portuguesa possuía interesses comerciais no tráfico negreiro. Mas os separatistas também objetivavam a manutenção do livre comércio com o Paraguai, também ameaçado pela Coroa Portuguesa.

Por: Fernando Chiocca  um intelectual anti-intelectual, praxeologista e conselheiro do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

COMO A DÍVIDA DO GOVERNO AFETA AS GERAÇÕES FUTURAS


Paul Krugman e outros defensores do aumento dos gastos governamentais alegaram recentemente que comparar a dívida do governo à dívida de um indivíduo ou de uma empresa é errado. Ao contrário dos moralistas, que não querem aumentar as dívidas a serem pagas pelas gerações futuras, Krugman e seus aliados alegam que a dívida governamental per se não representa nenhum fardo para as gerações futuras como um todo. Afinal, nossos descendentes irão "dever para eles próprios" — ao menos se desconsiderarmos a dívida externa, é claro.

Sendo assim, quaisquer impostos que forem aumentados ou criados para pagar o serviço desta dívida (juros e amortizações) irão simplesmente fluir para os bolsos daqueles cidadãos que estiverem de posse dos títulos da dívida. Com isso, Krugman argumenta que a "dívida nacional" não é apenas um passivo, mas também um ativo. Quanto maior a dívida, portanto, mais rico o país.

Um argumento que já seria o bastante para encerrar esta discussão é o fato de que, quanto maior a dívida, maiores os gastos do governo apenas com os juros desta dívida. E maiores ainda serão os gastos para amortizar os títulos vincendos. Isto faria com que uma enorme fatia dos impostos arrecadados fosse utilizada apenas para pagar encargos da dívida. Tal situação equivaleria a uma maciça transferência de renda de pagadores de impostos para portadores de títulos. Alguns iriam ganhar, outros iriam perder. Como sempre disse Murray Rothbard, a frase "nós devemos a nós mesmos" possui profundas implicações: tudo depende de se você faz parte do "nós" ou do "nós mesmos".

Mas há outros problemas também. Um deles é que tal ponto de vista krugmaniano ignora o fato de que déficits do governo retiram recursos do setor produtivo, desviando-os para ineficientes gastos estatais. Quando o governo incorre em déficits e emite títulos para financiar estes déficits, tais títulos são comprados por empresas ou por indivíduos que, caso contrário, poderiam estar aplicando seu capital em investimentos produtivos. Desta forma, déficits governamentais retiram recursos de investimentos privados e os desviam para gastos escolhidos de acordo com politicagem. Déficits, portanto, fazem com que as gerações futuras tenham à sua disposição uma menor oferta de tratores, escavadeiras, máquinas, ferramentas e outros equipamentos, reduzindo assim sua capacidade de produzir mais bens. Consequentemente, estas futuras gerações estarão potencialmente mais pobres.

Além deste efeito negativo sobre o investimento físico em bens de capital, o economista James Buchanan demonstrou que existe uma rota completamente independente por meio da qual os atuais déficits orçamentários de um governo podem empobrecer as gerações futuras. Uma vez que entendemos que "a nação" é composta por diferentes indivíduos que surgem em vários pontos distintos do espaço e do tempo, que vivem durante períodos de tempo variáveis e não homogêneos, e então morrem, dizer que "nós devemos para nós mesmos" é uma completa falácia.

Repetindo, Buchanan aponta para um efeito que vai muito além do fato de que os déficits governamentais de hoje tendem a reduzir o investimento privado. Mesmo se supuséssemos que todo o déficit governamental atual fosse pago por meio de uma redução no consumo privado — de modo que estaríamos deixando para as futuras gerações o mesmo estoque de bens de capital —, ainda assim nossos descendentes (como um todo) estariam em pior situação (relativamente mais pobres, ou menos ricos do que poderiam) em decorrência desta política de déficits.

Para entender como isto funciona, imagine que o governo atual — isto é, no ano de 2013 — anuncie que irá gastar $100 bilhões dando uma festa de arromba. Tudo o mais constante, as pessoas vivas em 2013 irão adorar este surto maciço de consumo. No entanto, se o governo impusesse tributos sobre as pessoas em 2013 para pagar por esta festa, elas certamente iriam se revoltar. E nenhum governo quer isso. Muito mais confortável é apenas emitir títulos da dívida, que serão voluntariamente comprados por algumas pessoas no presente, e jogar o fardo do pagamento dos juros e do principal para as gerações futuras.

Mais especificamente, suponha que o governo, em vez de elevar impostos, emita títulos que irão vencer daqui a cem anos, e os quais serão vendidos agora àquelas pessoas que oferecerem os melhores preços de compra. Supondo que os investidores confiem no governo e que a taxa de juros nominal de longo prazo seja acordada em 4,7%, o governo irá então emitir uma nota oficial com a seguinte declaração: "No ano de 2113, o governo irá fazer uma contagem de quantos pagadores de impostos existem no país. Ato contínuo, o governo irá tributar cada um destes x cidadãos com um imposto per capita de $10 trilhões/x. Esta receita tributária de $10 trilhões assim coletada será entregue a todas as pessoas que porventura estejam de posse deste pedaço de papel naquele momento."

O valor de $10 trilhões nada mais é do que $100 bilhões com juros de 4,7% ao ano durante cem anos. Neste exemplo, a dívida será quitada — juros e principal — de uma só vez em 2113. Ou seja, o governo em 2013 irá levantar, via emissão de dívida, $100 bilhões — o valor presente descontado do pagamento de $10 trilhões que só irá ocorrer daqui a cem anos — e com isso pagar por sua festança.

Neste cenário, um leigo estaria correto em dizer que a atual geração fez a sua farra e jogou toda a conta para os infelizes cidadãos de 2113. Os pagadores de impostos em 2113 terão de entregar $10 trilhões para alguns de seus concidadãos. No entanto, esta observação ainda não encerra por completo a análise.

O motivo é que aquelas pessoas que em 2113 estiverem em posse dos títulos da dívida, e que portanto estarão recebendo os $10 trilhões, não irão receber este dinheiro de graça. Ao contrário, tais pessoas compraram estes títulos alguns anos atrás e pagaram por eles o valor presente descontado de $10 trilhões. Portanto, quando fazemos a contabilidade corretamente, entendemos que, além de os pagadores de impostos em 2113 serem claramente prejudicados (afinal, terão de pagar $10 trilhões em impostos), esta sua perda não se traduz em um ganho idêntico para os portadores dos títulos. É por isso que esta geração como um todo estará mais pobre em decorrência da festança que as pessoas de 2013 deram.

Esta conclusão crítica merece ser enfatizada. Considere um indivíduo que está de posse de um dos títulos da dívida (cujo valor de face é de $1.000) em 2113. Talvez esta pessoa tenha comprado este título de outra pessoa no ano anterior (em 2112) por $955. Ao receber os $1.000, ela estará auferindo juros de 4,7%. Os $1.000 que ele receber em 2113 não irão constituir um ganho líquido para esta pessoa, pois a maior fatia destes $1.000 — isto é, os $955 — será apenas a devolução do principal que ele pagou no ano anterior. 

O real benefício para esta pessoa em toda esta operação seria ele receber uma taxa de juros mais alta do que a que ele receberia caso emprestasse seus $955 para o setor privado. Portanto, esta pessoa poderia considerar que toda esta operação de tributar-e-distribuir em 2113 lhe valeu, por exemplo, apenas $5.

É a este benefício líquido de $5 (aproximadamente) para o portador do título que os $1.000 em impostos coletados deve ser contrastado. Em outras palavras, o pagador de impostos individual (responsável por um décimo-bilionésimo da fatura de $10 trilhões) ficará com $1.000 a menos, ao passo que o portador do título para quem o dinheiro é transferido irá ganhar apenas $5. 

Agora, se nos concentrarmos em um outro portador de título — por exemplo, alguém que tenha comprado o título no ano de 2085 —, então seu ganho seria maior do que $5, pois ele auferiu taxas de juros acima das de mercado por um período mais longo. Ainda assim, a única maneira de uma perda de $1.000 para um pagador de impostos ser identicamente contrabalançada por um ganho de $1.000 para um portador de título seria se este portador houvesse adquirido o título gratuitamente. Isto poderia acontecer com crianças que herdam títulos de seus pais. Mas é só. Qualquer outra pessoa que utilize dinheiro próprio para adquirir uma fatia daquele enorme título de $10 trilhões não irá obter ganhos idênticos às perdas dos pagadores de impostos. Seu ganho será muito menor. Logo, o grupo "pessoas vivas em 2113" estará coletivamente mais pobre em decorrência deste esquema.

Por outro lado, consideremos a geração original, aquele que deu a festança. Sim, houve investidores em 2013 que tiveram de reduzir seus gastos em um total de $100 bilhões em decorrência de terem comprado os títulos emitidos pelo governo. Porém, à medida que o tempo foi passando, eles poderiam ter vendido seus títulos (um ativo financeiro) para investidores mais jovens, e utilizar os fundos assim conseguidos para financiar suas aposentadorias. Assim, os investidores de 2013, se considerarmos sua renda vitalícia, de fato não perderam nada com este negócio, o qual foi totalmente voluntário para eles.

Para resumir: em 2013, várias pessoas vivas ganharam e ninguém perdeu, ao passo que, em 2113, as pessoas vivas sofreram perdas que sobrepujaram os ganhos totais. E isto é verdade mesmo se considerando que, em 2113, "as pessoas deviam $10 trilhões para elas mesmas".

Déficits orçamentários nada mais são do que um enorme esquema de roubo que ocorre ao longo do tempo por meio do mercado financeiro e de títulos. Déficits orçamentários permitem que os cidadãos de hoje financiem benesses governamentais jogando a conta para gerações futuras, as quais não têm nenhum poder de influência nas decisões políticas atuais.

Por: Robert P. Murphy  Ph.D em economia pela New York University, economista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute, membro docente da Mises University e autor do livro The Politically Incorrect Guide to Capitalism, além dos guias de estudo para as obras Ação Humana e Man, Economy, and State with Power and Market. É também dono do blog Free Advice.

domingo, 21 de julho de 2013

SEM LUZ NO CAMINHO

A deposição do presidente Mohamed Mursi pelo exército egípcio foi o sinal, para muitos, de que as aspirações libertárias da praça Tahrir, em 2010, foram definitivamente enterradas. Afinal, Mursi tinha sido eleito, ainda que por margem mínima, no primeiro pleito democrático da história do país. Teria a primavera árabe acabado aí?


Tom Friedman, o excelente colunista do New York Times , perguntou-se recentemente se a deposição do presidente filiado à Irmandade Muçulmana, não seria o começo de um refluxo do Islã político. Outros sinais seriam os protestos da juventude urbana de Istanbul contra o partido islamista no poder, a eleição do moderado Hassan Rouhani no Irã, a evolução da Tunísia para uma constituição moderada e a primeira eleição livre na Líbia que viu a derrota dos candidatos fundamentalistas. Mesmo assim,Friedman foi cauteloso evitando concluir que a onda passou. Eu tenho aqui as minhas dúvidas.

Aquilo que veio a ser conhecido como a primavera árabe suscitou, sem a menor dúvida, uma enorme esperança de quebra do padrão generalizado de autoritarismo e corrupção dos governantes árabes. A derrubada e posterior enxovalhamento dos ditadores Mubarak, no Egito, e Ben Ali, na Tunísia, ecoaram em todo o mundo árabe como um toque de clarim, anunciando uma nova era de liberdade. Daí a prever que todos os autocratas teriam o mesmo fim era um passo apenas. Sucede porém que isso não ocorreu. Mesmo no caso de Tunísia, Líbia e Iêmen, onde os tiranos foram expulsos, as esperanças de um transição democrática viram-se frustradas. Cada país árabe está passando por um processo próprio, as várias ditaduras foram, por vezes, capazes de contrapor às massas uma força militar considerável, ainda que estrangeira, como foi o caso no Bahrein. O erro dos otimistas consistiu em achar que a primavera seria uniformemente florida.

Dizia-me um amigo turco, na época, que em seu país a democracia só se enraizara décadas depois do fim do Império Otomano e de toda sorte de oscilações políticas. Claramente, muita água vai passar sob as pontes do Nilo antes que os países árabes cheguem, como a nossa própria América Latina, a ser um espaço quase uniformemente democrático. As ditaduras salgaram a terra, impediram a criação de partidos e instituições democráticas, fomentando o surgimento dos ovos de serpente do radicalismo de todo tipo.

Em recente artigo, Francis Fukuyama notou que, sempre que ela surgiu, uma classe média moderna tem causado fermentação política, mas muito raramente conseguiu, por si mesma, provocar mudanças políticas duradouras . Trata-se de outro prisma interessante para buscar compreender as convulsões do mundo islâmico. As sociedades muçulmanas do Oriente Médio estão conseguindo gradualmente romper o fatalismo da desigualdade social , mas há enormes diferenças entre a Turquia moderna e os palestinos de Gaza ou Ramalá, entre a Síria brutalizada e o Marrocos, e assim por diante. Fukuyama não descobriu a chave mestra para entender o impasse árabe.

Outra discussão importante trata da relação entre fundamentalismo religioso e democracia na região. No Egito, que é o mais importante país árabe, a eleição do líder da Irmandade Muçulmana foi um teste importante: este fato político seria capaz de fortalecer a democracia, com a cooptação de um partido forjado na clandestinidade por oitenta anos e dotado de uma filosofia operacional conspiratória? A resposta foi negativa.

Chegando ao poder, a Irmandade radicalizou, fechando-se em copas, e mostrou-se incapaz de governar para o bem comum, o que levou a imensas manifestações contra Mohamed Mursi e enfim à decisão do Exército de intervir mais uma vez na política egípcia. Isso, naturalmente, não quer dizer que a Tunísia ou a Jordânia não possam apresentar melhores experiências de pragmatismo e flexibilidade política. Mas o episódio egípcio poderá levar os fundamentalistas a concluir que a democracia é apenas uma armadilha contra eles, com a conclusão, para eles lógica, de que é necessário ter uma conduta ainda mais combativa.

Não há um único farol a iluminar o caminho. Com todas as nuances de cada país árabe, nenhum deles conseguiu despontar como a prova de que a democracia pode vingar, nem sequer que haja um exemplo, um único exemplo, de que os povos árabes podem finalmente esperar gozar de liberdade e de melhores horizontes sociais. Por isso, é necessário concluir, pelo menos provisoriamente, que a primavera árabe não conduziu ao verão. 
Por: Luiz Felipe Lampreia  O Globo

sexta-feira, 19 de julho de 2013

A MENSAGEM DA 'SEGUNDA TAHRIR'

O Exército é a espinha dorsal do Estado egípcio. Os oficiais do grupo de Gamal Abdel Nasser derrubaram a monarquia, em 1952, consolidando a independência, e governaram o país durante seis décadas, moldando uma elite dirigente. A revolução em curso no Egito é obscurecida, distorcida e desviada pelas interferências do Exército, que procura estabelecer-se como uma espécie de Poder Moderador numa democracia limitada. Mesmo assim, não é correto descrever a derrubada de Mohamed Mursi como um golpe militar. O presidente islâmico caiu sob o impacto de um levante popular que representa, de muitas formas, a continuidade do levante da Praça Tahrir de 2011 contra a ditadura de Hosni Mubarak.


Nomes têm importância. O golpe militar antimonárquico de Nasser foi batizado com o nome de Revolução Nacional. Mursi não era um ditador, mas um presidente eleito em meio à turbulenta transição revolucionária. A Irmandade Muçulmana classifica a sua remoção, por ordem do general Abdel Fatah al-Sisi, como um golpe de Estado. As multidões incontáveis de egípcios que fizeram a “segunda Tahrir” têm opinião bem diferente.

“Sisi seguia a vontade do povo”, disse um manifestante ao repórter do jornal “Guardian”, sintetizando uma narrativa possível sobre a nova revolução no núcleo político do mundo árabe. O cenário é mais complexo do que isso, como atesta a vasta adesão às manifestações convocadas pela Irmandade Muçulmana para exigir a restauração de Mursi. Contudo, atrás da óbvia divisão política entre os egípcios, evidencia-se que a Primavera Árabe não se encerrou pela substituição de tiranias militares por tiranias religiosas. Pelo contrário, e para surpresa de tantos comentaristas ocidentais, ela prossegue desafiando o fundamentalismo islâmico.

Fundada em 1928, a Irmandade Muçulmana é uma instituição tão importante quanto o Exército na sociedade egípcia. Ao longo das décadas de autoritarismo militar, ela foi proscrita e perseguida, mas deitou raízes na mesquita, na universidade, em amplos setores das classes médias e, sobretudo, entre os pobres. A Irmandade é, além disso, a nascente principal do moderno fundamentalismo islâmico em todo o mundo árabe, inspirando organizações similares que operam na Tunísia, na Argélia, na Síria e na Palestina. De uma de suas costelas, nasceu na década de 1960 a corrente radical que, na estufa ideológica da Arábia Saudita, geraria o jihadismo contemporâneo. Depois daquela cisão, a organização egípcia renunciou à violência e, convencendo-se de que o tempo era seu aliado, decidiu percorrer o longo caminho da persuasão.

A aposta na moderação rendeu frutos após o levante contra Mubarak. A Irmandade aderiu tardia e relutantemente à “primeira Tahrir”, mas se beneficiou da desorganização das correntes laicas, tanto as liberais quanto as socialistas, na hora das eleições. Na moldura de um sistema eleitoral confuso, arranjado às pressas, a revolução popular caiu no colo da única organização política implantada em todo o país. A maioria dos eleitores não votou pela instalação de um Estado islâmico, algo ausente da plataforma eleitoral da Irmandade. O governo de Mursi, contudo, interpretou erradamente a mensagem das urnas — e o próprio sentido da democracia.

Mursi fracassou porque se recusou a enfrentar a ala tradicionalista de seu movimento e a erguer pontes na direção das correntes laicas. A Irmandade imaginou a democracia do voto como uma ferramenta para a reinvenção da sociedade egípcia segundo as linhas de sua própria doutrina. A “segunda Tahrir” esclareceu as coisas: a diversidade política e cultural do Egito não cabe na caixa apertada do fundamentalismo islâmico. A nova revolução egípcia, precipitada pela onda de manifestações antifundamentalistas da Praça Taksim, na Turquia, assinala a reversão de uma tendência. O Islã político encontra-se, agora, na defensiva.

Não é apenas o futuro do Egito que está na balança. A “segunda Tahrir” acendeu um facho intenso de luz sobre a questão da compatibilidade histórica entre o Islã e a democracia. Se a Irmandade extrair a lição completa da dura derrota, terá a oportunidade de reformar-se a si mesma, desistindo de esconder seus erros atrás de fantasmagóricas conspirações ocidentais, abandonando os resquícios da linguagem da jihad e aprendendo as virtudes da separação entre política e religião. Nessa hipótese benigna, a Primavera Árabe realizaria as esperanças que suscitou e o mundo árabe encontraria um caminho para escapar ao círculo de ferro da intolerância e do fanatismo.

Nem tudo, porém, depende da Irmandade. A prisão de Mursi, as perseguições contra outros líderes islâmicos e o massacre de manifestantes que pediam a restauração do presidente deposto são nítidas provocações da cúpula militar. Na direção oposta à dos chefes militares da Tunísia, a cúpula do Exército egípcio não admite a hipótese da retirada para os quartéis. O antigo poder almeja empurrar a Irmandade para a clandestinidade e, mais além, para a via desastrosa do terrorismo. Nessa hipótese, um inverno melancólico congelaria a Primavera Árabe.

“Transitar do fascismo religioso para o fascismo militar não é algo que mereça celebração”, disse Mariam Kollos, uma ativista de direitos humanos que participou ativamente dos levantes contra Mubarak e Mursi. O termo “fascismo” pode não ser apropriado, mas o que vale é o sentido da sentença. A “segunda Tahrir” revela tanto a vitalidade da revolução democrática no Egito quanto o fracasso dos profetas que condenaram de antemão a Primavera Árabe como uma queda no precipício do fundamentalismo islâmico. Em pouco mais de dois anos, os egípcios derrubaram uma ditadura militar e um governo eleito que pretendia aprisionar as liberdades no calabouço da ortodoxia religiosa. Depois disso, a tese do “choque de civilizações” deveria ser recolhida ao museu das relíquias ideológicas.
Por: Demétrio Magnoli O Globo