quarta-feira, 4 de setembro de 2013

DIÁRIO FILOSÓFICO DE OLAVO DE CARVALHO: ALGUMAS NOTAS

O Facebook é o meu caderno de rascunho, ou, se quiserem, diário filosófico.

Olavo de Carvalho

(N. do E.: Aí estão algumas das últimas notas do filósofo, apresentadas em ordem diversa daquela em que foram originalmente postadas.

Há tempos o globalismo ocidental e o russo-chinês disputam o apoio islâmico. A situação evoluiu no seguinte sentido: o bloco russo-chinês aproximou-se cada vez mais dos governos árabes, e o globalismo ocidental dos revolucionários jihadistas que querem derrubá-los. Obama é a síntese desta última aliança. O ex-deputado democrata David Kucinich resumiu tudo dizendo que agora os EUA são a Força Aérea da Al-Qaeda. Obama é pai e mãe dos jihadistas.

Barack Hussein Obama provou que um total desconhecido, com documentos falsos, pode chegar à presidência dos EUA, destruir a economia do país, estimular o ódio racial, dar armas de presente aos piores inimigos da nação e por fim arrastá-la a uma III Guerra Mundial, enquanto todo mundo no Parlamento, na grande mídia e no sistema judiciário continua com medinho se der chamado de racista se ousar levantar a questão da falsa identidade. Obama provou que o que move o mundo não é a cobiça, não é a ambição, não é o desejo de poder: é a frescura.

Em todo o mundo civilizado, o marxismo é uma subcultura dentro de uma cultura maior cujo passo ele há tempos já desistiu de acompanhar. Mesmo na Rússia ele só subsiste como parcela menor dentro da síntese eurasiana, onde se vê forçado a acomodar-se ao cristianismo ortodoxo, ao esoterismo islâmico, às formas extremas do conservadorismo nacionalista russo e até à “Nova Direita” francesa de Alain de Benoist.

Seus progressos e readaptações internas, algumas notáveis, nem de longe tentam concorrer com as mutações velozes da cultura em torno e sobretudo com o avanço das pesquisas historiográficas, que ele prefere ignorar exceto quando servem de subsídio a essas readaptações.

No Brasil, ao contrário, graças à “ocupação de espaços” e à proibição tácita do confronto de idéias, ele se converteu em cultura dominante, oficial, perto da qual tudo o mais, que não se estuda nem se conhece, é rebaixado facilmente ao estatuto de “ideologia”, de “propaganda”, de “revisionismo” ou de “teoria da conspiração”.

Assim instruídos durante décadas, os estudantes estão persuadidos de que existe uma cultura normal, superior, “mainstream”, que é a deles, e em volta dela uma pululação de idéias estranhas e sem relevância intelectual. Quando um deles é assaltado desde dentro pelo vago pressentimento que essas “idéias estranhas” são nada menos que a cultura universal, da qual foi privado pelos bons préstimos de professores marxistas notavelmente ignorantes, das duas uma: ou parte para a negação psicótica de tudo, enraivecendo-se até o último limite do ridículo, ou reconhece que está em crise e tem de rever toda a educação que recebeu.

O Brasil, de dentro e de perto, é o horror, a depressão, o nojo, a raiva impotente. De longe, é só tristeza e pena. É mais fácil de agüentar.

Ernest Hemingway -- leio no último livro de Humberto Fontova -- dizia que para ser escritor o sujeito precisa ter um "detector de merda". O dele teria falhado em Cuba, onde ele assistiu pessoalmente a dezenas de execuções de inocentes e continuou exaltando o regime cubano como uma ilha de paz e liberdade? Acho que não falhou. Ele viu tudo, entendeu tudo e mentiu conscientemente. Depois estourou os miolos, quando não agüentava mais armazenar tanta merda escondida.

Alguém aí perguntou por que parei com o blog. Parei porque cada vez que escrevia umas linhas tinha de pedir a alguém que as pusesse online para mim. A coisa virava como que uma publicação formal, perdia a espontaneidade do tempo real. O Facebook veio resolver esse problema. Aqui posso pensar ao vivo diante de vocês, como um filósofo deve mesmo fazer diante dos seus alunos, sobre os problemas que o preocupam no momento, em vez de simplesmente reproduzir pensamentos já catalogados e arquivados. Esse é o bom método, bom para mim e bom para vocês. Toda uma tradição de ensino da filosofia o confirma, de Sócrates a Jules Lagneau, Alain, Eric Voegelin e tantos outros.

Fragmento de uma apostila em preparo:

Lógicas paradoxais, ou “da contradição”, só são viáveis se o significado dos seus princípios, conceitos e proposições se rege não por elas e sim pela velha lógica da identidade, isto é, conservam o seu sentido estável e uniforme ao longo de todas as demonstrações. Caso contrário, todo princípio, conceito ou proposição, tão logo enunciado, se desdobraria no seu oposto, duplicando-se e contradizendo-se; e os dois se desdobrariam em quatro, e estes em oito e assim por diante infinitamente, de modo que a lógica assim concebida se veria forçada, seja a admitir sua dependência da lógica de identidade, seja a continuar girando em círculo em torno do seu primeiro princípio pelos séculos dos séculos, sem nada poder deduzir dele.

Isso é o mesmo que dizer que tais lógicas só podem ser concebidas como possibilidades construtivistas internas à mente humana, isto é, como lógicas do imaginário, sem outro ponto de contato com o mundo real onde foram concebidas por certos professores exceto a lógica de identidade que elas fingem contradizer no instante mesmo em que confessam sua dependência dela.

O fato de que possam ser formalizadas matematicamente não interfere nisso no mais mínimo que seja.

Minha opinião sobre as lógicas paradoxais, ou "paraconsistentes", é muito simples: Elas não existem. Só o que existe é a aplicação da lógica de identidade a questões ambíguas ou indecidíveis, mais adequadas, por isso mesmo, a um tratamento dialético.

Célio Rodrigues pergunta: 

Caro professor, qual sua opinião sobre Krishnamurti, Sociedade Teosófica e Ordem Rosa Cruz? Grato.

Olavo responde:
Krishnamurti foi um homem honesto, que, treinado para ser um Messias fake, denunciou a coisa toda e deu um pé na bunda dos seus mentores. Para o restante da pergunta, leia "O macaco de Madame Blavatski" de Peter Washington e :"Le Théosophisme" de René Guénon.

Pedro Henrique Medeiros: É verdade, esse pessoal só choraminga. Da minha parte, digo: Não sou vítima de coisa nenhuma, não sou um injustiçado, não sou um gênio incompreendido. Não tenho queixas a apresentar. Sou um vencedor afortunado, gratíssimo a Deus e a todas as pessoas que foram bondosas comigo. Tenho pena daqueles que me esfregam na cara seus diplominhas de universidades de merda e nem se lembram de perguntar: Que são esses diplominhas, que são os seus miseráveis currículos Lattes, comparados ao reconhecimento oficial, pelo próprio governo americano, das minhas realizações no campo da filosofia e da educação?

O breve e exato roteiro que o Ronald Robson acaba de publicar no "Ad Hominem" mereceria o título de "O mínimo que você precisa saber da obra do Olavo de Carvalho antes de nos dar a sua linda opinião a respeito". O curioso é que, de todos os fulanos que subiram ao palco no papel de meus "críticos", nenhum demonstrou conhecer NADA dos tópicos ali resumidos. O mais gigantesco esforço feito até agora por alguma dessas criaturas no sentido de saber algo a respeito foi o do Ricardo Mussi, que enxergou um pedacinho de nada e achou que já havia entendido tudo. Os outros, nem isso. E é óbvio que não têm a capacidade requerida nem mesmo para COMEÇAR a estudar o assunto. Sua reação à minha presença no cenário público é a explosão de um insuportável SENTIMENTO DE INFERIORIDADE que procura se camuflar como hostilidade e afetação de desprezo -- decerto um dos sinais mais característicos não só da total destruição da alta cultura no Brasil, mas também de uma abjeção moral talvez sem precedentes no mundo.

Sempre achei curioso – para dizer o mínimo – que tantas pessoas criassem opiniões sobre o cristianismo sem jamais ter a curiosidade de averiguar o elemento essencial dessa religião: os milagres. Em outras religiões os acontecimentos miraculosos podem ser apenas acréscimos posteriores aos quais se dá um valor de comprovação, mas o cristianismo começa com um milagre, o nascimento virginal de Cristo, culmina em outro milagre, a ressurreição, e prossegue de milagre em milagre até hoje. 

Quando se fala de “revelação cristã”, o que se entende corretamente por isso não é o texto do Evangelho, mas os fatos que ele relata: vida, paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, uma seqüência de milagres. Sto. Tomás ensina que nós falamos por meio de palavras, mas Deus fala por meio de palavras e de fatos. Os fatos do Evangelho revelaram ao mundo aquilo que o texto, depois, simplesmente registrou. Você pode não acreditar em nenhum desses fatos, mas não pode negar que eles, e não sua narrativa posterior, muito menos as conclusões que os teólogos, os papas e os concílios foram extraindo deles ao longo dos séculos, constituem a essência da revelação cristã. Logo, não há meio de entender nada do cristianismo sem prestar atenção aos milagres, dos quais depende todo o sentido da doutrina.

Você não tem nenhum meio de confirmar ou negar a veracidade dos milagres evangélicos, mas Jesus prometeu que continuaria a operar milagres pelos séculos dos séculos, e, a rigor, não há fatos de nenhum outro gênero, no mundo, que existam em tão grande número e tão bem documentados, sobretudo hoje em dia. O desinteresse de conhecê-los, da parte de pessoas que no entanto emitem opiniões em penca sobre o cristianismo, revela que essas pessoas preferem conhecer só pelas beiradas o assunto de que falam, com medo de chegar muito perto do centro e sair chamuscadas.

Muitas, antes de ter examinado um só desses fatos, já se apegam à idéia de que um dia todos eles terão uma “explicação científica” – subentende-se: materialista – e ficará provado que não foram milagres de maneira alguma. Embora essa expectativa jamais tenha se cumprido com relação a nenhum milagre confirmado pela Igreja e embora a promessa da explicação demolidora tenha o seu cumprimento repetidamente adiado de novo e de novo em cada caso concreto (recentemente falhou de novo em "explicar" o Santo Sudário de Turim), o fato é que essas pessoas continuam confiando na promessa como se fosse desde já uma prova realizada, cabal e irrespondível. Nada pode haver de mais irracional do que esse ato de fé que toma como prova uma promessa de prova e se renova a cada nova tentativa falhada de realizá-la. No entanto, as pessoas que o praticam acreditam que são, nisso, tremendamente científicas.

Se eu tivesse algum dinheiro, pagaria aos luminares do materialismo para que estudassem, pelo tempo que quisessem, os milagres do Padre Pio ou aqueles relatados pelo dr. Ricardo Castañon nos seus vídeos, e nos dessem uma “explicação científica” de cada um.

Alguém ai disse que se houvesse dez Olavos na praça a situação não teria chegado aonde chegou. Podem deixar, estou preparando uns mil para lançar em breve, e alguns serão ainda piores que eu.

Meus adversários são Alexander Duguin, Slavoj Zizek, Ernesto Laclau, Antonio Negri. Não tenho nenhum no Brasil, só aspirantes a pentelhos.

A elite intelectual da direita é: Rodrigo Constantino, Eduardo Gianetti e Luiz Felipe Pondé. Eu, a Graça Salgueiro, o Lobão e o Heitor de Paola somos a escória.

Já notaram que o sr. Lula celebra a democracia como o melhor meio de CONQUISTAR o poder, não o de EXERCÊ-LO?

Vocês já repararam que qualquer merdinha palpiteiro se acha infinitamente superior a vocês em inteligência, pelo simples fato de não ser meu aluno e de não conhecer, do meu pensamento, senão uma ou duas frases soltas e às vezes nem isso? Não é um fenômeno extraordinário?
Por: Olavo de Carvalho www.olavodecarvalho.org

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O PROGRESSO DA IGNORÂNCIA

A impossibilidade de discernir conhecimento e ignorância põe em risco não só a segurança da civilização, mas a própria integridade da inteligência humana.

Estamos tão habituados a ouvir falar de "progresso do conhecimento", que não nos damos conta de que essa expressão não é um conceito descritivo, a tradução verbal de uma realidade, mas uma figura de linguagem, uma metonímia, por trás da qual não há senão uma impressão confusa e até enganosa. A realidade a que essa expressão alude vagamente é, com efeito, apenas o aumento das informações disponíveis sob a forma de livros, arquivos, índices, microfilmes, etc., isto é, o crescimento do número de registros, bem como da quantidade de pessoas e instituições ocupadas em produzi-las. 

É certo que esse crescimento implica um acréscimo de precisão e diferenciação. Mas dizer que isso é "conhecimento" é o mesmo que imaginar que um estudante de biologia, tão logo entra na faculdade, já conhece toda a biologia pelo fato de estar cercado de bibliotecas, arquivos e toda sorte de registros concernentes à ciência biológica. Tudo isso é conhecimento potencial, não é conhecimento ainda.

A diferença torna-se ainda mais visível quando nos lembramos de que, afinal de contas, a própria natureza em torno, o universo inteiro dos seres vivos, é um depósito de conhecimentos biológicos em potência, aguardando que o ser humano os apreenda e registre. Tão logo as informações contidas nesse depósito sejam convertidas em registros humanos, dizemos que "aumentou nosso conhecimento", mas o que ocorre quando o número de registros cresceu a ponto de nenhum ser humano poder abarcá-lo ou ter ideia clara do seu princípio organizador? 

Por exemplo, quanto dos registros acumulados espelha a realidade objetiva dos seres vivos, e quanto só reflete os códigos e convenções da cultura sob cuja ótica foram enfocados? E quem nos garante que os registros acumulados descrevem fielmente a evolução dos conhecimentos adquiridos e não os saltos, lapsos e deformações que, de uma época a outra, o advento de novas convenções impõe à compreensão dos conhecimentos anteriormente adquiridos? O que acontece, para continuar no exemplo da biologia, é que uma primeira camada de objetos a decifrar – o "mundo" dos seres vivos – foi substituída por uma segunda camada de objetos, os registros de conhecimentos biológicos, cuja decifração é igualmente difícil, não raro impossível. Isso, hoje, é o que se passa em todas as ciências.

O otimista incurável alegará que o crescimento do volume de registros é compensado pelo progresso dos métodos de indexação, sobretudo desde o advento dos computadores. Isso é uma ilusão. A conversão de registros impressos em registros eletrônicos é ainda a substituição de uma coleção de objetos por outra coleção de objetos, talvez mais fácil de manipular fisicamente mas nem por isso mais fácil de assimilar intelectualmente.

Qualquer cientista hoje em dia reconhece que ninguém domina o campo inteiro da sua ciência, quanto mais o das ciências todas, mas raramente algum deles tira daí a conclusão incontornável de que o "progresso do conhecimento", mesmo na sua área restrita, é apenas o crescimento do número de registros que vai se tornando cada vez mais indecifrável, a substituição de uma rede impenetrável de objetos naturais por uma rede impenetrável de objetos culturais.

Estes, em princípio, "significam" aqueles, mas, se o acesso aos objetos naturais passa pela aquisição do domínio sobre os objetos culturais correspondentes, resta o fato de que nas ciências culturais reina ainda mais confusão e nebulosidade do que nas ciências naturais.O domínio precário dos registros não pode deixar de afetar a compreensão dos objetos naturais que "significam".

"Conhecimento", a rigor, só existe na mente de quem conhece, no instante e no grau em que conhece. Um ser humano pode conhecer muitas coisas, pode dominar, num relance, uma área imensa de conhecimentos, e pode ignorar totalmente outras áreas das quais depende a compreensão daquela que ele conscientemente abarca. 

Quando leio, por exemplo, um livro de Richard Dawkins, delineia-se claramente ante meus olhos a fronteira entre o campo dos objetos que ele conhece e o daqueles que ele desconhece, mas à luz dos quais ele interpreta os primeiros. Isto é o mesmo que dizer que ele não compreende muito bem nem mesmo aquilo que ele conhece.

Jean Piaget estabelecia uma diferença rígida entre as ciências, que segundo ele nos dão "conhecimentos", e a filosofia, que nos dá apenas um "senso de orientação". Mas em que medida o homem desorientado no meio de uma massa de informações tem real "conhecimento" dela? Pode-se, é claro, conhecer um enigma sem conhecer a sua solução. Mas o que acontece quando não entendemos claramente nem mesmo a formulação do enigma? A desorientação, nesse caso, resvala na pura ignorância. 

O "progresso do conhecimento", nesse sentido, implica o concomitante o aumento da ignorância. E, quando a ignorância e o conhecimento se mesclam de maneira inseparável, é a ignorância que predomina, pois é ela que determina a forma do conjunto.

Não é preciso dizer que, levada ao seu extremo, a impossibilidade de discernir conhecimento e ignorância põe em risco não só a segurança da civilização, mas a própria integridade da inteligência humana. A tarefa da filosofia é intensificar aquele discernimento e tentar preservar a integridade da inteligência no meio do crescimento simultâneo dos conhecimentos e enganos.
Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

SOBRE MÉDICOS E VACINAS

A presidente Dilma Rousseff acusou hoje os que têm preconceito contra a presença dos médicos cubanos no Brasil. Disse que há também médicos de outros países, além de Cuba. A presidente reiterou que os estrangeiros estão no Brasil para desempenhar o trabalho que os médicos brasileiros não querem fazer. 


"É um imenso preconceito sendo externado contra os cubanos. É importante dizer que os médicos estrangeiros, não só cubanos, vêm ao Brasil para trabalhar onde médicos brasileiros formados aqui não querem trabalhar", disse ela.

A presidente sofisma. O que se pede é que os cubanos cumpram as mesmas exigências feitas aos médicos nacionais, o exame do Revalida. O que também tem causado indignação é saber que mais da metade do salário de cada profissional vai para a ditadura cubana. 

Segundo os jornais, os médicos cubanos atuarão no Brasil em regime diferente dos que se inscreveram individualmente no Mais Médicos. No acordo, os repasses financeiros serão feitos do Ministério da Saúde para a Opas. A entidade repassará as quantias ao governo cubando, que pagará os médicos. Inicialmente nem a Opas nem o Ministério da Saúde souberam especificar quanto dos R$ 10 mil pagos por médico será repassado para os profissionais. O secretário adjunto de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Fernando Menezes, disse depois que a remuneração ficaria entre R$ 2,5 mil e R$ 4 mil.

O que será uma festa para quem ganhava algo em torno a cem reais por mês, menos que um chofer de táxi cubano que trabalhe junto a turistas, quantia que um mendigo brasileiro tira fácil em uma ou duas semanas nas ruas de São Paulo. Os médicos que vêm de outros países receberão a integralidade de seus salários. Por que só os cubanos entregarão parte de seus ganhos ao Estado? No fundo, é o PT erguendo o bracinho stalinista, em uma tentativa canhestra de financiar o falido regime comunista da ilha.

Não é a primeira vez que o Brasil vai em socorro da ditadura castrista. Ou já foi esquecido o caso das famosas vacinas cubanas contra a meningite, importadas pela bagatela de 250 milhões de dólares? Pelo jeito, ninguém mais lembra delas. Na grande São Paulo, a vacina cubana foi administrada em 1989 e 1990 para 2.400.000 crianças, na faixa etária de três meses a seis anos de idade. Após a campanha de vacinação, não foi observada queda do coeficiente de incidência da meningite.

Mas as vacinas eram socialistas. Quem duvida - salvo reacionários irrecuperáveis, como este que vos escreve - da excelência da medicina cubana? Em abril de 94, o ministério da Saúde brasileiro decidiu liberar o uso destas vacinas, suspensas desde 91. 

Na época, a Organizacão Panamericana de Saúde (Opas) já constatara que sua eficácia era baixa em menores de quatro anos e quase nula em menores de dois. Mesmo assim, o Rio de Janeiro formalizou o pedido das vacinas. Consultei então quem entende do assunto, o professor e pesquisador Isaías Raw, do Instituto Butantã. Respondeu-me o professor Raw:

"A verdade é que a vacina cubana não imuniza crianças abaixo de dois anos (nem de quatro) onde a meningite B é mais freqüente e pode ser fatal. Crianças pequenas usualmente não respondem a polisacarídeos. Para maiores de quatro anos a vacina funciona, evitando que adultos espalhem a meningite para filhos, etc., o que não justifica o seu uso generalizado que deu a Cuba 250 milhões de dólares".

Há quem diga existir um viés ideológico na discussão a respeito dos médicos cubanos. Sem dúvida nenhuma. Prova disto são os gatos pingados que foram receber os 176 médicos que desembarcaram no Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília, com bandeiras da UNE, do MST e da Associação Médica Nacional (AMN), entidade que reúne 650 brasileiros formados em medicina nas universidades cubanas.

“Não viemos para competir. Viemos trabalhar junto e esperamos contar com o apoio de todo o povo brasileiro”, disse Alexander Del Toro, graduado há 17 anos, que se apresentou como natural do centro da ilha, região onde “repousam os restos mortais de Che Guevara”, o médico exemplo de militância pela integração latino-americana.

Médico também exemplo de médico assassino de gatilho fácil, que admitia serenamente, em dezembro de 1964, na sede da ONU:

- Fuzilamentos? Sim, temos fuzilados, fuzilamos e seguiremos fuzilando sempre que necessário, nossa luta é uma luta à morte.

Que um médico cubano defenda Che ou o regime castrista no Exterior, entende-se. Ele é refém da ditadura. Espantoso é ver alguém no Brasil defendendo Cuba e o Che, 24 anos após a queda do Muro, 22 anos após a dissolução da União Soviética, em suma, duas décadas após a derrocada do comunismo.

Leitor de Dom Pedrito me acusa de radicalismo. Que radicalismo, companheiro? Resta alguma dúvida sobre a ineficácia das famosas vacinas cubanas? Que os médicos sejam pagos, muito louvável, digno e justo. Mas financiar uma ditadura? E se o Pinochet, em sua época, tivesse enviado médicos chilenos ao Brasil, ficando com 50 ou mais por cento de seus salários, você defenderia a vinda dos médicos chilenos? 

Enfim, numa cidade que tem uma rua em homenagem a Che Guevara, não é de espantar que existam defensores da Disneylândia das esquerdas. O que redime um pouco os pedritenses é que, na falta de informaçõe sobre o guerrilheiro, a rua acabou sendo a Rua do Che, o que naquelas plagas passa a ter outro sentido.

Sempre houve uma complacência generalizada contra a corrupção que envolve Cuba. Em 2000, manifestantes do PT, CUT e MST organizaram em São Paulo o Dia do Basta. O protesto denunciava, entre outros escândalos, o desvio de 169 milhões de reais na construção de um prédio do TRT, pelo ex-juiz do Trabalho Nicolau dos Santos Neto - Lalau para os jornalistas -, na época foragido há três meses. No mesmo dia, o MST invadia em Recife, com coquetéis molotov, um cargueiro de bandeira liberiana que transportava milho transgênico, importado como ração animal.

Ora, o rombo produzido pelo Lalau, em moeda forte, era de 89 milhões de dólares. Apenas um terço do que foi tungado do contribuinte brasileiro para a compra de um placebo socialista. Esplêndido país, este nosso: suas crianças estão expostas à fome e à delinqüência nas ruas e seus dirigentes se dão ao luxo de financiar uma ditadura no Caribe. Contra aquela corrupção, nem a imprensa nem as oposições pediram investigação.

Como tampouco pedirão sobre esta. Dona Dilma, extração da geração que louvou Castro, Che e a revolução cubana, acusa de preconceito os brasileiros que protestam contra o trabalho escravo dos médicos cubanos e deles exigem tratamento igual ao dispensado aos brasileiros. 

A presidente defende, não os médicos cubanos – que não têm culpa de sua condição – mas a mais antiga ditadura do Ocidente.
Por: Janer Cristaldo






SOBRA VERBO, FALTA VERBA


Quando a crise atual mostrou suas unhas nos Estados Unidos e na Europa do euro, não faltaram ponderações de respeitáveis autoridades da área acerca da gravidade do problema, sendo que uma delas não hesitou em comparar o caso com o flagelo de 1929/1930.

As nossas autoridades, no entanto, “cantavam de galo” diante da ameaça. Lembro que a senhora presidente blasonava ao dizer que o Brasil, que tirara de ouvido a crise anterior, a crise anunciada não lhe faria mossa, pois estava 300% mais fortalecido para enfrentá-la, as reservas externas eram fartas e assim por diante; ora, qualquer pessoa relativamente informada sabe que esses fenômenos vulcânicos podem gerar os mais contundentes efeitos de uma hora para outra, tomando as feições mais inesperadas; ora, ao ameaçar os fatos com gabolices é deixar à calva sua inépcia. Em verdade, os dias passam e a nossa situação se mostra frágil, seja por causas internas, quer por motivações externas, chegando a não ter condições de concorrer no Exterior pelo preço dos nossos produtos em casa, dado o preço dos importados. E agora, ao mesmo tempo em que o governo anda perdendo o fôlego para conter a cotação do dólar, respira aliviado porque a elevação lhe é favorável para aumentar a exportação. A notoriedade dessas realidades dispensa a insistência no assunto. Mas, dia a dia, vêm pipocando notícias várias, indicativos da mesma realidade.

Um dia antes, a notícia era relativa às contas externas que fecharam o primeiro semestre com um rombo de 72% maior do que no mesmo período do ano anterior. “Com um desempenho fraco da balança comercial, o déficit externo chegou a US$ 42,48 bilhões”. Para analistas do mercado, “o cenário é preocupante”, embora em junho tendo havido alguma melhora.Ao correr os olhos, vejo que o desempenho fraco da economia brasileira atingiu o mercado de trabalho nas regiões metropolitanas, com exceção de Belém e Fortaleza. Outrossim, em 10 anos, foi o pior mês de julho em matéria de criação de empregos e o saldo de 41,5 vagas formais representa queda de 77%, ante ao mesmo mês de 2012. Lembro que até ontem se salientava que, a despeito da generalidade das dificuldades experimentadas o emprego se mantinha; ao que parece, o desemprego começa a dar sinais.

Segundo o Banco Central, de junho de 2012 para junho de 2013 a dívida externa aumentou de US$ 302 bilhões para US$ 321 bilhões e seus encargos cresceram de US$ 42 bilhões para US$ 60 bilhões; as exportações caíram de US$ 255 bilhões para US$ 239 bilhões, as reservas em dólar do Banco Central pararam de crescer, de US$ 373 bilhões para US$ 371 bilhões e o PIB em dólares encolheu de US$ 2,37 trilhões para US$ 2,29 trilhões. Enfim, os índices que a confiança de consumidores e empresários na economia caíram aos níveis registrados em 2009, auge de crise global.

Em síntese, um a um, esses dados não serão catastróficos, mas não são bons, e o conjunto deles não é nada tranquilizador. De resto, não é incomum que, de repente, os fatos entrem em desvarios, razão por que um pouco de cuidado não faria mal a ninguém. Eles já não ajudam uma candidata à reeleição e, se um novo tremor de terra viesse a ocorrer, poderia ser desastroso para ela. No entanto, a senhora presidente parece estar mais empolgada com sua campanha do que com a nação e as instituições. 
Por: Paulo Brossard Fonte: Zero Hora, 26/08/2013

domingo, 1 de setembro de 2013

PSICOPATIA POLÍTICA E ECONÔMICA

Embora exista mérito em se preocupar com os psicopatas corporativos, há muito mais mérito em se preocupar com os psicopatas políticos, mesmo porque, o que são os políticos modernos senão charmosos manipuladores com uma mente calculista?

Em novembro de 2010, o periódico The Economist publicou um artigo sobre psicopatia. Nele, está sugerido indiretamente que, se existem psicopatas amontoados aos montes nas prisões, pode ser que eles também estejam aos montes nas salas de reuniões corporativas. Isso quer dizer, no final das contas, que os psicopatas presos são os psicopatas estúpidos. Os espertos, que por sua vez são muito mais perigosos, galgam os degraus do mundo corporativo. Segundo o artigo, “a combinação de uma conduta propensa a correr riscos aliada à falta de sentimento de culpa e vergonha (as duas principais características da psicopatia) pode levar, de acordo com as circunstâncias, ou a uma carreira criminosa ou a uma carreira corporativa”.

Em um breve paper escrito por Clive R. Boddy intitulado As implicações dos psicopatas corporativos nos negócios e na sociedade, o psicopata corporativo é definido como “aquele sujeito que trabalha nas corporações e é interesseiro, oportunista, egocêntrico, cruel e desavergonhado, mas que também pode ser charmoso, manipulador e ambicioso”. Boddy afirma que os psicopatas “podem, teoricamente, estar presentes nas organizações nos altos cargos gerenciais em número muito maior que a média de 1% – que é a quantidade estimada deles na sociedade”.

Nesse paper também é dito que “os psicopatas corporativos são atraídos às corporações por elas serem fonte de poder, prestígio e dinheiro”. Contudo, esses sujeitos são “uma ameaça ao desempenho e à longevidade dos negócios, visto que eles colocam seus próprios interesses à frente dos interesses da firma”. Em outras palavras, os psicopatas procuram situações onde seus respectivos comportamentos tirânicos e suas habilidades exploratórias serão toleradas ou até mesmo admiradas sem que de fato haja uma preocupação acerca do sucesso ou fracasso dessas atitudes perante uma negociação.

Em um livro intitulado Working with monsters (NT.: Trabalhando com monstros), o psicólogo e acadêmico australiano John Clarke mostra que os psicopatas destrutivos estão também no mercado de trabalho. Eles se apresentam como pessoas charmosas e eficientes, quando na realidade eles são irresponsáveis e interesseiros. Sempre em busca de uma vítima para escravizar, o psicopata prefere destruir em vez de construir, para que assim jamais seja dada autoridade aos outros. No entanto, mais frequentemente do que estamos dispostos a admitir, essas pessoas adquirem posições de poder e exercem suas mesquinhas tiranias sobre os outros. Como escreveu Boddy em seu paper, “cruzar o caminho (dos psicopatas) nas empresas pode levar o funcionário a situações de assédio e humilhação”.

Em época de perdas financeiras colossais – de esquemas Ponzi nos níveis corporativo e federal – deve haver lá pelos altos cargos mais do que alguns psicopatas. O dano causado por tais pessoas pode ser incalculável. Pense na Crise da Poupança e dos Empréstimos no final da década de 1980 e começo da década de 1990. De 3234 empresas de empréstimo e poupança, 747 faliram, causando um prejuízo estimado de 370 bilhões de dólares. Indivíduos cruéis sem senso de responsabilidade são altamente perigosos quando ocupam cargos de gerência em organizações de importância crucial como bancos, firmas de investimentos ou cargos governamentais. Quanto a isso, as más notícias são piores do que as que gostaríamos de ouvir. O psicólogo organizacional Paul Babiak, autor de Snakes in Suits (NT.: Cobras de Terno), afirma que os psicopatas tendem a ascender rapidamente no mundo dos negócios graças ao charme e a facilidade em manipular os outros. Por parecer perfeitamente normal na aparência, o psicopata pode parecer ser um líder ideal, mas na verdade ele fará de vítima de todos aqueles que se apoiarem nele.

De acordo com Boddy, os psicopatas corporativos podem parecer “seres racionais quase perfeitos, com a importante ressalva de que ao tomarem decisões racionais eles colocarão seus próprios interesses à frente da corporação a qual eles trabalham”. Ele cita o paper de 1989 de Hansen & Wernerfelt intitulado Determinants of Firm Performance: The Relative Importance of Economic and Organizational Factors (NT.:Determinantes da performance em uma empresa: A importância relativa dos fatores organizacionais e econômicos) para dizer que “a questão crucial no sucesso de uma firma é a construção de uma organização humana efetiva; a presença de um psicopata corporativo afetaria diretamente o desenvolvimento organizacional, pois eles tendem a ser prejudiciais àqueles em seu entorno, especialmente aos colegas mais novos da empresa”.

No uso original do termo, psicopata referia-se a qualquer um com um problema mental. O termo podia ser aplicado a todos os indivíduos perturbados ou desordenados psicologicamente. Mais recentemente, o termo adquiriu um significado mais preciso; no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM) ele é descrito como alguém que tem Transtorno de Personalidade Antissocial. O Robert Hare’s Psychopathy Checklist, Revised (PCL-R) é uma ferramenta frequentemente usada para diagnósticos psicopáticos nos dias de hoje. O canadense que dá nome à lista é pesquisador na área de psicologia criminal. Ele ofereceu a seguinte lista de características: 

(1) Interpessoal / afetivo - (a) eloquência / charme superficial, (b) senso grandioso de autoestima, (c) mentiroso patológico, (d) astuto / manipulador, (e) inexistência de remorso ou culpa, (f) afetividade superficial, (g) insensibilidade, falta de empatia, (h) falha em tomar a responsabilidade pelas próprias ações; 

(2) Estilo de vida / Antissocial - (a) necessidade de estímulo / tendência ao tédio, (b) modo de vida parasitário, (c) carência de objetivos de longo prazo, (d) impulsividade, (e) irresponsabilidade, (f) delinquência juvenil, (g) problemas comportamentais desde cedo, (h) revogação da liberdade condicional e (i) versatilidade criminal.

Na edição do dia 26 de outubro do Chronicle Review, Kevin Dutton perguntou a Robert Hare se a sociedade moderna “está se tornando mais psicopata”. Hare afirmou que sim, dizendo que “há coisas acontecendo hoje em dia que não teríamos visto há 20 ou até mesmo 10 anos atrás”. Para reforçar o que disse, Hare referiu-se ao “recente crescimento da criminalidade feminina” e à situação de Wall Street. Como disse Dutton sucintamente, “o novo milênio inaugurou uma nova onda de criminalidade corporativa como nunca antes se viu. Investimentos fraudulentos, conflitos de interesse, lapsos de julgamento e o bom e velho truque da fraude e desvio de fundos levado a cabo pela classe empresarial...”

Entretanto, os psicopatas corporativos podem não ser o maior dos perigos do nosso tempo. Indiscutivelmente, os psicopatas mais perigosos estão fora do mundo dos negócios e estão determinados a destruir o capitalismo a partir de posições que ocupam no governo e na mídia. Na palestra intitulada America’s Persecuted Minority: Big Business (NT.: A minoria perseguida da América: O grande negócio) Ayn Rand alertou que as falas em tom negativo sobre os empresários devem ser vistas com suspeita nos dias atuais. “Todo movimento que pretende escravizar um país”, diz Rand, “toda ditadura ou potencial ditadura, precisa de algum grupo minoritário como bode expiatório para colocá-los como causa dos problemas do país e usar isso como justificativa para que sejam atendidas suas demandas de poder ditatorial. Na União Soviética o bode expiatório era a burguesia; na Alemanha nazista eram os judeus; na América são os empresários”.

Embora exista mérito em se preocupar com os psicopatas corporativos, há muito mais mérito em se preocupar com os psicopatas políticos, mesmo porque, o que são os políticos modernos senão charmosos manipuladores com uma mente calculista? O que pode ser feito da falta de responsabilidade que encontramos nos políticos de hoje ou da maneira simplista em que eles se desviam de perguntas e críticas? O que oferece com mais plenitude o poder que a política? Se um psicopata busca poder nos negócios ele ainda pode ser impedido pela contabilidade necessária a toda empresa. Se entrar na política, ele precisa apenas repetir a grande mentira enquanto direciona seu carisma à mídia.

Com efeito, os psicopatas políticos fizeram mais vítimas que os psicopatas corporativos. E enquanto lermos sobre a ganância corporativa ou o desvio de fundos no noticiário, fiquemos tranquilos, pois o gulag soviético, os campos de trabalho chineses e os crimes dos nazis não foram obra dos capitalistas, mas sim dos inimigos do capitalismo. 
Por: Jeffrey Nyquist  Publicado no Financial Sense.
Tradução: Leonildo Trombela Júnior


sábado, 31 de agosto de 2013

A ASCENSÃO DO OCIDENTE

Ao longo de praticamente todo o período da história humana, privações materiais e insegurança crônica sempre foram a norma. A pobreza, e não a fartura, era o lugar o comum. Nem mesmo aquelas pessoas que estavam no topo da pirâmide social e do poder político podiam usufruir todos estes confortos básicos (como alimentação, habitação e vestuário) e prazeres consumistas que os "pobres" do mundo ocidental atual veem como naturais e corriqueiros. Em determinadas épocas, certas populações sobressaíam-se e usufruíam uma qualidade de vida superior — como talvez na Grécia antiga e em Roma, e na China durante a Dinastia Sung (960—1279) —, mas tais casos representavam a exceção.

No final do século XIV, os chineses provavelmente eram o povo que usufruía o mais alto nível de vida dentre todas as grandes populações do mundo. A admiração com que os europeus receberam os relatos de Marco Polo sobre a China no final do século XIII — ainda que, como o próprio Polo havia declarado em seu leito de morte, ele não descrevera nem metade do que havia visto na China — é uma das provas desta superioridade chinesa.

Ao fim da Idade Média, os europeus começaram a apresentar um progresso econômico mais acelerado, ao passo que os chineses entraram em um processo de estagnação econômica. Ainda mais notável foi a alteração ocorrida na energia econômica da Europa, que começou a se distanciar dos grandes centros comerciais do norte da Itália e se moveu em direção à periferia da civilização, no noroeste da Europa. Os bárbaros, aparentemente, haviam de alguma forma descoberto o segredo do progresso econômico. Dali em diante, não obstante alguns reveses e contratempos, os europeus ocidentais — e, mais tarde, seus primos coloniais na América do Norte — conseguiram progredir de modo contínuo e se distanciar economicamente do resto da humanidade. No século XVIII eles já estavam muito à frente dos chineses, para não mencionar em relação aos povos mais atrasados do mundo. E, até o presente, essa disparidade de riqueza continua extremamente significativa.

Como foi que o Ocidente teve êxito em gerar esse progresso econômico contínuo? Historiadores e cientistas sociais já ofereceram várias hipóteses, porém, até o momento, nenhuma explicação única conseguiu ganhar aceitação geral. Ainda assim, certos elementos de uma determinada resposta conseguiram obter um amplo consentimento. O crescente individualismo da cultura ocidental, arraigado na doutrina cristã, parece ter contribuído significativamente. Adicionalmente, a fragmentação política dos povos europeus durante a alta Idade Média e o início do período moderno — um pluralismo político com centenas de jurisdições distintas — estimulou um processo de experimentação institucional e tecnológica por meio do qual empreendedores puderam descobrir como tornar a mão-de-obra e o capital mais produtivo.

Fundamental a este dinamismo sustentado foi a importância crescentemente dada aos direitos de propriedade privada. Se as pessoas não confiam que haverá uma razoável chance de colherem os frutos de seus próprios esforços e investimentos, elas terão pouco ou nenhum incentivo para trabalhar duro e acumular capital físico, humano e intelectual. E, sem tal acumulação, é impossível haver um progresso econômico contínuo. No entanto, estes direitos de propriedade, que se tornaram mais seguros e confiáveis, não simplesmente caíram do céu. Na maioria das vezes, os comerciantes adquiriram a proteção de tais direitos por meio de pagamento de propinas aos barões medievais (nobres déspotas que extorquiam tributos) e aos aspirantes a reis que constituíam a fragmentada elite dominante da Europa ocidental.

No extremo, os comerciantes estabeleceram uma independência política nas cidades-estados onde podiam exercer total controle sobre as instituições legais que davam suporte às suas atividades econômicas. "O fato de que a civilização europeia passou por uma fase em que foram criadas cidades-estados", de acordo com Sir John Hicks, "é essencial para se entender a divergência entre a história da Europa e a História da Ásia". No final da era medieval, Veneza, Genova, Pisa e Florença eram as principais cidades de Europa. Mais tarde, Bruges, Antuérpia, Amsterdã e Londres assumiram a liderança. Cada cidade tinha sua própria milícia, a qual estava sempre pronta para defendê-la contra ameaças à sua autonomia político-econômica.

Para facilitar seus negócios, os comerciantes criaram seu próprio sistema jurídico. Com o intuito de fornecer uma rápida, barata e justa resolução para as contendas comerciais, esta Lex mercatoria criou instituições e precedentes que sobrevivem até o presente, e as quais encontram hoje expressão em um vasto sistema de resoluções alternativas (não-estatais) de contendas, como as arbitragens privadas. Em alguns países, os comerciantes e industriais utilizavam sua influência política para introduzir suas instituições jurídicas consuetudinárias nas leis estatais. Por causa da fragmentação política da Europa, governos que dificultavam excessivamente a vida dos empreendedores tendiam a perder comerciantes e seus negócios — e, por conseguinte, sua base tributária — para jurisdições concorrentes, de modo que a simples ameaça de tais perdas já fazia com que os governantes fossem mais contidos em sua fúria reguladora e tributária, dando aos empreendedores mais liberdade de manobra.

Ao contrário dos comerciantes da Europa (e, posteriormente, dos Estados Unidos), que conseguiam jogar um governo contra o outro em sua contínua busca por direitos de propriedade mais confiáveis, os empreendedores da China sofreram implacáveis ataques estatais de seu amplo e abrangente governo imperial. "Já em 1500, o governo decretou ser pena capital construir um navio com mais de dois mastros; e, em 1525, o governo ordenou a destruição de todas as embarcações construídas para navegação no oceano." Assim, a China, cujo comércio exterior havia sido vasto e abrangente durante séculos, "impôs a si própria uma trajetória que a levaria à pobreza, à derrota e ao declínio". Dentre várias outras ações adversas, o governo mandarim "interrompeu o desenvolvimento de relógios e de máquinas industriais movidas a água por toda a China".

No mundo islâmico, um governo imperial também esmagou o progresso econômico ao se mostrar incapaz de proteger direitos de propriedade e ao impor regulamentações e impostos arbitrários.

No século XX, o império soviético igualmente adotou a política de inventar e impor uma grande e péssima ideia — planejamento econômico centralizado —, a qual suprimiu totalmente a liberdade econômica necessária para um progresso econômico contínuo e robusto. Infelizmente, os comunistas chineses, os europeus do leste, e vários governos pós-coloniais do Terceiro Mundo seguiram o caminho aberto pela URSS, e foram à ruína econômica.

Em pleno século XXI, era de se esperar que, finalmente, as pessoas e os governos já houvessem entendido o elo inquebrantável entre liberdade econômica e crescimento econômico, e apreciassem a importância vital dos direitos de propriedade privada. Porém, e infelizmente, isso parece ainda não ser a realidade. Em todos os cantos do globo, os governos continuam concedendo privilégios a grupos específicos, atacando empreendedores que genuinamente criam riqueza e impondo restrições que estrangulam a liberdade econômica. Como a história perfeitamente mostra, os direitos de propriedade privada requerem uma contínua e inflexível defesa — caso contrário, as pré-condições para todo e qualquer progresso econômico serão solapadas e destruídas.

John Hubbard, "Marco Polo's Asia."
[2] Deepak Lal, Unintended Consequences: The Impact of Factor Endowments, Culture, and Politics on Long-Run Economic Performance (Cambridge, Mass.: MIT Press, 1998), pp. 75–97; Michael Novak, "How Christianity Created Capitalism," Wall Street Journal, December 23, 1999.
[3] John Hicks, A Theory of Economic History (London: Oxford University Press, 1969), p. 38.
[4] Ver, por exemplo, a Câmara de Comércio Internacional, "International Court of Arbitration: International Dispute Resolution Services."
[5] Nathan Rosenberg and L. E. Birdzell, Jr., How the West Grew Rich: The Economic Transformation of the Industrial World (New York: Basic Books, 1986), pp. 114–15, 121–23, 136–39.
[6] Nicholas D. Kristof, "1492: The Prequel," New York Times Magazine, June 6, 1999, p. 85.
[7] Jared Diamond, "The Ideal Form of Organization," Wall Street Journal, December 12, 2000.
[8] Lal, pp. 49–67.

Por: Robert Higgs um scholar adjunto do Mises Institute, é o diretor de pesquisa do Independent Institute.

Tradução de Leandro Roque

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

QUARO MEDIDAS PARA MELHORAR O SISTEMA DE SAÚDE

É verdade que o sistema de saúde (europeu, americano ou brasileiro) está uma bagunça e é insustentável. Entretanto, isso demonstra não uma falha de mercado, mas, sim, uma falha de governo. A cura do problema não requer uma diferenciada regulamentação governamental, tampouco mais regulamentações ou burocracias, ou mesmo invenções mirabolantes, como políticos interesseiros querem fazer-nos crer. A cura do problema requer simplesmente a eliminação de todos os atuais controles governamentais.

É urgente levarmos a sério uma reforma do sistema de saúde. Créditos tributários, vouchers e privatização já ajudariam muito na meta de descentralizar o sistema e remover encargos desnecessários sobre as empresas. Porém, quatro medidas adicionais devem ser tomadas:

1. Eliminar todas as exigências de licenciamento para as faculdades de medicina, hospitais, farmácias, médicos e outros profissionais da área de saúde. A oferta destes itens iria aumentar de imediato, os preços iriam cair, e uma maior variedade de serviços de saúde iria aparecer no mercado.

Agências de credenciamento, competindo voluntariamente no mercado, iriam substituir o licenciamento compulsório do governo — levando-se em conta que os fornecedores de serviços de saúde (afinal, serviços de saúde são serviços como quaisquer outros) acreditem que tal reconhecimento iria melhorar sua reputação, e que seus consumidores, por se importarem com a reputação dos fornecedores, estarão dispostos a pagar por isso.

Como os consumidores não mais seriam ludibriados a acreditar que existe tal coisa como "padrão nacional" de saúde, eles aumentariam sua procura por bons serviços de saúde a custos baixos, e fariam escolhas mais perspicazes.

2. Eliminar todas as restrições governamentais sobre a produção e a venda de produtos farmacêuticos e equipamentos médicos. Isso significa a extinção de agências reguladoras encarregadas de controlar remédios, vacinas, drogas e produtos biológicos (como a Anvisa, no Brasil). Atualmente, essas agências servem apenas para obstruir inovações e aumentar os custos de produção.

Custos e preços cairiam, e uma maior variedade de melhores produtos chegaria ao mercado mais rapidamente. O mercado também forçaria os consumidores a agir de acordo com suas próprias avaliações de risco — em vez de confiar essa tarefa ao governo. E os fabricantes e vendedores de remédios e aparelhos, devido à concorrência, teriam de fornecer cada vez mais garantias e melhores descrições de seus produtos, tanto para evitar processos por produtos defeituosos como para atrair mais consumidores.

3. Desregulamentar a indústria de seguros de saúde. A iniciativa privada pode oferecer seguros contra eventos cuja ocorrência está fora do controle do segurado. Por outro lado, uma pessoa não pode se segurar, por exemplo, contra o suicídio ou a falência, pois depende apenas dessa pessoa fazer tais eventos ocorrerem.

Como a saúde de uma pessoa, ou a falta dela, depende quase que exclusivamente desta pessoa, muitos, se não a maioria, dos riscos de saúde não são efetivamente seguráveis. "Seguro" contra riscos cuja probabilidade de ocorrerem pode ser sistematicamente influenciada por um indivíduo depende fortemente da responsabilidade própria desta pessoa.

Além do mais, qualquer tipo de seguro envolve um compartilhamento de riscos individuais. Isso implica que as seguradoras paguem mais a alguns e menos para outros. Mas ninguém sabe com antecedência, e com convicção, quem serão os "ganhadores" e quem serão os "perdedores". "Ganhadores" e "perdedores" são distribuídos aleatoriamente, e a resultante redistribuição de renda não é nada metódica. Se "ganhadores" e "perdedores" pudessem ser determinados sistematicamente, os "perdedores" não iriam querer compartilhar seus riscos com os "ganhadores", mas sim com outros "perdedores", porque isso faria diminuir seus custos de seguridade. Por exemplo, eu não iria querer compartilhar meu risco de sofrer acidentes pessoais com os riscos incorridos por jogadores profissionais de futebol; eu iria querer compartilhar meus riscos exclusivamente com os riscos de pessoas em circunstâncias similares às minhas, a custos mais baixos.

Devido às restrições legais impostas às seguradores de saúde, que não têm o direito de recusar certos serviços — excluir algum risco individual por este não ser segurável —, o atual sistema de saúde está apenas parcialmente preocupado em assegurar. A indústria dos seguros não pode discriminar livremente entre diferentes riscos incorridos por diferentes grupos.

Como resultado, as seguradoras de saúde têm de cobrir uma multidão de riscos não seguráveis em conjunto com riscos genuinamente seguráveis. Elas não podem discriminar os vários grupos de pessoas que apresentam riscos de seguridade significativamente diferentes. Assim, a indústria dos seguros acaba gerenciando um sistema de redistribuição de renda — beneficiando agentes irresponsáveis e grupos de alto risco às custas de indivíduos responsáveis e de grupos de baixo risco. Como esperado, os preços desta indústria estão altos e em constante crescimento.

Desregulamentar esta indústria significa devolver a ela a irrestrita liberdade de contrato: permitir que uma seguradora de saúde seja livre para oferecer qualquer tipo de contrato, para incluir ou excluir qualquer tipo de risco, e para discriminar quaisquer tipos de grupos ou de indivíduos. Riscos não seguráveis perderiam cobertura, a variedade de políticas de seguridade para as coberturas remanescentes aumentaria, e os diferencias de preços refletiriam os riscos reais de cada seguridade. No geral, os preços iriam cair drasticamente. E a reforma restauraria a responsabilidade individual na questão da saúde.

4. Eliminar todos os subsídios para os doentes ou adoentados. Os subsídios sempre criam mais daquilo que está sendo subsidiado. Subsídios para os doentes e enfermos alimentam a doença e a enfermidade, e promovem o descuido, a indigência e a dependência. Se estes subsídios forem eliminados, seria fortalecida a intenção de se levar uma vida saudável e de se trabalhar para o sustento próprio. De início, isso significa abolir todos os tipos de tratamento e assistência médica "gratuitos" — isto é, financiado compulsoriamente pelo contribuinte saudável e zeloso de sua saúde.

Apenas essas quatro medidas, conquanto drásticas, irão restaurar um completo livre mercado no fornecimento de serviços médicos. Enquanto estas medidas não forem adotadas, a indústria continuará tendo sérios problemas — afetando de maneira extremamente negativa a vida de seus consumidores.

Por: Hans-Hermann Hoppe  um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo eThe Economics and Ethics of Private Property.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

MENSALÃO: PODERIA SER PIOR

Julgamento do mensalão pode ser uma ruptura com o passado: STF pode demonstrar que não é suscetível às pressões políticas, especialmente aquelas advindas do Executivo


O julgamento do mensalão é a mais perfeita tradução de como funciona a justiça brasileira. O recebimento da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal ocorreu em agosto de 2007. Antes, em julho de 2005, foi aberto o inquérito na Justiça Federal de Minas Gerais. Na instrução da ação penal 470 foram mais cinco anos. O julgamento já ocupou 57 sessões do STF. Somando o processo e a sentença, o total das páginas chega próximo a 60 mil. E até hoje não temos a conclusão do julgamento.

Os mais otimistas acreditam que tudo deve terminar até dezembro e o eventual cumprimento das penas ficaria para 2014. E isto graças a celeridade dada à ação penal pelo presidente Joaquim Barbosa e que também acumula a relatoria. Ou seja, poderia ser pior, caso não tivesse ocorrido esta feliz coincidência, além do desejo de Barbosa de terminar ainda este ano o processo.

A longevidade do julgamento, porém, permite observar como funcional mal a justiça. Apesar da atenção nacional, da cobertura da imprensa e excelente infra-estrutura – são milhares de funcionários, a maioria deles regiamente pagos -, o ritmo é lentíssimo. Tudo é motivo para deixar para a próxima sessão que, como virou hábito, vai começar atrasada e com intervalos longuíssimos. Os ministros falam, falam e dizem pouco ou quase nada que se possa aproveitar. A linguagem embolada encobre o vazio. O latim de cura de aldeia é patético. A discussão “teórica” proposta por Ricardo Lewandowski sobre o crime de corrupção e qual a legislação a ser aplicada teve a profundidade de um pires. Mas haja vaidade. Um exemplo é o ministro Roberto Barroso. Diria um antigo jogador de futebol: ele acabou de chegar e já quer sentar na janelinha do ônibus. Faz questão de falar sobre tudo. Adora o som da própria voz.

Se o julgamento permite constatar que o Judiciário está mais preocupado com o formalismo – não há nada mais anti-republicano que o “capinha”, o funcionário que empurra a cadeira para o ministro sentar – do que com a aplicação das leis, é na indústria dos recursos que a perversidade chega ao cume. È evidente que o advogado tem de defender seu cliente. Mas há uma clara diferença entre a defesa e a mera procrastinação que visa, simplesmente, adiar a conclusão do processo. É inadmissível que um advogado, como ocorreu em uma das sessões da semana passada, solicite que o seu cliente seja julgado em primeira instância pois não teria foro privilegiado. Esta questão foi discutida três vezes e a Corte, em todas elas, tomou a mesma decisão: que o processo deveria ser julgado em bloco no STF. O advogado não sabia? Claro que sabia. Por que agiu assim? Por que faz parte do jogo – triste jogo da Justiça brasileira. Quanto mais tempo levar para a efetivação do cumprimento da pena, melhor.

A sucessão de recursos desmoraliza a Justiça. Deixou de ser instrumento de defesa do cidadão contra possível injustiça do Estado. Virou um mecanismo para – como no caso do mensalão – estimular a impunidade. E se através dos sucessivos recursos, o defensor conseguir que seu cliente não cumpra a pena, ele acaba – absurdo dos absurdos – sendo uma referência para seus pares, um símbolo de esperteza, como se Macunaíma tivesse se transformado em patrono dos advogados brasileiros.

É um terreno perigoso mas não custa especular até onde vai o direito de defesa – legítimo e parte essencial da democracia – e a associação entre defensor e cliente. É ético um advogado elaborar conscientemente uma linha de defesa para encobrir um ato criminoso do seu cliente e lesivo ao interesse público? É ético receber honorários de um cliente sabidamente corrupto? É ético participar de um julgamento como advogado de um réu acusado de ter cometido diversos crimes que envolveram autoridades de um governo que o defensor participou?

A indústria dos recursos acabou ganhando legitimidade. As diversas corporações que fazem parte do mundo do Direito não desejam qualquer mudança de fundo na legislação. Esporadicamente fazem alguma declaração criticando a proliferação dos recursos simplesmente para “cumprir tabela”, pois sabem que, neste ponto, contam com a simpatia da opinião pública. Da forma como vigoram no Brasil os recursos e a impunidade caminham juntos. E cabe ao Congresso Nacional aprovar novos códigos que permitam uma tramitação mais rápida dos processos e o efetivo cumprimento das penas. Caso contrário, continuaremos com a Justiça de mentirinha que temos – e que desmoraliza a democracia.

O STF ao longo da sua história, infelizmente, não foi um exemplo de defesa do Estado Democrático de Direito. Basta recordar o silêncio frente à violência estatal na República Velha, no Estado Novo ou na ditadura militar. Daí a importância do julgamento do mensalão. Pode ser uma ruptura com o passado. Demonstrar que o tribunal não é suscetível às pressões políticas, especialmente aquelas advindas do Executivo. Que julga de acordo com os autos e não pela importância política dos réus. Quem repudia a impunidade e a chicana. Que não tem compromisso com os marginais do poder. Que, enfim, cumpre suas atribuições constitucionais.

Todas estas observações só foram possíveis graças à transmissão das sessões pela televisão. Foi uma sábia medida. Ver como funciona a Suprema Corte, acompanhar os debates, as altercações, polêmicas, pilhérias. A transmissão tem ajudado a explicar o funcionamento do STF, suas mazelas, seus momentos de encontro com a cidadania, suas qualidades e fraquezas. É um ensinamento do papel e da importância do Judiciário.
Por: Marco Antonio Villa é historiador

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A SAÚDE É UM BEM, E NÃO UM DIREITO


O filósofo político Richard Weaver corretamente declarou que ideias têm consequências. Peguemos, por exemplo, o debate que opõe bens a direitos. O direito natural afirma que as pessoas têm direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Um bem é algo pelo qual você trabalha e, com os proventos desse esforço, adquire. Esse bem pode, por exemplo, ser uma necessidade básica, como comida. Porém, nessa nossa atual cultura da dependência, cada vez mais os "bens" estão se tornando "direitos", algo que gera consequências danosas. 

A princípio, pode parecer algo bastante inócuo decidirmos que as pessoas têm direito a coisas como educação, emprego, moradia e tratamento médico. Mas, se analisarmos mais detidamente as consequências, veremos que o funcionamento da ética do trabalho e da frugalidade será violentamente desbalanceado caso as pessoas aceitem essas ideias.

Primeiramente, se decidirmos que algumas pessoas têm direito a atendimentos médicos gratuitos, isso significa que outras pessoas terão de pagar para que esse serviço seja ofertado a terceiros. E essas pessoas também têm contas para pagar e famílias para sustentar, assim como você. Se houver um "direito" à saúde, então você estará obrigando essas pessoas a bancar esse serviço para você.

É óbvio que, se aqueles obrigados a pagar pela saúde de terceiros fossem abertamente tratados como escravos destes, as faculdades de medicina rapidamente se esvaziariam, pois a imoralidade seria explícita. Porém, como o governo fez um bom trabalho em nos convencer de que a saúde é um direito em vez de um bem, ele também generosamente se prontificou a atuar como o intermediário, diluindo a noção da escravidão. Políticos são muito bons em fazer parecer que os tratamentos médicos serão gratuitos para todos. Mas nada poderia estar mais distante da realidade. O governo não quer que você pense muito sobre como os hospitais serão financiados, ou como você, magicamente, irá ganhar algo em troca de nada na arena médica. Apenas nos pedem que confiemos neles, os políticos, pois, de alguma forma, tudo vai dar certo.

Saúde pública é algo que nunca funciona da maneira como as pessoas foram iludidas a acreditar que funcionaria antes de ser implementada. Os cidadãos dos países onde a saúde é estatal jamais teriam aceitado esse sistema caso soubessem antecipadamente sobre os racionamentos e as longas filas.

Quando os burocratas assumem o controle da medicina, os custos aumentam e a qualidade despenca, pois os médicos perdem cada vez mais tempo mexendo com a papelada e dedicam cada vez menos tempo ao atendimento dos pacientes. À medida que os custos vão disparando — como sempre ocorre quando burocratas assumem as rédeas de qualquer empreendimento —, o governo tem de confiscar cada vez mais dinheiro de uma economia já sobrecarregada para de alguma forma conseguir pagar as contas.

Como já vimos repetidas vezes naqueles países que adotaram a medicina estatal, quanto mais dinheiro e poder o governo tem, maiores serão o abuso e a depravação. O aspecto mais estarrecedor dessa política de saúde pública é que, em algum momento, inevitavelmente haverá a necessidade de se cortar custos. E, como todos já estarão obrigados a recorrer a tais serviços (por pura falta de opção), isso poderá significar o cancelamento de serviços vitais. Adicionalmente, como a participação no sistema de saúde estatal acabará se tornando obrigatória, nenhuma alternativa legítima estará disponível.

Será o governo (isto é, o contribuinte) quem irá pagar todas as contas, obrigando os médicos e os hospitais a dançar de acordo com a música estatal. Ter de sujeitar a nossa saúde a essa insanidade burocrática é possivelmente o maior perigo que enfrentamos atualmente. A maior ironia de tudo é que, ao transformar o bem 'saúde' em um direito, a nossa vida e a nossa liberdade serão colocadas em risco.

É verdade que todos têm o direito a buscar algum tipo de assistência médica, sem que sejam impedidos pelas políticas governamentais. Mas isto não é o sistema que temos hoje. O atual e confuso sistema de saúde é repleto de interferências governamentais no processo. A regulamentação federal, a inflação, as leis fiscais e normas federais ditando quais os serviços devem ser fornecidos obrigatoriamente pelos planos de saúde, a interferência estatal no mercado de planos de saúde, os licenciamentos para exercício da profissão, que nada mais são do que uma maneira de cartelizar a profissão de médico — tudo isso gera efeitos negativos na prestação de serviços médicos.

Os fanáticos que agora reivindicam ainda maior envolvimento do governo no sistema de saúde não percebem que os mais necessitados e as pessoas que exigem tratamento mais cuidadoso são as maiores vítimas dessa política irracional. Quando programas humanitários bem-intencionados se baseiam em premissas falsas e noções econômicas insensatas, o resultado inevitável é que eles deixam de produzir benefícios desejados.

Pode alguém imaginar o que estaria acontecendo se, por razões de segurança nacional, o governo tivesse tomado para si a função de garantir que cada pessoa — homem, mulher e criança — tivesse um telefone celular, chamasse isso de 'direito', e justificasse tal medida como tendo a finalidade da segurança nacional? Estaríamos vivendo um pesadelo. A qualidade do serviço nunca teria melhorado, os preços seriam estratosféricos e a distribuição seria um desastre. No entanto, hoje em dia temos celulares à vontade e os preços continuam a cair, mesmo com o mercado das telecomunicações estando sob forte regulamentação governamental.

É da natureza do governo produzir e prestar serviços de baixa qualidade a preços extremamente altos. Sistemas econômicos socialistas, burocráticos e intervencionistas inevitavelmente causam danos à maior parte das pessoas que deveriam ajudar, e a custos muito altos.

Há muitas décadas temos uma farta disponibilidade de tecnologia moderna e isso se comprovou um benefício real para todos os setores econômicos, além de ajudar a manter os preços em baixa e ao mesmo tempo melhorar a qualidade dos produtos e serviços. Isso ocorreu especialmente no setor de eletrônicos, representado pelos celulares, televisores e computadores. Conquanto a medicina tenha sido grandemente beneficiada pelas novas tecnologias, o custo da medicina, em vez de cair, aumentou significativamente. E há uma razão para isso ter acontecido.

As corporações médicas que cartelizam o mercado, a interferência do governo nos planos de saúde — levando a seu encarecimento — e a enorme quantidade de dinheiro público injetada no sistema só conseguiram aumentar os preços e piorar o fornecimento de todos os serviços médicos. A saúde gerenciada pelo governo levou médicos, companhias de seguro-saúde, hospitais e principalmente pacientes a ficarem descontentes com o sistema. Mesmo os muito ricos, aqueles que podem pagar por um tratamento privado e exclusivo, estão insatisfeitos com a situação, pois sabem que estão pagando um preço muito maior do que poderiam pagar caso houvesse um genuíno livre mercado no sistema de saúde.

Em vez de retirar os serviços de saúde do mercado, o racional seria implantar um genuíno livre mercado nos serviços de saúde — um mercado que fortaleça os indivíduos, e não os burocratas. 

Como? 


Ron Paul é médico e congressista republicano do Texas e candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2012. Seu website: http://www.campaignforliberty.com

DE FRALDAS E CHUPETA

O ser humano é portador de eminente dignidade natural. Abdica a essa dignidade quem aceita ser passivo nas suas relações com os outros e com o Estado.

Procure, leitor, os lugares onde as pessoas são mais necessitadas e chegará àqueles em que o Estado decidiu ser tudo para todos.

Ninguém desconhecerá, por certo, o efeito da publicidade e da propaganda sobre o comportamento humano. Não fosse eficaz, o mercado publicitário não movimentaria cerca de US$ 20 bilhões por ano em nosso país. Tendo isso em vista, a propaganda política não deveria descurar, como descura, da pedagógica função cívica inerente às suas mensagens.

De uns tempos para cá, a cada campanha eleitoral, mais e mais partidos transmitem de algum modo a mensagem de que vão "cuidar bem das pessoas". Perceberam? Já passamos da fase do paternalismo e entramos num patamar superior - o maternalismo. Partidos e candidatos disputam troféus na produção de zelos maternais. Nós, os cidadãos, somos vistos nessas peças publicitárias como bebês de fraldas e chupeta, cujas vidas dependem inteiramente dos cuidados da mamãe estatal. Por isso, o "Dia das Mães" cívico deve ser aquele celebrado a cada quatro anos, no primeiro domingo de outubro, quando digitamos na boca da urna nossa mensagem de gratidão à legenda que consideramos mais jeitosa e cuidadosa. Fôssemos todos bons filhos da Pátria deveríamos ensopar as teclas com as lágrimas da nossa gratidão.

Não, não, não. Não estou exagerando. Bem, talvez um pouco, sim. Mas reconheça-se: é exatamente isso que vem sendo ensinado ao povo brasileiro mediante inesgotáveis demonstrações práticas. É a disputa dos corações para domínio das mentes. Com a generosa mão esquerda distribuem toda sorte de bônus. Com a direita enviam a conta para os pagadores de impostos. Como não poderia deixar de acontecer, enquanto "cuidam das pessoas", os agentes dessa política maternalista deixam morrer à míngua as funções essenciais do Poder Público. O pior, o mais nocivo, é que tais estratégias funcionam. E por funcionarem, deformam as consciências, convertendo pessoas em seres carentes, pets de última geração, aos cuidados do Estado.

O ser humano é portador de eminente dignidade natural. Abdica a essa dignidade quem aceita ser passivo nas suas relações com os outros e com o Estado. Fomos criados para existirmos em sociedade e em solidariedade, mas sem deixarmos de ser nós mesmos, indivíduos sempre, nos nossos erros e nos nossos acertos. E, por isso, responsáveis. Aceitar passivamente que o Estado esteja aí para cuidar da gente é desconectar-nos das fontes de energia interior que nos impelem a cuidarmos bem de nós mesmos. E equivale a transferir essa energia que é nossa, com grande perda, para as usinas cada vez mais poderosas e totalizantes do Estado.

O Estado brasileiro é forte onde deveria ser fraco e fraco onde deveria ser forte. É forte nos meios de ingerência e concentração de recursos e de poder, a ponto de estar acabando com a Federação. E fraco, fraquíssimo, em suas funções essenciais, a começar pela manutenção da ordem e segurança da sociedade. Não cabe a ele tomar dos indivíduos as rédeas dos seus destinos. Cabe-lhe criar as condições - repito: criar as condições - para que os indivíduos se desenvolvam. Portanto, só lhe compete fazer aquilo que as pessoas não possam fazer por si. E mesmo quando tais ações forem necessárias, deve o Estado reconhecer seu papel subsidiário. Fica bastante coisa para o Estado, sim. Mas sempre na justa medida, sem invadir o espaço sagrado onde cada um é soberano de si mesmo. Procure, leitor, os lugares onde as pessoas são mais necessitadas e chegará àqueles em que o Estado decidiu ser tudo para todos. Ou sequer apareceu para fazer o que deveria porque está metido onde não deve.Por: Percival Puggina http://puggina.org




terça-feira, 27 de agosto de 2013

QUAIS AS CHANCES DE O DÓLAR DEIXAR DE SER A MOEDA DE RESERVA INTERNACIONAL?


Moedas utilizadas como reservas internacionais foram importantes no período compreendido entre a Conferência de Gênova, em 1922, e a abolição unilateral do padrão ouro-câmbio feita por Nixon em agosto de 1971. 

Aqueles países que queriam auferir algumas receitas adicionais podiam fazer com que seus bancos centrais comprassem ativos que rendessem juros. Esta opção era oficialmente melhor do que apenas estocar ouro. Sendo assim, os bancos centrais compravam os títulos emitidos pelo governo dos EUA. E, de 1925 a 1931, eles compravam os títulos emitidos pelo governo britânico. Estes títulos geravam renda para seus investidores. O ouro não gerava renda.

O preço do ouro não se alterou durante este período — 1925 a 1931 — porque os EUA adotaram como política oficial converter seus estoques de ouro em dólar a um valor de US$20 a onça de ouro. Ou seja, qualquer governo estrangeiro que apresentasse uma nota de US$20 ao governo americano tinha o direito de ganhar em troca uma onça de ouro. Como tal política só valia para o câmbio entre governos estrangeiros, e não para os cidadãos americanos, o regime passou a ser chamado de padrão ouro-câmbio.

Portanto, os EUA tinham uma moeda lastreada em ouro. A consequência desse arranjo era que o governo americano não podia inflacionar sua moeda de forma mais intensa, pois, quanto mais dólares ele jogasse no mundo, mais ouro seria demandado de seus cofres. Quanto mais os EUA inflacionassem, maior seria a fuga de ouro para os outros países.

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, este regime foi suspenso. Mas voltaria novamente após a guerra, agora a um valor de US$35 por onça. Criado na conferência de Bretton Woods de 1944, ele passou a existir oficialmente em 1946. De 1946 até a semana anterior a 15 de agosto de 1971, qualquer país ou banco central poderia converter US$35 em uma onça de ouro sob demanda. 

Já no final da década de 1950, alguns países começaram de fato a fazer isso. Os estoques de ouro dos EUA haviam chegado a um máximo em 1958. E então, a partir daí, o ouro começou a ser demandado pelos outros países, e começou a fluir para fora dos EUA.

O status de 'moeda de reserva internacional' do dólar americano após a Segunda Guerra Mundial era baseado no poder da economia dos EUA, mas era também baseado no fato de que o governo americano havia prometido restituir sua moeda em ouro a um valor de US$35 a onça. O ouro era a âncora do dólar, que era a moeda de reserva mundial. Os bancos centrais estrangeiros, em vez de pedir a restituição de dólares em ouro, podiam também utilizar estes dólares para comprar títulos do Tesouro americano e, com isso, auferir receitas.

Qualquer governo estrangeiro podia pedir para o seu banco central criar dinheiro do nada (sua moeda nacional) e então utilizar este dinheiro para comprar dólares, os quais eram imediatamente utilizados para comprar títulos do Tesouro americano. No entanto, por causa do acordo de Bretton Woods, havia limites na capacidade de um país fazer isso. Estes limites tinham a ver com a taxa de câmbio entre a moeda do país e o dólar americano. A taxa de câmbio estava relativamente fixada. As moedas de cada país tinham um valor atrelado dólar (e este valor tinha de ser mantido pelo governo deste país), e o dólar tinha um valor fixo em ouro.

Desta forma, uma inflação monetária em massa não podia ser feita pelos países membros do Fundo Monetário Internacional (o qual também havia sido criado na conferência de Bretton Woods). Afinal, quem inflacionasse, teria dificuldades de sustentar o valor de sua moeda em relação ao dólar. Isto manteve a taxa de inflação de preços, bem como a de inflação monetária, relativamente estável de 1946 a 1971. Era contra as regras do FMI um país tentar desvalorizar sua moeda com o intuito de estimular suas indústrias exportadoras. 

No entanto, um país estava livre para inflacionar: os EUA. E ele fez isso livremente. Os dólares que os EUA criavam iam parar nas reservas dos outros países, os quais podiam então inflacionar suas moedas em cima destes dólares. Na década de 1960, alguns países — e a França, com mais intensidade — passaram a demandar a restituição destes dólares em ouro. Isso gerou uma enorme pressão sobre o governo americano, que havia criado muito mais dólares do que a quantidade de ouro em suas reservas. Para evitar a perda total de seu estoque de ouro, o governo americano simplesmente tomou a decisão unilateral de abolir este regime de conversão em agosto 1971. Naquela data, todo o sistema de Bretton Woods foi para o lixo. E nunca mais voltou.

A partir daí, qualquer país estava livre para inflacionar o tanto que quisesse, sem restrições. E este é o sistema vigente até hoje. Qualquer país está livre para inflacionar sua moeda para reduzir seu valor perante o dólar e, com isso, estimular suas exportações. Não há limites internacionais para isso.

Do início da Primeira Guerra Mundial até 1971, o dólar americano era uma das principais moedas do mundo. Após a Inglaterra sair do padrão-ouro em 1931, o dólar aumentou sua estatura internacional. No pós-guerra, por ser a única conversível em ouro e por dar acesso aos títulos do Tesouro americano (e aos seus juros), o dólar se tornou a moeda mais desejada internacionalmente. O dólar era confiável. Os títulos do Tesouro americano eram confiáveis. Isso passou a representar uma enorme vantagem para o Federal Reserve (o Banco Central americano), pois, como dito, ele agora podia inflacionar livremente, e os governos estrangeiros teriam de inflacionar em conjunto com a inflação do dólar para manter o câmbio relativamente inalterado. 

À medida que o Fed expandia a base monetária americana, todos os outros bancos centrais também tinham de expandir suas moedas para manter a paridade com o dólar. Era o sonho keynesiano tornado real.

A tradição do dólar como moeda de reserva internacional vem sendo mantida até hoje. Porém, houve uma alteração na lógica econômica por trás desta hegemonia: em vez de se basear no ouro, ela agora é fortemente mercantilista. 

O dólar é a moeda de reserva internacional por dois motivos. Primeiro, os países membros da OPEP aceitam dólares em troca de petróleo. E a precificação da OPEP é a principal unidade de conta para todos os mercados de petróleo. Isso representa um tremendo subsídio para o Tesouro dos Estados Unidos. É também um subsídio para o Fed. Tal arranjo permite que o Fed tenha muito mais liberdade para expandir a base monetária, pois, como todos os países estrangeiros têm de comprar dólares para comprar petróleo, a demanda por dólares é garantida, e isso faz com que a expansão monetária do Fed não gere grandes repercussões sobre o valor internacional do dólar.

O segundo motivo é o mercantilismo. Os governos estrangeiros querem inflacionar continuamente, pois não querem que suas indústrias exportadoras (um lobby poderoso em praticamente todos os países do mundo) percam mercado em decorrência de uma moeda doméstica apreciada. Se são necessários mais dólares para se adquirir uma moeda em processo de valorização, isso faz com que as receitas da indústria exportadora deste país sejam menores. Políticos são mercantilistas. Eles querem subsidiar o setor exportador de suas economias. Como consequência, governos estrangeiros criam moeda doméstica, compram dólares e em seguida compram títulos do Tesouro americano (os quais formam as reservas internacionais destes países). Isso mantém o câmbio desvalorizado.

O status de moeda de reserva internacional do dólar está ligado à capacidade do governo dos EUA de controlar os grandes países exportadores de petróleo do Oriente Médio. A indústria bélica americana vende aviões e armas para estes regimes feudais exportadores de petróleo. Isso significa que esses regimes são dependentes do governo americano. Eles têm de comprar peças de reposição para suas armas. Eles têm de pagar por cursos de treinamento e outras tecnologias, os quais são fornecidos pelos EUA. E eles têm obviamente de pagar em dólares. 

Logo, como estes países têm de pagar em dólares para os americanos, o dólar é a moeda na qual eles vendem seu petróleo. Como consequência deste arranjo — o fato de o dólar ser a principal moeda do mercado de petróleo —, há uma demanda contínua por dólares em todo o mundo, pois é com o dólar que se compra petróleo. Tamanha demanda faz com que a depreciação internacional do dólar seja bastante contida. 

Se a OPEP algum dia abandonar o dólar e adotar o euro como unidade de conta, o dólar irá se desvalorizar em relação ao euro. Mas o euro certamente não é mais estável do que o dólar. E, como os países da OPEP entendem a natureza do poder, eles mantêm o dólar como sua unidade de conta.

O status do dólar como moeda internacional de reserva praticamente nada tem a ver com as políticas monetárias do Banco Central americano. O Fed pode, de certa forma, fazer o que bem quiser, pois, enquanto o governo americano — por meio de sua indústria bélica — mantiver o domínio da exportação de armas de alta tecnologia e de suas peças de reposição, ele não tem de se preocupar com o status de reserva internacional do dólar. Países do Oriente Médio compram armas em dólares; por isso, eles vendem petróleo em dólares. Consequentemente, todos os países do mundo têm de comprar dólares para comprar petróleo. Isso é uma enorme fonte de demanda para o dólar.

As pessoas falam das políticas monetárias do Fed como se elas tivessem grande importância sobre o valor internacional do dólar. Têm um pouco, mas não muito. O dólar americano continuará sendo a moeda de reserva do mundo, não obstante o fato de o Tesouro americano estar pagando juro quase zero em seus títulos de curto prazo. Tais títulos são adquiridos pelos outros países não porque eles querem auferir receitas, mas sim porque as políticas do mercantilismo estão plenamente atuantes em todo o mundo. Nenhum político quer ver sua moeda se apreciando continuamente enquanto ele estiver no cargo. O setor exportador e toda a indústria nacional acabariam com sua carreira.

A OPEP decide. Se seus países continuarem utilizando o dólar, então ele continuará sendo a moeda de reserva internacional.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história.