sexta-feira, 11 de maio de 2012

A desigualdade e o egoísmo estimulam o desenvolvimento

A desigualdade de renda e de riqueza é uma característica inerente a uma economia de mercado. A eliminação desta desigualdade destruiria completamente qualquer economia de mercado. O que as pessoas que propõem a igualdade têm em mente é sempre um aumento do seu próprio poder de consumir. Ao apoiar o princípio da igualdade como um postulado político, ninguém pensa em repartir sua renda com os que têm menos. Quando os assalariados falam de igualdade, estão querendo dizer que os lucros dos patrões deveriam ser distribuídos entre eles. Não estão propondo uma redução de sua própria renda em benefício dos 95% da população da terra cuja renda é menor do que a sua. Em uma sociedade de mercado, a desigualdade de renda representa um papel bem diferente daquele que ela representa em uma sociedade feudal ou em outros tipos de sociedades não capitalistas. Entretanto, no curso da evolução histórica, essa desigualdade pré-capitalista foi de enorme importância. Comparemos a história da China com a da Inglaterra. A China chegou a desenvolver uma civilização de alto nível. Dois mil anos atrás, estava muito mais adiantada do que a Inglaterra. Mas, no fim do século XIX, a Inglaterra era um país rico e civilizado, ao passo que a China era um país pobre. Seu estágio de civilização era praticamente o mesmo que já havia alcançado alguns séculos atrás; era uma civilização estagnada. Os esforços feitos pela China para implementar os princípios de igualdade de renda foram muito maiores do que os feitos pela Inglaterra. A terra foi dividida e subdividida. Não havia proletários sem terras. Já na Inglaterra do século XVIII, a quantidade de proletários sem terra era muito numerosa. Durante muito tempo, as práticas restritivas das atividades não agrícolas, consagradas pelas ideologias tradicionais, retardaram o surgimento da moderna atividade empresarial. Porém, quando a filosofia do laissez-faire, ao destruir completamente as falácias do restricionismo, abriu o caminho para o capitalismo, a evolução do sistema industrial pôde processar-se num ritmo acelerado porque a força de trabalho necessária já estava disponível. O que gerou a "era da máquina" não foi, conforme imaginava Werner Sombart, uma obsessão especial pelo enriquecimento, surgida misteriosamente do dia para a noite e que se apossou das mentes de algumas pessoas, transformando-as em "homens capitalistas". Sempre existiram pessoas ávidas para obter lucros ao melhor ajustarem a produção à satisfação das necessidades do público. Mas essas pessoas eram paralisadas pela ideologia que estigmatizava o desejo de lucrar como sendo imoral e que erigia barreiras com o propósito de impedi-lo. A substituição das doutrinas favoráveis ao sistema tradicional de restrições pelo laissez-faire removeu esses obstáculos ao progresso material e deu lugar a uma nova era. A filosofia liberal combatia o tradicional sistema de castas porque sua preservação era incompatível com o funcionamento da economia de mercado. Defendia a abolição dos privilégios para poder liberar aqueles que, graças à sua engenhosidade, sabiam como produzir de forma mais barata uma maior quantidade de produtos de melhor qualidade. Utilitaristas e economistas, neste particular, estavam de acordo com as ideias dos que combatiam os privilégios de classe em nome de um alegado direito natural e da teoria da igualdade de todos os homens. Ambos os grupos defendiam o princípio da igualdade de todos perante a lei. Mas esta coincidência de pontos de vista em alguns aspectos não eliminou as diferenças fundamentais entre essas duas correntes de pensamento. Para a escola do direito natural, todos os homens são biologicamente iguais e, portanto, possuem o inalienável direito a uma parcela igual de todas as coisas. A primeira afirmativa contraria frontalmente os fatos. A segunda, se interpretada consistentemente, conduz a absurdos tais que os seus defensores acabam abandonando completamente a lógica e passam a considerar certas instituições, por mais discriminatórias e iníquas que sejam, como perfeitamente compatíveis com a inalienável igualdade de todos os homens. Os eminentes cidadãos da Virgínia, cujas idéias inspiraram a Revolução Americana, admitiram que fosse preservada a escravidão negra. O sistema de governo mais despótico que a história jamais conheceu, o bolchevismo, se apresenta como a própria encarnação do princípio de igualdade e liberdade entre todos os homens. Os defensores da igualdade perante a lei tinham plena consciência da inata desigualdade entre os homens e de que é precisamente essa desigualdade que dá origem à cooperação social e à civilização. Para eles, o princípio da igualdade perante a lei não foi concebido com o propósito de corrigir os fatos inexoráveis do universo ou para fazer desaparecer a desigualdade natural. Era, muito pelo contrário, uma maneira de assegurar à humanidade inteira o máximo de benefícios que os homens podem extrair dessa desigualdade. Portanto, nenhuma instituição criada pelo homem deveria impedir alguém de atingir aquela posição na qual pudesse melhor servir a seus concidadãos. Para os liberais, o problema da desigualdade era visto pelo ângulo social e utilitário, e não segundo um alegado direito inalienável dos indivíduos. A igualdade perante a lei, diziam eles, é boa porque serve melhor aos interesses de todos. Permite, principalmente, que os consumidores decidam quem deve dirigir as atividades produtoras. Elimina, assim, as causas de conflitos violentos, o que assegura o estabelecimento de uma ordem social mais satisfatória. Foi o triunfo dessa filosofia liberal que produziu todos os fenômenos que, em seu conjunto, são denominados de civilização ocidental moderna. Entretanto, essa nova ideologia só poderia triunfar em um ambiente onde o ideal de igualdade de renda fosse ainda muito fraco. Se os ingleses do século XVIII estivessem encantados com a quimera da igualdade de renda, a filosofia do laissez-faire não lhes teria despertado o interesse, assim como ainda hoje não o faz entre os chineses ou os maometanos. Nesse sentido, o historiador deve reconhecer que a herança ideológica do feudalismo e do sistema senhorial muito contribuiu para o advento da civilização moderna, por mais diferente que esta seja daquela. Os filósofos do século XVIII, que não lograram compreender os princípios da nova teoria utilitária, continuaram perorando acerca da superioridade da China e dos países islâmicos. Certamente conheciam muito pouco sobre a estrutura social do mundo oriental. O que achavam louvável nas vagas informações de que dispunham era a ausência de uma aristocracia hereditária e de grandes latifúndios. Pelo que imaginavam, esses povos teriam conseguido implantar os princípios igualitários com mais êxito do que as suas próprias nações. Mais tarde, no século XIX, essas teses foram redescobertas pelos nacionalistas dos vários países. A mais em voga era o pan-eslavismo, cujos defensores exaltavam a superioridade do mir[1] e do artel[2] russos e do zadruga[3] iugoslavo. A crescente confusão semântica acabou convertendo o significado de termos políticos no seu oposto; o epíteto democrático passou a ser prodigamente utilizado. Os povos muçulmanos, que nunca conheceram outra forma de governo que não fosse o mais completo absolutismo, passaram a ser chamados de democráticos. Os nacionalistas indianos se vangloriam ao falar da tradicional democracia hindu. Os economistas e os historiadores são indiferentes a este tipo de efusão emocional. Ao descreverem as civilizações asiáticas como civilizações inferiores, não estão expressando um julgamento de valor. Meramente consignam o fato de que esses povos não souberam estabelecer as condições ideológicas e institucionais que, no Ocidente, produziram a civilização capitalista, cuja superioridade os asiáticos hoje implicitamente reconhecem ao clamarem pelo menos por seus implementos terapêuticos e tecnológicos e por sua parafernália. O reconhecimento do fato de que, no passado, a cultura de muitos povos asiáticos era mais avançada do que a dos seus contemporâneos ocidentais implica procurar saber as causas que impediram o progresso no Oriente. No caso da civilização hindu, a resposta é óbvia: o férreo controle do inflexível sistema de castas tolheu a iniciativa individual e cortou pela raiz qualquer possibilidade de desvio dos padrões tradicionais. Mas a China e os países muçulmanos, exceção feita à escravidão de um relativamente pequeno número de pessoas, não estavam sujeitos a um regime de castas. Eram governados por autocratas. Mas os súditos eram iguais sob o jugo do autocrata. Até mesmo os escravos e os eunucos não eram impedidos de exercer funções elevadas. É a essa igualdade sob o déspota que as pessoas se referem quando hoje mencionam os supostos costumes democráticos desses povos orientais. Esses povos e seus governantes estavam comprometidos com uma noção de igualdade econômica que, embora vaga e mal definida, era muito clara em um aspecto: o de condenar peremptoriamente qualquer indivíduo privado que acumulasse uma grande fortuna. Os governantes consideravam aqueles súditos que fossem ricos como uma ameaça à sua supremacia política. Todas as pessoas, governantes e governados, estavam convencidas de que não era possível acumular muitos recursos sem que isto privasse outras pessoas daquilo que, de direito, lhes pertencia — portanto, o patrimônio dos poucos ricos era a causa da pobreza de muitos. A situação de comerciantes prósperos em todos os países orientais era extremamente precária. Ficavam à mercê dos funcionários públicos. Mesmo propinas generosas não conseguiam evitar o confisco de seus bens. A população regozijava sempre que uma pessoa próspera era vitimada pela inveja e pelo ódio dos governantes. Essa mentalidade anticrematística obstruiu o progresso da civilização no Oriente e manteve as massas à beira da morte por inanição. Uma vez que a acumulação de capital estava impedida, não poderia haver progresso tecnológico. O capitalismo chegou ao Oriente como uma ideologia importada, imposta por exércitos e navios estrangeiros sob a forma ou de domínio colonial ou de jurisdição extraterritorial. Esses métodos violentos certamente não eram os mais adequados para mudar a mentalidade tradicionalista dos orientais. Mas o reconhecimento deste fato não invalida a constatação de que foi a aversão à acumulação de capital o que condenou centenas de milhões de asiáticos à pobreza e à fome. A noção de igualdade que os nossos atuais defensores do estado assistencialista têm em mente é uma réplica da ideia asiática de igualdade. Embora seja vaga sobre todos os aspectos, é bem nítida ao condenar as grandes fortunas. Opõe-se às grandes empresas e aos grandes patrimônios. Preconiza várias medidas para tolher o crescimento de empresas privadas e para impor mais igualdade por meio de taxação confiscatória de rendas e de propriedades. E apela para a inveja das massas menos avisadas. As consequências econômicas imediatas das políticas confiscatórias já foram examinadas alhures. É óbvio que, no longo prazo, tais políticas resultam necessariamente não só numa redução da acumulação de capital, como também no consumo do capital que havia sido previamente acumulado. Não só impedem a criação de maior prosperidade material como até mesmo revertem essa tendência, dando origem a uma pobreza cada vez maior. Se estes ideais asiáticos triunfassem, o Oriente e o Ocidente acabariam por se igualar no mesmo nível de miséria. Os defensores do estado provedor não pretendem ser apenas os defensores dos interesses da sociedade geral contra os interesses egoístas das empresas ávidas por lucros; eles também afirmam estarem cuidando dos interesses permanentes e seculares da nação, se opondo aos interesses de curto prazo dos empreendedores e capitalistas, que só se preocupam com o próprio lucro, sem nunca se importar com o futuro da sociedade. Esta segunda pretensão é evidentemente incompatível com a preferência que tais pessoas dão a políticas de curto prazo em detrimento das considerações de longo prazo. Mas a consistência lógica não é uma das virtudes dos defensores do estado assistencialista. Não levemos em conta, portanto, esta contradição em suas proposições e examinêmo-las sem considerar sua inconsistência. A poupança, a acumulação de capital e o investimento retiram recursos que seriam usados no consumo corrente para empregá-los na melhoria das condições futuras. O poupador renuncia a um aumento da satisfação imediata a fim de melhorar o seu próprio bem-estar e o de sua família no futuro. Suas intenções certamente são egoístas no sentido popular do termo. Mas os efeitos de sua conduta egoísta favorecem os interesses permanentes da sociedade como um todo, bem como os de todos os seus membros. Seu comportamento produz todos aqueles fenômenos que até mesmo os mais fanáticos defensores do estado assistencialista rotulam de "desenvolvimento econômico" e "progresso social". Para haver acréscimo de poupança e acumulação de capital, ou mesmo para que o capital atual seja simplesmente preservado, é preciso que haja redução no consumo de hoje a fim de que possa haver maior oferta de bens amanhã. Há necessidade de uma abstinência, de uma renúncia a satisfações que poderiam ser desfrutadas imediatamente. A economia de mercado cria um contexto no qual essa abstinência é praticada numa certa medida, e no qual o capital acumulado daí decorrente é investido para produzir aquilo que melhor satisfaz as necessidades mais urgentes dos consumidores. As fábulas de Papai Noel dos defensores do estado provedor se caracterizam pela total incapacidade de compreender o papel representado pelo capital. Precisamente por isso, não se pode aceitar a designação de "economia do bem-estar" autoatribuída a esta doutrina. Quem não leva em consideração a escassez de bens de capital disponível não é um economista; é um fabulista. Não lida com a realidade, mas com um fabuloso mundo de abundância. Todas as generosidades verbais dos defensores do estado provedor baseiam-se, implicitamente, na pressuposição de que existe uma abundância de bens de capital. Se fosse assim, certamente seria fácil remediar todos os males, dar a cada um "segundo suas necessidades" e fazer com que todo mundo fosse perfeitamente feliz. Os defensores do estado provedor costumam afirmar que a motivação dos indivíduos é o egoísmo, ao passo que o governo atua com a intenção de servir a todos. Admitamos, pelo bem do debate, que os indivíduos sejam demoníacos e os governantes angelicais. Mas o que conta na vida real — apesar da opinião contrária de Kant — não são as boas intenções, mas os resultados. O que torna possível a evolução da sociedade é precisamente o fato de que a cooperação pacífica sob o signo da divisão do trabalho, a longo prazo, atende melhor aos interesses egoístas de todos os indivíduos. A superioridade da sociedade de mercado consiste no fato de que o seu funcionamento confirma esse princípio. Essa realidade, totalmente palpável e comprovada, já é o bastante para refutar o clichê paternalista que procura contrastar, de um lado, o egoísmo dos indivíduos de mentalidade estreita, preocupados exclusivamente com os prazeres do momento e sem nenhuma consideração com o bem-estar dos seus concidadãos e com os interesses permanentes da sociedade, e, do outro, o governo benevolente e clarividente, infatigável na sua dedicação para promover o bem-estar duradouro de toda a sociedade. Os defensores do estado provedor vêem no governo uma materialização da Divina Providência que, sábia e imperceptivelmente, conduz a humanidade a estágios mais elevados e mais perfeitos de um inexorável processo evolutivo; eles não são capazes de perceber a complexidade do problema e suas ramificações. O cerne de toda essa questão sobre a acumulação de capital consiste exatamente na forma como o egoísmo produz os seus efeitos. Em um sistema em que haja desigualdade, o egoísmo impele o homem a poupar e a procurar investir sua poupança de maneira a melhor atender às necessidades mais urgentes dos consumidores. Em um sistema igualitário, essa motivação desaparece. A redução do consumo em um futuro imediato é uma abstinência facilmente percebida, contrária aos interesses egoístas do indivíduo. Já a maior disponibilidade futura que se espera obter em decorrência dessa abstinência imediata é menos perceptível ao homem de inteligência média. O problema de manter o nível de capital existente e de aumentá-lo é insolúvel num sistema socialista no qual não se pode recorrer ao cálculo econômico. Uma sociedade socialista não dispõe de método para verificar se o capital existente está aumentando ou diminuindo. Mas, no sistema intervencionista atual, a situação não é tão grave. Neste caso, ainda é possível compreender o que está ocorrendo. Se em tal país prevalece um regime democrático, os problemas de preservação e de acumulação de capital adicional tornam-se o tema central dos antagonismos políticos. Não faltarão demagogos a propor que se dedique ao consumo mais do que o partido no poder ou os outros partidos estejam dispostos a aceitar. Estarão sempre dispostos a afirmar que "na atual emergência" não se pode pensar em acumular capital e que, pelo contrário, justifica-se plenamente o consumo de uma parte do capital já existente. Os vários partidos competirão entre si nas promessas feitas aos eleitores no sentido de aumentar os gastos públicos e de, ao mesmo tempo, reduzir os impostos que não onerem exclusivamente os ricos. No tempo do laissez-faire, as pessoas consideravam o governo como uma instituição cujo funcionamento implicava despesas que deveriam ser custeadas pelos impostos arrecadados dos cidadãos. No orçamento de cada indivíduo, o estado era um item da despesa. Hoje, a maioria dos cidadãos considera o governo como uma entidade que distribui benefícios. Os assalariados e os agricultores esperam receber do erário público mais do que contribuem para a sua receita. Consideram o estado como uma fonte de benefícios e não como um coletor de impostos. Essas crenças populares foram racionalizadas e elevadas à categoria de uma doutrina quase econômica por Lord Keynes e seus discípulos. Gastos públicos e déficits orçamentários são apenas sinônimos de consumo de capital. Se as despesas correntes, por mais benéficas que sejam consideradas, são financiadas ou por meio de impostos — principalmente pelo confisco daquela parte das maiores rendas que teria sido utilizada para investimento —, ou por aumento da dívida pública, o estado se converte no grande consumidor do capital existente. O fato de que um país ainda apresente um excedente anual de acumulação de capital em relação ao correspondente consumo de capital não invalida a afirmativa de que o conjunto das políticas financeiras do governo federal, dos estados e dos municípios provoca um crescente consumo de capital. No final, o que determina o curso da política econômica de uma nação são sempre as ideias econômicas aceitas pela opinião pública. Nenhum governo, seja democrático ou ditatorial, pode libertar-se da influência da ideologia dominante na sociedade. Os que defendem uma limitação das prerrogativas parlamentares em matéria de orçamento e de impostos, ou mesmo a substituição de um governo representativo por um governo autoritário, estão iludidos pela imagem quimérica de um perfeito chefe de estado. Esse homem, tão benevolente quanto sábio, se dedicaria sinceramente à promoção do bem-estar duradouro de seus súditos. Na realidade, entretanto, esse caudilho seria um homem mortal como todos os outros, e estaria, acima de tudo, preocupado com a perpetuação de seu poder e o de sua família, de seus amigos e do seu partido. Quando necessário, recorrerá a medidas impopulares apenas para atender a esses objetivos. Não investe nem acumula capital; apenas constrói fortalezas e equipa exércitos. Os tão famosos planos das ditaduras soviética e nazista consistiam em restringir o consumo corrente em favor dos "investimentos". Os nazistas nunca ocultaram que todos esses investimentos eram uma preparação para a guerra de agressão que pretendiam deflagrar. Os soviéticos foram, de início, mais discretos; mais tarde, proclamaram orgulhosamente que todo o seu planejamento estava dominado por considerações de poderio militar. A história não registra nenhum caso de acumulação de capital economicamente produtivo que tenha sido realizado pelo governo. O capital investido na construção de estradas, ferrovias e outras obras públicas úteis foi sempre obtido pela poupança individual dos cidadãos ou por empréstimo. Mas a maior parte dos fundos arrecadados através da dívida pública foi gasta em despesas correntes. O que os indivíduos haviam poupado foi dissipado pelo governo. Mesmo aqueles que consideram a desigualdade de renda e de riqueza uma coisa deplorável não podem negar que ela favorece a acumulação de novos capitais. E é somente o capital adicional que pode produzir progresso tecnológico, aumento de salários e um melhor padrão de vida. [1] Mir — comunidade rural. A terra era de propriedade comum dos lavradores, a cada um dos quais era atribuído um lote. O sistema não conseguiu sustentar a população crescente e foi abolido em 1906. [2] Artel — mutirão. [3] Zadruga — comunidade rural de quinze a setenta adultos e suas crianças, que viviam como uma grande família. A casa central do chefe da família possuía uma cozinha e um refeitório que atendia a todos. A propriedade não podia ser vendida. Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

José Dirceu, acreditem!, prevê massas nas ruas se for condenado pelo STF!!!

Na raiz da pantomima do Zé está a briga pelo espólio do PT. A lenta sucessão no partido já começou Entenda por que José Dirceu montou a tresloucada operação para tentar se safar no Supremo, sem poupar STF, PGR ou imprensa. Ele quer mais do que a absolvição. Ele quer é, finalmente, ter o controle total do PT. Ai, ai, terei de apelar a um autor que eles julgam “deles”, mas que José Dirceu certamente não leu porque não consta que o folgazão tenha sido um socialista muito disciplinado. No “18 Brumário”, ao esculhambar Luís Bonaparte — o sobrinho de Napoleão, que tentava viver como farsa as glórias do tio — escreveu Marx, acusando-o de se ligar à pior escória e formar um exército informal de vagabundos e desclassificados: “(…) só quando ele próprio assume a sério o seu papel imperial, e sob a máscara napoleônica imagina ser o verdadeiro Napoleão, só aí ele se torna vítima de sua própria concepção do mundo, o bufão sério que não mais toma a história universal por uma comédia e sim a sua própria comédia pela história universal.” A tirada serviria tanto para definir Luiz Inácio Lula da Silva como José Dirceu. O primeiro, no entanto, já está virando história (e esse fato é central nesta pantomima) — e fatalmente chegará o tempo em que será revisitado, por mais que o país emburreça. A caracterização da personagem patética, que faz de si mesmo uma imagem que os fatos se negam a referendar, serve hoje como a luva em José Dirceu, certamente o elemento mais deletério do petismo porque não carrega consigo nem mesmo a marca de certa inovação que Lula, sem dúvida, representou num dado momento da história — depois o sindicalista se perdeu e se dedicou à construção do aparelho partidário que ambicionaria, como ambiciona, substituir a sociedade. Dirceu, com o aporte de Lula, está na raiz de uma frenética movimentação para tentar desmoralizar as instituições brasileiras. Nada escapa ao seu radar, como aqui se vem dizendo desde o fim de março: Procuradoria-Geral da República, Supremo Tribunal Federal e, obviamente, a imprensa. A exemplo de Luís Bonaparte, também tem a sua escória: o subjornalismo pistoleiro — em versão impressa e eletrônica — e uma gangue organizada para patrulhar a Internet e constituir uma enorme rede de difamação de adversários. O objetivo é um só: demonstrar que ninguém tem autoridade moral no país para condená-lo e aos demais quadrilheiros (como os caracterizou a Procuradoria Geral da República). Todas as acusações que há contra a turma — escandalosamente recheadas de EVIDÊNCIAS E CONFISSÕES, como a feita por Duda Mendonça — seriam fruto de uma grande conspiração. Não por acaso, Rui Falcão, presidente do PT, a lorpa da democracia e do estado de direito, saiu atirando contra a o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e contra a imprensa. “Contra a imprensa, não, contra a VEJA!”, diria um bobinho. Isso é bobagem! Podem ter lá a sua hierarquia de desafetos dentro do ódio geral. Mas o ódio que cultivam é à liberdade de expressão. Basta que lembremos quantas vezes eles tentaram criar mecanismos para censurar o jornalismo. Lula teria feito a promessa solene a alguns interlocutores que ainda conseguirá esse intento antes de sair de cena. Na semana passada, Falcão anunciou que a “mídia” será o próximo alvo do governo Dilma. Consta que falou por sua própria conta. De todo modo, o dinheiro público continua a financiar a esgotosfera, prática inexistente nas demais democracias do do mundo. Sigamos. Povo nas ruas O “Zé” agora deu para espalhar por aí, com convicção mesmo, a seus interlocutores que “a sociedade não aceitará a sua condenação” e que, se isso acontecer, “haverá reação”. É mesmo? Reação de quem? Dirceu está confundindo a súcia virtual criada pelos seus sequazes, que finge formar um exército de milhões na Internet, com pessoas de verdade. Quem irá às ruas por José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino? Ousaria dizer que, hoje, nem mesmo o sindicalismo da CUT, que sabe ser pragmático quando interessa, se apressaria mover uma palha em favor deste senhor. Por que tanto desespero? Lula e Dirceu se uniram nessa batalha por motivos diferentes. O primeiro não quer que seu governo fique com a marca de ter protagonizado o maior escândalo da história republicana. Se for superado, será pelo próprio petismo — algo me diz que, bem investigada, as relação do governo federal com a Delta pode disputar o primeiro lugar. Lula já reescreveu o passado, fez com o presente o que bem quis — porque boa parte da crítica política houve por bem suspender o juízo — e agora pretende aprisionar o futuro. Tem alma de ditador, mas contida por uma institucionalidade que nunca foi de seu agrado. De todo modo, está de olho na história. Dirceu não! Dirceu está mesmo é de olho num, como direi, futuro mais próximo, que já começa a ser presente. Lula, é fato, perdeu muito de seu vigor. Ainda que venha a recobrar a saúde possível, já não é mais aquela força da natureza. Poucos se deram conta de que o PT começa a ensaiar os primeiros passos da sucessão — não sucessão formal, claro! Esta é irrelevante. O partido começa a dar os primeiros passos em busca da nova força unificadora. A máquina é gigantesca, e esse é um processo muito lento. Atenção! Não se trata de buscar um novo Lula — isso não haverá, como não houve um novo Getúlio Vargas (Emir Sader, o apedeuta diplomado, escreve “Getulho”!!!). Trata-se de consolidar posições para liderar uma era partidária pós-Lula. Se José Dirceu for condenado — e, acreditem, há mais gente no PT torcendo por isso do que no PSDB!!! —, é evidente que ele e seu grupo perdem força. Ninguém se candidata a liderar uma das maiores legendas no país com uma condenação das costas de “chefe de quadrilha”. Gente com essa denominação merece é aquele terno listrado. O Zé não está apenas querendo limpar a sua biografia ou pensando, sei lá, em obter ganhos pessoais. Nessa área, ele é um portento, não é mesmo? Já foi até consultor da construtora… Delta! Nada disso! O Zé quer é o poder mesmo! Se não for ele a liderar esse PT pós-Lula, pensa lá com seus botões, será quem? Sabe que a eventual condenação no Supremo provocará a deserção de alguns de seus generais. O Zé precisa da absolvição para travar a luta interna, que fatamente virá. Perderam o juízo e a vergonha Daí o vale-tudo. Essa gente perdeu o que restava de juízo e também a vergonha. E anda falando demais! Aqui e ali, os supostos votos no Supremo estão sendo cantados e anunciados como se a Corte fosse a casa da mãe-joana, e os ministros pudessem ser separados entre aqueles que estão enquadrados e aqueles que não estão. Prefiro pensar que isso tudo é fantasia e uma forma de difamação da corte. Nesse sentido, a defesa que ministros do Supremo fizeram ontem de Gurgel foi positiva. Eis Dirceu! Na luta pelo poder, este senhor não mede consequências. O que o Supremo vai decidir, além da sua culpa ou da sua inocência perante a Justiça (e que os ministros decidam segundo os autos), é se o Brasil continuará ou não sujeito a seus métodos e à sua comédia pessoal, vivida como se fosse a história universal.Por: Reinaldo Azevedo

A ideologia verde

Com a aproximação da Conferência Rio+20, as declarações apocalípticas dão o tom do debate. O ministro Gilberto Carvalho, por exemplo, declarou que “o mundo se acabaria rapidamente se fosse universalizado o padrão de consumo das elites”. No mesmo diapasão, o neoconservaciocista Delfim Neto – ninguém menos que um dos idealizadores da escandalosa Transamazônica - foi categórico, em entrevista ao Globo: “Conflitos serão inevitáveis. Não há como o planeta sustentar nove bilhões de pessoas com renda de US$ 20 mil cada”. Essa gente não tem a menor imaginação. No início do Século XIX, quando a Terra era habitada por apenas 1 bilhão de pessoas, Thomas Malthus previu que a população mundial cresceria em proporções geométricas, enquanto a produção de alimentos e outros recursos cresceria em progressão aritmética. “A morte prematura visitará a humanidade em breve, que sucumbirá em face da escassez de alimentos, das epidemias, das pestes e de outras pragas”, profetizou. Em 1968, quando a população mundial era de 3,5 bilhões, o ecologista Paul Ehrlich, um colecionador de prêmios e comendas científicas, escreveu um livro (The Population Bomb) onde previu que, como resultado da superpopulação, centenas de milhões de pessoas morreriam de fome nas décadas seguintes. Num discurso de 1971, ele previu que "até o ano de 2000, o Reino Unido será simplesmente um pequeno grupo de ilhas empobrecidas, habitadas por cerca de 70 milhões de famintos." De lá para cá, a população mundial dobrou e, embora ainda haja problemas sociais graves a resolver, principalmente ligados à pobreza, as previsões alarmistas de Malthus e Ehrlich jamais se concretizaram. Pelo contrário, graças às novas tecnologias e ao crescimento esponencial da produtividade, o percentual de subnutridos nos países em desenvolvimento, em relação ao total da população, vem apresentando uma firme tendência declinante há quatro décadas, tendo baixado de 33% em 1970 para 16% em 2004. O chamado “movimento verde” nasceu da justa indignação de alguns com o desmatamento, a poluição do ar, dos rios e dos mares, além da preocupação com os riscos para a saúde humana provenientes da atividade industrial. Com o tempo, entretanto, o movimento foi sendo dominado e transformado por ideólogos esquerdistas, preocupados não com a poluição ou com a nossa saúde, mas com a política e o poder. A partir desse ponto, a doutrinação, o proselitismo e a disseminação do pânico foram tão fortes que as teorias mais bizarras tornaram-se politicamente corretas. A essência da ideologia verde está na crença de que a humanidade deve minimizar o seu impacto sobre a natureza, custe o que custar. Vide a gritaria contra a aprovação do novo Código Florestal, uma lei extremamente preservacionista e restritiva à atividade econômica, sem similar no mundo, mas que, mesmo assim, conseguiu desagradar os xiitas. Mas os seus principais inimigos são mesmo os combustíveis fósseis, as hidrelétricas e termonucleares, que, não por acaso, ao todo significam quase 98% da produção de energia do planeta, e sem os quais o mundo para. O que os adeptos desse radicalismo se recusam a enxergar é que nós, seres humanos, só sobrevivemos e prosperamos através da transformação da natureza, sem o quê não satisfazemos as nossas necessidades mínimas. Nosso bem estar está diretamente ligado à nossa capacidade de tornar o ambiente a nossa volta menos agressivo e mais hospitaleiro. Pensem por um minuto no que seria de nós sem os modernos sistemas de esgotamento sanitário, a água encanada, as construções mais seguras, resistentes e protegidas das intempéries naturais, a comida fresca e farta, as vacinas e os remédios, os meios de transporte e comunicação rápidos e eficientes. Graças a Deus, as gerações que nos precederam visaram o progresso. Elas tiveram orgulho de construir fábricas, abrir estradas, perfurar poços e escavar a terra a procura de novos recursos. Felizmente, não estavam contaminados pela ideologia verde. O desenvolvimento econômico que eles nos legaram, longe de ser nocivo, é uma verdadeira dádiva, que nos forneceu as ferramentas e a tecnologia necessárias para tornar o nosso habitat mais saudável e acolhedor. É verdade que tudo isso resultou em alguma poluição e desmatamento. No entanto, mesmo esses indesejáveis efeitos negativos têm sido superadas com bastante êxito pelas nações mais avançadas. É claro que a solução não está na restrição do consumo, mas no aumento da produtividade e no desenvolvimento tecnológico. Sem falar que os mais prejudicados, caso esse fanatismo ambientalista prevaleça, serão os mais pobres, caso sejam privados do uso de fontes de energia eficientes e baratas, e, consequentemente, da chance de poderem um dia usufruir do padrão de vida dos países ricos.Por: João Luiz Mauad, O GLOBO

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Código Florestal


Os americanos dizem: " quer proteger fazendas e ranchos aqui? Proteja florestas lá". Lá é o Brasil.

O anúncio acima desmascara toda a campanha que Greenpeace, WWF, ISO e outras ONGS internacionais estão movendo contra o Brasil. Elas representam interesses internacionais poderosos, como da OGGA, associação dos plantadores de milho de Ohio e da Avoided Deforestation Partners, uma entidade de proteção de florestas. 

texto do anúncio é estarrecedor e diz que os americanos devem lutar para proteger as florestas tropicais para que eles possam continuar com as suas fazendas. Que isto é uma causa justa. Que a derrubada de florestas prejudica a agricultura americana, pois o desmatamento reduz o preço das commodities e prejudica a competitividade dos produtos, colocando pressões adicionais sobre as famílias americanas. Que a solução simples, rápida, eficaz e acessível é proteger as florestas. As nossas florestas. Para que eles possam ter fazendas e ranchos lá.

Eles estão errados? É claro que não! Errados somos nós, que aceitamos que as ONGS internacionais venham para cá, defendam os interesses de lá, prejudicando a agropecuária do Brasil, que é competitiva, eficiente e moderníssima. Hoje saiu a Balança Comercial da Agropecuária. Em quatro meses, o Agro deixou U$ 20 bilhões de superavit para o Brasil. E tem gente que comtinua defendendo florestas aqui para eles terem fazendas lá. Ninguém quer desmatar. O que não podemos admitir é abrir mão da nossa soberania territorial e da nossa democracia nesta discussão do Código Florestal.

Dilema

Cada unidade exportada pelo Brasil em 2011 podia comprar 34% a mais do que em 2001 Leitor voraz de jornais, deparei-me há uns dias com a declaração de uma figura do alto escalão econômico do país comemorando a queda do preço das commodities, que, segundo ele, abriria espaço para a redução adicional da taxa de juros. Achei curiosa a celebração, pois, sendo o país um produtor e exportador de commodities, certa dose de masoquismo parece ser necessária para entender tamanha satisfação. Com efeito, qualquer um que tenha acompanhado o desempenho econômico do Brasil nos últimos anos deveria ter em mente o papel central que a elevação do preço internacional das commodities desempenhou de 2001 para cá. Entre 2001 e 2011, os preços de commodities em dólares (medidos pelo índice CRB) aumentaram 77%, já descontada a inflação (medida pelos preços ao produtor nos EUA). Não por acaso, os preços médios das exportações brasileiras cresceram 86% acima da inflação no mesmo período, superando amplamente a elevação dos preços de produtos importados (38%). Assim, cada unidade exportada pelo Brasil em 2011 podia comprar 34% a mais do que em 2001. Dado que a quantidade exportada cresceu 75% nesse período, nosso poder de compra externo aumentou nada menos do que 135%, permitindo uma elevação considerável das importações sem piora das contas externas. De fato, o deficit externo, que equivalia a 4,5% do PIB (40% das exportações) em 2001, caiu para 2,1% do PIB (20% das exportações) em 2011. Segundo minhas estimativas, essa melhora trouxe um ganho ao país da ordem de US$ 60 bilhões no ano passado, ou seja, 2,4% do PIB. Na prática, permitiu que a demanda interna crescesse sistematicamente acima da produção local (algo como um ponto percentual por ano nos últimos seis anos), sendo a diferença coberta por maiores importações, pagas principalmente pelo aumento do poder de compra das exportações. Não há como exagerar o papel das commodities nessa história. Todavia, tais preços vêm caindo desde o terceiro trimestre de 2011, trazendo consigo os preços das exportações nacionais e revertendo (parcialmente) o fenômeno observado até então. No primeiro trimestre deste ano, cada unidade exportada podia comprar cerca de 6% a menos do que no terceiro trimestre do ano passado. A queda na capacidade de importar também reduz o papel das commodities no sentido de manter baixos os preços de produtos manufaturados Por causa disso, de janeiro a março deste ano as exportações atingiram cerca de US$ 4,5 bilhões menos do que poderiam ter alcançado caso os preços não houvessem caído, pouco menos de 1% do PIB. Sem queda adicional de preços, estimo que as perdas podem chegar à casa de US$ 25 bilhões no ano, já descontado o efeito dos menores preços de produtos importados. Como houve redução adicional, contudo, esse valor representa hoje a estimativa mínima para a perda associada à queda de preços de commodities. À luz do descrito acima, não é difícil entender a relação estreita entre esses preços e o desempenho da moeda. Tipicamente o real se aprecia quando os preços de commodities sobem e perde valor quando o contrário ocorre, impedindo que seu aumento (ou queda) se traduza integralmente para os preços em reais e, portanto, mitigando seu efeito sobre a inflação doméstica. Entretanto, a intervenção pesada sobre a taxa de câmbio tem limitado esse mecanismo amortecedor. Enquanto os preços das commodities em dólares caíram 9% entre o terceiro trimestre do ano passado e abril de 2012, esses preços medidos em reais aumentaram 3% no mesmo intervalo (6% nos últimos dois meses), de onde se torna difícil ver sua propalada contribuição à queda da inflação. Por outro lado, a queda na capacidade de importar também reduz o papel das commodities no sentido de manter baixos os preços de produtos manufaturados. Em suma, celebrar a queda do preço de commodities me parece um exercício em masoquismo econômico ou então um desconhecimento alarmante do processo que vitaminou nosso crescimento nos últimos anos. Não saberia dizer qual é a pior alternativa. Por: Alexandre Schwartsman  

Os alemães devem ser idiotas

Você precisa reduzir o colesterol e entrar em forma. Um médico recomenda restrição alimentar - tipo peixe levemente grelhado com legumes no vapor, água com gás e o requinte máximo de uma rodela de limão - mais uma carga pesada de exercícios físicos. Diários. O outro diz que você pode chegar ao mesmo resultado comendo o que gosta, talvez reduzindo os doces, e jogando umas partidas de bocha. Havendo alguma chance de que esta segunda opção funcione, você será um idiota se escolher a primeira. Ou seja, os alemães são uns idiotas. Essa é a conclusão inevitável que se tira do modo como muita gente apresenta as alternativas de política econômica em disputa na Europa. Dizem: a chanceler Angela Merkel recomenda - mais do que isso, impõe o regime da austeridade, sacrifício e suor do rosto. François Hollande, o presidente eleito da França, admite que é preciso ter algum cuidado com a alimentação, as contas públicas, mas oferece o caminho do crescimento acelerado e, melhor, sem muito trabalho. Por exemplo, diz que vai reduzir a idade mínima de aposentadoria de 62 para 60 anos. Na Alemanha, é de 63 anos, mas está subindo para 65 e pode chegar a 67, em alguns casos. Hollande também vai garantir a jornada semanal de 35 horas - uma bandeira de seu Partido Socialista. Na Alemanha, a jornada média chega às 41 horas, sendo a mais longa entre os europeus mais ricos. E os salários na França são mais elevados do que na Alemanha. Como se dizia: é melhor ser rico com saúde do que pobre doente, não é mesmo? Melhor trabalhar menos, ganhar mais, e aposentar-se antes... Tem uns probleminhas, porém. O desemprego na Alemanha está na faixa dos 5%, um dos níveis mais baixos do mundo. Na França, é o dobro. Na saída da crise, a Alemanha cresceu acima de 3,2% em 2010 e 2011. A França, metade disso. Hollande alegou, durante a campanha, que a França cresceu pouco justamente por causa da receita de austeridade - redução do gasto público, especialmente - imposta pelo presidente Sarkozy, uma espécie de sub-Merkel. Não faz sentido. Sarkozy não aplicou a austeridade, de cuja ideia se afastou justamente por medo de perder a eleição, nem fez qualquer reforma estrutural importante. Conseguiu, é verdade, elevar a idade de aposentadoria para 62 anos, mas essa mudança só começaria a valer mais à frente - de modo que ainda não trouxera qualquer efeito antes de ser declarada morta. Também prometera colocar a França de volta ao trabalho, eliminando a jornada de 35 horas, mas conseguiu apenas algumas exceções, caras. Já a Alemanha fez boa parte dessas reformas estruturais no início dos anos 2000 - e isso, ironia, com um governo de esquerda, do social-democrata Gerhard Schröder. A partir daí, assentou as bases do crescimento da década seguinte e, especialmente, a capacidade de escapar da crise mais rapidamente. De onde tiraram que a receita alemã não funciona? É um equívoco enorme apresentar a receita Merkel como a da recessão, em oposição à agenda de crescimento de Hollande. Merkel está dizendo duas coisas: primeiro, que não é possível crescer de maneira sustentada aumentando déficits e dívidas públicas já elevadas; segundo, também não se cresce sem reformas estruturais que devolvam competitividade às economias nacionais. Ou seja, a França cresce pouco e tem desemprego alto não por causa da austeridade - o governo gasta lá o equivalente a 56% do PIB, recorde europeu - mas pela falta de competitividade e excesso de despesa e impostos. Como resolver a falta de crescimento? Ora, é simples, diz Hollande: crescendo mais... E sabe o que deve acontecer? Nada, além da retórica. O governo Hollande acabará sendo muito parecido com o de Sarkozy - nada de mudanças sensíveis. Merkel vai topar algum plano de novos investimentos europeus, com um dinheirinho de algum fundo de desenvolvimento, para o pessoal dizer que se aplicou a agenda do crescimento. Como as contas públicas francesas não estão em situação dramática, há um estímulo para continuar levando assim: crescimento baixo, desemprego alto - mas uma boa vida para quem está empregado ou aposentado. As futuras gerações que se danem. Por: CARLOS ALBERTO O GloboSARDENBERG

O BC e o coelhinho da Páscoa

O Estadão escreveu um importante editorial hoje alertando para os riscos de um BC politizado. O jornal afirma que "já não pode haver dúvida sobre a influência da presidente Dilma Rousseff na política oficial de juros, principal instrumento da administração monetária". A postura do BC tem sido claramente arriscada, para não dizer irresponsável. Os sinais de subserviência política são evidentes. O editorial conclui: "O resultado é um perigoso e indisfarçável retrocesso na gestão da política monetária". O presidente do BC, Alexandre Tombini, não gostou nada das acusações, e escreveu uma resposta publicada no site da instituição. Nela, Tombini garante: "O Banco Central tem assegurada total autonomia para tomar decisões de política monetária, sem quaisquer interferências de outros órgãos do governo ou de agentes econômicos". Mas a pergunta que não quer calar é: quem ainda acredita nisso? Em um ato falho talvez, Tombini usa em nota oficial o termo "presidenta" quando tenta negar a influência da presidente nas decisões de política monetária. Ora ora, meu caro Tombini, quem ainda não percebeu que a senha para detectar em um segundo um servo da presidente é justamente o uso dessa agressão à língua portuguesa que é o uso do termo presidenta? Sinto muito, mas você se entregou já nesse momento. Tombini afirma: "A presidenta da República, Dilma Rousseff, já afirmou publicamente que a condução da política monetária é da alçada exclusiva do Banco Central do Brasil". Eis o problema: dependemos da palavra da presidente, que pode não valer tanto assim para os investidores. O que vale mais são as atitudes e as instituições. Cabe perguntar: por que o Banco Central não goza de independência jurídica ainda? Por que sua autonomia não foi lavrada em lei, com mandato intercalado entre presidente da República e presidente do BC, como ocorre nos países desenvolvidos? É verdade que isso também não é uma garantia gravada em pedra e imutável, pois mesmo o independente BCE corre sérios riscos de politização. Mas ao menos não teríamos uma "autonomia" tão frágil assim, não é mesmo? A presidenta diz, então é verdade? Desculpa, mas nós investidores não funcionamos dessa forma... Por fim, Tombini tenta assegurar o critério estritamente técnico para as decisões do BC: "Todas as decisões tomadas pela atual diretoria colegiada seguem análises e critérios estritamente técnicos, que são explicitados nos documentos oficiais do Banco Central". Há controvérsias! Para quem quer outra opinião, recomendo os artigos de Alexandre Schwartsman na Folha, ou alguns meus mesmo, como esse em que falo dos malabarismos do BC, e esse, onde questiono o tal modelo SAMBA utilizado. Em suma, temos (ainda) liberdade de expressão sim, e cada um fala o que quer. O Estadão acusa o BC de estar domesticado, e o presidente do BC reage em defesa da "presidenta" e sua mesmo. Cada um acredita em quem quiser, claro. Tem gente que acredita em Papai Noel, em coelhinho da Páscoa, e até em nosso BC totalmente independente da pressão política da presidenta! Viva a liberdade de credo... Por: Rodrigo Constantino

Roberto Civita não é Rupert Murdoch

Editorial de O GLOBO 

Blogs e veículos de imprensa chapa branca que atuam como linha auxiliar de setores radicais do PT desfecharam uma campanha organizada contra a revista "Veja", na esteira do escândalo Cachoeira/Demóstenes/Delta. A operação tem todas as características de retaliação pelas várias reportagens da revista das quais biografias de figuras estreladas do partido saíram manchadas, e de denúncias de esquemas de corrupção urdidos em Brasília por partidos da base aliada do governo. É indisfarçável, ainda, a tentativa de atemorização da imprensa profissional como um todo, algo que esses mesmos setores radicais do PT têm tentado transformar em rotina nos últimos nove anos, sem sucesso, graças ao compromisso, antes do presidente Lula e agora da presidente Dilma Roussef, com a liberdade de expressão. A manobra se baseia em fragmentos de grampos legais feitos pela Polícia Federal na investigação das atividades do bicheiro Carlinhos Cachoeira, pela qual se descobriu a verdadeira face do senador Demóstenes Torres, outrora bastião da moralidade, e, entre outros achados, ligações espúrias de Cachoeira com a construtora Delta. As gravações registraram vários contatos entre o diretor da Sucursal de "Veja" em Brasília, Policarpo Jr, e Cachoeira. O bicheiro municiou a reportagem da revista com informações e material de vídeo/gravações sobre o baixo mundo da política, de que alguns políticos petistas e aliados fazem parte. A constatação animou alas radicais do partido a dar o troco. O presidente petista, Rui Falcão, chegou a declarar formalmente que a CPI do Cachoeira iria "desmascarar o mensalão". Aos poucos, os tais blogs começaram a soltar notas sobre uma suposta conspiração de "Veja" com o bicheiro. E, no fim de semana, reportagens de TV e na mídia impressa chapas brancas, devidamente replicados na internet, compararam Roberto Civita, da Abril, editora da revista, a Rupert Murdoch, o australiano-americano sob cerrada pressão na Inglaterra, devido aos crimes cometidos pelo seu jornal "News of the World", fechado pelo próprio Murdoch. Comparar Civita a Murdoch é tosco exercício de má-fé, pois o jornal inglês invadiu, ele próprio, a privacidade alheia. Quer-se produzir um escândalo de imprensa sobre um contato repórter-fonte. Cada organização jornalística tem códigos, em que as regras sobre este relacionamento — sem o qual não existe notícia — têm destaque, pela sua importância. Como inexiste notícia passada de forma desinteressada, é preciso extremo cuidado principalmente no tratamento de informações vazadas por fontes no anonimato. Até aqui, nenhuma das gravações divulgadas indica que o diretor de “Veja” estivesse a serviço do bicheiro, como afirmam os blogs, ou com ele trocasse favores espúrios. Ao contrário, numa das gravações, o bicheiro se irrita com o fato de municiar o jornalista com informações e dele nada receber em troca. Estabelecem as Organizações Globo em um dos itens de seus Princípios Editoriais: "(...) é altamente recomendável que a relação com a fonte, por mais próxima que seja, não se transforme em relação de amizade. A lealdade do jornalista é com a notícia". E em busca da notícia o repórter não pode escolher fontes. Mas as informações que vêm delas devem ser analisadas e confirmadas, antes da publicação. E nada pode ser oferecido em troca, com a óbvia exceção do anonimato, quando necessário. O próprio braço sindical do PT, durante a CPI de PC/Collor, abasteceu a imprensa com informações vazadas ilegalmente, a partir da quebra do sigilo bancário e fiscal de PC e outros. O "Washington Post" só pôde elucidar a invasão de um escritório democrata no conjunto Watergate porque um alto funcionário do FBI, o "Garganta Profunda", repassou a seus jornalistas, ilegalmente, informações sigilosas. Só alguém de dentro do esquema do mensalão poderia denunciá-lo. Coube a Roberto Jefferson esta tarefa. A questão é como processar as informações obtidas da fonte, a partir do interesse público que elas tenham. E não houve desmentidos das reportagens de "Veja" que irritaram alas do PT. Ao contrário, a maior parte delas resultou em atitudes firmes da presidente Dilma Roussef, que demitiu ministros e funcionários, no que ficou conhecido no início do governo como uma faxina ética.

terça-feira, 8 de maio de 2012

O naufrágio da Europa

François HOLLANDE ganha as presidenciais francesas e a Europa, ou uma parte dela, respira de alívio: agora, finalmente, será possível abandonar a austeridade e abraçar o crescimento econômico. O próprio Hollande foi alimentando as expectativas: com ele, a disciplina orçamental imposta pelos alemães aos restantes países da União Europeia seria "renegociada"; a economia francesa iria promover políticas de crescimento econômico a curto prazo; e o Estado social seria preservado, e até reforçado, com mais funcionários públicos, a diminuição da idade da reforma (dos 62 para os 60 anos) e subsídios de todo tipo (para famílias, jovens, empresas etc.). Infelizmente, faltou a pergunta sacramental: e quem paga todos esses delírios? Mistério. Verdade que "monsieur" Hollande, para sustentar algumas das suas propostas, acredita que a Europa será capaz de emitir "eurobonds" para financiar grandes projetos industriais ou de infraestruturas; ou até de alterar os estatutos do Banco Central Europeu para que a instituição passe a financiar diretamente os Estados. O que Hollande desconhece, ou propositadamente ignorou, é que nada disso depende da sua exclusiva vontade. E a Alemanha, que tem a chave do cofre, opõe-se frontalmente às ambições do novo presidente francês. Por questões de princípio, interesse econômico -e eleições em 2013. Ou muito me engano, ou as expectativas geradas por François Hollande só vão durar até as eleições legislativas de junho. Depois, será a ressaca da realidade. 2. Alguns amigos que trabalham na União Europeia não gostam das minhas posições eurocéticas. A União Europeia é sagrada, o euro, idem, as "políticas de austeridade" impostas pela Alemanha, ibidem. E eu não passo de um dinossauro, amarrado a noções anacrônicas de "soberania nacional" que não têm mais lugar no mundo globalizado onde vivemos. Defendo-me como posso. Digo que nada tenho contra a União Europeia. Pelo contrário: reconheço o seu papel como garantia de paz e prosperidade na Europa. Mas reconhecer isso não me obriga a reconhecer o resto. O euro, por exemplo, foi um erro político grave -e a sua manutenção a qualquer preço, um erro político ainda maior. Não é possível que uma moeda comum possa servir a países com estruturas econômicas tão distintas. A União Europeia não é uma federação de Estados. É apenas uma coleção de tribos com histórias, vícios e virtudes dissonantes. O euro, que supostamente acabaria por aproximar as nações do continente, apenas revelou o fosso inultrapassável que existe entre países excedentários (Alemanha) e deficitários (Grécia ou Portugal). De resto, e sobre as "políticas de austeridade", não me oponho a elas -em teoria: é importante que os Estados tenham controle nos gastos e moderação nos seus níveis de endividamento. A festa do euro, que possibilitou dinheiro fácil a juros baixos, não podia continuar. O problema é que não é possível realizar ajustamentos brutais nas economias endividadas do continente quando esses países perderam soberania monetária. A austeridade só alimenta ciclos recessivos sem fim que, por sua vez, exigem novas medidas de austeridade. A Grécia é o melhor exemplo dessa armadilha: depois de dois pacotes de resgate e de um calote negociado da dívida, o país está na mesma: quebrado. E, sem surpresa, com partidos extremistas a crescerem no Parlamento e nas ruas. 3. França, Grécia, Holanda em breve: a grande novidade nos ciclos eleitorais da Europa está no regresso dos extremismos. No primeiro turno das presidenciais francesas, a extrema-direita da Frente Nacional obteve 17,8% dos votos; Marine Le Pen promete agora repetir o resultado nas legislativas de junho. Na Grécia, a esquerda radical ficou em segundo lugar -e um partido abertamente neonazista elegeu duas dúzias de deputados. E, na Holanda, a extrema-direita derrubou o governo duas semanas atrás. Qualquer pessoa que tenha uma noção da história reconhece o que se está a passar: com economia moribunda e desemprego massivo, a Europa regressa à década de 1930. Os meus amigos euroentusiastas assobiam para o lado e fingem que não se passa nada. Essa atitude também faz parte do "déjà-vu".Por:João Pereira Coutinho, Folha de SP

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Pagando para apanhar

De conivente com os seguidos maus-tratos que o governo de Cristina Kirchner vem aplicando às exportações brasileiras, o governo de Dilma Rousseff se dispõe agora a estimular a Argentina a agir como tem agido. Como que movido por um injustificável complexo de culpa - que o impede de cumprir o papel que dele se espera, de defesa dos interesses do País -, aos maus modos com que os fiéis servidores de Kirchner tratam os produtos brasileiros, o governo do Partido dos Trabalhadores responderá com oferta de crédito para as exportações argentinas. É como se estivesse disposto a pagar para que a economia brasileira continue a apanhar. Por coincidência, o volume a ser financiado pode chegar exatamente ao valor do superávit comercial registrado pelo Brasil no comércio com a Argentina em 2011, de US$ 5,8 bilhões, como admitiu o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Alessandro Teixeira. Se chegar a esse montante, o financiamento será maior do que o superávit que o País alcançará neste ano no comércio com a Argentina. As medidas protecionistas que, contrariando as regras do comércio internacional, o governo Kirchner adota há tempos estão provocando forte queda das importações de todas as origens. Mas entre os parceiros comerciais mais prejudicados pelo crescente protecionismo kirchnerista está o Brasil, principal sócio da Argentina no Mercosul - bloco comercial que, na prática, está se tornando cada vez menos relevante por causa de medidas como as adotadas pelos argentinos, que reduzem sua condição de união aduaneira a uma mera formalidade. Em abril, as exportações brasileiras para a Argentina caíram 27% em relação às vendas de abril de 2011. Medidas protecionistas, muitas disfarçadas de providências administrativas, são cada vez mais usadas pelo governo argentino. Continua a aumentar, por exemplo, a lista de produtos para os quais não há mais licença automática de importação - o que dificulta o comércio. Além disso, quando concedida, a licença tem demorado mais do que os 60 dias permitidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Desde fevereiro está em vigor a exigência de apresentação prévia, pelo importador, de uma detalhada declaração juramentada à Administração Federal da Receita Pública (Afip), equivalente à Receita Federal do Brasil. O documento é analisado também por outros órgãos do governo, que não têm prazo para se manifestar, o que retarda um processo já complicado. O resultado do controle mais severo das importações pelas autoridades argentinas, de um modo que vem sendo criticado cada vez mais duramente por seus parceiros e questionado na OMC, não poderia ser outro: atraso na liberação dos pedidos de importação e o acúmulo de mercadorias na alfândega. "Há um desordenamento total no fluxo do comércio exterior", resumiu a presidente executiva da Bracelpa (que reúne os produtores brasileiros de papel e celulose), Elizabeth de Carvalhaes, para o jornal Valor (2/5). Cerca de 40% dos embarques de papel e celulose feitos entre janeiro e março foram retidos nas alfândegas e as remessas de abril foram totalmente bloqueadas. O protecionismo argentino afeta boa parte da produção local, que o governo Kirchner diz querer proteger. Muitas indústrias argentinas, em tese protegidas pelo governo, dependem de componentes importados. É o caso das fabricantes de geladeiras, que utilizam compressores fabricados no Brasil. A indústria de liquidificadores utiliza vários componentes importados, como copos chineses. Boa parte da indústria de vestuário emprega tecido importado. Para o consumidor final, o produto considerado nacional fica mais caro ou começa a faltar nas lojas. Sem contar que produtos finais importados - entre os quais alimentos, eletrodomésticos e brinquedos - também desaparecem das prateleiras. Os exportadores brasileiros, além dos transtornos causados pelo aumento das exigências argentinas, são onerados com o aumento dos custos logísticos ou mesmo perda de negócios. O governo Dilma parece concordar com tudo isso.Por: EDITORIAL O ESTADÃO, O Estado de S. Paulo

Argentina, a marginalizada

Cerca de 20 anos atrás, um importante ministro argentino surpreendeu um embaixador recém-chegado do Brasil, dizendo-lhe que "a Argentina é pródiga em três coisas: carne, trigo e em tomar atitudes insanas". A decisão de expropriar 51% da YPF, maior empresa energética argentina, braço da empresa espanhola Repsol é um desses gestos. Somada à sua desconsideração em relação aos credores estrangeiros e ao crescente e arbitrário protecionismo que desrespeita todas as regras mundiais e regionais, a decisão tomada pela presidente Cristina Fernández de Kirchner leva a Argentina para mais perto de ser considerado internacionalmente como um país sem lei. Quaisquer que sejam seus benefícios e popularidade no curto prazo, gestos de tal gravidade sempre implicam graves consequências de longo prazo. Em particular, criam o risco de isolar um país dos principais fluxos de crédito, investimento e comércio - ou seja, todas as atividades que geram oportunidade econômica e prosperidade. Maus governos são sempre orientados por seu anseio de um surto imediato na popularidade, independentemente dos custos futuros. Governos argentinos vem fazendo disso um hábito desde que Juan Domingo Perón chegou ao poder em 1946. Com efeito, como resultado da decisão de Cristina, a Argentina agora se encontra em ostracismo internacional nos mercados de energia e financeiros. Impossibilitada de prover qualquer investimento ou recursos tecnológicos e know-how para explorar as reservas da YPF, seu governo precisará convidar outros para preencher o vazio financeiro e tecnológico criado pela exclusão forçada da Repsol. Mas qualquer empresa internacional que participe da exploração dos bens expropriados da Repsol poderá enfrentar sérios problemas legais. A Petrobras, gigante brasileira no setor energético e uma das maiores companhias do mundo, foi publicamente convidada a expandir sua produção na Argentina mediante novos investimentos. A Petrobras, com os seus interesses em todo o mundo, nunca poderia aceitar esse convite, especialmente em vista de seu esforço para obter o financiamento de que necessita para explorar as imensas reservas brasileiras de petróleo no mar. Comenta-se que a Sinopec, segunda maior empresa petrolífera chinesa, manteve discussões com a Repsol para adquirir uma parte substancial de seus ativos na Argentina. Agora, todas as alternativas estão fora de questão. Como disse à Reuters uma fonte chinesa não identificada, "essa é uma situação complicada para qualquer empresa, tendo em vista as medidas tomadas pelo governo. Para mim, seria suicídio político permitir a uma empresa chinesa prospectar os direitos de controle sobre a YPF, após o anúncio de estatização". A Repsol foi severamente prejudicada pela ação de Cristina, tendo perdido cerca de 50% de sua capacidade produtiva e um terço de sua receita. O governo da Espanha, indignado, promete vigorosa retaliação, e com certeza terá o apoio político da União Europeia. Mas é difícil imaginar que medidas poderão efetivamente levar Cristina a reconsiderar [sua decisão]. Afinal de contas, uma vez que tudo isso era previsível, e que os investidores estrangeiros agora ficarão mais reticentes em entrar no mercado, ela claramente calculou que os benefícios políticos superariam largamente os custos econômicos. Mas isso depende muito de a estatização resultar em aumento da produção. Parece claro que isso não acontecerá, a menos que o governo decida injetar enormes recursos fiscais na YPF à custa de outras necessidades prementes. Uma vez que isso é improvável, é inevitável uma escassez no suprimento. O petróleo desperta grande fascínio popular. Para países que o possuem em abundância, é um dos pilares mais sólidos e centrais de nacionalismo. E é, em toda parte, o motivo real ou imaginário de muitas guerras - o "ouro negro" que alimenta e desperta a cobiça. Para aqueles governantes que não se importam se suas vitórias são de Pirro, é também um recurso de fácil acesso para manipular a imaginação pública com as teorias da conspiração e posturas patrióticas. O governo de Cristina tem emitido sinais de que está determinado a continuar em seu curso errático, não apenas criando caos na economia, mas também marginalizando o país aos olhos da comunidade internacional. Mas decisões como essa, que por vezes parecem começar bem, invariavelmente, terminam mal. Pessoalmente, estou profundamente entristecido com o fato de a Argentina ter enveredado nesse terreno de erros e ilusões. É um grande país, com pessoas sofisticadas e extremamente bem-sucedidas em todos os campos. Para o Brasil, não pode haver satisfação em ver um vizinho tão próximo distanciar-se do direito internacional e envolver-se em aventuras perigosas, em última instância em detrimento de seu próprio povo.Por: LUIZ FELIPE LAMPREIA, Valor Econômico

O assustador ataque aos bancos

O atual governo tem demonstrado inédita inquietude em relação aos juros. Em vez de prosseguir o trabalho paciente e tecnicamente fundamentado de seus antecessores, que permitiu diminuir de forma sustentada as taxas de juros, agiu politicamente. Determinou que os bancos públicos reduzissem as taxas de juros para induzir as instituições financeiras privadas a fazer o mesmo. Experiências semelhantes provocaram perdas e necessidade de injeção de recursos do Tesouro naqueles bancos. Em lugar de recorrer a medidas estruturais, a presidente Dilma decidiu atacar os bancos privados: "É inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com um dos juros mais altos do mundo". Acontece que solidez e lucratividade não têm necessariamente relação com juros altos. A solidez foi construída ao longo de anos, fruto do trabalho dos bancos e do governo, particularmente do Banco Central. A solidez explica por que os bancos brasileiros resistiram bem aos efeitos da atual crise financeira mundial. A solidez é para ser comemorada, não para outros motivos. Quanto à lucratividade, estudos mostram que os bancos não têm retorno diferente do das grandes empresas brasileiras. Medidas para reduzir as elevadas taxas de juros do Brasil devem integrar permanentemente a agenda do governo. Isso têm acontecido nos últimos dezoito anos, pelo menos. Ainda figuramos entre os campeões dos juros altos, mas a situação tem melhorado. A taxa de juros básica do Banco Central (Selic) - que influencia as demais - já foi de mais de 40% ao ano e hoje caminha para as proximidades dos 8% ao ano. O spread bancário também diminuiu. Foi o efeito de um esforço de reformas para atacar as razões estruturais da excepcionalidade. A vitória contra a inflação descontrolada (Plano Real) e a estabilidade macroeconômica foram seguidas de outros avanços: a alienação fiduciária, a nova Lei de Falências, o crédito consignado, o acompanhamento sistemático das condições de crédito pelo Banco Central e, mais recentemente. a Lei do Cadastro Positivo. Tudo isso reforçou a segurança na concessão de empréstimos e melhorou o ambiente informacional. Os bancos adquiriram meios para bem avaliar riscos, premiar os bons pagadores com menores taxas de juros e expandir o acesso ao crédito. O potencial de crescimento se ampliou. O bem-estar aumentou. É preciso avançar com medidas estruturais de mesmo quilate. Por exemplo, duas causas explicam as altas taxas de juros: a tributação das transações financeiras e o volume de recursos que os bancos são obrigados a recolher ao Banco Central, ambos sem paralelo no mundo. Resquícios de insegurança jurídica típica do Brasil reclamam novas reformas. Além de ter taxas de juros das mais altas do mundo, o Brasil ostenta um dos maiores níveis de emprego informal do planeta. São duas excepcionalidades derivadas de problemas estruturais acumulados, de difícil solução em prazo curto. Não se vê, todavia, alguém culpando os empregadores pela informalidade no mercado de trabalho. Não há como promover no grito a formalização, nem dessa forma baixar a taxa de juros. Felizmente, tal como aconteceu nos juros, a informalidade tem diminuído sob a influência da estabilidade macroeconômica, do crescimento da economia, da melhor fiscalização e de avanços institucionais. A presidente mira e acena um alvo fácil. Atacar sintomas que a população confunde com causas faz subir a popularidade. A maioria pensa como Dilma. A desinformação é enorme. A educação financeira é deficiente no Brasil. Os bancos nunca foram benquistos. O tema tende a ser influenciado pela emoção. No Plano Cruzado (1986), faltou carne no mercado. Era um sintoma decorrente do insustentável congelamento dos preços. Vender gado para abate era o caminho certo para o prejuízo. Os pecuaristas se protegeram. O custo de reter o seu rebanho era preferível à falência. O governo empreendeu então uma espetaculosa caça ao boi no pasto, com helicópteros e policiais federais. A medida não salvou o Plano Cruzado. Espera-se que, caso fracasse sua cruzada contra os bancos, Dilma não se aventure a procurar juros baixos no pasto. REVISTA VEJA O atual governo tem demonstrado inédita inquietude em relação aos juros. Em vez de prosseguir o trabalho paciente e tecnicamente fundamentado de seus antecessores, que permitiu diminuir de forma sustentada as taxas de juros, agiu politicamente. Determinou que os bancos públicos reduzissem as taxas de juros para induzir as instituições financeiras privadas a fazer o mesmo. Experiências semelhantes provocaram perdas e necessidade de injeção de recursos do Tesouro naqueles bancos. Em lugar de recorrer a medidas estruturais, a presidente Dilma decidiu atacar os bancos privados: "É inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com um dos juros mais altos do mundo". Acontece que solidez e lucratividade não têm necessariamente relação com juros altos. A solidez foi construída ao longo de anos, fruto do trabalho dos bancos e do governo, particularmente do Banco Central. A solidez explica por que os bancos brasileiros resistiram bem aos efeitos da atual crise financeira mundial. A solidez é para ser comemorada, não para outros motivos. Quanto à lucratividade, estudos mostram que os bancos não têm retorno diferente do das grandes empresas brasileiras. Medidas para reduzir as elevadas taxas de juros do Brasil devem integrar permanentemente a agenda do governo. Isso têm acontecido nos últimos dezoito anos, pelo menos. Ainda figuramos entre os campeões dos juros altos, mas a situação tem melhorado. A taxa de juros básica do Banco Central (Selic) - que influencia as demais - já foi de mais de 40% ao ano e hoje caminha para as proximidades dos 8% ao ano. O spread bancário também diminuiu. Foi o efeito de um esforço de reformas para atacar as razões estruturais da excepcionalidade. A vitória contra a inflação descontrolada (Plano Real) e a estabilidade macroeconômica foram seguidas de outros avanços: a alienação fiduciária, a nova Lei de Falências, o crédito consignado, o acompanhamento sistemático das condições de crédito pelo Banco Central e, mais recentemente. a Lei do Cadastro Positivo. Tudo isso reforçou a segurança na concessão de empréstimos e melhorou o ambiente informacional. Os bancos adquiriram meios para bem avaliar riscos, premiar os bons pagadores com menores taxas de juros e expandir o acesso ao crédito. O potencial de crescimento se ampliou. O bem-estar aumentou. É preciso avançar com medidas estruturais de mesmo quilate. Por exemplo, duas causas explicam as altas taxas de juros: a tributação das transações financeiras e o volume de recursos que os bancos são obrigados a recolher ao Banco Central, ambos sem paralelo no mundo. Resquícios de insegurança jurídica típica do Brasil reclamam novas reformas. Além de ter taxas de juros das mais altas do mundo, o Brasil ostenta um dos maiores níveis de emprego informal do planeta. São duas excepcionalidades derivadas de problemas estruturais acumulados, de difícil solução em prazo curto. Não se vê, todavia, alguém culpando os empregadores pela informalidade no mercado de trabalho. Não há como promover no grito a formalização, nem dessa forma baixar a taxa de juros. Felizmente, tal como aconteceu nos juros, a informalidade tem diminuído sob a influência da estabilidade macroeconômica, do crescimento da economia, da melhor fiscalização e de avanços institucionais. A presidente mira e acena um alvo fácil. Atacar sintomas que a população confunde com causas faz subir a popularidade. A maioria pensa como Dilma. A desinformação é enorme. A educação financeira é deficiente no Brasil. Os bancos nunca foram benquistos. O tema tende a ser influenciado pela emoção. No Plano Cruzado (1986), faltou carne no mercado. Era um sintoma decorrente do insustentável congelamento dos preços. Vender gado para abate era o caminho certo para o prejuízo. Os pecuaristas se protegeram. O custo de reter o seu rebanho era preferível à falência. O governo empreendeu então uma espetaculosa caça ao boi no pasto, com helicópteros e policiais federais. A medida não salvou o Plano Cruzado. Espera-se que, caso fracasse sua cruzada contra os bancos, Dilma não se aventure a procurar juros baixos no pasto.Por: MAILSON DA NÓBREGA, Revista Veja

Esquerdas Excitadas Acham que algo Mudou na França

França elege presidente socialista – mancheteiam os jornais. Para o leitor incauto, fica a impressão de que o campeão socialista, François Hollande, derrotou o malvado capitalista Nikolas Sarkozy. As esquerdas estão assanhadas. Já vi pessoinhas desinformadas vibrando com a vitória do bem sobre o mal. Ora, não é bem assim. Há horas venho falando no que os franceses chamam de “glissement de mots”. As palavras vão escorregando e acabam adquirindo um sentido oposto ao que antes significavam. Claro que tais escorregadelas não são inocentes. No século passado ocorreu uma, e das mais graves. A Rússia criou a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E os europeus criaram a social-democracia. Os comunistas, num lampejo de marketing, associaram o socialismo europeu ao socialismo soviético. E toda Europa virou – pelo menos para os botocudos – socialista. Como se o socialismo comunista algo tivesse a ver com o socialismo social-democrata. Mas o sofisma pegou. Hollande não é socialista. É social-democrata, o que é bastante diferente de ser socialista. E muito próximo de ser capitalista. Ou centro-direita, como preferem os mais delicados, já que a palavrinha capitalismo se tornou um tanto fora de moda após o desmoronamento do comunista. Poucos ainda têm a coragem de usá-la. Entre estes, o cineasta Michael Moore, que permanece preso no passado e ainda vê um conflito entre capitalismo e democracia. Democracia, para o cineasta, é obviamente o socialismo. Aquele das Repúblicas Socialistas Soviéticas, bem entendido. "O dia 6 de maio marca um novo começo para a Europa", afirmou Hollande, observando que os eleitores escolheram a mudança. Como político, só pode falar em mudança. O espantoso é que ainda há quem acredite nisso. Em todos os jornais que leio, vejo alminhas ingênuas achando que ontem a França deu uma guinada à esquerda. Retornemos 31 anos atrás. Eu voltava da Inglaterra com uma amiga. Seriam seis da tarde. Em Paris, mal cheguei em casa, liguei a televisão. Na tela, aos poucos foi surgindo uma imagem. Começou pela testa e foi descendo, em fatias. Antes que tivesse chegado aos cílios, percebi que não era a careca de Giscard d’Estaing. O vencedor das eleições na França, naquele 10 de maio, era Mitterrand. Mesmo a imprensa internacional foi surpreendida. Havia apostado na vitória de Giscard. Só quando caminhões de champanhe começaram a abandonar o QG de Giscard, os jornalistas perceberam que a notícia estava ailleurs. Minha amiga, gaúcha em trânsito pela Europa, apavorou-se. Confundida pela associação que a imprensa brasileira fazia entre o socialismo francês e o socialismo soviético, queria pegar passaporte e voltar ao Brasil antes que o novo governo fechasse as fronteiras. Verdade que nem só ela se confundiu. Empresários franceses empacotaram seus dinheiros e tentaram sair do país através de discretas fronteiras suíças. Medo bobo. Como bom francês, Mitterrand não iria sacrificar o bem-estar de seus conterrâneos em nome de um ideal besta. Socialismo mesmo - le vrai - a França só recomenda para o Terceiro Mundo. A eleição de Mitterrand é um desses mistérios que confunde qualquer analista político. Ninguém desconhecia sua participação no governo pró-nazista de Vichy, do qual recebeu, na primavera de 43, a Francisque, a mais alta condecoração conferida pelo marechal Pétain. Tampouco era desconhecida sua participação decisiva, como ministro do Interior, na guerra da Argélia e nas torturas praticadas pelo Exército francês. Defensor de uma Argélia francesa, Miterrand reprimiu com ferocidade os movimentos insurrecionais. Em setembro de 53, declarou: "Para mim, a manutenção da presença francesa na África do Norte, de Bizerte a Casablanca, é o primeiro imperativo de toda política". Em 54, afirmou na tribuna da Assembléia Nacional: "A rebelião argelina não pode encontrar senão uma forma terminal: a guerra". Um golpe de imprensa empanava sua trajetória, o falso atentado nas cercanias do Luxembourg. Na noite de 15 de outubro de 59, ao sair da brasserie Lipp, Mitterrand, então senador pela Nièvre, sentiu-se perseguido por um carro. Ele faz um desvio pela avenue de l’Observatoire, pára sua 403, pula uma cerca viva e se joga de bruços na grama. Uma rajada de metralhadora é disparada sobre seu carro. No dia seguinte, o fato está na primeira página de todos os jornais, do Le Monde ao Humanité, o jornal oficial do PC francês. Aos 43 anos, o político ambicioso vira herói. A glória é efêmera. Três dias depois, o jornal Rivarol, entrevista um dos agressores de Mitterrand, que afirma ter sido o próprio Mitterrand que encomendara o atentado, para fazer subir sua cota de popularidade. O desmonte da farsa caiu no vazio. Processado por ultraje à magistratura, após a cassação de sua imunidade parlamentar, Mitterrand será beneficiado por um non-lieu, como também seus "agressores". Ex-colaborador de um governo pró-nazista, condecorado por este mesmo governo, mentor da guerra na Argélia e responsável pela tortura de milhares de argelinos, anticomunista ferrenho numa França que sempre nutriu simpatias pelo regime soviético, farsante vulgar capaz de forjar um atentado para ganhar votos, nada disto impediu Mitterrand de derrotar Giscard em 81, com 52,22% dos votos expressos, e de eleger-se por mais um setenato em 88. Empunhando a bandeira do socialismo, Mitterrand, político de extração nazista e queridinho de Pétain, enganou não só os franceses como o mundo todo. Na época, também se falou em mudanças. Mudou algo na França de 1981 para cá? Estruturalmente, nada. Mudaram apenas fatores que nada têm a ver com orientação política, mas dependem da economia e imigração, como maior desemprego e avanço do islamismo. Se algo novo ocorreu na França de lá para cá foi sua adesão ao euro, mas isso nada tem a ver com socialismo ou Mitterrand. Hollande prometeu aumentar gastos públicos e impostos. Não vai conseguir. Isto não depende dele, mas do consenso dos 27 da Europa. Que são governados, em sua maioria, por conservadores. Se em algum momento o candidato teve algum propósito socializante, terá de voltar atrás, como fez Mitterrand. Tire o cavalinho da chuva quem acha que a França mudou. A França é eterna. Não muda. Nem tem porque mudar, pelo menos rumo a um sistema que já morreu.Por: Janer Cristaldo
O objetivo de uma sociedade civilizada é o progresso. Para que haja progresso, é necessário haver um aumento na eficiência desta sociedade. Tal aumento na eficiência é baseado (1) no aumento da acumulação de capital, (2) no aumento da divisão do trabalho, (3) no aumento da especialização, e (4) em um melhor uso do conhecimento descentralizado. À medida que uma sociedade avança, ela aumenta em complexidade. Esta é a própria essência da ordem social. Mas a decisiva questão social que atormenta os países de hoje não é esta dicotomia entre "mais complexidade vs. menos complexidade". A questão é a origem da complexidade. E por que esta questão é importante? Por causa daquilo que permite o aumento da complexidade de uma sociedade: o aumento do seu capital. Capital são todos os ativos que ajudam a produzir tanto outros ativos quanto bens de consumo. Capital também pode ser entendido como o dinheiro que pode ser utilizado para a produção de bens produtivos. Em ambos os casos, o ativo empregado — o capital — produz um retorno mais do que capaz de cobrir os gastos do proprietário (empreendedores e capitalistas), permitindo que o empreendimento seja autossustentável. Por outro lado, se a atividade não gera lucros, então ela é consumidora por natureza, e não produtiva. Por exemplo, um automóvel nas mãos de um caixeiro viajante é um capital, pois é a ferramenta de trabalho utilizada para obter um retorno financeiro; já um automóvel nas mãos de um universitário que o utiliza para ir ao cinema não é um capital. Dinheiro, também, pode ser capital ou não, dependendo dos fins para os quais ele é utilizado — para comprar um ativo produtivo ou para comprar um bem de consumo. Logo, por definição, capital é aquilo que aumenta a produtividade e, em última instância, o padrão de vida de uma sociedade. Exemplos de bens de capital são todos os fatores de produção, como ferramentas, maquinários, edificações, meios de transporte etc., que tornam o trabalho humano mais produtivo. É a acumulação de capital, portanto, o que financia e permite todos os processos de produção. A acumulação de capital faz isso ao acrescentar complexidade aos arranjos econômicos, o que significa que ela aumenta a especialização. Este capital utilizado deve ser substituído constantemente por meio de novos investimentos. Se a reposição do capital é interrompida, a sociedade entra em declínio. Sendo assim, é preciso fazer uma distinção entre as atividades que realmente estimulam a acumulação de capital e aquelas que levam ao seu esgotamento. Uma economia em aparente crescimento não irá manter este crescimento caso não haja acúmulo de capital suficiente para sustentar este crescimento. Neste caso, diz-se que o crescimento é artificial, baseado exclusivamente em um aumento da quantidade de dinheiro na que faz gerar a ilusão de enriquecimento. Já uma economia em recessão não sairá da recessão enquanto não acumular o capital necessário para tal. O principal problema econômico enfrentado pelo mundo atual é a ampla difusão do planejamento central de estilo keynesiano sob os auspícios de burocratas dos governos e seus bancos centrais. O keynesianismo aumentou o nível de subsídios governamentais para praticamente todos os setores da economia. Isto vem tornando os sistemas econômicos mais frágeis. Eles estão sendo geridos e controlados nos mínimos detalhes por comitês de "burocratas especialistas". Neste sentido, podemos prenunciar algo semelhante a um colapso. O melhor exemplo na história recente ainda é a URSS. Porém, o sistema keynesiano não possui o mesmo estilo soviético em sua intensidade. Trata-se de uma política 'de meio termo'. Ela pode levar a sérias rupturas econômicas, e irá. Mas falar sobre um total colapso econômico é algo um tanto equivocado. O livre mercado sabe como contrabalançar políticas errôneas. Indivíduos e empreendedores com melhor conhecimento (em busca do lucro) estarão constantemente substituindo indivíduos com pouco conhecimento (burocrático). Este processo ocorre na margem, "pouco a pouco, linha por linha". Isto significa que prejuízos econômicos produzem como resposta alocações individuais que beneficiam os consumidores. O gerenciamento burocrático da economia gera colapsos. A liberdade não. Keynes argumentava, e seus discípulos seguem argumentando, que a causa de um baixo crescimento econômico — e, consequentemente, de um alto desemprego — seria uma insuficiente demanda agregada. Logo, o governo deveria criar vários programas de estímulo e incentivar todo e qualquer tipo de consumismo. Mas falar que o problema é uma baixa demanda agregada é apenas uma outra maneira de dizer que o problema seria um excesso de oferta agregada. O fato de os keynesianos jamais colocarem as coisas desta forma não afeta a verdade analítica do argumento. O keynesiano é metodologicamente um coletivista. Ele olha apenas para agregados. Ele recomenda programas governamentais que afetem os agregados. Já o economista austríaco é um individualista metodológico. Ele olha para um recurso específico oferecido em um mercado específico em um momento específico. O keynesiano culpa a baixa demanda agregada pelo baixo crescimento econômico e, consequentemente, pelo desemprego. Ele se concentra no lado da demanda. Logicamente, ele poderia perfeitamente se concentrar também no lado da oferta: a mão-de-obra agregada. Ele poderia, com a mesma facilidade e paixão, clamar por programas governamentais que reduzissem a oferta de mão-de-obra agregada. O fato de ele não fazer isso advém de sua preferência inabalável pelo contínuo aumento dos gastos governamentais. Ele odeia se concentrar em questões do lado da oferta. Mas qual o problema em se estimular a economia e o emprego por meio de gastos do governo? Porque gastos do governo, ao contrário de estimular o necessário acúmulo de capital, geram seu consumo e consequente esgotamento. Apenas gastos gerados por uma genuína demanda de mercado são saudáveis para uma economia. Apenas uma genuína demanda de mercado pode estimular o acúmulo de capital. Por quê? A demanda de mercado é gerada e conduzida por consumidores, isto é, por pessoas que voluntariamente decidem o que comprar e o que não comprar com o dinheiro que ganharam com seu próprio esforço. As prioridades dos consumidores determinam o que deve ser produzido no mercado, como deve ser produzido e para quando deve ser produzido. Os financiamentos serão ofertados de acordo com estas preferências. Já a demanda criada pelos gastos do governo é conduzida por políticos e burocratas. O que quer que eles determinem ser "bom" para a população será produzido de acordo com decretos governamentais, e não de acordo com a real preferência dos consumidores. As prioridades e conveniências eleitorais de políticos e burocratas é que irão determinar quem será beneficiado pelos gastos do governo e o que tais empresas deverão produzir. A demanda de mercado é satisfeita por empreendedores que incorrem em riscos. Ou eles obtêm êxito em produzir e vender justamente aquilo que os consumidores querem (e, consequentemente, são recompensados por isso), ou eles fracassam e se mostram incapazes de ofertar aquilo que os consumidores queriam (e, consequentemente, pagam o preço por este seu julgamento mal sucedido, incorrendo em prejuízos). Esta constante necessidade de estar sempre tendo de agradar aos consumidores implica necessariamente prudência e poupança para os contínuos investimentos futuros. Já a demanda do governo é financiada pelo dinheiro extraído via impostos. Os cidadãos pagadores de impostos são obrigados a sustentar os desejos e projetos de uma elite de políticos e burocratas coligada aos grandes setores empresariais, que são poderosos lobistas. Tal demanda, totalmente artificial, gera desperdícios de capital e investimentos insustentáveis, muito embora seja bastante eficiente para encher os bolsos daqueles mais bem conectados politicamente. Nenhum sacrifício é exigido da parte deste grupo beneficiado — todo o capital é confiscado da sociedade e redistribuído entre eles. A demanda de mercado é cada vez mais restringida por regras e regulamentações governamentais. Pense na miríade de agências reguladoras, secretarias e ministérios que são criados supostamente para se "proteger" o consumidor. Seu único feito é dificultar e obstruir a harmonia dos mercados, sem gerar benefício algum para os consumidores. Uma enorme e crescente quantia de capital é queimada apenas para se adaptar às regulamentações estatais. Já a demanda do governo é limitada unicamente pela perspectiva de falência da entidade estatal. Ocasionalmente, ela pode também ser limitada pela ação de eleitores mais sensatos. O primeiro cenário é factível apenas na zona do euro. O segundo, por enquanto, em lugar nenhum. Em situações extremas, uma demanda de mercado (por comida, por exemplo) pode levar a revoluções contra um governo déspota e suas interferências no mercado. Já uma demanda de governo (por bens como armamentos) irá apenas perpetuar seu poder e tirania sobre seu povo. A demanda de mercado cria empreendimentos lucrativos. Empreendimentos lucrativos geram capital para outros empreendimentos e empregos sustentáveis, que não dependem de estímulos artificiais. Já a demanda criada por gastos do governo gera apenas empregos improdutivos, isto é, empregos que consomem capital em vez de criar mais capital. Empregos governamentais são um bom exemplo de empregos integralmente sustentados pelos pagadores de impostos. Isto significa que o governo deve confiscar capital de empreendimentos lucrativos para poder criar um emprego consumidor de capital (ou ele pode também pegar dinheiro emprestado, desta forma reduzindo a disponibilidade de financiamento para estes empreendimentos). A demanda de mercado recompensa aqueles indivíduos produtivos e competentes, que tiveram presciência e souberam satisfazer às demandas dos consumidores. Seus lucros são um sinal de que eles estão sabendo como satisfazer as demandas de seus consumidores. Lucros são um sinal de que o capital está sendo eficientemente empregado. Lucros fornecem capital para outros empreendimentos. Já a demanda do governo recompensa lobistas, políticos corruptos, burocratas e empresas que possuem grande capacidade de subornar reguladores (ou de serem subornadas). Tudo isso com o capital confiscado dos produtivos. A demanda de mercado requer apenas uma moeda estável e a menor interferência governamental possível para crescer. Já a demanda do governo requer a criação cada vez maior de dinheiro (inflação) e um contínuo aumento do endividamento e da carga tributária. Todos estes três fatores são destruidores de capital. A demanda de mercado tem de ser livre das demandas do governo para poder funcionar harmoniosamente. Os consumidores são prioritários em uma economia de mercado. Já a demanda do governo cresce até o ponto em que a demanda de mercado definhe por completo, pois as demandas de governo — em decorrência do seu monopólio da violência e do poder de polícia — têm prioridade sobre as demandas de mercado. Além das questões puramente econômicas, qual das duas demandas é a mais moralmente defensável? Hans F. Sennholz (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos. Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou. Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997. Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade. Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque

O McDonald's como o paradigma do progresso


Aquele pessoal bacana do McDonald's aqui perto de casa já me conhece bem, mas até eles se mostraram intrigados quando me viram batendo uma dúzia de fotos de seu interior recém-restaurado, que ficou absolutamente magnífico.  Como em todos os lugares do tipo fast food, o gerente já está acostumado com determinados clientes, mas ainda assim se mostrou um tanto surpreso ao ver um fã dedicado como eu.
E eu me senti plenamente satisfeito ao ver os dados recentes sobre as contratações feitas por esta empresa nos EUA em meio ao péssimo momento econômico vivenciado pelo país.
A taxa de participação na força de trabalho nacional vem caindo há uma década — o que significa que muitas pessoas desestimuladas simplesmente pararam de procurar emprego e agora são consideradas como fora da força de trabalho —, e hoje este valor está no mesmo nível em que estava durante a recessão de 1982.  Se estas pessoas estivessem abandonando a força de trabalho com pilhas de dinheiro e com toda a intenção de viver o sonho de uma vida de lazer, isso até poderia ser boa notícia.
Lamentavelmente, no entanto, todas as evidências apontam para a direção contrária.  As pessoas querem empregos remunerativos, mas não conseguem encontrar; e sua situação está piorando, e não melhorando, graças principalmente às restrições legais e aos fardos artificiais impostos sobre instituições que, em circunstâncias normais, estariam contratando.
O McDonald's parece ser o responsável por mais da metade dos novos empregos que estão sendo criados agora nos EUA no setor varejista: em abril, ele acrescentou 30.000 pessoas à sua folha de pagamentos.  A rede vai assim se opondo às tendências — meio que como nadar contra a maré.
Porém, em vez de congratular esta grande empresa por fazer o impossível, a imprensa sempre a julga de maneira hostil e implacável.  Fazer hambúrgueres é o único tipo de emprego que existe atualmente?  Certamente este é um bom indício do quão patético está o "crescimento" da economia americana.
Mas o problema com esta linha de raciocínio é que ela não reconhece o quão difícil é para uma instituição se adaptar a este clima e, mais ainda, conseguir crescer nele.  E como o McDonald's faz isso?  Trata-se de uma velha receita: observe os mercados, emule os bem-sucedidos, adapte-se e mude.  E, acima de tudo, seja submisso ao público consumidor.
A reinvenção do McDonald's começou somente em 2009, quando sua gerência percebeu a irrevogável tendência em prol de comidas saudáveis, cafés elegantes e extravagantes, e bebidas adocicadas feitas à base de frutas, tudo servido em ambientes elegantes como aqueles do Starbucks.  Poderia o McDonald's, a própria essência da 'demanda inculta' por batatas fritas e sanduíches gordurosos, realmente se intrometer neste mercado destinado aos cultos e elegantes?
Não parecia provável ou verossímil, mas empresa decidiu tentar.  Novos itens de café da manhã, como parfaitsde frutas, foram criados.  Uma salada de maçãs e nozes, junto com várias outras saladas especiais, foram criadas para o menu do almoço.  Surgiu um novo sanduíche feito de carne Angus (que, para mim, tem o mesmo sabor de uma carne servida em um restaurante chique).  Surgiram também novas bebidas adocicadas tão gostosas quanto (ou até mesmo melhores que) suas semelhantes que custam o dobro em bares especializados e chiques.
Não que o McDonald's meramente corra atrás dos modismos do público.  A empresa, em meados da década de 1990, respondeu a um forte clamor do público por alimentos diet criando o sanduíche McLean.  Ninguém comprou.  A empresa simplesmente o retirou do menu.  A lição é que a devoção do público a um certo modismo não necessariamente se traduz em hábitos de compra definitivos.  Consequentemente, a empresa decidiu que todas as alterações futuras teriam de ser solidamente fundamentadas na realidade, e certamente é isso que a empresa está fazendo hoje.
Acima de tudo, houve o acréscimo de novos tipos de café.  Cada um é feito de grãos recém-moídos, com a adição de leite fresco (integral ou desnatado), tudo feito de imediato.  O McDonald's acrescentou seu próprio estilo ao arranjo.  O mais irritante aspecto do Starbucks, como todos sabem, é a longa espera.  Tudo é feito à mão, desde a limpeza até o empacotamento do pó do café.
O McDonald's possui uma máquina que faz tudo.  Os grãos caem através de um grande funil.  O leite é sugado de galões localizados no subsolo da loja.  Os bocais e os recipientes são limpos após cada uso por meio de um sopro de vapor d'água extremamente quente.  A mão humana só se envolve em todo este processo no início, quando tem de apertar botões, e no fim, quando dá uma última misturada no líquido já dentro do copo.  O tempo que leva para se obter o café é reduzido à metade ou até mesmo a um terço do tempo levado no Starbucks.
E há a questão dos custos.  Um idêntico latte no McDonald's custa 40% menos do que no Starbucks.
Mas ainda estava faltando um elemento de mudança: o interior dos restaurantes.  Em sua grande maioria, eles permaneceram inalterados por décadas.  O refeitório era repleto de mesas com um número fixo de cadeiras presas ao chão, remetendo a uma cafeteria de colégio.  A empresa fez uma pesquisa e repensou toda a questão sobre qual deveria ser a aparência do refeitório de um fast food.
35_mcdonalds01.jpgNo mesmo espaço, foram criados vários estilos diferentes: um compartimento arredondado, longas mesas com cadeiras movediças, pequenas mesas redondas com assentos típicos de um bar — tudo isto em conjunto com os compartimentos tradicionais.  Cada lugar em que você decide se alojar equivale a um ambiente separado e distinto.  Você pode optar por privacidade ou por ser social, por manter uma conversa mais em privado ou em local totalmente público, por ficar sozinho ou interagindo com outros.  A área do refeitório é separada da área de pedidos por chapas de vidro plástico que vão do chão ao teto, e que parecem ao mesmo tempo modernas e artísticas.  Não entendo muito de arte ou de design de interiores, mas todo o esquema me pareceu brilhante.
Tão certa está a empresa de que estas mudanças farão diferença, que ela planeja gastar um mínimo de US$1 bilhão renovando todas as suas 14.000 lanchonetes nos EUA.  Ao final de 2011, 800 lanchonetes já haviam sido renovadas, a um custo médio de US$250.000 por loja.  A lanchonete perto de onde moro começou sua restauração no início de junho de 2011 e finalizou tudo em apenas duas semanas — e, durante todo este tempo, manteve o drive-through em pleno funcionamento, fazendo negócios vigorosamente.
E qual o objetivo de tudo isto?  Já deveria estar óbvio: servir melhor ao público.  Melhores serviços, ambientes mais atraentes e mais opções no menu levam a maiores lucros e, consequentemente, a uma maior expansão e a mais empregos.
Impressionantemente, este tipo de abordagem está profundamente arraigado na história da empresa.  O primeiro restaurante abriu em 1940 e fechou para reformas em 1948, reabrindo em seguida como o primeiro restaurante drive-through.  O primeiro restaurante com recinto fechado só surgiu em 1962.  Desde então, a empresa incorreu em uma série de gloriosos avanços que pareciam prenunciar as mudanças globais: abriu redes em Moscou em 1990, Varsóvia em 1992, e na internet em 1996.
images.jpgSejamos claros aqui: não se está dizendo que a gerência desta empresa seja acometida de uma atipicamente alta e nobre devoção pelo bem-estar da humanidade.  Seus administradores estão apenas seguindo os sinais emitidos pelo sistema de preços de mercado e tomando decisões empreendedoriais, tudo a serviço do público consumidor.  Trata-se de um fabuloso concorrente, incessantemente se reinventando a si próprio em um esforço para ganhar as afeições daquele público que come fora de casa.
Os administradores desta empresa podem ser os maiores filantropos da história ou podem ser os mais gananciosos e interesseiros indivíduos da terra.  Não importa.  O mercado é força motriz e os sinais de lucratividade são o teste que indica se a empresa está ou não fazendo a coisa certa.  E esta é a essência de todo o processo capitalista — aquele que foi entendido e dissecado séculos atrás por economistas franceses, espanhóis, italianos e ingleses.
Estes velhos liberais entenderam que o processo capitalista era a resposta para os grandes problemas sociais e morais levantados pelos pensadores de todas as épocas precisamente por ser ele o único capaz de injetar todos os tipos de motivação humana no grande objetivo de satisfazer as necessidades e desejos de todos os membros da sociedade.  Se a ciência econômica tivesse de dar apenas uma grande contribuição para o mundo das ideias, seria esta.
A mais impressionante característica do capitalismo — e realçada no exemplo do McDonald's — é a de como suas instituições tão belamente se adaptam às mudanças.  O deslocamento é sempre para frente: com novidades e aperfeiçoamentos.  E este deslocamento é como um vento que nunca para de soprar, a menos que seja interrompido pela força organizada do estado.
Quando a reinvenção desta empresa começou em 2009, ela não foi precedida de campanhas e nem de plataformas.  Não houve nenhuma votação pública.  Não se gastou bilhões fazendo lobby para se conseguir mudanças.  Não houve debates públicos, campanhas publicitárias, convenções partidárias ou distribuição de panfletos.  Foi tudo uma decisão tomada pela administração — um julgamento empreendedorial que podia estar certo ou errado —, em um esforço para agradar aos seus acionistas, que são os reais proprietários da empresa.  E a prova final é sempre a mesma: os consumidores estão dispostos a comprar o produto?
Enquanto isso, no mundo da política, décadas e décadas se passam e um volume inimaginável de dinheiro é gasto tentando "reinventar o governo", "melhorar a eficiência administrativa do governo", melhorar o ensino público, fazer uma "verdadeira" reforma na burocracia, rearranjar a prioridade dos gastos públicos, e fazer mudanças regulatórias que irão 'fazer o mercado funcionar melhor'.  No final, tudo só piora.  Simplesmente não há um teste genuíno que possa determinar se estas mudanças valeram seus custos ou se elas sequer chegaram perto de seus objetivos.  Na política, nem mesmo se sabe ao certo qual é o objetivo.  Ademais, é claro, o resultado destes gastos é totalmente previsível.  Não há nenhuma real melhoria, não há nenhuma reinvenção, não há nenhuma reforma.
O acréscimo ou a retirada do consumidor — que é o rei em um livre mercado — do processo de reforma equivale a uma alteração fundamental em toda a razão de ser de uma instituição.  A maneira crucial de distinguir uma empresa predominantemente baseada no mercado de uma empresa dependente do estado é investigar qual o seu interesse primordial: servir ao estado ou servir ao público consumidor?  Não há dúvidas a respeito de onde o McDonald's se encaixa neste espectro, e o resultado é não apenas um belo exemplo de como servir alimentos, mas também um belo modelo de serviço social como um todo. 
mc1.jpgO McDonald's é um perfeito exemplo de como o mercado superou, conquistou e dominou um fundamental problema humano: conseguir produzir o bastante para se comer.  Eis aí um problema que atormentou e fustigou toda a humanidade desde o início de sua história.  Hoje, ele parece estar quase que inteiramente resolvido, graças a instituições como o McDonald's, a qual as pessoas sentem um prazer indescritível em criticar, difamar e caluniar por dois motivos: a instituição é uma das poucos que serve comida farta e barata a preços acessíveis (e genuínos progressistas acham que apenas o estado deve ter o monopólio de prestar serviços aos pobres) e porque estas pessoas creem que tais instituições são elementos fixos, inabaláveis e imutáveis no universo.
Mas tais instituições não são fixas, inabaláveis e imutáveis.  Elas não são permanentes.  Elas são o resultado de vigorosos empreendimentos enraizados em uma ordem global de mercado baseada na propriedade, nas trocas voluntárias, nos preços livres e na cooperação humana.  Trata-se de uma constante batalha para se manter no topo em um mundo em que cada medida de sucesso pode ser prontamente imitada por um concorrente; um mundo em que os consumidores são tão volúveis quanto querem ser, e em que até mesmo o melhor dos empreendedores pode cometer erros imperdoáveis pelo mercado.
Este mercado é tão robusto, tão vigoroso, tão inovador, que ele até mesmo consegue superar cada obstáculo que esta anacrônica organização chamada estado coloca em seu caminho.  Apesar de toda a situação econômica, o McDonald's está contratando: pessoas estão ajudando outras pessoas a sobreviver, a pagar suas contas e a melhorar suas vidas.
O mercado nos abençoa diariamente com uma abundância de alimentos impensável há menos de um século atrás, bem como com novos produtos que facilitam e melhoram nossas vidas, e como a sociedade responde?  De um lado, praguejando esnobe e arrogantemente contra sua produtividade, ao mesmo tempo em que frequenta festas e restaurantes chiques com farto bufê; de outro, adquirindo uma valorosa e desejada refeição no drive-through, a caminho de casa após uma jornada de trabalho.

Jeffrey Tucker 
é o presidente da  Laissez-Faire Books e consultor editorial do mises.org.  É também autor dos livros It's a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for Breakfast: Living Outside the Statist Quo