domingo, 29 de setembro de 2013

OS PIORES SEMPRE CHEGAM AO PODER

Qual é a definição técnica de estado? O que uma instituição deve ser capaz de fazer para ser classificado como um estado? 

Essa instituição deve ser capaz de fazer com que todos os conflitos entre os habitantes de um dado território sejam trazidos a ela para que tome a decisão suprema ou para que dê sua análise final. Mais ainda: deve ser capaz de fazer com que todos os conflitos envolvendo ela própria sejam decididos por ela ou por seus funcionários.

Implícito no poder que esse agente tem de proibir todos os outros de agirem como juiz supremo está, como a segunda característica definidora de um estado, o poder de tributar: para determinar unilateralmente o preço que aqueles que recorrem à justiça devem pagar por seus serviços.

Baseando-se nessa definição de estado, é fácil entender por que existe um desejo de se controlar um estado. Pois quem quer que detenha o monopólio da arbitragem final dentro de um dado território pode fazer as leis. E aquele que pode legislar, inclusive em causa própria, pode também tributar. Certamente, essa é uma posição invejável.

A partir do momento em que passa a existir uma instituição que detenha o monopólio da tomada suprema de decisões para todos os casos de conflito, essa instituição também irá definir quem está certo e quem está errado em casos de conflito em que os próprios membros desta instituição estejam envolvidos. Ou seja, ela não apenas é a instituição que decide quem está certo ou errado em conflitos entre terceiros, como ela também é a instituição que irá decidir quem está certo ou errado em casos em que seus próprios membros estejam envolvidos.

Uma vez que você percebe isso, então se torna imediatamente claro que tal instituição não apenas pode, por si mesma, provocar conflitos com cidadãos comuns para em seguida decidir a seu favor quem está certo e quem está errado, como também pode perfeitamente absolver todos os seus membros que porventura tenham sido flagrados em delito. Isso pode ser exemplificado particularmente por instituições como o Supremo Tribunal Federal. Se um indivíduo incorrer em algum conflito com uma entidade governamental, ou se algum membro do aparato estatal for flagrado em delito, o tomador supremo da decisão — aquele que vai decidir sobre a culpa dos envolvidos — será o Supremo Tribunal, que nada mais é do que o núcleo da própria instituição que está em julgamento.

Assim, é claro, será fácil prever qual será o resultado da arbitração desse conflito: o estado sempre estará certo. Consequentemente, é fácil perceber a falácia fundamental presente na construção de uma instituição como o estado.

Murray Rothbard certa vez descreveu o estado como uma gangue de ladrões em larga escala. E se você observar bem verá que há um vasto esforço de propaganda feito pelo estado e por aqueles em sua folha de pagamento — ou por aqueles que gostariam de estar em sua folha de pagamento — para nos convencer de que é perfeitamente legítimo que uma organização essencialmente parasítica viva à nossa custa mantendo um alto padrão de vida, que ela nos mate (com sua polícia despreparada), que ela nos roube com seus impostos, que ela nos convoque compulsoriamente para o serviço militar e que ela controle totalmente nosso modo de vida.

A motivação fundamental daqueles que defendem o estado é saber que, uma vez dentro da máquina pública, eles terão acesso a gordos salários, empregos estáveis e uma aposentadoria integral. Aqueles que estão fora do serviço público defendem o estado por saber que ele lhes dará vantagens em qualquer barganha sindical. Além desses cidadãos, há também empresários que defendem o estado. Estes estão pensando em subsídios e garantias governamentais, contratos polpudos para obras públicas e no uso geral do governo para alimentar seus amigos e enfraquecer seus concorrentes. O estado, para eles, é garantia de riqueza.

Em todo e qualquer lugar, o estado sempre se resume a ganhar à custa de outros. Não houve qualquer avanço nessa realidade. Podemos mudar as definições e alegar que, porque votamos, estamos nos governando a nós mesmos. Mas isso não altera a essência do problema moral do estado: tudo que ele tem e arrecada, ele adquire por meio da coerção e intimidação de cidadãos inocentes.

A insustentável defesa do estado

O mais sofisticado argumento em favor do estado deve ser brevemente examinado. Desde Hobbes, este argumento tem sido repetido incessantemente. Funciona assim: no estado natural das coisas, antes do estabelecimento de um estado, sobejam os conflitos permanentes. Todos alegam ter direito a tudo, o que resulta em guerras intermináveis. Não há como sair dessa situação instável por meio de acordos; pois afinal quem iria fazer cumprir esses acordos? Sempre que a situação se mostrasse vantajosa, um ou ambos os lados iriam quebrar o acordo. Logo, as pessoas reconheceram que há somente uma solução para o desideratum da paz: o estabelecimento, por consentimento, de um estado — isto é, de uma entidade externa e independente, que assumiria a função de fiscal e juiz supremo.

Porém, se essa tese está correta, e os acordos requerem um fiscal externo que os torne vinculantes, então um estado criado por consentimento nunca poderá existir. Pois, para fazer cumprir o próprio acordo do qual resultará a formação de um estado (tornar esse mesmo acordo vinculante), um outro fiscal externo, um estado anterior, já teria de existir. E para que esse estado tenha podido existir, um outro estado anterior a ele deveria ter sido postulado, e assim por diante, em uma regressão infinita.

Por outro lado, se aceitarmos que estados existem (e é claro que eles existem), então esse próprio fato contradiz a história hobbesiana. O estado em si surgiu sem a existência de qualquer fiscal externo. Presumivelmente, na época do suposto acordo, nenhum estado anterior existia para arbitrar esse acordo. Ademais, uma vez que um estado criado por consentimento passa a existir, a ordem social resultante continua sendo autoimposta. Sem dúvidas, se A e B concordam em algo, esse acordo é tornado vinculante por uma entidade externa. Entretanto, o próprio estado não está vinculado da mesma forma a um fiscal externo. Não existe absolutamente nenhuma entidade externa para mediar conflitos entre agentes do estado e súditos do estado; da mesma forma, não há nenhuma entidade externa para mediar conflitos entre os próprios agentes do estado ou as próprias agências do estado. 

Sempre que houver acordos feitos entre o estado e seus cidadãos, ou entre uma agência do estado e outra agência, tais acordos serão mediados apenas pelo próprio estado. O estado não está vinculado a nada exceto às suas autoimpostas regras, isto é, às restrições que ele se impõe a si mesmo. Em relação a si próprio, o estado ainda está no estado natural de anarquia caracterizada pela autofiscalização e pelo autocontrole, pois não há na hierarquia um estado superior que possa vinculá-lo a algo.

Mais ainda: se aceitarmos a ideia hobbesiana de que a fiscalização de regras mutuamente consentidas requer um agente externo independente, isso por si só iria descartar a hipótese da criação de um estado. De fato, tal ideia constitui um argumento conclusivo contra a instituição de um estado, isto é, de um monopolista da arbitração e da decisão suprema. Pois teria de existir uma entidade independente para arbitrar todos os casos que envolvessem algum agente do estado e eu (um cidadão privado), ou que envolvessem apenas agentes do estado.

Da mesma forma, teria de haver uma entidade independente para todos os casos que envolvessem conflitos intraestado (e teria de haver uma outra entidade independente para o caso de conflitos entre várias entidades independentes). Porém isso significa, é claro, que tal estado (ou qualquer entidade independente) não seria um estado no sentido por mim definido lá no princípio, mas simplesmente uma de várias agências arbitradoras de conflitos, operando em ambiente de livre concorrência.

O que leva os piores ao poder

Em uma democracia, a entrada no aparato governamental é livre. Qualquer um pode se tornar presidente, primeiro-ministro, senador, deputado, prefeito, vereador etc. No entanto, liberdade de entrada nem sempre é algo bom. Liberdade de entrada e livre concorrência na produção de bens é algo positivo, porém livre concorrência na produção de maus é algo negativo. Que tipo de "empreendimento" é o governo? Resposta: ele não é um produtor convencional de bens que serão vendidos a consumidores voluntários. Ao contrário: trata-se de um "negócio" voltado para a expropriação — por meio de impostos e inflação monetária (que nada mais é do que falsificação de dinheiro) — e receptação de bens roubados. Por conseguinte, liberdade de entrada no governo não tem o efeito de melhorar algo bom. Pelo contrário: torna as coisas piores do que más, isto é, aprimora o mal.

Dado que o homem é como ele é, em todas as sociedades existem pessoas que cobiçam a propriedade de outros. Algumas pessoas são mais afligidas por esse sentimento do que outras, mas os indivíduos normalmente aprendem a não agir de acordo com tal sentimento, ou até mesmo chegam a se sentir envergonhados por possuí-lo. Geralmente, somente alguns poucos indivíduos são incapazes de suprimir com êxito seu desejo pela propriedade alheia, e são tratados como criminosos por seus semelhantes e reprimidos pela ameaça de punição física.

Quando a entrada no aparato governamental é livre, qualquer um pode expressar abertamente seu desejo pela propriedade alheia. O que antes era considerado imoral e era adequadamente suprimido, agora passa a ser considerado um sentimento legítimo. Todos agora podem cobiçar abertamente a propriedade de outros em nome da democracia; e todos podem agir de acordo com esse desejo pela propriedade alheia, desde que ele já tenha conseguido entrar no governo. Assim, em uma democracia, qualquer um pode legalmente se tornar uma ameaça.

Consequentemente, sob condições democráticas, o popular — embora imoral e anti-social — desejo pela propriedade de outro homem é sistematicamente fortalecido. Toda e qualquer exigência passa a ser legítima, desde que seja proclamada publicamente. Em nome da "liberdade de expressão", todos são livres para exigir a tomada e a consequente redistribuição da propriedade alheia. Tudo pode ser dito e reivindicado, e tudo passa a ser de todos. Nem mesmo o mais aparentemente seguro direito de propriedade está isento das demandas redistributivas. 

Pior: em decorrência da existência de eleições em massa, aqueles membros da sociedade com pouca ou nenhuma inibição em relação ao confisco da propriedade de terceiros — ou seja, amorais vulgares que possuem enorme talento em agregar uma turba de seguidores adeptos de demandas populares moralmente desinibidas e mutuamente incompatíveis (demagogos eficientes) — terão as maiores chances de entrar no aparato governamental e ascender até o topo da linha de comando. Daí, uma situação ruim se torna ainda pior.

A seleção de regentes governamentais por meio de eleições populares faz com que seja praticamente impossível uma pessoa boa ou inofensiva chegar ao topo da linha de comando. Políticos são escolhidos em decorrência de sua comprovada eficiência em serem demagogos moralmente desinibidos. Assim, a democracia virtualmente garante que somente os maus e perigosos cheguem ao topo do governo. 

Nesse cenário, as pessoas passam a desenvolver a habilidade de mobilizar apoio público em favor de suas próprias posições e opiniões, utilizando-se de artifícios como demagogia, poder de persuasão retórica, promessas, esmolas e ameaças. Quanto mais alto você olhar para uma hierarquia estatal, mais você encontrará pessoas excessivamente incompetentes para fazer o trabalho que supostamente deveriam fazer. Não é nenhum obstáculo para a carreira de um político ser imbecil, indolente, ineficiente e negligente. Ele só precisa ter boas habilidades políticas. Isso também contribui para o empobrecimento da sociedade.

Com efeito, como resultado da livre concorrência política e da liberdade de escolha das massas, aqueles que ascendem irão se tornar indivíduos progressivamente maus e perigosos.

Nada seria melhor do que apenas citar as palavras de H.L. Mencken

Os políticos raramente, se nunca, são eleitos apenas por seus méritos — pelo menos, não em uma democracia. Algumas vezes, sem dúvida, isso acontece, mas apenas por algum tipo de milagre. Eles normalmente são escolhidos por razões bastante distintas, a principal delas sendo simplesmente o poder de impressionar e encantar os intelectualmente destituídos.

Será que algum deles iria se arriscar a dizer a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade sobre a real situação do país, tanto em questões internas quanto externas? Algum deles irá se abster de fazer promessas que ele sabe que não poderá cumprir — que nenhum ser humano poderia cumprir? Irá algum deles pronunciar uma palavra, por mais óbvia que seja, que possa alarmar ou alienar a imensa turba de idiotas que se aglomeram ao redor da possibilidade de usufruir uma teta que se torna cada vez mais fina? Resposta: isso pode acontecer nas primeiras semanas do período eleitoral, mas não após a disputa já ter ganhado atenção nacional e a briga já estiver séria.

Eles todos irão prometer para cada homem, mulher e criança no país tudo aquilo que estes quiserem ouvir. Eles todos sairão percorrendo o país à procura de chances de tornar os ricos pobres, de remediar o irremediável, de socorrer o insocorrível, e de organizar o inorganizável. Todos eles irão curar as imperfeições apenas proferindo palavras contra elas, e irão resolver todos os problemas com dinheiro que ninguém mais precisará ganhar, pois já estaremos vivendo na abundância. Quando um deles disser que dois mais dois são cinco, algum outro irá provar que são seis, sete e meio, dez, vinte, n. 

Em suma, eles irão se despir de sua aparência sensata, cândida e sincera e passarão a ser simplesmente candidatos a cargos públicos, empenhados apenas em capturar votos. Nessa altura, todos eles já saberão — supondo que até então não sabiam — que, em uma democracia, os votos são conseguidos não ao se falar coisas sensatas, mas sim ao se falar besteiras; e todos eles dedicar-se-ão a essa faina com vigoroso entusiasmo. A maioria deles, antes do alvoroço estar terminado, passará realmente a acreditar em sua própria honestidade. O vencedor será aquele que prometer mais com a menor possibilidade de cumprir o mínimo.

Conclusão

O esfacelamento das instituições e um colapso econômico não levam automaticamente a melhorias. As coisas podem piorar em vez de melhorar. O que é necessário são ideias — ideias corretas — e homens capazes de entendê-las e implementá-las tão logo surja a oportunidade. Em última instância, o curso da história é determinado pelas ideias, sejam elas verdadeiras ou falsas, e por homens atuando sobre — e sendo inspirados por — ideias verdadeiras ou falsas. 

A atual bagunça também é resultado de ideias. É o resultado da aceitação avassaladora, pela opinião pública, da ideia da democracia. Enquanto essa aceitação prevalecer, uma catástrofe será inevitável, e não haverá esperança de melhorias mesmo após sua consumação. Por outro lado, uma vez que a ideia da democracia seja reconhecida como falsa e malévola — e ideias podem, em princípio, ser mudadas quase que instantaneamente — uma catástrofe pode ser evitada.

A principal tarefa aguardando aqueles que querem mudar as coisas e impedir um completo colapso é a 'deslegitimização' da ideia da democracia, apontando-a como a raiz do presente estado de progressiva 'descivilização'. Para esse propósito, deve-se começar apontando a dificuldade de se achar muitos proponentes da democracia na história da teoria política. Quase todos os grandes pensadores tinham verdadeiro desdém pela democracia. Mesmo os Pais Fundadores dos EUA, atualmente um país considerado o modelo de democracia, se opunham estritamente a ela. Sem uma única exceção, eles viam a democracia como sendo nada mais do que umaoclocracia. Eles se consideravam membros de uma 'aristocracia natural', e, em vez de uma democracia, eles defendiam uma república aristocrática. 

Ademais, mesmo entre os poucos defensores teóricos da democracia, como Rousseau, por exemplo, é praticamente impossível encontrar alguém que defenda que a democracia seja expandida para além de comunidades extremamente pequenas (vilarejos ou cidades). De fato, nas pequenas comunidades, onde todo mundo conhece todo mundo pessoalmente, a maioria das pessoas reconhece que a posição dos 'abonados' é normalmente baseada em suas superiores conquistas pessoais, assim como a posição dos 'desprovidos' é explicada por sua inferioridade e deficiências pessoais. Sob essas circunstâncias, é muito mais difícil se safar tentando despojar as outras pessoas de sua propriedade para benefício próprio. Em distinto contraste, nos grandes territórios que abarcam milhões ou mesmo centenas de milhões de pessoas, em que os potenciais saqueadores não conhecem suas vítimas, e vice versa, o desejo humano de se enriquecer a si próprio à custa de terceiros não está sujeito a quase nenhuma contenção.

Ainda mais importante, é preciso deixar claro novamente que a ideia de democracia é imoral e antieconômica. Quanto ao status moral do governo da maioria, devemos mostrar que tal arranjo permite que A e B se unam para espoliar C, C e A por sua vez se juntem para pilhar B, e então B e C conspirem contra A etc. Isso não é justiça e sim uma afronta moral. E em vez de tratar a democracia e os democratas com respeito, eles deveriam ser tratados com aberto desprezo e ridicularizados como as fraudes morais que são. 

Por outro lado, em relação à qualidade moral da democracia, deve-se enfatizar inflexivelmente que não é a democracia, mas sim a propriedade privada, a produção e as trocas voluntárias as fontes supremas da civilização humana e da prosperidade.

A propriedade privada é tão incompatível com a democracia quanto o é com qualquer outra forma de domínio político. Em vez de democracia, tanto a justiça quanto a eficiência econômica requerem uma sociedade pura e irrestritamente baseada na propriedade privada.

Hans-Hermann Hoppe é um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo eThe Economics and Ethics of Private Property.

POR QUE O ESTADO CRESCE E O QUE PODEMOS FAZER QUANTO A ISTO


Apesar de toda a retórica adotada unanimemente por políticos de que "irão trabalhar para um estado mais eficiente" e reduzir o fardo estatal de sobre nossas carteiras, o leviatã a cada dia vai se tornando incontrolavelmente mais opressivo e mais dispendioso. E essa é uma tendência mundial.

Independentemente de qual seja o partido no poder, em qualquer país, parece não haver limites para a tributação, para a gastança, para o endividamento, para a inflação monetária e para toda a intrusão estatal em nossas vidas. Nada disso é algo predestinado, inevitável, como todos os políticos querem nos fazer pensar; ao contrário, é algo completamente reversível, desde que suas causas sejam compreendidas. Somente se entendermos as razões para o crescimento governamental é que teremos alguma chance de revertê-lo.

1. Grupos de interesse

Há duas maneiras de uma pessoa ganhar a vida: voluntariamente por meio do processo de mercado ou coercivamente por meio do processo político. Os grupos de interesse são organizações — empresariais e sindicais — que optam por este último método, fazendo lobby junto ao governo com o intuito de aprovar leis e regulamentações que os favoreçam, seja na forma de maiores tarifas de importação ou na forma de uma carga tributária e de uma burocracia mais complexa, que dificultem a entrada no mercado de novos concorrentes.

Tais grupos aglomeram-se em torno do governo como moscas ao redor de uma lata de lixo. Estes trombadinhas com ternos Armani assaltam o Tesouro e manipulam o aparato regulatório governamental em benefício próprio. E os políticos, quase sem exceção, se mostram excepcionalmente contentes em ser parceiros dessa gente, porque assim garantem reeleições, mais dinheiro e mais poder.

Os grupos de interesse de maior êxito (1) têm um propósito bem definido e uma estratégia coerente; (2) têm uma disposição para direcionar muito dinheiro para seus esforços; (3) dependem fortemente da intervenção governamental, pois uma ligeira mudança nas regulamentações pode significar a diferença entre o sucesso e bancarrota total; (4) recebem polpudos e óbvios benefícios do governo, ao passo que o custo fica escondido e disperso por toda a economia; (5) possuem a suprema capacidade de revestir suas depredações em um manto de preocupação pelo bem-estar geral.

2. Assistencialismo eleitoreiro

Quanto mais os políticos abrem os cofres para beneficiar determinado grupo de pessoas — seja ele formado por pobres e desempregados, ou por funcionários públicos ou empresários politicamente bem conectados —, maiores são as suas chances eleitorais. O assistencialismo é um exemplo característico.

Os gastos assistencialistas só vêm crescendo desde a década de 1980, e tudo em nome da ajuda aos pobres. Mas o dinheiro, em grande parte, não vai para os pobres, que ficam com as migalhas, mas sim para aqueles grupos de interesse poderosos o suficiente para subornar e fazer lobby a favor da redistribuição. O dinheiro real vai é para os "pobristas" — os reais defensores da pobreza —, para os consultores, para as empreiteiras que constroem as moradias populares, para os funcionários de hospitais públicos, e principalmente para os próprios membros da burocracia que coordena todo o esquema.

Os pobres são maldosa e intencionalmente transformados em uma subclasse perpétua, dependente do governo, para que alguns parasitas possam viver confortavelmente bem à custa de todo o resto da sociedade. Graças ao estado assistencialista, praticamente não há mais uma genuína mobilidade social. Os degraus mais baixos da escada foram retirados em nome da compaixão.

3. Permanência nos cargos

Os liberais clássicos defendiam que todo o aparato do governo fosse demitido de seus cargos após cada eleição, para impedir que alguns indivíduos se entrincheirassem perpetuamente na máquina. Contudo — e apesar de a democracia ter a idéia da renovação —, a maioria dos funcionários estatais se torna permanente, assim como os próprios políticos, constantemente reeleitos. Os auxiliares dos deputados também se tornaram perenes, sendo que as contratações não param de subir. Os trabalhadores do setor privado precisam trabalhar cada vez mais para sustentar toda essa mamata. Como os liberais clássicos temiam, criou-se uma classe que melhora de vida à medida que rouba a todos nós.

Foi Jeffrey Tucker quem melhor resumiu a situação:

Não é a classe política quem comanda as coisas. Como já escrevi inúmeras vezes, políticos vêm e vão. A classe política é apenas o verniz do estado; é apenas a sua face pública. Ela não é o estado propriamente dito. Quem de fato comanda o estado, quem estipula as leis e as impinge, é a permanente estrutura burocrática que comanda o estado, estrutura esta formada por pessoas imunes a eleições. São estes, os burocratas e os reguladores, que compõem o verdadeiro aparato controlador do governo.

4. Burocracia

A burocracia é necessariamente ineficiente porque não opera dentro do sistema de lucros e prejuízos do mercado. Sem a pressão para economizar recursos, até mesmo os burocratas bem intencionados acabam gastando em demasia. E, é óbvio, a maioria dos burocratas não é bem intencionada. A sua única motivação é aumentar o próprio poder, a própria renda e os próprios benefícios, os quais eles adquirem ao aumentar o número de burocratas sob seu comando no organograma estatal e ao gastarem cada centavo que lhes é alocado.

Se os burocratas de uma agência estatal gastarem menos do que lhes foi alocado, sua fatia no orçamento do ano seguinte pode ser cortada. Sendo assim, eles gastam seus recursos freneticamente até o fim do ano fiscal. E, como consequência, essa agência — com a ajuda dos grupos de interesse afiliados a essa agência, com quem o dinheiro é gasto — vai correndo ao Congresso e ao Executivo pedir mais dinheiro. E estes, eleitos com a ajuda financeira desses grupos de interesses, autorizam um aumento orçamentário para esse importantíssimo serviço público que, coitado, estava sofrendo de insuficiência de fundos.

E aqui cabe um parêntese: sempre me regozijei com essa idéia de "servidor público". Pode observar: "servidor público", curiosamente, é aquele sujeito que só anda de carro chique, trabalha em ambiente com ar condicionado e sequer tem qualquer contato com o "povo", embora seja o "povo" quem forçosamente lhe sustenta. Quando algo é classificado como "serviço público", esteja certo de que estão enfiando a mão no seu bolso para benefício próprio. Serviço público genuíno só pode ser encontrado na iniciativa privada. O verdadeiro servidor público é aquele sujeito que mantém sua loja de conveniências aberta 24 horas para que você possa fazer um lanche às 3 da manhã. É aquele sujeito que abre sua padaria às 5 da manhã para que você possa comer algo ainda quente antes de ir trabalhar. É a rede de fast food a quem você recorre quando seu estômago está vazio e as opções se esgotaram. Isso é serviço público.

5. Crises

O governo sempre cresce mais rapidamente durante crises, as quais são criadas por ele próprio. Uma crise é a desculpa perfeita para dar ao governo mais poder e dinheiro para "resolver" o problema, ao mesmo tempo em que o partido da situação paralisa a oposição. 

"Jamais deixe uma crise passar em branco" é o lema de qualquer governo. É durante crises — sejam elas meras recessões ou grandes colapsos financeiros — que o governo adquire o apoio necessário para se apropriar de uma fatia ainda maior da economia, aumentando seus gastos, incrementando seu poder regulatório, repassando mais dinheiro para seus grupos de interesse favoritos, escolhendo empresas vencedoras (aquelas a quem ele vai ajudar com subsídios e protecionismo) e jogando a conta sobre as perdedoras (aquelas sem conexões políticas).

O professor Robert Higgs, em seu grande livro Crisis and Leviathan, mostra que o público sempre perde ao final de uma crise, pois é ele quem fica sobrecarregado com um governo ainda maior depois que a emergência acaba.

6. A mídia

Sempre nos dizem que a grande mídia é oposição ao governo, qualquer que seja ele — um mito muito útil para ambos. Na realidade, governo e mídia são aliados em todos os assuntos fundamentais. Tomando-se o exemplo para apenas uma área, a mídia sempre estimula a expansão estatal ao papaguear as declarações econômicas do governo: seja a última enganação declarada pelo Banco Central, ou algumas alegações presidenciais sobre cortar gastos, toda a mídia nada mais é do que uma câmara de ressonância.

O governo, sendo a instituição dominante em nossa sociedade, utiliza a mídia como o fiel da balança que vai determinar quais são os limites aceitáveis para o debate, fora dos quais qualquer indivíduo será rotulado de extremista. E o governo faz isso por meio dos interesses especiais que controlam grande parte da publicidade veiculada na mídia. Por exemplo, nada seria melhor para o país, e pior para a burocracia, do que a abolição do imposto de renda físico e jurídico, bem como a abolição do Banco Central. Mas tais idéias são logo rotuladas de extremistas e indignas de consideração, graças ao conluio entre governo, mídia e grupos de interesse.

7. Intervencionismo

A economia de livre mercado é uma intrincada e cuidadosamente equilibrada rede de preços e trocas. Quando o governo intervém nesse conjunto com a desculpa de corrigir algum suposto problema, ele perturba esse equilíbrio, causando ainda mais problemas, o que consequentemente gera uma desculpa para novas e ainda maiores intervenções. Ludwig von Mises rotulou este fenômeno de "a lógica do intervencionismo", e é exatamente por isso que uma economia mista é inerentemente instável. Um sistema intervencionista estará sempre se movendo em direção a mais intervencionismo — socialismo/fascismo.

8. Idéias

Uma última razão por que o estado cresce ilimitadamente é a ausência de entendimento sobre o que é o livre mercado. As escolas e as universidades são dominadas por esquerdistas e intervencionistas de todos os tipos. Todos os livros-textos seguem pregando que o intervencionismo é necessário. E assim todo o público permanece ignorante dos males causados pelo estado.

Essas são apenas algumas das razões por que o estado continua crescendo. E como podemos nos opor a isso?

Primeiro, devemos expor todos os crimes do governo, rasgando o manto de mentiras sob o qual se escondem as reais intenções dos grupos de interesse. Da próxima vez que você ouvir alguém clamando por mais gastos assistencialistas, mostre como o assistencialismo destrói os pobres ao mesmo tempo em que enriquece os verdadeiros recebedores do assistencialismo — os grupos de interesse — à nossa custa e com o auxílio da coerção estatal. A verdadeira caridade só pode ser privada e voluntária, como bem sabe qualquer um que já lidou com o trabalho de igrejas e já comparou esse serviço com aquele realizado por assistentes sociais governamentais.

Segundo, devemos trabalhar em prol de mudanças radicais — como abolir programas e burocracias ao invés de simplesmente melhorá-los ou torná-los mais eficientes (embora de início possamos aceitar isso). Se o nosso lado começar condescendente, se já entrarmos no debate concedendo de antemão várias vantagens ao adversário, teremos ainda menos chance de obter melhoras marginais e estaremos tacitamente concordando com todo o sistema e sua base imoral de roubo e fraude.

Terceiro, devemos não só nos recusar a acreditar nas propagandas pró-governo, como também devemos solapá-las, refutá-las e arruiná-las ao máximo perante terceiros, apoiando fontes alternativas de notícias e informações.

Quarto, devemos nos esforçar para colocar professores e alunos pró-livre mercado e pró-liberdade nas instituições de estudo superior, e tentar mobilizar as pessoas por meio de apelos de justiça e de eficiência econômica. Não há nada mais eficiente para incitar a ação do que atinar para o fato de que você está sendo roubado.

Para nós libertários, que compartilhamos da mesma crença de Lord Acton, a maior virtude política é a liberdade. A nossa visão é a de que a sociedade voluntária, em termos práticos e morais, é a melhor forma de sociedade possível, ao passo que o estado não passa de uma gangue de ladrões em larga escala. O estado pode fazer as mesmas coisas que, se feitas por indivíduos, seriam corretamente consideradas ilegais e criminosas. Só ele é capaz de fazê-las de forma a aparentar que é pelo bem comum e pelo interesse nacional — você sabe, todas aquelas expressões que as escolas públicas e a mídia nos ensinaram.

Em uma definição resumida, para nós libertários o estado não está acima das leis morais. O que é errado para um indivíduo em sua vida privada também é errado para o estado em toda a sua esfera. É errado roubar, mas o estado faz isso e chama de 'inflação' ou de 'tributação'; é errado escravizar, mas o estado faz isso e chama de 'serviço militar obrigatório'; é errado matar, mas o estado faz isso e chama de 'erro policial' ou de 'serviço de saúde inadequado' — ou, em caso de homicídio em massa, de 'guerra'.

O roubo, a escravidão e o homicídio são coisas imorais, sejam eles privados ou públicos. Difundir as idéias da liberdade, do livre mercado e de uma moeda forte, e denunciar, agitar e trabalhar contra os criminosos, é a nossa única chance de ter êxito. Os obstáculos são, obviamente, imensos. Mas temos um mundo a ganhar.

Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State

Tradução de Leandro Roque

sábado, 28 de setembro de 2013

O ECO-SOCIALISMO, O SOCIALISMO REAL E O CAPITALISMO - QUEM REALMENTE PROTEGE O MEIO AMBIENTE?

Há mais de vinte anos, a glasnoste o consequente colapso da URSS explicitaram ao mundo o terrível histórico ambiental do regime socialista soviético. Durante esses mesmos 20 anos, a economia da China ultrapassou a dos Estado Unidos como a maior emissora de gases poluidores. Ainda assim, continua um lugar-comum apontar o capitalismo como a maior ameaça ambiental para o nosso planeta e apontar o socialismo como sua salvação.

Uma contundente manifestação do argumento ambientalista contra o capitalismo pode ser encontrada na Declaração Ecossocialista de Belém, que é resultado de uma conferência realizada em Paris, em 2007. Esse documento especifica a seguinte cadeia de causa e efeito: o capitalismo requer lucro, o lucro requer crescimento econômico e crescimento econômico significa destruição ambiental. Aqui estão alguns trechos:

A humanidade enfrenta hoje uma escolha difícil: eco-socialismo ou barbárie... Não precisamos de mais provas da barbárie do capitalismo, o sistema parasita que explora igualmente a humanidade e a natureza. Seu único motor é a busca pelo lucro e, portanto, a necessidade de crescimento constante... A necessidade que o capitalismo tem de buscar o crescimento existe em todos os níveis, desde uma microempresa até o sistema como um todo. A fome insaciável das corporações é facilitada pela expansão imperialista em busca de cada vez mais acesso aos recursos naturais... O sistema econômico capitalista não tolera limites ao crescimento; a sua necessidade constante de expansão subverte todos os limites que podem ser impostos... pois estabelecer limites ao crescimento significaria estabelecer limites à acumulação de capital — uma opção inaceitável para um sistema predicado na seguinte regra: crescer ou morrer!

Para ser bem franco, há um ponto de veracidade nesta crítica. De fato, há pessoas que dizem ser absolutamente aceitável prospectar e explorar petróleo sem a mais mínima consideração para com o ambiente ao redor. Tal postura é um prato cheio para a crítica eco-socialista. Claramente, nem o capitalismo e nem o socialismo possui um monopólio sobre o pecado ambiental ou sobre a virtude ambiental. Chegar a um julgamento ponderado sobre os impactos econômicos relativos desses sistemas requer duas perguntas:

1) Qual sistema tem sido, na prática, mais ambientalmente destrutivo: o capitalismo ou socialismo?

2) Qual sistema, o capitalismo ou o socialismo, é mais receptivo às eventuais mudanças que precisam ser feitas para se alcançar uma proclamada sustentabilidade ambiental de longo prazo?

Para qualquer indivíduo minimamente interessado no assunto, e que já se deu ao trabalho de pesquisar, é algo incontroverso que a mais proeminente experiência socialista do mundo, a União Soviética, foi a que gerou os mais sérios problemas ambientais. Em 1972, muitos destes problemas já haviam sido detalhados por Marshall Goldman em seu livro The Spoils of Progress: Environmental Pollution in the Soviet Union

A perestroika do início da década de 1990 e o consequente colapso da União Soviética tornaram o acesso à informação mais fácil para autores como Murray Feshbach e Alfred Friendly, Jr., que forneceram um estudo aprofundado a respeito do "ecocídio" ocorrido na URSS em seu livro Ecocide in the USSR: Health And Nature Under Siege. Abaixo, uma lista de alguns dos problemas mais proeminentes apresentados nesta e em outras fontes:
A poluição do Lago Baikal, o mais antigo, o mais profundo e o até então mais limpo corpo de água doce do mundo. A poluição foi causada por fábricas de papel e por outras indústrias soviéticas que despejavam resíduos não-tratados no lago.

O quase desaparecimento do outrora vasto mar de Aral, que secou devido ao desvio de sua água para irrigação, deixando para trás um deserto de sal envenenado por agroquímicos.
O desastre nuclear de Chernobyl em 1986, o pior do mundo, causado não apenas por erros de operação, mas também por um projeto negligente que não especificou nenhum recipiente de contenção em caso de acidente. O acidente nuclear que até então era considerado o pior do mundo àquela época também havia ocorrido na União Soviética: a explosão de um tanque de armazenamento de resíduos sólidos no complexo de armas nucleares de Mayak, em 1957, o que dispersou de 50 a 100 toneladas de resíduos altamente radioativos, contaminando um imenso território a leste dos Urais.

Desastrosos incêndios em regiões de turfas nos arredores de Moscou, um legado de projetos soviéticos mal planejados e mal implantados que tinham o objetivo de drenar os pântanos locais.
Enormes emissões de gases poluentes em decorrência de uma forte dependência de carvão e de uma matriz energética muito menos eficiente do que as das economias capitalistas.

Elevados níveis de poluição do ar nas grandes cidades, causados por fábricas próximas a áreas povoadas e que operavam com um mínimo, ou nenhum, controle de poluição.
Práticas agrícolas e florestais destrutivas, levando a uma erosão generalizada e à destruição de habitats.

Já a China, a outra grande economia socialista do mundo, também tem a sua longa lista de pecados ambientais. Em grande parte devido ao uso intensivo de carvão, o país assumiu recentemente a liderança mundial nas emissões de gases causadores de efeito estufa, apesar de ter uma economia cujo tamanho absoluto é metade da economia dos Estados Unidos. Em termos de qualidade do ar, a China tem 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo. A poluição da água é um desastre nacional generalizado. A liderança chinesa na produção de metais raros foi alcançada em grande parte devido à mineração ilegal, o que causou uma intensa poluição gerada por metais pesados e um consequente desastre na saúde pública local. Uma crescente porcentagem de poluentes, do mercúrio à fuligem, que estão sendo observados na costa oeste dos Estados Unidos tem suas origens na China.

Para dar um crédito aos eco-socialistas, documentos como a Declaração de Belém fazem ao menos algumas críticas tímidas àquilo que eles chamam de socialismo "produtivista" — isto é, o socialismo voltado para a produção de bens. Ao inventarem este conceito, os eco-socialistas definitivamente estão em busca de algum objetivo, embora talvez não exatamente aquele que eles imaginam.

O adjetivo "produtivista", quando aplicado à economia, parece querer caracterizar uma economia que se concentra na maximização da produção sem levar em consideração os custos dos insumos. Quando digo "custos dos insumos", refiro-me àquilo que os economistas chamam de 'custo de oportunidade', ou seja, custos mensurados em termos do valor de todos os usos alternativos que poderiam ser dados a estes mesmos recursos. O custo de oportunidade da produção industrial inclui tanto os custos do esgotamento de recursos não-renováveis (a perda de oportunidades de se usar os mesmos recursos para outros propósitos no futuro) quanto os custos externos (por exemplo, as oportunidades perdidas de se usar ou usufruir bens danificados pela poluição).

O fato é que as empresas buscam o lucro, e elas tendem a ir atrás de toda e qualquer oportunidades de lucro. Aplaudimos quando empresários aumentam seus lucros ao melhorarem seus produtos ou quando reduzem seus custos de produção e, consequentemente, seus preços. No entanto, os lucros também podem ser elevados por meio de lobby junto ao governo com o intuito de restringir as atividades dos concorrentes, ou por meio de lobby para a aprovação de leis que permitem a uma empresa transferir parte de seus custos de produção a terceiros, como ocorre nos casos de empresas que conseguem autorização governamental para poluir lagos, rios e até mesmo o ar. Ayn Rand tinha uma definição precisa para os lucros oriundos destas medidas: espoliação. Poluidores são espoliadores.

Voltemos então para a crítica eco-socialista. O que se está realmente criticando não é o capitalismo em si, mas sim o "produtivismo". Logo, a pergunta que devemos fazer é: qual sistema, capitalismo ou socialismo, é mais suscetível a tentações produtivistas? Creio não haver dúvidas de que a resposta é o socialismo, muito embora o arranjo corporativista acima descrito também mereça ser acusado.

A primeira razão pela qual o socialismo é mais propenso a desenvolver tendências produtivistas prejudiciais ao ambiente é que os incentivos econômicos não funcionam sob uma economia socialista. Em uma sociedade genuinamente capitalista, em que há respeito à propriedade privada, não apenas as empresas poluidoras têm de pagar por eventuais danos à propriedade privada de terceiros, como também as externalidades são plenamente incorporadas aos preços de mercado. Se o preço da gasolina na bomba refletir integralmente os custos de oportunidade da poluição e o esgotamento de recursos, então os motoristas, independentemente da sensibilidade ambiental de cada um deles, serão forçados a pensar sobre a possibilidade de dirigir menos ou até mesmo de comprar um veículo mais eficiente.

O mesmo princípio se aplica a usuários de energia industrial, sejam eles fabricantes de plásticos, agricultores, ou usinas nucleares. Não é meu intuito subestimar a dificuldade de estipular leis que protejam devidamente os direitos de propriedade. Porém, quando se usa o sistema de preços para combater a poluição, a medida parece funcionar. Por exemplo, durante a década de 1990 e início de 2000, um sistema de licenças negociáveis foi implantado nos EUA com o intuito derrubar as emissões de dióxido de enxofre de usinas de energia à base carvão. O resultado foi a redução pela metade na intensidade de chuva ácida na costa leste do país.

Já sob o socialismo, os incentivos econômicos para se combater a poluição não funcionam. Sim, estou bem a par de que há uma construção teórica chamada de "socialismo de mercado". Sob este sistema hipotético, defendido por escritores do século XX como Oskar Lange e Abba Lerner, os gerentes das empresas de propriedade coletiva orientariam sua produção não segundo os reais preços de mercado, definidos pela oferta e demanda, mas sim de acordo com "preços-sombra", que são estipulados pelos planejadores do governo a um nível que supostamente é igual ao custo de oportunidade.

Em teoria, não haveria nenhum motivo para que os preços-sombra não pudessem incluir ajustes apropriados para os impactos ambientais. Não é o escopo deste artigo recapitular todo o debate sobre o socialismo de mercado aqui. O conceito já foi amplamente considerado impraticável e, até onde se sabe, não possui defensores vivos. [O IMB possui um livro a respeito deste tema]. Creio que Ludwig von Mises já finalizou a questão ao afirmar que um sistema de mercado real está para o socialismo de mercado assim como uma ferrovia real está para um menino brincando com trenzinhos. Logo, deixemos o imaginativo cenário do socialismo de mercado de lado e olhemos para o socialismo no mundo real.

Na União Soviética, como explicou Marshall Goldman, tanto a lei quanto a ideologia previam um nível de proteção ambiental. Ao menos em algum pequeno grau, essa proteção foi sustentada por sanções econômicas contra os poluidores. O problema, no entanto, era que os gestores das indústrias não apenas eram insensíveis a incentivos econômicos para a proteção do meio ambiente, como também eram insensíveis a todo e qualquer tipo de incentivo econômico. O sistema soviético não apenas incentivava a depredação ambiental, como também era esbanjador e gerava desperdícios em todos os sentidos possíveis. Ele desperdiçava trabalho, capital, energia, recursos naturais, cimento, aço, carvão, tratores, fertilizantes, madeira, água — desperdiçava tudo. Por quê? Porque não havia busca pelo lucro.

O segundo motivo pelo qual o socialismo tende a ser mais "produtivista" do que um genuíno capitalismo está relacionado às atitudes sociais que surgem quando não há direitos de propriedade. Onde há direitos de propriedade bem definido, sempre haverá um proprietário que resistirá à transgressão, seja ela feita por pessoas a pé ou por produtos químicos nocivos jogados no ar. Sim, é verdade que o sistema judiciário não funciona perfeitamente. Muitas vezes, os proprietários não conseguem proteger adequadamente os seus direitos. Mas os direitos existem. Se não estão sendo impingidos, isso é culpa do estado, que detém o monopólio do sistema judiciário. Adicionalmente, quando a noção de propriedade privada se torna generalizada, ocorrendo até mesmo sobre minúsculos pedaços de terra, o respeito aos direitos de propriedade de terceiros também se torna difuso — embora, infelizmente, não de forma universal.

O terceiro motivo que faz o socialismo ser mais produtivista do que o capitalismo advém da economia política. E isso ocorre de uma forma curiosa: mesmo quando a propriedade privada acaba fornecendo uma base de poder político para vários grupos de interesse, a situação tende a se equilibrar. Por exemplo, quando os sindicatos dos mineradores dos Apalaches e os proprietários das minas de carvão se juntaram para fazer lobby contra as restrições sobre emissões de dióxido de enxofre, o que prejudicava o ambiente, os produtores de carvão de baixo teor de enxofre dos estados do oeste americano também pressionaram no sentido oposto, chegando-se assim a algum equilíbrio.

Além disso, entidades ambientais podem utilizar os mecanismos de propriedade privada para proteger habitats críticos. Veja ótimos exemplos práticos aqui e aqui. Por fim, a propriedade privada dos meios de comunicação pode sustentar uma voz independente para mídias alternativas, que podem então divulgar suas causas ambientais. Até os eco-socialistas desfrutam da proteção da propriedade privada em seus sites e suas conferências.

Já em um sistema socialista, os produtores detêm o total controle das alavancas do poder político. Afinal, na condição de empresas estatais, eles não são apenas meros lobistas; eles são parte integrante da estrutura do governo. Por exemplo, Marshall Goldman observou que houve protestos na União Soviética quando as fábricas de papel começaram a lançar seus resíduos no lago Baikal. No entanto, os próprios manifestantes eram membros do governo, e normalmente era uma instituição do governo que brigava com outra — por exemplo, o Instituto Limnológico da Academia de Ciências entrava em conflito com o Ministério da Madeira, Papel e Carpintaria. 

Todo o sistema de incentivos da economia soviética, desde o Politburo até o gerente de uma fábrica local, estava focado em apenas uma coisa: alcançar as inatingíveis metas de produção do Plano Quinquenal. O ambiente sempre era a vítima.

Por fim, vale enfatizar que a propriedade privada é uma condição necessária para a proteção do ambiente, mas não é uma condição suficiente. A lamentável história ambiental da Rússia pós-soviética é um exemplo característico. A Rússia, em teoria, já não mais é socialista, mas sim uma economia corporativista, na qual o estado está em conluio com as grandes empresas. Há propriedade privada, mas a economia não é genuinamente de livre mercado. Essa variante mercantilista que substituiu o socialismo não é menos "produtivista" que o próprio socialismo. A sociedade civil e as instituições são fracas. Ao contrário do que ocorria no socialismo, hoje não são mais os participantes de piqueniques casuais os responsáveis pela derrubada de árvores e destruição das mudas do cinturão verde de Moscou, mas sim os oligarcas multimilionários que, com a autorização do governo, se apropriam de faixas inteiras de habitats protegidos para construir suas suntuosas casas de campo (as dachas).

O petróleo comanda, e se faz vista grossa para os derramamentos que ocorrem em terra ou no mar. A British Petroleum, que foi fustigada pela imprensa ocidental em decorrência do episódio do Golfo do México, está se preparando para explorar petróleo entre os icebergs à deriva ao longo da costa norte da Rússia. Os tigres siberianos são alvos constantes de tiros disparados do helicóptero de algum oligarca ou ministro do governo que decidiu praticar "esporte" no fim de semana.

Quer realmente proteger o ambiente? Uma genuína economia de mercado — na qual os direitos de propriedade são respeitados, os transgressores são devidamente punidos, o governo não determina vencedores e perdedores e há um sistema de preços livres estimulando a alocação de recursos do modo mais eficiente possível — é um arranjo incomparável e até hoje insuperável.

Edwin Dolan é economista e Ph.D. pela Universidade de Yale. De 1990 a 2001, lecionou em Moscou, onde ele e sua mulher fundaram o American Institute of Business and Economics (AIBEc), um programa de MBA independente e sem fins lucrativos. Desde 2001, ele já lecionou em várias universidades da Europa, como Budapeste, Praga e Riga. É autor do livro TANSTAAFL, the Economic Strategy for Environmental Crisis.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

OS TRÊS TIPOS DE AUSTERIDADE

Quem lê a imprensa financeira adquire a impressão de que existem apenas dois lados em todo esse debate sobre austeridade: pró-austeridade e anti-austeridade. Na realidade, há três formas de austeridade. Há a forma keynesiana-krugmaniana, que promove mais gastos governamentais e mais impostos; há a forma de Angela Merkel, que advoga menos gastos governamentais e mais impostos; e há a forma austríaca, que defende menos gastos governamentais e menos impostos.

Destas três formas de austeridade, somente a última aumenta o tamanho do setor privado em relação ao setor público, libera recursos para o investimento privado e possui evidências empíricas de que realmente estimula o crescimento econômico.

Analisemos de forma mais detida a "forma Merkel" de austeridade que está sendo implantada na Europa, na qual os governos "planejam" cortar seus gastos e aumentar suas receitas tributárias. O verbo "planejam" está entre aspas porque os cortes não são realmente cortes, mas sim reduções no aumento planejado dos gastos. Quatro anos após a crise financeira de 2008, o governo do Reino Unido implantou somente 6% dos cortes que havia planejado para seus gastos e apenas 12% dos cortes que havia planejado para seus benefícios. Em quase todos os países europeus, os gastos governamentais são hoje maiores do que eram em 2008. 

Um recente estudo do economista russo Constantin Gurdgiev, do Trinity College de Dublin, examinou os gastos dos governos em porcentagem do PIB no ano de 2012 e os comparou ao nível médio destes mesmos gastos durante o período anterior à recessão (2003-2007). Nestes termos, somente Alemanha, Malta e Suécia realmente cortaram seus gastos.

Embora vários governos tenham elevado suas alíquotas de impostos, as receitas tributárias na realidade diminuíram — e muito — em decorrência destes aumentos, os quais apenas estimularam uma maior sonegação. Os amplos e crescentes mercados negros na Grécia, na Itália, na Espanha e até mesmo na França são uma evidência de quão errôneas e insensatas foram estas políticas tributárias. Os atuais esforços dos governos em conter as evasões fiscais são uma piada quando se constata que as alíquotas de impostos estão em níveis hemorrágicos.

Notavelmente, a "forma Merkel" de austeridade levou a um aumento, e não a uma diminuição, no tamanho relativo do setor público. Por exemplo, o setor público grego, embora tenha sido reduzido, está se contraindo a uma taxa mais lenta do que a contração observada no setor privado. Desde que recebeu seu primeiro pacote de socorro, a Grécia já fechou pelo menos 500.000 vagas no setor privado, um valor muito maior do que os empregos cortados no setor público. Durante anos, o governo grego vem prometendo cortar 500.000 vagas no setor público. No entanto, foi só nos meses mais recentes que o governo grego finalmente prometeu que começaria a demitir trabalhadores do setor público durante os próximos dois anos. Um total de 12.500 funcionários públicos, incluindo professores e policiais, terá de escolher entre uma redução salarial ou a demissão até o final deste ano, com mais 15.000 tendo enfrentar as mesmas opções no ano de 2014. Mas não apenas isso é muito pouco e muito tarde, como também não passa de uma mera promessa.

A forma keynesiana de austeridade não é nada melhor. De acordo com estes economistas, é necessário que o governo aumente seus gastos porque isso irá estimular a demanda e, consequentemente, gerar crescimento econômico. Para os keynesianos, as generosas quantias de dinheiro já gastas foram aparentemente muito ínfimas, e não foram gastas nos setores corretos da economia. No entanto, os últimos cinco anos são uma evidência do fracasso deste tipo de austeridade. Estamos hoje com um nível de endividamento tão excessivo, que os governos europeus já estão com dificuldade de obter novos empréstimos. E, por outro lado, o prometido crescimento econômico que supostamente ocorreria — segundo os keynesianos — em decorrência destes maciços déficits orçamentários não se materializou. Os gastos governamentais simplesmente sobrepujaram — e, com isso, solaparam — os gastos privados.

O que se ignora neste modelo é o fato empírico de que não é necessário que o governo estimule a demanda simplesmente porque — dado que vivemos em um mundo de escassez, no qual sempre há desejos ainda não satisfeitos — nunca há uma deficiência na demanda. Sendo assim, os governos deveriam estar mais preocupados em não impedir que o setor privado produza a oferta correta.

O crescimento terá de vir do setor privado, e a austeridade necessária é aquela que torna o setor privado maior do que setor público. Este tipo de austeridade ocorreu no ano de 1920 nos EUA. Naquela que Thomas Woods cunhou de "A Esquecida Depressão de 1920", o governo americano cortou seus gastos em 50% e reduziu acentuadamente os impostos. A dívida pública foi reduzida em um terço, e a política monetária se manteve austera. Como consequência, a economia americana se recuperou rapidamente (em 18 meses) e, já em 1923, o desemprego, que havia chegado a 12% no auge da depressão, já estava em menos de 3%. 

Um exemplo mais recente de uma tática semelhante pode ser observado na Letônia, que seguiu uma estratégia similar no período 2009-2010. O governo letão cortou seus gastos de 44% para 36% do PIB. Demitiu 30% dos funcionários públicos, aboliu metade das agências de regulamentação, e reduziu o salário médio do setor público em 26% em apenas um ano. Os ministros viram seus salários serem cortados em 35%. Por outro lado, as pensões e os benefícios sociais ficaram praticamente intactos, e o imposto de renda de pessoa física, com uma alíquota uniforme de 25%, permaneceu inalterado.

A economia letã encolheu 24% em dois anos, mas reagiu acentuadamente em 2011 e em 2012, com uma taxa de crescimento anual acima de 5%. O desemprego, que havia atingindo 20,7% em 2010, passou a declinar continuamente, e hoje está em 11,4%. Uma vez que os cortes nos gastos do governo permitiram uma desregulamentação da economia, a Letônia vivenciou uma explosão na criação de novas empresas em 2011. A economia passou por uma transição, encolhendo seu inchado setor de construção civil e ampliando o número de pequenas e médias empresas.

A Letônia pegou empréstimos altos junto ao FMI, e foi criticada em 2009 por sua abertamente agressiva estratégia econômica. Recentemente, o país quitou todos os seus empréstimos junto ao FMI, e com três anos de antecedência, indiretamente silenciando seus críticos.

A austeridade da Letônia funcionou porque foi adotada a forma correta de austeridade: uma austeridade que deu esperanças ao povo, e que apresentava, desde o início, uma luz no fim do túnel. Hoje, a Europa vive uma fadiga de austeridade. O continente perdeu a oportunidade de implantar as políticas corretas, e se exauriu perdendo tempo e desperdiçando recursos com as políticas erradas.

Dado que agora parece impossível implantar a forma correta de austeridade, o que a Europa deve fazer? Para voltar à trajetória do crescimento econômico, a Europa tem de descartar suas atuais políticas que visam apenas a estimular a demanda agregada, e se concentrar nas políticas que criam os produtos certos aos preços corretos. Como disse Jean-Baptiste Say:

O estímulo ao mero consumismo não é benéfico ao comércio, pois a dificuldade jaz em ofertar os meios — e não em estimular o desejo — de consumo. E já vimos que a produção por si só fornece estes meios. Sendo assim, um bom governo deveria ter o objetivo de estimular a produção, ao passo que a política de um mau governo é a de encorajar o consumismo.

Sem crescimento econômico, a Europa está rumando ao precipício, pois rapidamente será incapaz de financiar sua dívida. O continente tem de reformular sua estratégia, priorizando políticas econômicas que estimulem a produção, libertando o espírito empreendedorial dos europeus. Esta é uma política muito mais propensa ao sucesso.

Frank Hollenbeck é Ph.D. em economia e leciona na Universidade Internacional de Genebra.


E A MANADA SE DEU MAL

A decisão do Fed em manter inalterado o ritmo de compras de títulos de crédito no mercado apanhou a grande maioria dos analistas de surpresa. As perdas financeiras que essa decisão trouxe a investidores e especuladores espalhados pelo mundo todo -inclusive aqui no Brasil- foram enormes.


Talvez seja este o último movimento de manada associado à crise financeira que se seguiu ao desmonte do castelo de cartas do chamado "subprime". Ele será uma referência importante quando for escrita a resenha destes cinco anos de crise mundial que vivemos.

Espero que os prejuízos que ficarão por muito tempo na memória de muitos -mas muitos mesmo- tenham sido fortes o suficiente para marcar o início de um período em que a racionalidade econômica volte a comandar os processos de investimentos pelo mundo afora.

O leitor da Folha sabe que sempre tive uma posição mais otimista para a economia mundial nos próximos anos. Dizia eu que o capitalismo -ou as economias de mercado, como ele é chamado hoje- é um sistema econômico voltado para o crescimento. As crises conjunturais que ocorrem quando oferta e demanda se desequilibram ao longo dos anos de bonança -como é caso brasileiro dos últimos anos- não passam de momentos de rearranjo.

Para que o crescimento volte a comandar as economias basta que a gestão macroeconômica seja adequada e siga princípios bastante conhecidos.

Mas a crise destes últimos anos teve uma dinâmica diferente. Por isso, a terapia usada com sucesso teve que ser construída -peça por peça- no decorrer de um período mais longo. Mas a economia americana, foco inicial e o mais importante elo do desajuste ao nível mundial que ocorreu, há algum tempo já vinha dando sinais claros de recuperação.

Por isso, esperava-se que o Fed iniciasse um processo de normalização de sua política monetária, com a redução gradual dos incentivos heterodoxos que assustam tantos analistas. Em julho passado esta mensagem foi passada de forma clara pelo Copom americano.

Mas junto dessa decisão veio um compromisso detalhado e claro com a velocidade lenta com que isto aconteceria para não atrapalhar a recuperação em andamento. Principalmente pelo forte ajuste fiscal em curso. Mas o chamado mercado preferiu entrar em uma corrida maluca, antecipando a alta dos juros em todo o mundo com uma correção abrupta e totalmente em desalinho com o compromisso do Fed.

Os especuladores e os consultores de investimento foram ainda mais longe e criaram, na sua imaginação, uma crise financeira no mundo emergente. O passo seguinte foi a queda vertiginosa dos preços das ações nos países emergentes mais importantes e uma desvalorização em cascata de suas moedas.

O Brasil sofreu mais do que todos em razão do mau humor existente com a política econômica do governo Dilma e da elevada liquidez de nossos mercados. Ouvi de muitos atores importantes aqui no Brasil e no exterior que o índice Ibovespa chegaria aos 40 mil pontos e o real poderia passar da cotação de R$ 2,70 por dólar. Estava de volta, com novas tintas, o mesmo movimento de manada que em 2012 decretou o fim da zona do euro e uma nova crise financeira global.

A decisão do Fed de anteontem apanhou esse processo especulativo em pleno voo. O índice Ibovespa chegou próximo aos 56 mil pontos, 40% acima dos 40 mil vaticinados em agosto pelos mais radicais membros da manada. O real, que segundo estes mesmos radicais poderia chegar a valer R$ 2,70 por dólar, voltou ao nível mais racional de R$ 2,20 por dólar. E os juros DI acomodaram-se em níveis mais adequados.

Daqui para frente espero que dias mais racionais permitam a construção de um cenário mais construtivo para a economia mundial, com a expansão americana se consolidando e levando a Europa para seu destino de região econômica de crescimento reduzido, mas mesmo assim de crescimento. Não consigo ser pessimista com a China e neste cenário a economia brasileira, que vive um ciclo muito próprio, vai caminhar de forma lenta para as eleições do ano próximo. 
Por: Luiz Carlos Mendonça de Barros Folha de SP

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

AS CONCESSÕES E "O RISCO DILMA"

É preocupante a baixa participação das gigantes privadas no leilão de petróleo do pré-sal do campo de Libra e a ausência de interessados na BR-262.

Mesmo entre os especialistas mais críticos, a expectativa era de que a arrancada inicial das concessões seria bem sucedida.

Libra atraiu 11 grupos interessados, ao invés dos 40 que eram aguardados. E a maior parte são estatais, principalmente chinesas.

As empresas privadas fugiram do leilão, assustadas pelo modelo envergonhado de privatização, que transformou a Petrobras em operadora única do pré-sal.

Para as estatais chinesas, que se tornaram as favoritas, a lógica é outra. Elas não se importam de ganhar pouco dinheiro, porque seu principal interesse é garantir o fornecimento de petróleo.

As chinesas podem, inclusive, "carregar" a Petrobras no leilão, oferecendo financiamento hoje em troca de petróleo no futuro. Não é segredo para ninguém o aperto no caixa da estatal brasileira.

Nas concessões das estradas, o governo havia escolhido dois trechos considerados o "filé" do pacote. Na BR-050, venceu um consórcio de empresas iniciantes. Na BR-262, ninguém apareceu.

As concessionárias precisam renovar seu portfólio de estradas, sob risco de perder valor de mercado na bolsa. E, mesmo assim, não se animaram com a estrada que liga Vitória, no Espírito Santo, ao Triângulo Mineiro.

Segundo Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral, o resultado foi uma combinação de fatores técnicos e políticos, como as projeções irrealistas de tráfego, a desconfiança de que o governo não fará a sua parte das obras no prazo, e o temor das reações populares que um pedágio caro pode causar.

Ainda é cedo para decretar o fracasso do pacote de concessões, mas está ficando claro um "risco Dilma". A iniciativa privada se arrisca menos em um país cujo governo tenta controlar seus lucros e as regras do jogo mudam a todo momento.

"O governo está fazendo os leilões por sobrevivência, para alavancar o crescimento da economia, e não por convicção. Se a Dilma for reeleita, as regras continuam as mesmas?", questiona Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.

Em condições que não são vantajosas, esse tipo de dúvida pesa na cabeça do investidor.

A presidente criticou ontem o "pessimismo" no país, mas empresas privadas não rasgam dinheiro ou agem por ideologia. Se os leilões no Brasil forem um bom negócio, não vão deixar passar a oportunidade.
Por: Raquel Landim  Folha de SP

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O PESADELO DO PT

BRASÍLIA - Em poucos dias se encerrará o prazo de filiação partidária para os interessados em disputar um cargo público em 2014. A lei determina que esse procedimento deve ocorrer até pelo menos 12 meses antes da eleição --que será em 5 de outubro do ano que vem.


Juízes não se encaixam nessa regra. São autorizados a escolher um partido até seis meses antes da eleição. Seria o caso do presidente do STF, Joaquim Barbosa. Mas ele tem dito seguidamente não se interessar por uma candidatura.

A julgar pelo cenário atual, haverá quatro candidatos com algum grau de competitividade na corrida presidencial de 2014: Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (ainda sem partido), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Em breve, o tucano José Serra decidirá se busca uma sigla alternativa para disputar o Planalto. Joaquim Barbosa encerrará o mistério apenas em março do ano que vem.

Tanto na configuração mínima, com quatro candidatos competitivos (Dilma, Marina, Aécio e Eduardo), como na máxima (incluindo Serra e Joaquim), vai se formando um consenso entre políticos governistas e oposicionistas sobre a inevitabilidade de um segundo turno na sucessão presidencial. É improvável que um desses nomes já conhecidos consiga na primeira rodada de votação atingir um percentual acima de 50% mais um dos votos válidos.

O Brasil teve, até hoje, seis eleições presidenciais nas quais era possível haver segundo turno. Em duas delas, houve um vencedor logo na primeira votação --FHC (em 1994 e 1998). Nas outras quatro foi necessária uma rodada final --Collor (1989), Lula (2002 e 2006) e Dilma (2010).

No segundo turno de 2010, Dilma contava com a popularidade de Lula nas alturas e um crescimento exuberante da economia. No ano que vem, a conjuntura tende a ser outra. Daí a razão pela qual essa rodada final em 2014 é o pesadelo de muitos petistas.

Por: Fernando Rodrigues Folha de SP

ESCORPIÕES DO DESERTO

O oriente Médio tem uma fábula que é comum para quem lá viveu ou conhece bem a região: certa feita, um escorpião pediu a uma rã que o deixasse atravessar o rio nas suas costas. Ela, atenta, disse a ele que não era idiota e que não o deixaria atravessar o rio nas suas costas, porque ele a picaria no meio da travessia e ela morreria afogada.


O escorpião respondeu que não se preocupasse, porque se ele a picasse morreria junto com ela. A resposta pareceu razoável e eles iniciaram a travessia.

No meio do caminho, o escorpião picou a rã e, enquanto ela afundava, e ele com ela, ela perguntou desesperada: "Mas por quê? Você vai morrer comigo". Ele respondeu: "Sinto muito, mas é a minha natureza". É assim que o Oriente Médio se vê.

É impressionante como a minha classe intelectual se fez ridícula diante da Primavera Árabe, mais especificamente agora, com a Síria, achando que ali havia um movimento democrático islandês. Não há isso nem na Síria, nem no Egito. A democracia ali é tão estranha quanto para nós seria uma teocracia.

Mas a vida intelectual pública está morta no Brasil, vítima da mania de ver em toda parte "um processo histórico" em curso, da avenida Paulista às ruas de Damasco, o mesmo ridículo "frisson" com "um processo político" em curso, visando a "autonomia popular". Puro fetiche.

Não existe tal coisa como "um processo político histórico". Esses caras nunca se curaram do "mito da dialética" (expressão usada por Edmund Wilson, crítico americano, em seu grandioso "Rumo à Estação Finlândia"). Há muito que nós, intelectuais, sobrevivemos de fetiche no debate político. Esse fetiche chama-se "fetiche da democracia", "fetiche do povo" ou "fetiche da revolução".

Mais recentemente, e associado aos movimentos nos países árabes e às baladas de junho, nasceu um novo fetiche, o da revolução causada pelas redes sociais.

No Oriente Médio, os escorpiões riem desse ridículo, que tem em Obama "sua baratinha tonta" querida. O Obama pensa que é presidente de um centro acadêmico de ciências sociais.

Alguns intelectuais europeus, tomados pelo "frisson" de gozarem com seu próprio fetiche, chegaram a falar em "dois momentos da Primavera Árabe" (à la Marx) por conta do golpe "secular" do exército egípcio em cima do governo fundamentalista eleito democraticamente. Por que não paramos de projetar esquemas metafísicos (do tipo dialética hegeliano-marxista) sobre o mundo?

Acabamos por acreditar que obscuros cineastas árabes vivendo nos EUA ou professores de filosofia em capitais árabes (exemplos de "contaminação" com nosso modelo ocidental, ferramentas de nosso próprio gozo, porque "pensam como nós") representam a população e a vida nesses países.

Não, a Síria estava muito melhor (veja que não digo perfeita) antes dessa pseudoprimavera pela democracia.

A Síria, como a Jordânia hoje, era um país com razoável liberdade religiosa e social, com um cotidiano sem muita miséria e violência.

Ela é o palco da disputa entre Arábia Saudita (sunita) e Irã (xiita, defensora de Assad), que vivem num estado de Guerra Fria. Mas, nem o Irã, nem os sauditas, nem os EUA, nem Israel querem a queda de Assad, porque ele, mesmo que não perfeitamente, mantém um equilíbrio na região.

Mas, desde o momento em que a mídia ocidental batizou os movimentos nos países árabes de "primavera" (ecoando a Primavera de Praga), fetiche ocidental, estabeleceu-se um programa de interpretação daqueles fenômenos como se eles fossem réplicas da mitológica Revolução Francesa, de Maio de 68 (a revolução de queijos e vinhos) e da queda das ditaduras marxistas no Leste Europeu. Entrevistando "ocidentalizantes" naqueles países, acabamos por projetar sobre eles uma demanda estranha àquele universo.

Ao endossar sem crítica os chamados rebeldes sírios, acabamos por "justificar" a guerra civil síria, para depois ficarmos posando de Madalenas arrependidas com a violência na Síria.

Em vez disso, deveríamos ouvir a sabedoria do escorpião do deserto e menos nossos livros escritos sob a tutela de taças de vinhos nas ruas de Paris.

Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP ponde.folha@uol.com.br

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

ENTRE A FICÇÃO E A REALIDADE

Nesta semana, realizou-se na Câmara dos Deputados uma comissão geral sobre terceirização de serviços. O que me chamou a atenção durante as discussões foi o tom de radicalização empregado por dirigentes sindicais e pelas chamadas bancadas de esquerda.


Por mais que apurássemos nossos ouvidos, não seríamos capazes de distinguir um único argumento baseado nos fatos ou na razão.

O que dominou o cenário foram os gritos primitivos das galerias e a retórica antiquada dos oradores, que pareciam falar a uma assembleia sindical nos anos 50 do século passado.

O projeto de lei 4.330 que, neste momento, tramita no Congresso Nacional procura regulamentar, com muito equilíbrio, um fato da vida real: empresas públicas, como a Petrobras, entidades governamentais e empresas privadas de todos os setores valem-se de serviços e mão de obra terceirizadas para, em conjunto com a mão de obra própria, realizar as suas tarefas.

Como não há um marco legal regulando a matéria, empresários e trabalhadores estão expostos a incertezas e instabilidade.

Há muita gente nesse mundo que não se conforma com fato de que a vida social está em permanente estado de mudança e que o ritmo das mudanças tem se acelerado cada vez mais. Apegam-se à sua imagem do passado e lutam com todas as suas energias para que esse passado não passe.

Mas, parodiando Galileu, "e no entanto ele passa"! Os desejos dos consumidores e os mercados estão em contínua transição. As empresas precisam se reinventar a cada dez ou vinte anos, e a organização da produção não cessa de assumir formas novas.

Por isso, as leis que regulam o trabalho e a produção não podem ficar congeladas no tempo. Se ficarem, condenarão a sociedade e o país ao atraso e à pobreza. É preciso que as pessoas e a política entendam isso com a maior clareza.

Na realidade do século 21, as leis que tratam do trabalho não podem mais ser discutidas num cenário de luta de classes ou de conflito entre trabalhadores e empresários. Ao contrário, esse debate deve se dar num clima de cooperação e de entendimento, pois os desafios econômicos reais exigem uma visão compartilhada.

Num mundo mais aberto e globalizado, as economias nacionais precisam, antes de tudo, ser competitivas em relação ao resto do mundo. Se não forem, as empresas e os empregos poderão desaparecer.

O Brasil não é mais a economia fechada e sem competição que era em 1950, quando maiores custos podiam ser transferidos automaticamente para os preços, com prejuízos apenas para os consumidores. Hoje, custos mais altos podem resultar na exclusão da empresa do mercado e sua substituição por produção estrangeira, com benefícios para os consumidores e a destruição dos empregos.

Ao contrário do que costumava ser há 40 ou 50 anos, o Brasil não compete com economias de altos salários, mas com economias asiáticas e latino-americanas de salários e custos trabalhistas muito mais baixos. Se quisermos continuar criando empregos e mantendo a renda de nossos trabalhadores, temos que ter a flexibilidade necessária para sobreviver. Não temos outra escolha.

Um exemplo marcante da diferença entre países em que trabalhadores e empresários cooperaram e se entendem, e de países em que a política não deixa que isso ocorra, pode ser visto na comparação entre a Alemanha e a Espanha.

Na Alemanha, os trabalhadores participaram ativamente de um esforço legislativo para modernizar e flexibilizar as relações de trabalho e adaptá-la às novas circunstâncias tecnológicas. Hoje, os alemães têm uma das mais baixas taxas de desemprego da zona do euro: 5,3%.

A Espanha, que teima em manter rígidas as regras trabalhistas, sofre a segundo mais alta taxa de desemprego do bloco: 26,3%, ou seja, para os espanhóis, os direitos trabalhistas só existem na teoria. São quase uma ficção para grande parte da população, especialmente os jovens, pois nesta faixa o desemprego se aproxima de 50%.

Se não aprendemos com os fatos, com o que poderemos aprender?
Por: Kátia Abreu  Folha de SP