terça-feira, 22 de julho de 2014

ESTADO BRASILEIRO ESPECIALIZA "REEDUCANDOS" EM CRIMINALIDADE À DISTÂNCIA

Além de passar anos monitorando o crime nas cadeias ao invés de exigir que ele seja prevenido à força, o Ministério Público chega a defender que criminosos como Beira-Mar não podem ser vigiados quando recebem visitas.



Em 2012, foram assassinadas no Brasil 56.337 pessoas. Trata-se de um verdadeiro genocídio da população brasileira, que começou na década de 80 e se acelerou na década de 90, quando as taxas de homicídios tiveram um crescimento vertiginoso nas grandes cidades. Os dados são do Mapa da Violência 2014, um estudo anual dos homicídios no Brasil, realizado desde 1998 pela equipe do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), com o apoio do governo federal, que encampa oficialmente suas conclusões. O Mapa da Violência 2014, com os dados consolidados de 2012, será publicado em breve, mas os dados prévios mostram que o número de homicídios no País cresceu 13,4% em relação aos 49.695 assassinatos cometidos em 2011.

Esses números seriam ainda mais estarrecedores se o Estado de São Paulo não tivesse conseguido reduzir drasticamente o seu número de homicídios, que caiu de 15.745 em 2001 para 5.629 em 2011, uma queda de 64,2%. Foi a mais expressiva redução de casos de homicídios do País, quase três vezes maior do que a do Rio de Janeiro, que só ficou em segundo lugar nesse quesito, com 37,9% de redução, porque suas estatísticas são vergonhosas e centenas de homicídios acabam sendo oficialmente computados como desaparecimentos, como mostrou um estudo do economista Daniel Cerqueira, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Se os tucanos tivessem um pouco mais de competência política, poderiam fazer da segurança pública a grande bandeira de Aécio Neves nas eleições presidenciais. Não porque São Paulo esteja muito bem nessa área, mas porque o resto do Brasil está ainda pior.

Na Bahia, governada desde 2007 pelo Partido dos Trabalhadores, o número de homicídios cresceu 245,2%, saltando de 1.579 assassinatos em 2001 para 5.451 em 2011. Os outros campeões de criminalidade no período são: Paraíba, com um aumento de 230,4%; Rio Grande do Norte, com 229,7%; Pará, com 222,3%; Maranhão, com 193,5%; Alagoas, com 171,3%; e Amazonas, com 166,9%. Goiás não chega a figurar entre os primeiros, mas também apresenta um vertiginoso aumento de 113,7% no número de homicídios entre 2001 e 2011. Isso faz com que o Brasil seja o sétimo país mais violento do mundo, com uma taxa de 27,4 homicídios por 100 mil habitantes, muito acima, por exemplo, da taxa de homicídios dos Estados Unidos, um país violento, guerreiro e armado, mas cuja taxa de criminalidade era de apenas 5,3 homicídios por 100 mil habitantes em 2010.

Mas o número de homicídios voltou a crescer em São Paulo em 2012, quando ocorreram 6.314 assassinatos, 12,2% a mais que no ano anterior. E, em boa parte dos demais Estados, esse crescimento continuou ocorrendo de forma explosiva. É o caso de Goiás, em que a série histórica, de 2002 a 2012, apresenta um crescimento de 113,7% no total de homicídios. O Mapa da Violência 2014 mostra que, no confronto entre os dois últimos anos analisados, 2012 em relação a 2011, os Estados em que o número de homicídios mais cresceu foram: Roraima (74,7%), Ceará (37,7%), Acre (24,4%), Amapá (20,7%), Goiás (23,1%), Sergipe (19,5%), Piauí (18%), Rondônia (17%) e Rio Grande do Sul (14,9%). E a criminalidade, obviamente, não se resume aos homicídios. Para se ter uma ideia de sua magnitude, no primeiro trimestre de 2014, foram registrados apenas no Estado de São Paulo 536.583 delitos, dos quais 110.197 foram crimes violentos (homicídio doloso, roubo, latrocínio, estupro e extorsão mediante sequestro). Isso dá uma média de 5.962 delitos por dia, dos quais 1.224 são violentos.

Prisões são o “Esquenta” das periferias
A despeito desses dados, os candidatos a presidente da República passam ao largo da grave questão da segurança pública, limitando-se, os de oposição, a criticar o governo federal por não cuidar devidamente das fronteiras do País, praticamente abertas ao tráfico de drogas e armas. Todavia, esse é apenas um dos fatores que contribuem para o aumento da criminalidade no Brasil e nem chega a ser o mais importante. Mais grave do que a fragilidade das fronteiras é a permissividade das prisões, que se tornaram verdadeiros quartéis-generais do crime, facultando aos bandidos presos a prática da criminalidade a distância – uma nova espécie de crime, comandado de dentro das próprias penitenciárias, geralmente por meio de aparelhos celulares, com verdadeiras centrais telefônicas instaladas dentro e fora dos presídios.

O fenômeno das quadrilhas que praticavam crimes de dentro do Presídio Central de Porto Alegre e do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia está longe de ser uma novidade. Pelo contrário, trata-se de uma prática recorrente em todos os presídios brasileiros e que não teve início agora, mas remonta, no mínimo, à década de 90, como se pode ver nos arquivos da imprensa nacional. O falso sequestro, por exemplo, que desespera famílias e rende um bom dinheiro para a manutenção das quadrilhas, é prática antiga e recorrente, executada de dentro dos presídios, através de telefones celulares contrabandeados para os presos por suas mulheres, mães, amantes, prostitutas e comparsas durante as abusivas visitas semanais, sobretudo as visitas íntimas, responsáveis por transformar os presídios numa espécie de “Esquenta” das periferias, que para lá acorrem aos sábados e domingos, religiosamente, levando, inclusive, suas crianças.

Em praticamente todos os Estados brasileiros há quadrilhas praticando crimes a partir dos presídios, de onde comandam roubos, sequestros, assassinatos, impondo suas próprias leis nas periferias das cidades, à revelia da Constituição do País. Em 20 de outubro do ano passado, por exemplo, uma reportagem do “Fantástico” mostrou a quadrilha que controla os presídios de São Paulo (leia-se PCC) dando ordens para que seus membros cometam atentados, assassinem policiais e matem até crianças. Disse a reportagem: “O Ministério Público investigou, nos últimos três anos, os chefes da quadrilha que estão presos nesta penitenciária em Presidente Venceslau, no interior de São Paulo. De lá de dentro saem as ordens para os comparsas que estão nas ruas”.

Reparem no absurdo: o Ministério Público passou três anos investigando bandidos que já estão presos, monitorando seus celulares contrabandeados para dentro das cadeias pelas visitas semanais, sobretudo mulheres, mães, amantes e prostitutas, que entram com aparelhos e chips escondidos na vagina. Durante esses três longos anos, quantos crimes não foram cometidos pelos bandidos presos, sob o olhar das autoridades que davam plantão na escuta eletrônica dos presídios, por sinal, autorizada pela Justiça? Aliás, as autoridades e a imprensa fazem questão de sempre informar esse detalhe, pois, no Brasil, detento tem direito inviolável à privacidade e só a Justiça pode mandar grampear seus celulares.

Presídios fazem papel de Executivo e Judiciário
As quadrilhas mandam e desmandam nos presídios e em suas ramificações nas cidades e os desbaratamentos de algumas delas representam apenas uma vitória pontual da polícia. O arsenal dos presos se renova a cada visita semanal, quando os presídios se tornam uma verdadeira feira livre, com centenas e até milhares de visitantes, que se encarregam de estabelecer o contato entre os criminosos presos e suas comunidades de origem. Hoje, nas médias e grandes cidades brasileiras, vários bairros periféricos têm nos presídios seu Executivo e seu Judiciário – é das penitenciárias que emanam as leis que regem o cotidiano dessas comunidades. Muitas vezes, os chefes do crime organizado interferem até na vida das famílias, fazendo o papel de juízes em brigas de marido e mulher.

Nesse ambiente de permanente contato com o mundo externo, dispondo, na maioria dos presídios, até de telefones públicos (que em breve serão legalmente oficializados), os presos acabam tendo enorme facilidade para recompor suas quadrilhas e retomar a prática de crimes mesmo trancafiados. Basta observar os recentes casos dos presídios de Aparecida de Goiânia e Porto Alegre. Segundo a reportagem do “Fantástico”, sete promotores de Justiça de Goiás passaram mais de um ano investigando a quadrilha, o que culminou com seu desbaratamento agora. O problema é que, em julho do ano passado, uma investigação anterior já desbaratara uma das maiores quadrilhas de roubo de carro do país também dentro do complexo prisional de Aparecida de Goiânia, resultado de uma investigação anterior das autoridades. E em junho de 2012, foi desbaratada uma quadrilha de roubo de joias no mesmo presídio. Ora, isso significa que, ao mesmo tempo em que o Ministério Público vai investigando os presos, eles vão formando novas quadrilhas e cometendo novos crimes.

O mesmo ocorreu no Rio Grande do Sul. Também lá a formação, monitoramento e desbaratamento de quadrilhas que atuam dentro dos presídios é um fenômeno anual. Em agosto de 2012, a polícia gaúcha desbaratou a quadrilha do detento Nataniel da Silva, do Presídio Central de Porto Alegre, que acumulava um patrimônio de mais de R$ 1 milhão, constituído de 40 veículos, mais de 25 contas bancárias, joias e cinco residências. Para movimentar a quadrilha, o bandido preso utilizava a mãe e três irmãos, um dos quais estava no regime semiaberto, além de primos e tias. E falava, via celular, com o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), para saber informações sobre o seu pedido de habeas corpus. O desbaratamento dessa quadrilha se deu mediante escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Ou seja, é a Justiça brasileira, como sempre, tratando o presídio como residência inviolável do bandido, onde ele pode receber toda a parentela, amantes, amigos e até um irmão bandido que cumpre pena no regime semiaberto. Isso é prisão ou casa da Mãe Joana?

Num ambiente de tamanha promiscuidade, em que as autoridades ficam monitorando o bandido enquanto ele pratica crimes, é natural que as quadrilhas prisionais – uma contribuição bem brasileira à criminologia – tornem-se recorrentes. Em maio de 2013, menos de um ano depois de estourar a quadrilha do detento Nataniel da Silva, uma operação envolvendo 160 policiais e 40 viaturas desbaratou outra quadrilha do Presídio Central de Porto Alegre, que traficava drogas na cidade gaúcha de Guaíba, sob o comando do detento Rob­son Duarte, conhecido como Jamanta, que estava há três anos preso. A quadrilha foi responsável por 14 homicídios ocorridos em Guaíba e, fora da cadeia, era gerenciada pela mulher e pela cunhada do detento, de quem recebiam as ordens durante as visitas ao presídio. A delegada que comandou as prisões dos envolvidos declarou à imprensa à época: “É uma resposta ao clamor da sociedade e aos criminosos”. Que resposta? Ficar seis meses vendo um presidiário mandar matar 14 pessoas, por meio das mulheres que o visitam na cadeia, sem tomar nenhuma providência para impedir essas visitas? Isso não é resposta à sociedade coisa nenhuma – é cumplicidade com o crime.

A falácia das prisões de segurança máxima
Episódios como esses ocorrem o tempo todo nos Estados. Em setembro de 2013, a Polícia Civil do Mato Grosso do Sul prendeu 20 bandidos, entre eles quatro adolescentes, que integravam uma quadrilha que praticava assaltos no interior do Estado e traficava drogas, sob o comando do detento Carlos Ronaldo Borges, que se encontrava preso na cadeia de Dois Irmãos do Buriti. Já na Paraíba, uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas do Estado, desbaratada em agosto de 2013 e responsável por diversos homicídios e roubos, era comandada de dentro dos presídios federais de “segurança máxima” de Catanduva, em São Paulo, e Mossoró, no Rio Grande do Norte. A quadrilha paraibana estava sendo investigada desde 2011; ou seja, as autoridades ficaram dois anos monitorando as atividades criminosas de bandidos já presos ao mesmo tempo em que continuou fornecendo aos detentos seu principal instrumento para a prática de crimes – o entra e sai semanal de visitantes nos presídios. O Presídio Central de Porto Alegre, por exemplo, recebe 12 mil visitantes por mês. Isso significa que, semanalmente, seus 4,5 mil detentos se misturam com 3 mil visitantes. Ora, uma escola com 300 crianças já é difícil de controlar, imagine uma cadeia com 7,5 mil presos e visitantes misturados.

Nem o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) – que muitos operadores do direito e intelectuais universitários classificam como masmorra medieval – impede presos de alta periculosidade de receberem visitas semanais. Durante duas horas, a cada fim de semana, eles têm o direito de receber a visita de duas pessoas adultas, sem contar as crianças. E o que é mais grave: até o Ministério Público considera essa regalia um direito humano inalienável do preso – que, obviamente, só está no RDD porque, mesmo preso, oferece sérios riscos à sociedade e fez por merecer uma disciplina mais rigorosa. Seria natural, portanto, que, ao menos nesse período, suas visitas semanais fossem cortadas. Mas não é o que ocorre. Por medo de rebeliões – o espectro que ronda o sistema prisional desde Carandiru –, as autoridades judiciárias preferem manter essas visitas, mesmo sabendo que elas não passam de um ponto de contato entre o preso e sua quadrilha no mundo exterior.

E o que é mais grave: até o Ministério Público, que deveria ser o principal crítico dessas regalias, lutando pela sua extinção, muitas vezes costuma ser o primeiro a defendê-las. Inclusive para detentos como Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. No início de 2009, o diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande pediu autorização à Justiça para realizar escutas ambientais durante as visitas de uma advogada a Beira-Mar. Essa advogada, que já visitara o preso oficialmente na condição de sua defensora, solicitou autorização à direção do presídio para realizar uma visita como pessoa comum. Como Beira-Mar, em conluio com o traficante colombiano Juan Abadia, era suspeito de querer sequestrar autoridades brasileiras, inclusive o filho do então presidente Lula, o diretor do presídio estranhou o desejo da advogada de querer ser recebida como pessoa comum pelo traficante e solicitou à Justiça autorização para monitorá-la. Mas o Ministério Público Federal posicionou-se contra o monitoramento solicitado.

Diretor de presídio é rainha da Inglaterra
Numa prova de que diretor de presídio não passa de “rainha da Inglaterra” e já não pode nem vigiar o preso que está sob sua guarda, o procurador da República Ricardo Luiz Loreto, em parecer datado de 5 de março de 2009, negou o pedido do diretor da Penitenciária Federal de Campo Grande e disse que o monitoramento ambiental de Beira-Mar em sua cela viola “o direito à intimidade, constitucionalmente assegurado pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição de 88”. Esse dispositivo constitucional, convém lembrar, estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Ora, é óbvio que o dispositivo não está falando de bandido preso, que, ao se tornar criminoso, abriu mão de sua vida privada, mas do cidadão cumpridor da lei. Caso contrário, todo e qualquer processo criminal, mesmo envolvendo assaltos, sequestros e latrocínios, deveriam correr em absoluto segredo de justiça, com a imprensa sendo proibida de veicular o nome dos réus, sob pena de violar sua honra e imagem.

Outro argumento brandido pelo procurador da República para ir contra o monitoramento de Beira-Mar foi o de que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil garante ao advogado o direito de se comunicar com seu cliente preso, mesmo sem procuração, isto é, na condição de pessoa comum. É o próprio Ministério Público fazendo o papel de lacaio da OAB e colocando o Estatuto dessa entidade acima da própria Constituição. Um advogado só pode gozar das imunidades inerentes à profissão quando está exercendo o papel constitucional de defensor do seu constituinte. Uma vez que a advogada de Fernandinho Beira-Mar decidira fazer uma visita comum ao preso, o monitoramento de sua conversa com o bandido não fere, de forma alguma, a Constituição. E o Ministério Público – que deveria estar no polo oposto da advocacia privada – tem o dever constitucional de dizer isso em alto e bom som. Se o promotor público concorda com o advogado do bandido, quem irá acusar o réu para que o juiz tenha o necessário contraditório para que possa exercer o seu papel de magistrado?

Todavia, para o procurador Ricardo Luiz Loreto, o monitoramento ambiental da cela de um preso, mesmo que esse preso seja Beira-Mar, fere seus direitos de “visita e intimidade”. O procurador chega a afirmar: “Talvez exceção ocorresse no caso de haver investigação criminal contra o visitante ou o visitado”. Para ele, não havia nada contra Beira-Mar e aquela advogada que se comportava como sua amiga: “Pelo contrário, o único fato narrado no pleito é o referente ao sequestro de autoridades, que já foi descortinado no ano de 2008”, escreveu o procurador. Notem como ele trata o complô para o “sequestro de autoridades” como um fato sem importância e ocorrido num tempo longínquo, quando, na verdade, seu parecer é de 5 de março de 2009, ou seja, apenas sete meses depois do complô, descoberto em agosto de 2008.

Nessa sua ferrenha defesa de supostos direitos dos presos, que praticamente dispensa Beira-Mar de constituir advogado, o procurador da República enfatiza: “Relevante ponderar que não é a periculosidade do detento que irá ensejar o cabimento da medida pleiteada, pois, se assim fosse, como todos os presos que estão cumprindo pena na Penitenciária Federal de Campo Grande são considerados de alta periculosidade, seria necessário o monitoramento ambiental de todos eles no momento de receberem suas visitas”. Ora, se o conceito de “segurança máxima” fosse, de fato, levado a sério no Brasil é claro que todos os presos do porte de um Luiz Fernando da Costa, o Beira-Mar, e um Marcos William Herbas Camacho, o Marcola, teriam que ter suas visitas sensivelmente reduzidas e rigorosamente monitoradas. Ao contrário do que diz o procurador da República, o que fere a Constituição não é um preso perigoso ser monitorado em sua cela e, sim, o cidadão de bem não ter o direito de ir e vir, sob pena de ser morto num latrocínio comandado de dentro dos presídios. Como já escrevi, cadeia não pode ser transformada em Big Brother de promotor e juiz – não porque o preso tenha direito à privacidade, mas porque o crime tem de ser prevenido à força, se necessário, e não monitorado virtualmente, enquanto o “reeducando” se especializa na prática do crime a distância.
Publicado no Jornal Opção.
Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.



O APOGEU DO POLITICAMENTE CORRETO

Os esquerdistas em geral e os americanófobos em particular vivem dizendo que a maior ameaça à hegemonia do império americano é a China, com seus bilhões de habitantes e uma economia que, em pouco tempo, ultrapassará a do Tio Sam. Bobagem. O crescimento chinês nem de longe ameaça o poderio americano. Ao contrário, quem entende um pouquinho de economia sabe que quanto mais rica e pujante for a economia chinesa, mais os americanos têm a lucrar.


A maior ameaça à hegemonia norte americana é um vírus que vem corroendo as suas entranhas, uma doença auto-imune que há anos vem prejudicando o organismo social daquela nação: a elevação do politicamente correto a política de Estado. Duvida, caro leitor? Então, preste atenção nisso:

O governo dos Estados Unidos está processando uma empresa privada por discriminação contra trabalhadores latino-americanos e asiáticos, porque eles não falam inglês no trabalho. Trata-se de uma empresa de Green Bay, Wisconsin, fabricante plásticos, que demitiu trabalhadores latino-americanos e asiáticos por não saberem expressar-se em … inglês. É que Obrigar funcionários a falar Inglês – nos EUA! – viola Título VII do Ato dos Direitos Civis de 1964, pelo menos para os xiitas da Administração Obama.

Segundo consta, a dita Lei protege os funcionários contra discriminação com base na origem nacional, o que inclui as características linguísticas. Portanto, os estrangeiros têm o direito de só falar apenas sua língua nativa, mesmo durante as horas de trabalho em uma empresa americana, funcionando em solo americano, ainda que ninguém mais os entenda. De acordo com um procurador federal, “Quando falar fluentemente Inglês não é, de fato, necessário para o desempenho seguro e eficaz de um trabalho, nem para o bom funcionamento do negócio do empregador, exigir que os funcionários sejam fluentes em inglês constitui geralmente uma discriminação e, consequentemente, viola a lei federal.” (Não sei se notaram, mas tal raciocínio implica que quem decide o que bom ou ruim para o funcionamento dos negócios não são seus administradores, mas o governo.)

Não por acaso, sob a presidência de Obama, a EEOC (Comissão de Igualdade de Oportunidades e Emprego) tem tomado uma série de medidas sem precedentes contra diversas empresas, sob a alegação de proteger os trabalhadores estrangeiros no local de trabalho.

Tudo começou em 2009, quando a agência emitiu uma ordem tornando ilegal a imposição do idioma inglês no local de trabalho. Desde então, a agência tem agido como um rolo compressor, tomando medidas legais contra empresas em todo o país, acusando-as de tudo, desde discriminação contra as minorias por verificação de antecedentes criminais até levantamentos de crédito, passando pela obrigação de permitir o uso de trajes muçulmanos no local de trabalho.

De acordo com processos judiciais abertos pela EEOC contra várias empresas, as investigações de antecedentes criminais e verificações de crédito “desproporcionalmente excluem os negros na admissão de emprego”. Já as empresas que proíbem mulheres muçulmanas de usar o hijab no trabalho “violam direitos religiosos garantidos sob as leis de direitos civis”, ainda que as coberturas de cabeça sejam proibidas para todos os funcionários, afirma a EEOC. No ano passado, por exemplo, um juiz federal nomeado por Obama deu à EEOC uma grande vitória, determinando que os direitos civis de uma mulher muçulmana teriam sido violados por um varejista de roupas que não lhe permitia usar o lenço de cabeça, conforme exigido por sua religião.

E ainda tem gente preocupada com os chineses…
Por João Luiz Mauad Do site: http://www.institutoliberal.org.br/


segunda-feira, 21 de julho de 2014

OS DESILUDIDOS DA REPÚBLICA

Há um notório sentimento popular de cansaço, de enfado, de identificação do voto como um ato inútil, que nada muda


A proximidade das eleições permite uma breve reflexão sobre o processo de formação de uma cultura política democrática no Brasil. A República nasceu de um golpe militar. A participação popular nos acontecimentos de 15 de novembro de 1889 foi nula. O novo regime nasceu velho. Acabou interrompendo a possibilidade de um Terceiro Reinado reformista e modernizador, tendo à frente Isabel como rainha e chefe de Estado e com os amplos poderes concedidos pela Constituição de 1824.

A nova ordem foi edificada para impedir o reformismo advogado por Joaquim Nabuco, Visconde de Taunay e André Rebouças, que incluía, inclusive, uma alteração no regime de propriedade da terra. Os republicanos da propaganda — aqueles que entre 1870, data do Manifesto, e 1889, divulgaram a ideia republicana em atos públicos, jornais, panfletos e livros — acabaram excluídos do novo regime. Júlio Ribeiro, Silva Jardim e Lopes Trovão, só para recordar alguns nomes, foram relegados a plano secundário, considerados meros agitadores.

O vazio no poder foi imediatamente preenchido por uma elite política que durante decênios excluiu a participação popular. As sucessões regulares dos presidentes durante a Primeira República (1889-1930) foram marcadas por eleições fraudulentas e pela violência contra aqueles que denunciavam a manipulação do voto.

Os opositores — os desiludidos da República — passaram a questionar o regime. Se apontavam corretamente as falácias do sistema eleitoral, indicavam como meio de superação, como disse um deles, desses “governichos criminosos”, a violência, a tomada pelas armas do Estado. E mais: que qualquer reforma só poderia ter êxito através de um governo ultracentralizador, instrumento indispensável para combater os poderosos, os senhores do baraço e do cutelo, como escreveu Euclides da Cunha.

Assim, o ideal mudancista tinha no seu interior um desprezo pela democracia. Acentuava a defesa de um novo regime para atender as demandas da maioria, mas com características autoritárias. Alguns até imaginavam que o autoritarismo seria um estágio indispensável para chegar à democracia.

A Revolução de 30 construiu o moderno Estado brasileiro. Enfrentou vários desafios e deu um passo adiante no reformismo nacional. Porém, aprofundou as contradições. Se, de um lado, foram adotados o voto secreto, a Justiça Eleitoral, o voto feminino, conquistas importantes, manteve uma visão de mundo autoritária, como ficou patente desde 1935, com a repressão à rebelião comunista de novembro, e mais ainda após a implantação da ditadura do Estado Novo, dois anos depois.

A vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial deu alguma esperança de, pela primeira vez, caminharmos para o nascimento de uma ordem democrática. A Constituição de 1946 sinalizou este momento. O crescimento econômico, a urbanização, o fabuloso deslocamento populacional do Nordeste para o Sul-Sudeste, a explosão cultural-artística — que vinha desde os anos 1930 — foram fatores importantes para o aprofundamento das ideias liberal-democráticas, mesmo com a permanência do autoritarismo sob novas vestes, como no ideário comunista, tão influente naquele período.

O ano de 1964 foi o ponto culminante deste processo. A democracia foi golpeada à direita e à esquerda. Para uns era o instrumento da subversão, para outros um biombo utilizado pela burguesia para manter sua dominação de classe. Os que permaneceram na defesa do regime democrático ficaram isolados, excluídos deste perverso jogo autoritário. Um desses foi San Tiago Dantas.

Paradoxalmente foi durante o regime militar — especialmente no período ditatorial, entre os anos 1968-1978 — que os valores democráticos ganharam enorme importância. A resistência ao arbítrio foi edificando um conjunto de valores essenciais para termos uma cultura política democrática. E foram estes que conduziram ao fim do regime e à eleição de Tancredo Neves, em janeiro de 1985.

No último quartel de século, contudo, apesar das sucessivas eleições, a cultura democrática pouco avançou, principalmente nos últimos 12 anos. As presidências petistas reforçaram o autoritarismo. A transformação da luta armada em ícone nacional é um bom (e triste) exemplo. Em vez de recordar a luta democrática contra o arbítrio, o governo optou pela santificação daqueles que desejavam substituir a ditadura militar por outra, a do “proletariado”.

O processo eleitoral reforça este quadro de hostilidade à política. A mera realização das eleições — que é importante — não desperta grande interesse. Há um notório sentimento popular de cansaço, de enfado, de identificação do voto como um ato inútil, que nada muda. De que toda eleição é sempre igual, recheada de ataques pessoais e alianças absurdas. Da ausência de discussões programáticas. De promessas que são descumpridas nos primeiros dias de governo. De políticos sabidamente corruptos e que permanecem eternamente como candidatos — e muitos deles eleitos e reeleitos. Da transformação da eleição em comércio muito rendoso, onde não há política no sentido clássico. Além da insuportável propaganda televisiva, com os jingles, a falsa alegria dos eleitores e os candidatos dissertando sobre o que não sabem.

O atual estágio da democracia brasileira desanimaria até o doutor Pangloss. A elite política permanece de costas para o país, ignorando as manifestações de insatisfação. E, como em um movimento circular, as ideias autoritárias estão de volta. Vai se formando mais uma geração de desiludidos com a República. Até quando?

Por: Marco Antonio Villa é historiador Publicado em O Globo



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A NARRATIVA AUSENTE

PSDB desperdiçou seus anos de oposição sem fazer a defesa do legado de FH, propiciando a cristalização da fala petista


‘Decifra-me ou devoro-te!” O eco do desafio mitológico da esfinge de Tebas acompanha a divulgação das sondagens eleitorais. Na etapa final da campanha, não existem enigmas difíceis: a trajetória das intenções de voto diz tudo o que importa. Contudo, nas etapas prévias, o panorama é mais complexo. Os analistas têm destacado as informações sobre a vontade de mudança do eleitorado e os índices de rejeição da presidente que busca a reeleição. São dados relevantes na equação, mas não deveriam obscurecer um outro, que configura um paradoxo: o crescimento das intenções de voto nos candidatos de oposição continua longe de refletir a vontade majoritária de mudança. Se não interpretarem corretamente o paradoxo, os oposicionistas oferecerão a Dilma Rousseff um triunfo que ela não pode obter por suas próprias forças.

Publicamente, o PSDB e o PSB asseguram que o crescimento das candidaturas de Aécio Neves e Eduardo Campos é só uma questão de tempo — ou seja, de exposição no horário eleitoral. Na hipótese benigna, eles não acreditam nisso, mas falam para animar suas bases. A hipótese maligna é que se refugiam no pensamento mágico, acalentando o sonho de uma vitória por default. De um modo ou de outro, parecem longe de admitir o que as sondagens eleitorais insistem em demonstrar: ambos carecem de uma narrativa política capaz de traduzir o desejo majoritário de mudança.

A candidatura de Eduardo Campos sofre de um mal de origem. O ex-governador de Pernambuco era, até ontem, um “companheiro de viagem” do lulismo, e sua vice, Marina Silva, fez carreira política no PT, ainda que sua dissidência já tenha uma história. Desse mal, decorre um frágil discurso eleitoral: a “terceira via”, ao menos na versão de Campos, é um elogio do “lulismo sem Dilma”. O discurso viola a verdade política, pois o governo Dilma representa, em todos os sentidos, o prolongamento dos mandatos de Lula. De mais a mais, é inverossímil, pois o eleitorado aprendeu que “Lula é Dilma” e “Dilma é Lula”.

A candidatura de Aécio Neves sofre de um mal distinto, evidenciado nas campanhas presidenciais de Geraldo Alckmin, em 2006, e de José Serra, em 2010: o PSDB não sabe explicar o motivo pelo qual quer governar o país. Oito anos atrás, Alckmin apostou suas chances na tecla da denúncia de corrupção. Há quatro anos, Serra investiu nas suas qualidades pessoais (a “experiência”) e no tema da “gestão eficiente”. A despolitização do discurso dos tucanos refletiu-se na apagada atuação parlamentar de Aécio, que nem sequer tentou transformar sua tribuna no Senado em polo de difusão de uma mensagem oposicionista. Não é fortuito que, a essa altura da corrida presidencial, suas intenções de voto permaneçam tão abaixo dos índices de rejeição à candidatura de Dilma.

O PSDB tem algo a aprender com o PT. Nos seus anos de oposição, o PT construiu uma narrativa sobre o governo e a sociedade que, mesmo se mistificadora, sintetizava uma crítica fundamental às políticas de FH e indicava um rumo de mudança. Naquele tempo, o PT dizia que os tucanos governavam para a elite, acentuavam as desigualdades sociais e, no programa de privatizações, queimavam o patrimônio público no altar dos negócios privados. O PSDB desperdiçou seus anos de oposição sem fazer a defesa do legado de FH, propiciando a cristalização da narrativa petista. Consequência disso, não formulou uma crítica de conjunto aos governos lulopetistas, limitando-se a aguardar que, num passe de mágica, o poder retornasse às suas mãos. Agora, Aécio só triunfará se produzir, em escassos meses, a narrativa que seu partido não elaborou ao longo de 12 anos.

Lula disse, várias vezes, e com razão, que “os ricos nunca ganharam tanto dinheiro como nos seus governos”. O PT governa para a elite, subsidiando pesadamente o grande capital privado enquanto distribui migalhas do banquete para os pobres, a fim de comprar seus votos. O contraste entre os valores envolvidos no Bolsa Empresário e os dispêndios no Bolsa Família contam uma história sobre o lulismo que o PSDB ocultou enquanto fingia fazer oposição. Terá Aécio a coragem de expô-la, mesmo às custas de desagradar ao alto empresariado?

Nos três mandatos do lulopetismo, o governo promoveu o consumo de bens privados, descuidando-se da geração de bens públicos. Os manifestantes de junho de 2013 foram rotulados pelo PT como “despolitizados” por apontarem essa contradição, levantando as bandeiras da educação e da saúde (“escolas e hospitais padrão Fifa”). No fundo, as multidões que ocuparam as ruas até serem expulsas pelos vândalos e depredadores estavam tomando uma posição sobre as funções do Estado. Terá Aécio a lucidez de reacender esse debate, do qual o PSDB foge sempre que o PT menciona a palavra “privatização”?

O sistema político do país vive um longo outono, putrefazendo-se diante de todos. A “solução” oferecida pelo PT é uma reforma política que acentuaria seus piores aspectos, junto com a rendição do Congresso à pressão dos “conselhos participativos”. Mas a raiz da crise crônica está fora do sistema político: encontra-se na própria administração pública, aberta de par em par à colonização pelos partidos políticos. Aécio promete operar uma cirurgia puramente simbólica, reduzindo o número de ministérios. Terá ele a ousadia de, desafiando o conjunto da elite política, propor um corte profundo, radical, no número de cargos públicos de livre indicação?

Ano passado, ouvi de uma assessora econômica tucana a profecia de que, antes do fim da Copa, um colapso econômico provocado pela inversão da política monetária americana decidiria a eleição presidencial brasileira. Era um sintoma da persistência do pensamento mágico que hipnotiza o PSDB desde a ascensão de Lula à presidência. Não: o Planalto não cairá no colo de Aécio. Para triunfar, ele precisa oferecer ao país uma narrativa política coerente. Por: Demétrio Magnoli


'COM MUITO ORGULHO"

Nunca antes na história deste país tinha acontecido nada igual. Não só na história deste país: o que se viu no 8 de julho de 2014, um dia que viverá para sempre, jamais tinha ocorrido em 100 anos de existência da seleção nacional de futebol. Também não havia acontecido em toda a história da Copa do Mundo desde a sua criação, em 1930 – não num jogo de semifinal, disputa privativa de gigantes da bola. Pois aconteceu: a Alemanha enfiou 7 a 1 no Brasil, comprovando uma vez mais que tudo o que não é impossível pelas leis da natureza é, por definição, possível de acontecer um dia qualquer. Quem poderia imaginar um resultado desses? Seria mais fácil o velho camelo da Bíblia passar pelo buraco de uma agulha. Mas os camelos do futebol, como se vê no mundo das realidades, são bichos capazes de fazer as coisas mais incríveis. Fizeram de novo, no Estádio de Minas Gerais. Fim de linha para a seleção e para o “hexa”, por falência de múltiplos órgãos.

E daí? E daí nada, realmente – apenas uma derrota esportiva, risco que existe em toda competição e do qual está livre só quem não compete. Numa sociedade razoavelmente adulta, capaz de separar futebol de honra nacional, felicidade do povo, “vergonha na cara” e outros valores, reais ou imaginários, o massacre que o time do Brasil viveu no Mineirão seria uma derrota horrenda, constrangedora e francamente exótica – mas uma derrota num jogo de bola, só isso, sem nenhum prejuízo material para ninguém, para o país ou para o equilíbrio psicológico de quem quer que seja. Acontece que o Brasil tem uma imensa resistência em ser adulto, e aí a coisa complica. Como resultado da pressão neurótica aplicada ao futebol pelos meios de comunicação e pelo noticiário esportivo, autoridades públicas, políticos em geral, departamentos de marketing de grandes empresas, agências de publicidade e interesses econômicos que envolvem bilhões de dólares, constrói-se sistematicamente no Brasil um ambiente artificial de histeria que contamina a sociedade quase inteira, quando se trata de futebol e de Copa do Mundo. Assim ficam estabelecidas exclusivamente duas possibilidades, ambas falsas: a vitória que transforma a nação num paraíso de coragem, competência e superioridade sobre todos os demais povos do mundo; ou, então, a derrota que nos reduz ao pó, com vergonha, choro e ranger de dentes.

É assim que se criou, entre outras invenções cultivadas com obsessão, a extraordinária lenda segundo a qual o Brasil sofreu um “trauma” sem limites ao perder no jogo final contra o Uruguai no Maracanã, em 1950, na primeira Copa aqui disputada. A derrota é vendida como uma “tragédia” sem igual na história brasileira, um momento de desgraça que jamais poderíamos viver de novo e que clamava aos céus por redenção e vingança – a ser providenciadas, enfim, em 2014, pela graça dos 23 rapazes convocados para a seleção do técnico Luiz Felipe Scolari e dos cartolas da CBF. Mas não existe trauma nenhum – como poderia existir, se apenas os brasileiros hoje com mais de 70 anos estavam vivos em 1950, em idade para entender minimamente o que aconteceu? Ninguém sofre, na vida real, por contrariedades que jamais experimentou. Mas aí está: impõe-se ao país o disparate segundo o qual uma partida de futebol disputada 64 anos atrás, o “Maracanazo”, foi uma bomba atômica jogada no Rio de Janeiro, e que “jamais o Brasil iria permitir” que a calamidade se repetisse nesta segunda Copa sediada pelo Brasil. No jogo contra a Alemanha aconteceu muito pior do que uma repetição: um “Mineirazo”, com inéditos 7 a 1 no lombo.

Essa mesma lavagem cerebral nos força a ficar repetindo que o Brasil é “o país do futebol”, que nenhuma outra nação chega perto da nossa habilidade sobrenatural com a bola e que vamos ganhar sempre por causa da ginga, do jogo de cintura, da malandragem etc., pois amarramos “o coração na chuteira”, somos “brasileiros com muito orgulho” e outras tolices. Aí já é mais que uma mentira: é fazer um grosseiro desaforo aos fatos. O futebol brasileiro vale o mesmo que o jogado em mais uma dúzia de países; com a exceção de Neymar, nossos jogadores, em 2014, são apenas corretos, ou bonzinhos. Os da Alemanha, neste momento, são muito melhores, individualmente e em conjunto. Por um bloqueio mental pré-fabricado pela propaganda, porém, o futebol brasileiro é incapaz de admitir essa realidade singela.

De certo, em tudo isso, só ficou a definição que Dilma Rousseff fez antes do desastre: seu governo é “padrão Felipão”. Até que enfim a presidente acertou bem no alvo. Por: J. R. GUZZO Publicado na Veja

sexta-feira, 18 de julho de 2014

SE KARL MARX TIVESSE ESTUDADO ADMINISTRAÇÃO

Karl Marx achou que eventualmente haveria poucos capitalistas dominando tudo, auferindo todo o lucro.

Na época de Karl Marx havia pouco capital e poucos capitalistas.
Tanto que os marxistas criaram como seu símbolo a foice e o martelo, bens de capital que custam menos que R$ 10,00.
Um tear mecânico custava na época em torno de R$ 1.000,00, só que aumentava a produtividade do tecelão em mais de 10 vezes.
Num primeiro momento este aumento de produção não chegava a afetar o preço do tecido que ficava praticamente igual, nem do trabalhador.
Os primeiros donos de teares passaram a ganhar nove vezes mais do que na produção manual.
O lucro inicialmente se tornou colossal.
Foi isto que Karl Marx viu, e infelizmente achou que era o normal e não um fenômeno sui generis.
Do dia para a noite, o lucro que era de 10% sobre um tecido passou a ser de 50%, uma baba. O que permitiu a compra de mais teares. 
Pergunte a um empresário ou capitalista o que ele acha de fornecedores que embutem margens de lucro de 50%.
Garanto que ele responderá “um bando de ladrões”, a mesma análise feita por Karl Marx. Como isto é possível? 
Karl Marx não entendia de Processos Dinâmicos. Ele não tinha à sua disposição um Excel.
Não conseguiu ir além da sua análise da situação da época, não conseguia simular o futuro nem como tudo isto iria terminar.
Sem Excel e Matemática de Processos Dinâmicos, Marx achava que as Margens de Lucro seriam cada vez maiores, os capitalistas seriam cada vez mais ricos, e os trabalhadores cada vez mais pobres.
Mas isto foi um chute, não uma constatação científica. 
O que Karl Marx não entendeu?
O mínimo de administração.
As empresas reinvestem 90% dos seus lucros, devolvem por assim dizer a mais valia de Marx, de volta para a sociedade comprando mais e mais teares.
Maior produtividade e mais teares começavam a saturar o mercado da época e os preços despencaram.
Marx, o intelectual mais influente do mundo depois de Adam Smith, previu incorretamente que a margem de lucro das empresas ficaria cada vez maior e não menor.
Previu também que o número de capitalistas da época ficaria cada vez menor, e no final, na mão de uma única pessoa. 
Karl Marx achou que eventualmente haveriam poucos capitalistas dominando tudo, auferindo todo o lucro, e bastaria uma pequena revolução para eliminá-los e teríamos a sociedade justa e igualitária de imediato.
Só que as margens de lucro despencaram de 50% para 2% sobre o preço de venda
Como todo administrador previa na época.
Basta ler as edições de Melhores e Maiores.
Hoje quem cobra 50% do povo consumidor é o Estado, via impostos. A maioria das empresas tem margens de lucro de 5%, e 20% delas operam no prejuízo.
Basta consultar a edição.
Por quê? 
Em Administração descobrimos que era melhor ganhar pouco (2%) de muita gente do que fabricar Rolls Royce para poucos.
Era melhor ganhar somente 2% de muita gente do que ganhar 50% de pouca gente.
Algo que Marx não imaginou que poderia ocorrer.
Honestamente, você se incomoda em dar 2% do preço do produto para o empreendedor que criou o produto que não existia, que organizou toda a equipe de produção, que gerou todo o sistema administrativo, que paga bem seus funcionários dando creches, educação e fundos de pensão que deveria ser função do Estado?
Que arrisca um dia quebrar e perder tudo porque você não gosta do produto, que produz antecipadamente para que você sempre possa comprar aquilo que você precisa?
Eu não pegaria em armas para destruir este sistema, para entregar tudo a gestores de estatais que nem sempre são tão eficientes e comprometidos com o consumidor.
Se aparecer um setor com 50% de lucro, a saída é permitir mais concorrência que irá reduzir a margem, em vez de dar poderes monopolísticos para a Petrobras, a Vale, aos Correios, a Caixa, ao Banco do Brasil e assim por diante. 
Karl Marx nunca estudou administração, e não percebeu que capitalismo se combate com mais capitalismo, com mais “concorrência”, algo que não existe nas escolas de Marxismo, onde os professores têm monopólio, emprego vitalício, onde o melhor aluno jamais lhe substituiria como professor.
Marxistas, Socialistas, Trotskistas, Maoistas, Stalinistas, Chavistas, Castristas, enfim, não perceberam que já em 1800, administradores estavam substituindo os barões capitalistas do passado e que os trabalhadores seriam proprietários das ações das empresas em que trabalhavam, via os Fundos de Pensão que nós administradores criamos.
Metade das ações das 500 maiores empresas americanas estão hoje na mão de seus funcionários, e a outra metade nas mãos das viúvas dos antigos funcionários.
Fomos nós administradores que implantamos a justiça que Marx tanto sonhou, e não os acadêmicos socialistas como Arrow, Joan Robinson, e Paul Sweezy.
Karl Marx ensinou três gerações de acadêmicos a pregarem a estatização, os monopólios estatais.
Petrobras, Vale, Eletrobrás, Sabesp vendem commodities até hoje.
Não precisam de administradores que acrescentam valor à matéria prima.
Precisam de acadêmicos que saibam determinar o Preço de Mercado e nada mais.
Se Karl Marx tivesse estudado administração, Rússia, Cuba, China, Índia e o Brasil não estariam tão atrasados como estão hoje.
Por: Stephen Kanitz Do site: http://blog.kanitz.com.br

quinta-feira, 17 de julho de 2014

A MASCARA DO GIGANTE

Fiquei muito envergonhado com a cataclísmica derrota do Brasil frente à Alemanha na semifinal da Copa do Mundo, mas confesso que não me surpreendeu tanto. De um tempo para cá, a famosa seleção Canarinho se parecia cada vez menos com o que havia sido a mítica esquadra brasileira que deslumbrou a minha juventude, e essa impressão se confirmou para mim em suas primeiras apresentações neste campeonato mundial, onde a equipe brasileira ofereceu uma pobre figura, com esforços desesperados para não ser o que foi no passado, mas para jogar um futebol de fria eficiência, à maneira europeia.


Nada funcionava bem; havia algo forçado, artificial e antinatural nesse esforço, que se traduzia em um rendimento sem graça de toda a equipe, incluído o de sua estrela máxima, Neymar. Todos os jogadores pareciam sob rédeas. O velho estilo – o de um Pelé, Sócrates, Garrincha, Tostão, Zico – seduzia porque estimulava o brilho e a criatividade de cada um, e disso resultava que a equipe brasileira, além de fazer gols, brindava um espetáculo soberbo, no qual o futebol transcendia a si mesmo e se transformava em arte: coreografia, dança, circo, balé.

O mito da seleção Canarinho nos fazia sonhar formosos sonhos. Mas no futebol, assim como na política, é mau viver sonhando e sempre preferível se ater à verdade, por mais dolorosa que seja

Os críticos esportivos despejaram impropérios contra Luiz Felipe Scolari, o treinador brasileiro, a quem responsabilizaram pela humilhante derrota, por ter imposto à seleção brasileira uma metodologia de jogo de conjunto que traía sua rica tradição e a privava do brilhantismo e iniciativa que antes eram inseparáveis de sua eficácia, transformando seus jogadores em meras peças de uma estratégia, quase em autômatos.

Contudo, eu acredito que a culpa de Scolari não é somente sua, mas, talvez, uma manifestação no âmbito esportivo de um fenômeno que, já há algum tempo, representa todo o Brasil: viver uma ficção que é brutalmente desmentida por uma realidade profunda.

Tudo nasce com o governo de Luis Inácio ‘Lula’ da Silva (2003-2010), que, segundo o mito universalmente aceito, deu o impulso decisivo para o desenvolvimento econômico do Brasil, despertando assim esse gigante adormecido e posicionando-o na direção das grandes potências. As formidáveis estatísticas que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística difundia eram aceitas por toda a parte: de 49 milhões os pobres passaram a ser somente 16 milhões nesse período, e a classe média aumentou de 66 para 113 milhões. Não é de se estranhar que, com essas credenciais, Dilma Rousseff, companheira e discípula de Lula, ganhasse as eleições com tanta facilidade. Agora que quer se reeleger e a verdade sobre a condição da economia brasileira parece assumir o lugar do mito, muitos a responsabilizam pelo declínio veloz e pedem uma volta ao lulismo, o governo que semeou, com suas políticas mercantilistas e corruptas, as sementes da catástrofe.

A verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos, e sim uma miragem que só agora começa a se esvair, como ocorreu com o futebol brasileiro. Uma política populista como a que Lula praticou durante seus governos pôde produzir a ilusão de um progresso social e econômico que nada mais era do que um fugaz fogo de artifício. O endividamento que financiava os custosos programas sociais era, com frequência, uma cortina de fumaça para tráficos delituosos que levaram muitos ministros e altos funcionários daqueles anos (e dos atuais) à prisão e ao banco dos réus.

As alianças mercantilistas entre Governo e empresas privadas enriqueceram um bom número de funcionários públicos e empresários, mas criaram um sistema tão endiabradamente burocrático que incentivava a corrupção e foi desestimulando o investimento. Por outro lado, o Estado embarcou muitas vezes em operações faraônicas e irresponsáveis, das quais os gastos empreendidos tendo como propósito a Copa do Mundo de futebol são um formidável exemplo.

O governo brasileiro disse que não havia dinheiro público nos 13 bilhões que investiria na Copa do Mundo. Era mentira. O BNDES (Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social) financiou quase todas as empresas que receberam os contratos para obras de infraestrutura e, todas elas, subsidiavam o Partido dos Trabalhadores, atualmente no poder. (Calcula-se que para cada dólar doado tenham obtido entre 15 e 30 em contratos).

As obras em si constituíam um caso flagrante de delírio messiânico e fantástica irresponsabilidade. Dos 12 estádios preparados, só oito seriam necessários, segundo alertou a própria FIFA, e o planejamento foi tão tosco que a metade das reformas da infraestrutura urbana e de transportes teve de ser cancelada ou só será concluída depois do campeonato. Não é de se estranhar que o protesto popular diante de semelhante esbanjamento, motivado por razões publicitárias e eleitoreiras, levasse milhares e milhares de brasileiros às ruas e mexesse com todo o Brasil.

As cifras que os órgãos internacionais, como o Banco Mundial, dão na atualidade sobre o futuro imediato do país são bastante alarmantes. Para este ano, calcula-se que a economia crescerá apenas 1,5%, uma queda de meio ponto em relação aos dois últimos anos, nos quais somente roçou os 2%. As perspectivas de investimento privado são muito escassas, pela desconfiança que surgiu ante o que se acreditava ser um modelo original e resultou ser nada mais do que uma perigosa aliança de populismo com mercantilismo, e pela teia burocrática e intervencionista que asfixia a atividade empresarial e propaga as práticas mafiosas.

Apesar de um horizonte tão preocupante, o Estado continua crescendo de maneira imoderada – já gasta 40% do produto bruto – e multiplica os impostos ao mesmo tempo que as “correções” do mercado, o que fez com que se espalhasse a insegurança entre empresários e investidores. Apesar disso, segundo as pesquisas, Dilma Rousseff ganhará as próximas eleições de outubro, e continuará governando inspirada nas realizações e logros de Lula.

Se assim é, não só o povo brasileiro estará lavrando a própria ruína, e mais cedo do que tarde descobrirá que o mito sobre o qual está fundado o modelo brasileiro é uma ficção tão pouco séria como a da equipe de futebol que a Alemanha aniquilou. E descobrirá também que é muito mais difícil reconstruir um país do que destruí-lo. E que, em todos esses anos, primeiro com Lula e depois com Dilma, viveu uma mentira que seus filhos e seus netos irão pagar, quando tiverem de começar a reedificar a partir das raízes uma sociedade que aquelas políticas afundaram ainda mais no subdesenvolvimento. É verdade que o Brasil tinha sido um gigante que começava a despertar nos anos em que governou Fernando Henrique Cardoso, que pôs suas finanças em ordem, deu firmeza à sua moeda e estabeleceu as bases de uma verdadeira democracia e uma genuína economia de mercado. Mas seus sucessores, em lugar de perseverar e aprofundar aquelas reformas, as foram desnaturalizando e fazendo o país retornar às velhas práticas daninhas.

Não só os brasileiros foram vítimas da miragem fabricada por Lula da Silva, também o restante dos latino-americanos. Por que a política externa do Brasil em todos esses anos tem sido de cumplicidade e apoio descarado à política venezuelana do comandante Chávez e de Nicolás Maduro, e de uma vergonhosa “neutralidade” perante Cuba, negando toda forma de apoio nos organismos internacionais aos corajosos dissidentes que em ambos os países lutam por recuperar a democracia e a liberdade. Ao mesmo tempo, os governos populistas de Evo Morales na Bolívia, do comandante Ortega na Nicarágua e de Correa no Equador – as mais imperfeitas formas de governos representativos em toda a América Latina – tiveram no Brasil seu mais ativo protetor.

Por isso, quanto mais cedo cair a máscara desse suposto gigante no qual Lula transformou o Brasil, melhor para os brasileiros. O mito da seleção Canarinho nos fazia sonhar belos sonhos. Mas no futebol, como na política, é ruim viver sonhando, e sempre é preferível – embora seja doloroso – ater-se à verdade.
Fonte: El País, 12/7/2014 Por: Mario Vargas LLosa


Desafio 7 por 1
SOBRE MARIO VARGAS LLOSA
Mario Vargas Llosa
Escritor, jornalista, ensaísta e político. Estudou na Universidade de São Marcos em Lima, é doutor em Filosofia e Letras pela Universidade Complutense de Madrid. Ensinou inglês em Paris e foi redator da “France Presse”. Concorreu à presidência do Peru, em 1990 e foi vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 2010. Entre seus livros, destacam-se os autobiográficos "A cidade e os cachorros" (1963), "A Casa Verde" (1966) e "Tia Júlia e o Escrevinhador". Llosa dedicou o ensaio "A Guerra do Fim do Mundo", baseado na Guerra de Canudos, a Euclides da Cunha, autor de "Os Sertões".

terça-feira, 15 de julho de 2014

FOME DE PODER


Se chegarmos ao cerne dos embates político-ideológicos, teremos dois grupos claros: (I) o dos famintos pelo poder; e, (II) o dos amantes da liberdade. No final das contas, ao que parece, essa é a divisão fundamental. Do primeiro grupo, surgem totalitaristas, ditadores e coletivistas de todos os matizes. Do segundo, liberais (clássicos), libertários e conservadores. Há, também, o meio do caminho, normalmente representado pelos socialdemocratas. Mas, aparentemente, estes últimos vêm se aproximando de liberais nos últimos tempos, desde que seus “welfare states” começaram a eclodir por toda a Europa. É uma esperança…

Qual seria a diferença central entre os defensores da liberdade e aqueles, que, a todo custo, pretendem reduzi-la? Defensores das liberdades, de um modo geral, querem um Estado mínimo, o império das leis, condições para a livre competição no mercado e meritocracia. Eles acreditam que esta filosofia seja capaz de expandir as oportunidades para todos, indistintamente.

Não se trata, portanto, de ser contra pobres. Não (!), é justamente o contrário. Em um ambiente livre – sem a influência excessiva de um Estado agigantado e dos famosos “amigos do rei” – o cidadão terá mais chances de alcançar seus objetivos, sejam eles quais forem. Alguns podem estar dispostos a gerar mais riquezas, outros imbuídos de alcançar uma vida mais tranquila. A escolha é uma das facetas da liberdade. Todavia, a liberdade para perseguir seus interesses gera consequências e responsabilidades.

No intuito de distorcer esse pensamento, os famintos pelo poder apresentam a seguinte lógica: os homens vão “explorar” uns aos outros, e, assim, o Estado deve intervir de modo a tornar as relações socialmente mais “justas”. Eles não explicam, contudo, em que consistiria essa “exploração”; nem, tampouco, como o Estado faria essa “justiça social”. Pior ainda. Por que razão o Estado e os governantes seriam tão magnânimos e mais eficientes do que a colaboração individual de cidadãos livres?

O primeiro ponto que eles escondem, avaramente, é que governantes são pessoas que passaram a vida toda buscando ter poder sobre os demais. Esse fato, ao menos, já os coloca em posição de dúvida. Por que essas pessoas, após alcançarem o poder, prefeririam buscar o bem-comum ao invés de perseguir seus próprios objetivos? Não há qualquer razão. A rigor, prevalece a regra básica: todos buscam, intrinsecamente, maximizar os seus interesses particulares. O segundo aspecto, consequência do primeiro, consiste em um embate: centralizar ou descentralizar?

A descentralização do poder é elemento fundamental para o exercício da liberdade. Por ocasião da Revolução Americana, os “Founding Fathers” entenderam isso muito bem, preservando a soberania dos estados membros. Daí surgiu um Federalismo real, muito diferente do que temos por aqui. Lá, cada Estado abriu mão de uma parcela de sua soberania em prol da União; cá – especialmente após a Constituição Federal de 1988 (esse texto não permite uma digressão histórica sobre o Brasil) – a União Federal relegou uma parcela diminuta de poder para os estados e municípios. Não é preciso conhecimento jurídico ou político para concluir que diversas questões seriam definidas de forma mais eficaz no âmbito estadual ou municipal.

Coletivistas, eminentemente centralizadores, precisam da concentração do poder para alcançar seus objetivos. Para tanto, não têm pudor em limitar as liberdades e manter as rédeas curtas. Como isso é feito? Por que os cidadãos aceitam as restrições em suas liberdades? Não é difícil responder.

Em grande parte isso é fruto da complacência e insegurança humanas. Cidadãos tendem a esperar por “salvadores da pátria” que vão solucionar os seus problemas. Além disso, é mais fácil colocar a culpa no coletivo do que assumir sua própria responsabilidade ou inércia. Totalitaristas, portanto, se alimentam da insegurança dos indivíduos e do “medo de perder”.

Após conquistar certas coisas, o indivíduo é tomado por um verdadeiro pavor de perder. Esse quadro faz com que ele se esqueça dos fundamentos que lhe permitiram alcançar seus objetivos. Assim, ele não se incomoda com a supressão de liberdades, desde que suas “posses” sejam aparentemente preservadas. O raciocínio é ilusório. Nada vai garantir a manutenção das conquistas, muito menos um Estado superpoderoso. Aliás, é muito provável que esse ente usurpe os “cofrinhos” dos indivíduos. Então, sem as liberdades de outrora, como reconstruir o seu “castelo”?

Defender a liberdade, portanto, é resultado do desapego, da autoconfiança e da consciência de que as soluções não vêm “de cima para baixo”. A colaboração individual é o elemento fundamental para uma sociedade próspera. Todavia, ela não é criada por decreto, mas, sim, de forma espontânea em um ambiente livre com baixos índices de regulamentação.

O sonho de um totalitarista é uma caneta poderosa com uma pilha de papel para ele legislar sobre tudo, conduzindo a sociedade por sua pena. O sonho dos amigos da liberdade, ao seu turno, consiste em diversas canetas e papéis distribuídos por todos em prol da criação e colaboração, bastando, apenas, um conjunto de regras comum aos cidadãos, com instituições sérias e firmes. Sejam protagonistas de seus próprios destinos, ao invés de coadjuvantes dos famintos pelo poder. 
Por: Leonardo Correa  Do site: http://www.institutoliberal.org.br/

segunda-feira, 14 de julho de 2014

BANDIDOS MANDAM NOS PRESÍDIOS TENDO POR CÚMPLICES A LEI E A COVARDIA DAS AUTORIDADES

Equivocada exoneração do secretário de Administração Penitenciária de Goiás — por conta de reportagem do “Fantástico” — é uma das muitas ações do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público que só reforçam o poder dos bandidos.


Ninguém de relevância política neste País tem coragem de enfrentar a legislação pró-bandido ditada pelas universidades, sob a inspiração de Michel Foucault. E a imprensa é cúmplice das universidades na defesa dos direitos humanos de criminosos em detrimento da segurança da população.

O “Fantástico”, da Rede Globo, mostrou que duas grandes penitenciárias do Brasil — a de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e a de Aparecida de Goiânia, em Goiás — são comandadas pelos próprios presos. De dentro das cadeias, os chefões do crime encomendam roubos de veículos, que acompanham em tempo real pelos celulares de última geração, e extorquem dinheiro das famílias de outros presos, em quantias que podem chegar a R$ 500. Além disso, promovem churrascos com mais de mil espetinhos e bacanais com prostitutas todo final de semana. Em conversas telefônicas, um preso disse: “Mulher não falta. É todo domingo”. Outro arrematou: “Carne aqui é mato”. E a reportagem ainda mostrou celas com geladeiras duplex abarrotadas de comida, TV de tela plana, ventiladores e liquidificadores, entre outros eletrodomésticos.

Veiculada no domingo, 15 de junho, a reportagem do “Fantástico“ derrubou o titular da Secretaria de Administração Penitenciária e Justiça do Estado de Goiás, Edemundo Dias. Oficialmente, o secretário pediu demissão, mas extraoficialmente se sabe que foi exonerado pelo governador Marconi Perillo (PSDB). Lamentável efeito de uma reportagem que parece ter sido editada pela dupla Marcola & Beira-Mar, os respectivos chefes do PCC e do Comando Vermelho, que comandam os presídios e as favelas no País. Levando em conta que a reportagem denunciou as regalias dos bandidos dentro das penitenciárias, parece absurdo o que estou dizendo. Mas vou provar, ao longo deste artigo, que esse tipo de reportagem — como praticamente tudo o que a imprensa mostra sobre presídios — mais ajuda do que atrapalha os criminosos.

Adianto que jamais vejo o “Fantástico” ou qualquer outro programa jornalístico de televisão. A oligofrenia reinante no noticiário de TV embrutece o espírito e me dá nos nervos. Acompanho o que sai na TV pela repercussão na imprensa escrita e, quando o caso merece exame, vou atrás dos vídeos por meio da internet. Foi o caso da reportagem do “Fantástico” sobre os presídios de Goiás e do Rio Grande do Sul, que só vi após a repercussão no jornalismo impresso. O que chama a atenção de imediato é a diferença de tratamento da reportagem em relação às autoridades prisionais do governo tucano de Goiás, as autoridades prisionais do governo petista do Rio Grande do Sul e as autoridades judiciárias de ambos os Estados. As autoridades prisionais goianas foram acuadas, sem piedade, pela reportagem do “Fantástico”, que, todavia, não demonstrou o mesmo senso crítico, investigativo, em relação às autoridades prisionais gaúchas e, sobretudo, em relação ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, tratados com uma deferência que depõe contra o jornalismo.

Presídio não pode ser feira livre


Edemundo Dias, secretário exonerado em Goiás: humilhado pela reportagem 
do programa “Fantástico”. Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Na cinematografia e, por consequência, no telejornalismo, a câmara não é apenas um mecanismo que capta movimento e som — é, sobretudo, o olhar subjetivo do cinegrafista e do seu editor, capaz de qualificar a imagem que está sendo filmada, dependendo do ângulo em que isso é feito. A angulação da câmara é uma forma de adjetivar a cena, sendo suficiente para enaltecer ou vilipendiar uma pessoa que está sendo entrevistada mesmo que ela não faça nada de errado. O secretário de Admi­nis­tração Penitenciária de Goiás, Edemundo Dias, foi humilhado pela reportagem do “Fantástico”, que o filmou em plano alto, isto é, a câmara o focalizou de cima para baixo, de modo inquisitorial, apequenando sua imagem, acuando-o atrás da mesa, colocando-o na defensiva, numa situação de óbvia inferioridade diante dos repórteres. Essa edição de imagem, sem dúvida, pesou muito mais do que o teor das respostas do secretário goiano, que, de modo algum, se saiu pior do que os demais entrevistados — pelo contrário, eu diria que se saiu até melhor.

Já a conduta da reportagem do “Fantástico” diante do secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Airton Michels, foi completamente distinta. Ele aparece sentado com as pernas cruzadas e as mãos no respaldar de sua confortável poltrona, enquanto a câmara o focaliza de baixo para cima, realçando seu rosto decidido, levemente inclinado para trás, numa postura de superioridade diante do interlocutor. Mas as respostas do altivo Airton Michels, com seu tom professoral, seus olhos claros e a barba de intelectual trotskista, não foram melhores do que as do humilde Edemundo Dias, com seu perfil de retirante nordestino que, mesmo quando bem-sucedido, nunca parece confortável no terno. A rigor, a resposta do secretário gaúcho foi muito mais condenável do que a do secretário goiano, mas não provocou nenhuma reação crítica da reportagem do “Fantástico”, muito menos levou o governador Tarso Genro (PT) a exonerá-lo do cargo, em que pese ele merecer essa exoneração mais do que o secretário goiano.

O secretário Edemundo Dias, ao ser confrontado com as mordomias dos presos do complexo prisional de Aparecida de Goiânia, deu a resposta padrão de toda autoridade quando é surpreendida pela imprensa com um fato incômodo: “Disso eu não tenho conhecimento. Estou tomando conhecimento agora e vou mandar verificar. Se for constatada alguma irregularidade nesse sentido, nós vamos tomar as providências”. A reportagem do “Fantástico”, como era de se esperar, não se contentou com a resposta e pediu para entrar no pavilhão do presídio onde estão os presos com mordomias. O secretário chegou a acompanhar os repórteres até as proximidades do pavilhão, mas depois mudou de ideia e, perseguido pela câmara, deixou para trás a equipe dizendo que precisava trabalhar — é o que se depreende de sua fala à distância, quase inaudível. A reportagem passou a entrevistar, então, o superintendente de Segurança Peniten­ciá­ria, João Carvalho Coutinho Júnior, que, alegando razões de segurança, não permitiu a entrada da equipe.

A cena mostrada pelo “Fantás­tico” não poderia ser mais constrangedora para o sistema prisional goiano: o superintendente de Segurança Penitenciária é entrevistado à frente de uma barreira de policiais armados, como se eles estivessem lá para impedir a entrada da imprensa e resguardar um malfeito que a direção do presídio tentava esconder. Ora, aqueles policiais estavam ali para proteger a sociedade, inclusive a equipe de reportagem do “Fantástico”, pois um presídio que abriga bandidos perigosos não pode ser tratado como feira livre e, especialmente quando há visitas, em que sempre existe a possibilidade de rebeliões e reféns, é preciso que guardas armados reforcem a segurança do local, pois só agentes penitenciários desarmados são insuficientes para isso. Mas o “Fantástico”, conscientemente ou não, acabou retratando os policiais como se eles fossem meros capangas da direção do presídio goiano, interpondo-se indevidamente no caminho de sua reportagem.


Secretário gaúcho admite privilégio de presos
Mas as gaguejantes autoridades prisionais goianas, que foram intimidadas pela reportagem do “Fantás­tico”, deram respostas, sem dúvida, menos indecorosas do que as do secretário gaúcho Airton Michels, que, como o próprio “Fantástico” admite, reconheceu as mordomias dos presos do Presídio Central de Porto Alegre. Com sua professoral asser­tividade, o secretário de Segu­rança Pública do Rio Grande do Sul assim se expressou sobre essas mordomias: “Não deve, não pode, mas o resultado, a consequência de eliminar com alguns privilégios de algumas facções, pode ser uma tragédia”. Reparem na gravidade desta resposta de Airton Michels: ele admite que as facções criminosas gozam de privilégios dentro dos presídios de seu Estado, mas aceita essa situação, porque, segundo ele (provavelmente pensando em Carandiru), se cortasse os privilégios dos presos, ocorreria uma tragédia.

Ora, pode haver tragédia maior do que uma sociedade refém de criminosos que, mesmo presos, comandam latrocínios, sequestros, assaltos e extorsões de dentro das cadeias, obrigando o cidadão de bem a sustentá-los duas vezes — com o dinheiro dos impostos que mantêm os presídios e com o sangue das vítimas cujas vidas eles ceifam impunemente, protegidos pelo próprio Estado? Era essa a pergunta que devia ter sido feita à queima-roupa ao secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul. Mas a reportagem do “Fan­tástico” — tão impiedosa com o secretário goiano que disse desconhecer as mordomias dos presos — aceitou passivamente uma declaração muito mais grave do secretário gaúcho: a de que as mordomias das facções criminosas nas cadeias existem sim, mas que é preciso aceitá-las — o que, partindo de uma autoridade pública, é o mesmo que oficializá-las, legalizá-las, instituí-las.

Por que o “Fantástico” foi tão condescendente com o secretário de Segurança Pública gaúcho? Porque, ao contrário das autoridades prisionais goianas, ele não é um zé-ninguém no plano nacional e, consciente de seu poder, sabe colocar um repórter no seu devido lugar. Formado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Airton Michels lecionou Direito Penal na Universidade do Vale do Rio dos Sinos e foi promotor de Justiça — um fato que, por si, já garante o respeito irrestrito da imprensa, que sempre se deixa cegar pelo Ministério Público. Além disso, Airton Michels se tornou uma estrela técnica do governo petista na área de segurança pública: durante o governo Lula, foi indicado por Tarso Genro, de quem é correligionário, para a direção geral do Depen (Departamento Peniten­ciá­rio Nacional), cargo que exerceu de meados de 2008 até o final de 2010, quando aceitou o convite do governador eleito Tarso Genro para ser secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.


Tarso Genro: governador gaúcho não demitiu secretário que admitiu regalias de presos 
no Rio Grande do Sul 

Festanças em presídio não são novidade
A declaração de Michels, aceitando as mordomias das facções criminosas, é muito mais grave do que parece. Ele não fala apenas em nome da política prisional de seu Estado, mas em nome da política penitenciária do País, que, desde a Constituição de 88, mas, sobretudo a partir da Era Lula, vem sendo pautada pela perniciosa filosofia de Michel Foucault (1926-1984), que transforma o criminoso em vítima da sociedade. E a Rede Globo, em que pese sua reportagem sobre mordomias de presos, professa essa filosofia, tanto que a reportagem do “Fantástico” se encerra com uma fala asquerosa do juiz Sidney Brzusca, titular da Vara de Execuções Criminais do Rio Grande do Sul, que afirmou textualmente sobre as facções criminosas que gozam de privilégios nos presídios e comandam o crime de dentro das celas: “Não se combate facção com arma, com escudo, com gás; combate-se facção assegurando direitos. Os presídios que têm isso funcionando não têm facção”.

Essa afirmação do magistrado gaúcho — transformada pelo “Fantástico” em chave de ouro de sua reportagem — é absolutamente falsa. Basta o que aconteceu no complexo prisional de Aparecida de Goiânia para desmenti-la de forma cabal. E, no Brasil inteiro, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, quanto mais se asseguram direitos para os presos, mais poderosos eles se tornam, controlando não só os presídios, mas as próprias favelas das cidades. O sistema penitenciário goiano, por exemplo, chegou a essa situação de descalabro justamente porque, a exemplo dos demais sistemas prisionais do País, ele garante às facções criminosas diversas regalias travestidas de direitos, em vez de combatê-las com arma, escudo e gás. Prova disso é que, há quase um ano, em 21 de julho de 2013, em artigo sobre a Lei Maria da Penha, critiquei as autoridades penitenciárias goianas, acusando o Estado de Goiás de fomentar oficialmente o crime, com a nociva cumplicidade da imprensa, especialmente do jornal “O Popular”, que, com sua proverbial defesa dos modismos politicamente corretos, acaba sendo o maior defensor das regalias dos criminosos travestidas de direitos humanos.

A minha justificada ira decorreu do fato de que fora desbaratada uma das maiores quadrilhas de roubo de carros e tráfico de drogas do Estado de Goiás, com ramificações internacionais, e sete de seus 14 líderes eram bandidos que já cumpriam pena no complexo prisional de Aparecida de Goiânia, o que me levou a chamá-lo de “um dos muitos quartéis-generais do crime disfarçados de penitenciárias”. Todos os contatos externos dos presidiários que chefiavam a quadrilha eram mulheres, que ficavam responsáveis pelas contas correntes do bando e cuidavam de outras operações burocráticas. O próprio superintendente de Segurança Penitenciária de Goiás, João Carvalho Coutinho Júnior, que aparece na reportagem do “Fantástico”, em entrevista ao jornal “O Popular”, em 18 de julho de 2013, disse acreditar que os celulares eram levados para dentro dos presídios nas partes íntimas dos visitantes — o que me levou a afirmar que as mulheres dos presos estavam sendo transformadas por uma legislação penal leniente em “verdadeiras bocetas ambulantes no sentido machadiano do termo”.

Ou seja, se o governo estadual, o Ministério Público de Goiás e o Judiciário goiano estivessem, de fato, preocupados com a segurança da população, a cúpula do sistema prisional do Estado já deveria ter sido demitida em julho do ano passado — uma semana após a posse de Edemundo Dias em seu comando —, quando se descobriu que o complexo prisional de Aparecida de Goiânia não era um verdadeiro presídio, mas um valhacouto de criminosos, homiziados pela própria lei e pela covardia das autoridades brasileiras, que sacrificam a vida da população inocente apenas para não se indispor com os formadores de opinião encastelados nas universidades e, hoje, com poderes até no Supremo. Por que, já naquele momento, não foi exonerada a cúpula do sistema prisional do Estado? Ora, porque “O Popular” (um dos veículos do Grupo Jaime Câmara, que detém a filiada da Rede Globo em Goiás), noticiou o descalabro do sistema prisional goiano, mas teceu elogios à sua cúpula, poupando o governador do rompante midiático de agora, em que, diante da denúncia do “Fantástico”, decidiu exonerar Edemundo Dias.

Sim, a exoneração de Edemundo Dias é um inútil rompante midiático, que não tem sustentação nos fatos. Afirmo isso com a autoridade de quem abomina a ideologia dos direitos humanos do secretário exonerado, tanto que já o critiquei duramente em artigo de jornal e até numa edição do programa “Roda de Entrevista”, da TBC Cultura, comandado pelo jornalista Reynaldo Rocha, na qual ele era o entrevistado e lhe dirigi palavras ásperas, confesso, pois não suporto ver essa gente dos direitos humanos transformando o sangue inocente das vítimas em vistosas teorias acadêmicas para acumular títulos universitários, em nome da vaidade e da melhoria salarial, ainda que Ede­mun­do Dias pareça pecar mais por ingenuidade do que por vaidade. Ele deve ter achado que apenas o seu mestrado em Direito Público na Uni­ver­sidade de Extremadura, na Espanha, lhe daria um salvo-conduto intelectual para colocar os direitos humanos acima da segurança pública. Enga­nou-se, pois Marconi Perillo não é Tarso Genro e sabe que, ao contrário do governador petista, não desfruta de imunidade na imprensa nacional quando se trata de questões sociais.


Imprensa contribui para a crise dos presídios
Mas essa nefasta política de direitos humanos para criminosos — que desumaniza seus familiares e gangrena toda a sociedade — existe no sistema prisional goiano à revelia de Edemundo Dias, pois é a norma de todo o sistema penal brasileiro. Sua exoneração não vai impedir as facções criminosas de continuarem no comando do presídio. Afinal, toda a atual cúpula do sistema prisional goiano é a mesma de julho do ano passado, quando se constatou que havia uma quadrilha atuando dentro do presídio de Aparecida de Goiânia, graças ao fim das revistas íntimas de familiares de presos, em nome de seus direitos humanos, o que facilitou o contrabando de celulares para dentro do presídio. Na época, em 10 de julho de 2013, Edemundo Dias assumiu a Secretaria de Administração Penitenciária recém-criada, mas já era o presidente da Agência Prisional do Estado, cargo que ocupava desde 2011. E o secretário de Segurança Pública, então também responsável pelo sistema prisional, já era o delegado Joaquim Mesquita, da Polícia Federal, que, a convite do governador Marconi Perillo, tomou posse do cargo em 29 de outubro de 2012. Agora, com a exoneração de Edemundo Dias, ele assume interinamente a direção do sistema prisional — e, com certeza, continuará fracassando em sua missão de sanear o sistema, pois nem o secretário, nem o governador, nem ninguém de relevância política neste País tem coragem de enfrentar a legislação pró-bandido ditada pelas universidades, sob a inspiração de Michel Foucault.

E a imprensa é cúmplice das universidades na defesa dos direitos humanos de criminosos em detrimento da segurança da população. Prova disso é que, em julho do ano passado, mesmo depois de constatar que uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas e roubo de carro do País atuava dentro do complexo prisional de Aparecida de Goiânia, o jornal “O Popular” cobriu de elogios a decisão da cúpula do sistema prisional de abolir as revistas íntimas no presídio. Disse, então, o jornal: “Goiás foi um dos primeiros Estados a implantar a revista humanizada durante as visitas de familiares. Um dos avanços foi impedir que as mulheres sejam submetidas à chamada revista vexatória, que consistia em ficar nuas, com as pernas abertas, sobre um espelho para revista”. Ocorre que, como também não havia detectores de metais, a entrada de celulares corria solta. O que não impediu o superintendente João Carvalho Coutinho Júnior de garantir à época: “Não vamos voltar atrás nesse avanço. A visita humanizada será mantida, por isso temos de investir em tecnologia”.

Se a anunciada reforma do sistema prisional goiano fosse para valer, João Carvalho Coutinho deveria ter sido exonerado junto com Ede­mundo Dias, pois o “avanço” da visita humanizada que ele anunciou no ano passado serviu apenas para consolidar o poder das quadrilhas dentro do complexo prisional de Aparecida de Goiânia. Na época, enquanto o jornal “O Popular” batia palmas para a ação temerária do superintendente, eu o invectivei em meu artigo: “Ora, senhor João Carvalho Coutinho Júnior, o senhor já se perguntou, ao pôr a cabeça no travesseiro, quantas vítimas inocentes, inclusive mulheres e crianças, não passaram maus bocados nas mãos de facínoras ou foram feridas e mortas por conta do abjeto, covarde e imbecil humanismo que tomou conta das autoridades desse País, inclusive do governo que vossa senhoria representa?” E acrescentei: “Onde está o Ministério Público, que se empenhou em cavar uma pensão do Estado para a mãe de Pareja, o criminoso que rebelou o antigo Cepaigo, mas não é capaz de obrigar esse mesmo Estado a indenizar as vítimas dos presos que praticam crime de dentro das próprias cadeias custeadas por nossos impostos?”
O Estado patrocinando o crime


Ailton Michels, secretário de Segurança Pública gaúcho: tratado 
com total deferência pelo “Fantástico”

Infelizmente, a imprensa brasileira, sempre que trata de segurança pública, só faz cobranças ao Executivo e se esquece dos acadêmicos de ciências humanas, especialmente os operadores do direito, principais responsáveis pela legislação penal leniente, que resulta em mais de 60 mil homicídios por ano, pois, como mostrou um estudo de Daniel Cerqueira, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), muitos dos milhares de desaparecidos das estatísticas oficiais são, de fato, vítimas de assassinato. Na reportagem do “Fantástico”, por exemplo, os magistrados e promotores entrevistados colocam-se na confortável posição de críticos do Executivo, quando, na verdade, são cogestores do sistema prisional e, consequentemente, também culpados pelos seus problemas. Aliás, diretor de presídio, hoje, não passa de rainha da Inglaterra — tudo o que acontece com o preso é determinado pelo juiz da Vara de Execuções Penais.

A despeito disso, o juiz Sidney Brzusca, titular da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre — o mesmo que disse que facção criminosa não se combate com arma, escudo e gás, mas com direitos —, contou ao “Fantástico” que os presos são os verdadeiros comandantes dos presídios, chegando a ter cargos na cadeia, e deu um exemplo: “Um dia perguntei para um preso se estava trabalhando na galeria, e ele disse que não. ‘Faz o quê?’ ‘Eu sou ministro dos esportes’”. O juiz relatou esse fato com um sorriso nos lábios, como se fosse um cidadão comum, e o repórter da Globo não teve a coragem de lhe perguntar que atitude ele tomou, como autoridade, diante daquele preso que se autointitulava “ministro dos esportes” da cadeia. Imaginem se uma diretora de escola contasse à imprensa que seus alunos é que mandam e desmandam na escola e dissesse isso com um sorriso nos lábios, como fez o juiz — seria exonerada no ato. Mas juízes são vitalícios e inamovíveis — o que exige deles ainda mais gravidade no exercício dessa nobre função.

Já o procurador-geral de Justiça de Goiás, Lauro Machado Nogueira, afirma: “O escárnio é uma encomenda de 1.200 espetinhos para fazer uma festa dentro do presídio”. De fato, é um escárnio. Mas não será também um escárnio sete promotores, juntamente com magistrados, passarem mais de um ano gravando conversas telefônicas de bandidos que já estão presos, limitando-se a monitorar os crimes que eles cometem, quando seria muito mais decente cortar as abusivas visitas semanais, especialmente as íntimas, e mandar a PM fazer varreduras diárias nos presídios até que os presos aprendam, se preciso à força, que cadeia não é nem bar nem motel muito menos pode ser transformada em quartel-general do crime? Quantos inocentes não sofreram traumas, perderam bens ou foram mortos em assaltos, sequestros e latrocínios praticados por presos que estavam sendo monitorados pelas próprias autoridades nas cadeias de Aparecida de Goiânia e Porto Alegre?

Cadeia não pode ser transformada em Big Brother Brasil de promotor e juiz. Monitoramento eletrônico é para produzir prova contra criminosos que estão livres. Os que já estão presos devem ter suas ações cortadas pela raiz e não depois de um inquérito que se arrasta por mais de um ano. Isso já não é nem escárnio — é uma tragédia humana. E se a imprensa se limitar a pressionar o Executivo, sem cobrar responsabilidade do Ministério Público, do Judiciário, da OAB, das universidades e do Congresso, o genocídio da população brasileira vai continuar sendo praticado duplamente — não só pelos criminosos soltos, mas também pelos bandidos presos, sob o patrocínio do Estado brasileiro.
Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
Publicado no Jornal Opção.

sábado, 12 de julho de 2014

O 'POVO ORGANIZADO'

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) converteu-se numa linha de montagem de artefatos ideológicos. Entre tantos países, escolheu a Venezuela chavista como sede de sua única filial no exterior. Num relatório produzido pela filial, lê-se o seguinte: "O modelo bolivariano afasta-se, sem dúvidas, da democracia representativa despolitizadora que predomina ainda hoje no mundo. Supera o modelo idealizado pelos pais fundadores da república norte-americana". As duas frases ajudam a decifrar o sentido do decreto presidencial que instaura a "democracia participativa".


As palavras cruciais são "democracia representativa despolitizadora". De fato, o princípio da representação sustenta-se sobre o pressuposto de que os cidadãos têm outros afazeres além da política. A maioria esmagadora das pessoas consagra o seu tempo ao trabalho produtivo, aos estudos, ao lazer, aos afetos e aos amores. Os militantes políticos, pelo contrário, dedicam-se essencialmente à carreira política, que enxergam como fonte de poder, prestígio, dinheiro ou (raramente) como ferramenta para a "reforma do mundo". O Decreto 8.243, dos "conselhos participativos", procura reduzir a abrangência da "democracia representativa despolitizadora". É um golpe dos militantes políticos contra as pessoas comuns, cuja "participação" perde valor nos centros de decisão de políticas públicas.

O conceito de sociedade civil (ou "esfera pública") é objeto de complexas discussões filosóficas, mas existe um consenso básico enunciado por Habermas: a autoridade estatal não faz parte dela. O governo brasileiro, contudo, baixou um decreto que oferece uma definição oficial de sociedade civil ("o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações"). Em todo o debate sobre o Decreto 8.243 não há nada mais chocante do que a ausência de um grito coletivo de indignação da sociedade civil diante dessa suprema arrogância estatal. No Brasil, o Estado nasceu antes da nação e, de certo modo, a esculpiu segundo suas conveniências. Uma prova da persistente fragilidade de nossa sociedade civil encontra-se nesse silêncio –e, mais ainda, na recepção calorosa do decreto por intelectuais que ganham a vida falando sobre a sociedade civil.

A finalidade do Decreto 8.243 é moldar uma "sociedade civil" adaptada às estratégias de poder do governo: o "povo organizado", no dialeto dos militantes. Na prática, a seleção dos "coletivos" e "movimentos sociais" com assento nos "conselhos participativos" equivale à atribuição de rótulos de legitimidade oficial a determinadas lideranças sociais. Sob o lulopetismo, o Estado não apenas define a sociedade civil, mas também traça os seus contornos, excluindo os "indesejáveis" da esfera pública. "Participação"? Não: a "democracia participativa" pretende restringir a fiscalização social do Estado aos associados ideológicos do governo.

O Decreto 8.243 nasce no solo arado pela crise de legitimidade do sistema político-partidário e pela desmoralização do poder parlamentar. A "sociedade civil" que o decreto delineia tem a vocação de operar como um parlamento paralelo. Gilberto Carvalho, nomeado secretário-geral da "sociedade civil" estatizada, não mente quando diz que o embrião dessa "democracia participativa" já existe, na forma de "conselhos" e "conferências nacionais" controlados por "movimentos sociais" financiados, direta ou indiretamente, pelo governo.

No final do segundo mandato de Lula, realizou-se a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), um encontro desses "movimentos sociais" promovido pelo governo. A Confecom aprovou o "controle social da mídia" –isto é, no dialeto dos militantes, a censura à imprensa. Para florescer, a "sociedade civil" estatizada precisa amordaçar a sociedade civil. Por: Demétrio Magnoli Publicado na Folha de SP