sexta-feira, 8 de julho de 2016

AMAZÔNIA, INTERESSES GLOBALISTAS E O PROJETO ELDORADO


1. O contencioso amazônico

A magia do ambiente amazônico é um estímulo ao sonho. O eldorado era o paraíso dos aventureiros ibéricos, que ansiavam pela cidade dourada perdida na floresta. Tornado pesadelo na vida real, o mito permaneceu como arquétipo no inconsciente coletivo, com a força latente do destino a desafiar o futuro.

Em depoimento perante a CPI da FUNAI no Mato Grosso do Sul, o jornalista Lorenzo Carrasco afirmou que o território amazônico possui recursos naturais equivalentes a duas Áfricas, mas grande parte dessa riqueza jaz em áreas que o país, voluntariamente, interditou à exploração econômica. Por isso, a questão ética: É justo sacrificar a geração atual para atender a demandas externas? Revelou, também, que o Brasil é o único país latino-americano que possui reservas indígenas.

Djalma Batista rotulou a Amazônia de “esfinge” tropical, devido aos enigmas ambientais da Hileia que ainda não encontraram resposta da ciência. Esse desconhecimento gera o dilema: explorar, com o risco de desequilibrar os ecossistemas, ou preservar, com risco crescente à soberania nacional?

O renomado professor paraense Armando Mendes alertou que: “O maior problema político da Amazônia é o seu vazio populacional”. Sem população, não existe atividade econômica, e, sem ela, não há presença do Estado. O território torna-se um imenso latifúndio improdutivo.

O povoamento da Calha Sul do Amazonas ocorreu durante o ciclo da borracha, atraído pela seringueira nativa “hevea brasiliensis”, uma espécie de alta produtividade. A Calha Norte, onde predomina a “hevea benthamiana”, uma espécie menos produtiva, permaneceu deserta. Formou-se um grande vazio entre os estados de Roraima e Amapá, com alto potencial de risco geopolítico.

É sintomático que, transcorrido um século do fim do ciclo da borracha, a Região ainda não tenha encontrado o rumo do progresso. Sua contribuição para o PIB nacional é menor do que 5%. A matriz econômica continua subdesenvolvida. A produção baseia-se no extrativismo e nos subsídios federais. A infraestrutura energética e de transporte e telecomunicações é precária. As transações internas são incipientes. Todos os estados amazônicos têm balanço fiscal deficitário, e a administração pública só sobrevive, graças às transferências obrigatórias da União.

A pobreza regional vem aumentando. Segundo o IBGE, já são 42% ou 11 milhões de pobres, no universo dos 24 milhões de habitantes da Amazônia Legal. Para agravar o desequilíbrio, uma migração rural contínua esvazia o interior. Atualmente, 80% dos nativos moram nas cidades, enquanto apenas 20% povoam o imenso deserto verde.

A comunidade nativa enfrenta uma contradição: depende inteiramente do tesouro federal, mas não pode dispor da própria riqueza natural para produzir. Pressões externas imperceptíveis ao grande público vêm impondo ao mapa da Hileia uma espécie de área de exclusão econômica, respaldada em legislação interna cada vez mais restritiva, que desestimula os investimentos, sufoca o agronegócio e estimula a migração rural e a consequente favelização das cidades.

O cientista amazonense Samuel Benchimol, ecologista e sociólogo, registrou veemente protesto: “A poluição maior é a da miséria”. (...) “Os anseios sociais da comunidade nativa não podem ser ignorados em favor de interesses exógenos”.

Portanto, a vida real demonstra que a carência fundamental da comunidade nativa é de progresso, isto é, de desenvolvimento econômico e social.

2. População e destino

A Bacia Amazônica é um sistema fechado, com vocação endógena. A estrutura de circulação, que tem no Grande Rio a sua coluna vertebral, favorece o controle do território e a unidade política. Não foi por outra razão que o colonizador português, de notória intuição geopolítica, administrou o Grão-Pará como Estado independente do Brasil, durante 207 anos.

A população formou-se em comunidades dispersas, durante o ciclo econômico das drogas do sertão, pela fusão de três raças, adquirindo caracteres psicossociais próprios. O colono português, de viés aventureiro, mesclou-se com a índia aldeada nas missões religiosas. O negro africano, distribuído em número limitado pelas companhias de comércio, deu a sua contribuição, embora menos significativa do que no resto do Brasil. A mestiçagem gerou uma sociedade altiva, guerreira e autodeterminada, que encontrou a sua catarse na Cabanagem. O contingente total, em 1830, foi estimado pelo barão de Guajará em 150 mil almas.

A população remanescente diluiu-se na torrente imigratória do ciclo da borracha, estimada em 150 mil nordestinos, além do fluxo de estrangeiros judeus, sírio-libaneses e outros. No século XX, o 2º ciclo da borracha, durante a 2ª Guerra Mundial, incorporou mais 45 mil imigrantes nordestinos à população regional. Paralelamente, houve crescimento vegetativo a uma taxa superior à da média nacional. As novas gerações perderam a combatividade original e a sociedade tornou-se mais acomodada.

A adesão histórica do Grão-Pará ao Brasil, em 1823, foi uma decisão voluntária e consciente, que se tornou definitiva, a despeito da polêmica que revestiu o processo de independência. Contudo, a vocação da Hileia alimenta a tendência geopolítica à autonomia, o que requer uma vigilância corretiva.

A política de preservar espaços vazios cria uma vulnerabilidade desnecessária. Na contingência de uma crise global das “commodities”, a abundância de água e recursos naturais no deserto verde pode fascinar novos aventureiros e atrair migrações em massa impossíveis de serem estancadas, como ocorre na China atual. Recentemente, o governo chinês deflagrou migrações internas para os desertos do Sinkiang e do Tibete, a fim de construir uma maioria populacional de etnia han e impor hegemonia sobre as minorias locais, uigures e tibetanas, invalidando suas possibilidades de autonomia.

3. Projeto Eldorado – Concepção geral

A miragem do Eldorado lendário pode ser convertida em realidade do futuro, se construída pelo trabalho contínuo das gerações nativas, à luz de um projeto nacional permanente.

O Projeto Eldorado deve traduzir-se em um conjunto criterioso de políticas públicas com potencial sinérgico, para deflagrar iniciativas do setor privado que lhe complementem o escopo, facultando alcançar a meta prevista.

A ideia é institucionalizar um corpo de diretrizes estratégicas, com a finalidade de reverter a matriz econômica extrativista e tornar a economia regional autossuficiente. O objetivo é a formação de um grande mercado na Amazônia brasileira, capaz de induzir atração gravitacional sobre as economias circunvizinhas, a despeito das hesitações políticas dos condôminos da OTCA.

A primeira premissa consiste em substituir o paradigma da “preservação ambiental” pelo da “sustentabilidade”, significando a preservação do equilíbrio ecológico pelo homem, que não pode ser considerado um intruso na natureza.

A segunda é a revisão do conceito de “interação indígena”, introduzido na Constituinte de 1988 pelo “lobby” do CIMI, a serviço do movimento indigenista internacional. Impõe-se recuperar o preceito tradicional de “integração do índio à comunhão nacional”, como previsto no Estatuto do Índio, a fim de atender ao anseio maior das comunidades indígenas: o acesso ao progresso. A existência de quase 70 % de mestiços na sociedade nativa indica o caminho natural a ser seguido e invalida as teses preservacionistas dos chamados “antropólogos da ação”.

A terceira é a da objetividade presumida. Devido à longa duração e aos altos investimentos, cabe prevenir possíveis desvios de rumo por influência política. O programa deve restringir-se, legalmente, à atividade produtiva e à geração de receita e rejeitar projetos que gerem despesa.

O empreendimento vai transcender uma geração, e a evolução estará sujeita a variáveis que limitam a visão à sua primeira fase, em que as transferências voluntárias da União deverão priorizar a infraestrutura de transporte, energia, comércio e telecomunicações e os setores da vocação produtiva regional.

As ações estratégicas serão sincronizadas, para alcançar os objetivos intermediários abaixo discriminados, por campo de atividade.

a. Infraestrutura

- Conectar, fisicamente, o território brasileiro a todos os países condôminos da Pan Amazônia, inclusive, nas fronteiras indígenas e de proteção ambiental.

- Interligar os centros estratégicos regionais, em condições adequadas ao transporte intermodal de carga e passageiros. Especificamente, priorizar os seguintes projetos: revitalizar o transporte hidroviário; restaurar e pavimentar a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho); pavimentar a rodovia BR-163, para interligar o Centro-Oeste (Cuiabá) e o Médio Amazonas (Santarém).

- construir a ponte sobre o rio Amazonas na região de Óbidos, com estrutura adequada ao tráfego rodoferroviário e à transmissão de energia e dados, a fim de integrar a Calha Norte à região de Santarém.

- completar a pavimentação e as obras de arte da rodovia transamazônica. É falso o noticiário de que essa estrada degrada o ecossistema amazônico, pois o seu traçado desenvolve-se na faixa de transição entre os ecossistemas da Hileia e do Cerrado.

- regular o fluxo rodoviário regional, com a presença permanente da Polícia Rodoviária Federal em todas as rodovias federais.

b. Produção

- Racionalizar, cientificamente, a exploração das culturas típicas com potencial de marcado, como o açaí, o guaraná, a castanha e as frutas tropicais.

- Zonear as áreas prioritárias ao manejo e produção florestal.

- Vitalizar o mercado regional da pesca.

- Recuperar a destinação estratégica do antigo programa POLAMAZÔNIA em bases mais objetivas e realísticas, aproveitando a vocação geoeconômica de Belém como entreposto de comércio internacional; de Manaus, como centro regional; de Vilhena e Porto Velho, como entrepostos entre a região Centro-Oeste e a Amazônia; e da região Acre/Rio Branco, como entreposto internacional entre o Brasil e o Oceano Pacífico. E desenvolver os polos estratégicos de Oriximiná, Tefé e S. Gabriel da Cachoeira, a fim de ampliar a fronteira econômica regional. Para isso, construir o complexo hidrelétrico do rio Trombetas, a fim de prover energia para o médio Amazonas, a cidade de Manaus e a industrialização do alumínio; explorar as jazidas de petróleo e shale gas da região de Urucu e os minerais estratégicos da região dos Seis Lagos, na reserva Yanomami.

- estabelecer um programa agropecuário, voltado a todos os polos urbanos, visando à autossuficiência local em produtos hortifrutigranjeiros. Especificamente ao polo de Belém, completar o sistema de circulação interna da ilha de Marajó, inclusive a ligação dos rios Anajás e Afuá.

c. Ciência e Tecnologia

- Vitalizar as atividades de pesquisa, desenvolvimento e extensão rural voltadas ao solo, à água e à flora, destinadas à racionalização da agricultura, da silvicultura, da fitoterapia e da aquicultura. Para isso, integrar e ampliar a comunidade científica dos institutos de pesquisa de Manaus e Belém (INPA, EMBRAPA, EMÍLIO GOELDI e outros) e fomentar o aproveitamento comercial da biodiversidade ambiental.

- Vitalizar as atividades de pesquisa, desenvolvimento e extensão rural voltadas ao solo, à água e à flora, destinadas à racionalização da agricultura, da silvicultura, da fitoterapia e da aquicultura. Para isso, integrar e ampliar a comunidade científica dos institutos de pesquisa de Manaus e Belém (INPA, EMBRAPA, EMÍLIO GOELDI e outros) e fomentar o aproveitamento comercial da biodiversidade ambiental.

- Erradicar as moléstias tropicais que flagelam a população nativa. Para isso, vitalizar e integrar os centros de pesquisa científica sediados em Manaus e Belém e estender as pesquisas de campo às regiões endêmicas, visando à produção de vacinas e medicamentos de ponta.

d. Integração social

- Criar programas de nutrição, saúde e educação específicos para os indígenas da Faixa de Fronteira. Mediante alterações na legislação, atribuir tratamento preferencial aos índios para ingresso no serviço público dessas áreas remotas, priorizando o seu recrutamento como técnicos de saúde, vigilantes sanitários, fiscais de órgãos federais e outros serviços. Para isso, formar mão-de-obra indígena destinada à assistência social às suas próprias comunidades.

e. Defesa

- Aumentar a presença militar no território, consoante o planejamento das Forças Armadas, e recuperar o seu tradicional poder de polícia em toda a Amazônia Legal.

f. Relações Exteriores

- Vitalizar as atividades diplomáticas e de inteligência estratégica junto aos centros decisórios do movimento indigenista-ambientalista internacional, antecipando providências e neutralizando as suas campanhas midiáticas. Simultaneamente, “quebrar o braço nacional” desse mesmo movimento, por meio de um controle estrito sobre as ONGs internacionais que operam no Brasil e suas subsidiárias nacionais. Essa estratégia implica estancar as transferências de recursos públicos para as ONGs indigenistas e ambientalistas, amparadas no Termo de Parceria previsto no Art. 2º da Lei das OSCIPs (Lei 9790, de 23 de março de 1999).

4. Epílogo

A indecisão política, agravada pelas pressões externas, tem postergado indefinidamente a solução dos problemas amazônicos. Enquanto isso, cresce a população, potencializam-se as carências e esvai-se a esperança.

Em âmbito internacional, há uma estranha convergência de interesses socialistas e capitalistas sobre a Amazônia, em conspiração contra a soberania brasileira, fazendo com que grupos de aguerridos militantes de esquerda batalhem por objetivos inconfessáveis da elite capitalista global.

O alerta de Euclides da Cunha, feito no auge do ciclo da borracha, permanece a ecoar, clamando pela atenção das novas gerações. Do ponto de vista geopolítico, procrastinar a questão em meio a uma ordem mundial instável pode ser temerário, por preservar estoques de minerais em extinção em um mundo carente e áreas férteis desabitadas com mananciais de água potável devoluta em meio a pressões demográficas globais.

Igualmente perigoso é sufocar a liberdade de ação da comunidade nativa, com uma legislação ambiental e indígena draconiana. Essas servidões, artificiais e desnecessárias, podem despertar a consciência autonomista e o espírito guerreiro latentes no inconsciente coletivo, desde o final da Cabanagem.

Como resposta singela a essas preocupações, este trabalho sintético visa a contribuir com uma agenda de propostas específicas para a conscientização patriótica e a tomada de atitude em torno de um tema nacional tão candente.
ESCRITO POR GEN. MAYNARD MARQUES DE SANTA ROSA | 22 JUNHO 2016 
ARTIGOS - GLOBALISMO Do site: http://www.midiasemmascara.org/

quinta-feira, 7 de julho de 2016

QUEM IRÁ ESCREVER O FUTURO DA FRANÇA?


Os livros sugerem que o clima de pânico já passou, sendo substituído por uma época de graciosa capitulação.

Dois romances franceses de grande repercussão, diferentes quanto ao tom e ao timing, retratam duas influentes visões da França no futuro. Não se trata apenas de boa leitura (ambos já foram traduzidos para o inglês), juntos eles estimulam o pensamento sobre a crise da imigração no país e as mudanças culturais.

Jean Raspail (1925-) imagina a invasão racial vinda pelo mar, por meio de jangadas e botes partindo do subcontinente indiano navegando vagarosamente, inexoravelmente rumo ao sul da França. Em Le Camp des Saints (O Campo dos Santos, 1973), ele primordialmente documenta a impotente reação francesa, tomada pelo pânico, à medida que a horda (palavra usada 34 vezes) "continua engrossando ainda mais suas fileiras".

É uma perfeita fantasia antiutópica sobre a raça branca e a vida européia que corresponde aos receios articulados por ninguém menos que Charles de Gaulle, o principal político da França pós-guerra, que dava cordial acolhimento a cidadãos franceses não brancos, "desde que permanecessem uma pequena minoria. Senão, a França deixará de ser a França. Afinal de contas, somos todos, acima de tudo, um povo europeu de raça branca".

Camp também antecipa a noção da "Grande Substituição" (Le Grand Remplacement) conceitualizada pelo intelectual francês Renaud Camus, que antecipa a rápida substituição "do histórico povo do nosso país por povos de origem imigratória que são em grande medida não europeus". É o mesmo receio, a grosso modo – dos imigrantes passarem o povo francês autóctone para segundo plano e se apoderarem do país – que inspira o partido Frente Nacional, que já atinge índices de 30% dos votos nas pesquisas de opinião e continua crescendo.


Michel Houellebecq (1956-) conta a história, não de um país (França), mas de um indivíduo (François) em estado de Soumission (Submissão, 2015). François é um professor já cansado, decadente, do movimento decadente da literatura francesa. Ele não tem família, amigos nem ambição; embora tenha somente quarenta e poucos anos, sua vontade de viver se deteriorou e chegou ao tédio a ponto de se alimentar de pratos prontos e uma sucessão de troca de parceiros sexuais.

Quando um político muçulmano, ostensivamente moderado, inesperadamente se tornar presidente da França em 2022, uma série de mudanças radicais na vida francesa tomarão forma rapidamente. Em uma guinada, o que começa de forma sinistra (um corpo em um posto de gasolina) mais do que depressa se torna em algo bom (deliciosa comida do Oriente Médio). Atraído por uma boa e recompensadora oferta de trabalho com a vantagem poder conhecer e casar com várias estudantes, todas cobertas com véus, François imediatamente abandona seus antigos costumes e se converte ao Islã, que lhe promete recompensas de uma vida suntuosa, exótica e patriarcal.

Se por um lado o romance de 1973 nunca menciona a palavra Islã ou muçulmano, em contrapartida o romance de 2015 se atem às duas – começando pelo título: Islã que em árabe significa "submissão". Da mesma forma, o primeiro livro tem como foco a raça enquanto o segundo praticamente não toma conhecimento dela (a prostituta favorita de François é do Norte da África). A tomada de poder da primeira obra termina de forma diabólica, a outra de forma agradável. O primeiro livro é um tratado político apocalíptico disfarçado de entretenimento, o segundo apresenta uma visão literária e sardônica no tocante à perda da força de vontade sem também expressar qualquer ânimo em relação ao Islã ou aos muçulmanos. O primeiro documenta uma agressão o segundo um consolo.

Os romances capturam duas importantes e praticamente contraditórias correntes do pós guerra: a atração exercida pela Europa livre e rica nos povos remotos e empobrecidos, principalmente muçulmanos; e a atração de um Islã vigoroso em vez de uma Europa pós cristã enfraquecida. Em ambos os casos, a Europa – apenas 7% do território mundial, contudo a região dominante por cinco séculos, de 1450 a 1950 – está prestes a perder seus costumes, cultura e convenções sociais, se tornando uma mera extensão ou até dependente do Norte da África.

Os romances sugerem que a alarmante preocupação expressada décadas atrás (multidões de pessoas furiosas e violentas de pele escura) se torna lugar comum e até benigna (as universidades do Oriente Médio pagam salários mais altos). Sugerem que o clima de pânico já passou, sendo substituído por uma época de graciosa capitulação.

Uma visão do futuro que já passou.

Camp causou furor na Direita quando do lançamento do livro, os dois livros, no entanto, abordam temores muito mais disseminados nos dias de hoje; a republicação de Camp em 2011 saltou para o topo da lista de best sellers na França e Submissão simultaneamente se tornou o best seller nº 1 quatro anos depois na França, Itália e Alemanha.

Um hiato de quarenta anos separa os dois livros; se saltarmos mais 42 anos, que tipo de história poderá contar um romance futurista publicado em 2057? Intelectuais como Oriana Fallaci, Bat Ye'or e Mark Steynassumiriam a vitória do Islã e a caça aos poucos remanescentes franceses da fé cristã. Minha previsão, no entanto, é praticamente contrária a essa: um relato que assume o fracasso da grande substituição de Camus, imaginando a violenta repressão aos muçulmanos (nas palavras de Claire Berlinski) "liberando os franceses da ofuscação da história européia" acompanhada pela reafirmação nativista francesa.

Publicado no The Washington Times.
O Sr. Pipes (DanielPipes.org@DanielPipes) é o presidente do Middle East Forum. por Daniel Pipes © 2016. Todos os direitos reservados. Tradução: Joseph Skilnik  Do site: http://www.midiasemmascara.org/

terça-feira, 5 de julho de 2016

CIÊNCIA E DEMOCRACIA NOS EUA: ANALISE DE YUVAL LEVIN


Um livro de grande importância para os estudiosos da biopolítica, com interessantes descrições que podem auxiliar numa interpretação de nossa realidade brasileira.

Yuval Levin é membro do Centro de Ética e Políticas Públicas, onde atua como diretor do Programa de Bioética e Democracia Americana. É o editor sênior do Periódico New Atlantis, que trata de biotecnologia e bioética. Serviu como diretor-associado da Casa Branca para o Conselho de Política Interna e diretor executivo do Comitê Presidencial de Bioética. Escreve para diversas publicações de grande porte como o New York Times, o Wall Street Journal, Commentary, National Review e outros.

Em seu livro, Yuval trata da pretensão baconiana de controlar a natureza e de como tal anseio subsiste dentro do espectro político dos Estados Unidos. Mostra que a classificação desejada pelos liberais (esquerda), na qual progressistas apoiam a ciência e conservadores caminham contra seu desenvolvimento é uma simplificação grosseira.

Seu argumento revela algumas realidades que negam a pretensão de aliar determinado espectro político com o atraso ou o progresso da ciência, e exibe alguns problemas que tanto a direita quanto a esquerda deverão resolver.

No primeiro capítulo o autor fala do desafio moral representado pela ciência e da responsabilidade que temos diante do passado, do presente e do futuro em avançarmos com cautela.

No segundo capítulo, o autor trata de como essas tecnologias se inserem e dizem respeito à vida cotidiana de todos nós, e mostra questões de grande importância que definirão toda a civilização e direcionarão nosso futuro, como a clonagem e a manipulação genética de nossos filhos.

No terceiro capítulo, o autor reflete sobre a divisão entre as humanidades e a ciência, e de como essas duas culturas não podem ser vistas em separado, mas devem colaborar uma com a outra a permitir um progresso seguro e, portanto, responsável.

No quarto capítulo, Yuval fala de algumas visões de como nosso futuro poderá ser, abordando os temas relacionados ao transumanismo e ao progresso imprevisível perante o qual avançamos.

No quinto e sexto capítulos o autor trata de como a direita e a esquerda enxergam e lidam com a ciência nos Estados Unidos, traçando um cenário muito mais complexo do que a maioria das pessoas ousa pensar.

A esquerda americana, sempre defendendo ocupar a posição de promotora da ciência e do projeto baconiano de controle sobre a natureza para aumentar a liberdade do ser humano, agora está em um embate interno ao querer abraçar um ambientalismo que, de regra, busca limitar a ação do homem sobre a natureza. 

A direita americana, defensora dos costumes e do decoro, vê-se numa posição de crítica à ciência baseada no exercício de uma agressiva análise do discurso e dos pressupostos dos cientistas, trazendo à tona os mais desconfortáveis e escandalosos assuntos com uma metodologia desenvolvida e aplicada inúmeras vezes pela mais questionadora e agressiva parte da esquerda.

Este é um livro de grande importância para os estudiosos da biopolítica, com interessantes descrições que podem auxiliar numa interpretação de nossa realidade brasileira.

Prof. Dr. Hélio Angotti Neto, autor do livro A Morte da Medicina, é coordenador do Curso de Medicina do UNESC, diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, visiting scholar da Global Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity em 2016, membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina, SEFAM - www.medicinaefilosofia.blogspot.com.brDo site: http://www.midiasemmascara.org/

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Violeiros do Mundo by Marcus Biancardini

BREXIT - A DEMOCRACIA EM TODA A SUA BELEZA E GRÓRIA


Este resultado deveria enviar uma mensagem clara a todo político e burocrata: não ouse a subestimar o povo; não presuma que eles pensam do mesmo modo que você.

Considere a magnitude do que acabou de acontecer. Contra as advertências de experts, os apelos da ampla maioria dos Membros do Parlamento, os desejos de quase todo capitalista, e propostas de Bruxelas, a maioria do povo britânico disse NÃO à União Europeia. Eles fizeram a coisa que quase todos com poder e influência lhes disseram que eles não deveriam fazer: dar um salto no escuro; preferiram o demônio que não conhecem ao conhecido; assumiram um risco enorme e emocionante sobre o verdadeiro caráter de sua nação. Eles – permita-nos dizer – rebelaram-se, e rebelaram-se contra virtualmente todo o espectro político do establishment.

Você não tem que ser partidário do ‘Leave’ (Sair) para admirar isto (embora ajude, é claro, se você for). Você apenas tem que ser a favor da democracia. Você apenas tem que acreditar que é uma boa ideia confiar grandes decisões políticas ao povo. Pois isto é democracia em ação, em toda a sua confusão, beleza e glória perturbadora da ordem. Observe a perseverança das pessoas comuns, sua disposição em agir por sua convicção mesmo em face de ameaças e críticas de pessoas com poder. Ouvimos muito estes dias a respeito de quão ingênuo o público é, que suas mentes são maleáveis como massa, massinha de modelar nas mãos de demagogos. E contudo ontem, o povo pensou por si mesmo; eles pesaram as coisas e decidiram rejeitar a sabedoria recebida e o consenso de Westminster/Washington/Bruxelas. Tal independência de espírito, tal liberdade de pensamento, são inspiradores, certamente.

É claro, alguns já estão sugerindo que o comportamento dos eleitores foi precipitado e insensato e podem ter sido ludibriados por Boris ou Murdoch. Keith Vaz diz que ‘votamos emocionalmente ao invés de considerarmos os fatos’. Como antropólogos estudando uma tribo desconhecida, os analistas políticos estão atualmente congestionando a TV e o Twitter com suas teorias por que as pessoas votaram deste modo: estão assustados, sentem-se inseguros, estão inquietos a respeito da imigração. Poucos parecem querer aceitar que as pessoas simplesmente fizeram um julgamento racional, considerado, sobre a União Europeia. As pessoas comuns, que podem não ter PhDs, ler o The Guardian ou não saber absolutamente tudo sobre como a UE funciona (mas então, quem sabe?), decidiram que não querem estar amarrados a Bruxelas. É isso. Não deveríamos deturpar, ou demonizar, ou deslegitimar isso dizendo que é uma expressão criptografada de ódio ou confusão, pois isto é rebaixar a democracia. Foi feita ao povo uma simples pergunta, e eles deram uma resposta inspiradora.

Este resultado deveria enviar uma mensagem clara a todo político e burocrata: não ouse a subestimar o povo; não presuma que eles pensam do mesmo modo que você; não ouse subestimar a capacidade deles de pensar sobre as coisas e discuti-las e livrar-se de ideias e sistemas políticos dos quais eles não gostam. Haverá bastante tempo para as análises de como a Grã-Bretanha votou, para lágrimas entre os partidários do ‘Remain’ (Ficar), e celebrações entre os partidários do ‘Leave’ (Sair); mas por hora, maravilhemo-nos com o fato de que a democracia funciona, de que a democracia é poderosa, e de que o povo pode pensar por si mesmo. É raro que a política me dê um nó na garganta, mas hoje ela o fez, porque gerações de pessoas lutaram e morreram pelo direito que acabamos de exercer – o direito de determinar o destino de nossa nação e mudar o mundo.
Por: Brendan O'Neil, “This is democracy in all its beauty and glory”. The Spectator. 24 de junho 2016.
Tradução: Flávio Guetti
Revisão: Hugo Silver

http://tradutoresdedireita.org  Do site: http://www.midiasemmascara.org/

sexta-feira, 1 de julho de 2016

POR QUE TEM GENTE BOA E GENTE MÁ?


Matemáticos do Reino Unido criaram um modelo de computador que mostra que algumas pessoas podem ser geneticamente programadas para o bom comportamento, enquanto outras, devido a características do DNA se tornam más.

Tem sido aceito que a maioria dos mamíferos, exceto seres humanos e alguns primatas superiores, não estão dispostos a ajudar os seus semelhantes e não suportam amizades fora de seus bandos. Nos últimos anos os cientistas têm realizado muitos "testes de altruísmo", envolvendo chimpanzés e outros macacos, bem como bebês e crianças.


Alguns dos experimentos mostraram que os macacos são capazes de ajudar os outros desinteressadamente, outros confirmaram "o egoísmo animal" dos primatas. Por outro lado, as crianças recebem um sentimento de altruísmo já aos 15 meses, indicando a extrema importância de tais traços psicológicos, da capacidade de ser gentil com os outros, para a evolução e sobrevivência da humanidade. Por esta razão, os cientistas estão tentando ativamente entender o que faz as pessoas ajudar seus próximos estudando o comportamento de diferentes animais e até bactérias.

Sasha Dall da Universidade de Exeter (Reino Unido), matemático por formação, e seus colegas dizem que eles conseguiram criar um modelo matemático que explica a existência não só de pessoas boas, mas também de pessoas más na nossa sociedade, examinando o comportamento de formas "coletivas" de micróbios.

Segundo dizem os cientistas, na nossa sociedade e entre os animais existem tanto aproveitadores claramente definidos, quanto altruístas que habitam de forma relativamente pacífica uns com os outros, apesar da exploração cruel dos bonachões pelos papa-jantares. Na sua existência, como acreditam os autores do artigo, estão envolvidos fatores genéticos que empurram a pessoa no sentido do egoísmo ou do altruísmo.

© SPUTNIK/ MIKHAIL MOKRUSHIN

O modelo preparado por Doll e seus colegas mostra que esse comportamento pode realmente ser determinado por diferenças na estrutura de um ou mais genes, e que todas as características da interação e do modo como se comportam as pessoas geneticamente boas e más podem ser reproduzidas em computador, incluindo a "coexistência pacífica" de uns com os outros.

"A teoria da evolução social nunca levou em conta a possibilidade de o nosso comportamento poder ser afetado pelo polimorfismo genético e mutabilidade. Nós desenvolvemos um modelo que nos permitiu testar e provar isso, e agora esperamos confirmar estes resultados de modo experimental, no decurso de experiências com animais ou micróbios ", conclui Olof Leimar da Universidade de Estocolmo (Suécia).

© flickr.com/ Carole Raddato
06:17 25.06.2016(atualizado 06:18 25.06.2016) URL curta
019340
O artigo foi publicado na revista PLoS Computational Biology.
Do site: http://br.sputniknews.com/

quinta-feira, 30 de junho de 2016

MERCOSUL X BRASIL


VAMOS LUTAR POR NOSSO BREXIT AGORA: O BRASIL FORA DO MERCOSUL

“Inesperada vitória do Brexit”. “Inesperada goleada do Trump nas primárias republicanas”. “Inesperado surgimento de Bernie Sanders”. “Inesperados ataques terroristas islâmicos no Ocidente”. “Inesperada derrota de Obama na lei de imigração”. “Inesperado prolongamento da recessão no Brasil”. Boa sorte para você que ainda tenta se informar com a velha imprensa. – Alexandre Borges

A vitória “inesperada” da saída do Reino Unido da União Europeia, em plebiscito popular, mostra como os representantes não representam mais os supostamente representados. O povo – aquela classe média trabalhadora, alguns até fumantes, e raios!, muitos ainda cristãos – não enxerga nos políticos do establishment uma representação legítima. Vem ocorrendo no mundo todo uma perda do elo entre eleitor e governante.

E isso vale para a mídia “mainstream” também. Cada vez mais “liberal”, no sentido “progressista” do termo, esses jornalistas se identificam com os governantes, não com o povo. E por isso ficam tão atordoados com os resultados das eleições. Não entendem como o povo pode preferir certas coisas, como não aderir ao globalismo centralizador, por exemplo, com uma união fiscal imposta de cima para baixo.

O mesmo ocorre no Brasil: nossa grande imprensa, de maneira geral, não fala a língua do povo. Prefere a linguagem do “GNT people”. Vive numa bolha, onde as causas mais importantes do planeta são a legalização das drogas e do aborto e o casamento gay. Esse afastamento entre políticos e jornalistas e a população em geral talvez seja a grande marca da era moderna, o que é paradoxal em tempos de democratização generalizada. Havia reis que representavam seu povo de forma muito mais fiel do que certos burocratas e governantes hoje.

E já que os ingleses deram um “não” a esse modelo, talvez fosse o caso de pegar carona e lutar pelo nosso Brexit, aproveitando até mesmo a expressão. Seria a saída do Brasil do Mercosul, uma camisa de força ideológica que tem servido apenas para beneficiar alguns “amigos do rei” à custa do restante da população.

Já cansei de escrever artigos mostrando como o Mercosul tem feito mal ao Brasil, ainda mais na era lulopetista, com a entrada ilegal da Venezuela no bloco. Não se trata de uma união de livre comércio, mas sim de um agrupamento bolivariano imposto de cima para baixo, que acaba fomentando o protecionismo comercial.

Nenhum liberal será contra mais liberdade de comércio, mais globalização. Mas não é disso que o Mercosul se trata, como também não era bem disso que a União Europeia se tratava. Com o agravante de que o Mercosul é muito pior em todos os sentidos. Foi com ele que o PT inovou na política externa e, em vez de ser rabo de baleia na crista da onda globalizante, ou cabeça de sardinha liderando um grupo menor, transformou o Brasil em “rabo de sardinha”, ou seja, no banana de um pequeno e insignificante grupelho.

Chega! O Brasil deveria sair do Mercosul e derrubar, ainda que unilateralmente, suas barreiras comerciais. Deveria negociar vários acordos bilaterais de livre comércio. Deveria facilitar a importação de bens e serviços. Deveria, enfim, mergulhar na verdadeira globalização, aquela liberal.

Permanecer nessa camisa de força bolivariana que é o Mercosul não serve para nada de bom. Brexit já! Mas claro que uma demanda popular dessas jamais seria endossada ou sequer compreendida pela grande imprensa. Um plebiscito que levantasse a questão daria, claro, um resultado “inesperado” a todos esses “especialistas” que aplaudem o Mercosul…
Por: Rodrigo Constantino  Do site: http://rodrigoconstantino.com/artigos

terça-feira, 28 de junho de 2016

COMO VIVIAM AS MULHERES MEDIEVAIS?


COMO VIVIAM AS MULHERES MEDIEVAIS? O QUE AS FEMINISTAS NÃO SABEM OU NÃO QUEREM SABER…

Não há época histórica que seja mais atacada do que a Idade Média. Medieval passou a ser sinônimo de atraso, obscuro, ultrapassado, tacanho. Mas pode uma era que nos legou Tomás de Aquino ter sido mesmo tão ruim? Como pode ter sido tão obscura uma época que construiu as universidades de Oxford, Cambridge e Eton? A verdade é que há muita desinformação e ignorância sobre esse período histórico, e os modernos preferem focar apenas na Inquisição espanhola como prova de seu obscurantismo.

Quando se trata das mulheres, então, a Idade Média é vista como ícone de um machismo opressor que as tratava como simples escravas. Mas foi assim mesmo? As feministas supostamente lutam hoje pela “emancipação” das mulheres, sua independência, desejando até que uma delas se torne presidente do país mais poderoso do mundo só por ser mulher. Mas por acaso as mulheres medievais eram tão submissas e dependentes assim? Antes de algumas feministas queimarem seus sutiãs em público, todas as mulheres eram como escravas?

Acabei de ler o livro do casal de historiadores Joseph e Frances Gies, Women in the Middle Ages: The Lives of Real Women in a Vibrant Age of Transition, publicado originalmente em 1978. Pelo título já se nota que a visão dos dois, especialistas na era medieval, não era tão depreciativa assim dessa fase histórica. E, de fato, eles expõem inúmeros dados, documentos e cartas que demonstram boa dose de autonomia feminina naquela época, para a surpresa de muitos.

Claro, ninguém vai sustentar que a vida da mulher era um paraíso na Idade Média. Não era para ninguém, pelos padrões atuais, e devemos levar isso em conta quando julgamos o passado. Tampouco se vai negar que elas sofriam certas discriminações. O fato é que a mulher, por ser fisicamente mais fraca do que o homem, sempre foi alvo de desvantagens. Mas, para os autores, o principal argumento é econômico: criar uma filha custava caro, e o benefício ia para o futuro marido, com o dote do casamento.

A misoginia também é um fenômeno antigo, e boa parte se deve, provavelmente, ao receio que os homens tinham e têm dos feitiços femininos, de seu poder de influência e sedução sobre os homens, uns eternos bananas diante de um belo par de pernas ou seios. Mas isso não quer dizer que tenham sido objeto sexual dos homens medievais e ponto. Ao contrário: essa influência foi exercida politicamente também, como veremos.

A primeira coisa que temos de ter em mente quando falamos da era medieval é que ela, naturalmente, não é monolítica. Afinal, trata-se de um período de aproximadamente um milênio, incluindo a conhecida Idade das Trevas. Há, portanto, fases e fases. A mulher grega, mesmo na “democrática” Atenas, tinha poucos direitos e vivia sob a guarda dos parentes do sexo masculino. A mulher romana tinha condição pouco melhor, apesar de no fim do império a situação ter melhorado, com mais direitos e independência para a mulher.

Na Europa medieval a mulher começa a conquistar certos direitos importantes. Casamentos poderiam ser desfeitos com consentimento mútuo, e viúvas herdavam as propriedades do falecido marido. Muitas chegavam a administrar tais propriedades, o que significava basicamente terras na época. A partir do século XI, com a influência dinamarquesa, as mulheres não podiam mais ser vendidas como propriedade. Seu livre-arbítrio começou a pesar cada vez mais.

Algumas mulheres foram realmente poderosas e influentes nessa época. A imperatriz Adelaide comandou a política na Germânia no século X. A condessa Matilda, da Tuscania, foi uma líder militar pouco tempo depois. Antes dela, Aethelflaed, filha do rei Alfred da Inglaterra, liderou guerreiros contra os vikings. Sigelgaita, princesa lombarda, era a típica Valquíria, alta, muscular, e acompanhava sempre seu marido, o guerreiro normando Robert Guiscard (Roberto de Altavila) nas batalhas. Quando ele morreu, em 1085, ela continuou pelos 5 anos que ainda teve de vida como figura importante na política local. 


Claro, pela menor massa muscular, sempre que as sociedades foram mais militarizadas o papel feminino foi secundário. Foi o que aconteceu com o avanço do feudalismo no século IX, nascido na França, que representou alguma mudança reacionária para as mulheres. Mesmo assim, como alegam os autores, a mulher não perdeu totalmente seus direitos, status ou poder econômico. O rápido crescimento do comércio foi uma das razões, que criou um fenômeno novo: a mulher trabalhadora da cidade.

Isso mesmo: a imensa maioria das mulheres medievais trabalhava, tanto quanto os homens, nas mesmas áreas inclusive. Não havia moleza. Eis o que muita feminista não entende: ficar em casa para poder cuidar melhor dos filhos e da própria casa não era uma imposição dos maridos machistas, e sim um luxo que a afluência possibilitava com o avanço capitalista. Na pobreza todos são iguais: ou trabalha, ou morre de fome. E o fato é que muitas mulheres medievais trabalhavam para ajudar no sustento da família, em todo tipo de ofício.

Casadas ou solteiras, as mulheres inglesas podiam ter propriedade, vendê-la, doá-la, fazer testamento, assinar contratos, processar, ser processada etc. Alguém sempre poderá lembrar, com o benefício do retrospecto, que o casamento não costumava ser por amor, e a escolha do marido não era da noiva. Ignoraria que também não era do noivo! Os medievais simplesmente não tinham a mesma visão romântica do casamento que temos hoje, apesar de ter sido nessa época que surgiu o “amor cortês”, o galanteio dos cavalheiros, os trovadores.

Se o casamento raramente era por amor, isso não quer dizer que o amor não florescesse depois. Há vários relatos bonitos e comoventes de carinho, amor e respeito entre casais, cartas com trocas de fidelidade e amizade. A visão da mulher infeliz obrigada a se deitar com o marido machista pode ser boa para vender filmes ou livros, mas é um tanto preconceituosa e equivocada.

O livro traz pequenas biografias de mulheres marcantes da era medieval na segunda parte. Ficamos conhecendo melhor detalhes da vida de cinco delas, de classes distintas, da realeza e nobreza até a mulher comum. Mas nem é preciso mergulhar tão a fundo nessas vidas: como afirmar que a mulher nada valia nos tempos de Eleonor de Aquitânia, que serviu de regente da Inglaterra durante a ausência de Henrique II, que teve mais de um marido, que foi mãe de Ricardo Coração de Leão e João Sem Terra? Mulher fraca, subalterna e apagada?

Em resumo, a mulher medieval podia ter uma vida mais dependente do que a mulher moderna ocidental, mas estava longe de ser a escrava relegada ao segundo plano como a visão caricatural costuma pintar na atualidade. Há vários relatos de mulheres muito poderosas, e elas pegavam no batente em diferentes classes sociais, chegando até a tocar seus exércitos e suas propriedades rurais (Kátia Abreu não é tão novidade assim, mas dificilmente as proprietárias medievais defenderiam uma Dilma da vida).

E as feministas querem fazer crer hoje que o ápice contra o “intrínseco machismo ocidental” seria os americanos elegerem a “primeira presidente mulher”? Sério? Há mulher que viveu há 800 anos que exerceu mais poder sobre o mundo ocidental todo! Mas a ignorância é uma bênção, ao menos para os movimentos ideológicos.

Por fim, resta perguntar: há o mesmo tipo de relato do lado do Islã? Desde o século VII, quantas mulheres assumiram papel de grande relevância nos califados, no império otomano? As mulheres muçulmanas, hoje, vivem com mais direitos, independência e liberdade do que as mulheres europeias da Idade Média? Pois é. E há feministas que ficam ao lado dos muçulmanos só para atacar o “malvado homem branco ocidental cristão”. Vai entender…
Por: Rodrigo Constantino  Do site: http://rodrigoconstantino.com/artigos

segunda-feira, 27 de junho de 2016

O MITO DO "TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO

As operações de combate ao trabalho escravo não "libertam" ou "resgatam" ninguém, não ajudam os trabalhadores pobres e consideram escravos gente que ganha muito mais que a média dos brasileiros


Mais uma grife de roupas foi acusada de utilizar trabalho escravo no Brasil. Segundo uma reportagem da BBC publicada nesta segunda-feira, auditores do Ministério do Trabalho flagraram cinco bolivianos, entre eles uma adolescente de 14 anos, mantidos como escravos numa oficina na zona leste de São Paulo que produzia para a grife Brooksfield.

Infelizmente a BBC só reproduziu a desinformação que ativistas do combate ao trabalho escravo costumam difundir sobre o assunto. Abaixo, mostro seis esclarecimentos que a reportagem poderia ter feito. O leitor me desculpe o tamanho do texto – o assunto é relevante e merece ser explicado em detalhe.

1. Não é escravidão

No caso desta semana e na maioria dos que vão aos jornais, a situação flagrada pelos fiscais não tinha nada do que o povo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou as leis da maioria dos países entendem por escravidão. Não havia pessoas acorrentadas, ameaçadas, trabalhando para pagar uma dívida com os patrões ou para recuperar um documento.

Por que, então, dizem que é trabalho escravo? No Brasil, uma mudança no Código Penal afrouxou enormemente o conceito de trabalho escravo. Passou a incluir a jornada exaustiva e condições degradantes como critérios para caracterização.

Parece um detalhe, mas a mudança na lei juntou crimes diferentes no mesmo balaio. Patrões que ofereciam alojamentos sem a distância adequada entre as camas passaram a responder pelo mesmo crime que quem torturava os trabalhadores com ferro de marcar gado ou os mantinha em cativeiro.

A própria OIT esclarece, num relatório de 2005, que não se deve confundir trabalho ruim com escravidão. “O trabalho forçado não pode simplesmente ser equiparado a baixos salários ou a más condições de trabalho. Tampouco cobre situações de mera necessidade econômica, por exemplo, quando um trabalhador não tem condições de deixar um posto de trabalho devido à escassez, real ou suposta, de alternativas de emprego.”

Os bolivianos que produziam para a Brooksfield foram considerados escravos porque não tinham carteira assinada ou férias e, segundo a BBC, “trabalhavam e dormiam com suas famílias em ambientes com cheiro forte, onde os locais em que ficavam os vasos sanitários não tinham porta e camas eram separadas de máquinas de costura por placas de madeira e plástico”. Era trabalho precário, mas não escravidão.

2. Há “escravos” que ganham R$ 5 mil por mês

Como cabe ao auditor do trabalho decidir o que é trabalho escravo, há interpretações das mais extravagantes e ideológicas.

Em 2013, a fiscalização encontrou vinte funcionários de uma construtora de Belo Horizonte que tinham registro na carteira, recebiam horas-extras e adicionais de produção. Um pedreiro disse que ganhava 5 mil por mês. Como não havia lençóis nos beliches do alojamento e os banheiros estavam sujos, o fiscal enquadrou a construtora como escravista.

O alojamento era, de fato, precário, mas muitos dos trabalhadores poderiam achar que a remuneração compensava. Um salário de 5 mil reais, afinal, colocava o funcionário entre os 20% de brasileiros mais ricos daquele ano. Como revelou a revista Exame, casos assim são comuns.

No episódio desta semana, os imigrantes ganhavam 6 reais por peça produzida. Se costuravam duas peças por hora (provavelmente produziam muito mais), ganhariam 12 reais por hora, 96 reais por jornada de oito horas, ou 2100 reais por mês. Isso é mais do que ganham 72% dos brasileiros, que sobrevivem com até dois salários mínimos.

3. Não há “resgate” ou “libertação” de trabalhadores

O mito do “trabalho análogo à escravidão” vem sendo cultivado por auditores do trabalho, procuradores, jornalistas e ativistas bem-intencionados. Eles fazem questão de esclarecer que a servidão moderna se define por condições precárias de trabalho e tem pouco da escravidão tradicional. Mas utilizam termos e imagens que só fazem sentido quando se referem à restrição da liberdade – como imagens de correntes e termos como “resgate” ou “libertação”.

Imagem da campanha de combate ao trabalho escravo, divulgada pela Secretaria de Direitos Humanos.

Os trabalhadores costumam considerar um absurdo serem chamados de escravos. Sem ninguém pedir, os fiscais quebram contratos de trabalho, calculam multas enormes para as empresas e mandam os trabalhadores para hotéis ou de volta para suas cidades de origem.

“O primeiro contato com a vítima geralmente é de resistência. Ela não se enxerga como trabalhador forçado e se incomoda com o rótulo”, me disse, no ano passado, Luiz Machado, coordenador do Programa de Combate ao Trabalho Forçado da OIT. “Quando explicamos as violações dos direitos trabalhistas, eles ficam agradecidos, pois ganham pagamentos de direitos, seguro-desemprego especial para resgatados e prioridade na fila do Bolsa Família.

4. As operações não ajudam os trabalhadores

Quando a indenização acaba, os “escravos libertados” descobrem que os fiscais os transformaram em desempregados dependentes de programas assistenciais. Precisam começar tudo de novo e sair à procura de um emprego. Geralmente encontram trabalhos bem parecidos com aqueles dos quais foram “resgatados”.

“Quando a polícia vai embora, os bolivianos vão para outras oficinas onde a condição é a mesma”, me contou, numa entrevista, o boliviano Luis Vásquez, líder da comunidade boliviana em São Paulo.

Os próprios ativistas admitem o problema da reescravização. “O trabalhador volta para casa com três meses de seguro-desemprego no bolso, mais verbas rescisórias, mas assim que o dinheiro acaba, ele volta a migrar e acaba escravizado de novo”, disse, em outra reportagem da BBC, o fundador da ONG Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto.

5. As operações eliminam alternativas de quem já tem poucas

Numa coisa os ativistas do combate ao trabalho degradante estão certos: milhões de pessoas têm empregos terríveis no Brasil. Trabalham amontoadas em cômodos sem janelas; cumprem uma jornada tão alta que mal veem a família. Diante de situações assim, tudo o que não se deve fazer é diminuir as opções disponíveis a eles.

O que prejudica o trabalhador não é a opção de trabalho que ele encontra, e sim a falta de opções. Os operários das pequenas oficinas de roupas da zona leste de São Paulo se submetem a condições ruins porque aquela é a melhor alternativa de que dispõem. O que os torna vulneráveis não é a empresa que os contratou, mas a ausência de mais empresas que os contratem.

E o que as operações de combate ao trabalho escravo fazem é diminuir ainda mais essas opções. “Quando a Polícia Federal aparece, dá a impressão de que vai prender o Fernandinho Beira-Mar”, diz o boliviano Luiz Vásquez. “Um monte de viaturas e policiais para prender o coitado do dono da oficina. Ele é multado por tudo o que você pode imaginar. Essa história tem levado muitos empreendedores à falência”.

Não é um grande incentivo à abertura de fábricas no Brasil ter a possibilidade de ver a marca manchada por falsas acusações de trabalho escravo. As bem-intencionadas operações prejudicam a segurança jurídica e dão um empurrão a mais para fábricas se mudarem para a China ou o Paraguai. Com menos vagas à disposição no Brasil, os trabalhadores ficam ainda mais vulneráveis.

Quem realmente se preocupa com os pobres precisa, pelo amor de Deus, evitar que as empresas tenham medo de contratar ou subcontratar trabalhadores no Brasil. Ações menos sensacionalistas, como criar um pacto entre as oficinas para seguirem condições mínimas, sob pena de multa, ajudariam muito mais do que aterrorizar grifes internacionais interessadas em produzir no Brasil.

Outra opção é ajudar os imigrantes a encontrar vagas melhores e ter documentação para se candidatar a elas. Em São Paulo, o Ministério Público do Trabalhou fez um excelente trabalho ao criar um centro onde os imigrantes podem regularizar a residência no Brasil, tirar carteira de trabalho e abrir uma conta corrente. Documentados, ficam aptos a trabalhos menos precários.

“Em diversos países e momentos da história, o subemprego foi o meio pelo qual as minorias, os migrantes e os menos favorecidos entraram no mercado de trabalho e começaram a ascender socialmente”, diz o cientista político Diogo Costa. “Proibir o emprego ruim acaba funcionando como uma barreira de exclusão dos menos qualificados.”

6. Coibir as más condições é impor preferências da elite aos trabalhadores pobres

Imagine que você acabou de se mudar para um país estranho e está sem dinheiro, sem qualificação ou mesmo conhecimento da língua local – e ainda tem três filhos famintos nas costas. De repente aparecem duas opções de trabalho em oficinas de costura.

A primeira oficina, ensolarada e espaçosa, oferece um salário de 10 reais por hora. A segunda, sem janelas e com uma jornada maior, paga 12 reais. Na hora do aperto, você não se dará ao luxo de perder 20% da remuneração. Como quer acumular o máximo possível e voltar para o seu país, você trabalharia mais, muito mais que oito horas por dia.

O combate ao trabalho degradante se baseia na ideia de que as condições ruins são fruto da escolha dos patrões. Mas a escolha não é só deles. Ao decidir ingressar num emprego, uma pessoa avalia todos os tipos de compensação – o salário, o conforto, a jornada. Quem ganha bem pode se dar ao luxo de descontar parte do salário em conforto e jornada menor. Mas se a renda e a produtividade são baixas, e a melhor alternativa de trabalho não é o suficiente para pagar as contas, provavelmente ele abrirá mão do conforto para extrair o máximo da remuneração em forma de salário.

“Isso significa que a combinação de compensações é determinada pelas preferências dos empregados (até o limite da sua produtividade), e não pelas preferências de corporações multinacionais ou empresas terceirizadas”, diz o economista Benjamin Powell, autor do livro Out of Poverty: Sweatshops in the Global Economy.

Powell comprovou essa opção entrevistando operários da Guatemala. Ele conversou justamente com quem trabalhava em fábricas de roupa que motivaram escândalos de trabalho degradante, em reportagens da TV americana. Descobriu que quase todos os trabalhadores não topariam trocar parte do salário por melhores condições:
Você aceitaria ter um salário menor se o seu empregador…
SIM NÃO
tornasse as condições de trabalho mais agradáveis? 8,6% 91,4%
reduzisse o número de horas de trabalho? 10% 90%
aumentasse o horário de almoço? 4,3% 95,7%
fornecesse plano de saúde? 14,3% 85,7%
desse férias remuneradas? 18,6% 81,4%

O ensaísta Nassim Nicholas Taleb chama de “filantropia de araque” a atividade de “ajudar as pessoas de uma forma visível e sensacional, sem levar em conta o cemitério oculto de consequências invisíveis”. O exemplo preferido de Taleb são as causas trabalhistas. “Você nota as pessoas cujos empregos estão mais seguros e atribui benefícios sociais a essas medidas. Você não percebe o efeito naqueles que ficarão desempregados, já que as medidas vão reduzir a oferta de empregos. Em alguns casos, as consequências positivas de uma ação vão beneficiar imediatamente os políticos e os humanitários de araque, enquanto as negativas levarão um bom tempo para aparecer – e talvez nunca sejam perceptíveis.” Não há definição melhor para o combate ao “trabalho análogo à escravidão” no Brasil.
Por: Leandro Narloch 23/06/2016 às 10:19
@lnarloch

*Para quem se interessar, dedico a este tema um capítulo do Guia Politicamente Incorreto da Economia Brasileira. Do site: http://veja.abril.com.br/

sábado, 25 de junho de 2016

BREXIT: AS CAUSAS


As causas do Brexit, a história da União Europeia e suas duas ideologias conflitantes

Desde o início da União Europeia, tem havido um conflito entre os defensores de dois ideais diferentes. Qual postura o continente europeu deve adotar: a visão liberal-clássica ou visão socialista? 

Para se entender melhor as motivações do Brexit, é importante estar familiarizado com essas duas visões divergentes e essenciais, assim como as subsequentes tensões que vieram à tona em decorrência delas.

A visão liberal-clássica

Os pais fundadores da União Europeia, Robert Schuman (França [nascido em Luxemburgo]), Konrad Adenauer(Alemanha) e Alcide de Gasperi (Itália), todos católicos que falavam alemão, eram adeptos da visão liberal-clássica para a Europa. Eles também eram democratas-cristãos. 

A visão liberal-clássica considera a liberdade individual como sendo o mais importante valor cultural dos europeus e do cristianismo. De acordo com essa visão, a função dos estados soberanos europeus é proteger os direitos de propriedade e a economia de livre mercado em uma Europa de fronteiras abertas, permitindo desta forma o livre comércio de bens, serviços e idéias.

O Tratado de Roma, assinado em 1957, foi a principal realização para a criação de uma Europa baseada no liberalismo clássico. O tratado estabeleceu quatro liberdades básicas: livre circulação de bens, livre oferta de serviços, livre movimentação de capital financeiro e livre migração. O tratado também restaurou direitos que haviam sido essenciais para a Europa durante a vigência do período liberal-clássico no século XIX, mas que haviam sido abandonados durante a era do nacionalismo e do socialismo. O tratado representou a rejeição da era do socialismo, período esse que havia gerado conflitos entre as nações européias, culminando em duas guerras mundiais.

A visão liberal-clássica visa à restauração das liberdades do século XIX. A livre concorrência, sem barreiras à entrada nos mercados, deveria prevalecer em um mercado comum europeu. De acordo com essa visão, ninguém poderia proibir um cabeleireiro alemão de cortar cabelos na Espanha, e ninguém poderia tributar um inglês que quisesse transferir dinheiro de um banco alemão para um banco francês, ou que quisesse investir no mercado de ações da Itália. 

Ninguém poderia impedir, por meio de regulamentações, que uma cervejeira francesa vendesse suas cervejas na Alemanha. Nenhum governo poderia dar subsídios, algo que distorce e corrompe o sistema de livre concorrência. Ninguém poderia impedir que um dinamarquês fugisse de seu estado assistencialista e de sua alta carga tributária e migrasse para um estado com uma carga tributária mais baixa, como a Irlanda.

Para atingir esse ideal de cooperação pacífica e prosperidade comercial, o único pré-requisito necessário seria a liberdade. De acordo com essa visão, não haveria nenhuma necessidade de se criar um super-estado europeu. Com efeito, a visão liberal-clássica é completamente cética no que concerne a um estado central europeu; tal criação é considerada prejudicial e perniciosa para as liberdades individuais. 

Filosoficamente falando, muitos defensores dessa visão são inspirados pelo catolicismo, e as fronteiras da comunidade europeia são definidas pelo cristianismo.

De acordo com a doutrina social católica, o princípio da subsidiariedade deveria prevalecer: os problemas deveriam ser resolvidos no nível mais baixo e menos concentrado possível dos arranjos. A única instituição centralizada europeia aceitável seria uma Corte de Justiça Europeia, com suas atividades sendo restritas à resolução de conflitos entre os estados-membros e à garantia das quatro liberdades básicas.

Do ponto de vista liberal-clássico, deveria haver vários sistemas políticos concorrentes, como ocorreu na Europa durante séculos. Desde a Idade Média até o século XIX, existiram sistemas políticos muito diferentes, tais como as cidades independentes de Flandres (região no noroeste da Europa, que inclui partes da Bélgica, França e Holanda), da Alemanha e do norte da Itália. Havia reinados, como os da Bavária e da Saxônia, e havia repúblicas, como a de Veneza. 

A diversidade política era demonstrada de modo mais explícito na fortemente descentralizada Alemanha. Sob essa cultura de diversidade e pluralismo, a ciência e a indústria se desenvolveram e prosperaram.[1]

A concorrência em todos os níveis é essencial para a visão liberal-clássica. Ela gera uma congruência, uma vez que a qualidade dos produtos, os preços dos fatores de produção e, principalmente, os salários tendem a convergir. O capital vai para os locais onde os salários são menores, o que provoca sua elevação; os trabalhadores, por outro lado, vão para onde os salários são mais altos, o que faz com que essa maior oferta de mão-de-obra os reduza. Os mercados oferecem soluções descentralizadas para os problemas ambientais, baseando-se na propriedade privada. A concorrência política assegura o mais importante valor europeu: a liberdade.

A concorrência tributária promove alíquotas de impostos mais baixas, bem como a responsabilidade fiscal. As pessoas "votam com seus pés", saindo dos países com carga tributária abusiva, como fazem as empresas. Nações soberanas concorrendo entre si com diferentes cargas tributárias são vistas como a melhor proteção contra a tirania. A concorrência também se dá na questão das moedas. Diferentes autoridades monetárias competem para oferecer a moeda de maior qualidade. As autoridades que oferecem moedas mais estáveis exercem pressão sobre as autoridades mais displicentes, e estas são obrigadas a se adequar e seguir o exemplo daquelas.

A visão socialista

Em direta oposição à visão liberal-clássica tem-se a visão socialista ou imperial da Europa, defendida por políticos como Jacques Delors e François Mitterrand. Uma coalizão de interesses estatistas entre grupos nacionalistas, socialistas e conservadores faz o que pode para promover e avançar sua agenda. Tal coalizão sempre quis ver a União Europeia como um império ou uma fortaleza: protecionista para quem está de fora e intervencionista para quem está dentro. 

Esses estatistas sonham com um estado centralizado e controlado por tecnocratas eficientes — atributo este que todos os tecnocratas estatistas imaginam ter.

Dentro desse ideal, o centro do Império deveria governar toda a periferia. Haveria uma legislação comum e centralizada. Os defensores da visão socialista para a Europa querem erigir um megaestado europeu, reproduzindo as nações-estado em um nível continental. Eles querem um estado assistencialista europeu que garanta a redistribuição de riqueza, a regulamentação econômica e a harmonização das legislações dentro da Europa. 

A harmonização dos impostos e as regulamentações sociais seriam executadas pelo mais alto escalão da burocracia. Se o imposto sobre valor agregado estiver variando entre 15 e 25% dentro União Europeia, os socialistas iriam harmonizá-lo em 25% para todos os países. Tal harmonização das regulamentações sociais é do interesse dos mais protegidos, mais ricos e mais produtivos trabalhadores, que podem "arcar" com os custos dessas regulamentações — ao passo que seus concorrentes não podem. Por exemplo, se as políticas sociais alemãs fossem aplicadas aos poloneses, estes teriam grandes problemas para concorrer com aqueles.

A intenção desse ideal socialista é conceder cada vez mais poderes para o estado central — isto é, para Bruxelas. A visão socialista para a Europa é a ideal para a classe política, para os burocratas, para os grupos de interesse que fazem lobby, e para os setores protegidos e subsidiados que querem criar um poderoso estado central visando ao seu próprio enriquecimento. 

Partidários dessa visão apresentam um megaestado europeu como uma necessidade, e consideram sua total implementação apenas uma questão de tempo.

Ao longo desse caminho socialista, o estado central europeu iria se tornar um dia tão poderoso, que os estados soberanos passariam a lhe prestar total subserviência. (Já podemos ver os primeiros indicadores de tal subserviência no caso da Grécia. A Grécia se comporta hoje como um protetorado de Bruxelas, que diz ao governo grego como ele deve lidar com seus problemas).

A visão socialista não fornece nenhuma limitação geográfica explícita para o estado europeu — ao contrário da visão liberal-clássica inspirada no catolicismo. A concorrência política é vista como um obstáculo para o estado central, o qual, no ideário socialista, deve sair completamente de qualquer controle por parte do público. Nesse sentido, o estado central, na visão socialista, se torna cada vez menos democrático à medida que o poder vai sendo deslocado para burocratas e tecnocratas.

(Um bom exemplo disso é a Comissão Europeia, o corpo executivo da União Europeia. Os membros da comissão não são eleitos, mas sim designados pelos governos dos estados-membros. E o próprio Parlamento Europeu é totalmente impotente para impedir ou revogar os atos da Comissão Europeia.)

Historicamente, os precedentes para esse velho plano socialista de criar um estado central controlador na Europa foram estabelecidos por Carlos Magno, Napoleão, Stalin e Hitler. A diferença, entretanto, é que dessa vez nenhum meio militar seria necessário. A mera coerção do poder estatal seria a mola propulsora para a criação de um poderoso estado central europeu.

De um ponto de vista tático, situações específicas de crise seriam utilizadas pelos partidários da visão socialista para criar novas instituições (tais como o Banco Central Europeu (BCE), ou, possivelmente, um Ministério Europeu das Finanças), bem como para ampliar os poderes das atuais instituições, como a Comissão Europeia e o próprio BCE.

A visão liberal-clássica e a visão socialista para a Europa são irreconciliáveis. Com efeito, o aumento no poder de um estado central — como proposto pela visão socialista — implica uma redução das quatro liberdade básicas (livre circulação de bens, livre oferta de serviços, livre movimentação de capital financeiro e livre migração) e certamente liberdades civis cada vez menores.

A história de uma batalha entre duas visões

Essas duas visões têm travado batalhas entre si desde os anos 1950. No início, o projeto das Comunidades Europeias era mais fiel à visão liberal-clássica.

As Comunidades Europeias eram formadas pela Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, que criava um mercado comum para carvão e aço; pela Comunidade Econômica Europeia, que promovia a integração econômica; e pela Comunidade Europeia da Energia Atômica, que criava um mercado especial para energia nuclear, fazendo sua distribuição pela Comunidade. 

A Comunidade Europeia era composta por estados soberanos e assegurava as quatro liberdades básicas. Do ponto de vista do liberalismo clássico, um dos principais defeitos de nascença do projeto eram os subsídios e as intervenções da política agrícola. Da mesma forma, desde seu nascimento, o único poder legislativo pertencia à Comissão Europeia. Assim, uma vez que a Comissão fizesse uma proposta legislativa, o Conselho da União Europeia poderia sozinho, ou em conjunto com o Parlamento Europeu, aprovar a proposta.

Esse arranjo já continha em si as sementes da centralização. Consequentemente, o arranjo institucional, desde seu início, havia sido projetado para acomodar a centralização e o controle sobre as opiniões minoritárias, uma vez que a unanimidade não era necessária para todas as decisões, e as áreas em que a regra da unanimidade se fazia necessária foram sendo reduzidas ao longo dos anos.

O modelo liberal-clássico é defendido tradicionalmente pelos democratas-cristãos e por países como Holanda, Alemanha e Reino Unido. Porém, os social-democratas e socialistas, normalmente liderados pelo governo francês, defendem a versão imperialista da Europa. Com efeito, em decorrência de sua rápida queda em 1940, dos anos da ocupação nazista, de seus fracassos na Indochina, e da perda de suas colônias africanas, a classe dominante francesa utilizou a Comunidade Europeia para readquirir sua influência e seu orgulho, e para se recuperar da perda de seu império.[2]

Com o passar dos anos, houve uma lenta porém contínua tendência rumo ao ideal socialista: os países-membros foram sendo obrigados a direcionar cada vez mais dinheiro de impostos de seus cidadãos para custear os orçamentos cada vez maiores da União Europeia; houve uma crescente perda de autonomia nacional, com sua transferência praticamente integral para Bruxelas; e, após a crise financeira de 2008, adotou-se uma nova política regional que efetivamente redistribui riquezas por toda a Europa.

Tudo isso culminou na situação atual. 

Só o Reino Unido, em termos líquidos, paga 136 milhões de libras por semana para a União Europeia. Por outro lado, a Grécia há muito tempo não contribui nada para o orçamento da UE, dado que a Alemanha cobre indiretamente suas contribuições por meio de empréstimos que a UE faz para a Grécia.

Inúmeras regulamentações econômicas e "harmonizações burocráticas e tributárias" ajudaram a empurrar ainda mais o arranjo para essa direção socialista. As políticas intervencionistas e centralizadoras da União Europeia criaram uma sombria situação econômica e financeira para seus países-membros: desemprego em massa, finanças públicas descontroladas, e perspectivas de crescimento desanimadoras.

Tudo isso insuflou os desejos separatistas da população do Reino Unido. A imposição da União Europeia para que o país aceitasse imigrantes muçulmanos após o conflito na Síria foi a gota d'água.

A integração forçada

Com a recente enxurrada de refugiados e imigrantes entrando na Europa, a pressão dos cidadãos britânicos sobre para a saída aumentou. Os burocratas de UE propuseram espalhar os imigrantes por vários países da Europa de acordo com um plano de re-assentamento pré-definido. Naturalmente, os britânicos não gostaram da ideia, pois, além das questões que envolvem a segurança nacional, os novos imigrantes geram uma pressão adicional sobre o estado assistencialista britânico. 

E, mesmo que absolutamente nenhum imigrante fosse realocado para o Reino Unido, os britânicos ainda assim teriam de financiar ao menos parcialmente o re-assentamento dos imigrantes no resto da Europa por meio dos impostos que pagam para sustentar a União Europeia. 

Mas essa questão da imigração é mais antiga. Foi só agora que o caldo entornou de vez, mas os conflitos gerados são antigos. Não apenas o influxo de imigrantes afetou o mercado de trabalho para os trabalhadores britânicos menos qualificados (insuflando os argumentos nacionalistas e protecionistas), como também afetou a cultura britânica, até mesmo o idioma. Já em 2009, o inglês não era o primeiro idioma de mais de meio milhão de estudantes nas escolas primárias da Grã-Bretanha. Isso mexeu com os brios de uma parte da população.

Por toda a Europa, a onda de imigração muçulmana em massa é frequentemente apresentada pelos políticos e intelectuais progressistas como sendo um grande salto para a frente, tornando a Europa uma sociedade mais multicultural (conceito esse que sempre foi promovido por essas pessoas como sendo o ideal).

No entanto, essa insistente ideia do "multiculturalismo" (uma versão do "marxismo cultural") pouco ou quase nada tinha a ver com diversidade ou interações culturais positivas, como se propagandeava. Em sua essência, políticas de integração forçada, ao criarem inevitáveis conflitos, abrem espaço para os governos intervirem mais amplamente na sociedade sob o pretexto de estar agindo como o protetor daquelas "minorias discriminadas", as quais vão se tornando cada vez mais dependentes do estado.

Políticos adoram esse arranjo, pois ele lhes confere mais poderes discricionários e mais argumentos para se criar novos programas de redistribuição de renda. A divisão social, as tensões e as discordâncias inevitavelmente geradas por esse arranjo criam um terreno fértil para mais restrições sobre as liberdades pessoais e a autonomia do indivíduo.

O Brexit

Os defensores da saída da União Europeia argumentaram que o Reino Unido havia perdido sua soberania e sua autonomia para tomar decisões — pois estas haviam sido transferidas para Bruxelas —, e estava pagando um alto preço, tanto político quanto econômico, para fazer parte da UE. 

A crise da imigração e a incapacidade de se adotar políticas nacionais autônomas para lidar com ela foi apenas mais uma manifestação dessa excessiva centralização de poderes em Bruxelas.

Em tese, com sua saída, a população do Reino Unido não mais terá de dar satisfações a uma entidade superior localizada em outro país, vista como intrusiva. Tampouco sua população poderá ser tolhida por essa entidade estrangeira. Os indivíduos poderão agora usufruir uma maior autonomia, podendo, agora localmente, resolver os problemas que são do interesse do povo britânico, e não da conveniência de burocratas em Bruxelas.

O fato é que o atual conceito de estado-nação é contrário à ideia de liberdade individual. Não há como ele ser reconciliado com a ideia de liberdade individual. E a situação fica ainda pior quando estados-nações começam a criar uniões, tentando unificar seus poderes em uma única estrutura burocrática — como a União Europeia.

Com a saída do Reino Unido da União Europeia, os britânicos têm em mãos uma oportunidade de frustrar o rolo compressor de Bruxelas, pelo menos por algum tempo, e decidirem com mais autonomia sobre o que realmente querem. No fundo, tudo se resume a esse pergunta: "quem deve decidir por nós?"

É verdade que os libertários não deveriam se preocupar com o conceito político "soberania nacional". Governos, em qualquer nível, não são regentes soberanos e jamais deveriam ser considerados dignos de determinar o curso de nossas vidas. No entanto, também é verdade que, quanto mais enfraquecido o elo entre o indivíduo e o corpo político que pretende lhe governar, maior a autonomia e o poder desse indivíduo.

Em última instância, o Brexit não foi um referendo sobre livre comércio, imigração, ou regras burocráticas impostas pelo (pavoroso) Parlamento Europeu e pela (pavorosa) Comissão Europeia. Foi, isso sim, um referendo sobre uma maior autonomia individual e sobre um menor poder a entidades políticas globalistas.

Libertários deveriam ver a descentralização e a redução do poder estatal como sempre sendo algo positivo, independentemente de quais sejam as motivações por trás de tais movimentos. Reduzir o tamanho, o escopo e o poder de domínio de qualquer estado (ou de qualquer união de estados) é decididamente algo saudável para a liberdade.


_________________________________________
Philipp Bagus, professor adjunto da Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro A Tragédia do Euro.
Jeff Deist, o atual presidente do Ludwig von Mises Mises Institute.
Claudio Grass, diretor e presidente da empresa suíça Global Gold.


[1]  Roland Vaubel, "The Role of Competition in the Rise of Baroque and Renaissance Music," Journal of Cultural Economics 25 (2005): pp. 277-97, argumenta que o surgimento da música barroca e renascentista na Alemanha e na Itália resultou da descentralização desses países e da subsequente concorrência entre eles
[2] Larsson, Hans Albin. 2004. "National Policy in Disguise: A Historical Interpretation of the EMU.", p. 162.  Como escreve Larsson: "A arena na qual a França buscou ressuscitar sua honra e influência internacional foi a Europa Ocidental.  Como principal país da Comunidade Econômica Europeia, a França recuperou influência e, com isso, recompensou a perda de seu império — e tudo isso dentro de uma área onde a França, tradicionalmente e de diversas maneiras, sempre procurou ter domínio e influência". 
Já em 1950, o premiê francês René Pleven, propôs criar um Exército Europeu como parte da Comunidade de Defesa Europeia (sob a liderança da França).  Ainda que o plano tenha fracassado, ele fornece evidências de que, desde o início, os políticos franceses pressionaram pela centralização e pela visão imperial da Europa.  Uma exceção foi o presidente Charles de Gaulle, que se opunha a um estado europeu supranacional.  Durante a "crise da cadeira vazia", em junho de 1965, a França abandonou seu assento no Conselho dos Ministros por seis meses em protesto contra um ataque à sua soberania.  A Comissão havia pressionado por uma centralização do poder.  Entretanto, de Gaulle também estava tentando melhorar a posição e liderança da França nas negociações acerca da Política Comum Agrícola.  A Comissão havia proposto a criação de uma decisão por maioria de votos nesse quesito.  Os agricultores franceses eram os principais beneficiários dos subsídios, ao passo que a Alemanha era a principal contribuinte.  A decisão por maioria de votos poderia ter privado os agricultores franceses de seus privilégios.

Diversos Autores  Do site: http://www.mises.org.br/