sábado, 21 de julho de 2012

COMO PENSAR IGUAL AO ESTADO


loser.jpg
Você já observou a existência de um padrão ao lidar com qualquer aspecto do governo em praticamente qualquer nível?  Sim, todos nós já.  Sempre há uma mesma mentalidade em cena.  A seguir, a minha tentativa de enquadrá-la e identificar suas principais características.
A experiência nos mostra que, se algo tem tudo para dar totalmente errado, fazer você perder tempo, aborrecê-lo, atacar sua dignidade e, no fim, se comprovar totalmente inútil e ineficiente em realizar o que havia sido proposto, então há uma ótima chance de esse algo envolver o governo.
A sociedade que está fora do âmbito estatal possui forças corretivas em constante funcionamento.  As coisas não são perfeitas, é claro, mas ela geralmente sempre está se esforçando para aprimorar.  Porém, com o estado, tudo parece estar encravado em um padrão de fracasso total.  Ao lidarmos com serviços estatais, o que vemos é incapacidade e incompetência em todos os níveis.  Na melhor das hipóteses, o governo faz coisas ignaras; na pior, faz coisas indescritivelmente horríveis.
Apenas pense nas coisas que você tem de tolerar resignadamente quando lida com operações estatais, seja nas repartições públicas, seja nos aeroportos, seja com os Correios, seja com a Polícia Federal, seja com a Alfândega, seja com o DETRAN, seja com a Receita Federal.  Pense também nas estultícias que você tem de tolerar para cumprir todos os ditames impostos pelos ministérios do Trabalho, da Saúde, dos Transportes e da Cultura, para não mencionar em todo o inferno gerado pelas leis e regulamentações impostas pelas agências reguladoras, cuja única função é tolher a livre iniciativa dos cidadãos e restringir o mercado em prol de poucas empresas favorecidas, sempre em detrimento de nós consumidores.
Eis a questão.  A característica distintiva do estado é a sua arrogância, a presunção de estar sempre no controle de tudo, e a maneira como ele utiliza a força para exercer esse controle.  Porém, este não é todo o problema com o estatismo.  Tal característica leva a várias outras feições que fazem parte daquilo que podemos chamar de 'maneira estatista de pensar'.  Tudo se resume a um estilo de comportamento permitido pelo poder absoluto, o que significa a total ausência de qualquer restrição ou de medidas corretivas.
O mercado e a ordem voluntária possuem embutidos em si estruturas que impedem que os vícios e a inerente estupidez humana dominem o sistema.  O mesmo não é válido para o governo.  O governo constrói ao redor de si várias muralhas protetoras que proíbem o ingresso de medidas que manteriam ideias totalitárias e estúpidas totalmente acuadas.
Portanto, quais são as características desta maneira estatista de pensar, a qual parece ser generalizada nas instituições governamentais?  Baseando-me em minhas influências habituais (Nock, Mises, Rothbard, Hayek), vejamos como você também pode pensar como se fosse o estado.
1. Presuma que todas as coisas importantes e valiosas já são conhecidas.  Isso inclui os objetivos e as maneiras de se atingir este objetivo.  O estado apenas pressupõe que a sociedade deveria funcionar de uma certa maneira e então imagina um formato predeterminado para ela.  E ele sabe disso com absoluta certeza.  Não há nenhum processo, nenhum desenrolar que gere resultados inesperados.  O estado está tão certo de qual deve ser a meta a ser alcançada pela ordem social, que ele nunca tem de explicar ou justificar sua percepção.
Ele sabe a correta distribuição de renda entre as classes, o número exato de empresas que cada área da economia deve ter, o tamanho que cada uma pode ter, o preço correto de cada bem e serviço, o que você pode ingerir, o que é justo e o que é injusto.  Ele sabe quando a economia está crescendo muito e quando está crescendo pouco.  Ele sabe quais indústrias devem receber subsídios, quais devem ser protegidas para sempre e quais devem estar sujeitas à concorrência.  Ele sabe o que é bom para você e o que não é.
Como não há incertezas na mente estatista, não há por que se esforçar, buscar descobertas ou ter imaginação, coisas que só se revelam ao longo do tempo por meio de processos de tentativa e erro.  Não há necessidade de escutar, aprender e se adaptar.  O estado jamais duvida possuir os meios para se alcançar tais objetivos.  Apenas desejá-los já basta para que eles ocorram.  Sua onisciência é acompanhada da onipotência.
É por isso que não há arrogância no mundo igual à arrogância estatal.  Por outro lado, qualquer indivíduo ou instituição também pode adotar este lamentável hábito mental: administradores, pais, familiares, clérigos, profissionais liberais e trabalhadores assalariados.  No entanto, fora do estado e das muralhas de proteção que ele constrói ao redor de si, a realidade sempre revida e pune.  A realidade é incerteza, mudança, surpresa, inovação, adaptação.  Os mercados dão vida a estas forças, ao passo que o estado, de forma absoluta e por total necessidade, as esmaga.
2. Presuma que o caminho para a vitória deve ser pavimentado pela coerção.  Esta característica da mentalidade estatista é explícita em todo e qualquer grande programa estatal de alcance nacional.  Discordar é ser a favor do atraso.  Desnecessário dizer que nunca há nada de errado com os planos e políticas estatais.  A única coisa que pode afetá-los e atrapalhar os resultados são aqueles indivíduos e empresas insolentes que se atrevem a não mostrar o devido respeito aos planos dos burocratas e à inquestionável autoridade destes.  Sendo assim, só há uma forma de fazer com que todos ajam da maneira esperada: mostrando aos inferiores quem é que manda.
Todas as agências e ministérios estatais pensam assim.  Sem exceção.  A coisa vale tanto para a economia quanto para hábitos pessoas.  Se algo é ruim, como utilizar drogas ou beber, então a solução parece óbvia: aumentar as penalidades para os infratores.  Nenhuma punição jamais será excessiva.  Quanto mais dura for a punição, maior será o desestímulo aos novos infratores — ou assim crê o estado.  Da mesma maneira, nunca haverá autoritarismo o bastante, nunca haverá um suficiente número de burocratas encarregados de fazer as pessoas obedecerem ao estado.  Se o governo determina que as empresas devem contratar indivíduos de determinadas características, ou que elas não podem demitir sob certas circunstâncias, as punições para os dissidentes devem ser severas.
Mas será que este caminho pode gerar consequências inesperadas?  Podem estas imposições fazer com que os problemas piorem e criem reações adversas, revoltas e mercados negros?  Será que a aspereza pode acabar estimulando mais pessoas a se juntarem às fileiras dos rebeldes, desestimulando assim a manutenção das leis?  Na maneira estatista de pensar, nada disso é possível.  Leis e regulamentações são a voz dos deuses, ponto.  E o deus estatal nunca está errado.  Certamente, este deus nunca, sob hipótese alguma, admite qualquer erro.
3. Presuma que todas as discordâncias ao governo equivalem a "torcer contra o país" e ser antipatriótico.  Este ponto advém diretamente dos dois acima.  Dado que você sabe de tudo e sabe que absolutamente tudo é possível por meio da força e da coerção, então resta óbvio que, caso alguém ouse questionar ou — pior ainda — criticar suas políticas, tal pessoa só pode ser uma inimiga do estado, do progresso e dos desvalidos.
Você é contra políticas industriais?  Então você é um inimigo do bem-estar da nação.  Você é contra medidas autoritárias que visam exclusivamente à "segurança" da população?  Então você claramente é um encrenqueiro que quer apenas chamar a atenção e desafiar as autoridades legítimas.
Você tem dúvidas quanto à eficácia das políticas de confisco e subsequente redistribuição da riqueza alheia?  Acha que políticas de interação forçada, como quotas, podem gerar consequências adversas?  Então é óbvio que você faz parte do problema e não da solução.
Na mentalidade estatista, existem somente dois modelos possíveis de cidadãos bons e decentes: o servo e o bajulador.  Se você não se enquadra em nenhuma destas duas categorias, então você ou é um rebelde que deve ficar sob estrita vigilância ou é um traidor que tem de ser esmagado pelas forças justas e apaziguadoras do estado.
Para o estado, existe apenas um caminho a ser seguido.  Para ele, todas as coisas funcionam bem porque apenas uma vontade prepondera sobre todos os humanos.  Com efeito, é exatamente assim que pensa qualquer pessoa que raciocina como o estado.  Se não houver um ditador, a sociedade certamente entrará em colapso, e o caos e a brutalidade reinarão supremos.
O estado é incapaz de conceber uma verdade sobre a sociedade, aquela que a velha tradição liberal revelou: a sociedade funciona exatamente porque ela não pode ser governada por uma vontade suprema.  É o conhecimento descentralizado, disperso entre vários indivíduos, o que cria a ordem no mundo.  É a multiplicidade de planos, todos coordenados por meio de instituições, o que cria esta organizada ordem social que possibilita a existência da civilização, e que a permite se desenvolver e progredir de maneiras sempre inesperadas.  A sociedade não precisa de dirigentes.
4. Presuma que o mundo material vale mais do que ideias.  De novo, isso advém dos três pontos acima.  A característica distintiva do estado é o seu controle sobre a propriedade física.  Ele controla todo o espaço dentro daquelas linhas do mapa chamadas de fronteira.  Dentro deste espaço, o estado e seus homens armados confiscam a riqueza de seus súditos.  Dentro deste espaço, a vontade do estado deve reinar suprema, sempre com a devida punição aos dissidentes.
Seu amor às questões físicas é tão intenso, que em todas as cidades o estado constrói enormes e imponentes prédios para seus burocratas, além de imponentes monumentos que glorificam a si próprio.  Ele se refestela em teorias que giram primordialmente em torno de coisas físicas.
Ele depende da propaganda e da manipulação cultural, mas tais empreitadas nem sempre são bem-sucedidas.  O estado não pode controlar as mentes humanas.  Estas são e sempre serão exclusivamente nossas.  Até mesmo em campos de concentração os prisioneiros são livres para pensar o que quiserem.  Todos nós somos, se assim o desejarmos.  Sempre.  É por isso que o estado odeia a mente humana e tudo o que ela produz.  A mente humana e todo o mundo das ideias estão, em última instância, fora do seu alcance.
Ainda mais incrível é o fato de que todo o mundo físico construído pelo homem começou com ideias.  Da mesma maneira, as ideias que hoje seguimos são o presságio do mundo de amanhã.  E é exatamente por isso que a maneira estatista de pensar se sente apavorada ao se defrontar com indivíduos de ideias próprias, indivíduos livres, indivíduos que não fazem concessão aos modismos politicamente corretos em voga.  E é por causa desse pavor que o estado não consegue pensar visando ao longo prazo.
5. Oponha-se a toda e qualquer mudança não autorizada de planos.  Isto é consequência dos quatro pontos acima.  A meta a ser alcançada pela ordem social já é sabida pelo estado.  Ela pode ser alcançada pela imposição e pela supressão de dissidentes e pela destruição de ideias novas.  A mentalidade estatista não admite surpresas.  Portanto, o melhor a se fazer é se certificar de que não ocorra nenhuma mudança que não esteja prevista no modelo.
Pensar como o estado, portanto, significa deleitar-se no conteúdo de tudo aquilo que foi imposto no passado e que continua existindo até hoje.  Se algo sempre foi uma lei, então é inquestionável que continue sendo uma lei.  Se algo sempre foi impingido à força, então deve continuar sendo assim para sempre.  Sempre olhe para trás e mantenha toda a sua estrutura arcaica (ou uma versão mítica dela), e nunca para frente, imaginando como as coisas poderiam ser.  O estado ama a sua própria história: seus líderes, suas guerras, suas lendas e suas imposições.
Tree_rings.jpg
Leis estatais
Esta propensão para o atraso é algo profundamente arraigado no estado.  O grosso de suas leis e regulamentações diariamente impingidas à sociedade nada tem a ver com os atuais políticos (contrariamente ao que prometem as eleições).  Elas datam de décadas ou até mesmo séculos atrás.  Leis não desaparecem dos livros.  Elas apenas recebem acréscimos e vão se acumulando, como aqueles anéis no tronco de uma árvore.  Reforçar o que já existe e colocar esparadrapos no que é necessário é muito mais importante para o estado do que admitir e reverter seus erros do passado.
Tão arraigada é esta ideia que, leis recém-criadas, caso tenham um prazo de validade, já vêm com uma cláusula que explicita as condições para seu futuro prolongamento, e esta cláusula normalmente é adicionada apenas para comprar votos. E, praticamente sem exceção, quando a data da expiração chega, a lei a renovada.  Quando, por algum milagre, uma política ruim, que nunca sequer deveria ter sido criada, é abolida, trata-se de um evento grandioso.  Os súditos comemoram o fim de algo cuja criação não teria sido tolerada por nenhum ser realmente livre.  Pense na significância épica do fim da escravidão ou da lei seca.  Estas são exceções que apenas confirmam a regra.

Esta última feição do pensamento estatista é a mais mortal para a civilização.  Mudanças são a fonte da vida e do desenvolvimento de uma sociedade.  Com o tempo, surgem novas pessoas, novas ideias, novos gostos, novas preferências, novos estilos de vida, novas tecnologias.  A humanidade tem uma propensão a querer aprimoramentos, e isso requer jogar fora tudo o que é antigo, ruim e que não presta.  Já o estado utiliza todo o seu poder para sustentar e reforçar o passado, e, para isso, invoca uma batalha diária contra o progresso.
Se você de fato compreende as características acima citadas, então você de maneira alguma se surpreende com todos os aborrecimentos, frustrações e chateações impostas diariamente por reguladores, burocratas e políticos.  O estado possui um distúrbio de personalidade, distúrbio este oriundo de seu status monopolista e de suas táticas coercitivas.  Este distúrbio não é exclusivo do estado.  Você provavelmente reconhece ao menos alguns destes traços em algumas pessoas que você conhece.  Você pode até mesmo reconhecê-los em você próprio.
É ótimo atacar e criticar burocratas, mas também há alguns motivos para termos pena deles, bem como de todas as pessoas cujas vidas dependem da máquina estatal.  A diferença entre nós e o estado é que, quando estes distúrbios de personalidade surgem, nós somos capazes de mudá-los, e temos todos os incentivos para fazermos isso.  Já o estado, por sua vez, não apenas os mantém como também os incorpora em definitivo, mesmo depois de eles já terem se tornado completamente irrelevantes para qualquer coisa que seja importante.
E assim termina a lição sobre como pensar como o estado.  Trata-se de uma receita garantida para ser um completo fracassado na vida.

é o presidente da  Laissez-Faire Books e consultor editorial do mises.org.  É também autor dos livros It's a Jetsons World: Private Miracles and Public Crimes e Bourbon for Breakfast: Living Outside the Statist Quo

CELULAR ILIMITADO POR R$ 30/MÊS



anatel.jpg

Isso mesmo, ilimitado.  Sem truques.  Fale o quanto quiser, envie quantas mensagens quiser e navegue à vontade na internet.  E não é um "ilimitado com limites", como é o "realmente ilimitado" que o Wagner Moura está anunciando, que só vale de TIM para TIM.  Vale para qualquer operadora.  E mais: com ótima qualidade de chamadas, com sinal em toda área minimamente povoada e com um excelente atendimento ao consumidor.  Pode acreditar.  Você nunca mais ficará horas pendurado na linha com um atendente tentado cancelar uma linha ou resolver algum problema na sua conta — e, após ser passado para inúmeros setores, a ligação misteriosamente cair e você ser obrigado a recomeçar do zero.  Frustrações com ligações importantes caindo e com contas absurdas no final do mês serão coisas que remeterão à Idade da Pedra da telefonia.  Mas como?  Onde?  Calma, chagarei lá.

Cobrança por ligações e torpedos serão em breve coisa do passado.   Randall Stephenson, CEO da AT&T, declarou que, inevitavelmente, dentro de 2 anos, apenas planos de dados existirão.  Atualmente, o celular já vem sendo usado cada vez menos para ligações e torpedos e cada vez mais para dados — e a previsão é que esse usoaumente 18 vezes nos próximos 5 anos.  Para a Geração Z, crescida na era da internet, já é algo incompreensível se pagar por "torpedos".  Um torpedo corresponde a um envio de mensagem no Messenger ou no chat do Facebook, que são serviços gratuitos e usados indiscriminadamente.  Tanto é que, ano passado, uma garota de 13 anos enviou 10 mil torpedos em um mês, e recebeu uma conta de mais de R$10 mil.  A reação do pai foi destruir o telefone da filha com um martelo — mas é preciso levar em conta a absurdidade desse tipo de cobrança. 
Já é cada vez mais comum o uso de aplicativos que enviam torpedo por meio dos dados, como o Whatsapp, e aplicativos que fazem ligações telefônicas também por meio dos dados, como as versões do Skype para telefones móveis e o Google Voice, muito mais barato que o Skype.  De fato, Stephenson também declarou nesta mesma entrevista que a tecnologia para aposentar os planos de ligações e torpedos e substituí-los por planos de dados já existe — eles só não têm planos de implementá-la ainda.
Poderia repetir isso?  Como assim, uma empresa tem em mãos uma tecnologia inovadora que pode revolucionar o mercado e não tem pressa de implementá-la?  Esta empresa não quer ser a pioneira na oferta de uma inovação tecnológica, garantindo assim um mercado consumidor ávido por novas e mais baratas tecnologias?  Que morosidade é essa?  Falando em morosidade, como é que no Brasil as empresas que concorrem no mercado de telefonia estão sempre ainda mais atrasadas na oferta de novas tecnologias?  A tecnologia de dados atualmente no Brasil é a 3G, que já demorou três anos a mais do que a maioria dos países do mundo para chegar aqui.  Os EUA já têm o 4G há dois anos, tecnologia essa que tem previsão de implementação no Brasil só em 2014.  Com o 4G, a velocidade vai do 1 Mbps da 3G para 10 Mbps.  No Japão, a velocidade atual é de 42 Mbps, com planos para em breve chegar a 100 Mbps. 
Pelo que eu saiba, morosidade e capitalismo não combinam.  Então, o que está acontecendo nos EUA, e no Brasil com ainda mais gravidade? 
A resposta é simples: não existe capitalismo de livre mercado nestes setores, e onde a intervenção estatal é maior — no caso, o Brasil — a morosidade das empresas é maior.  No Brasil, o culpado tem um nome: Estado.  Com sua agência reguladora coercitiva, a Anatel, e seus impostos, ele é a responsável pelo Brasil ter a tarifa de celular mais cara do mundo.[1]  E as regulamentações do governo americano são, em menor grau, as responsáveis pela morosidade das empresas telefônicas de lá. 
O que nós temos nestes setores regulamentados é uma brincadeira de capitalismo.  No Brasil, Vivo, Oi, TIM e Claro brincam de concorrência umas com as outras — concorrência capitalista, no entanto, nunca existiu.  Essas empresas são protegidas pelo governo de potenciais concorrentes, e vão empurrando com a barriga as inovações, e cobrando altíssimos preços por serviços porcos.  Todas são recordistas de reclamações no Procon.  Dado que todo mundo que está lendo esse artigo possui um celular, eu não preciso me alongar neste ponto.  O que precisa ser dito é que toda essa regulamentação e a própria existência da Anatel são desnecessárias e só existem em decorrência deargumentos caquéticos e totalmente refutados.  O economista Felipe Rosa explica magistralmente esta situação:
O argumento pró intervenção da Anatel é julgado como necessário para que se evite práticas predatórias no setor (preços exageradamente baixos) ou preços monopolísticos (alto grau de poder de mercado). Ora, preços baixos são benéficos ao consumidor e preços altos (quando não há barreiras legais a entrada e saída de concorrentes) tendem a ser expurgados do mercado no curto prazo. Logo, a regulação não faz sentido quando a competição é cataláctica.
Porém, tal característica competitiva é impedida atualmente pela Anatel que também regula a quantidade de empresas que atuam por região, assim como, proíbe a livre entrada e saída de empresas ofertantes de produtos e serviços no atacado e no varejo. Essa combinação no controle de entradas e saídas de produtos e empresas, somadas ao rígido regime tarifário imposto pela Anatel, são aspectos preponderantes para o fraco desempenho brasileiro no setor quando o comparamos ao britânico.
[...]
A Anatel ao regular a entrada e saída de empresas nas telecomunicações, está protegendo as concessionárias que possuem a outorga de ofertar o serviço em suas regiões. Tal ação garante as quatro empresas dominantes nesse segmento total e completa segurança contra a entrada de potenciais concorrentes. Essa característica de mercado proposta pela agência reguladora brasileira carteliza o mercado institucionalmente, tornando o arranjo concorrencial propício para uma política de preços altos e/ou serviços ineficientes. [Privatização Vs. Desestatização: A Escola Austríaca e o caso das telecomunicações, Universidade Federal de Santa Catarina, 2011]
Muita gente se espanta com a ideia de nenhuma regulamentação, e embora concordem com a teoria e a argumentação, a primeira reação é: "Ok, mas alguma regulamentação tem de existir".  E é aí que reside o problema, pois, como Mises demonstrou, uma intervenção no livre mercado não vai conseguir obter seus objetivos, e uma nova intervenção será necessária.  Se essa cadeia de intervencionismo não for quebrada e revertida, o resultado será o socialismo, com o governo controlando tudo, e o resultante (e inevitável) caos calculacional levando a civilização à pobreza. 
sem_sinal.jpg
Por exemplo, o Brasil interveio no mercado de telefonia criando a agência reguladora Anatel, que ergueu barreiras coercitivas de entrada no setor, fechando o mercado para algumas poucas empresas privilegiadas.  Como consequência da falta de livre concorrência, as empresas começaram a apresentar uma série de problemas na prestação de serviços.  Um desses problemas foi o péssimo atendimento aos clientes.  Se o cliente não pode procurar um concorrente que o atenda bem, e capitalistas não podem entrar nesse mercado para atender melhor a estes clientes insatisfeitos, por que as empresas oligopolistas iriam se importar?  O consumidor fica sem ter para onde correr e é obrigado a continuar cliente de umas dessas empresas ruins. 

E o que o governo faz?  Em vez de abolir a intervenção inicial e liberar a concorrência no setor, ele cria uma nova intervenção, como a estapafúrdia regulamentação que define regras de atendimento ao cliente para essas empresas. Essa nova intervenção também não funcionou.  No livre mercado, a motivação das empresas para atender bem seus clientes é o lucro.  No socialismo, a motivação é o chicote estatal.  O governo passou a punir as empresas que não cumpriam suas regras de atendimento.  A cadeia de intervenção nunca foi quebrada ou revertida.  Inúmeras intervenções existem, desde a que determina preços máximos para telefones populares até estes leilões que criam reservas de mercado em regiões em que a entrada deveria ser livre.  Na página web da Anatel, existe uma compilação chamada Coleção Brasileira de Direito das Telecomunicações.  Essa coleção procura reunir tudo o que se refere à regulação de telecomunicações no Brasil.  Sugiro que dê uma olhada no Índice Mestre. Está sentado aí?  Só o Índice Mestre tem 485 páginas!!!  Vá até a letra "R" e veja quantas vezes aparece a palavra "regulamento".  São 10 páginas do Índice só com regulamentos sobre absolutamente tudo!  Assim fica provado que "concorrência" e "livre iniciativa" em telecomunicações não passam de palavras desprovidas de sentido.
E, esta semana, o governo anuncia uma nova intervenção que aproxima muito o setor de um socialismo total, como o que existia antes da privatização (a necessária desestatização nunca houve) — a Anatel decidiu suspender vendas de Claro, Oi e TIM.  Estamos a poucos passos da volta da Telebrás, tempo em que uma linha telefônica custava milhares de reais e demorava até 5 anos para ser instalada. 
Não, nenhuma regulamentação é necessária para nada.  Apenas leis contra fraude e violações da propriedade privada são necessárias.  Somente um mercado completamente livre e desimpedido pode fazer com que os preços caiam e a qualidade dos serviços prestados suba, constantemente. 
Foi o que aconteceu na Guatemala, onde um setor altamente regulado foi totalmente liberado.  Os resultados podem ser vistos neste vídeo.
"A história inicial é simples e praticamente idêntica à do Brasil, em termos proporcionais: em 1995, havia 11 milhões de habitantes no país e apenas 289 mil linhas telefônicas."  Quando as regulamentações e os monopólios estatais foram abolidos e a concorrência permitida, tudo mudou rapidamente.  "Resultado: hoje o país tem uma população de 13,5 milhões de pessoas e nada menos que 18 milhões de linhas telefônicas, móveis e fixas.  Quatrooperadoras privadas disputam clientes em um ambiente de genuína livre concorrência, sem regulamentações e sem controle de preços — considerando-se o tamanho do país e sua renda per capita, trata-se de um número significante.  Conseguir uma nova linha de telefone "é tão fácil quanto comprar um cachorro-quente", a qualidade dos celulares chega a ser superior à existente em cidades como Nova York, Paris, Londres, Tóquio, e os preços por minuto são ridículos."
Deixando a qualidade de lado — entre outras coisas, os guatemaltecos já contam com o 4G — vamos comparar o preço dos planos da Claro da Guatemala com a Claro do Brasil:
   claro_brasileira.jpg
claro_guatemala.jpg
O plano de 2.500 minutos da Claro da Guatemala custa R$190,66 e o plano de 2.000 minutos da Claro do Brasil custa R$788,75.  Preciso dizer mais alguma coisa?
"Precisa, você prometeu contar como conseguir celular ilimitado e de qualidade por apenas R$30 mensais."  Pois bem, vamos a isso.  Acima, foi demonstrado como o livre mercado na Guatemala pôde avançar nessa direção em poucos anos.  O próprio Brasil teve um avanço tremendo na redução de preços e aumento da qualidade com a privatização do setor, mas, graças à Anatel, não pôde avançar tanto e agora esta regredindo com o intervencionismo, que está levando novamente o setor de telefonia ao caos da estatização.  A Guatemala ainda não chegou nos R$30 ilimitados, mas se a concorrência continuar livre, e com novas tecnologias de dados sendo implementadas, em muito pouco tempo ela estará lá.  Mesmo com tantas intervenções, o capitalismo consegue oferecer produtos e serviços cada vez melhores, e podemos apenas imaginar as maravilhas que poderíamos estar desfrutando se não fossem as intervenções estatais no livre mercado.  E creio não ser nada fora da realidade pensar que os preços e qualidades da telefonia seriam estes que mencionei.  Como Hans-Hermann Hoppe explicou em sua mais recente entrevista:
O fato de todo o castelo de cartas da democracia ainda não ter desabado completamente é uma enorme prova do tremendo poder criativo do capitalismo, mesmo em meio aos crescentes obstáculos e estrangulamentos criados pelo governo.  E este fato também nos leva a imaginar todos os 'milagres' econômicos que seriam possíveis caso tivéssemos um capitalismo livre e desimpedido, um capitalismo não obstruído e asfixiado por todo este parasitismo, um capitalismo completamente desregulamentado e desburocratizado.
O que você deve fazer é simplesmente retirar seu consentimento quanto à existência da Anatal e de toda e qualquer regulamentação.  O governo só consegue intervir coercitivamente no setor porque conta com o apoio de uma maioria para isso, que é enganada sobre a necessidade dessas intervenções.  Infelizmente, apenas a retirada do seu consentimento não será suficiente — eu retirei o meu faz tempo, e continuo sendo assaltado todos os meses na conta de celular e recebendo serviços imprestáveis. 
Você terá de convencer sua família, seus colegas de trabalho e seus vizinhos, pois a ignorância deles é a nossa prisão.  O governo e as empresas monopolistas tentarão manter a situação inalterada o máximo de tempo que conseguirem.  Manterão os preços os mais altos possíveis e a qualidade, a menor possível, enquanto puderem se safar com essa situação, que é aceita passivamente pela maioria.  Este é o único propósito do governo, explorar ao máximo seus súditos.  Somente quando uma maioria se conscientizar e rejeitar essa exploração, exigindo o fim das agências reguladoras e de todas as regulamentações, e não tolerando nenhuma intervenção no livre mercado, é que poderemos desfrutar do máximo que a engenhosidade humana pode oferecer.


[1] Além da avalanche de regras a serem cumpridas, o estado (governos estaduais e federal) brasileiro brinda o cidadão com uma das maiores cargas tributárias em telecomunicações do mundo (mais informações aqui e aqui).  Além do mais, existem as infinitas regulamentações municipais sobre posteamento, uso do solo, regras sobre colocação de antenas etc. etc.

Eliseu Drummond, da Anatel, colaborou com este artigo.


Fernando Chiocca é um intelectual anti-intelectualpraxeologista e conselheiro do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

CORAGEM PARA MUDAR


No dia 7 de agosto, a presidente Dilma Roussef cruzará a linha dos 40% do mandato. Dos 48 meses, 19 já se terão passado. E a verdade é que, por enquanto, os resultados ficaram muito aquém do que o governo esperava. Mas ainda há tempo para mudanças. A dúvida é se o governo conseguirá perceber que a insistência no curso atual só pode redundar em fiasco.

O desempenho da economia mostra-se cada vez mais decepcionante. Tendo crescido apenas 2,7% em 2011, o PIB deverá mostrar expansão de menos de 2% em 2012. É bem possível que, afinal, a inflação deste ano fique próxima da meta. Mas, no caso, o elogio que cabe ao Banco Central é o mesmo que poderia ser feito a um jogador de sinuca que, tendo dado uma tacada forte, sem conseguir matar a bola na caçapa "cantada", se regozija por vê-la bater nas tabelas laterais e, lentamente, escorrer para dentro de outra caçapa, do lado oposto da mesa. A arte estava em trazer a inflação para o centro da meta com a economia crescendo a uma taxa razoável. E não a menos de 2% ao ano.

A incerteza externa, em boa parte advinda da apreensão com o desfecho do imbróglio europeu, tem contribuído para a desaceleração do crescimento. Mas basta comparar o desempenho brasileiro com os de outras economias congêneres para constatar que, além do ambiente externo adverso, há um forte componente específico, verde-amarelo, por trás das dificuldades locais.

É bem provável que, na esteira dos muitos estímulos à demanda deflagrados desde o ano passado, a economia se recupere nos próximos meses e termine o ano crescendo a uma taxa anualizada razoável, ainda que mais baixa que o governo antevê. O problema é a indústria. Acumulam-se as evidências de que a falta de dinamismo da indústria não será resolvida com novos estímulos à demanda agregada, não importa quão fortes sejam. Muito pelo contrário, tudo indica que tais estímulos - num quadro de mercado de trabalho aquecido - estão, de fato, agravando as dificuldades da indústria, como bem arguem, em artigo recente, Affonso Pastore, Marcelo Gazzano e Maria Cristina Pinotti.

Exposta à concorrência externa, a indústria vem vendo sua competitividade estrangulada, pouco a pouco, pelo aumento do Custo Brasil. Especialmente, pela elevação sem fim da carga tributária. E aqui, sim, o governo poderia fazer muita diferença. Mas, por enquanto, não tem feito. Por pelo menos duas razões.

A primeira é que um programa de redução efetiva e substancial de carga tributária seria incompatível com um ponto central e inegociável do projeto político do governo, que é a manutenção da rápida expansão do dispêndio público. É por isso que a desoneração fiscal que vem sendo feita - além de discricionária e baseada em injustificável reintrodução da tributação sobre faturamento - é tão acanhada.

A segunda razão é que o governo se tem mostrado incapaz de promover a recuperação do investimento público, essencial para a redução do Custo Brasil. Muito se tem dito sobre a insolúvel paralisia dos programas de investimento do governo. Mas talvez já seja hora de adicionar às explicações usuais as deficiências que decorrem do estilo peculiar com que a presidente exerce suas funções administrativas, não obstante toda a mitologia que se construiu em torno de seus supostos talentos nessa área.

Sobram evidências de que a presidente Dilma Rousseff tem cometido erros sérios na seleção de auxiliares importantes, mostra propensão desmesurada à centralização e considera eficaz manter os escalões mais altos do governo aterrorizados com a possibilidade de desgostá-la por qualquer razão. Não é preciso ser um guru da administração para constatar o óbvio. A persistência dessas práticas na cúpula do governo constitui enorme empecilho à boa gestão das políticas públicas e ao bom andamento dos programas de investimento público.

Reconhecer as deficiências e ter disposição para mudar é a parte mais difícil. Mas o certo é que governo precisa corrigir o curso. Passados os próximos 19 meses, Dilma se verá na cabeceira da pista da sucessão presidencial. Por: Rogério Werneck, O Globo

sexta-feira, 20 de julho de 2012

OURO OU BITCOIN - O QUE VIRÁ NO FUTURO?


Bitcoin.png
No atual arranjo monetário em que vivemos, um fato já deve estar claro para até mesmo o mais casual dos observadores: bancos não são entidades capitalistas.  Em seu atual formato, eles pouco têm a ver com o livre mercado e não possuem lugar nele. 
Bancos estão constantemente oscilando entre duas posições: em um momento, eles nada mais são do que um protetorado do estado, em desesperada necessidade de apoio das impressoras do Banco Central ou de ilimitados financiamentos advindos dos impostos dos cidadãos, sem os quais o sistema financeiro entraria em colapso total; em outro momento, eles são uma conveniente ferramenta para políticas estatais, sendo amplamente alimentados pelos bancos centrais com fartas reservas bancárias, as quais eles irão utilizar para expandir o crédito artificialmente e, com isso, sustentar aqueles setores que o governo julgar mais adequado politicamente, como o industrial e o da construção civil.  Adicionalmente, o crescimento econômico artificial gerado por esta expansão monetária será sempre politicamente positiva.
Portanto, os bancos ora vivem do assistencialismo, ora são meras e convenientes ferramentas para as políticas econômicas dos planejadores centrais.  Em ambos os casos, não podem ser considerados empresas capitalistas.  Adicionalmente, outra excrescência do atual sistema financeiro, como veremos mais abaixo, é que os bancos representam custos e despesas indiretas para as pessoas que transacionam no mercado — um paradoxo, dado que o livre mercado está sempre tentando cortar ao máximo custos e despesas.  Os custos representados pelos bancos não existiriam em um livre mercado e só se sustentam hoje em decorrência da intervenção estatal no setor e do monopólio estatal da moeda.  Sem ambos, tais custos, assim como o atual sistema bancário, tenderiam a desaparecer.  Esta é a lógica inerente ao livre mercado: cortar custos desnecessários.
Bancos centrais e o atual sistema bancário que opera o papel-moeda fiduciário monopolizado pelo estado são uma mancha no sistema capitalista.
Para que o capitalismo funcione harmoniosamente, tais excrescências terão, em última instância, de desaparecer.  Creio que a lógica básica do capitalismo nos levará a esta direção.  Pessoalmente, creio que tentar "reformar" o atual sistema é uma perda de tempo e de energia.  Vamos reformar o sistema trocando-o por algo melhor.  Adotemos um sistema monetário genuinamente de mercado.
Quando e como exatamente o atual sistema irá acabar, ninguém sabe.  Mas creio que já estamos em seus estágios finais.  Ao longo de toda a história da humanidade, sistemas monetários baseados em moedas de papel de curso forçado nunca duraram muito tempo.  Ao redor do mundo, todos os grandes bancos centrais estabeleceram políticas de juros baixíssimos e estão inchando seus balancetes na desesperada tentativa de evitar que seus sistemas bancários se contraiam e entrem em colapso.  Se você acha que tudo isso é apenas temporário e que tudo voltará suavemente ao normal tão logo as economias "se recuperem", você provavelmente está tomando alguns remédios bem fortes, ou tem passado muito tempo dando ouvidos a economistas convencionais que, em sua maioria, são muito bem pagos para servir de apologistas do atual sistema.
O futuro do dinheiro
Frequentemente me perguntam, em minhas palestras, o que virá depois que o atual arranjo financeiro entrar em colapso.  Voltaremos ao escambo?  Não.  Obviamente, uma economia capitalista moderna necessita de um sistema monetário sólido e plenamente operante.  Minha esperança é que, das cinzas do atual sistema, um novo arranjo monetário surgirá, e este será inteiramente privado — e não gerido pelos governos em conluio com o sistema bancário, aliança esta que vai contra tudo que o livre mercado representa.
Ninguém pode dizer como será exatamente este novo sistema.  Seu formato e suas características serão em última instância definidas pelo mercado.  Nesta área, como em outras, são poucos os limites para a inventividade e genialidade humana.  Porém, de antemão, já podemos imaginar alguns pontos conceituais a respeito deste sistema.
Um padrão-ouro privado...
Sistemas monetários de livre mercado, nos quais a oferta monetária está completamente fora de qualquer ingerência política, tendem a ser sistemas nos quais o dinheiro seja uma commodity cuja oferta seja limitada e razoavelmente inelástica.  Parece improvável que um mercado completamente livre concederia a qualquer entidade privada o direito de produzir dinheiro (de papel ou eletrônico) a seu bel-prazer e sem limites.  O atual sistema é atípico justamente neste quesito e, por isso, tal arranjo evidentemente não representa uma solução de livre mercado.  Tampouco pode ser duradouro.
Os candidatos óbvios, portanto, são o ouro e a prata, ambos os quais funcionaram naturalmente como dinheiro durante milhares de anos.  É perfeitamente possível visualizar um moderno sistema em cujo centro estão empresas privadas que oferecem armazenamento de ouro e prata, provavelmente em uma variedade de jurisdições (Zurique, Londres, Hong Kong, Vancouver, São Paulo).  Ao redor destes centros de metais monetários armazenados, floresceria um sistema financeiro que utilizaria a última palavra em tecnologia de informação e de pagamento para facilitar uma segura, tranquila e barata transferência de propriedade deste dinheiro entre aqueles que voluntariamente optarem por participar deste sistema.  Sim, haveria cartões de crédito, transferências eletrônicas, e pagamentos via internet ou telefones celulares.  Não haveria, no entanto, reuniões de comitês de política monetária, nem presidentes de bancos centrais escrevendo cartas explicativas para ministros da fazenda, e nem muito menos qualquer tipo de política monetária.
Estas empresas que armazenam ouro e prata seriam bancos?  Bem, elas poderiam se transformar em bancos.  Com efeito, foi assim que nosso atual sistema bancário começou a se formar.  Mas há importantes diferenças sobre as quais falarei mais abaixo.  Em todo caso, este seria um sistema monetário sólido, internacional, privado e apolítico.  Seria definitivamente um sistema monetário capitalista.
... ou o Bitcoin
Outra solução seria um dinheiro privado virtual, como o Bitcoin.
Bitcoin é um dinheiro intangível criado na internet.  É um software.  O Bitcoin pode ser imaginado como sendo uma commodity criptográfica.  Trata-se de uma moeda criada digitalmente, completamente descentralizada, que existe somente no ciberespaço.  Ela é produzida e gerida pelos computadores conectados à rede mundial, os quais formam a rede Bitcoin.  Trata-se de um sistema de pagamento peer-to-peer que permite que as transações sejam assinadas digitalmente.  O Bitcoin não possui um emissor centralizado e não há nenhuma autoridade central controlando o processo.
Supostamente, as transações feitas em Bitcoin não podem ser rastreadas e as contas de seus usuários não podem ser congeladas.  O sistema não pode ser fechado ou destruído.  (E meus parcos conhecimentos de tecnologia informática e criptografia não me permitem julgar nenhuma destas afirmações.)
De acordo com seus criadores, a base monetária se expande de maneira limitada e controlada, sendo programada no software da Bitcoin.  Porém, tal expansão é totalmente previsível e conhecida antecipadamente pelo público usuário, o que significa que tal inflação não pode ser manipulada para alterar a distribuição de renda entre os usuários.  A todo e qualquer momento, qualquer usuário pode saber não apenas quantos Bitcoins ele possui, como também quantos Bitcoins existem no total.  Ainda de acordo com os criadores, somente 21 milhões de unidades de dinheiro podem ser criadas, o que significa que, após certo ponto, a quantidade de dinheiro torna-se fixa.
O processo de criação de Bitcoin é chamado de "mineração" (opa!), e é conduzido por computadores ligados à rede Bitcoin.  Pelo que entendi, a mineração de Bitcoins exige uma considerável energia computacional, e tudo foi programado para ser exatamente assim, para que a oferta de Bitcoins aumente de maneira bastante moderada ao longo do tempo até chegar a um limite — os 21 milhões de unidades determinadas pelo algoritmo — a partir do qual a oferta de Bitcoin torna-se fixa.  É claro que, assim como ocorre com o ouro ou com o dinheiro de papel, a maioria das pessoas que utiliza o Bitcoin nunca se envolve na "mineração" do produto, mas adquire o produto ao transacionar bens e serviços com outras pessoas.
Portanto, a criação de dinheiro Bitcoin é totalmente privada, mas nem de longe é algo sem custos.  Tampouco é ilimitada.  Bitcoin é dinheiro sólido.  Sua oferta é inelástica e não está sob o controle de qualquer autoridade emissora.  Trata-se de um 'dinheiro' internacional e genuinamente capitalista — é claro, estou partindo do princípio de que o público esteja disposto a utilizá-lo como dinheiro.
Mas há, naturalmente, várias perguntas a respeito do Bitcoin que não podem ser abordadas neste artigo: Ele é seguro?  Pode o algoritmo ser alterado ou corrompido, de modo a se possibilitar a falsificação?  As "carteiras" virtuais nas quais os Bitcoins são armazenados são confiáveis? 
Estas são perguntas para especialistas em segurança computacional ou criptógrafos, e eu não sou nenhum dos dois.  Meu argumento é conceitual.  Meu objetivo não é analisar o Bitcoin como tal, mas sim especular as consequências de uma moeda-commodity virtual, a qual considero factível em princípio e simplesmente assumo — pelo bem do argumento — ser uma solução.  Se ela realmente irá vingar, não posso dizer.  Novamente, quem irá decidir isso é o mercado.
Há, no entanto, uma questão para o economista.  Pode o Bitcoin se tornar amplamente aceito como dinheiro?  Isso não contradiria o teorema da regressão de Mises, que afirma que é impossível qualquer tipo de dinheiro surgir já sendo um imediato meio de troca; que um bem só pode alcançar o status de meio de troca se, antes de ser utilizado como dinheiro, ele já tiver obtido algum valor como mercadoria; que, qualquer que seja a moeda, ela tem antes de ter tido algum uso como mercadoria para só então passar a funcionar como dinheiro?
Meu contra-argumento é o seguinte: a analogia do Bitcoin deve ser feita com as cédulas de papel, que surgiram não como uma mercadoria, mas como um meio de pagamento — no caso, um título de reivindicação sobre o dinheiro metálico da época.  Cédulas de papel foram inicialmente utilizadas como sendo uma maneira mais conveniente de se transferir a propriedade do ouro ou da prata.  Tão logo estas cédulas começaram a circular e se tornaram amplamente aceitas como meio de troca, o ouro que as lastreava pôde ser abandonado sem que isso afetasse a circulação das cédulas e sua aceitação como dinheiro.  Elas já haviam se tornado dinheiro por si mesmas.
Similarmente, o Bitcoin pode ser imaginado, inicialmente, como uma tecnologia de pagamento, uma maneira barata e conveniente de se transferir títulos de propriedade sobre o dinheiro de papel estatal (o Bitcoin pode atualmente ser trocado por dinheiro de papel em várias transações).  Porém, dado que a oferta de Bitcoin é restrita ao passo que a oferta de papel-moeda estatal segue crescendo constantemente, o valor de troca do Bitcoin está fadado a aumentar.  E, em algum ponto, o Bitcoin poderá começar a ser transacionado como dinheiro genuíno.
Um sistema monetário baseado em um dinheiro sólido, internacional e apolítico, seja na forma de Bitcoin ou de um sistema de ouro privado, seria um sistema genuinamente capitalista, um sistema que facilitaria as transações livres e voluntárias entre indivíduos e empresas dentro e além das fronteiras, um sistema estável e fora do controle de políticos.  Ele traria várias vantagens para o usuário deste dinheiro e deixaria muito pouco espaço para os bancos em seus formatos atuais, o que serve para mostrar como os bancos se tornaram meras criaturas do atual sistema monetário estatal, com todas as suas inconsistências.
Bancos lucram com a criação de dinheiro
Os bancos atuais operam com reservas fracionadas, o que significa que eles se apossam dos depósitos de seus correntistas — depósitos estes que supostamente têm de estar seguros e serem líquidos —, pagam juros para os correntistas e utilizam estes depósitos para financiar empréstimos que são ilíquidos e arriscados, os quais, em troca, pagam aos bancos altos juros.  Por meio deste processo de reservas fracionadas, a mesma quantidade de dinheiro físico torna-se simultaneamente disponível para duas ou mais pessoas distintas.  Na prática, os bancos simplesmente criam dinheiro eletrônico (chamado de "moeda escritural") do nada, emprestam este dinheiro para terceiros e cobram juros sobre isso.  Por meio desta prática, os bancos expandem a quantidade de dinheiro na economia.  Eles se tornam criadores de dinheiro — uma atividade, obviamente, bastante lucrativa.  Mas tal atividade, como inquestionavelmente já demonstraram Mises, Hayek e toda a Escola Austríaca de economia, não apenas é arriscado para os bancos, como também é desestabilizador para toda a economia.  Ele gera os ciclos econômicos.
Não se pode negar que os bancos poderiam praticar reservas fracionadas mesmo se a moeda utilizada fosse o ouro ou o Bitcoin.  No entanto, na ausência de um Banco Central injetando dinheiro continuamente no sistema bancário, funcionando como um emprestador de última instância e assim sustentando todo o esquema, a amplitude de um sistema bancário de reservas fracionárias seria bastante limitada.  Para os bancos, seria extremamente perigoso reduzir a quantidade de dinheiro em seus cofres, pois isso aumentaria o risco de uma corrida bancária.  Banqueiros não confiam uns nos outros, e estão sempre ávidos para quebrar seus concorrentes e assumir sua fatia de mercado.  Sem um banco central coordenando todo o esquema e continuamente injetando dinheiro nas reservas bancárias, nenhum banco estaria seguro para expandir o crédito artificialmente.  Os bancos estariam constantemente fazendo intrigas, estimulando os correntistas de outros bancos a sacarem seu dinheiro para levá-los à falência.  Neste arranjo, não haveria espaço para reservas fracionadas.  Ao menos, não da maneira vultosa como ocorre hoje.
Sob um sistema monetário sólido (ouro ou Bitcoin), mesmo se os bancos quisessem criar um banco central para funcionar como emprestador de última instância, tal entidade não teria como criar do nada mais reservas de ouro ou mais reservas de Bitcoin.  Logo, seria impossível um fornecimento ilimitado de dinheiro aos bancos, ao contrário do que fazem os bancos centrais atuais.
É particularmente improvável que um sistema bancário de reservas fracionárias se desenvolva em uma economia que utilize o Bitcoin, dado que não haveria a necessidade de serviços de depósito e armazenagem, e nem de serviços que envolvam a transferência da matéria bruta (ouro ou cédulas de papel) de um lugar para o outro.  O usuário do Bitcoin possui uma conta similar à sua conta de email.  É ele quem a gerencia e é ele quem controla seus depósitos.  E o Bitcoin é um dinheiro prontamente utilizável para qualquer transação, em qualquer lugar do mundo, via internet.  Ele dispensa o sistema bancário como intermediário, tornando-o obsoleto.  O usuário do Bitcoin controla diretamente sua conta e seu dinheiro.  Ele pode acessar seus Bitcoins de qualquer lugar, até mesmo por meio de um cartão SIM em seu smartphone.
O enorme inchaço do sistema bancário de reservas fracionárias foi possibilitado pelas dificuldades de se fazer transações seguras de longa distância com ouro ou com cédulas de papel.  Tal dificuldade criou um forte incentivo para se colocar dinheiro físico nos bancos.  E, uma vez que o dinheiro físico foi para os bancos, ele se transformou em "reservas" prontas para ser utilizadas na concessão de crédito para terceiros, bem como ser transformadas em novos ativos bancários.
Direcionar poupança genuína para investimentos é uma intermediação não só extremamente importante, como também essencial para que qualquer economia possa crescer.  Mas o que o sistema bancário de reservas fracionárias faz é totalmente diferente.  Tal sistema pratica a criação de dinheiro e a consequente expansão de crédito sem que tenha havido qualquer poupança real e voluntária.  Isso cria severas distorções na estrutura da economia.  Um sistema bancário de reservas fracionárias não apenas não é necessário, como também representa uma fonte de desestabilização.  Sob o padrão-ouro, ele criou os ciclos econômicos.  Sob o atual sistema de papel-moeda fiduciário, com bancos centrais funcionando como emprestadores de última instância, ele criou os super-ciclos, arranjo este que está hoje em seu doloroso estágio final.
Bancos lucram com o monopólio das transações financeiras
Recentemente, ao fazer alguns arranjos para uma viagem para a África, tive de lidar diretamente com as operadoras de turismo local — algo que, hoje, pode ser feito de modo fácil e barato via internet, email ou Skype.  No entanto, na hora de fazer o pagamento para as operadoras africanas, tive de passar por um processo que não mudou quase nada desde a década de 1950.  Tal processo envolvia não apenas bancos africanos e britânicos (onde moro), mas também bancos em Nova York, que fazem as compensações dos cartões de crédito.  Isso tomou tempo e, é claro, custou mais dinheiro na forma de taxas adicionais.
Agora imagine se pudéssemos utilizar ouro ou Bitcoin.  O pagamento teria sido tão fácil e rápido quanto todas as comunicações vai email que precederam a transação.  Não haveria taxas de câmbio, e as taxas de serviço seriam pequenas (no caso do ouro) ou nulas (no caso do Bitcoin).
Passo exatamente pelo mesmo problema quando, da minha própria casa, faço palestras pela internet.  A tecnologia me permite ser visualizado por pessoas de todos os cantos do mundo, sempre de maneira barata, rápida e conveniente.  No entanto, na hora de receber meu pagamento, toda a transação percorre o mesmo caminho — passando por bancos em Nova York —, leva tempo para o dinheiro cair na minha conta, custos adicionais são cobrados e, no final, sou pago em uma moeda que não posso utilizar diretamente em meu país.
Bancos lucram com o nacionalismo monetário
No futuro, os historiadores econômicos certamente irão rir de nós por termos aceitado viver sob um estranho, ilógico e ineficiente arranjo de vários e distintos papeis-moeda locais — e por termos ingenuamente acreditado que isso representava o ápice do capitalismo moderno.  Hoje, cada governo quer ter sua própria moeda de papel, seu próprio banco central e gerir sua própria política monetária (é claro, com uma moeda fiduciária perfeitamente elástica).  Isto naturalmente representa um grande impedimento para o comércio internacional e para o livre fluxo de capital.
Se recebo um pagamento de uma pessoa que mora em outro país e quero utilizar esse dinheiro em meu país, tenho de fazer o câmbio da moeda.  E só posso fazer isso se encontrar alguém disposto a aceitar me dar moeda nacional em troca desta moeda estrangeira.  Tudo isso graças ao monopólio estatal da moeda e, principalmente, às leis de curso forçado. A existência de várias moedas distintas necessariamente reintroduz um aspecto de escambo parcial no comércio.  A melhor, mais eficiente e mais capitalista solução seria o uso do mesmo meio de troca em todo o globo.  O padrão-ouro era um sistema monetário muito superior também neste aspecto.  Sair do padrão-ouro internacional para adotar um sistema de várias moedas de papel gerenciadas pelo estado foi um enorme regresso econômico.
Cem anos atrás, você podia pegar um trem de Londres a Moscou e utilizar o mesmo dinheiro (moedas de ouro) em toda a sua viagem.  Não havia necessidade de trocar de dinheiro em nenhum momento.  (Aliás, diga-se de passagem, você nem precisava de passaporte).
A noção de que a 'economia nacional' necessita de uma 'moeda nacional' sempre foi uma ficção, embora bastante lucrativa para os bancos que detêm as concessões das casas de câmbio.  Igualmente fictícia é a ideia de que a economia funciona melhor se a oferta monetária, as taxas de juros e as taxas de câmbio forem cuidadosamente manipuladas por burocratas locais (ficção esta que é altamente rentável para vários economistas que vivem desse sistema).  No mundo atual, cada vez mais globalizado, tais ficções são totalmente insustentáveis.  O capitalismo transcende fronteiras, e o que ele necessita para prosperar é simplesmente de uma moeda sólida, apolítica e internacional.  Um dinheiro que seja uma ferramenta adequada para a cooperação e para a interação humana voluntária, e não simplesmente uma ferramenta para manobras políticas.
Os bancos se beneficiam deste atual segregação monetária.  Eles lucram com as inúmeras operações cambiais que ocorrem diariamente.  Já as empresas não-financeiras que operam internacionalmente são inevitavelmente forçadas a especular nos mercados de câmbio ou a pagar por custosas estratégias de hedge para se proteger de variações cambiais (de novo, pagando para os bancos).
Conclusão
Resta claro que o tamanho, o modelo de negócios, as fontes de lucratividade e os problemas do sistema bancário atual estão intimamente ligados ao atual e totalmente elástico sistema monetário de dinheiro de papel.  Mesmo que tal sistema fosse duradouro — o que certamente não é —, as forças do capitalismo, a contínua busca por soluções melhores, mais eficientes e mais duráveis, em conjunto com o progresso tecnológico, gerariam enormes pressões de mercado sobre a atual indústria bancária.  E isso terá de ocorrer nos anos vindouros.
Dado que o atual sistema financeiro não é o resultado de forças de mercado, dado que um sistema de moedas estatais totalmente elásticas não é necessário, dado que ele é sub-ótimo, ineficiente, instável e insustentável, não há por que duvidar que um dia ele irá acabar.  Os bancos atuais são meros dinossauros paraestatais, ligados até a alma à burocracia e à politicagem.  Estruturas inchadas e dependentes da criação de dinheiro e de subsídios estatais para sua sobrevivência.  Já estão maduros para cair.
A morte do sistema de dinheiro de papel irá oferecer grandes oportunidades para uma nova estirpe de empreendedores monetários.  Neste aspecto, posso visualizar empresas armazenando ouro, empresas tecnológicas oferecendo serviços de transação financeira, empresas fornecedoras de serviços de Bitcoin e empresas voltadas para o gerenciamento de ativos.  Se algumas dessas unirem forças, as oportunidades serão enormes.  O mundo está pronto para um sistema monetário alternativo, desestatizado e baseado na livre concorrência.  Quando o atual sistema entrar em colapso sob o peso de suas próprias inconsistências, quem for um bom empreendedor estará pronto para oferecer algo como substituto.
A atual economia baseada em papel-moeda estatal e fiduciário está pronta para uma schumpeteriana 'destruição criativa'.  Esteja sempre alerta para as oportunidades.
Enquanto isso, a destruição do papel-moeda prossegue.

Detlev Schlichter é formado em administração e economia.  Trabalhou 19 anos no mercado financeiro, como corretor de derivativos e, mais tarde, como gerente de portfolio.  Nesse meio tempo, conheceu a Escola Austríaca de Economia e, desde então, dedicou seus últimos 20 anos ao estudo autônomo da mesma.  Foi apenas após conhecer a Escola Austríaca que ele percebeu o quão mais profundas e satisfatórias eram as teorias austríacas para explicar os fenômenos econômicos que ele observava diariamente em seu trabalho.  Visite seu website.

Tradução de Leandro Roque

DISTRIBUIR A RENDA OU A PRODUÇÃO?


No Brasil, toda a produção está voltada para a classe média.

A saída para o crescimento é reorientar a economia para a produção de produtos populares, o que pressupõe primeiro o aumento da renda para depois chegar ao crescimento.

A política de substituição de importações, implantada por vários governos brasileiros no passado de visão Cepal/Unicamp, gerou uma industrialização voltada para produzir bens para os 10% mais ricos da população.

Há 50 anos, quem importava maciçamente era a justamente a parcela mais rica da população.

No início, com a criação de elevadas tarifas, as grandes empresas multinacionais do setor automobilístico vieram produzir no Brasil o que antes era importado.

Criaram obviamente um padrão de produção não voltado ao vasto mercado interno popular, mas simplesmente trouxeram as máquinas e os modelos dos produtos anteriormente exportados para o Brasil.

A industrialização gerada pela política de substituição de exportações gerou um padrão voltado aos 10% mais ricos, algo não percebido pelos economistas que idealizaram esta politica.

Pior, a má-distribuição da renda foi uma consequência desta política.

Criou-se sim uma cunha fiscal de quase 100% sobre o trabalho assalariado, com inúmeros encargos sociais, PIS, Pasep, que inviabilizava a compra pelo trabalhador do produto que ele próprio fabricava.

A cunha fiscal sobre o trabalho assalariado exigia uma classe mais rica, única capaz de comprar os produtos produzidos por classes de renda mais baixas.

Ao contrário dos funcionários da Ford Motor Co. na década de 30 nos Estados Unidos, o trabalhador automobilístico não tinha renda para comprar o produto do seu trabalho, tal a carga de impostos que o Estado acrescentava ao preço brasileiro.

Este modelo esgotou-se por várias razões:

1. Com a abertura das importações e a globalização da economia brasileira, os ricos irão de novo importar os seus carros, home theaters etc.

2. Tentar enfrentar o problema produzindo produtos ainda mais sofisticados, com ainda mais qualidade e tecnologia do que os concorrentes do Primeiro Mundo, como propõem muitos, será uma luta inglória.

3. Os países do Primeiro Mundo sempre terão mais escala e menores preços simplesmente porque suas populações ricas são muito mais numerosas.

A saída portanto será reorientar a produção brasileira para os 20,30,40, 50% seguintes na escala econômica.

As vantagens são enormes.

Quando o rico fica mais rico, a renda disponível cresce somente uma fração do aumento da renda.

Quando o pobre fica mais rico, a propensão marginal a consumir é enorme.

Por exemplo, um aumento de 1% de crescimento no PIB aumenta em 3% o consumo de ovos.

No ano 2000, 2/3 da população mundial serão relativamente pobres e se pudermos criar e vender produtos adequados para a classe de baixa renda brasileira, aí sim teremos condições de exportar competitivamente para o mundo.

E os nossos grandes mercados serão a China e a índia, e não a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos.

O grande bloco comercial no ano de 2020 não será o Mercosul nem o Nafta e sim a Bríndia, o intercâmbio poderoso entre o Brasil e a Índia, e/ou o Brinchina, Brasil, Índia e China.

Em média, nossas empresas estão mal preparadas para o segmento de produtos populares.

Parte da crise do real reside aí.

Todo mundo está produzindo para a classe média, que está vendo sua renda diminuidapara um patamar mais correto.

No caso das patentes em medicina, a Roche, por exemplo, em vez de lutar pelo reconhecimento das patentes, está introduzindo remédios cujas patentes já se tornaram domínio público e são baratas porque não pagam royalties. (Os génericos que seria criado em por lei em 1999.) 

Pretende competir pela sua qualidade e eficiência na fabricação de remédios, que é o que vale a longo prazo.

O conceito de produtos populares requer não somente uma redefinição do produto, da qualidade, dos métodos de produção, como da embalagem, da propaganda e dos canais de distribuição.

Poucos shopping-centers no Brasil foram construídos em cima de metrôs.

Poucos metrôs possuem áreas de vendas, que poderiam ter sido alugadas a comerciantes, reduzindo o déficit deste meio de transporte.

É incrível que os vários governadores e prefeitos socialistas como a da Erundina não tenham criado pontos de vendas nas áreas de metrô como se faz na França e nos Estados Unidos.

Pobre possui menos tempo que rico para fazer compras.

No Brasil, ter um carro é condição sine qua non para se comprar na maioria dos shoppings, uma distorção do modelo industrial.

O chamado carro popular, introduzido no governo Itamar, de popular não teve absolutamente nada; ao preço de 12 mil reais continua sendo um produto para os 10% mais ricos da população.

O carro popular no Brasil deveria ser uma bicicleta com motor, vendida em torno de 250 reais.

Aliás, foi assim que a Honda virou importante no Japão, começando com motocicletas e somente então partindo para os carros.

Neste novo modelo, uma nova ação do governo se faz necessária.

No caso das bicicletas, surgem imediatamente os problemas de trânsito e da falta de ciclovias.

No caso dos metrôs, a falta de planejamento urbano e legislativo que permita construir um shopping em cima de uma estação.

A abertura do comércio aos domingos é condição sine qua non para baratear seus custos fixos.

Ao contrário, o governo Fernando Henrique Cardoso, em um de seus primeiros atos, isentou de todo e qualquer imposto aduaneiro os produtos abaixo de US$ 50, inviabilizando justamente os produtos populares produzidos internamente. Pior, demoraram dois anos para revogar esta medida.

Enquanto no modelo industrial anterior crescia-se primeiro para distribuir a renda depois, a nova estratégia de produtos populares requer primeiro o aumento da renda para depois chegar ao crescimento, o que Henry Ford fez ao dobrar os salários dos seus operários.

No caso brasileiro, a simples eliminação do FGTS e a sua distribuição imediata ao trabalhador, aumentaria a renda sem onerar os custos da empresa.

E se o país crescer, os riscos de desemprego serão menores.

A opção por produtos populares não é nova. As empresas que deram certo nestes últimos dez anos, optaram justamente por este caminho. Grendene, Garoto, Hermes, Lojas Americanas, Brahma para citar alguns exemplos.

A dedicação total de todo trabalhador é um dos fatores vitais para a qualidade da produção, o ISO 9000, a concorrência e o consumidor.

O que não é óbvio, para a maioria dos formuladores de política econômica, é que o mundo moderno de hoje é dominado por teorias administrativas e não por teorias econômicas de economistas já defuntos, como gostava de afirmar Keynes.

As teorias de gerenciamento moderno nos mostram que o trabalhador jamais terá a dedicação e esmero necessários para uma qualidade total se hão tiver condição de comprar o produto que ele fabrica.

A política econômica defendida por Dorothea Werneck, de qualidade e produção para o Primeiro Mundo, jamais daria certo por este simples aspecto.

As empresas que seguem as últimas coqueluches gerenciais do momento, no Primeiro Mundo, acabam embarcando em niche-marketing, ciclo de produtos curtos e database-marketing, técnicas ideais para os problemas gerenciais americanos e europeus. A realidade brasileira porém é outra.

Não é a renda que precisa ser distribuída, e sim a produção.Por: Stephen Kanitz