terça-feira, 23 de outubro de 2012

CÓDIGO SEM FUNDAMENTALISMO

O filósofo Arthur Schopenhauer, em sua "Dialética Erística", demonstrou que é possível vencer uma discussão mesmo sem ter razão.

Para tanto, alinhavou uma série de estratagemas que partem do pressuposto de que "ter razão" não é o mesmo que "estar com a verdade". Ter razão, segundo ele, é triunfar perante a plateia, iludindo-a e confundindo o adversário.

A verdade, nesses termos, é um detalhe a ser evitado. É desse pragmatismo, aético e predador, que se nutrem aqueles que atacam o novo Código Florestal e os produtores de alimentos.

Há anos, certa corrente ambientalista busca desconstruir a imagem de quem produz, ensejando torná-lo o vilão do país. Ignora os benefícios econômicos e sociais que a produção rural tem trazido ao Brasil, os anos de superavit da balança comercial e que, em quatro décadas, o gasto do brasileiro com alimentos foi reduzido de 48% para 13%.

São fatos, não opiniões.

Insistir em condenar o novo Código Florestal, sustentando as mesmas afirmações, já exaustivamente refutadas em todos os fóruns nos quais o tema foi abordado, é a estratégia recorrente. É simples --e ocupa pouco espaço-- afirmar que o novo código "é um texto que nasceu ruim e só tem piorado". Ou ainda: as mudanças que traz foram "feitas por ruralistas". E, por fim: "Ganhou quem desmata e perdeu a sociedade".

Não é preciso provar nada. Basta erguer a bandeira sagrada da defesa da natureza e afirmar que o código aumentará o desmatamento e anistiou infratores. Duas mentiras, ditas com o maior cinismo.

Em recente artigo, a ex-senadora Marina Silva, que vocaliza esse lobby, exibiu a plenos pulmões a força de sua erística. Mesmo que o Código Florestal tenha sido debatido, emendado e aprovado por ampla maioria no Congresso Nacional, em certos momentos por unanimidade, insiste em que é uma obra dos "ruralistas".

O termo "ruralista" é por ela submetido a tal estigma que sua simples enunciação já traz um conteúdo moral condenatório. Ruralistas são os que vivem no meio rural --e é de lá que vem o alimento indispensável ao ser humano. Combatê-los por esse "mal" de origem é levar o preconceito a um grau irracional.

O novo Código Florestal substitui o de 1965 e uma colcha de retalhos de medidas provisórias, decretos, portarias e regulamentos, impostos, durante anos, sem nenhum debate público, por burocratas do Ministério do Meio Ambiente. Nunca havia sido votado pelo Congresso Nacional.

Novamente, são fatos, não opiniões.

Por isso, considero que os dois maiores ganhos do novo Código Florestal não são de ordem técnica.

O primeiro --e mais importante-- é a segurança jurídica para os produtores.

O segundo é acabar com a hegemonia das ONGs ambientalistas sobre o tema do ambiente. Nunca mais a sociedade e seus representantes no Congresso Nacional serão excluídos desse debate.

O Brasil é o único país do mundo que produz o seu alimento em menos de um terço do território --27%. É, também, o único a manter intocados nada menos que 61% dos seus biomas. E os produtores rurais, em nenhum momento, postularam a redução dessa área de vegetação nativa.

É bom lembrar que o termo "reserva legal" só existe na legislação brasileira. O mesmo se dá com as áreas de preservação permanente (APPs), que também não existem nos países que nos pressionam a tê-las.

A propósito, não apenas defendemos como propusemos, na recente Rio+20 e em outros fóruns multilaterais, que as APPs sejam adotadas em todo o mundo. Por que só aqui os rios devem ser defendidos se a questão da água é mundial?

A erística, claro, aconselha os ambientalistas a evitar essa questão, substituindo-a por adjetivações inflamadas.

A FAO tem afirmado, reiteradas vezes, que o mundo precisa aumentar em 40% a produção de alimentos e que o Brasil é um dos países mais qualificados a dar essa contribuição. Se depender do fundamentalismo ambiental que se estabeleceu em torno do novo Código Florestal --que continua sendo o mais rigoroso do mundo--, não poderá fazê-lo.

É um fato, não opinião.  Por: Kátia Abreu é senadora (PSD-TO) e a principal líder da bancada ruralista no Congresso. Formada em psicologia, preside a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

OS ANTICAPITALISTAS: OS BÁRBAROS CHEGAM AOS PORTÕES


[Esse discurso foi apresentado na Austrian Scholars Conference (Conferência dos Acadêmicos Austríacos), ocorrida no Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, em memória de Ludwig von Mises. O discurso original está disponível no arquivo de áudio e no YouTube. Publicado originalmente em 23 de junho de 2008]

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Uma coisa é absolutamente clara: tanto o espírito como a genialidade de Ludwig von Mises estão vivos e passam bem aqui no Mises Institute. A amplitude e a profundidade da erudição encontrada nessas conferências anuais são realmente singulares. De fato, a natureza transdisciplinária de grande parte de seu trabalho talvez seja coisa única no mundo acadêmico. Mises estaria, creio eu, extremamente orgulhoso de todo o trabalho sendo feito em seu nome — mesmo, e talvez até principalmente, daqueles cujas conclusões divergem da sua em alguns pontos.

A magistral biografia de Mises, Mises: The Last Knight of Liberalism, escrita por Guido Hülsmann, cuidadosamente documentou o fato de que este era verdadeiramente um homem de consciência e intelecto, um homem absolutamente dedicado a buscar a verdade. Ayn Rand certa vez fez uma observação que penso ser bem adequada para Mises, não obstante tenha sido feita em um contexto de discussão sobre teorias educacionais. Ela incitou seus leitores a "observar a intensidade, a austeridade, a seriedade sisuda com que uma criança observa o mundo à sua volta. (Se você chegar a encontrar, em um adulto, esse grau de seriedade quanto à realidade, você terá encontrado um grande homem)" (The New Left, p. 156). No seu processo de busca pela verdade, esse grande homem infalivelmente exibiu o que eu gosto de rotular de "crueldade nobre". Entender fenômenos complexos era o que importava. Compreender a realidade era o objetivo que compeliu toda a vida de Mises, e não a popularidade, o desejo de vencer debates, ou o desejo de barganhar aprovação política. Ademais, essa busca era para ser empreendida dentro de um contexto social de civilidade e até mesmo de elegância.

Ou seja: tudo que é tão estranho ao nosso mundo atual. Hoje, o tipo de integridade inexpugnável que Mises possuía é menosprezada como sendo "dogmatismo", porque crêem que a verdade é algo ilimitadamente maleável. Seu decoro um tanto aristocrático é difamado como "elitista" e "reacionário", porque todos os coletivistas são fascinados apenas por coisas proletárias. Sua preocupação profunda com os fundamentos epistemológicos da economia é aviltada como sendo tagarelice pedante, porque vivemos em um mundo "humeano" (alusão a David Hume) no qual a profundidade da lei da causalidade é rotineiramente deixada de lado em favor do glamour da correlação estatística. E sua defesa heróica do capitalismo laissez-faire é rejeitada como estando "fora de sintonia com a realidade", sob o argumento de que tal sistema econômico é impassível, grosseiro, esbanjador, injusto e explorador, para não mencionar as alegações de insensibilidade às "reais necessidades humanas".Capitalismo e Inveja

É essa última questão — o capitalismo e sua poderosa defesa feita por Mises, bem como as graves implicações dos ataques usuais ao capitalismo e as características desses atacantes — que pretendo examinar hoje. Permitam-me primeiro declarar abertamente o que entendo por "capitalismo". É verdade que eu encolheria o estado bem mais do que Mises encolheria, mas nós dois temos o mesmo objetivo amplo: um sistema econômico laissez-faire totalmente desregulamentado, um no qual os direitos de propriedade são sagrados, a busca por lucros é vista como uma iniciativa nobre, e o dinheiro é um símbolo de uma conquista honorável — ao invés de ser censurado como sendo uma ferramenta sórdida usada apenas por aqueles que são lamentavelmente destituídos de qualidades humanas. Trata-se simplesmente do liberalismo — no sentido clássico do termo — aplicado às questões diárias da nossa vida. Lembrem-se que Mises insistia que "a liberdade é indivisível. Aquele que não tem a faculdade de escolher uma dentre várias marcas de sopa ou comida enlatada, também está destituído do poder de escolher um dentre vários partidos e programas políticos.... Ele já não é mais um homem; ele se torna um fantoche nas mãos dos supremos engenheiros sociais" ("Liberty and Property," Two Essays, p. 27).

Alhures, Mises declarou que, se condensado em uma única palavra, liberalismo significa propriedade — mantida privadamente e protegida severamente pela lei (Liberalismo, p. 19).

Em termos concretos, por capitalismo eu entendo uma economia sem impostos progressivos, sem banco central, sem um papel-moeda não lastreado, sem proibições às drogas, sem proibições às armas, sem "ações afirmativas" que obrigam a garantir o emprego de algum determinado grupo étnico, sem um sistema de saúde gerido pelo governo, sem ministérios da educação, da energia, do trabalho, da segurança, da saúde, sem DEA (agência antidrogas), BATFE (agência que regulamenta álcool, tabaco, armas de fogo e explosivos), SEC (agência que regulamenta a bolsa de valores — equivalente à nossa CVM), EPA (agência que regulamenta o meio ambiente), FTC (agência que regulamenta o mercado, para "proteger o consumidor"), FDA (agência de vigilância sanitária, equivalente à nossa Anvisa), sem um salário mínimo determinado, sem controles de preços, sem tarifas, sem assistencialismo — doméstico ou externo, rural ou urbano, para os ricos ou para os pobres. Vocês sabem, umaeconomia livre!

Abrindo um parênteses, eu fico estupefaciado com a quantidade de vezes que as pessoas hoje em dia falam em "livre mercado" e, ao mesmo tempo, incluem nesse termo a presença do Banco Central, da Previdência Social, da Receita Federal, ad nauseum. Que parte da expressão "livre" elas não entenderam? Eu, de minha parte, quando falo "livre mercado" obviamente não me refiro a essa gárgula desfigurada, atormentada, torturada e distorcida que costumeiramente se faz passar por capitalismo hoje em dia. Quem estaria disposto a arriscar sua "vida, liberdade e honra sagrada" para proteger e manter essa monstruosidade? Não eu, garanto-lhes.

Se isso é capitalismo, então o que faz com que muitos se oponham a ele tão energicamente?

De fato, como pode alguém fazer qualquer objeção ao capitalismo quando se reconhece que foi ele — até mesmo em sua forma atenuada — o responsável por um aumento tão vigoroso do padrão de vida, de forma que uma pessoa comum de hoje desfruta de "luxos" que nem mesmo os monarcas hereditários puderam ostentar 200 anos atrás? Mises fornece duas respostas básicas a essa pergunta: inveja e ignorância.

Primeiro, em relação à inveja, ele declara:


O que faz com que muitos se sintam infelizes no capitalismo é o fato de que este dá a cada um a oportunidade de chegar às posições mais cobiçadas que, é claro, só serão alcançadas por alguns. Tudo o que o homem consegue ganhar será sempre uma mera fração do que a sua ambição o impeliu a ganhar. Existem sempre diante de seus olhos pessoas que tiveram êxito onde ele falhou... O sistema de preços e de mercado do capitalismo é um tipo de sociedade na qual o mérito e os empreendimentos determinam o sucesso ou a derrota do homem. (A Mentalidade Anticapitalista, pp. 12, 14).

Mises observa que, para muitos, o feudalismo oferecia confortos psicológicos não disponíveis em uma sociedade capitalista. "Em uma sociedade baseada em casta e status, o indivíduo pode atribuir o destino adverso a condições que estão além de seu controle... não há motivos para que ele se envergonhe de sua pobreza... No regime capitalista a coisa é diferente. Aqui, a situação de vida de cada um depende de seus próprios feitos." (A Mentalidade Anticapitalista, pp. 11).

Inveja e ressentimento, conquanto sejam condenados por praticamente todos os sistemas de ética conhecidos, secular ou religioso, parecem estar sempre sorrateiramente escondidos em alguma parte primitiva de um grande número de psiques humanas. O fato de tais emoções serem realmente primitivas é explorado em detalhes por Helmut Schoeck em seu livro Envy: A Theory of Social Behaviour (Inveja: Uma Teoria do Comportamento Social), de 1966. Nesse livro ele explica, em termos memoráveis, o funcionamento do mecanismo:


O que é conclusivo.... é a convicção que o invejoso tem de que a prosperidade do invejado, seu sucesso e sua renda são de alguma forma os culpados pela sua privação, pela carência que sente.... Uma tendência autocompassiva de se contemplar a superioridade ou vantagem alheia, combinada a uma vaga crença de que o outro é a causa de sua privação, também é encontrada entre os membros instruídos da nossa sociedade moderna, que definitivamente precisam se aprimorar. A crença dos povos primitivos em magia negra se difere muito pouco das idéias modernas. Da mesma forma que o socialista acredita que ele é roubado pelo empregador, assim como o político de um país em desenvolvimento acredita que está sendo roubado pelos países industrializados, o homem primitivo acredita que está sendo roubado pelo seu vizinho, de modo que este último conseguiu, através da magia negra, transportar para seus campos a colheita do primeiro. (págs. 23, 51)

Considerem o que acontecerá se, ao repugnante ímpeto para a inveja, fosse anexada uma percepção errônea da realidade. Ou seja, o que aconteceria se as pessoas não conseguissem entender que todo o progresso econômico e tecnológico foi trazido por indivíduos laboriosos que se esforçaram para aplicar razão aos problemas da vida? É provável, nesse caso, que tal progresso passaria a ser considerado uma dádiva "automática" da Natureza ou de Deus, e que, portanto, todos os humanos mereceriam dividir igualmente essas bênçãos naturais. Mas e se um vizinho, ou um empregador, ou algum afamado industrialista possuísse uma cesta maior desses bens materiais? A conclusão seria óbvia: ele deve ter se apropriado injustamente daquele excesso; portanto, ele deve ser um explorador. Ademais, o sistema social que permitiu, ou, mais ainda, encorajou tal resultado, deve ser um sistema corrupto.

Mises descreveu como pensam os fomentadores desse tipo de atitude:


[O capitalismo] coroa o salafrário desonesto e inescrupuloso, o trapaceiro, o explorador, o "individualista grosseiro".... Nas condições do capitalismo, o homem é obrigado a escolher uma das duas opções:virtude e pobreza ou imoralidade e riqueza.(A Mentalidade Anticapitalista, pp. 14).

Em outras palavras, o capitalismo não evoca somente comentários sóbrios e relutantes sobre sua deplorável incapacidade; ele provoca condenações rancorosas e hipócritas. Não é algo do tipo: "Bem, é uma pena que o capitalismo não funcionou, pareceu uma boa idéia". Não, os comentários são de tipo: "Nenhum ser humano decente pode ser a favo do capitalismo laissez-faire; esse sistema é sinônimo de racismo, sexismo e estupro da Mãe Terra; ele é aditivado pela avareza, é guiado pela malícia, é a institucionalização genuína da exploração!"

Como réplica, pode-se obviamente descrever o socialismo como a institucionalização da inveja. Por exemplo, Karl Marx apresentou de maneira bem explícita o processo do progresso econômico, e seu concomitante aumento dos salários reais, em termos relativos ao invés de absolutos:


Se o capital está aumentando rapidamente, os salários podem subir: mas o lucro do capital aumenta incomparavelmente mais rápido. A posição material do trabalhador melhorou, mas em detrimento de sua posição social. O abismo social que o separa do capitalista se alargou. ("Trabalho Assalariado e Capital," Trabalhos Selecionados, Vol. I, p. 94)

É através desses truques de prestidigitação que Marx conseguiu lidar com o fato de que os trabalhadores agrícolas britânicos experimentaram um aumento real de 40% em seus salários entre 1849 e 1859, e ainda assim rejeitar tal fato como insignificante. (Sowell, Marxism, p. 138).

Na realidade, não é apenas o comunismo marxista que consagra a inveja em suas doutrinas e práticas. O moderno estado assistencialista também é culpado. Schoeck, ainda nos anos 1960, fornece vários exemplos de nações nas quais seus cidadãos, movidos pela inveja e pelo ressentimento, exigiram saber as rendas de seus compatriotas:


O procedimento de se tornarem públicas as declarações de renda é encontrado, casualmente, em comunidades suíças, onde é possível descobrir, sem qualquer motivo válido, o valor da renda e dos ativos declarado por um vizinho ou concorrente.... Existe... [na Suécia] uma empresa privada que produz anualmente uma lista muito consultada que fornece as rendas de todas as famílias que ganham mais de $3600 por ano.... [E até mesmo nos Estados Unidos], entre 1923 e 1953, no estado de Wisconsin havia uma lei que permitia a qualquer um examinar as declarações de renda de qualquer cidadão, em todos os detalhes e particularidades.(Envy, pp. 35, 386)

É claro, a taxação progressiva é em si uma profunda manifestação de inveja. De fato, todos os impostos — sejam eles sobre venda, consumo, renda ou qualquer outro — são irrevogavelmente artifícios de redistribuição, como eu e outros já argumentamos através de publicações. Entretanto, um imposto de renda progressivo é o caso mais ostensivo. Por um lado, se impostos fossem de fato um substituto para alguma tarifa justificável que fosse coletada como pagamento para serviços governamentais, comprovadamente exigidos pelos cidadãos de uma nação, então tais impostos deveriam ter uma base per capita; não deveriam ser determinados como uma porcentagem crescente da renda. Ou, se o valor do serviço estivesse relacionado à magnitude monetária envolvida — como no caso de se proteger a propriedade contra roubo —, o imposto deveria ser, no máximo, um porcentagem fixa do valor protegido. Adotar um imposto de renda progressivo significa declarar abertamente que o objetivo é a punição.

De acordo com Schoeck, a inveja está no âmago da questão: "a sensação subjetiva de bem-estar de cada grupo de renda é prejudicada pelos grupos de renda que estão acima. Com o objetivo de se livrar desse 'sentimento de privação', recorre-se ao imposto de renda progressivo" (Envy, pp. 365).

Alem de identificar a inveja como a principal razão de ódio ao capitalismo, Mises também oferece um interessante comentário sociológico sobre as várias subcategorias de anti-capitalistas. Existem, é claro, os intelectuais: "Advogados e professores, artistas e atores, escritores e jornalistas, arquitetos e cientistas, engenheiros e químicos" (p. 17). Sua antipatia pelo capitalismo é basicamente uma projeção em nível macro de uma mesquinharia em nível micro. Para o intelectual típico, sua "veemente aversão ao capitalismo não passa de simples subterfúgio do ódio que sente pelo sucesso de alguns 'colegas'" (p. 18).

Os trabalhadores de "colarinho branco" tendem a sofrer uma aflição adicional: "Sentado atrás de uma escrivaninha, anotando palavras e números num papel, ele tende a supervalorizar o significado do seu trabalho.... Muito vaidoso, ele se imagina parte da elite gerencial da empresa e compara suas tarefas com as do chefe" (p. 21).

Em outras palavras, por que se deveria ter alguma estima pelo capitalismo sabendo-se que se trata de um sistema no qual os presidentes das grandes corporações recebem salários multimilionários para executar tarefas que poderiam ser igualmente bem feitas pelo funcionário típico da empresa? Esse tipo de comportamento arrogante por parte dos colarinhos brancos é estimulado e reforçado pelas confusas declarações de muitos esquerdistas. Se gerenciar um negócio lucrativo não exigisse mais do que uma habilidade para manusear o registro de informações, então qualquer escriturário substituto que tenha alguma competência poderia realmente ser um empreendedor de sucesso. Entretanto, como Mises nos lembra, a tarefa do empreendedor é bem mais desafiadora do que isso. A sua tarefa depende de uma mente ativa e ágil. Infinitas alternativas abstratas ou concretas abundam. Uma cadeia complicada de causalidade deve ser distinguida e, então, classificada. O empreendedor deve lidar com


a inevitável escassez dos fatores de produção, a incerteza das condições futuras — as quais a produção tem de suprir —, e a necessidade de selecionar, a partir de uma desconcertante gama de métodos tecnológicos apropriados à consecução dos objetivos já determinados, aqueles que prejudiquem o menos possível a obtenção de outros fins — isto é, aqueles com os quais o custo da produção é mais baixo. Nenhuma alusão a estes assuntos pode ser encontrada nas obras de Marx e Engels. Tudo o que Lenin pôde aprender sobre negócios — a partir das histórias de seus camaradas que eventualmente trabalharam em escritórios comerciais — era que eles exigiam uma porção de rabiscos, anotações e cifras. (p. 24)

Há também um fenômeno intrafamiliar que "desempenha um papel importante nas modernas maquinações e propagandas anticapitalistas" (p. 27). Nesse ponto, Mises faz uma distinção entre os "patrões" e os "primos" dentre as famílias que possuem grande riqueza. Os primeiros consistem naqueles poucos cujos talentos empresariais os tornam capazes de gerir os negócios da família. Em cada geração, haverá nessa categoria provavelmente não mais do que um ou dois filhos ou netos do patriarca. Completamente dependentes dos "patrões" são os "primos", dentre os quais incluem-se "irmãos, primos, sobrinhos dos patrões, ou quase sempre irmãs, cunhadas viúvas, primas, sobrinhas etc." (p. 27). Os membros desse último grupo "foram educados em modernas escolas e faculdades, cujo ambiente é marcado por um desprezo arrogante referente ao mecânico enriquecimento. Alguns deles passam o tempo em clubes, boates, apostam e jogam, divertem-se e farreiam, chegando à devassidão. Outros, amadoristicamente, ocupam-se com pinturas, literatura ou outras artes. Por isso, grande parte delas são pessoas desocupadas e inúteis" (p.28).

Na realidade, elas são mais do que inúteis. Dado que eles são calamitosamente ignorantes tanto dos princípios da economia como da natureza prática dos negócios, eles logo concluem que (1) o capital criado por seus predecessores deve ser uma fonte infinita e autosustentável de renda para todos os seus descendentes, (2) a maior fatia dessa renda desfrutada por seus parentes, os "patrões", que são quem de fato gerenciam os negócios, trata-se de um excesso imerecido, e que, (3) portanto, eles estão certos em injuriar e se rebelar contra os "patrões" e o sistema que eles representam — o capitalismo. "Os 'primos' se dispõem a apoiar greves até mesmo de onde provêm seus próprios rendimentos.... [Eles] sustentam universidades progressistas, colégios e institutos destinados à 'pesquisa social' e patrocinam todo tipo de atividades do partido comunista. Na condição de 'socialistas de salão' e de 'bolchevistas de cobertura', desempenham papel importante no 'exército proletário' em luta contra o 'funesto sistema de capitalismo'" (p.30)

Mises parecia ter uma opinião bem negativa sobre atores, porque ele os menciona como uma espécie de pretensos intelectuais e, logo depois, retorna a eles com carga máxima, quando detona a Broadway e Hollywood por serem "incubadoras do comunismo" e lar de muitos que estão "entre os mais fanáticos defensores do regime soviético" (p. 31). Sua explicação para esse fato se apóia em sua percepção dos artistas como seres atormentados por um poço sem fundo de insegurança:


A essência da indústria do entretenimento é a variedade. As pessoas aplaudem mais o que é novo e, por isso mesmo, inesperado e surpreendente. São extravagantes e volúveis.... Um magnata do palco ou da tela deve sempre temer os caprichos do público.... Ele está sempre agitado pela ansiedade. (p. 32)

Essa parece ser uma observação trivial. Tudo bem, artistas de todas as variedades provavelmente são pessoas muito inseguras. Mas, então, o que os empurra tão violentamente para a esquerda? A resposta dupla de Mises é que eles se atiram para o comunismo porque (a) por serem tão deficientemente instruídos como muitos outros, eles acreditam na propaganda que declara ser o comunismo a panacéia para toda a infelicidade e (b) eles se concebem a si próprios como "pessoas trabalhadoras, companheiras de todos os outros trabalhadores" (p. 32).

Francamente, essa não é uma explicação muito satisfatória. Alguém poderia imediatamente perguntar por que essa mesma observação não poderia ser usada com igual força para explicar a propensão à esquerda encontrada em muitas camadas da sociedade. Por que isso é típico dos artistas?

O fenômeno dos "comunistas de Hollywood" é de fato notável. E, é claro, ele continua até hoje. Não se trata de um mero artefato da Década Vermelha de 1930. Isso foi fácil de notar, nas últimas semanas, com os murmúrios adoradores que emanaram por ocasião da aposentadoria daquele ditadorzinho barato, Fidel Castro. Steven Spielberg, produtor e diretor afamado, classifica uma audiência que teve com Fidel Castro como "as oito horas mais importantes da minha vida". O ator Jack Nicholson classificou Fidel como "um gênio". A cultura popular está profundamente infectada de visões deformadas como essas. Assim, seria conveniente tentar entender seriamente as razões por trás disso. Com essa finalidade, permitam-me fazer uma modificação e uma ampliação da hipótese de Mises.

Mas antes, deixem-me fazer uma ressalva. Eu não possuo qualquer experiência direta com o mundo dos atores, diretores e dramaturgos. Contudo, meu filho é um ator profissional, com um interesse agudo nas obras de Shakespeare. Devo acrescentar, de passagem, que ele também é um libertário radical que foi exposto prematuramente às obras de Rothbard, Rand, Spooner e Heinlein — o que faz dele, no mundo teatral, um espécime muito raro. E o que é mais importante para o propósito atual: isso significa que ele não enxerga seu ofício através das lentes distorcidas dos "comunas da Broadway".

As conversas com meu filho iluminaram vários dos ângulos mais escuros dessa questão. Primeiramente, os atores foram por séculos rejeitados por pertencerem às mais baixas classes sociais. Pessoas envolvidas com teatro eram mantidas separadas do resto culto da sociedade. Por exemplo, alega-se que até há alguns anos, já no século XX, em muitas cidades americanas atores falecidos não podiam ser sepultados em cemitérios de igrejas. O escritor H.L. Mencken expressou um pouco desse menosprezo quando, escrevendo em 1926, declarou:


Os homens não são iguais, e muito pouco pode ser aprendido sobre os processos mentais de um congressista, de um sorveteiro, ou de um ator de cinema ao se estudar os processos mentais de um homem genuinamente superior. (Notes on Democracy, pp. 15-16)

Por causa dessa imagem universalmente negativa, há muito tornou-se tradicional entre os atores se verem a si próprios como párias. E isso faz com que muitos deles se identifiquem vigorosamente com os mais pobres da classe trabalhadora. Dado também sua crença errônea de que o socialismo de fato serve aos interesses do proletariado, eles automaticamente abraçam a esquerda. Ademais, atores vêem a si próprios como "intelectuais da vanguarda", não obstante o fato de que eles raramente podem ostentar muito em termos de treinamento erudito. Mas dado que a esquerda, especialmente nos EUA, foi muito bem sucedida ao se retratar como a oposição progressiva e iluminada aos membros intolerantes, pedantes e ignorantes da direita, os atores se precipitaram rapidamente em direção a ela.

Atores e dramaturgos são, acima de tudo, contadores de estórias, intérpretes da condição humana, cujas palavras e gestos despertam emoções poderosas em suas platéias. Estórias que cativam e comovem a platéia são geralmente contos sobre conflito, esforço e triunfo. Podem ser estórias sobre um despertar pessoal, ou podem ser contos sobre a resistência contra forças externas — injustiça, ignorância, corrupção. Dessas últimas, é bem mais fácil emocionar uma platéia com um drama contundente sobre um pobre trabalhador que se esforça para sobreviver, do que com uma estória que glorifique o sucesso de um brilhante industrialista. Essas correntes de sentimentos altruístas e igualitários, tão comuns em nossa sociedade, servem para aguçar a simpatia pelo primeiro e para tirar o brilho do último. De Charles Dickens a John Steinbeck, esse tem sido o artifício escolhido por muitos escritores, e muitos atores se deleitaram em levar tais estórias para o palco e para o cinema.

Além disso, aparentemente a visão de mundo da maioria dos atores é fortemente influenciada pelo ambiente em que eles trabalham. Como meu filho salientou, um grupo de atores combinando seus esforços em algum projeto cooperativo desenvolve poderosos laços comunais uns com os outros. Seu trabalho é altamente interdependente; o sucesso de cada um depende do sucesso de todos. Ademais, para criar o produto final, eles podem gastar juntos a maior parte do tempo em que estão acordados, e por grandes períodos de tempo. Tudo isso é particularmente verdade para o teatro, onde as coisas ocorrem ao vivo, mas também é uma característica que vale para os atores de cinema. O resultado não deveria ser muito surpreendente: intensamente familiarizados com iniciativas comunais, os atores acabam adquirindo estima por aquele que acreditam ser um sistema socioeconômico que santifica o impulso comunal: o socialismo.

Finalmente, gostaria de chamar a atenção para um fator adicional — um que não foi sugerido pelo meu filho — que pode ser de considerável significância. Trata-se da noção marxista da "alienação". Creio que muitas pessoas, não somente os atores, sucumbem aos apelos dessa idéia, mesmo aquelas que de outra forma poderiam rejeitar as declarações de Marx. Lembrem-se que Marx e Engels insistiam na idéia de que o capitalismo "aliena" tanto os proletários como os próprios capitalistas. Ou seja, ambos perdem a noção dos aspectos cruciais da essência humana. Os trabalhadores são reduzidos à insignificância, peças facilmente substituíveis do processo industrial, um pouco melhores do que os componentes da maquinaria. Seu único conforto está nas drogas e na devassidão. Já os capitalistas estão cruamente focados em acumular cada vez mais riqueza em detrimento de uma vida mais equilibrada, que seja agraciada pelos encantos suaves da literatura, da família e dos amigos. Em ambos os casos, os produtos do homem presumivelmente se consolidam e, de certa maneira, acabam por dominá-lo e corrompê-lo. (Marxism, pp. 25-28)

Esse ponto é prolífico em implicações para várias outras disciplinas, principalmente a psicologia e a sociologia. Qualquer um que porventura venha a achar que sua atual ocupação (ou vida) é monótona ou insatisfatória, provavelmente irá buscar na alienação — a menos que essa pessoa seja amparada por sólidos princípios filosóficos e econômicos — um estratagema explicativo, um que conforta ao mesmo tempo em que educa erroneamente. E o próximo passo pode muito bem ser uma adoção irrestrita da máxima socialista, que já havia sido planejada justamente para alienar. Se formos considerar a avidez com a qual os atores procuram explorar o funcionamento mais íntimo da alma humana, torna-se compreensível por que filmes e peças teatrais tão frequentemente fazem uso dessa ferramenta embalada previamente. A alienação marxista é sedutora. Assim como a psicanálise freudiana, que só veio surgir mais tarde, ela oferece uma explicação instantânea para uma enorme variedade de fenômenos humanos. E, desde que ninguém resolva ver muito de perto as premissas sobre as quais ela se sustenta, a explicação parecerá muito rica em discernimento.

Eu gostaria de enfatizar que nada do que foi dito tem a intenção de isentar aqueles atores e artistas que repetem incessantemente as banalidades daquela besteira que é o socialismo. Meu propósito é meramente oferecer um apanhado mais completo dos motivos por trás dessa tão citada conexão.



Capitalismo e Ignorância

Permitam-me agora concentrar na segunda ponta da explicação de Mises para o predomínio de sentimentos anticapitalistas: ignorância. Como ele coloca:


[As pessoas] são socialistas [não apenas] porque estão cegadas pela inveja.... [mas também porque] se recusam obstinadamente a estudar economia e desprezam a devastadora crítica que os economistas fazem ao planejamento socialista porque, a seus olhos, por ser uma teoria abstrata, a economia é simplesmente absurda. Eles fingem acreditar apenas na experiência. (A Mentalidade Anticapitalista, pp. 14).

Mas por que haveria essa "recusa obstinada" em se estudar economia? Certamente não são todos os inimigos do capitalismo que são néscios incultos que mal sabem ler ou escrever. De acordo com Mises, a omissão do estudo econômico ocorre por dois fatores: (a) objeção a todas as "teorias abstratas" e (b) dependência de uma experiência pessoal. Em outras palavras, os princípios universais da ação humana, verdades atemporais que são válidas em todos os lugares e para todas as pessoas, devem ser rejeitados. Em seu lugar deve ser implementada, de acordo com as necessidades, uma corrente infindável de instrumentos estatísticos. A corrente é infindável porque não se pode jamais esgotar todos os possíveis cenários. Um novo banco de dados sempre estará pronto para ser usado, logo em seguida. Além disso, novos e "melhores" métodos de análise de regressão, ou técnicas de simulação, poderão sempre ser aplicados de modo a refinar e melhorar estudos passados.

E não se trata de um empiricismo amplo e baseado na realidade, típico de Carl Menger, mas, sim, da extração de dados feita pelos modernos econometricistas. Ela não acrescenta nada de significativo ao nosso entendimento da economia, mas aumenta significativamente o número de potencias artigos em periódicos. Ela cria a ilusão de uma ciência em constante avanço, quando tudo que ela na realidade faz é inundar o campo da economia com uma imensa quantidade de matemáticos aplicados — e não necessariamente bons nessa área — que possuem uma compreensão bem superficial dos princípios econômicos, e nenhum domínio da história da ciência econômica. Pior ainda, eles obviamente produzem "réplicas" de si próprios, por assim dizer. Isto é, eles esperam e exigem de seus estudantes uma abordagem econômica semelhante às suas. Atualmente, temos tido várias gerações de graduandos em economia que, a cada formatura, parecem saber cada vez menos sobre a economia real.

Essa versão ortodoxa da economia descrita acima também joga a favor dos inimigos pós-modernos da razão. Se a economia não mais é vista como um corpo de princípios universais que são deduzidos através da aplicação da lógica dedutiva a certas proposições axiomáticas, então uma variedade de conclusões concretas se torna viável. A porta fica completamente aberta para aquilo que Keith Windschuttle descreveu como o "argumento de que as ciências ocidentais não têm uma validade universal, mas são meras expressões daqueles que têm autoridade dentro da cultura Ocidental" (The Killing of History, p. 270). Agora, é fato que a preocupação principal de Windschuttle está voltada para alguns modismos entre historiadores e antropólogos, mas a questão principal transcende todas as disciplinas acadêmicas. "O relativismo cultural começou como uma crítica intelectual ao pensamento ocidental, mas agora se tornou uma justificativa influente para uma das mais potentes forças políticas da era contemporânea. Trata-se do renascimento do tribalismo no pensamento e na política" (p. 277).

Eis aqui o âmago do assunto em questão. O pensamento primitivo e tribal é contraposto ao raciocínio abstrato. Ele está focado no particular, no pessoal, no concreto. Ele reorienta o "conhecimento" para que este abandone os poderosos processos de integração e diferenciação em favor da perspectiva limitada da casta, clã ou tribo. Ele inevitavelmente leva ao relativismo epistemológico, bem como ao relativismo cultural. Além disso, devemos notar também, como Mises o fez vigorosamente em Ação Humana, que a moderna rejeição da razão começou de fato como um ataque à economia:


A revolta contra a razão foi dirigida para um outro alvo. Não tinha em mira as ciências naturais, e sim a economia. O ataque às ciências naturais foi uma consequência lógica e natural do ataque à economia. Seria inconcebível impugnar o uso da razão em um determinado campo do conhecimento, sem impugná-lo também nos demais. (p. 73)

Aqui ele está, obviamente, se referindo à besta que ele chama de polilogismo e ao seu progenitor, Karl Marx:


O polilogismo marxista assegura que a estrutura lógica da mente é diferente nas várias classes sociais. O polilogismo racial difere do polilogismo marxista apenas na medida em que atribui uma estrutura lógica peculiar a cada raça, e não a cada classe. Assim, todos os membros de uma determinada raça, independentemente da classe a que pertencem, são dotados da mesma estrutura lógica. (p. 75)

Questionar o poder da razão significa questionar o valor da mente humana. Uma vez que tais dúvidas são suscitadas, a abstração é jogada pela janela. Qualquer análise se torna impotente. A educação se torna um sótão atravancado, no qual itens excêntricos e não correlacionados são amontoados aleatoriamente. Ademais, como Mises bem notou, a razão humana tem o mesmo escopo da ação humana. Praticamente não se pode conceber uma sem a outra. A razão, quando divorciada da ação, torna-se estéril. A ação, quando não disciplinada pela razão, torna-se despropositada. Algemar a mente significa restringir a ação, tornar a ação teleologicamente incompetente. Para poder sobreviver e se desenvolver, o homem precisa fazer uso daquela maravilhosa ferramenta que ele possui — sua faculdade racional.

Acontecimentos políticos podem de fato limitar a ação do homem até um grau considerável, mas nenhuma restrição externa é tão efetiva em estorvar um homem como a proposição filosófica que diz que não se deve confiar em sua mente. As correntes mais profundas do ceticismo, que ganharam proeminência nos dois últimos séculos, acabaram por danificar gravemente os fundamentos que formam toda a base da economia, da ciência, da tecnologia e da educação.

Como exemplos dessas influências insidiosas, Mises cita, em Ação Humana, David Hume, os utilitaristas e os pragmáticos americanos. Estando preocupada com essas mesmas questões, Ayn Rand certa vez escreveu que a educação era teórica por natureza, ou seja, conceitual. O estudante "tem de ser ensinado a pensar, a compreender, a integrar, a provar," mas isso é justamente "o que as faculdades extinguiram, omitiram e renegaram há muito tempo. O que elas ensinam hoje não tem qualquer relevância para nada — nem para a teoria, nem para a prática, nem para a realidade, nem para a vida humana" (The New Left, p. 197). Não consigo imaginar Mises discordando disso. Não consigo mesmo.

Quase todos aqueles que são acadêmicos como eu já foram testemunhas melancólicas de uma proeminente manifestação da omissão mencionada por Rand: a proliferação de acréscimos especiais aos currículos das faculdades — cursos obrigatórios sobre multiculturalismo, além de toda uma gama de novos programas sobre Estudos Femininos, Estudos Afro, Estudos Gays e Lésbicos, Estudos México-Americanos, e por aí vai. Seis décadas atrás Mises já alertava para os efeitos perniciosos do polilogismo; hoje, estamos vendo exatamente essa coisa, esteja ela incrustada nas declarações dos objetivos de uma faculdade ou nos planos de graduação.

Para seu crédito perpétuo, Mises entendeu por completo aquilo que alguns defensores do livre mercado ainda não conseguiram: o debate sobre o capitalismo não se trata meramente de discutir qual sistema socioeconômico vai produzir bens e serviços da maneira mais eficiente, ou sobre qual está mais de acordo com as preferências individuais dos consumidores. Ele compreendeu que o debate envolvia isso e muito mais. Ele compreendeu que atacar o capitalismo significava atacar a civilização em si, atacar o papel da razão na vida humana — e, com isso, solapar o valor da própria vida. Como ele coloca em sua franqueza característica, os coletivistas atuais "defendem medidas que certamente resultarão no empobrecimento geral, na desintegração da cooperação social sob o princípio da divisão do trabalho e em um retorno à barbárie". (A Mentalidade Anticapitalista, p. 5).

Como se isso ainda não fosse suficiente para encerrar o caso, Mises acrescenta o seguinte crescendo, com o qual ele conclui Ação Humana:


Cabe aos homens decidirem se preferem usar adequadamente esse rico acervo de conhecimento que lhes foi legado ou se preferem deixá-lo de lado. Mas, se não conseguirem usá-lo da melhor maneira possível ou se menosprezarem os seus ensinamentos e as suas advertências, não estarão apenas invalidando a ciência econômica; estarão aniquilando a sociedade e a raça humana. (p. 885)

Um chamado às armas

Onde, então, nós nos situamos? Como sabemos, o socialismo nada mais é do que um puro caos calculacional. Avaliações e alocações racionais serão, nesse sistema, coisas eternamente ilusórias. Trata-se de um gigantesco jogo de soma negativa, no qual cada jogador se preocupa apenas em pegar rapidamente um pedaço do bolo, enquanto este vai diminuindo rapidamente frente aos olhos de todos. Já o estado assistencialista, intervencionista e belicista não representa nenhuma melhoria. Cada intervenção sempre gerará uma outra. A burocracia torna-se a única "indústria" que garantidamente sempre vai crescer. Cada nova regulamentação taxa o setor privado, impiedosamente desviando recursos das mãos dos produtivos para as mãos dos improdutivos. Assim, um verdadeiro capitalismo é o único jogo de soma positiva disponível.

Em resumo, qualquer argumentação contra o capitalismo é indefensável. Trata-se de algo puramente ilusório e enganoso. Está arraigada na inveja e na malícia. É estimulada por uma assombrosa ignorância em relação a conceitos econômicos verdadeiros, o que consequentemente se traduz em uma ampla rejeição da razão em si. Esses anticapitalistas, esses Novos Bárbaros irão — caso tenham a chance — acabar por destruir não apenas o capitalismo, mas também a educação, a ciência, a tecnologia, a literatura, as artes, os direitos individuais, a prosperidade e, inevitavelmente, a própria civilização.

Não, a coisa não virá como uma avalanche de neve, descendo em cascata montanha abaixo. Será, e tem sido, mais parecido com uma corrente de água erodindo lenta, porém inexoravelmente a superfície da rocha até que, eventualmente, o rocha simplesmente deixará de existir. Alguém poderá dizer que a humanidade está muito relaxada, molenga, deixando-se ser arrastada em direção ao coletivismo. O que devemos fazer?

Podemos e devemos continuar o magnífico legado de Ludwig von Mises. Devemos expandir a economia austríaca em cada direção e maneira possíveis. Devemos estimular a aplicação de critérios austro-libertários em todas as áreas e em cada tópico imaginável. Devemos engajar outros estudiosos, estrategistas econômicos e formadores de opinião, tanto pessoalmente quanto por via impressa. Devemos instruir o público sempre que houver uma oportunidade. Sabemos que a tarefa não é fácil. Ora, vamos encarar a verdade. Os coletivistas têm seus tentáculos firmemente inseridos em cada orifício obscuro do corpo político. Podemos — devemos! — extirpá-los de lá, expondo-os impiedosamente à luz da razão, da liberdade e da ciência econômica de Menger, Böhm-Bawerk, Mises e Rothbard. Nesse grande esforço, talvez possamos alimentar nossa esperança com uma observação oferecida muito tempo atrás pelo grande patriota americano Samuel Adams:


"Não se requer uma maioria para se ser predominante, mas, sim, uma minoria irada e incansável, ávida por acender a chama da liberdade na mente das pessoas."

Até que o dia da liberação finalmente chegue, dediquemo-nos a ser essa minoria irada e incansável.


Larry J. Sechrest era professor de economia na Sul Ross State University, em Alpine, Texas. Foi membro adjunto do Mises Institute, pesquisador do The Independent Institute, e o diretor do Free Enterprise Institute. Faleceu a 30 de outubro de 2008.

Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque

OS INIMIGOS DA MÍDIA

Naquelas partes do mundo com as quais a América Latina aspira a se equiparar, a imprensa e os meios de comunicação em geral vivem tempos atribulados. Os modos convencionais de produzir e difundir informações enfrentam, com diferentes resultados, o desafio sem precedentes da revolução tecnológica que criou a internet. A partir daí, como é impossível ignorar, surgiu o fenômeno mundial da blogosfera e das redes sociais, onde o incessante fluxo de notícias - ou o que passa por sê-lo - transformou drasticamente as relações entre a mídia (que, na forma clássica, coleta, organiza, expõe e discute os fatos presumivelmente relevantes para a maioria) e o público (que os consumia com escassa ou nenhuma intervenção no processo). Posto em xeque esse padrão, também o modelo tradicional de negócios do setor busca atalhos para se adaptar à mudança, sob os efeitos agravantes da crise das economias desenvolvidas.


Essa espinhosa realidade já contém problemas suficientes para determinar a agenda de qualquer evento que reúna executivos de empresas de comunicação, jornalistas em postos de comando nas redações, analistas e pesquisadores. Mas nesta parte do mundo, a pauta da imprensa inclui forçosamente a questão política das ameaças à sua liberdade. Eis por que, além dos debates sobre o futuro do jornalismo, como os que se travam em toda parte, a 68.ª Assembleia-Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), encerrada ontem em São Paulo depois de cinco dias de atividades, concentrou-se em boa medida no que o ex-presidente Fernando Henrique, falando na segunda-feira, chamou "um ressurgimento do pensamento contrário à democracia", que se traduz em crescentes pressões contra a imprensa na região. "Governos democraticamente eleitos", apontou por sua vez o presidente da entidade, Milton Coleman, do Washington Post, "estão tratando de promulgar leis que solapam a liberdade de expressão."

O quadro latino-americano se tornou mais sombrio, portanto. Extintas as ditaduras nascidas de golpes militares - e com a evidente exceção da tirania castrista em Cuba -, líderes que chegaram ao poder pelas urnas adotam políticas deliberadas de cercear o jornalismo independente, enquanto cumulam de benefícios a mídia chapa-branca ou pura e simplesmente estatal. Na Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua e Venezuela, a pretexto de democratizar o acesso à informação, busca-se institucionalizar o garrote ao redor das organizações noticiosas, a par de outras formas de intimidação, como é o caso da verdadeira guerra de extermínio que a presidente Cristina Kirchner move ao grupo empresarial que edita o Clarín, desde que o mais importante diário argentino cometeu o pecado mortal de opor-se à Casa Rosada no seu confronto com os ruralistas em 2008. É a aplicação do princípio chavista segundo o qual ou o órgão de comunicação se alinha automaticamente com o governo ou é inimigo a ser tratado como tal.

No Brasil, no que dependesse do PT, esse tratamento já estaria em curso, sob o assim chamado "controle social da mídia", a ser exercido por grupos sociais controlados pelo partido. O mais recente rosnado nessa direção, como se sabe, se seguiu à condenação dos grão-mensaleiros por um imaginário conluio entre o Supremo Tribunal Federal e a imprensa conservadora (ou golpista). A mídia não pode ser um partido político, esbravejam os petistas. Se não opera em regime de concessão, pode ser o que queira - e se entenda com o seu público. O Estado, como lembrou o governador Geraldo Alckmin no encontro da SIP, é que não pode ser juiz da imprensa. É o que também parece pensar a presidente Dilma Rousseff, para quem o melhor controle da mídia é o controle remoto em poder das pessoas.

De todo modo, 72% dos diretores de veículos de comunicação no País - ante 67% na média da região, numa pesquisa patrocinada pela SIP - entendem que a liberdade de imprensa "é esporadicamente ameaçada ou coagida"; pelos governos em primeiro lugar, mas também por medidas judiciais (como a que há mais de dois anos impede este jornal de noticiar a investigação da Polícia Federal sobre os negócios da família Sarney) e ainda pelo crime organizado. Editorial do Estadão

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

VOLTAMOS AO BRASIL COLÔNIA

Governos do PT fazem o País regredir aos tempos do Brasil Colônia


O editor recebeu nesta terça-feira da Confederação Nacional das Indústrias, CNI, um amplo estudo sobre a deterioração das exportações brasileiras nas relações de troca com os Estados Unidos. O norte-americanos foram nossos principais parceiros durante décadas e só recentemente cederam a liderança para a China. 

. Os dados são comuns ao conjunto das vendas brasileiras para o exterior - para qualquer País. 

. Qual o principal prejuízo?

- Entre 2003 e 2011, as exportações de manufaturados (produtos industrializados) caíram de 77,2% da pauta de exportações para apenas 45,3%.

. Foi uma queda de 32% no período. 

. É uma relação recorrente de todo o comércio bilateral global brasileiro.

. O Brasil regrediu durante os governos Lula e Dilma Rousseff, privilegiando a exportação de produtos sem valor agregado, primários, tal como aconteceu desde os tempos da dominação de Portugal. 

. O cenário é de Brasil Colônia.

. É claro que a pauta não é mais dominada pelo pau-brasil, ouro e cana-de-açúcar, porque agora são óleos brutos de petróleo, soja, milho e carvão. 

. Não saem mais aviões, aparelhos transmissores e sequer calçados. Em 2003, 9 dos 15 maiores exportadores para os EUA eram do setor industrial (Embraer, Nokia, Volkswagen, Motorola, Aracruz, Embraco), número que agora caiu para apenas quatro.

. Um dos principais parceiros comerciais do Brasil, os Estados Unidos passaram a ganhar muito com as trocas. No ano passado, o Brasil comprou US$ 18,8 bilhões em produtos manufaturados, mas as vendas desses produtos para os EUA somaram apenas US$ 11,7 bilhões. Por: Políbio Braga

SÉTIMA LIÇÃO

Dez lições de economia para iniciantes - Sétima lição: capital, juros e estrutura de produção


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Se você perguntar a uma pessoa humilde e sem instrução o que é capital, ela talvez responda batendo com a mão em um dos bolsos da calça, para indicar que se trata de dinheiro; se perguntar a certos políticos que não dão valor à educação, eles talvez respondam que "capital é Brasília"; se perguntar o mesmo a um economista que se tenha formado lá pelos anos 50 do século passado (e que nunca mais tenha estudado para se atualizar), ele com certeza vai dizer que capital é o conjunto de máquinas, equipamentos, construções e instalações; se fizer a pergunta a um monetarista, ele lhe dará a definição de Irving Fischer ("capital é qualquer ativo que tem capacidade de gerar um fluxo de rendimentos ao longo do tempo"). Mas, e se você perguntar o que é o capital a umeconomista austríaco?


Bem, certamente ele começará a resposta mostrando a você que o resultado ou recompensa pela produção de um bem ou serviço exige sempre esforço para ser alcançado e que se você quiser ter mais coisas amanhã terá que sacrificar alguma coisa hoje. Este exemplo simples ajudará você a compreender onde queremos chegar.

Suponha que Robinson Crusoé pescava três peixes por dia mergulhando para pegá-los com as próprias mãos e que sua alimentação consistia exclusivamente do pescado que "produzia". Ao final do dia, assava-os e os comia. Suponha agora que ele tivesse tomado a decisão de, ao invés de comer os três peixes que pescava diariamente, consumir apenas dois, economizando, portanto, um peixe por dia. Ao cabo de dois dias, teria acumulado dois peixes, o que lhe garantiria consumo para um dia. Admita que ele gastasse esse dia não para pescar, mas para construir uma rede tosca, que lhe permitiria pegar, ao invés dos três a que estava acostumado, uma dúzia de peixes por dia — sem dúvida, um resultado superior ao inicial. Neste exemplo de uma economia autística, aabstinência — ou poupança — seria dada por aqueles dois peixes que deixou de comer durante os dois dias para que pudesse ter uma reserva de peixes que lhe permitisse passar um dia inteiro investindo, ou seja, construindo o bem de capital — a rede.

Neste exemplo, o capital de Crusoé consiste na rede que ele, com sacrifício e esforço, construiu, renunciando ao consumo de um peixe durante dois dias consecutivos para que pudesse ter doze peixes por dia a partir do quarto dia, quando já podia usar a rede. Note que ele poupou no primeiro e no segundo dia e que investiu no terceiro dia. Guarde isso muito bem: para investir, é preciso antes poupar!

De maneira geral, um bem de capital, para os economistas austríacos, é cada uma das etapas intermediárias de cada processo de ação, subjetivamente consideradas dessa forma pelo agente. Mais especificamente, um bem de capital é uma das etapas intermediárias da série em que se constitui todo o processo produtivo desenvolvido pelo agente. Por exemplo, na produção do bem final "pão", a farinha é um bem intermediário, um bem que já embute um valor adicionado e que ainda não está "pronto" para o consumo final, mas que é utilizado na produção de pães. Neste exemplo, na nomenclatura austríaca, o pão é um bem de primeira ordem ou de consumo final, a farinha um bem de segunda ordem e o trigo (que é utilizado para produzir a farinha) é um bem de terceira ordem. Farinha e trigo são bens de capital.

No artigo A teoria austríaca do capital, publicado neste site em 9 de agosto de 2010 e que é um resumo do quarto capítulo de meu livro Ação, tempo de conhecimento (IMB, São Paulo, 2011), está escrito:

O que separa o agente de seu desejado fim é o tempo, ou seja, a série sucessiva de etapas que integram o seu processo de ação. É intuitivo que, sob o ponto de vista prospectivo e subjetivo do agente, existe uma tendência a que, quanto maior for o período de tempo que se espera para concretizar uma ação — ou seja, quanto maior a complexidade das etapas sucessivas que a constituem —, assim como quanto maior for o grau de incerteza envolvido na consecução da ação até o objetivo pretendido, o resultado ou fim da ação que se pretende alcançar deve possuir um valor maior. Se não fosse assim, não se realizariam ações que demandam mais tempo e embutem maior incerteza, porque se optaria sempre pelo 'curto' e o 'não duvidoso'.

Em outras palavras, os seres humanos, em situações semelhantes, sempre desejam alcançar os seus fins da maneira mais rápida e menos incerta possível e somente mostrarão disposição para adiar a realização de seus propósitos se — subjetivamente — julgarem que o adiamento lhes permitirá alcançar objetivos de maior valor. A isto se denomina de preferência intertemporal. Escrevendo de outra forma: os bens presentes são preferíveis aos bens futuros, ou, ainda: o adiamento de uma recompensa no presente exige uma recompensa maior no futuro.


Nas economias modernas, com milhões de agentes econômicos, em que a complexidade dos processos produtivos é muito mais sofisticada do que a do exemplo de Robinson Crusoé que vimos, o capitalista é aquele que poupa, ou seja, consome menos do que cria ou produz, liberando dessa forma recursos para os estágios mais afastados da estrutura de produção, isto é, para a produção de bens de capital.

O economista austríaco Eugene von Böhm-Bawerk, ao enfatizar a importância do tempo no processo econômico e ao definir o capital como sendo os fatores de produção fabricados, desenvolveu a teoria do capital e dos juros. Sua análise sustentava-se na ideia de que os meios de produção indiretos ( que ele chamou de roundabout, como a farinha no exemplo da fabricação de pães) permitem o aumento da produtividade dos agentes, tanto em termos de quantidades maiores de bens produzidos sem equipamentos, como dos bens produzidos apenas com a utilização de bens de capital em seus processos produtivos.

E o tempo de espera associado ao uso de processos indiretos de produção é o núcleo de sua teoria dos juros. Seu argumento era o de que os agentes econômicos valorizam mais os bens presentes do que os bens futuros com características semelhantes, desde que as demais circunstâncias não se alterem.

Em outras palavras, isto significa que as pessoas têm uma tendência a consumir mais no presente do que no futuro. Tal afirmativa, que denominamos de lei da preferência intertemporal, deduz-se imediatamente dos postulados da ação humana e traduz o fato de que, sendo o tempo um fator escasso, o agente econômico procura obter a situação mais satisfatória para ele no mínimo de tempo possível.

Os agentes econômicos dispõem de duas possibilidades quanto ao consumo daquilo que é produzido: consumir no presente ou esperar para consumir no futuro, isto é, poupar. E, como os seres humanos possuem uma tendência para consumir no presente, torna-se necessário, para que eles abram mão dessa inclinação natural e adiem seu consumo, que recebam uma recompensa ou prêmio pela espera. Tal prêmio, denominado de juros originário, é definido como a diferença entre os valores atribuídos a um mesmo bem no presente e no futuro.

O montante de juros originário tende a ser diretamente proporcional à preferência temporal dos agentes econômicos, ou seja, quanto mais estes valorizem o consumo presente em relação ao futuro, maior deverá ser o montante de juros necessário para induzi-los a poupar, isto é, a postergar o consumo e, inversamente, quanto maior a preferência pelo consumo futuro em relação ao presente, menor deverá ser o total de juros que ele requererá para poupar. Se, por exemplo, os agentes econômicos soubessem que o fim do mundo seria no dia seguinte, a taxa de juros tenderia ao infinito; se, por outro lado, fossem informados de que nunca morreriam então a taxa de juros cairia para níveis baixíssimos, próximos de zero.

Assim, quando um credor empresta, por exemplo, R$10.000,00 em troca do recebimento de R$ 10.300,00 dentro de um semestre, os dois não estão trocando a mesma coisa: o credor entrega R$ 10.000,00 ao devedor na forma de um bem presente (dinheiro), enquanto o devedor dá ao credor um bem futuro (uma promissória), que representa uma perspectiva de recebimento de dinheiro no fim dos seis meses. Em virtude da discrepância entre as valorizações de um mesmo bem no presente e no futuro, é que o credor cobra um prêmio (no exemplo, 3% ao semestre) pelo bem atual, que o devedor aceita pagar.

O capital não é nenhuma "quantidade", é uma estrutura, uma rede bastante complexa e que possui uma dimensão temporal. Por exemplo, voltemos à produção de pães: ela começa quando um agricultor planta as sementes de trigo. Leva, então, tempo para que essas sementes germinem, se transformem em trigo e este seja colhido e enviado para um moinho. Por sua vez, leva também algum tempo para que esse trigo seja transformado em farinha e encaminhado à padaria. Uma vez na padaria, também leva tempo para que essa farinha, juntamente com outros ingredientes, seja transformada em pães. A essas etapas sucessivas na produção dos bens é que chamamos de estrutura de capital ou estrutura de produção.

Os indivíduos, em suas escalas valorativas, tendem a atribuir maior valor aos bens presentes do que aos bens futuros, mas a avaliação subjetiva, naturalmente, varia muito entre os indivíduos, bem como para o mesmo indivíduo ao longo de sua vida. Isto conduz a possibilidades múltiplas de trocas, em que ambas as partes possam se beneficiar. Pessoas com baixa preferência intertemporal estão dispostas a renunciar a bens presentes em troca de bens futuros com valores não muito maiores, entregando assim os seus bens presentes a outros que tenham uma preferência intertemporal mais alta e, portanto, valorizem mais fortemente o presente em relação ao futuro. Isto acaba por determinar o preço de mercado dos bens presentes relativamente aos bens futuros. Para a Escola Austríaca, portanto, a taxa de juros nada mais é do que o preço de mercado dos bens presentes em relação aos bens futuros.

Assim, a taxa de juros é o preço determinado em mercado no qual os ofertantes ou vendedores de bens presentes são, precisamente, os poupadores — todos aqueles relativamente mais dispostos a renunciar ao consumo imediato em troca da expectativa de obter um maior valor de bens no futuro. Já os compradores o de bens presentes preferem consumir bens e serviços imediatos porque sua propensão à abstinência é menor. 

Portanto, o mercado de bens presentes e bens futuros, no qual se determina a taxa de juros, é formado por toda a estrutura de produção da economia, em que os poupadores ou capitalistas renunciam ao consumo imediato e oferecem bens presentes aos proprietários dos fatores originais de produção (trabalho e recursos naturais) e aos proprietários dos bens de capital, em troca de assegurar a posse de um valor — que espera vir a ser maior — de bens de consumo no futuro. Se eliminarmos os efeitos positivos (ou negativos) dos ganhos (ou perdas) da atividade empresarial, a diferença de valor tende a coincidir com a taxa de juros.

Quanto maior a poupança, ou seja, quanto mais dispostos a renunciar ao consumo imediato forem os agentes, menor será a taxa de juro, maior disponibilidade de bens presentes para aumentar a duração e a complexidade dos estágios do processo produtivo. E quanto menor for a poupança, vale dizer, quanto menos dispostos forem os agentes econômicos a renunciar ao consumo imediato de bens presentes, mais alta será a taxa de juros de mercado. Portanto, uma taxa de juros de mercado alta indica que a poupança é escassa em termos relativos, e isso é um sinal de que os empreendedores não devem alargar os estágios de produção, o que provocaria descoordenações. A taxa de juros indica então à atividade empresarial quais os novos estágios produtivos ou projetos de investimento que devem empreender e quais devem evitar, para manter coordenados os comportamentos de poupadores, consumidores e investidores, evitando que os diversos estágios produtivos sejam mais curtos ou mais longos do que devem ser.

Capital e bem de capital são conceitos distintos, sob o ponto de vista econômico. O capital é o valor, calculado a preços de mercado, dos bens de capital, sendo a taxa de juros o fator de desconto. O conceito de capital da Escola Austríaca é, portanto, abstrato, uma ferramenta de cálculo econômico, isto é, uma estimativa subjetiva sobre os valores esperados dos bens de capital no futuro.

O capital, portanto, é o meio indispensável para a elevação do nível de bem-estar dos indivíduos, e é resultado do investimento que, por sua vez, é fruto da poupança prévia e não de cédulas emitidas pelo Banco Central. O bem-estar aumenta a partir do esforço da poupança, na medida em que esta se converte em investimento; ele não aumenta — pelo contrário, diminui — pela simples vontade, manifestada pelo governo, de que ele poderá aumentar mediante a fixação de taxas de juros artificialmente baixas e/ou da emissão de moeda sem lastro.

Ubiratan Jorge Iorio é economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 

domingo, 21 de outubro de 2012

A FARSA IANOMÂMI E A COBIÇA INTERNACIONAL SOBRE A AMAZÔNIA


farsaianoA jornalista que inventou os “ianomâmis” não agiu por conta própria, mas influenciada pela organização denominada Conselho Mundial de Igrejas, com sede na Suíça.

Nos tempos da infância e da adolescência que passei em Manaus, minha cidade natal, nunca ouvi a mais leve referência ao grupamento indígena denominado “ianomâmi”, nem mesmo nas excursões que fiz ao território, acompanhando o meu avô materno, botânico de formação, na sua incessante busca por novas espécies de orquídeas. Tinha eu absoluta convicção sobre a inexistência desse grupo indígena, principalmente depois que aprendi que a palavra “ianomâmi” era um nome genérico aplicado ao “ser humano”.

Recentemente, caiu-me nas mãos o livro “A Farsa Ianomâmi”, escrito por um oficial de Exército brasileiro, de família ilustre, o coronel Carlos Alberto Lima Menna Barreto; credenciava o autor do livro a experiência adquirida em duas passagens demoradas por Roraima, a primeira, entre 69 e 71, como comandante da Fronteira de Roraima/ 2º Batalhão Especial de Fronteira, a segunda, quatorze anos depois, como secretário de Segurança do antigo Território Federal.

Menna Barreto procurou provar que os “ianomâmis” haviam sido criados por estrangeiros, com o intuito claro de configurar a existência de uma “nação” indígena espalhada ao longo da fronteira com a Venezuela. Para tanto citou trechos de obras publicadas por cientistas estrangeiros que pesquisaram a região na década iniciada em 1910, notadamente o alemão Theodor Koch-Grünberg, autor do livro “Von Roraima zum Orinoco, reisen in Nord Brazilien und Venezuela in den jahren 1911-1913”.

Embora convencido pelos argumentos apresentados no livro, ainda assim continuei minha busca atrás de uma personalidade brasileira que tivesse cruzado a região, em missão oficial do nosso governo, e que tivesse deixado documentos arquivados na repartição pública de origem. Aí, então, não haveria mais motivo para dúvidas.

Definido o que deveria procurar, foi muito fácil selecionar o nome de um dos “Gigantes da Nacionalidade”, embora pouco conhecido pelos compatriotas de curta memória: o almirante Braz Dias de Aguiar, o “Bandeirante das Fronteiras Remotas”

Braz de Aguiar, falecido em 17 de setembro de 1947, ainda no cargo de “Chefe da Comissão Demarcadora de Limites – Primeira Divisão”, prestou serviços relevantes ao país durante 40 anos corridos, sendo que destes, 30 anos dedicados à Amazônia, por ele demarcada por inteiro.

Se, nos dias correntes, o Brasil já solucionou todas as pendências que recaíam sobre os 10.948 quilômetros que separam a nossa maior região natural dos países vizinhos, tudo se deve ao trabalho incansável e competente de Braz de Aguiar, pois de suas observações astronômicas e da precisão dos seus cálculos resultaram mais de 500 pontos astronômicos que definem, juntamente com acidentes naturais, essa longa divisória.

Todas as campanhas de Braz de Aguiar foram registradas em detalhados relatórios despachados para o Ministério das Relações Exteriores, a quem a Comissão Demarcadora era subordinada.

Além desses relatórios específicos, Braz de Aguiar ainda fez publicar trabalhos detalhados sobre determinadas áreas, que muito contribuíram para desvendar os segredos da Amazônia.

Um desses trabalhos denominado “O Vale Do Rio Negro”, classificado pelo Chefe da “Comissão Demarcadora de Limites – Primeira Divisão” como um subsídio para “a geografia física e humana da Amazônia”, foi encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores no mês de janeiro de 1944, trazendo no seu bojo a resposta definitiva à indagação “Ianomâmi! Quem?

No tocante às tribos indígenas do Vale do Rio Negro, incluindo as do tributário Rio Branco, afirma o trabalho que “são todas pertencentes às famílias Aruaque e Caribe, sem aludir à existência de alguns povos cujas línguas se diferenciam profundamente das faladas pelas duas coletividades citadas”. Prossegue o autor: “Tais povos formam as chamadas tribos independentes, que devem ser consideradas como restos de antigas populações cuja liberdade foi grandemente prejudicada pela ação opressora de vizinhos poderosos”. Também os índios “tucanos” constituem uma família a parte, complementa o trabalho.

Dito isto, a obra cita os nomes e as localizações das tribos aruaques no Vale do Rio Negro, em número de treze, sem que da relação conste a pretensa tribo “ianomâmi”.

Em seguida, foram listadas as tribos caribes, bem como a sua localização: ao todo são sete as tribos, também ausente da relação o nome “ianomâmi”. Dentre as chamadas tribos independentes do Rio Negro, em número de cinco, também não aparece qualquer citação aos “ianomâmis”.

Para completar o quadro, a obra elaborada por Braz de Aguiar ainda faz menção especial ao grupo “tucano”, pelo simples fato de compreender quinze famílias, divididas em três ramos: o oriental, que abrange as bacias dos rios Uaupés e Curicuriari; a ocidental, ocupando as bacias do Napo, Putumaio e alto Caquetá, e o setentrional, localizado nas nascentes do rio Mamacaua. Os “ianomâmis” também não apareceram entre os “tucanos”.

Para completar a listagem dos povos da bacia do Rio Negro, a obra ainda faz menção a uma publicação de 1926, composta pelas “Missões Indígenas Salesianas Do Amazonas”, que descreve todas as tribos da bacia do Rio Negro sem mencionar a existência dos “ianomâmis”.

Assim sendo, pode-se afirmar, sem medo de errar, que esse povo “não existiu e não existe” senão nas mentes ardilosas dos inimigos do Brasil.

Menna Barreto e outras fontes fidedignas afirmam que coube a uma jornalista romena, Claudia Andujar, mencionar, pela primeira vez, em 1973, a existência do grupo indígena por ela denominado “ianomâmi”, localizado em prolongada faixa vizinha à fronteira com a Venezuela.

Interessante ressaltar que a jornalista que inventou os “ianomâmis” não agiu por conta própria, mas influenciada pela organização denominada “Christian Church World Council” (Conselho Mundial de Igrejas) sediada na Suíça, que, por seu turno, é dirigida por um Conselho Coordenador instruído por seis entidades internacionais: “Comitê International de la Defense de l´Amazon”; “Inter-American Indian Institute”; “The International Ethnical Survival”; “The International Cultural Survival”; “Workgroup for Indigenous Affairs” e “The Berna-Geneve Ethnical Institute”.

Releva, ainda, destacar o texto integral do item I, das “Diretrizes” da organização referentes ao Brasil: “É nosso dever garantir a preservação do território da Amazônia e de seus habitantes aborígines, para o seu desfrute pelas grandes civilizações européias, cujas áreas naturais estejam reduzidas a um limite crítico”.

Ficam assim bem caracterizadas as intenções colonialistas dos membros do Conselho Mundial de Igrejas, ao incentivarem a invenção dos ianomâmis e a sua localização ao longo da faixa de fronteiras.

Trata-se de iniciativa de fé púnica a artificiosa invenção de um grupo étnico para permitir que estrangeiros venham a se apropriar de vasta região do Escudo das Guianas, pertencente ao Brasil e, provavelmente, rica em minérios. O ato se reveste de ilegitimidade passiva e de impossibilidade jurídica. Sendo, pois, um ato criminoso, a criação de “Reserva Ianomâmi” deve ser anulada e, em seguida, novo estudo da área deverá ser conduzido para o possível estabelecimento de novas reservas, agora descontínuas, para abrigar os grupos indígenas instalados na mesma zona, todos eles afastados entre si, por força do tradicional estado de beligerância entre os grupos étnicos aruaques e caribes.

Outras providências legais devem ser adotadas, todavia, para enquadrar os “zelosos” funcionários da Funai que se deixaram enganar e os “competentes” servidores do Ministério da Justiça que induziram o ministro da pasta e o próprio Presidente da República a aprovarem a decretação de reserva para um grupo indígena inexistente.

Sobre estes últimos poderia ser aplicada a “Lei de Segurança Nacional”, artigos 9 e 11, por terem eles contribuído para um futuro seccionamento do território nacional e um possível desmembramento do mesmo para entrega a outro ou outros Estados.
Publicado na Tribuna da Imprensa por Roberto Gama e Silva é almirante reformado.