sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O QUE REALMENTE É O MERCADO


As características da economia de mercado
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A economia de mercado é o sistema social baseado na divisão do trabalho e na propriedade privada dos meios de produção. Todos agem por conta própria; mas as ações de cada um procuram satisfazer tanto as suas próprias necessidades como também as necessidades de outras pessoas. Ao agir, todos servem seus concidadãos. Por outro lado, todos são por eles servidos. Cada um é ao mesmo tempo um meio e um fim; um fim último em si mesmo e um meio para que outras pessoas possam atingir seus próprios fins.

Este sistema é guiado pelo mercado. O mercado orienta as atividades dos indivíduos por caminhos que possibilitam melhor servir as necessidades de seus semelhantes. Não há, no funcionamento do mercado, nem compulsão nem coerção. O estado, o aparato social de coerção e compulsão, não interfere nas atividades dos cidadãos, as quais são dirigidas pelo mercado. O estado utiliza o seu poder exclusivamente com o propósito de evitar que as pessoas empreendam ações lesivas à preservação e ao funcionamento da economia de mercado. Protege a vida, a saúde e a propriedade do indivíduo contra a agressão violenta ou fraudulenta por parte de malfeitores internos e de inimigos externos. Assim, o estado se limita a criar e a preservar o ambiente onde a economia de mercado pode funcionar em segurança.

O slogan marxista "produção anárquica" retrata corretamente essa estrutura social como um sistema econômico que não é dirigido por um ditador, um czar da produção que pode atribuir a cada um uma tarefa e obrigá-lo a obedecer a esse comando. Todos os homens são livres; ninguém tem de se submeter a um déspota. O indivíduo, por vontade própria, se integra num sistema de cooperação. O mercado o orienta e lhe indica a melhor maneira de promover o seu próprio bem estar, bem como o das demais pessoas. O mercado comanda tudo; por si só coloca em ordem todo o sistema social, dando-lhe sentido e significado.

O mercado não é um local, uma coisa, uma entidade coletiva. O mercado é um processo, impulsionado pela interação das ações dos vários indivíduos que cooperam sob o regime da divisão do trabalho. As forças que determinam a — sempre variável — situação do mercado são os julgamentos de valor dos indivíduos e suas ações baseadas nesses julgamentos de valor. A situação do mercado em um determinado momento é a estrutura de preços, isto é, o conjunto de relações de troca estabelecido pela interação daqueles que estão desejosos de vender com aqueles que estão desejosos de comprar. Não há nada, em relação ao mercado, que não seja humano, que seja místico. O processo de mercado resulta exclusivamente das ações humanas. Todo fenômeno de mercado pode ser rastreado até as escolhas específicas feitas pelos membros da sociedade de mercado.

O processo de mercado é o ajustamento das ações individuais dos vários membros da sociedade aos requisitos da cooperação mútua. Os preços de mercado informam aos produtores o que produzir como produzir e em que quantidade. O mercado é o ponto focal para onde convergem e de onde se irradiam as atividades dos indivíduos.

A economia de mercado deve ser estritamente diferenciada do segundo sistema imaginável — embora não realizável — de cooperação social sob um regime de divisão de trabalho: o sistema de propriedade governamental ou social dos meios de produção. Esse segundo sistema é comumente chamado de socialismo, comunismo, economia planificada ou capitalismo de estado. A economia de mercado e a economia socialista (ou o capitalismo de estado) são mutuamente excludentes. Não há mistura possível ou imaginável dos dois sistemas; não há algo que se possa chamar de economia mista, um sistema que seria parcialmente socialista. A produção ou é dirigida pelo mercado, ou o é por decretos de um czar da produção, ou de um comitê de czares da produção.

Nada que seja, de alguma forma, relacionado com o funcionamento do mercado pode, no sentido praxeológico ou econômico do termo, ser chamado de socialismo. A noção de socialismo, tal como é concebida e definida por todos os socialistas, implica a ausência de um mercado para os fatores de produção e a ausência de preços para esses fatores. A "socialização" de instalações industriais, comerciais e agrícolas — isto é, a transferência de sua propriedade de privada para pública — é um método de conduzir pouco a pouco ao socialismo. 

É um passo na direção do socialismo, mas não é em si mesmo o socialismo. (Marx e os marxistas ortodoxos negaram claramente a possibilidade dessa aproximação gradual para o socialismo. Segundo suas doutrinas, a evolução do capitalismo atingirá inevitavelmente um estágio no qual, de um só golpe, ele se transformaria em socialismo).

As empresas públicas operadas pelo governo, bem como a economia da Rússia Soviética, pelo simples fato de comprarem e venderem em mercados, estão conectadas ao sistema capitalista. Dão testemunho dessa conexão ao utilizarem a moeda em seus cálculos. Assim, fazem uso dos métodos intelectuais do sistema capitalista que fanaticamente condenam.

Isto porque o cálculo econômico é a base intelectual da economia de mercado. Os objetivos perseguidos pela ação em qualquer sistema baseado na divisão do trabalho não podem ser alcançados sem o cálculo econômico. A economia de mercado calcula em termos de preços em moeda. Ser capaz de efetuar tal cálculo foi determinante na sua evolução e condiciona seu funcionamento nos dias de hoje. A economia de mercado é uma realidade porque é capaz de calcular.

Capitalismo

Todas as civilizações, até os dias de hoje, foram baseadas na propriedade privada dos meios de produção. No passado, civilização e propriedade privada sempre andaram juntas.

Aqueles que sustentam que a economia é uma ciência experimental, e apesar disso recomendam o controle estatal dos meios de produção, se contradizem lamentavelmente. Se pudéssemos extrair algum ensinamento da experiência histórica, este seria o de que a propriedade privada está inextricavelmente ligada à civilização. Não há nenhuma experiência que mostre que o socialismo poderia proporcionar um padrão de vida tão elevado quanto o que é proporcionado pelo capitalismo.

O sistema de economia de mercado nunca chegou a ser tentado de forma completa e pura. Mas, na civilização ocidental, desde a Idade Média, de um modo geral, prevaleceu uma tendência no sentido de abolir as instituições que obstruíam o funcionamento da economia de mercado. O constante progresso dessa tendência permitiu o crescimento populacional e a elevação do padrão de vida das massas a um nível sem precedente e até então inimaginável. O cidadão médio desfruta hoje de comodidades que fariam inveja a Cresus, Crasso, aos Médici e a Luís XIV.

Os problemas suscitados pela crítica socialista e intervencionista à economia de mercado são puramente de ordem econômica e só podem ser tratados por uma análise profunda da ação humana e de todos os sistemas imagináveis de cooperação social. O problema psicológico, em decorrência do qual as pessoas desprezam e menoscabam o capitalismo e chamam de "capitalista" tudo o que lhes desagrada, e de "socialista" tudo o que lhes agrada, é um problema que diz respeito à história e deve ser deixado a cargo dos historiadores. 

Os defensores do totalitarismo consideram o "capitalismo" um mal tenebroso, uma doença terrível que se abateu sobre a humanidade. Aos olhos de Marx, o capitalismo era um estágio inevitável da evolução do gênero humano, mas, ainda assim, o pior dos males; felizmente a salvação estava iminente e livraria o homem definitivamente deste desastre. Na opinião de outras pessoas, teria sido possível evitar o capitalismo se ao menos os homens fossem mais virtuosos ou mais habilidosos na escolha de políticas econômicas.

Todas essas lucubrações têm um traço comum. Consideram o capitalismo como um fenômeno ocidental que poderia ser eliminado sem alterar condições que são essenciais ao pensamento e à ação do homem civilizado. Como elas não se preocupam com o problema do cálculo econômico, não chegam a perceber as consequências que seriam produzidas pela abolição desse cálculo. Não chegam a se dar conta de que o homem socialista, para cujo planejamento a aritmética não terá nenhuma utilidade, seria, na sua mentalidade e no seu modo de pensar, inteiramente diferente dos nossos contemporâneos. Ao lidar com o socialismo, não devemos subestimar essa transformação mental, mesmo se estivéssemos dispostos a suportar silenciosamente as desastrosas consequências que adviriam para o bem estar material da humanidade.

A economia de mercado é um modo de agir, fruto da ação do homem sob a divisão do trabalho. Todavia, isto não significa que seja algo acidental ou artificial, algo que possa ser substituído por outro modo de agir qualquer. A economia de mercado é o produto de um longo processo evolucionário. É o resultado dos esforços do homem para ajustar sua ação, da melhor maneira possível, às condições dadas de um meio ambiente que ele não pode modificar. É, por assim dizer, a estratégia cuja aplicação permitiu ao homem progredir triunfalmente do estado selvagem à civilização.

Muitos autores raciocinam da seguinte forma: o capitalismo foi o sistema econômico que possibilitou as realizações maravilhosas dos últimos duzentos anos; portanto, está liquidado porque o que foi benéfico no passado não pode continuar sendo benéfico nos nosso tempo nem no futuro. Tal raciocínio está em contradição flagrante com os princípios do conhecimento experimental. Não é necessário, a essa altura, retornar novamente à questão de saber se a ciência da ação humana pode ou não adotar os métodos experimentais das ciências naturais. Mesmo se fosse possível responder afirmativamente a esta questão, seria absurdo questionar como esses experimentalistas o fazem ao inverso. A ciência experimental argumenta que, se a foi válido no passado, será válido também no futuro. Não tem cabimento afirmar o contrário: se a foi válido no passado, não o será no futuro.

A economia não é, evidentemente, um ramo da história ou de qualquer outra ciência histórica. É a teoria de toda ação humana, a ciência geral das imutáveis categorias da ação e do seu funcionamento em quaisquer condições imagináveis sob as quais o homem age. Por assim ser, constitui a ferramenta mental indispensável para lidar com os problemas históricos e etnográficos. Um historiador ou um etnógrafo que, no seu trabalho, não aproveita da melhor maneira possível todos os ensinamentos da economia, está trabalhando mal. Na realidade, ele não aborda o objeto de sua pesquisa sem estar influenciado por aquilo que despreza como teoria. Está, em cada instante de sua coleta de fatos pretensamente puros, quando os ordena e deles extrai conclusões, guiado por remanescentes confusos e deturpados de doutrinas econômicas perfunctórias, construídas desleixadamente ao longo dos séculos que precederam a elaboração de uma ciência econômica; ciência econômica esta que refutou de forma definitiva aquelas doutrinas superficiais.

Não são os economistas, e sim os seus críticos, que carecem de "senso histórico" e ignoram o fator evolução. Os economistas sempre tiveram consciência do fato de que a economia de mercado é o produto de um longo processo histórico que começou quando a raça humana emergiu dos grupos de outros primatas. Os defensores do que erroneamente é chamado de "historicismo" pretendem desfazer os efeitos das mudanças evolucionárias. A seu ver, tudo aquilo cuja existência não possa ser rastreada até um passado remoto, ou não possa ter sua origem identificada nos costumes de alguma tribo primitiva da Polinésia, é artificial, ou mesmo decadente. Consideram como prova de inutilidade e podridão de uma instituição o fato de ela ser desconhecida para os selvagens. Marx e Engels, e os professores alemães da Escola Historicista, exultaram quando tomaram conhecimento de que a propriedade privada é "apenas" um fenômeno histórico. Para eles, esta era a prova de que os seus planos socialistas eram realizáveis.

O gênio criador está em contradição com os seus contemporâneos. Enquanto pioneiro das coisas novas e das quais nunca se ouviu falar, ele está em conflito com a aceitação cega de critérios e valores tradicionais. A seu ver, a rotina de um cidadão normal, do homem médio e comum, não passa de uma estupidez. Para ele, "burguês" é sinônimo de imbecilidade. Os artistas frustrados que se satisfazem em imitar os maneirismos do gênio, a fim de esquecer e de dissimular sua própria impotência, adotam essa terminologia. Esses boêmios chamam tudo o que lhes desagrada de "burguês". Desde que Marx tornou o termo "capitalista" equivalente a "burguês", estas palavras são empregadas como sinônimas. Nos vocabulários de todas as línguas as palavras "capitalistas" e "burgueses" significam hoje tudo o que há de vergonhoso, degradante e infame. Por outro lado, chamam tudo aquilo de que gostam ou que prezam de "socialista". O esquema de raciocínio é o seguinte: um homem, arbitrariamente, chama de "capitalista" tudo o que lhe desagrada e depois deduz dessa designação que aquilo que lhe desagrada é mau.

Esta confusão semântica vai ainda mais longe. Sismondi, os apologistas românticos da Idade Média, todos os autores socialistas, a Escola Historicista prussiana e os Institucionalistas americanos ensinaram que o capitalismo é um sistema injusto de exploração que sacrifica os interesses vitais da maioria da população em benefício exclusivo de um pequeno grupo de aproveitadores. Nenhum homem decente pode defender esse sistema "insensato". Os economistas que sustentam que o capitalismo é benéfico não apenas a um pequeno grupo, mas a todas as pessoas, são "sicofantas da burguesia". Ou são obtusos demais para perceber a realidade, ou então são apologistas vendidos aos interesses egoístas da classe dos exploradores.

O capitalismo, no entender desses inimigos da liberdade e da economia de mercado, significa a política econômica defendida pelas grandes empresas e pelos milionários. Diante do fato de que alguns — certamente não todos — capitalistas e empresários ricos, nos dias de hoje, são favoráveis a medidas que restringem o livre comércio e a livre concorrência, e que resultam em monopólio, os críticos dizem: o capitalismo contemporâneo defende o protecionismo, os cartéis e a abolição da competição. E ainda acrescentam que, em um certo período do passado, o capitalismo inglês era favorável ao comércio livre, tanto no mercado interno como nas relações internacionais. Isto ocorria porque, naquela época, os interesses de classe da burguesia inglesa eram mais bem atendidos por essa política. Entretanto, as condições mudaram e, hoje, o capitalismo, isto é, a doutrina defendida pelos exploradores, é favorável a outra política.

Essa tese deforma grosseiramente tanto a teoria econômica como os fatos históricos. Houve e sempre haverá pessoas cujos interesses próprios exigem proteção para situações já estabelecidas, e que esperam obter vantagens de medidas que restringem a concorrência. Empresários envelhecidos e cansados, bem como os herdeiros decadentes de pessoas que foram bem sucedidas no passado, não gostam de empreendedores novos e ágeis que ameaçam a sua riqueza e posição social eminente. Seu desejo de tornar rígidas as condições econômicas e de impedir o progresso pode ou não ser realizado, dependendo do clima da opinião pública.

A estrutura ideológica do século XIX, influenciada pelo prestígio dos ensinamentos dos economistas liberais, tornava inúteis esses desejos. Quando os melhoramentos tecnológicos da era do liberalismo revolucionaram os métodos tradicionais de produção, transporte e comércio, aqueles cujos interesses estabelecidos foram atingidos não pediram proteção porque teria sido inútil. Mas, hoje, o fato de impedir um homem eficiente de competir com um menos eficiente, é considerado como uma tarefa legítima do governo. A opinião pública simpatiza com as solicitações de grupos poderosos para impedir o progresso. Não é de estranhar que, em tal ambiente, empresários menos eficientes busquem proteção contra concorrentes mais eficientes.

Seria correto descrever este estado de coisas da seguinte forma: hoje, muitos ou alguns setores empresariais não são mais liberais; não defendem uma autêntica economia de mercado, mas, ao contrário, solicitam ao governo medidas intervencionistas. Mas é inteiramente errado dizer que o significado do conceito de capitalismo mudou e que o atual capitalismo ou "capitalismo tardio" — como é chamado pelos marxistas — seja caracterizado por políticas restritivas que visem a proteger interesses constituídos de assalariados, agricultores, lojistas, artesãos e também, às vezes, de capitalistas e empresários. O conceito de capitalismo, como conceito econômico, é imutável; se tem algum significado, significa economia de mercado.

Se aquiescermos em usar uma terminologia diferente, ficaremos privados das ferramentas semânticas próprias para lidar adequadamente com os problemas da história contemporânea e das políticas econômicas. Essa nomenclatura defeituosa só se torna compreensível quando percebemos que os pseudoeconomistas e os políticos que a utilizam querem evitar que as pessoas saibam o que é realmente a economia de mercado. Querem que as pessoas acreditem que todas as medidas repulsivas de intervenção estatal são provocadas pelo "capitalismo".

Ludwig von Mises  foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico.  Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política.  Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico.  Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

HERANÇA PESADA



A presidenta Dilma Rousseff recebeu uma herança pesada de seu antecessor. Obviamente, ninguém é responsável pela maré negativa da economia internacional, nem ela nem o antecessor. Mas há muito mais do que só o infortúnio dos ciclos do capitalismo.

Comecemos pelo mais óbvio: a crise moral. Nem bem completado um ano de governo, e lá se foram oito ministros, sete dos quais por suspeitas de corrupção. Pode-se alegar que quem nomeia ministros deve saber o que faz. Sem dúvidas, mas há circunstâncias. No entanto, como o antecessor jogou papel eleitoral decisivo, seria difícil recusar de plano seus afilhados. Suspeitas, antes de se materializarem em indícios, são frágeis diante da obsessão por formar maiorias hegemônicas, enfermidade petista incurável.

Mas não foi só isso: o mensalão é outra dor de cabeça. De tal desvio de conduta, a presidenta passou longe e continua se distanciando. Mas seu partido não tem jeito. Invoca a prática de um delito para encobertar outro: o dinheiro desviado seria “apenas” para o caixa dois eleitoral, como disse Lula em tenebrosa entrevista dada em Paris, versão recém-reiterada ao “New York Times”. Pouco a pouco, vai-se formando o consenso jurídico, de resto já formado na sociedade, de que desviar dinheiro é crime, tanto para caixa dois como para comprar apoio político no Congresso. Houve mesmo busca de hegemonia a peso de ouro alheio.

Mas não foi só isso que Lula deixou como herança à sucessora. Nos anos de bonança, em vez de aproveitar as taxas razoáveis de crescimento para tentar aumentar a poupança pública e investir no que é necessário para dar continuidade ao crescimento produtivo, preferiu governar ao sabor da popularidade. Aumentou os salários e expandiu o crédito, medidas que, se acompanhadas de outras, seriam positivas.

Deixou de lado as reformas politicamente custosas: não enfrentou as questões regulatórias para acelerar as parcerias público-privadas e retomar as concessões de certos serviços públicos. A despeito da abundância de recursos fiscais, deixou de racionalizar as práticas tributárias, num momento em que a eliminação de impostos poderia se fazer sem consequências negativas: a oposição conseguiu suprimir a CPMF, cortando R$ 50 bilhões de impostos, e a derrama continuou impávida.

É longa a lista do que faltou fazer quando seria mais fácil. Na questão previdenciária, o único “avanço” não se concretizou: a criação de uma previdência complementar para os funcionários públicos que viessem a ingressar depois da reforma. A medida foi aprovada, mas sua consecução dependia de lei subsequente, para regulamentar os fundos suplementares, que nunca foi aprovada.

As centenas de milhares de recém-ingressados no serviço público na era lulista continuaram a beneficiar-se da regra anterior. Foi preciso que novo passo fosse dado pelo governo atual para reduzir, no futuro, o déficit da Previdência.

Que dizer, então, de modificações para flexibilizar a legislação trabalhista e incentivar o emprego formal? A proposta enviada pelo meu governo, com esse objetivo, embora assegurando todos os direitos trabalhistas previstos na Constituição, foi retirada do Senado pelo governo Lula em 2003. Agora é o próprio Sindicato Metalúrgico de São Bernardo do Campo que pede a mesma coisa...

Mas o “hegemonismo” e a popularidade à custa do futuro forçaram outro caminho: o dos “projetos de impacto” como certos períodos do autoritarismo militar tanto prezaram. Projetos que não saem do papel ou, quando saem, custam caríssimo ao Tesouro e têm utilidade relativa.

O exemplo clássico foi a formação a fórceps de estaleiros nacionais para produzir navios-tanque para a Petrobras (pagos, naturalmente, pelos contribuintes, seja através do BNDES, seja pelos altos preços desembolsados pela Petrobrás). Depois do lançamento ao mar do primeiro navio, com fanfarras e discursos presidenciais, passaram-se meses para descobrir-se que o custo não fez jus a tanta louvação.

Que dizer dos atrasos da transposição do São Francisco ou da Transnordestina, ou ainda da fábrica de diesel à base de mamona? Tudo relegado aos restos a pagar do esquecimento.

O que mais pesa como herança é a desorientação da política energética. Calemos sobre as usinas movidas “a fio d água”, cuja eletricidade para viabilizar o empreendimento terá de ser vendida como se a produção fosse firme o ano inteiro e não sazonal. Foi preciso substituir o companheiro que dirigia a Petrobras para que o país descobrisse o que o mercado já sabia, havendo reduzido quase pela metade o valor da empresa.

O custo da refinaria de Pernambuco será dez vezes maior do que o previsto; há mais três refinarias prometidas que deverão ser postergadas ad infinitum. O preço da gasolina, controlado pelo governo, não é compatível com os esforços de capitalização da Petrobras. Como consequência de seu barateamento forçado — que ajuda a política de expansão ilimitada de carros com a coorte de congestionamentos e poluição —, a produção de etanol se desorganizou a tal ponto que estamos importando etanol de milho dos Estados Unidos!

Com isso tudo e apesar de estarmos gastando mais divisas do que antes com a importação de óleo, o presidente Lula não se pejou em ser fotografado com as mãos lambuzadas de petróleo para proclamar a autossuficiência de produção, no exato momento em que a produtividade da extração se reduzia.

No rosário de desatinos, os poços secos, ocorrência normal nesse tipo de exploração, deixaram de ser lançados como prejuízo, para que o país continuasse embevecido com as riquezas do pré-sal, que só se materializarão quando a tecnologia permitir que o óleo seja extraído a preços competitivos, que poderão se tornar difíceis com as novas tecnologias de extração de gás e óleo dos americanos.

É pesada como chumbo a herança desse estilo bombástico de governar que esconde males morais e prejuízos materiais sensíveis para o futuro da nação.

Por: Fernando Henrique Cardoso O Globo


DEZ LIÇÕES DE ECONOMIA AUSTRÍACA PARA INICIANTES



livros.jpgIntrodução



Sem dúvida, você já deve ter percebido a importância da economia, porque ela está presente em nossa vida diariamente: quando vamos à padaria, ao cinema, compramos uma camisa no shopping, vendemos alguma coisa para alguém, sacamos dinheiro no nosso banco, fazemos um depósito de poupança etc. Acontece que todas essas operações e, por extensão, todas as ações que realizamos no campo da economia são decididas, na grande maioria das vezes, por intuição, ou por experiência, ou por nossos gostos, desejos e preferências. A importância da economia é enorme, porque, quando a economia de uma pessoa ou de um país vai bem, essa pessoa ou esse país estão melhorando de vida ou, na linguagem dos economistas, crescendo. E quando ela vai mal, isso significa uma só palavra: empobrecimento (da pessoa ou do país).

É importante você entender, então, que existe uma economia no mundo real, prática, que se desenrola a partir da ação de milhões de pessoas no dia a dia, e uma economia mais teórica, aquela que é estudada pelos economistas e que está nos livros. Para a Escola Austríaca de Economia, no entanto, a segunda só faz sentido se for capaz de explicar a primeira. Isto quer dizer que o papel principal da economia teórica deve ser o de explicar a economia do mundo real.

É exatamente com esse objetivo, o de ajudar você a entender a economia do dia a dia, de pensar nela de uma forma mais articulada, que o Instituto Ludwig von Mises Brasil pensou no curso Dez Lições de Economia Austríaca para Iniciantes. Como o nome indica, são dez pequenas aulas sobre os temas mais relevantes da economia, redigidas de maneira a que quem não é economista possa ter acesso, de modo fácil e sem complicações, aos conhecimentos essenciais da Escola Austríaca de Economia, que vão com certeza auxiliá-lo a compreender o mundo econômico.

Um grande problema que a equipe do IMB identifica nos jovens (tanto nas faculdades como nos alunos do ensino secundário) é que desde muito cedo eles são doutrinados por professores ideólogos, que lhes ensinam, por exemplo, que "os capitalistas exploram os trabalhadores" e coisas do tipo "os empresários são uns safados", como se essas afirmativas fizessem sentido e fossem sempre verdadeiras. Mas dificilmente esses mesmos jovens têm ou tiveram algum professor que lhes ensinasse que as atividades dos empreendedores são muito importantes e benéficas para todos, porque são essas atividades que geram empregos e ? o que é mais importante ? são elas que atendem da melhor forma possível às exigências dos consumidores, que devem ser sempre soberanos.

O curso Dez Lições de Economia Austríaca para Iniciantes vai mostrar que, ao contrário do que a maioria dos professores de História martela na cabeça dos estudantes, você não deve ficar de braços cruzados esperando que o governo faça cair do céu a fórmula da sua felicidade na economia, mas sim que você mesmo deve ir à luta e fazer acontecer o que você acha que é melhor para a sua vida. Não é um curso baseado em ideologia, mas um conjunto de ensinamentos básicos do que é a economia no mundo em que vivemos.

O curso é dirigido para todos os que não são economistas ou que não tiveram cadeiras de economia em sua formação universitária. Logo, é voltado para estudantes, tanto os do ensino secundário como os do ensino superior (que não sejam alunos de Economia nem de Administração); para médicos, comerciantes, sacerdotes, advogados; em suma, para o público não especializado em geral.

Serão dez lições, a serem publicadas aqui no site do IMB em dez artigos, todos eles curtos e redigidos em linguagem bastante acessível e com indicações de leituras adicionais para aqueles que se interessarem em se aprofundar nos assuntos tratados. A estrutura do curso é a seguinte:


1. Economia e Instituições

2. O que é economia, escassez, escolhas e valor

3. Ação, tempo e incerteza

4. O que são os mercados e como são determinados os preços

5. Os efeitos dos controles de preços

6. Lucros, perdas e empreendedorismo

7. Capital, juros e estrutura de produção

8. O papel da competição

9. Moeda e preços

10. Bancos, bancos centrais e ciclos econômicos


As dez lições serão publicadas regularmente a cada semana, durante dez semanas consecutivas, no site do IMB e você não precisa se inscrever ou pagar qualquer importância, basta apenas ler com atenção cada uma delas. Ao final, o "diploma" que você receberá não será um pedaço de papel com o seu nome, mas uma coisa que vai ter valor inestimável em toda a sua vida: entender como funciona a economia no mundo real. Anunciaremos em breve as datas em que cada lição será publicada.

Se você se enquadra no perfil a que o curso está voltado, o convite para a leitura está feito. E, também, o convite para que você divulgue o curso entre os seus conhecidos.

Por: Ubiratan Jorge Iorio é economista e professor de UERJ.

A PEGADINHA DO DESCONTO NA CONTA DE LUZ


Dilma transforma devolução obrigatória por cobrança indevida na conta de luz em desconto eleitoreiro de 16,2%.


A Mel, do Blog By Mel, alertou pelo twitter para o golpe eleitoreiro da Dilma. Ocorre que o TCU já mandou devolver mais de R$ 7 bilhões porque o PT autorizou cobranças indevidas nos últimos sete anos. Leia aqui. É muita cara de pau ir para a TV e transformar condenação em bônus eleitoral. Que vergonha. Cobraram a mais e agora enganam o povo dizendo que é uma bondade do governo. Assistam, abaixo, a matéria com o Luiz Carlos Prates, aquele mesmo que o PT tentou destruir.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

REVOLUCIONÁRIOS DO MUNDO TREMEI!


O movimento revolucionário sempre contou com um fator, sem o qual ele não se fortaleceria em nenhuma parte do Globo a ignorância, consciente ou não, da população. Com pessoas mais interessadas em trivialidades e em falar da vida dos outros, o movimento vai ocupando as lacunas da cultura e, sem percebermos, somos levados a jurar de pé junto aquilo que nossos corações negam solenemente. Palmas para o movimento revolucionário! Digo corações e não cérebros, pois nossa massa cinzenta é mais fácil de ser ludibriada que nossos corações, que não são simplesmente bombas de sangue e de vida, mas lares de amor.

Deus, em toda sua sabedoria, nos legou o livre arbítrio, mas junto com ele, nos deu o amor. O ser humano fez péssimo uso do primeiro, por relegar o segundo e com isso a Humanidade vive um momento periclitante, para dizer o mínimo. Um exemplo disso é o que ocorre nos cérebros dos americanos com intensidade alarmante nas últimas décadas.

Nos EUA foi “comprada” a idéia de que os democratas falam ao coração das pessoas. Este é um dos erros que permite o avanço da revolução. Os revolucionários falam exclusivamente ao cérebro, nossa parte racional e superficial. Se seus argumentos “descerem” ao coração, serão facilmente refutados. O sentimento mais forte, puro e humano é o amor, e ele vem do coração. Tudo que o amor precisa é que o cérebro não o oprima, que o deixe fluir o cérebro pode ser burro, o coração nunca. Maldade e bondade não dependem do cérebro, há pessoas intrinsecamente más, nelas o coração é mal. Nem todas as pessoas têm amor no coração, mas a maioria das pessoas o tem, só não conseguem exprimi-lo, pois nelas a válvula cérebro o oprime.

Espalhados ao redor do mundo existem poucas pessoas que têm a graça de possuírem ao mesmo tempo um coração bom e um cérebro que não impeça o amor, mas que não conseguem nada além de gritar, gritar, espernear, desesperarem-se, para depois gritar mais um pouco. Não fazem cócegas ante o monstro revolucionário. Menor ainda é o grupo que tem voz para transmitir esse amor. Refiro-me aos republicanos dos Estados Unidos da América, e são eles que os revolucionários temem, fogem deles como o diabo da cruz, literalmente. Não quaisquer republicanos, especificamente a nova geração de políticos conservadores que têm no Tea Party Movement seus alicerces.

No último dia 30 de agosto, deu-se por encerrada a convenção do Partido Republicano em Tampa, Flórida. Acompanhei cada instante deste evento e os momentos que os delegados de cada estado e seus convidados (aproximadamente 18.000 pessoas) mais ovacionaram e aplaudiram de pé foram justamente quando os palestrantes falaram de família, direito à vida e dos inalienáveis direitos que Deus deu à Humanidade, ou seja: Amor.

Falar que Barack Hussein Obama não foi um bom presidente é falar ao cérebro, é coisa facilmente verificável. É falar que o atual democrata residente à 1600 Pensilvania Avenue gerou mais dívidas que todos os outros presidentes da história americana somados (5 trilhões de dólares), é falar que a dívida americana cresce 1 milhão dólares a cada 20 segundos em média, é falar que existem atualmente 23 milhões de americanos sem emprego, que o índice de desemprego nunca baixou dos 8% nos seus quatro anos de governo, que 1 em cada 6 americanos vive na pobreza, que ele considera que os empreendedores americanos não construíram seus negócios sozinhos, mas que dependeram do governo para tanto, que ele roubou US$ 716 bilhões do Medicare para financiar o Obamacare, que o Obamacare nada mais é do que o maior imposto jamais sancionado de uma só vez por qualquer presidenta na história americana, que até mesmo a Suprema Corte definiu como impostos o famigerado SUS americano, que este foi o presidente que cuspiu na cara do povo judeu, que ele garantiu a Putin maior flexibilidade de manobra após ser reeleito, (claro, isso sem saber que o microfone estava ligado), que ele demonstra imensa antipatia aos aliados americanos, ao propor cortar o sistema anti-mísseis que defende a Polônia, que ele colocou no comando do Egito a Irmandade Muçulmana, que ele pôs a culpa de seu fracasso em George W. Bush, no clima, nas crises mundiais e até mesmo nas máquinas de caixa eletrônico enfim, é falar que foi o presidente que mais se ausentou da Casa Branca em apenas um mandato mesmo comparando com todos aqueles que governaram a nação por oito anos. 

Tudo isso é falar ao cérebro, todos sabem que é verdade. Os democratas não reconhecem isso, alguns porque têm maldade no coração, mas a maioria, por serem estúpidos e deixarem seus cérebros se intrometerem onde não são chamados. Todos os republicanos e independentes sabem que é a mais pura verdade, mas isso não basta, porque são apenas fatos e fatos são modificados com um simples editor de texto, como este que uso agora. O que não muda é o sentimento, o que não muda é o amor. É preciso que se fale ao coração.

A nova safra de políticos republicanos parece saber muito bem disso. Cada um que discursou perante a platéia falou sobre os fatos acima mencionados, mas também tocaram nos assuntos sociais, alegadamente favoráveis aos democratas. Senadores como Marco Rubio (Fl), Kelly Ayote (NH), Rand Paul (KY), Rob Portman (OH), assim como governadores, que se elegeram com uma plataforma conservadora e que pegaram o estado com déficits enormes e, sem elevarem a carga de impostos, conseguiram superávits e maior geração de empregos, tais como Chris Christie (NJ), Bob McDonell (VA), Boby Jindal (LA), Nikki Haley (SC). Todos estes falaram sobre o legado Obama, mas quando mencionavam o direito à vida, à propriedade privada, à liberdade de religião, eram aplaudidos com muito mais ênfase e, sem dúvida, o povo americano que assistia em casa se via representado por essas palavras.

Se o Grand Ole Party pretende ser salvo e preservar alguma relevância, se os Estados Unidos da América pretendem ser salvos, e mais, se o mundo deseja outra chance, essa nova safra de políticos, (onde um dos pilares é uma das pessoas mais ridicularizadas, Sarah Palin) tem a obrigação de manter a maioria na Câmara (tarefa simples) e conquistar a maioria no Senado. O mundo não pode depender de Mitt Romney, escolhido basicamente pela elite globalista. E, uma vez conquistada a maioria nas duas casas e preferencialmente também um republicano (no momento, qualquer um) na Casa Branca, a voz do povo americano tem que ser ouvida, como foi nas eleições de meio de mandato.

Não é difícil eliminar de uma vez por todas o cérebro de questões que ele não compreende. Nossa máquina de calcular e de acumular memória é importantíssima e nos permite o dom da comunicação, mas o que ela comunica não deve e não pode ser decidido por ela, mas sim pelo coração. Pessoas comuns em geral e religiosos em particular falam com o coração. 

A humanidade depende de que as amarras racionais sejam relegadas ao seu devido lugar. A bondade, a verdadeira Justiça, a sinceridade e a liberdade pedem passagem e, para que não seja tarde demais, os representantes do Tea Party Movement tem que tomar as rédeas daquela que é a maior nação da história e governar com base no amor e na simplicidade.

Não são palavras de um Polyana, sei que a tarefa é das mais difíceis, pois é uma guerra cultural contra o resto do mundo, mas uma característica o povo americano (os grass roots) tem a seu favor: eles não estão nem aí para o resto mundo, preocupam-se basicamente com o que sua família vai comer no café da manhã. E, mesmo não sendo uma tarefa fácil, eles largam na frente pois têm a Verdade e Deus ao seu lado.

E, se no final isso for conquistado, o movimento revolucionário terá uma tarefa ingrata pela frente. No momento, eles conseguem convencer o mundo de que não existem, assim como seu patrão, mas uma vez expostos para aqueles que realmente importam, haverá choro e ranger de dentes do lado de lá. Por: Frederico de Paola

domingo, 2 de setembro de 2012

A VERDADEIRA DOUTRINA DEFENDIDA POR KARL MARX


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O segredo para se entender o intrincado e maciço sistema de pensamento criado por Karl Marx (1818-83) é, no fundo, bem simples: Karl Marx era um comunista. Sim, uma declaração aparentemente banal e estereotipada quando comparada à miríade de conceitos — repletos de jargões — filosóficos, econômicos, históricos e culturais presentes no marxismo. No entanto, a devoção de Marx ao comunismo era o ponto crucial de sua teoria, muito mais fundamental e dominante do que a dialética, a luta de classes, a teoria da mais-valia e todo o resto. O comunismo era o objetivo, o grande fim, o desiderato, a meta suprema que iria fazer com que todo o sofrimento da humanidade ao longo da história houvesse valido a pena.

A história da humanidade é a história do sofrimento, da luta de classes, da exploração do homem pelo homem. Da mesma maneira que o retorno do Messias, na teologia cristã, colocaria um fim à história e estabeleceria um novo céu e uma nova terra, o estabelecimento do comunismo colocaria um fim à história humana e criaria um novo paraíso de abundância.

Façamos uma análise dos principais pontos do comunismo marxista. Ao contrário dos vários grupos compostos por socialistas utópicos, e em comum a vários grupos religiosos messiânicos, Karl Marx não fez nenhum esboço detalhando as características de seu futuro comunismo. Marx não se preocupou, por exemplo, em detalhar o número de pessoas que viveriam em sua utopia, nem o formato e a localização de suas casas, e nem o padrão de suas cidades. Isso é compreensível; afinal, todas as utopias que são detalhadas pormenorizadamente por seus criadores inevitavelmente adquirem um aspecto de indelével excentricidade, o que retira um pouco da seriedade da proposta. 

Porém, ainda mais importante, especificar os detalhes da sociedade ideal imaginada é um ato que remove o crucial elemento de reverência e mistério deste supostamente inevitável mundo do futuro. Da mesma maneira que os atuais filmes de ficção científica perdem seu glamour e emoção quando, na metade final, os misteriosos, poderosos e até então invisíveis monstros se materializam em lentas e verdes criaturas em formato de bolha, as quais já perderam sua aura misteriosa e se tornaram um lugar-comum, as utopias detalhadamente especificadas também deixam de exercer fascínio sobre a maioria das pessoas.

No entanto, dentre todas as visões do comunismo já apresentadas, certas características são claramente iguais: a propriedade privada é eliminada, o individualismo é abolido, a individualidade é proibida, todas as propriedades passam a ser controladas de forma coletiva, e todas as unidades individuais do novo organismo coletivo são, de uma vaga maneira, iguais umas às outras.

Havia um motivo para Marx se recusar a especificar como seria a etapa comunista da humanidade em maiores detalhes: sua utopia era reconhecidamente vaga e indefinida. De um lado, Marx pressupunha e afirmava que, na futura sociedade comunista, os bens seriam superabundantes. Sendo assim, obviamente, não haveria nenhuma necessidade de se preocupar com aquele problema universal da humanidade: o fato de que vivemos em um mundo de escassez, no qual os recursos utilizados para se alcançar determinados fins não inexoravelmente escassos. Porém, ao supor a ausência deste problema, Marx simplesmente legou um enigma para suas futuras gerações de seguidores, os quais, desde então, ainda não chegaram a um consenso em relação à seguinte questão: afinal, o comunismo irá ele próprio gerar este mágico estado de superabundância, ou será que temos deesperar o capitalismo produzir esta superabundância para, só então, estabelecermos o comunismo?

De modo geral, os grupos marxistas resolveram este problema — não na teoria, mas na prática — aderindo ferrenhamente a qualquer oportunidade ou arranjo político que os permitisse conquistar ou manter seu poder. Sendo assim, todos os partidos marxistas, sempre que viram uma oportunidade de tomar o poder, se mostraram invariavelmente dispostos a pular as "etapas da história" predefinidas por seu Mestre e a exercer suas próprias e arbitrárias vontades revolucionárias. Da mesma maneira, todas as elites marxistas que já se encontravam encasteladas no poder tiveram o cuidado de constantemente adiar para um futuro cada vez mais indefinido, com muito cuidado e astúcia, a implementação do objetivo final do comunismo. Por isso os soviéticos, por exemplo, foram céleres em enfatizar o trabalho duro e o gradualismo como pré-requisitos para se alcançar o estágio supremo do comunismo, o qual teimava em jamais se concretizar.

Há vários outros prováveis motivos por que Marx não quis detalhar as características do comunismo supremo — ou, mais especificamente, as etapas necessárias para alcançá-lo. Primeiro, Marx não tinha nenhum interesse nos aspectos econômicos de sua utopia; a simples pressuposição circular de que haveria uma abundância limitada já era o bastante. Seu principal interesse estava nos aspectos filosóficos do comunismo. Segundo, para Marx, assim como para Hegel, a história necessariamente progride de acordo com uma dialética mágica, na qual uma etapa inevitavelmente dá origem a uma outra etapa posterior e contrária. Na versão neo-hegeliana de Marx, a "alienação" e o processo "dialético" gerariam a aufhebung (transcendência) e a negação de uma etapa histórica, a qual seria substituída por uma outra etapa contrária à anterior — mais especificamente, a negação da condição maléfica da propriedade privada e da divisão do trabalho, e o consequente estabelecimento do comunismo, gerariam uma sociedade em que a unidade do homem com a natureza e seu bem-estar pleno seriam alcançados. Exceto que, para Marx, a "dialética" é material em vez de espiritual.

Marx nunca publicou seus Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, nos quais as bases filosóficas do marxismo foram apresentadas. Um ensaio em particular, "Propriedade Privada e Comunismo", continha a mais completa exposição da sociedade comunista. Um dos motivos para sua recusa em publicar estes manuscritos foi que, nas décadas seguintes, a filosofia hegeliana já havia saído de moda, mesmo na Alemanha, e os seguidores de Marx estavam mais interessados nos aspectos econômicos e revolucionários do marxismo.

O comunismo puro

Outro importante motivo por que Marx não quis publicar estes manuscritos foi justamente a sua descrição franca e sincera da sociedade comunista no ensaio "Propriedade Privada e Comunismo". Além de apresentar um conteúdo totalmente filosófico, em vez de econômico, Marx descreveu uma etapa horripilante — porém supostamente necessária — de como seria a sociedade imediatamente após a violenta e necessária revolução mundial do proletariado, e antes de o comunismo supremo ser finalmente alcançado. Seria a sociedade da etapa de transição. Esta sociedade pós-revolucionária de Marx — aquela do comunismo "puro", "cru" ou "grosseiro" — não era exatamente um tipo de sociedade que estimularia as energias revolucionárias de seus fieis.

Mais notavelmente, a descrição feita por Marx de como seria a primeira etapa da sociedade pós-revolucionária, a qual ele classificou de "comunismo grosseiro", especifica uma tentativa de se impor o igualitarismo por meio do confisco e expropriação selvagem e cruel da propriedade privada, seguida de sua destruição. Adicionalmente, as mulheres seriam coercivamente coletivizadas, bem como toda a riqueza material. Com efeito, a avaliação de Marx sobre o comunismo grosseiro, a etapa da ditadura do proletariado, não era muito romântica:

Esse movimento que tende a opor a propriedade coletivizada à propriedade privada se exprime de uma forma completamente animal quando contrapõe o casamento (que é, evidentemente, uma forma de propriedade privada exclusiva) à coletivização das mulheres: quando a mulher torna-se uma propriedade coletiva e abjeta. Pode-se dizer que essa idéia da coletivização das mulheres contém o segredo dessa forma de comunismo ainda grosseiro e desprovido de espírito. Assim como a mulher deve abandonar o casamento em prol da prostituição geral, o mesmo deve acontecer com o mundo da riqueza, o qual deve abandonar sua relação de casamento exclusivo com a propriedade privada para abraçar uma nova relação de prostituição geral com a coletividade.

Não bastasse isso, Marx reconhece que

O comunismo grosseiro não é a transcendência da propriedade privada, mas apenas a sua universalização; não é a derrota da ganância, mas apenas sua generalização; não é a abolição do trabalho, mas sim sua ampliação para todos os homens. Destarte, a primeira forma positiva da abolição da propriedade privada, o comunismo grosseiro, não é senão uma forma na qual toda a abjeção da propriedade privada se torna explícita. [...]
Os pensamentos de toda propriedade privada individual são, pelo menos, dirigidos contra qualquer propriedade privada mais abastada, sob a forma de inveja e desejo de reduzir todos a um mesmo nível; destarte, essa inveja e nivelamento por baixo constituem, de fato, a essência da competição. O comunismo vulgar é apenas oparoxismo de tal inveja e nivelamento por baixo, baseado em um mínimo preconcebido.

E completa,

Eis a razão por que todos os sentimentos físicos e morais foram substituídos pela simples alienação trazida pela sensação da posse. A essência humana deveria mergulhar em uma pobreza absoluta para poder fazer surgir dela a sua riqueza interior!



Em suma, na etapa de coletivização da propriedade privada, aquelas características que Marx considera serem as piores da propriedade privada serão maximizadas. Não somente isso, mas Marx admite a veracidade da acusação dos anticomunistas de que o comunismo e a coletivização nada mais são do que, nas palavras do próprio Marx, o paroxismo da inveja e do desejo de reduzir todos a um mesmo nível. Longe de levar a um florescimento da personalidade humana, como supostamente afirma Marx, ele próprio admite que o comunismo irá aboli-la totalmente.

Estas incisivas ilustrações da maneira como Marx contemplava e avaliava como seria o período imediatamente pós-revolucionário muito provavelmente explicam a extrema reticência sobre este tópico que ele viria a demonstrar posteriormente em suas outras obras publicadas.

Mas se este comunismo é confessamente tão monstruoso, um regime de "degradação infinita", como alguém iria defendê-lo? Mais ainda, por que alguém iria dedicar toda sua vida, e lutar uma revolução sangrenta, para implementá-lo? Neste ponto, como frequentemente ocorre nas escritas e no pensamento de Marx, ele recorre novamente à mística da "dialética" — esta maravilhosa palavra mágica por meio da qual um determinado sistema social inevitavelmente produz sua negação transcendental e vitoriosa. Segundo Marx, a dialética explica como toda a maldade existente — a qual, interessantemente, se materializa justamente na pós-revolucionária ditadura do proletariado e não no capitalismo que a precedeu — irá se transformar na mais completa e pura bondade.

O mínimo que se pode dizer é que Marx não consegue — e nem tenta — explicar como um sistema baseado na ganância absoluta irá se transformar em um sistema sem nenhum resquício de ganância. Ele deixa tal tarefa a cargo da magia da dialética, sem aparentemente se dar conta de que agora não há mais a suposta força-motriz da luta de classes para impulsioná-la — a qual, mesmo sem existir, de alguma forma será capaz de transformar a monstruosidade do comunismo grosseiro em um paraíso inerente à etapa final do comunismo.

A dialética da destruição

Em sua cáustica obra Crítica ao Programa de Gotha, escrita em 1875 com o intuito de denunciar membros do Partido Social Democrata da Alemanha que estavam sob a influência de Ferdinand Lassalle, 

Marx afirma:


Na fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a subordinação escravizadora dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades.


O que Marx está dizendo é que a característica essencial do mundo comunista não é exatamente nenhum princípio da distribuição de bens, mas sim a erradicação da divisão do trabalho, o que magicamente levaria ao desenvolvimento total das capacidades individuais e a um resultante fluxo de superabundância. Curiosamente, em um mundo assim, o famoso slogan da última frase, ao contrário do que se tornou arraigado no imaginário popular, passa a ser de importância totalmente trivial.

A absoluta miséria e o total horror da etapa suprema (e, mais ainda, da etapa que possivelmente viria depois) do comunismo deveriam estar agora já totalmente aparentes. A erradicação da divisão do trabalho iria rapidamente gerar a fome e a miséria econômica para todos. A abolição de todas as estruturas de interrelações humanas traria enormes privações sociais e espirituais para todos os indivíduos. Até mesmo o suposto desenvolvimento "artístico" intelectual e criativo das faculdades de todos os homens seria totalmente afetado pela proibição a todo e qualquer tipo de especialização. Como pode o genuíno aperfeiçoamento intelectual ocorrer sem nenhum esforço concentrado? Em suma, o pavoroso sofrimento econômico da humanidade sob o comunismo seria comparável apenas à sua privação intelectual e espiritual.

Considerando-se a natureza e as consequências do comunismo, rotular esta horrenda distopia de 'ideal nobre e humanista' é algo que pode, na mais benemérita das hipóteses, ser considerado apenas uma piada medonha, de gosto totalmente questionável. A noção predominante de que o comunismo marxista é um ideal glorioso para os homens, mas que foi tragicamente pervertido por figuras como Engels, Lênin ou Stalin, pode agora ser colocada em uma perspectiva adequada. Nenhum dos horrores cometidos por Lênin, Stalin ou quaisquer outros regimes marxistas-leninistas é equiparável à genuína monstruosidade contida no "ideal" comunista de Marx. Talvez a aplicação prática mais fiel à teoria marxista tenha sido o curto regime comunista de Pol Pot, no Camboja, o qual, ao tentar abolir por completo a divisão do trabalho, conseguiu impingir o banimento total do uso do dinheiro — de modo que, para receber suas ínfimas rações, a população dependia totalmente dos avarentos donativos fornecidos pela burocracia comunista. Adicionalmente, o regime de Pol Pot tentou eliminar as "contradições entre cidade e campo", colocando em prática o objetivo de Engels de destruir as grandes cidades e de coercivamente despovoar a capital do país, Phnom Penh, o mais rapidamente possível. Em poucos anos, o grupo de Pol Pot logrou exterminar um terço da população do Camboja, o que talvez seja um recorde em termos de genocídio.[1]

Dado que, sob o comunismo ideal, todos os indivíduos teriam de fazer de tudo, é evidente que muito pouco poderia ser realizado, mesmo antes da fome generalizada se manifestar. Para o próprio Marx, todas as diferenças entre indivíduos eram "contradições" que deveriam ser eliminadas pelo comunismo, de modo que, presumivelmente, a massa de indivíduos existentes teria de ser uniforme e perfeitamente permutável. Haveria um coletivo no qual cada indivíduo efetuaria qualquer tarefa mesmo sem ter nenhuma especialização. 

Ao passo que, aparentemente, Marx ao menos postulava capacidades intelectuais normais até mesmo sob o comunismo, alguns marxistas posteriores sequer admitiam essa restrição. Para eles, a realidade seria bem mais florida; haveria o surgimento de seres super-humanos, o que aliviaria enormemente as dificuldades geradas pelo comunismo. Para Karl Kautsky (1854—1938), o marxista alemão que assumiu o manto da liderança suprema do marxismo após a morte de Engels em 1895, sob o comunismo "um novo tipo de homem irá surgir ... um super-homem ... um homem elevado". Leon Trotsky divagava de modo ainda mais lírico: "O homem tornar-se-á incomparavelmente mais forte, mais sábio, mais puro. Seu corpo será mais harmonioso, seus movimentos serão mais rítmicos, sua voz será mais melódica ... O humano médio será elevado ao nível de um Aristóteles, de um Goethe, de um Marx. Acima destes cumes, novos picos surgirão." Se o estágio que virá após o estágio supremo do comunismo durar tempo o bastante para criar esta nova super-raça, será um problema para os teóricos comunistas deste futuro decidir o que fazer quanto à "contradição" de se "permitir" que um super-Aristóteles se eleve em relação a um Aristóteles. Tamanha desigualdade deverá ser tolerada?

Alguns libertários se sentem tentados pelo objetivo marxista do "definhamento e desaparecimento do Estado" sob o comunismo, ou pelo uso da frase — tomada emprestada dos libertários franceses pró-livre mercado Charles Comte e Charles Dunoyer —, "um mundo no qual o governo de pessoas é substituído pela administração de coisas". Há duas enormes falhas na formulação deste ponto de vista. Primeiro, obviamente, como o anarco-comunista russo Mikhail Bakunin (1814—76) insistentemente demonstrou, é absurdo tentar chegar a um arranjo de total ausência de estado por meio da absoluta maximização do poder estatal em uma totalitária ditadura do proletariado (ou, mais realisticamente, uma ditadura controlada por uma seleta vanguarda do suposto proletariado). O resultado será somente, e inevitavelmente, o estatismo máximo e a subsequente escravidão máxima. Bakunin profeticamente alertou para o fato de que uma pequena elite dominante irá novamente, após a revolução marxista, governar a maioria:

Porém, dizem os marxistas, essa minoria será composta de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário do topo de sua autoridade estatal; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana ... Os termos "socialismo científico" e "socialista científico", os quais encontramos incessantemente nas obras e nos discursos dos marxistas, são suficientes para comprovar que o chamado 'estado popular' será nada mais do que um despotismo sobre as massas, exercido por um nova e relativamente pequena aristocracia formada por falsos "cientistas". Eles [os marxistas] alegam que somente uma ditadura — comandada por eles próprios, é claro — pode trazer liberdade ao povo; nós respondemos que uma ditadura não tem outro objetivo senão sua própria perpetuação, e que ela não pode gerar outra coisa senão a escravidão do povo submetido a ela. A liberdade pode ser criada apenas pela liberdade.


De fato, somente um crente na irracional magia negra da "dialética" pode acreditar no contrário, ou seja, que um estado totalitário pode inevitavelmente e de maneira virtualmente instantânea se transformar em seu oposto, e que, portanto, a maneira de se livrar do estado é se esforçar ao máximo para maximizar seu poder.

Mas o problema da dialética não é o único — na verdade, não é nem o principal — problema do comunismo marxista. O marxismo comunga com os anarco-comunistas um grave problema quanto à etapa superior do comunismo puro (supondo por um momento que tal etapa possa ser alcançada). O ponto crucial é que, tanto para estes anarquistas quanto para os marxistas, o comunismo ideal é um mundo sem propriedade privada, em que todas as propriedades e recursos serão controlados coletivamente. Com efeito, a principal reclamação dos anarco-comunistas em relação ao estado é que ele é supostamente o principal garantidor da propriedade privada, e que, portanto, para abolir a propriedade privada é necessário abolir o estado. A verdade, obviamente, é exatamente oposta: o estado, ao longo da história, sempre foi o principal despojador e espoliador da propriedade privada. Com a propriedade privada misteriosamente abolida, a eliminação do estado sob o comunismo (tanto da variante marxista quanto da variante anarquista) seria necessariamente uma mera camuflagem para um novo estado que surgiria para controlar e tomar decisões em relação aos recursos geridos coletivamente — exceto pelo fato de que o estado não mais seria assim chamado; ele seria renomeado para algo como "agência estatística popular", mas continuaria armado precisamente com os mesmos poderes. Será de muito pouco consolo para as futuras vítimas, encarceradas ou assassinadas por cometerem "atos capitalistas entre adultos em comum acordo", que seus opressores não mais sejam o 'estado' mas sim uma 'agência estatística popular'. O estado, sob qualquer que seja seu novo nome, continuará com o mesmo aroma urticante.

Ademais, como já indicado, na etapa "além do comunismo", a etapa de coletivização universal, de inação e de não utilização de recursos, a morte de toda a raça humana seria a inevitável consequência.

Marx e seus seguidores nunca demonstraram qualquer consciência em relação à vital importância do problema da alocação de recursos escassos. Sua visão do comunismo é que todos os problemas econômicos desse tipo são triviais, e não requerem nem empreendedorismo, nem um sistema de preços, e nem um genuíno cálculo econômico — todos os problemas podem ser rapidamente solucionados pela mera contabilidade ou por simples registros cadastrais. A clássica insensatez em relação a esta questão foi explicitada por Lênin, que acuradamente expressou a visão de Marx ao declarar que as funções de empreendedorismo e alocação de recursos "já foram simplificadas ao máximo pelo capitalismo, que as reduziu às extraordinariamente simples operações de fiscalização, inscrição e emissão de recibos, algo que qualquer pessoa que saiba ler, escrever e fazer as quatro operações de aritmética pode fazer." 

Ludwig von Mises, com muita ironia, comentou que os conhecimentos econômicos dos marxistas e dos outros socialistas "não eram maiores do que os de um garoto de recados cuja única ideia em relação ao trabalho de um empreendedor é que ele preenche pedaços de papel com letras e números".

Este artigo foi extraído de trechos do livro Economic Thought Before Adam Smith — An Austrian Perspective on the History of Economic Thought.


O povo soviético foi poupado do cataclismo completo do comunismo quando Lênin, um hábil pragmático, recuou das tentativas soviéticas iniciais (1918—21) de abolir o dinheiro e ir direto para o comunismo (o qual, mais tarde, foi rotulado de "comunismo de guerra"), e voltou à economia majoritariamente capitalista da NEP. Já Mao Tsé-Tung tentou efetuar o comunismo em duas desastrosas ondas: o Grande Salto Para a Frente, o qual tentou eliminar a propriedade privada e as "contradições" entre cidade e campo por meio da construção de uma siderúrgica em todas as aldeias, e a Grande Revolução Cultural Proletária, que tentou eliminar a "contradição" entre trabalho intelectual e trabalho manual enviando toda uma geração de estudantes para trabalhos forçados nos campos de Xinjiang.

Bakunin, Estatismo e Anarquia: citado em Leszek Kolakowski, Main Currents of Marxism: Its Origins, Growth and Dissolution (New York: Oxford University Press, 1981), I, pp. 251–2. Ver também Abram L. Harris, Economics and Social Reform (New York: Harper & Bros, 1958), pp. 149–50.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies.

sábado, 1 de setembro de 2012

E A ECONOMIA VAI MAL



Economia brasileira cresce 0,4% no 2º trimestre sobre o 1º, diz IBGE

RIO - O Produto Interno Bruto (PIB) teve expansão de 0,4% no segundo trimestre deste ano, na comparação com o primeiro trimestre, na série com ajuste sazonal, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira. É a maior variação nessa comparação desde o segundo trimestre de 2011 (0,6%).
primeiros meses de 2012, o PIB cresceu 0,1% em dado revisado, ante alta de 0,2% divulgada anteriormente, na comparação com o último trimestre de 2011, na série dessazonalizada.
Leia também:
O resultado ficou abaixo da estimativa média de 0,46% apurada junto a 11 analistas consultados pelo Valor Data. As estimativas variavam de 0,30% a 0,80%.
O PIB do segundo trimestre também veio acima do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado uma prévia do PIB, e que mostrou crescimento de 0,38% na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2012, na série com ajuste sazonal.
Comparação anual
Já na comparação com o mesmo período do ano passado, o PIB cresceu 0,5% no segundo trimestre, segundo o IBGE. Foi o desempenho mais baixo para a economia brasileira, neste tipo de comparação, desde o terceiro trimestre de 2009, quando o PIB caiu 1,5%.
O resultado ficou abaixo da projeção média de 0,60% apurada junto a 11 instituições pelo Valor Data.
No mesmo período, pelo lado da oferta, a indústria teve contração de 2,4%, o setor de serviços registrou alta 1,5% e a agropecuária teve elevação de 1,7%.
Pelo lado da demanda, o consumo das famílias cresceu 2,4% no segundo trimestre de 2012, ante o mesmo período de 2011. A demanda do governo aumentou 3,1% e a formação bruta de capital fixo (que representa o investimento em máquinas e equipamentos e na construção civil) caiu 3,7%, sempre na mesma base de comparação.
Pior entre os Brics
O crescimento de 0,5% do PIB no segundo trimestre em comparação com o  mesmo período de 2011, colocou o Brasil na lanterna do crescimento entre os Brics. A liderança coube à China, com alta de 7,6% na mesma base comparativa.
A seguir vieram Índia, com 5,5%; Rússia, com 4%; e África do Sul, com 3,2%.
Em termos de PIB per capita, o Brasil, com US$ 11,6 mil, só ficou atrás da Rússia, com US$ 16,7 mil. A seguir vieram África do Sul, com US$ 11 mil; China, com US$ 8,4 mil; e Índia, com US$ 3,7 mil.
Produção em baixa
No lado da oferta, a indústria caiu 2,5%, no segundo trimestre, ante o primeiro. O setor de serviços registrou alta de 0,7% e a agropecuária teve expansão de 4,9%, na mesma base de comparação.
A média apurada pelo Valor Data foi de queda de 2% para a indústria, no segundo trimestre ante o primeiro; elevação de 0,7% nos serviços e de 3,9% na agropecuária, na mesma base de comparação.
Investimento retraído
Pelo lado da demanda, o consumo das famílias cresceu 0,6% no segundo trimestre de 2012, ante o primeiro de 2012. A demanda do governo aumentou 1,1% e a formação bruta de capital fixo (que representa o investimento em máquinas e equipamentos e na construção civil) caiu 0,7%, sempre na mesma base de comparação e na série com ajuste sazonal. A taxa de investimento atingiu 17,9% do PIB no segundo trimestre.
A média apurada pelo Valor Data foi de alta de 1% para o consumo das famílias, elevação de 0,4% na demanda do governo e aumento de 0,4% na formação bruta de capital fixo, na passagem entre o primeiro e o segundo trimestre do ano.
Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, adiou para 2015 ou 2016 - depois, portanto, do mandato da presidente Dilma Rousseff - o prazo para que o governo consiga elevar o nível de investimento para 24% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa foi uma das promessas do ministro no início deste governo. Na época, Mantega disse que essa meta seria atingida em 2014.
O discurso agora é outro. Atingir esse nível de formação bruta de capital fixo no prazo antes estipulado, para Mantega, vai ser "muito difícil". "Teremos que postergar isso [a meta] para 2015 ou 2016", revelou o ministro, ontem, durante o anúncio da proposta orçamentária de 2013.
Por: Por Alessandra Saraiva e Diogo Martins Valor Economico

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O RÉU AUSENTE


A tese da quadrilha, emanada da acusação e adotada pelo relator, ministro Joaquim Barbosa, orienta a maioria dos juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso do mensalão. Metodologicamente, ela se manifesta no ordenamento das deliberações, que agrupa os réus segundo a lógica operacional seguida pela quadrilha. Substantivamente, transparece no conteúdo dos votos dos ministros, que estabelecem relações funcionais entre réus situados em posições distintas no esquema de divisão do trabalho da quadrilha. As exceções evidentes circunscrevem-se ao revisor, Ricardo Lewandowski, e a José Antônio Dias Toffoli, um ex-advogado do PT que, à época, negou a existência do mensalão, mas agora não se declarou impedido de participar do julgamento. O primeiro condenou os operadores financeiros, mas indicou uma inabalável disposição de absolver todo o núcleo político do sistema criminoso. O segundo é um homem com uma missão.

O relatório de "contraponto" do revisor, uma cachoeira interminável de palavras, consagrou-se precisamente à tentativa de implodir a tese principal da acusação. Sem a quadrilha a narrativa dos eventos criminosos perderia seus nexos de sentido. Como consequência, voluntariamente, a mais alta Corte vendaria seus próprios olhos, tornando-se refém das provas materiais flagrantes. Juízes desmoralizados proclamariam o império da desigualdade perante a lei, condenando figuras secundárias cujas mãos ainda estão sujas de graxa para absolverem, um a um, os pensadores políticos que coordenavam a orgia de desvio de recursos públicos. Esse caminho, o sendero de Lewandowski, felizmente não prosperou. Há um julgamento em curso, não uma farsa.

Uma quadrilha é uma organização, tanto quanto uma empresa. Nas organizações há uma relação inversa entre a posição hierárquica e a natureza material da função. Nos níveis mais elevados de direção o trabalho é altamente abstrato: análise estratégica, definição de metas de longo prazo, orientação geral de prioridades e rumos. Nessa esfera ninguém opera máquinas, emite ordens de pagamento ou assina relatórios gerenciais. Contudo as organizações se movem na direção e no ritmo ditados pelo círculo fechado de seus "intelectuais".

A narrativa da peça acusatória conta-nos que, na quadrilha do mensalão, um personagem concentrava as prerrogativas decisórias supremas. José Dirceu, explicou o procurador-geral da República, utilizava sua dupla autoridade, no governo e no PT, para mover as engrenagens da "fabricação" de dinheiro destinado a perpetuar um condomínio de poder. Previsivelmente, o "chefe da quadrilha" deixou apenas rastros muito tênues e indiretos de seus feitos. "O que vão querer em termos de provas? Uma carta? Uma confissão espontânea? É muito difícil. Você tem confissão espontânea de ladrão de galinha", constatou o juiz Marco Aurélio Mello em entrevista recente. O que decidirá o STF quando, ultrapassado o escalão dos chefes políticos acessórios, chegar à encruzilhada de Dirceu?

O inacreditável Toffoli explicitou seus critérios ao justificar o voto de absolvição sob o argumento de que "a defesa não precisa provar sua versão". Todos sabem que o ônus da prova de culpa cabe à acusação. Mas é óbvio até para leigos que, confrontada com evidências de culpabilidade, a defesa tem o dever de comprovar seus álibis. Na ponta oposta, o juiz Luiz Fux sustentou que, diante de "megacrimes" articulados por figuras poderosas, "indícios podem levar a conclusão segura e correta". A síntese de Fux descortina o método pelo qual, sem arranhar as garantias do Estado de Direito, é possível estender a aplicação da lei aos "fidalgos" da República.

Não é verdade, como alega a defesa do então ministro-chefe da Casa Civil, que nada se tem contra ele. A acusação apresentou uma longa série de provas circunstanciais do poder efetivo de Dirceu sobre os personagens cruciais para as operações da quadrilha. Mas, na ausência de uma improvável confissão esclarecedora de algum dos réus, os juízes terão de decidir, essencialmente, sobre "indícios": a lógica interna de uma narrativa. Eles podem escolher a conclusão inapelável derivada da tese da quadrilha e, sem o concurso de provas documentais, condenar o réu mais poderoso pela autoria intelectual dos inúmeros crimes tipificados. A alternativa seria recuar abruptamente em face do espectro da ousadia jurídica, absolver o símbolo do mensalão e legar à posteridade a história esdrúxula, risível e intragável de uma quadrilha carente de comando.

O enigma é, porém, ainda mais complexo. Como registrou o advogado de defesa do ex-deputado Roberto Jefferson, há um réu ausente, que atende pelo nome de Lula da Silva. Toda a trama dos crimes, tal como narrada pela acusação, flui na direção de um comando central. Dirceu, prova o procurador-geral, detinha autoridade política sobre os operadores cruciais do mensalão. Mas acima de Dirceu, no governo e no PT, encontrava-se Lula, "um sujeito safo" que "sempre se mostrou muito mais um chefe de governo do que chefe de Estado", nas palavras do mesmo Marco Aurélio. A peça acusatória, todavia, não menciona Lula, o beneficiário maior da teia de crimes que alimentavam um sistema de poder. A omissão abala sua estrutura lógica.

"Você acha que um sujeito safo como Lula não sabia?", perguntou Marco Aurélio, retoricamente, ao jornalista que o entrevistava. Ninguém acha - e existem diversos depoimentos que indicam a ciência plena do então presidente sobre o essencial da trama. O mesmo tipo de prova indireta, não documental, utilizada na incriminação de Dirceu poderia - e, logicamente, deveria - ter sido apresentada para pôr Lula no banco dos réus. Mas o procurador-geral escolheu traçar um círculo de ferro em torno de um homem que, coberto de motivos para isso, se acredita inimputável. A opção da acusação, derivada de uma perversa razão política, assombrará o País por longo tempo.
Por: Demétrio Magnoli O Estadão