terça-feira, 3 de dezembro de 2013

VAMOS CULPAR OS ALEMÃES!


A Alemanha voltou a ser o espantalho favorito. Poucas coisas são tão populares quanto criticar alemães. O governo americano, a Comissão Europeia e o FMI recentemente se entregaram a este esporte e passaram a condenar a Alemanha pelo fato de sua economia estar apresentando grandes superávits comerciais e um grande saldo na conta-corrente de seu balanço de pagamentos. Paul Krugman contribuiu com a seguinte pérola:

O problema é que a Alemanha continua mantendo seus custos trabalhistas em níveis altamente competitivos e vem apresentando enormes superávits comerciais desde o estouro da bolha — e, em uma economia mundial deprimida, isso torna a Alemanha uma parte significativa do problema.

Apenas no surreal estado atual da discussão econômica ser 'altamente competitivo' pode ser considerado algo deletério. Esta crítica à Alemanha, aliás, não é nada nova; ele remonta à década de 1950. Porém, não mais estamos vivendo na década de 1950. A Alemanha não possui moeda própria e há muito pouco de genuinamente "alemão" em uma exportação alemã.

Um BMW produzido na Alemanha e vendido na Espanha contém peças oriundas de todos os cantos do mundo. A maior parte da mão-de-obra utilizada na construção do automóvel de fato será alemã, mas as inovações tecnológicas reduziram os custos desta mão-de-obra para aproximadamente 10% do preço final de um carro na Europa. O retorno do capital irá para os acionistas, que podem estar em qualquer lugar do mundo. A BMW pode distribuir dividendos para um acionista espanhol, o qual poderá utilizar estes euros para comprar bens espanhóis. Dizer que um BMW é um produto da Alemanha é algo bastante forçado.

A Alemanha também faz parte de um arranjo de moeda única. Reclamar do superávit comercial de uma região dentro de uma área de moeda única é como reclamar que, dentro de um mesmo país, há um superávit comercial de um estado em relação a outro ou de uma cidade em relação a outra.

Aliás, podemos nos aprofundar ainda mais e reduzir esta discussão ao nível individual para esclarecer melhor o argumento e, com isso, ressaltar sua tolice. Nós temos um superávit em conta-corrente em relação ao nosso empregador e um déficit em conta-corrente em relação ao nosso supermercado. Nosso empregador compra mais de nós do que nós compramos dele, e o oposto é válido para nossa relação com o supermercado. No entanto, não estamos reclamando do supermercado, exigindo que seu gerente compre mais de nossos bens e serviços.

Adicionalmente, o superávit comercial da Alemanha com outros países europeus ou com membros da zona do euro foi reduzido à metade entre 2007 e 2012. Ao mesmo tempo, o superávit da Alemanha com o resto do mundo mais do que triplicou. Essa é exatamente a consequência esperada de uma abertura comercial, de um aumento na divisão do trabalho e da especialização possibilitada pelo enfoque em áreas em que se possui vantagens comparativas. Criticar essa tendência é criticar as próprias razões declaradas para a criação da União Europeia.

Por motivos difíceis de serem compreendidos, a Comissão Europeia determinou que terá de intervir caso um país-membro apresente um superávit da conta-corrente do balanço de pagamentos superior a 6% do PIB durante um período de três anos. No ano passado, o superávit da Alemanha foi de 7%, e provavelmente será bastante similar este ano. 

Um dos princípios básicos por trás da criação da União Europeia é justamente a livre comercialização de bens e serviços, e a livre movimentação de mão-de-obra e capital. Sendo assim, se a livre comercialização de bens, serviços, mão-de-obra e capital levar a um superávit de 10%, 20% ou mais, qual o problema? Por que esta regra sequer existe? Por que a Comissão Europeia quer impor uma restrição que limita a movimentação de bens, serviços e capitais? A União Europeia não foi criada para estimular a eliminação de limitações injustificadas? A UE não deveria se surpreender caso alguns países queiram deixar o arranjo, uma vez que ela própria está impondo regras ilógicas.

Por trás de toda esta crítica à Alemanha está, como sempre, o fantasma do mercantilismo. Dentro da mentalidade mercantilista, uma transação comercial voluntária sempre gera um ganhador e um perdedor, sendo que a realidade é que, se a transação foi voluntária, então ambos os lados se beneficiam. Segundo os mercantilistas, a Alemanha supostamente está produzindo mais do que está consumindo. Obviamente, isso é uma falácia — bastante comum — que alguns adoram explorar visando a benefícios políticos. Cada euro gasto em um carro alemão ou em qualquer outro produto alemão será recebido como renda por alguém que, por sua vez, irá gastar esta renda. Há um elo direto entre produção e gastos. A Lei de Say nos diz que a (correta) oferta cria sua própria demanda. O consumo nunca necessita ser estimulado: tudo o que é produzido é consumido, seja para na produção de outros bens (investimento), seja na satisfação pessoal (consumo).

Como era de se esperar, a "solução" proposta por estes mercantilistas a este problema imaginário é obrigar a Alemanha a aumentar seus gastos governamentais. Isso, segundo eles, estimularia o crescimento dos outros países da União Europeia. Pouco importa que a Alemanha já tenha uma relação dívida/PIB de 82%, bem acima dos 60% que alguns anos atrás era vista como excessiva. Trata-se de uma solução-padrão keynesiana que constantemente vai contra a lógica econômica. Cada euro que o governo gasta é um euro que foi retirado dos cidadãos e que poderia ter sido gasto por ele. Tudo o que governo pode fazer com seus gastos é alterar quem irá receber esse dinheiro. Tudo o que ele pode fazer é alterar quem irá receber um pedaço do bolo. Mas ele não pode aumentar o tamanho do bolo.

Quando a Alemanha tinha sua própria moeda, a crítica era idêntica. E, mesmo naquele arranjo, a crítica continuava sendo infundada. Naquela época, um superávit na conta-corrente do balanço de pagamentos alemão significava um equivalente déficit na conta de capitais. Essa saída de capitais ia financiar os gastos governamentais da Itália ou da França, ou então investimentos em fábricas e equipamentos na Espanha, em Portugal, na China ou em qualquer outro lugar do mundo. Novamente, palavras como superávit ou déficit são remanescentes de nosso passado mercantilista e não têm absolutamente nada a ver com coisas positivas ou negativas.

Se a Alemanha possui custos trabalhistas mais competitivos e é capaz de fabricar produtos melhores, qual o problema? Por que isso deveria ser tolhido em nome do "bem comum"? Desde quando uma produção eficiente é ruim para os consumidores? A União Europeia não foi criada para tornar a Europa mais competitiva ao permitir que os recursos pudessem circular livremente e ir para onde eles fossem mais eficientemente utilizados? As críticas à Alemanha feitas pela Comissão Europeia e pelo FMI são ainda mais descabidas quando se leva em consideração as razões dadas para a existência destas instituições.

O ministro das finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, membro do partido de centro-direita União Democrática Cristã, o mesmo de Angela Merkel, estava totalmente correto quando disse que "O superávit comercial da Alemanha não é nenhum motivo de preocupação nem para a Alemanha, nem para a zona do euro e nem para a economia mundial". Na realidade, a Alemanha deveria ser louvada, e não repreendida. Sua eficiência produtiva é um dos poucos fatores que ainda seguem estimulando a economia mundial.

Por: Frank Hollenbeck Ph.D. em economia e leciona na Universidade Internacional de Genebra.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

A CORAGEM SE DÁ POR MEIO DO EMPREENDORISMO


E se o Brasil começasse a levar a sério o Dia do Empreendedor? É o 5 de outubro, data da aprovação do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, que não importa agora. Importa celebrar aquelas pessoas que estão abrindo novos caminhos sem a certeza de que alguém irá segui-las, celebrar quem está apostando alto em projetos que acabarão abandonados, superados ou copiados. Vamos celebrar as futuras falências, o fracasso iminente.

Nassim Taleb escreve em Antifragile a mensagem que deveria acompanhar a celebração de um Dia do Empreendedor:

A maioria de vocês irá fracassar, acabarão desrespeitados, empobrecidos, mas nós somos gratos pelos riscos que estão tomando e pelos sacrifícios que vocês estão fazendo para o crescimento econômico do planeta e para tirar os demais da pobreza. Vocês são a fonte da nossa antifragilidade. Nossa nação agradece a vocês.

Por que comemorar o fracasso, e não apenas o sucesso? Porque a estrada do sucesso futuro é pavimentada com as ruínas dos fracassos passados. A falência cumpre na economia o papel que a falsificação de hipóteses cumpre na ciência experimental. "Alguém que não encontrou uma coisa está fornecendo conhecimento aos demais", diz Taleb, "conhecimento do melhor tipo, aquele da ausência (do que não funciona)." 


Cada vez que você entra em um restaurante bom, que lhe agrada, lembre do outro empreendedor, que naufragou com seu outro restaurante menos agradável, mas que ajudou o processo de aprendizado de todo o setor de alimentação. Se o setor de restaurantes parece imune a crises, agradeça ao fato de ser um setor de maior rotatividade, com alto índice de falências. A fragilidade de cada estabelecimento deixa mais robusto o setor como um todo.

Enquanto cada empreendedor caminha com prudência em sua luta por sobreviver, a sociedade se beneficia de quem está mais disposto a correr altos riscos. Para que haja mais empreendedores com maior ousadia, precisamos elevar moralmente o status da atividade empresarial. Continua Taleb:

A fim de progredir, a sociedade moderna deveria tratar empreendedores arruinados da mesma maneira que honramos soldados mortos, talvez não com tanta honra, mas usando exatamente a mesma lógica.

Não é difícil encontrar empreendedores arruinados. Cerca de metade das empresas no Brasil não consegue sobreviver mais de três anos. Apenas uma minoria atravessa a marca dos cinco anos com vida. Como já disse em outro lugar, para abrir uma empresa no Brasil, gasta-se 152 dias com a obtenção de todas as licenças, inspeções e registros necessários. Leva-se quatro anos para fechá-la. No mesmo período, é possível abrir e fechar 7 empresas em Cingapura.

Até quando os empreendedores vencem no mercado, seu sucesso pode ser logo perturbado pelo que Werner Sombart e Joseph Schumpeter chamavam de destruição criadora. A próxima inovação pode sepultar a anterior. Deirdre McCloskey dá um exemplo:

Pense nas mais recentes cadeiras de praia, dobráveis e de lona, antes vendidas por U$40 e que agora custam U$6. Elas levaram à falência companhias que faziam as cadeiras de alumínio mais antigas. Por sua vez essas levaram à falência as velhas cadeiras dobráveis de madeira, que por sua vez levou à falência as ainda mais antigas cadeiras de madeira não dobráveis.

As pequenas grandes maravilhas do mundo contemporâneo foram trazidas por empreendedores. Foram eles que fizeram com que o smartphone que você tem no bolso (ou que está usando para ler esse texto) tenha uma capacidade de processamento superior a todo o projeto Apolo no ano em que o homem foi à lua.

Também foi o empreendedorismo que ajudou a cortar a pobreza mundial pela metade nas duas últimas décadas. E os pobres não apenas enriquecem como objetos do empreendedorismo alheio. Eles abandonam o poço da pobreza pela escalada do empreendedorismo próprio — especialmente quem estava amarrado ao fundo, como os Dalit, a casta dos "intocáveis" na Índia.

O New York Times relata a transformação dos intocáveis. Estagnados em meio a preconceito social e político histórico, os Dalit nasciam pobres e morriam sem esperança de mobilidade social. A constituição indiana "relegou os Dalit à base da pirâmide social e os condenava a empregos de baixo status, como barbearia e trabalhos com couro". Nas salas de aula, as crianças Dalit tinham que se sentar no chão. Os pais não podiam ir ao mesmo templo ou beber da mesma água das castas superiores.

Até que algo aconteceu. Os Dalit começaram a "combater o sistema de castas com o capitalismo." Com a abertura comercial indiana em curso há mais de vinte anos, os intocáveis aproveitaram a oportunidade para abrir suas próprias empresas e contratar funcionários da sua própria casta. Formaram sua própria câmara de comércio e indústria,

Um próspero centro de líderes empresariais que ignoram por completo a intervenção do governo, realizando contato diretamente com candidatos qualificados e preenchendo ordens de compra de outras empresas Dalit.

Resultado? A diferença salarial entre os intocáveis e as outras classes caiu de 36% em 1983 para 21% em 2011, "menor que a diferença salarial entre trabalhadores brancos e negros nos Estados Unidos. A desigualdade educacional caiu pela metade."

A ascensão econômica traz ascensão social. Ashok Khade, um empresário Dalit, ainda se lembra de como era a vida antes do capitalismo, apesar de hoje ser recebido com saudação pelos líderes locais quando chega de BMW prata em sua vila natal.

'Esse é um período de ouro para os Dalit', diz Chandra Bhan Prasad, pesquisadora e ativista Dalit que hoje defende o capitalismo entre os intocáveis. 'Por causa da nova economia de mercado, a sinalização material está substituindo a sinalização social. Os Dalit já podem comprar sua posição na economia de mercado. A Índia está passando de uma sociedade de castas para uma sociedade de classe.'

(Fazemos filmes de atletas em provas de superação e de artistas psicologicamente torturados. Mas não celebramos o suficiente nossos empreendedores. Pense nas novelas. Quantos vilões eram empreendedores? E quantos heróis?)

Os pobres brasileiros podem exercitar a mesma coragem dos intocáveis indianos se suas oportunidades econômicas forem ampliadas. Devemos diminuir o custo de abrir e operar uma empresa para que o caminho do empreendedorismo esteja aberto à base da nossa pirâmide social. Muitos irão fracassar. Por isso é importante honrar cada tentativa. Outros irão ter sucesso, e servirão de exemplo para novas gerações:

Por: Diogo Costa  presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seus artigos já apareceram em publicações diversas, como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Diogo é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York. Seu blog: http://www.capitalismoparaospobres.com

A FALÁCIA DA DESMILITARIZAÇÃO DA POLÍCIA

No País em que latrocidas e estupradores são chamados de “reeducandos”, o governo federal quer que o policial que mata um sequestrador para salvar o refém seja chamado de “homicida”


Criar um “SUS” da segurança pública, unificar as polícias e despir a PM de sua farda – eis as propostas que prometem revolucionar a segurança pública no País. Praticamente unânimes entre os acadêmicos especializados na área, essas ideias conquistam cada vez mais adeptos em Brasília. É o que se percebe nas discussões da Comissão Especial de Segurança Pública do Senado, instalada em 2 de outubro deste ano com o objetivo de debater e propor soluções para o financiamento da segurança pública no Brasil. Criada por iniciativa do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a comissão é presidida pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) e tem como relator o senador Pedro Taques (PDT-MT).
“O sistema de segurança pública no Brasil está absolutamente falido” – com essa declaração, proferida numa audiência pública realizada no dia 13 de novembro último, o senador Pedro Taques resumiu um sentimento das ruas que hoje encontra guarida até nos quartéis. Cada vez mais estão surgindo depoimentos de policiais militares colocando em descrédito a própria corporação a que pertencem. É o caso do livro O Guardião da Cidade (Editora Escrituras, 2013, 256 páginas), do tenente-coronel Adilson Paes de Souza, fruto de sua dissertação de mestrado “A Educação em Direitos Humanos na Polícia Militar”, defendida na Faculdade de Direito da USP em 2012, sob a orientação do cientista político Celso Lafer.

Nesse trabalho acadêmico, festejado por toda a imprensa, o tenente-coronel da PM paulista defende a ampliação da carga horária do estudo de direitos humanos na formação dos oficiais da Polícia Militar, como forma de combater a tortura. Em artigo anterior, procurei demonstrar que se trata de uma falácia. O Curso de Formação de Oficiais é praticamente um curso completo de Direito e, como se sabe, é impossível estudar qualquer disciplina do Direito sem tratar dos direitos humanos, uma vez que a Constituição de 88, base legal de todas as disciplinas jurídicas, é alicerçada, de ponta a ponta, nos direitos da pessoa humana.


Sobrevivendo na Gestapo brasileira
Em vários momentos do livro, influenciado por pensadores de esquerda, que vêm na polícia um braço armado do sistema capitalista, Paes de Souza, de modo quase indisfarçável, compara a Polícia Militar brasileira com a Gestapo de Adolf Hitler. Chega a descrever o produto das ações da PM como um novo campo de concentração nazista. Com base em artigo da psicóloga e psicanalista Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, sintomaticamente intitulado “Violência, Massacre, Execuções Sumárias e Tortura”, o tenente-coronel cita como exemplo desses casos, os 111 mortos do Carandiru, em 1992, os 493 mortos quando dos ataques do PCC em 2006 e a Operação Castelinho em 2002, “que constituiu uma emboscada”, com 12 mortos – todos bandidos do PCC, acrescente-se, já que o coronel não o faz em sua tese.

Para a psicóloga Maria Auxiliadora Arantes, citada no livro O Guardião da Cidade, tais acontecimentos “são crimes filhotes de um Estado que deixou intacto um aparelho de matar e que não puniu os que o montaram”. O tenente-coronel Adilson Paes de Souza corrobora literalmente suas palavras, tanto que acrescenta a elas a seguinte frase: “De fato, Auschwitz faz-se presente”. Reparem: Paes de Souza está comparando o trabalho da Polícia Militar – instituição em que atuou durante 28 anos, chegando a tenente-coronel – com a violência das forças nazistas nos campos de concentração de Hitler. Justamente num momento em que a PM está sob o fogo cerrado dos formadores de opinião.

O cientista político Celso Lafer, responsável pela dissertação de mestrado de Adilson Paes de Souza na USP, deveria ter-lhe feito uma pergunta singela antes de aceitar a orientação de seu trabalho: “Onde o senhor estava, na condição de tenente-coronel da Polícia Militar, quando seus subordinados de farda se tornaram exemplos atuais da Gestapo de Hitler, torturando e executando pessoas?” Antes de pontificar sobre os problemas da Polícia Militar, apresentando soluções mirabolantes do conforto de uma cátedra universitária, o tenente-coronel deveria ter respondido para si mesmo essa pergunta. Na condição de tenente-coronel da Gestapo brasileira (a se crer nos seus próprios conceitos), ou Paes de Souza foi cúmplice do holocausto que denuncia ou foi omisso diante dessa carnificina que imputa à PM. Em qualquer dos casos, deveria refletir com mais profundidade sobre o assunto, antes de se arvorar a defender tese, escrever livro e contribuir, ainda que involuntariamente, para a difamação sistemática de que a PM é vítima na imprensa e nas universidades.

Não é possível sobreviver durante 28 anos num aterro sanitário moral e dele sair com a alma cheirando a talco, como canta Gilberto Gil. Em seu livro, citando o economista Albert Hirschman, Paes de Souza fala que os membros de uma instituição podem abandoná-la ou criticá-la quando se sentem descontentes. O autor não diz, mas, no caso da Polícia Militar, a via mais frequente é a omissão: o policial se esconde numa carreira burocrática, evitando o confronto das ruas e, com isso, pode pontificar sobre direitos humanos sem correr riscos. O tenente-coronel sobreviveu ao horror que denuncia foi por essa terceira via? Sem essa explicação, suas reflexões e denúncias sobre a PM perdem muito da autoridade que poderiam ter.


Depoimentos de PM homicidas
Para exemplificar as críticas que faz à polícia, Adilson Paes de Souza colheu o depoimento de dois policiais militares condenados por homicídio e se valeu também de dois depoimentos colhidos pelo jornalista Bruno Paes Manso, do jornal O Estado de S. Paulo. Em junho de 2012, Manso defendeu no Departamento de Ciências Políticas da USP a tese de doutorado “Crescimento e Queda dos Homicídios em São Paulo entre 1960 e 2010”, em que faz uma “análise dos mecanismos da escolha homicida e das carreiras no crime”. Essa tese de Manso já havia lhe rendido o livro O Homem X: Uma Reportagem sobre a Alma do Assassino em São Paulo (Editora Record, 2005), no qual o tenente-coronel buscou os dois depoimentos.

Os policiais ouvidos por Paes de Souza ganharam os apelidos de “Steve” e “Mike”, geralmente dados aos policiais que trabalham nas ruas. O policial Steve foi condenado a mais de 20 anos de reclusão por um homicídio a tiros e facadas. “No auge da prática do ato, senti que estava cheio de ódio e acabei descarregando tudo sobre o corpo da vítima. Tinha um sentimento de ódio generalizado de tudo”, afirma o policial. De origem nordestina, ele contou que seu pai era PM aposentado e costumava conversar com toda a família na hora do jantar sobre o sentimento de honra que envolvia a profissão. Inspirando-se no pai, Steve, ao completar 18 anos, ingressou na polícia, por meio de concurso público.

“Fui designado para trabalhar numa unidade da Polícia Militar na periferia da cidade de São Paulo. Comecei a ver uma realidade que não conhecia: favelas, meninas estupradas, pessoas pobres vítimas de roubo, o que causou revolta”, conta Steve. Movido por essa revolta, diz que começou a trabalhar além do horário normal, prendendo o máximo possível de bandidos, na esperança de acabar com a criminalidade na região. O PM conta que, numa ocasião, prendeu em flagrante dois ladrões que tinham roubado um supermercado, mas na noite do mesmo dia viu os dois na rua. Quando os abordou, soube que fizeram um acordo com o delegado, inclusive deixando na delegacia uma parte da propina para o policial.

“Nesse momento, percebi que a corrupção existente nos distritos policiais da área onde trabalhava gerava a impunidade dos delinquentes”, afirma Steve, que passou a frequentar velórios de policiais mortos em serviço, alimentando ainda mais sua revolta com a impunidade dos bandidos. Foi aí que decidiu fazer justiça com a própria farda: “Eu era juiz, promotor e advogado. Levava a vítima para um matagal, concedia-lhe um minuto para oração e a sentenciava a morte”. Essa vida de justiceiro fardado destruiu sua família. Sua mulher chegou a tentar o suicídio. E, na cadeia, sofreu maus-tratos e não teve a solidariedade dos colegas: os policiais que o visitavam estavam mais preocupados em sondá-lo para saber se não seriam delatados, em virtude de outras ocorrências.

Um dos entrevistados pelo repórter Bruno Paes Manso, citado na dissertação do tenente-coronel Paes de Souza, também relata que se via em guerra contra os criminosos e, movido pelo ideal de resolver o problema da criminalidade, trabalhava praticamente o dobro: as oito horas regulamentares pagas pelo Estado somadas às oito em que combatia o crime de graça, por sua própria conta e risco. Esse policial contou ter deparado com vários casos graves, que só via em filmes. Certa vez, atendeu a uma ocorrência em que uma criança de quatro anos foi estuprada e ele, junto com outros policiais militares, evitou o linchamento do estuprador. “Nesse momento, achou um contrassenso ter que proteger quem havia praticado uma monstruosidade contra uma menina. Sentiu revolta”, relata Paes de Souza.


Mais confrontos, mais mortes
Esse é praticamente o padrão dos depoimentos de policiais militares condenados por homicídio: 1) imersão idealista do policial no combate ao crime; 2) revolta com a impunidade dos criminosos; 3) justiça com a própria farda; 4) prisão, arrependimento e transferência da culpa para a corporação militar. O livro Sangue Azul(Editora Geração Editorial, 2009), baseado no depoimento de um soldado da PM do Rio de Janeiro ao documentarista Leonardo Gudel, também segue esse padrão. E, de acordo com as entrevistas concedidas pelo autor, parece que o recém-lançado Como Nascem os Monstros (Editora Topbooks, 2013, 606 páginas), romance do policial carioca Rodrigo Nogueira, condenado e preso por homicídio, também não foge à regra.

Um sargento preso por homicídio e ouvido por Bruno Paes Manso explica que o “assassinato é uma importante ferramenta no cotidiano perigoso do policial militar que trabalha na rua”, e acrescenta que “se os policiais fossem proibidos de matar seria melhor que parassem de trabalhar”. Esse mesmo policial diz ainda: “Sem contar que a bandidagem está cada vez ficando mais ousada, mais armada e respeita cada vez menos a polícia. Isso é explicado dessa forma, isso não foi a polícia que motivou. Hoje tem muito mais reação, o pessoal enfrenta, por isso tem mais morte”. O tenente-coronel Paes de Souza, do alto de sua tese da USP, classifica essa fala do sargento como simplista, por afirmar que mais criminalidade significa mais confronto e, consequentemente, mais mortes.

Ora, simplista é o modo como o tenente-coronel, desprezando seus 28 anos de experiência como policial, deixa-se seduzir pela inútil retórica da academia e utiliza esses depoimentos para corroborar teses injuriosas a respeito da Polícia Militar, que a acusam de ser uma máquina assassina, nazista, semelhante a Auschwitz. Quando atribuem à Polícia Militar o suposto “genocídio da juventude negra”, calúnia que já foi corroborada até por membros do Poder Judiciário, os acadêmicos escondem dois detalhes cruciais: primeiro, muitos jovens negros das periferias são recrutados pelo narcotráfico e matar ou morrer são verbos que conjugam diariamente; segundo, a Polícia Militar emprega muito mais negros do que as universidades que a criticam. Então, a ser verdade o que diz a academia, esses policiais não seriam genocidas, mas suicidas: estariam matando deliberadamente seus próprios familiares.

O tenente-coronel e os demais acadêmicos que escrevem teses sobre segurança pública acreditam que basta perorar sobre direitos humanos no ouvido de um soldado para que ele saia à rua com flores na boca do fuzil, ajudando velhinhas no semáforo e pegando crianças no colo, até que surja um marginal armado e esse policial, consciente de seus deveres, saque da farda um exemplar da Constituição e atire no rosto do bandido seus direitos humanos, para que o criminoso estenda os pulsos com cidadania e seja algemado com dignidade. É óbvio que a terrível complexidade da segurança pública não se rende a golpes de retórica sobre direitos humanos.


Policial só se equipara a médico
Uma análise verdadeiramente profunda dos depoimentos dos homicidas da PM revela a complexa natureza do trabalho policial, que, em qualquer tempo e lugar, é inevitavelmente insalubre para a alma. O policial é como o médico: sem uma dose sobre-humana de frieza, ele não será capaz de proteger vida nenhuma, pois o medo do sangue, da mutilação, do cadáver, irá acovardá-lo diante do dever a ser cumprido. Por isso, ser policial não é para qualquer um. Os policiais homicidas tentam enganar a própria consciência quando dizem que a corporação os transformou em violentos. O potencial de violência já estava presente neles ou não teriam sonhado em ser policial, uma profissão que, em algum momento, há de exigir violência para que as leis sejam cumpridas. Afinal, se bandido ouvisse conselho, não entraria no crime.

Polícia não é assistência – é contenção. Ela é chamada justamente quando as normas da cultura e os mandamentos da lei já não são suficientes para manter o indivíduo no bom caminho e alguém precisa contê-lo. Por isso, a polícia tem de ser viril. A testosterona que faz o bandido violento é a mesma que faz o policial corajoso. Daí a importância de se separar ontologicamente o policial do criminoso. Ao contrário do que acreditam os acadêmicos, o policial tem que tratar o bandido como inimigo, sim. O soldo sozinho – por maior que seja – não é capaz de separar o policial do criminoso, pois a natureza mais profunda de ambos e o ambiente em que vivem se alimentam da mesma virilidade masculina, responsável por mais de 90% dos crimes violentos em qualquer cultura humana em todos os tempos.

O policial de rua, obrigado a enfrentar o crime de arma em punho e não de uma sala refrigerada da USP, é como um médico num campo de refugiados ou em meio a uma epidemia letal: se trabalhar só pelo dinheiro, ele voltará para casa na hora, pois não há salário que pague sua própria vida, permanentemente em risco. Para compensar os riscos da profissão, o policial precisa ser tratado como herói. Especialmente num País como o Brasil em que a criminalidade soma cerca de 63 mil homicídios por ano (de acordo com estudos do Ipea). O policial precisa ter a certeza de que, ao tombar no campo de batalha, sua morte não será em vão: a sociedade irá cultuá-lo como herói diante de sua família enlutada e o bandido que o matou será severamente punido.

No Brasil, ocorre justamente o contrário: enquanto a morte de bandidos é cercada de atenção pelas ONGs dos direitos humanos e gera violentos protestos de rua em São Paulo e Rio, a morte de um policial não passa de uma efêmera nota de rodapé no noticiário e, em muitos casos, sua família não recebe nem mesmo a visita das autoridades da própria segurança pública, temerosas do que possam pensar os formadores de opinião. Já em países como os Estados Unidos, um bandido reluta em matar um policial, pois sabe que o assassinato será motivo de comoção pública e a pena que o aguarda será à altura dessa indignação cívica com a morte de um agente da lei.


Completa inversão de valores
Mas não basta tratar como herói o policial – também é preciso tratar o bandido como bandido. O ser humano é um ser relativo e não consegue julgar em absoluto, mas somente por meio de comparação. Por isso, ao mesmo tempo em que se enaltece o policial corajoso e honesto, é preciso punir verdadeiramente o criminoso, para marcar a diferença entre ambos. O policial se revolta ao proteger de linchamento o estuprador de uma criança ou ao levar para o hospital o bandido ferido que tentou matá-lo porque sabe que seu trabalho heroico e humanitário foi inútil: logo, esses bandidos serão postos na rua para cometer novos homicídios e estupros.

Mesmo o estuprador de uma criança ou o homicida que queima viva sua vítima têm direito a todas as regalias da legislação penal, travestidas de direitos humanos. Até criminosos que matam ou estupram mulheres gozam de benefícios absurdos, como a famigerada visita íntima. A Resolução CNPCP Nº 4, de 29 de junho de 2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, instituiu de vez a visita íntima como um direito do preso qualquer que seja a gravidade do seu crime. No seu artigo 4º, a resolução deixa claro que “a visita íntima não deve ser proibida ou suspensa a título de sanção disciplinar”; ou seja, mesmo se o preso promover rebeliões e mortes na cadeia, a visita íntima continuará sendo assegurada a ele como um direito sagrado, à custa da segurança da sociedade. É óbvio que a mulher que se presta a lhe servir de repasto sexual também há de lhe fazer outros favores associados diretamente ao crime, como passar recados para seus comparsas que estão fora das grades.

É por isso que quando uma patrulha da PM leva um criminoso ferido para o hospital, muitas vezes junto com um policial também ferido na troca de tiros, os policias que assim agem precisam ser tratados como heróis. É sua única recompensa. Não há salário que pague esse gesto. Não é fácil para nenhum ser humano salvar a vida de seu próprio algoz sabendo que aquele criminoso que tentou matá-lo não será punido como merece, pois, na cadeia, continuará comandando o crime, com direito a saídas temporárias, visitas íntimas e outras regalias. A legislação penal é tão moralmente hedionda que um dos assassinos do jornalista Tim Lopes, depois de preso, jogou água quente em sua companheira dentro da própria cela. E esse novo crime bárbaro só foi possível porque o Estado brasileiro – cúmplice contumaz de bandidos – garante a famigerada visita íntima até para um monstro dessa espécie.


Feministas contra a polícia
Mas, por incrível que pareça, até as feministas – que criticam violentamente a polícia – defendem as visitas íntimas para presos, consideradas uma extensão dos direitos humanos e classificadas como “direitos sexuais”. Ora, direito sexual é como o direito de expressão: toda pessoa tem o direito de falar, mas não tem o direito de obrigar o outro a ouvi-la. O preso não pode ser impedido de sonhar com uma mulher ou até de satisfazer solitariamente sua libido. Mas isso não significa que ele tem o direito de manter relações sexuais dentro da cadeia, mesmo que seja com sua esposa. E a razão é simples: seu desejo sexual não pode ser posto acima da segurança da sociedade. É óbvio que, durante a visita íntima, não há meio de controlar o preso. Ele pode usar a visita – e sempre usa – para transmitir recados aos comparsas fora da cadeia, daí o comando que o cárcere continua tendo sobre o crime organizado. Praticamente todas as centrais telefônicas do PCC são administradas por mulheres de presidiários. E mulher de preso inevitavelmente o obedece, sob pena de ser morta.

O mesmo se dá com a alimentação do preso. Não deixar um latrocida morrer de fome e sede na cadeia é garantir-lhe um direito humano básico, mas permitir que ele escolha o cardápio, por meio de rebeliões, como ocorre com muita frequência nos presídios brasileiros, não passa de um abuso com o dinheiro de suas vítimas. Hoje, até o criminoso que queima sua vítima viva tem direito a remissão de pena não por dias trabalhados, por horas de estudo e, pasmem, até pela simples leitura de romances na cadeia. Ou seja, o que os acadêmicos chamam de “direitos humanos” são, na verdade, privilégios civis, que deveriam ser privativos do cidadão que respeita as leis e não do bandido que fere o contrato social e, por isso, tem de ser excluído da esfera da cidadania enquanto cumpre sua pena.

Hoje, a inversão de valores é tanta que, oficialmente, por meio das políticas públicas do governo federal, o policial militar se tornou o inimigo público número um, enquanto se concede ao criminoso o monopólio dos direitos humanos. A Resolução nº 8, de 21 de dezembro de 2012, da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, sob o comando da ministra Maria do Rosário, estabelece em seu artigo 1º que, quando um bandido morre em confronto com a polícia, na descrição de sua morte nos registros oficiais não deve mais ser usada a expressão “resistência seguida de morte” e, sim, “homicídio decorrente de intervenção policial”.

A alegação é que os policiais utilizam o chamado “auto de resistência” para esconder execuções. Ora, nos casos em que isso ocorre, não vai ser mudando as palavras que o crime deixará de ser praticado. Mais do que a nomenclatura, o que importa em qualquer crime é a investigação. E essa não deixará de ser feita caso um auto de resistência levante suspeitas, a não ser que as autoridades responsáveis pelo controle externo da polícia se omitam. Prova disso é que dezenas de policiais militares são expulsos da corporação em todo o País. Classificar esse tipo de ocorrência como “resistência seguida de morte” é uma questão de respeito com o policial. É um absurdo que, após uma troca de tiros com assaltantes de bancos armados de fuzil, o policial tenha de descrever a morte de um dos bandidos como “homicídio decorrente de intervenção policial”.


Criminoso é “reeducando”, policial é “homicida”
A sociedade honesta e trabalhadora, que não se acumplicia com bandidos, não pode aceitar essa calúnia legalizada contra a polícia, tachando previamente de “homicida” o policial que mata para proteger a sociedade, cumprindo seu dever constitucional. Se numa investigação sobre um auto de resistência ficar provado que não houve confronto, mas execução, então que o policial seja punido. O que não se pode aceitar é que o policial seja antecipadamente tachado de homicida mesmo quando é obrigado a matar para proteger vidas. Na prática, é essa a mancha que o policial terá de carregar em sua imagem, caso seja obrigado a registrar a morte de um bandido em confronto como “homicídio”. Isso é ainda mais grave quando se compara o tratamento de “homicida” que querem dar ao policial com o tratamento de “reeducando” que a Justiça dá a latrocidas e estupradores nas cadeias.

Atentem para esta fórmula de inversão dos valores: policial que mata um sequestrador é “homicida”, até que prove o contrário; já o sequestrador que mata o refém vira “reeducando” quando é preso e condenado pela Justiça. Como se pode notar, há uma completa inversão dos valores morais: o policial é culpado até que prove sua inocência; já o bandido é inocente como uma criança de escola (“reeducando”), justamente quando sua culpa foi provada e sentenciada nos tribunais. Esses fatos mostram que os acadêmicos que criticam a Polícia Militar não estão preocupados com a segurança da população honesta e trabalhadora – querem é atacar a sociedade capitalista, como se não fossem justamente os mais pobres os que mais perdem com o enfraquecimento da polícia? Os ricos podem contratar segurança privada. E os pobres? E a classe média? O que será deles sem a polícia?

A grande verdade é que a Polícia Militar não é necessariamente pior do que as demais instituições humanas. Convém relembrar uma máxima do economista Albert Hirschman não aproveitada na tese do tenente-coronel Paes de Souza: “Sob qualquer sistema econômico, social ou político, indivíduos, firmas e organizações, em geral estão sujeitas a falhas de eficiência, racionalidade, legalidade, ética ou outros tipos de comportamento funcional. Não importa quão bem estabelecidas as instituições básicas de uma sociedade; alguns agentes, ao tentarem assumir o comportamento que deles se espera, estão fadados ao fracasso, ainda que por razões acidentais de quaisquer tipos”.

Ou seja, todas as demais instituições indispensáveis à Justiça, como o Judiciário, o Ministério Público, a OAB, a Polícia Federal e a Polícia Civil, para citar as principais, estão sujeitas a gravíssimas falhas por parte de seus membros. Um juiz que mata um inofensivo e desarmado vigilante de supermercado, como já ocorreu no Brasil, é infinitamente mais criminoso do que um policial desesperado, que, depois de escapar por pouco das balas de um assaltante, resolve terminar de matá-lo ao se dar conta de que ele está ferido. É errada essa atitude do policial? Sem dúvida. Mas é compreensível, tanto que a maioria da população, equivocadamente, a aprova. E a única forma de inibir essa justiça vicária feita com a própria farda é dar ao policial a certeza de que ele pode entregar o bandido aos tribunais, que a sociedade será vingada mesmo assim – sem visitas íntimas, sem saídas temporárias, sem indultos de Natal, sem celulares na prisão, sem regime semiaberto, sem remissão de pena e sem as demais regalias dadas ao criminoso.

É bom lembrar que leis mais duras serviriam inclusive para punir os maus policiais, que também existem, mas, hoje, acabam ingressando no crime organizado ao serem expulsos da corporação. Se os maus elementos de cada instituição humana fossem enforcados nas tripas dos maus elementos das outras, não sobrariam condenados nem tripas. A maldade humana está relativamente bem distribuída em todas as instituições. Por isso, é tolice creditar os problemas da segurança pública à Polícia Militar, como insistem em fazer os acadêmicos e até policiais influenciados por eles. Tortura, corrupção e truculência não são privativas da PM. E a injustiça com a PM é ainda mais grave quando se leva em conta o contexto em que a corporação atua – a miséria moral dos mais ferozes criminosos, que não têm o menor respeito pela vida humana. Por isso, é tolice achar que, desmilitarizando a PM, se resolvem todos os problemas da segurança pública. Mesmo se isso fosse verdade, seria um desatino desmilitarizar a polícia justamente quando os bandidos andam com fuzis nas ruas e transformaram até as cadeias em quartéis crime.

Publicado no Jornal Opção.

Por: José Maria e Silva, sociólogo e jornalista, edita o blog Palavracesa.

domingo, 1 de dezembro de 2013

"DEMÊNCIA DIGITAL" ALARMA CORÉIA DO SUL E ALEMANHA

A Coreia do Sul é um dos países mais conectados digitalmente no mundo, mas desde 1990 vem registrando o crescimento do problema da “adicção à Internet” entre adultos e jovens, de acordo com o jornal The Telegraph.

Essa adicção está evoluindo para o que os sul-coreanos chamam de “demência digital”. O termo designa uma deterioração das capacidades cognitivas que antes só se viam em pessoas que sofreram graves lesões no crânio ou doenças psiquiátricas. 

“O uso excessivo de smartphones e jogos digitais dificulta o desenvolvimento equilibrado do cérebro”, explicou ao jornal “Joong Ang Daily”, de Seul, o médico Byun Gi-won, do Centro para o Equilíbrio Cerebral.

“Os usuários ‘pesados’ tendem a desenvolver o lado esquerdo de seus cérebros, deixando no subdesenvolvimento ou no estancamento o lado direito” – acrescentou. Do lado direito depende a concentração mental, e sua falência afeta a atenção e a memória, danos que se verificam num 15% dos casos de “demência digital” precoce.

Os pacientes desta nova patologia exibem também subdesenvolvimento emocional, sendo que as crianças correm mais riscos do que os adultos porque seus cérebros ainda estão crescendo.

Segundo os médicos, a situação está piorando na medida em que a média de jovens entre 10 e 19 anos que usam smartphones mais de sete horas por dia cresceu até 18,4%, um aumento de 7% em relação ao ano passado. 

Mais de 67% dos sul-coreanos possuem smartphone, o maior índice do mundo. Nos adolescentes a proporção é de mais de 64%, segundo o Ministério para as Ciências. O governo calcula que 20% dos menores de idade sofrem depressão e ansiedade quando fica sem mexer com celular.

O neurocientista alemão Manfred Spitzer publicou em 2012 o livro Digital Dementia, alertando pais e professores para o perigo que correm as crianças que ficam muito tempo diante de laptops, tablets, celulares ou outros aparelhos eletrônicos. 

Segundo o Dr. Spitzer, os déficits no desenvolvimento cerebral são irreversíveis. Para ele, os equipamentos digitais deveriam ser banidos das escolas alemãs antes que os jovens se tornem adictos.

Por sua vez, a BBC Brasil noticiou que os ministérios da Educação e da Saúde sul-coreanos pediram que as escolas organizem acampamentos visando livrar as crianças dos atrativos negativos da adicção a Internet e a concomitante “demência digital”.

Por: Luis Dufaur editor do blog Valores Inegociáveis.

ESCRITORES E PEDÓFILOS

Um dia perguntaram a Gore Vidal se ele gostaria de mudar alguma coisa na sua biografia. O escritor respondeu: "A minha mãe". 

Em três palavras, Vidal "vintage": uma mistura de ironia e crueldade. E de presciência, talvez: se é verdade que todas as famílias felizes são iguais, então cada família ressentida é ressentida à sua maneira. 

O verniz da família Vidal estalou recentemente depois de o escritor, morto em 2012, ter deixado o seu patrimônio (tradução: US$ 37 milhões, cerca de R$ 84 milhões) à Universidade Harvard. 

A família respondeu com um livro no qual alega que Vidal teria vivido anos de terror com a possibilidade de William Buckley, seu fiel inimigo, o denunciar como pedófilo. Buckley teria provas de vários crimes sobre menores. Infelizmente, os descendentes de Buckley confessam que o "dossiê Vidal" foi jogado fora depois da morte do patrono. Como quem joga uma roupa velha. 

Perfeito. Não há provas. Apenas uma mancha: Vidal era pedófilo e não se fala mais do assunto. 

Uma mancha dessas não é apenas destrutiva de uma reputação. É destrutiva e macabra porque Vidal já não está entre os vivos para responder. Se bater em gente indefesa é sinal de covardia, o que será bater em gente morta? 

Mas o "caso Vidal", que agitou as águas literárias, coloca uma questão mais séria: será que o comportamento pessoal de um artista, e mesmo o comportamento alegadamente criminal dele, diminui ou altera a qualidade da sua obra? 

O jornalista Mark Lawson, que analisou o caso no jornal "The Guardian", diz que não. E relembra vários exemplos de condutas privadas reprováveis que nem por isso desqualificam o autor. O antissemitismo de Richard Wagner não deve ser um impedimento para apreciar a sua música. 

E, claro, convém não esquecer Roman Polanski, que abusou de uma menor nos Estados Unidos e, por causa disso, nunca mais lá regressou. O crime de Polanski desqualifica os filmes que ele fez? 

A minha resposta também é negativa: existe uma autonomia na criação estética que não se confunde com a biografia ética. Admito apenas uma exceção a essa regra (já irei a ela), mas pretender julgar qualquer obra com as falhas de conduta do criador seria inaugurar uma "caça às bruxas" que deixaria os nossos museus e as nossas bibliotecas irremediavelmente mais pobres. 

O antissemitismo de Céline não retira uma vírgula à grandeza romanesca da sua obra. Martin Heidegger merece ser lido, e bem lido, independentemente dos entusiasmos pelo nazismo. 

E, para recuarmos na história, não passa pela cabeça de ninguém condenar a pintura de Caravaggio simplesmente porque ele era um delinquente e um provável homicida. 

Exceções à regra? Apenas uma: quando o próprio autor não respeita a separação entre a ética e a estética, usando a segunda para esconder a primeira. A misantropia de Evelyn Waugh não me incomoda porque os seus romances não procuram sublimar ou ocultar o ser intratável que ele era. 

Mas confesso algumas dificuldades em levar a sério o humanismo moralista de Arthur Miller quando sei que esse humanismo não era praticado pelo próprio em relação ao filho com síndrome de Down, que ele abandonou no asilo e conscientemente rasurou da sua biografia. 

Repito: não espero que um artista seja um santo. Mas também não tolero que ele se faça passar por santo. E, sobretudo, que faça sermões aos outros exigindo essa santidade. 

Finalmente, a separação entre a conduta ética e a autonomia estética funciona para ambos os lados. A violação de Polanski não retira qualidade aos seus filmes. Mas a qualidade dos filmes não o absolve da violação (e da fuga), mesmo sabendo que a vítima já o perdoou publicamente. 

Acreditar que a vida estética está cima da lei é apenas repetir o mesmo tipo de "diletantismo ético" que produziu horrores mil na história moderna. Se Polanski regressar aos Estados Unidos, a Justiça que trate do que é da Justiça. Os filmes bastam-se e bastam-me. 

E Gore Vidal? Começo e acabo com o óbvio: no século 20 americano, não encontro maior ensaísta. Nem melhor escola de estilo para qualquer candidato ao "métier". 

O que Vidal fazia nas horas livres não é da minha conta. E, perante a ausência de provas (e de vítimas), não é da conta de ninguém. 

Por: João Pereira Coutinho Folha de SP

sábado, 30 de novembro de 2013

ALGO ESTÁ ERRADO

Alguma coisa deu terrivelmente errado com o Brasil de hoje. Só pode ser isso: com o dramático início do cumprimento das penas pelos condenados do mensalão, nessa feia penitenciária da Papuda, a corrupção na vida política brasileira deveria estar na defensiva. Se os principais chefes do partido que manda no Brasil há dez anos foram para a cadeia, o lógico seria esperar mais cautela dos bandos que operam nos escalões inferiores; afinal, se a impunidade de sempre falhou até com a turma que está no topo da árvore, poderia falhar de novo com qualquer um. Uma retração geral da roubalheira, nessas circunstâncias, teria de estar acontecendo em todo o território nacional. Mas os fatos mostram exatamente o contrário: justo agora, com Papuda e tudo, está no ar um espetáculo de corrupção maciça, sistemática e rasteira na prefeitura de São Paulo, envolvendo possíveis 500 milhões de reais em prejuízos para o público, duas administrações e fiscais que chegavam a ganhar 70 000 reais por semana desviando dinheiro do ISS municipal. Mas essa turma toda não deveria estar com medo do ministro Joaquim Barbosa? Não teria de parar um pouco, pelo menos durante estes momentos de mais calor no Supremo Tribunal Federal? Sim, sim, mas está acontecendo o contrário ─ rouba-se mais, e não menos. Que diabo estaria havendo aí? É uma disfunção do sistema; parece que o programa não está mais respondendo.

Sem dúvida, vive-se no Brasil de hoje um momento todo especial. De todos os instrumentos conhecidos para fazer concentração de renda, poucos são tão selvagens quanto a corrupção; lideranças que se colocam na vanguarda das “causas populares”, como se diz, deveriam, para merecer algum crédito, ser as primeiras no combate a essa praga. Mas não foi possível notar, quando esse último escândalo estourou, a mínima preocupação do mundo político oficial com os fatos denunciados ─ é como se 500 milhões fossem um mero trocadinho, coisa para o juízo de pequenas causas, talvez, ou algo a ser tratado como um empurra-empurra em escalões inferiores. A reação do maior líder político do país, o ex-presidente Lula, e das cúpulas do PT resumiu-se a uma única questão: como evitar que o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que se estranhou no episódio com o seu sucessor petista, Fernando Haddad, crie problemas para a candidatura à reeleição da presidente Dilma, em 2014. Afinal, trata-se de um aliado — e aliados estão acima de tudo para a “governabilidade” da nação, tal como ela é vista no partido do governo. Foi precisamente por aí, na verdade, que se chegou até aqui: de apoio em apoio, de acordo em acordo, de negócio em negócio, Lula e o PT tornaram-se iguais às forças políticas que mais combateram quando eram oposição, e que sempre denunciaram como as grandes culpadas pelo atraso, pobreza e injustiça do Brasil. Ao fecharem os olhos à corrupção e a outras taras que degeneram a vida pública no país, e ao descartarem como “moralismo” toda e qualquer denúncia contra a imoralidade, criaram os corvos que hoje os perseguem. Nada mais merecido, para quem adotou essa opção, do que ver na cadeia José Dirceu e José Genoino, suas “figuras históricas” e astros do mensalão ─ e em plena liberdade, com sua vida política cada vez melhor, os Sarney e os Collor, os Maluf e os Calheiros, inimigos de ontem e sócios de hoje.

Não era assim que estava programado.

***
Há personagens que nos presenteiam com momentos de grande conforto. O ex-presidente Harry Truman, dos Estados Unidos, até hoje o único ser humano a utilizar armas atômicas em guerra, é um deles. Depois de deixar a Presidência, como lembra um relato que tem circulado no mundo digital, recusou todas as ofertas financeiras que recebeu das grandes empresas americanas para exercer cargos de diretor, ou consultor, ou membro do conselho, ou qualquer atividade paga por elas. “Vocês não querem a mim”, dizia Truman, certo de que ninguém estava interessado em pagar para ouvir suas ideias, conhecimentos ou lições. “Vocês querem é a imagem do presidente. Isso não está à venda.”

O ex-presidente Lula, e antes dele Fernando Henrique, e antes de ambos Bill Clinton, e depois dos três a presidente Dilma Rousseff e o presidente Barack Obama, têm todo o direito às fortunas que já ganharam ou vão ganhar das maiores corporações do mundo com suas palestras. Mas dão direito, também, a que se faça uma pergunta: do ponto de vista da decência comum, qual das duas posturas parece ser a mais bonita?

Valeu, Mr. Truman. Por"J. R. Guzzo Revista Veja

DE VOLTA AO ARAGUAIA

Na Papuda, José Genoino queixou-se a familiares do que supõe ser a maldição de uma história circular: seu retorno à prisão, depois de quatro décadas da captura do guerrilheiro "Geraldo" nas matas do Araguaia. O círculo que o atormenta não se fecha, pois democracia é diferente de ditadura. O círculo perfeito é outro: Genoino converteu-se num político preso, não em um preso político, porque voltou a ser "Geraldo" quando assinou os empréstimos falsos com os quais o PT tentava lavar o dinheiro do "mensalão".


Um direito sagrado do ser humano é a resistência à tirania. O "Geraldo" capturado com um revólver, uma peixeira e um facão numa manhã de abril de 1972 combatia a ditadura militar -e, apesar de suas ideias, merece respeito por isso. Mas ele tinha ideias. O militante do PC do B lutava pela utopia sanguinária que, na China maoísta, assumira a forma bárbara da Revolução Cultural. E, sobretudo, o jovem comunista acreditava na supremacia da Razão do Partido. Nesse "Geraldo", o homem que subordina a ética ao Partido, encontra-se a causa de fundo da desgraça de Genoino. 

"Geraldo" desapareceu por um quarto de século, entre a fundação do PT, em 1979, e o dia em que Lula subiu a rampa do Planalto, em 2003. O Genoino do PT, deputado federal por cinco legislaturas, aprendeu as lições fundamentais: o valor da democracia e a legitimidade da opinião divergente. No Congresso, ganhou o respeito dos adversários políticos e o apoio de um vasto eleitorado de classe média que o tinha como representante da esquerda democrática. No partido, constituiu ao seu redor uma facção orientada pela crítica às ortodoxias de raiz stalinista. Sereno, mas firme, dissentiu incontáveis vezes da maioria lulista -e não se importou em ser rotulado pelas correntes esquerdistas como o líder da "direita do PT". Aquele Genoino tentou persuadir o PT a evoluir como partido social-democrata, uma hipótese que se desfez de encontro à muralha erguida por Lula e José Dirceu. 

"Geraldo" ressurgiu do nada na hora do comício da vitória. Atendendo a um pedido de Lula, Genoino já havia desistido de uma reeleição certa para disputar o governo paulista. Depois, sem mandato, aceitou a contragosto o pedido seguinte e assumiu a presidência do PT. Sua facção dissolveu-se na nova maioria lulista e o país perdeu um parlamentar que tinha a vocação de exercer a crítica interna, lembrando aos companheiros que a pluralidade política e a separação de poderes são bens valiosos. Por alguma razão, tragicamente, o terceiro Genoino renegou o segundo, apagando a chama da divergência quando ela era mais necessária do que nunca. O homem que assinou aqueles contratos fajutos era "Geraldo" -não o maoísta, claro, mas o Fiel do Partido, incapaz de compreender razões diferentes da política de poder. 

"Geraldo" triunfou sobre Genoino. Depois de assinar o papelório, o terceiro Genoino condenou-se a acompanhar o Partido até o fim. É "Geraldo", não Genoino, que acusa o STF de aplicar-lhe uma nova sessão de tortura. Genoino não diria isso, em respeito a tantos presos que, ainda hoje, sofrem maus-tratos e sevícias em cárceres brasileiros -e em respeito ao próprio "Geraldo". Mas "Geraldo" é capaz de dizer qualquer coisa, se isso servir a um fim político almejado pelo Partido. 

Genoino obteve do STF o direito a tratamento médico hospitalar ou domiciliar, o que é razoável, independente das absurdas acusações de "Geraldo". A solicitação de execução da pena em regime de prisão domiciliar não é abusiva. Oxalá o barulho em torno de Genoino force o Ministério da Justiça a rever o cenário desumano dos presídios brasileiros e ajude o Judiciário a reconsiderar o desamparo legal de milhares de presos que seguem encarcerados depois de cumprir suas penas. Mas, que fique claro: o homem que deixa a Papuda não é Genoino -é "Geraldo". 

Por: Demétrio Magnoli Folha de SP

A CANDIDATA EM BUSCA DA CREDIBILIDADE PERDIDA

O alarme tocou e a presidente Dilma Rousseff entrou em campanha para elevar sua credibilidade, encenando mais uma vez o compromisso, jamais cumprido, de boa administração das contas públicas. Não se trata, agora, de persuadir um eleitorado mais ou menos cativo e mais ou menos propenso a engolir as patranhas de uma governante populista. O objetivo, bem menos simples, é reduzir a desconfiança de um público mais informado, menos vulnerável a truques contábeis e muito menos impressionável com jogadas de controle de preços. Não se trata só de economistas independentes e do pessoal do mercado financeiro, mas também ─ e neste momento principalmente ─ dos analistas com poder para baixar a nota de crédito do país. O risco de rebaixamento ficou mais evidente nas últimas semanas, foi citado pelo ministro da Fazenda em reunião com líderes aliados e é compatível com as preocupações indicadas por entidades multilaterais, como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).


Em seu novo relatório sobre perspectivas globais, economistas da OCDE sugerem, entre outras medidas para tornar mais claras as contas públicas, maior atenção à regra de superávit primário e limitação das operações “quase fiscais”. Este é um nome delicado para a relação promíscua entre o Tesouro e os bancos federais. Tais medidas, acrescentam os autores do texto, “consolidariam a reputação duramente adquirida pelo Brasil de boa gestão fiscal”.

A referência a essa reputação como ainda existente deve ser mais uma gentileza diplomática. Igualmente gentil é a referência à reputação da política de controle da inflação baseada no regime de metas. “Será importante continuar mostrando determinação diante da emergência de pressões inflacionárias”, sustentam os economistas. Em outra passagem, o texto menciona diretamente a necessidade de mais aperto monetário para conduzir a inflação à meta de 4,5%.

Bem antes da presidente da República os dirigentes do Banco Central (BC) decidiram cuidar da própria credibilidade. Ao elevar em abril o juro básico da economia, a taxa Selic, tomaram a primeira medida séria, em 20 meses, para enfrentar a disparada dos preços. Foi também o primeiro lance para restabelecer a imagem de autonomia operacional da instituição.

Já esfrangalhada, essa imagem foi quase destruída quando a presidente Dilma Rousseff, na África do Sul, em março, fez um desastroso pronunciamento sobre como deveria ser o combate à inflação no Brasil. O presidente do BC, Alexandre Tombini, teve de se manifestar, pouco depois, para “esclarecer” as palavras de sua chefe e tentar conter os estragos. No mês seguinte começou a nova série de aumentos da taxa Selic. Analistas do mercado financeiro e consultores privados dão como certa mais uma elevação ainda este ano e um retorno do juro básico dos atuais 9,5% aos dois dígitos. A decisão deverá ser conhecida na próxima quarta-feira, quando terminará a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) prevista para 2013.

A política de juros em vigor a partir de abril deve produzir resultados sensíveis, ou mais sensíveis, nos próximos meses. É cedo para dizer se haverá novos aumentos em 2014, embora o mercado financeiro projete uma Selic de 10% para dezembro de 2013 e uma taxa de 10,25% para o fim do próximo ano. Por enquanto, a inflação continua vigorosa. O IPCA-15, prévia do índice oficial do mês, subiu 0,57% em novembro, 5,06% no ano e 5,78% em doze meses. Em outubro a variação havia chegado a 0,48%. A reaceleração iniciada em agosto continua e, se fosse necessária mais uma prova do desastre, bastaria examinar a contaminação dos preços ─ 70,7% itens com aumentos.

Se a tendência se mantiver, como tudo parece indicar, as escolhas do Copom serão muito restritas, até porque o governo se mostra disposto a continuar estimulando o consumo e a manter frouxas as suas contas. Com isto se volta ao problema da política fiscal e ao esforço da presidente Dilma Rousseff de encenar de novo um compromisso de seriedade. O espetáculo incluiu na semana a reunião com políticos aliados para convencê-los a abandonar projetos com elevados custos fiscais ─ uns R$ 60 bilhões por ano, se forem todos aprovados.

Líderes da base assinaram um documento de apoio ao imaginário Pacto de Responsabilidade Fiscal inventado, há alguns meses, como resposta às manifestações de junho. Um dia depois o Congresso aprovou, no entanto, uma lei para desobrigar o governo central de compensar as deficiências de Estados e municípios na produção do superávit primário. Em seguida, a presidente pediu a seus auxiliares a fixação de metas fiscais mais fáceis para o próximo ano. A quem ela espera convencer de sua conversão à austeridade? Além do mais, em 2014 eleições dominarão a política. A campanha da reeleição começou há muito tempo, como sabe qualquer pessoa razoavelmente informada.

A presidente festejará o ano-novo num país com inflação elevada e finanças públicas em mau estado, pressionada para manter estímulos setoriais ao consumo e com as contas externas em visível deterioração. O déficit em conta corrente acumulado nos 12 meses até outubro chegou a US$ 82,21 bilhões, 3,67% do PIB estimado.

A balança comercial, foco dos principais problemas do balanço de pagamentos, pode melhorar neste bimestre. Mas as perspectivas ainda serão ruins, porque a indústria continua com baixo poder de competição. A política do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) atendeu nos últimos anos a prioridades erradas e foi insuficiente para promover a elevação do investimento privado. Quanto ao investimento público, permaneceu emperrado por incompetência gerencial. Se o BC continuar sozinho no combate à inflação, a presidente ainda estará arriscada a enfrentar novas e inoportunas altas de juros. A batalha da credibilidade poderá ser muito complicada.

Por: Rolf Kuntz   O Estadão

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

LÓGICA DA HISTERIA

Lançar as próprias culpas sobre os outros é, no psicopata, um instinto inato e uma das bases do seu poder pessoal. No histérico, é um hábito adquirido, um reflexo defensivo e um instrumento de integração na comunidade protetora. Nos psicopatas, é uma força. Nos histéricos, um sinal de fraqueza.

Sendo impossível o socialismo perfeito, suas sucessivas encarnações imperfeitas serão sempre e necessariamente consideradas “direitistas” em comparação com suas versões ideais futuras, de modo que a culpa de seus crimes e misérias terá de ser imputada automaticamente à direita, ao capitalismo, aos malditos liberais e conservadores. Do fundo do Gulag, do cemitério ou do exílio, estes serão sempre os autores do mal que os comunistas fizeram.

Isso é um dos preceitos mais essenciais e constantes da lógica revolucionária. Ele corresponde, na prática, ao direito ilimitado de delinqüir, de roubar, de matar e de produzir toda sorte de horrores e misérias, com a garantia não só da impunidade mas de uma consciência eternamente limpa, tanto mais pronta a levantar o dedo acusador quanto maiores são as culpas objetivas que carrega.

É impossível não perceber a identidade cabal entre esse vício estrutural de pensamento e o traço mais característico da mentalidade psicopática, que é a ausência de culpa ou arrependimento, o cinismo perfeito de quem se sente uma vítima inocente no instante mesmo em que se esmera na violência, na mentira e na crueldade.

Os psicopatas não são doentes mentais nem pessoas incapacitadas. São homens inteligentes e astutos sem consciência moral. São criminosos por vocação. Os únicos sentimentos morais que têm são o culto da própria grandeza e a autopiedade: as duas formas, ativa e passiva, do amor-próprio levado às suas últimas conseqüências.

Eles não têm sentimentos morais, mas sabem percebê-los e produzi-los nos outros, sobre os quais adquirem assim o poder de um super-ego dominador e manipulador que neutraliza as funções normais da consciência individual e as substitui por cacoetes de percepção, coletivos e uniformes, favoráveis aos objetivos da política psicopática.

Só por isso não se pode dizer que todos os líderes e intelectuais comunistas sejam psicopatas. Como observou o psiquiatra Andrew Lobaczewski no seu estudo da elite comunista polonesa, um pequeno grupo de psicopatas basta para atrair um vasto círculo de colaboradores e militantes e instilar neles todos os sintomas de uma falsificação histérica da percepção. O histérico não crê naquilo que vê, mas naquilo que diz e repete. Sua experiência direta da realidade é substituída por uma padronização compulsiva que enxerga sempre as coisas pelos mesmos ângulos e não consegue nem imaginar que possam ser vistas de outro modo: a mera tentação de fazê-lo, mesmo por instantes, é reprimida automaticamente ou repelida com horror.

Só um pequeno círculo no topo do movimento comunista compõe-se de psicopatas autênticos. A maioria, do segundo escalão para baixo, é de histéricos. Erik von Kuenhelt-Leddihin documentou extensamente o papel da histeria na militância esquerdista em geral, mas Lobaczewski descobriu que essa histeria não é “causa sui”: é produto da influência penetrante e quase irresistível que os psicopatas exercem sobre as mentes fracas, trocando a sua percepção natural do mundo e de si mesmas por uma “segunda realidade” -- para usar o termo de Robert Musil – da qual só podem emergir por um salto intuitivo atemorizador e humilhante que lhes custará, ademais, a perda dos laços de solidariedade grupal, base da sua precária subsistência psicológica. 

Lançar as próprias culpas sobre os outros é, no psicopata, um instinto inato e uma das bases do seu poder pessoal. No histérico, é um hábito adquirido, um reflexo defensivo e um instrumento de integração na comunidade protetora. Nos psicopatas, é uma força. Nos histéricos, um sinal de fraqueza. Não espanta que os primeiros façam uso dele com astúcia e comedimento, os segundos com total destempero, levando a invencionice até o último limite do ridículo e da alucinação.

Mas o dr. Lobaczewski vai um pouco mais fundo na análise do fenômeno. Quando a militância orientada pelos psicopatas sobe à condição de poder político e cultural hegemônico, a deformação histérica torna-se o modo dominante de pensar e se alastra por toda a sociedade, infectando até grupos e indivíduos alheios ou hostis ao movimento revolucionário.

Daí a contaminação da linguagem de comentaristas “de direita” pela mágica histérica de tentar inverter as proporções da realidade mediante a simples inversão das palavras. Quando proclamam que Lula ou Dilma são “de direita”, os srs. José Nêumanne Pinto e Demétrio Magnoli, homens insuspeitos de colaboração consciente com o “establishment” esquerdista, só provam que foram vítimas inconscientes dessa contaminação. Por definição, todo governo “de transição” para o socialismo é menos socialista, portanto mais direitista, do que o seu sucessor esperado, assim como todo socialismo real é menos socialista e mais “direitista” do que qualquer socialismo ideal. Ver nisso a prova de um direitismo substantivo, transmutando uma diferença de grau numa identidade de essências é um erro lógico tão grosseiro que só faz sentido como mentira psicopática ou macaqueação histérica. O psicopata vive de criar impressões, o histérico de absorvê-las, imitá-las e propagá-las. Os srs. Nêumanne e Magnoli querem dar a impressão de que o petismo é mau. Para isso, absorvem, imitam e propagam o estereótipo verbal criado por psicopatas comunistas para salvar automaticamente a reputação da esquerda após cada novo fiasco, de modo que ela possa repeti-lo de novo e de novo. Combatem o petismo de hoje fomentando o petismo de amanhã.

Por: Olavo de Carvalho

Publicado no Diário do Comércio.

A CIÊNCIA ECONÔMICA E O SUBMUNDO

A destruição da economia global que está em andamento não é acidental. A irracionalidade contida na raiz dessa destruição foi compreendida bem antes do início do século XX.

Enquanto a economia depende do lado racional do homem, a humanidade, não obstante, busca o irracional. Nós queremos nossa fatia do bolo. Queremos almoço grátis, convênio de saúde grátis e aposentadoria sem custos. Mas nada é de graça. Alguém tem de pagar. Assim diz a ciência econômica.

Quando dizemos que a economia é uma ciência, o homem comum logo faz a associação à física e à biologia. Entretanto, a economia é um tipo diferente de ciência. De acordo com a Escola Austríaca, a economia é uma ciência a priori que “pressupõe um comportamento propositado (que) tenha o poder de afastar ou pelo menos aliviar o seu desconforto”. O processo pelo qual esse grande alívio se torna possível chama-se capitalismo ou livre mercado. O que quer que alguém tenha a dizer contra o livre mercado, não há alternativa viável.

De acordo com Mises, em seu livro A Mentalidade Anticapitalista

“O surgimento da economia como nova forma de conhecimento foi um dos eventos mais significativos da história da humanidade. Ao preparar o caminho para a empresa capitalista privada, ela transformou, em poucas gerações, todos os acontecimentos humanos de forma mais radical do que milhares de anos anteriores haviam conseguido”. 

Ainda mais surpreendente é que a ciência econômica e a transformação capitalista da vida humana foi obra de um pequeno número de autores cujos livros influenciaram uma igualmente diminuta parcela de homens de estado. Como explicou Mises,

“Não apenas as massas indolentes, mas também a maioria dos homens de negócios que, por meio do seu comércio, tornaram eficientes os princípios do laissez-faire não conseguiram compreender as formas essenciais como agem esses princípios. Mesmo no apogeu do liberalismo, somente alguns tiveram conhecimento integral do funcionamento da economia de mercado”.

Foi uma louca história como um punhado de pensadores começou a entender a ciência econômica. Mais raro ainda, em termos de política, que um punhado de homens de estado tenha conseguido colocar em prática os apontamentos ali descobertos. Como explicou Mises, “a civilização ocidental adotou o capitalismo por recomendação de uma pequena elite”. Por sua essência, o capitalismo sempre esteve pendurado por um fio; porquanto, com qual frequência podemos encontrar inteligência suficiente nas classes dominantes? Quão frequentemente um gênio passa despercebido? Afinal, todo homem é um gênio em sua própria mente. Pense como os vários gênios que produzem tão poucas coisas de valor a partir dos seus egos inflados hoje naturalmente amaldiçoam qualquer um cujo pensamento esteja em um patamar mais alto. Com efeito, a cruel história humana sugere que uma verdadeira e digna ciência social (ou econômica) é tão improvável quanto um rato correndo atrás do gato, pois tudo aquilo que toca nas estruturas sociais e institucionais deve necessariamente acabar como vítima de poderosos interesses e paixões políticas.

Ainda assim a ciência econômica conseguiu operar seu milagre. Maravilhas tecnológicas e riquezas agora abundam. Nossos ancestrais dificilmente poderiam imaginar o mundo moderno. Ao mesmo tempo, uma nuvem sombria se aproxima. Os poucos inteligentes foram sobrepujados pela esmagadora maioria. Ninguém pode ser tão ingênuo a ponto de imaginar que a história é apenas a história do progresso. Se estivermos prestando atenção, lembraremos do ditado, “tudo aquilo que sobe, desce.”

Se a praxeologia é o estudo dedutivo da ação humana, então devemos considerar a existência de dois tipos de ação: (1) ações racionais; (2) ações irracionais. Encontra-se na humanidade um lado obscuro – muitas vezes autodestrutivo e paranoico, agressivo e homicida. Ao observar isso, Freud descreveu aquilo que ele veio a chamar de pulsão de morte (todestrieb em alemão). Sua hipótese era que o instinto mortal poderia efetivamente se opor à racionalidade e à civilização. Um dos grandes pensadores da psicologia moderna, Carl Jung, propôs a existência das “sombras”, que faz referência aos elementos instintivos e irracionais da psique que estão propensos à projeção psicológica. Como descrito primeiramente por Freud, a projeção psicológica é um mecanismo de defesa em que nossas próprias deficiências morais são percebidas como pertencentes a outras pessoas. É uma espécie de paranoia encontrada no ladrão que acredita que os outros estão planejando dar um fim nele. Pode também ser visto como um aspecto da mentalidade anticapitalista. Nesse caso, o mercado se torna um quadro ao qual todos os males da sociedade humana são projetados. O mercado é, portanto, retratado negativamente, enquanto às personalidades malignas que se opõem ao mercado lhe são atribuídos motivos totalmente cândidos.

Jung alertou que um ser humano que entra no estado de projeção psicológica pode se tornar “possesso” por sua sombra. Jung escreveu: “um ser humano possuído por sua sombra está postado em sua própria luz, caindo em suas próprias armadilhas...”. Durante as primeiras décadas do século XX, Jung temeu que a possessão pela sombra estivesse crescendo. Com o advento do totalitarismo e o declínio do laissez-faire, Jung observou que a religião estava sendo substituída pela ideologia política a tal ponto, que um crescente número de pessoas estavam sujeitas à possessão sombria. Pior ainda, Jung disse que uma pessoa pode estar possuída pelo lado sexual oposto da sua personalidade, pois cada homem tem uma pequena parte de mulher em si e cada mulher tem uma pequena parte de homem. Se um homem se torna possesso pelo seu lado feminino, essa possessão chama-se anima. Se uma mulher se tornar possessa pelo seu lado masculino, então a possessão é animus.

Acerca desse assunto, Jung observou que “nesse estado de possessão” por anima/animus “ambas as figuras perdem seu encanto e seus valores”. Nesse caso, constata-se um mundo em que homens viraram mulheres e mulheres viraram homens. Os homens assim não são mulheres de charme e graça, são apenas fracos e mornos. Ao mesmo tempo, mulheres que tentam fazer o papel da força e dos princípios acabam por ser dominadoras e errôneas. Tudo é então colocado na cabeça: desordem substituindo ordem, escuridão substituindo luz, o desejo de morte inconscientemente ganhando vantagem sobre a vida... Um dos primeiros sintomas, como observado por Jung, é a perda da grande arte. Quando o manancial da criatividade, o inconsciente, toma o lugar do consciente, então ele não pode mais exercer sua função criativa. Em vez disso, a arte passa a apresentar algo parecido com a pulsão de morte freudiana. Como escreveu Jung em sua obra ‘Presente e Futuro’, 

“o desenvolvimento da arte moderna com sua tendência aparentemente niilista de dissolução deve ser entendido como sintoma e símbolo de um espírito universal de decadência e de renovação do nosso tempo. Esse espírito se manifesta em todos os campos, tanto político como social e filosófico”.

Podemos acrescentar também que essa disposição tem ultimamente se manifestado na economia.

A destruição da economia global que está em andamento não é acidental. A irracionalidade contida na raiz dessa destruição foi compreendida bem antes do início do século XX. A destruição da economia global e da civilização foi aludida nos escritos de visionários do século XIX como Dostoievski, Kierkegaard e Nietzsche. Foi Dostoievski quem previu que o socialismo viria a matar 100 milhões de pessoas na Rússia durante o século XX. Décadas antes do século XX, Kierkegaard alertou contra a vã arrogância da opinião pública, a democracia hedonista e a tóxica cultura do autoengano. Mais famoso ainda, mas ainda menos compreendido, Friedrich Nietzsche alertou que o cristianismo estava morrendo por dentro, que Deus havia sido sepultado nas igrejas. Nietzsche previu um período de dissolução e destruição gradual que duraria 200 anos, indo de 1888 até 2088, onde o “advento do niilismo europeu” levaria ao cesarismo (i. e., totalitarismo) e à guerras cujo escopo destrutivo não teria precedentes. Nietzsche não podia suportar o que ele chamou de "otimismo econômico". Em seu pensamento, o igualitarismo levou embora a autoridade e a inteligência que uma vez reinou sobre os altos postos da civilização. Sem uma ordem de autoridade e inteligência no comando, tudo estava destinado ao colapso.

Ao tentar entender a situação econômica não devemos apenas enfocar na economia. Devemos observar a história, a psicologia, a ciência política e a religião. Jung disse que estamos vivendo uma era de metamorfose dos “princípios e símbolos”. A transição pela qual estamos passando está cheia de perigos por causa da nossa própria tecnologia, que por sua vez pode nos destruir. Não apenas a ciência econômica é desdenhada por aqueles que estão no poder, como lamentou Mises, mas há também o problema daquilo que Jung chamou de “atraso moral da humanidade em geral que se mostra hoje inadequada diante do desenvolvimento científico, técnico e social”. Assim como Mises adotou o individualismo metódico, Jung também disse que tudo dependia de valorizar o indivíduo singular como “unidade infinitesimal de quem depende um mundo, a essência individual, na qual – se percebermos corretamente o sentido da mensagem cristã – o próprio Deus busca a sua finalidade”.

A massa de homens nos dias de hoje, possuída por suas sombras e precipitada ao submundo, opõe-se ao livre mercado por inveja ou ignorância. Contudo, o indivíduo necessita de liberdade e livre mercado, pois a alternativa socialista ameaça riscá-lo dos planos. Isso é algo que não podemos permitir – e mesmo assim está acontecendo diante dos nossos olhos. De alguma forma, em algum lugar, devemos reverter a atual tendência que ruma à morte universal e à destruição. Homens devem ser homens e mulheres devem ser mulheres. A ignorância deve ser dissipada e a inveja suprimida. Devemos, se quisermos sobreviver.

Por: Jeffrey Nyquist

Publicado no Financial Sense.

Tradução: Leonildo Trombela Junior