quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A SOCIEDADE NÃO PRECISA DE DIRIGENTES


Desde que existem, os governos sempre se ocuparam basicamente de uma atividade: encontrar novas maneiras de intervir nas relações humanas, inventando novas formas de gerenciar a sociedade e suas interações sociais e econômicas. Quando não estão fazendo isso, as legislaturas se ocupam de tentar reformar os sistemas que eles próprios criaram no passado.

Apenas pense na saúde pública, na educação pública, em toda a fraude criada pela Previdência Social, na injustiça da tributação, na infindável incapacidade de gerenciar a moeda e as finanças públicas, além de todas as outras áreas da sociedade e da economia em que o governo se arvora a responsabilidade de gerir, e responda: por que tais áreas são uma bagunça?

Políticas públicas devem ser abolidas

Alguns liberais creem que a liberdade que desejam pode ser imposta da mesma forma que os sistemas socialistas antigos eram impostos sobre as sociedades. A ideia é a de que caso sejam eleitos um Congresso e um presidente iniciados na teoria libertária, eles poderiam corrigir tudo o que está errado em um piscar de olhos. Assim, seria necessário apenas eleger políticos versados na Escola de Chicago e um presidente treinado nos méritos dos incentivos de mercado, e tudo começaria a se resolver.

Porém, infelizmente, não é simples assim; mais ainda: se de fato fossemos capazes de fazer isso, estaríamos apenas substituindo uma forma de planejamento central por outra. A genuína liberdade não advém de uma dada forma de gerenciamento governamental. A genuína liberdade significa ausência de gerenciamento governamental. 

Todas as reformas em todas as áreas da política, da economia e da sociedade deveriam se dar em apenas uma direção: mais liberdade para os indivíduos e menos poder para o governo. Indivíduos devem exercer seu direito de usufruir a maior liberdade possível, e o governo, o dever de exercer o menor poder possível.

Sim, essa é a posição que qualifica um indivíduo como libertário. Porém, essa palavra não possui o poder explanatório que já teve em outros tempos. Há uma tendência de ver o libertarianismo como uma espécie de política pública, ou apenas mais um emaranhado de propostas políticas, que enfatiza a importância da livre iniciativa e das liberdades pessoais em oposição à arregimentação burocrática.

Essa perspectiva, porém, é totalmente errada, e possui perigosas consequências. Imagine se Moisés tivesse procurado conselhos de burocratas governamentais e especialistas em políticas públicas quando estava em busca de meios para libertar o povo judeu da escravidão egípcia. Eles teriam lhe dito que marchar até o Faraó para pedir a ele que "liberte o meu povo" seria uma atitude altamente imprudente e inútil. A mídia não iria gostar e ele estaria exigindo muita coisa muito rapidamente. O que os israelitas deveriam fazer seria utilizar o sistema judicial. Fora isso, o governo deveria conceder-lhes incentivos de mercado, mais escolhas por meio de vouchers e subsídios, e uma maior participação na estrutura de regulamentações impostas pelo Faraó. Ademais, senhor Moisés, criticar o sistema é antipatriótico e extremista.

Em vez disso, Moisés adotou uma posição de princípios, e exigiu que seu povo fosse imediatamente libertado da opressão de todos os controles políticos — uma completa separação entre governo e a vida dos israelitas. Esse é o meu tipo de libertarianismo. O libertarianismo não é uma agenda política detalhando um melhor método de governança. Antes, trata-se da moderna incorporação de uma visão radical e singular que está acima de todas as ideologias políticas existentes.

O libertarianismo não propõe nenhum plano para reorganizar o governo; ele requer que planos desse tipo sejam abandonados. Ele não propõe que incentivos de mercado sejam empregados na formulação de políticas públicas; ele deseja uma sociedade na qual não haja políticas públicas no sentido em que tal termo é normalmente conhecido.

O verdadeiro liberalismo

Se essa ideia soa radical e até mesmo maluca hoje, ela era comum entre os pensadores dos séculos XVII e XVIII, dentre eles John Locke e Thomas Jefferson. A marca distintiva dessa teoria política é a de que a liberdade é um direito natural. Ela antecede a política e antecede o estado. O direito natural à liberdade não precisa ser concedido ou ganhado ou outorgado. Ele deve apenas ser reconhecido como um fato. É algo que existe naturalmente na ausência de um esforço sistemático para aboli-lo. O papel do governo não é nem o de conceder direitos, nem o de oferecer a eles algum tipo de permissão para existir, mas simplesmente se restringir de violá-los.

A tradição liberal do século XVIII em diante percebeu que era o governo a entidade que praticava os mais sistemáticos esforços para roubar as pessoas de seus direitos naturais — o direito à vida, à liberdade e à propriedade —, e é por isso que um estado deve existir apenas se tiver a expressa permissão de todos os membros de uma sociedade, estando limitado a realizar apenas aquelas tarefas que toda a população julgar essenciais. Era com relação a essa agenda que todo o movimento liberal estava comprometido.

Os liberais não estavam lutando para que certos direitos fossem dados ou impostos sobre as pessoas. Não se tratava de uma forma positiva de liberdade, a ser imposta sobre a sociedade. Tratava-se de algo não positivo, mas sim negativo, no sentido de que delineava aquilo que não deveria ser feito. Os liberais queriam acabar com a opressão, arrebentar os grilhões, livrar-se do jugo do estado, libertar as pessoas. O objetivo era acabar com o domínio do estado e iniciar uma governança feita pelas pessoas, as quais eram as únicas que deveriam controlar suas associações privadas e voluntárias. A sociedade não precisa de qualquer tipo de gerenciamento social. A sociedade se mantém coesa não pelo estado, mas sim pelas ações diárias e cooperativas de seus membros.

A nação não precisa de um ditador, nem de um presidente, e nem de atos de boa vontade para impor as bênçãos da liberdade. Essas bênçãos advêm da própria liberdade em si, a qual, como escreveu Benjamin Tucker, é a mãe da ordem, e não sua filha. 

Um bom exemplo do princípio da auto-organização — isto é, a capacidade das pessoas de se organizarem voluntariamente por meio do comércio e do respeito mútuo — pode ser visto nas modernas organizações tecnológicas. A internet é amplamente uma rede que se organiza sozinha, sem nenhum gerenciamento. As comunidades comerciais que se formaram na rede [Amazon, eBay, Mercado Livre etc.] já são maiores e mais vastas do que muitas nações já o foram. São comunidades formadas por indivíduos que se organizam voluntariamente e autonomamente, interagindo sob regras, fiscalizações e imposições amplamente privados. As inovações disponíveis em nossa era são tão espantosas que vivemos em uma época considerada revolucionária. E é verdade.

A vida moderna se tornou tão imbuída dessas pequenas esferas de administração — esferas de administração nascidas da liberdade —, que ela se assemelha em muitos aspectos a comunidades sociais anárquicas. Todas as grandes instituições de nossa época — desde grandes e inovadoras empresas tecnológicas, passando por redes varejistas até enormes organizações benevolentes internacionais — são organizadas na base do voluntarismo e do comércio. Elas não foram criadas pelo estado e não são gerenciadas em suas operações diárias pelo estado.

Um louvor à anarquia ordenada

Isso nos transmite uma lição e um modelo a ser seguido. Por que não permitir que esse bem sucedido modelo de liberdade e ordem seja a base de toda a sociedade? Por que não expandir tudo aquilo que funciona e eliminar tudo aquilo que não funciona? Tudo o que precisaria ser feito seria remover o governo do cenário.

Nem é preciso ressaltar que tal ideia não é amplamente aceita. Qualquer indivíduo que habita os quadros da burocracia estatal, de qualquer país, acredita que é o governo quem, de alguma forma, mantém a sociedade coesa, quem a faz funcionar, quem inspira grandeza, quem torna a sociedade justa e pacífica, e quem permite a liberdade e a prosperidade decretando e implantando toda uma cornucópia de leis e políticas.

Tal pensamento advém diretamente do antigo mundo dos faraós e imperadores romanos, em que os direitos de uma pessoa eram definidos e ditados pelo estado, o qual era visto como a expressão orgânica das vontades da comunidade, incorporadas na sua classe de líderes. Não havia fronteiras claras entre indivíduos e a sociedade, o estado e a religião. Todos eram vistos como parte da mesma unidade orgânica; daquela mesma coisa amorfa chamada ordem civil.

E foi justamente essa visão que passou a ser rejeitada pelo ideário cristão que afirmava que o estado não era o senhor da alma do indivíduo — a qual possui valor infinito —, e não podia se pretender o dono da consciência de todos. Mil anos depois, começamos a ver esse princípio sendo expandido. O estado já não era mais visto como o senhor nem da propriedade e nem da vida dos indivíduos. Quinhentos anos mais tarde, vimos o nascimento da ciência econômica e a descoberta dos princípios do comércio — através da obra dos escolásticos espanhóis e portugueses —, além da miraculosa constatação de que as leis econômicas funcionam independentemente do governo.

Tão logo a cultura ideológica começou a absorver a lição do quão desnecessário era o estado para o funcionamento da sociedade — uma lição que claramente, e atualmente mais do que nunca, deve ser reaprendida a cada geração —, a revolução liberal não mais podia ser contida. Déspotas caíram, o livre comércio reinou e as sociedades cresceram e se tornaram mais ricas, pacíficas e livres.

É natural que as pessoas que trabalham no governo e para o governo imaginem que, sem seus esforços, haveria a total calamidade. Porém, essa atitude é onipresente na política atual. Praticamente todos os lados do debate político querem utilizar o governo para impor sua visão de como a sociedade deve funcionar.

Governos não podem ser refreados

A pergunta é constante: qual emenda constitucional eu defenderia para pôr em prática a agenda misesiana? Você defenderia uma lei que proibisse impostos de serem aumentados acima de um certo nível? Uma lei impondo o livre comércio? Uma lei garantindo a liberdade de contratos?

No entanto, a resposta seria uma outra pergunta: por que deveríamos crer que novas leis e emendas funcionariam? O problema com leis e emendas é que elas pressupõem, paradoxalmente, um governo grande e poderoso o suficiente para implantá-las e fiscalizá-las. Mais ainda: um governo que está mais interessado no bem dos indivíduos do que em seu próprio bem. Afinal, leis e emendas nada mais são do que um mandato para o governo intervir, e não uma restrição sobre sua capacidade de intervir. Por que acreditar que "desta vez vai funcionar para o bem"?

Não necessitamos que o governo faça mais coisas, mas sim menos, cada vez menos, até o ponto em que a genuína liberdade possa triunfar. A única coisa positiva que um governo pode fazer é definhar permanentemente até finalmente deixar que a sociedade prospere, cresça e se desenvolva por conta própria. 

Ou seja, um governo não deve e nem pode impor a liberdade; ao contrário, ele deve apenas permitir que a liberdade continue existindo, cresça e se torne cada vez mais robusta perante todas as tentativas de transgressão e usurpação despóticas. Tal ideia, prevalecente no passado, encontra-se hoje totalmente perdida, e, como resultado, todos estão completamente confusos quanto ao papel do estado, o qual passou a ser visto por muitos como possuidor do toque de Midas, a única entidade capaz de impor e garantir a liberdade e o bem-estar de todos.

Esquecida, portanto, ficou a ideia de que a liberdade não deve ser imposta, mas sim apenas ter sua ocorrência permitida, sendo desenvolvida naturalmente desde o âmago da sociedade.

O fato é que, hoje, as pessoas nutrem um profundo temor quanto às consequências de apenas deixar as coisas correrem por si sós — laissez faire, na antiga frase francesa. A esquerda diz que, sob a genuína liberdade, as crianças, os idosos e os pobres sofreriam abusos, negligências, discriminação e privações. Já a direita diz que as pessoas cairiam no abismo da imoralidade, permitindo que movimentos revolucionários dominassem a sociedade. Economistas dizem que o colapso financeiro seria inevitável (mas não explicam por que ele de fato foi inevitável sob a tutela do estado, como está ocorrendo atualmente); ambientalistas afirmam que haveria uma nova era de insuportáveis mudanças climáticas, ao passo que especialistas em políticas públicas de todos os tipos evocam falhas de mercado de todos os tipos, tamanhos e formas.

Sim, várias pessoas continuam utilizando a retórica da liberdade. Políticos e legisladores aplaudem o termo e juram fidelidade à ideia. Porém, quantos hoje de fato acreditam nesse essencial postulado da antiga revolução liberal, de que a sociedade pode se gerenciar a si própria, sem um planejamento central, com seus éditos e regulações? Muito poucos. Em vez da liberdade, as pessoas acreditam em burocracia, bancos centrais, sanções, guerras, regulamentações, ditames, limitações, ordens, contenção de crise, "medidas macroprudenciais" e, principalmente, no financiamento de tudo isso por meio de impostos, endividamento e criação de dinheiro.

O governo sempre cresce

Ludwig von Mises já havia observado:

Há uma tendência inerente a todo poder governamental em não reconhecer empecilhos às suas operações e em ampliar a esfera de seu domínio o máximo possível. Controlar tudo, não deixar espaço para que nada aconteça espontaneamente fora do âmbito de interferência das autoridades — essa é a meta perseguida incansavelmente por todos os governantes.

O problema que ele identificou era como limitar o estado uma vez que ele começasse a se envolver com algo. Assim que você permite que o estado comece a gerenciar um aspecto da economia e da sociedade, você cria as condições que irão, no fim, fazer com que ele controle todo aquele setor. Dado que a tendência do governo é se expandir, é melhor nunca permitir que ele adquira uma participação majoritária na vida econômica e cultural da sociedade.

Uma objeção a essa tese é a de que medidas que impõem uma forma de liberdade pelo menos nos levam à direção correta. É verdade que mesmo um sistema parcialmente livre é melhor do que um completamente socialista. Entretanto, o problema é que vitórias parciais sempre são instáveis. Elas facilmente, e quase sempre, retrocedem ao completo estatismo, como comprovam todos os setores da economia que foram 'privatizados' e passaram a ser controlados por agências reguladoras.

A liberdade não pode ser imposta

A esquerda acredita que, ao restringir a liberdade de associação nos mercados de trabalho, ela está protegendo a liberdade dos marginalizados, ajudando-os a obter empregos. Porém, essa suposta liberdade é adquirida à custa de terceiros. O empregador não mais possui o direito de contratar e demitir. Como resultado, a liberdade de contrato passa a valer para apenas uma das partes envolvidas. O empregado é livre para aceitar as propostas do empregador e de sair do emprego quando quiser, mas o empregador não é livre para contratar de acordo com seus próprios termos e para demitir quando achar necessário.

O mesmo se aplica para uma ampla gama de atividades essenciais às nossas vidas. Na educação, dizem que o estado deve impor o ensino compulsório a todas as crianças, caso contrário seus pais serão negligentes. Apenas o estado pode garantir que nenhuma criança seja deixada para trás. A única divergência passa a ser os meios empregados: vamos utilizar sindicatos e burocracias defendidas pela esquerda, ou os incentivos de mercado e o sistema de vouchers defendidos pela direita. Não quero aqui entrar em um debate sobre qual meio é o melhor, mas apenas chamar a atenção para a realidade de que ambas as medidas são formas de planejamento que solapam a liberdade das famílias de gerenciar suas próprias vidas.

O catastrófico erro da esquerda foi o de subestimar o poder do livre mercado em gerar prosperidade para as massas. Porém, tão perigoso quanto é o erro que a direita comete ao imaginar que o mercado pode ser utilizado a seu bel-prazer para fazer gerenciamentos sociais e morais, como se o governo pudesse manusear uma série de alavancas para tal fim. Se um lado quer criar burocracias maiores e melhores, o outro prefere terceirizar serviços governamentais ou colocar empresas privadas na folha de pagamento do governo, tentando domar o mercado e canalizar seu poder para o 'bem comum'.

A primeira visão nega o poder da liberdade, mas a segunda é tão perigosa quanto, pois vê a liberdade puramente em termos instrumentais, como se ela fosse algo a ser orientada em prol da visão que um seleto grupo de pessoas considera ser do interesse nacional ou da moralidade geral.

Tal formulação implica a concessão de que cabe ao estado — seus governantes e intelectuais apoiadores — decidir como, quando e onde a liberdade deve ser permitida. Mais ainda: implica que o propósito da liberdade, da propriedade privada e do próprio mercado é permitir um melhor gerenciamento da sociedade, ou seja, permitir que o regime opere com mais eficiência.

Murray Rothbard já havia observado, ainda na década de 1950, que os economistas, mesmo aqueles pró-mercado, haviam se tornado "peritos em organizar eficientemente o estado". Eles haviam se especializado em ensinar os planejadores centrais a empregar incentivos de mercado para fazer com que o governo funcionasse melhor. Essa visão hoje já se disseminou e passou a ser dominante entre todos os economistas, principalmente aqueles que seguem a Escola de Chicago. 

É essa mesma visão que aparece em algumas propostas liberais, como a "privatização da Previdência Social" (que se resume à aquisição compulsória de ações por meio de corretoras favoritas do governo), vouchers escolares, mercados de crédito de carbono, e outras medidas "mercadológicas". Eles não cortam os grilhões e nem acabam com o jugo; eles simplesmente forjam o aço com materiais diferentes e afrouxam um pouco o jugo para torná-lo mais confortável.

(Em particular, medidas como "privatização" da Previdência, vouchers escolares e vouchers para a saúde poderiam acabar tornando o atual sistema ainda menos livre, pois gerariam novos gastos apenas para cobrir novas despesas necessárias para fornecer voucher e contas previdenciárias privadas.)

Há vários outros exemplos atuais dessas ideias maléficas. Nos atuais círculos políticos, utiliza-se a palavra 'privatização' não para denotar uma completa retirada do governo de um determinado aspecto da vida social e econômica, mas meramente para denotar uma terceirização de atividades estatistas para algumas empresas privadas com boas conexões políticas. 

O pior erro que os defensores da livre iniciativa podem cometer é vender nossas ideias como meios mais eficientes para se obter os fins desejados pelo estado. Em vários países ao redor do mundo, a ideia de capitalismo está desacreditada não porque já foi tentada e fracassou, mas simplesmente porque um falso modelo de capitalismo foi imposto pelas autoridades. Isso não quer dizer que tais países vejam o socialismo como uma alternativa, mas há neles uma procura em vão por uma mítica terceira via.

Não é necessário o governo fazer muito para distorcer completamente o mercado: basta um controle de preços em alguma área, um subsídio para um derrotado à custa de um vencedor, uma limitação ou restrição ou um favor especial. Todas essas medidas podem criar enormes problemas que acabam desacreditando o capitalismo por completo.

A única solução é abdicar

Qual seria a atitude correta a ser tomada por especialistas em políticas públicas e analistas do governo? A única coisa que o governo pode fazer bem feito (além de destruir a economia): não fazer nada. O papel apropriado para o governo seria simplesmente o de se retirar da sociedade, da cultura, da economia e de toda a política internacional. Deixe que tudo se governe por si só. O resultado não será um mundo perfeito, mas ao menos será um mundo que não poderá ser piorado pela intervenção do estado.

O livre mercado não é um arranjo que se resume a gerar lucros, produtividade e eficiência. O livre mercado não é apenas para gerar inovações e concorrência. O livre mercado diz respeito ao direito de indivíduos de tomarem decisões autônomas e de fazerem contratos voluntários, de buscarem uma vida que preencha seus sonhos, mesmo que tais sonhos não sejam aqueles aprovados pelos seus senhores governamentais.

Portanto, que ninguém se iluda com a crença de que é possível ter ambos; que liberdade e despotismo possam conviver pacificamente lado a lado, com o primeiro sendo imposto pelo último. Fazer uma transição do estatismo para a liberdade significa uma completa revolução na economia e na vida política, saindo de um sistema em que o estado e seus grupos de interesse dominam, para um sistema em que o poder estatal não tenha função alguma.

A liberdade não é uma política pública; ela não é um plano. Ela é o fim da própria política. Quem quiser tê-la, terá de agir menos como gerenciadores de burocracias e mais como Moisés.


Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State

Tradução de Leandro Roque

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O ANÁRQUICO VELHO OESTE NÃO ERA NADA SELVAGEM


Um homem gloriosamente barbeado, com um bigode bem aparado, está em bar rústico sentado a uma mesa jogando baralho e rodeado por cowboys e prostitutas de faces surpreendentemente puras. Ele retira os olhos de suas cartas, olha para o homem defronte a ele e percebe que este está escondendo uma carta extra na manga. Enfurecido, o do bigode aponta a trapaça, chama o oponente de covarde e safado e o desafia para um duelo do lado de fora da taverna.

Segundos depois, ambos já estão na praça da cidade, um de frente para o outro a uns 20 metros de distância. Há um longo momento de pausa e silêncio. Repentinamente, o trapaceiro leva sua mão até o seu coldre em sua cintura, mas não é rápido o bastante. Veloz como um raio, o bigodudo saca seu revólver e, com um só disparo certeiro, coloca uma bala entre os olhos do trapaceiro.

Os cowboys e as prostituas que assistiam ao espetáculo voltam para o bar e para seus drinques, totalmente acostumados a ver rotineiramente esse tipo de violência aleatória. O homem do bigode, indiferente a tudo, rodopia seu revólver com seu dedo indicador e diz: "Este foi seu último blefe". E volta para o bar cheio de moral, e com várias prostitutas mais ávidas por ele.

Cem anos de filmes de faroeste nos ensinaram que era assim que se vivia e se morria no Velho Oeste americano. Aquele que fosse mais rápido no gatilho vivia apenas para duelar novamente no dia seguinte. Era como se a vida fosse um contínuo torneio eliminatório de pedra, papel e tesoura, o qual só acabava quando você morria.

Porém, a realidade era outra. E muito diferente.

Quantos assassinatos você acha que ocorriam, em um ano, nessas típicas cidades do velho oeste? Pense na mais violenta cidade, a mais sangrenta, aquela típica cidade onde criadores de gado disputavam à bala a propriedade de seus terrenos e onde os cowboys marcavam de duelar ao meio-dia para resolver suas diferenças (não foi isso que o cinema ensinou?). Quantas mortes em um ano? Cem? Mais?

Que tal cinco? Este foi o maior número de homicídios que qualquer cidade do velho oeste já testemunhou durante um dado ano, ao longo de toda a história da colonização. Cinco homicídios em um ano. A maioria das cidades apresentava uma média de 1,5 homicídios por ano, e nem todos eram homicídios por tiros. Você tem muito mais chances de ser assassinado em uma cidade como Baltimore hoje do que tinha em Tombstone em 1881, ano do famoso duelo no Curral O.K. (contagem de corpos: três) e o ano mais violento de toda a história daquela cidade.

Quanto aos tradicionais duelos e tiroteios retratados nos filmes, a imperfeição das armas fabricadas naquela época faria com que qualquer habilidade na rapidez dos saques fosse irrelevante: era simplesmente improvável que você acertasse um cara no primeiro, no segundo ou no terceiro disparo, de modo que realmente não faria muita diferença qual cara sacou sua arma primeiro. O mais perto que a história do Velho Oeste já chegou de registrar genuínos confrontos ao meio-dia foi na forma de um simples duelo, no qual um sujeito simplesmente ficava de frente para o outro, a uma certa distância, cada um apontando e atirando repetidas vezes até o momento em que um deles tivesse sorte, acertasse o alvo e matasse o outro. Esqueça aquelas cenas do Clint Eastwood utilizando uma mão para disparar em sequência um revólver ao mesmo tempo em que utiliza a outra para bater seguidamente no cão, praticamente transformando o revólver em uma metralhadora. E sem errar um tiro. (Veja a hilária cena). Você teria sorte se conseguisse acertar um capanga em um duelo dentro de um armário.

Por que então se criou esse mito do Oeste Selvagem?

Porque pistoleiros famosos como Billy the Kid queriam que acreditassem nisso. Se você assistir ao filme Jovem Demais Para Morrer, verá que ele matava alguém a cada dez minutos!

Exceto que, de acordo com fontes que não são Billy The Kid, sua contagem de corpos durante toda a sua vida chegou a apenas quatro. Criminosos gostam de exagerar suas estatísticas homicidas pelo mesmo motivo que homens gostam de exagerar suas experiências sexuais: isso os deixa bem perante os outros. Cidades comoDeadwood gostavam de exagerar sua natureza violenta e sem lei a fim de atrair colonizadores aventureiros. Livros foram escritos sobre eles e, tão logo a câmera foi inventada, filmes foram feitos sobre a cidade; e ninguém que conhecia a realidade e sabia que era mentira tinha interesse em corrigir essa ideia errada. Por que iriam desconstruir um mito que os fazia parecer bravos e valentes? Um século e meio depois, ainda adoramos essa mentira.

E acreditamos nela porque atirar no coração de um cara sem nome é infinitamente mais gratificante do que apresentar uma queixa na polícia ou escrever uma carta desaforada para os jornais. Nada de sistema legal de freios e contrapesos, nada de pensar duas vezes. Apenas você e a arma.
Por que o Velho Oeste era pacífico

Sim, havia casos isolados de violência, é claro, mas a verdadeira história do Oeste americano é uma história de cooperação, e não de conflito. A violência do Velho Oeste é um mito.

Meu colega Terry Anderson e eu estudamos a história do Oeste americano por quase 30 anos. E descobrimos que, sempre que os rancheiros se encontravam, eles normalmente acordavam maneiras de cooperar entre si, e não de brigarem entre si.

Comecemos com as minas de ouro de Sierra Nevada, na Califórnia. Após a descoberta de ouro em Sutter's Mill, milhares de campos de exploração e mineração foram criados nessa região para que se pudesse garimpar ouro. Em três anos, mais de 200.000 pessoas migraram para a Califórnia, a maioria delas querendo enriquecer rapidamente. Se houver uma receita para se criar o caos, essa certamente seria uma: pessoas de várias etnias e origens, praticamente sem nada a perder, todas elas armadas e em busca de recursos valiosos. 

Entretanto, a realidade é que os campos de exploração rapidamente, e voluntariamente, criaram e desenvolveram regras para arbitrar contendas envolvendo reivindicações de direito de posse. O fato de que cada indivíduo carregava consigo um revólver de seis balas significava que cada um estava investido de uma quantidade relativamente igual de poder. E isso minimizou a violência.

Viagens, tanto para os campos de exploração na Califórnia quanto para os novos povoados que iam se desenvolvendo no estado de Oregon, também eram atividades notavelmente pacíficas. De 1845 a 1860, praticamente 300.000 pessoas viajavam por terra em comboios de carroças, para os mais variados lugares do Oeste.

O preeminente historiador John Phillip Reed disse que o Velho Oeste era "um conto em que mais se compartilhava do que se discordava, uma época de adaptação e prestimosidade, e não de desavença". Um motivo para isso: "Longe de advogados e tribunais, o conceito de propriedade concorrente e coexistente se tornou uma força legal e não um fracasso jurídico; promoveu a paz social e não a desarmonia interna", diz ele. "ATrilha de Overland [uma trilha utilizada pelas diligências como rota alternativa entre Califórnia e Oregon] não era um lugar de conflitos."

Vários outros grupos de colonizadores, assentadores e exploradores interagiam pacificamente entre si, superando problemas como condições meteorológicas adversas e territórios inexplorados e não mapeados. Várias centenas de caçadores se encontravam todos os anos em locais pré-escolhidos das Montanhas Rochosos para vender a pele dos animais que abatiam. Mesmo com eles portando essas mercadorias que valiam milhares de dólares, a quantidade de roubos era irrisória. Os vários torneios e competições que envolviam bebedeiras, brigas e tiros eram basicamente uma forma de entretenimento, e não consequências de roubos ou pobreza.

Os rancheiros no norte das Grandes Planícies [vasta região localizada a leste das Montanhas Rochosas entre EUA e Canadá] enfrentaram alguns problemas singulares. Eles não puderam estabelecer ranchos de grande escala porque a Lei da Propriedade Rural limitou severamente o tamanho das terras que poderia se tornar propriedade privada. E então esses rancheiros tiveram de colocar seu gado para pastar em campos abertos e desapropriados, longe de suas propriedades.

A "tragédia dos comuns" é um fenômeno que pode ocorrer quando não há limitações à entrada e à exploração de um bem comum. Os rancheiros evitaram esse problema implementando excursões semestrais com o gado, nas quais eles levavam o gado para pastar nessas outras regiões desabitadas. Como as viagens eram longas, passavam por terrenos muito acidentados e por condições meteorológicas extremas, os rancheiros cooperavam entre si, ajudando-se uns aos outros. Embora eles não pudessem impedir que outras pessoas também utilizassem esses campos abertos, eles podiam impedir que elas pusessem seu gado para pastar junto aos seus. Sem poderem participar, essas pessoas teriam de ir procurar outros campos, o que fazia com que o pasto não fosse utilizado excessivamente até se tornar imprestável.

Assim que inventaram o arame farpado, tornou-se possível cercar e proteger esses campos abertos. Até então, fazer cercados era impraticável (exceto para pequenos terrenos), pois não havia árvores suficientes cujos troncos poderiam ser utilizados para se fazer os cercados tradicionais de toras de madeira (foto ao lado). Com o advento do arame, as novas cercas poderiam ser feitas com um número bastante limitado de toras — e os rancheiros foram rápidos em adotar essa nova tecnologia. Agora, eles podiam definir, impor, zelar e fazer cumprir seus direitos de propriedade. 

Os criadores de gado e os fazendeiros também adotaram um novo sistema de direitos de propriedade sobre a água, os mesmos que haviam sido adotados e desenvolvidos nos campos de exploração e mineração. Esses direitos foram batizados de 'doutrina da apropriação original' — ou "o primeiro a chegar, o primeiro a se apropriar".

Basicamente, se um indivíduo desviasse um curso d'água para a irrigação de sua propriedade, ele teria o direito perpétuo àquela quantidade de água. Isso significa que os direitos sobre um recurso valioso, a água, eram claramente definidos e defendidos em qualquer tribunal de justiça. E isso também significava que, à medida que outras pessoas fossem se instalando nas vizinhanças, formando municipalidades, elas poderiam comprar esses direitos sobre o uso da água caso valorassem a água mais do que os então proprietários dela — traduzindo, caso oferecessem um preço de compra que os fazendeiros locais considerassem satisfatório.

Havia, é claro, algumas exceções a essa história de relações harmoniosas. Após a Guerra Civil, os EUA possuíam um exército efetivo que não tinha muito o que fazer. Assim, os colonizadores se tornaram mais propensos a recorrer à cavalaria para tomar as terras dos índios do que em incorrer em práticas comerciais com as tribos nativas, como vinham fazendo até então.

Havia também trocas de socos em confusões de bar. Quando um grande grupo de homens sem laços familiares com ninguém da região ficava desocupado, a violência podia irromper.

Entretanto, mesmo em uma cidade rancheira como Abilene, Kansas, a taxa de homicídios era muito mais baixa do que na maioria das atuais cidades americanas. Larry Schweikart, historiador da Universidade de Dayton, estima que, durante todo o período de 1859 a 1900, houve provavelmente menos do que uma dúzia de assaltos a bancos em todo o Oeste durante a colonização. Schweikart resume: "O histórico é surpreendentemente claro: Há mais assaltos a bancos na atual Dayton (Ohio) em um ano do que houve em todo o Velho Oeste em uma década, ou talvez durante todo o período da colonização!"

Uma interessante conclusão do nosso estudo sobre o Velho Oeste é que o atual Novo Oeste é muito mais repleto de conflitos do que era o Velho Oeste. Agências governamentais como a United States Forest Service[departamento que administra as florestas americanas], o National Park Service [departamento que administra os parques americanos] e o Bureau of Land Management [departamento que controla o uso das terras públicas] hoje controlam praticamente um terço da terra nos EUA, a maioria delas na costa oeste.

Os benefícios do uso dessas terras são alocados por meio de processos políticos e burocráticos que suprimem qualquer incentivo à cooperação harmoniosa entre as pessoas. Os atuais conflitos sobre o uso de recursos excedem em muito qualquer pendenga já vista no Velho Oeste do século XIX.

Se alguém quiser ver o verdadeiro "Oeste Selvagem", basta comparecer a qualquer sessão do Congresso: manifestações políticas e discussões ambientalistas agressivas sobre como deve ser o uso, quem pode utilizar e de que maneira se pode utilizar as terras florestais.

Os processos de tomada de decisão não mais se dão de acordo com as necessidades e demandas locais, como ocorria no século XIX. O estado entrou em cena, assumiu o controle e hoje as atuais políticas premiam a rudeza, a aspereza e linha dura político-ambientalista.

Portanto, não procure pelo Oeste Selvagem em contos sobre cowboys justiceiros e vigilantes, tampouco em histórias sobre tiroteios no Curral O.K.. O verdadeiro Oeste Selvagem existe hoje, exatamente quando o estado está no controle de tudo.

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Para relatos detalhados sobre o Velho Oeste, você pode ler esta monografia ou este livro online.

Peter J. Hill é, junto com Terry L. Anderson, autor do livro "The Not So Wild, Wild West: Property Rights on the Frontier" (Stanford University Press, 2004).

Tradução de Leandro Roque

O DESARMAMENTO E AS LIÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA EUROPEIA


As recentes eclosões de violência indiscriminada na Europa realçam uma perturbadora tendência que há muito vem sendo alertada por filósofos e estudiosos das civilizações: o retrocesso da civilização ocidental. Palpiteiros e "especialistas" destilam na televisão e em artigos de jornais inúmeras teorias para tentar explicar o que está acontecendo. Algumas soam suficientemente plausíveis, mas somente aqueles dentre nós que possuem um sólido conhecimento da teoria econômica têm as ferramentas necessárias para decifrar o significado destes atuais eventos. 

Aqueles que utilizarem essas ferramentas irão descobrir que o estado não apenas causou diretamente estes distúrbios de várias maneiras (via assistencialismo, militarismo, inflação monetária, escolas públicas e muito mais), como também impediu as pessoas de defenderem a si próprias e a sua propriedade. Estou me referindo, é claro, às leis do desarmamento.

Inglaterra

Primeiro, consideremos os distúrbios que irromperam ao longo da Inglaterra na semana passada. Vândalos e saqueadores, de maneira arbitrária e petulante, saíram destruindo propriedades, incendiando, roubando bens de lojas de família e assaltando transeuntes. Pessoas inocentes ficaram compreensivelmente assustadas, temendo pelo seu bem-estar, especialmente quando viram que a polícia era evidentemente inepta para colocar fim às badernas. Um repórter, após ser assaltado e espancado, chamou as autoridades, e ouviu delas apenas a seguinte frase: "vá pra casa".

Não deveria ser nada surpreendente o fato de estas pessoas serem tão indefesas. Em 2007, no ranking de países listados de acordo com a posse de armas, Inglaterra, País de Gales e Escócia estavam abaixo de praticamente todos os outros países desenvolvidos. As leis de desarmamento britânicas podem ser descritas, no mínimo, como draconianas. O Decreto das Armas de Fogo, de 1997, baniu todas as armas do Reino Unido, inclusive revólveres e pistolas, permitindo no máximo o porte de pistolas a ar. (Curiosamente, essa legislação não foi aplicada à Irlanda do Norte, onde a posse de armas é muito mais difundida.)

Todas as armas de fogo "legais" requerem licença estatal para serem adquiridas. As pessoas que possuem licenças devem comunicar à polícia todas as suas compras de armas, além de serem obrigadas a enfrentar vários trâmites burocráticos para renovar suas licenças, sempre em um curto intervalo de tempo. As delegacias de polícia locais podem impor restrições adicionais ao porte de armas dentro de suas jurisdições. A polícia tem o poder de revogar a licença caso suspeite que o usuário violou uma regra dentre todo esse emaranhado.

Todas essas barreiras e burocracias elevam significativamente o custo de se comprar uma arma de fogo, mesmo que seja apenas para guardá-la em casa. A ciência econômica ensina que, quando o custo e a burocracia de se obter algo aumentam, haverá menos desses bens nas mãos das pessoas comuns. No caso inglês, o resultado foi menos armas nas mãos de cidadãos decentes e menos maneiras de pessoas inocentes defenderem a si próprias, suas famílias e suas propriedades.

Como resultado desse recente surto de violência, os britânicos que quiseram defender suas propriedades tiveram de recorrer a meios alternativos de autodefesa. A Amazon.co.uk relatou que as vendas de porretes e de tacos de beisebol de alumínio dispararam mais de 5.000% na noite do terceiro dia de badernas. Um cliente escreveu no site a seguinte crítica:

Este taco tem um peso perfeito, é bem equilibrado e vai servir otimamente a qualquer proprietário de loja no Reino Unido que queira proteger sua propriedade. Graças ao seu cabo ergonômico, um simples movimento de tacada já deve ser o suficiente para destroçar rótulas, crânios ou qualquer outro osso que você queira estraçalhar no vândalo que está lhe atacando. Pessoalmente, recomendaria também investir em algumas luvas sem dedos, apenas para melhor a aderência de sua mão ao taco.

Outra questão a ser mencionada sobre a débâcle da Inglaterra envolve o assassinato que desencadeou tudo isso. Um rapaz de 29 anos, chamado Mark Duggan, foi morto a tiros por agentes do estado no dia 4 de agosto de 2011, em Tottenham, onde os tumultos começaram logo em seguida. Os policiais rapidamente acusaram a vítima de disparar contra eles, mas a Comissão Independente de Queixas da Polícia relatou, no dia 10 agosto, que não há nenhuma evidência de que a arma da vítima encontrada no local do crime tenha sido disparada uma só vez.

Talvez a polícia estaria menos propensa a assassinar cidadãos a sangue frio caso ela estivesse lidando com uma população armada.

Noruega

Também nada surpreendentemente, a Noruega é também um bastião do fanatismo desarmamentista, embora a posse de armas seja mais prevalecente entre os noruegueses do que entre os britânicos. (A posse de armas em ambos os países é bem mais baixa do que nos EUA). As leis norueguesas baniram todas as armas automáticas. Revólveres e pistolas só são permitidos caso sejam de um determinado calibre, e há restrições sobre os tipos e quantidades de munição que um indivíduo pode comprar. Andar nas ruas portando armas ocultas é ilegal. (Nos EUA, isso é legal em vários estados, sendo que Alaska, Vermont, Arizona e Wyoming permitem que seus cidadãos carregam armas sem exigir qualquer registro).

Como lamentavelmente é a regra em nosso mundo, todos os pretensos proprietários de armas têm primeiro de requerer licenças, as quais normalmente são concedidas apenas a caçadores e a atiradores profissionais. Se você for sortudo o suficiente para obter uma licença, a polícia automaticamente adquire o direito de inspecionar sua casa para averiguar se suas armas estão adequadamente armazenadas.

Como bem sabemos, essas rígidas leis de nada adiantaram para impedir Anders Behring Breivik de massacrar 69 pessoas na minúscula ilha de Utøya. Com efeito, se apenas um orientador daquele acampamento possuísse uma arma de fogo, talvez a tragédia teria terminado de maneira diferente, certamente com muito menos sangue e mortes.

É incompreensível para mim o fato de os organizadores de um acampamento juvenil ocorrendo em um local deserto e descampado não terem planejado antecipadamente meios de defender as crianças. Isso é o ápice da irresponsabilidade. É realmente alguma surpresa que o acampamento tenha sido organizado pelo esquerdista Partido Trabalhista?

Mais uma vez, os agentes do estado comprovaram sua incompetência. A polícia só chegou a Utøya uma hora depois de o maníaco ter começado sua carnificina. É isso o que ocorre quando se dá a um grupo estatal — a polícia — o monopólio prático da propriedade de armas.

Aqueles de nós familiarizados com a teoria misesiana sabemos que o estado sempre reagirá às desastrosas consequências do intervencionismo com ainda mais intervencionismo. Como se estivessem ansiosos para dar razão a Mises, políticos finlandeses rapidamente anunciaram, após os ataques na Noruega, que irão acelerar a imposição de políticas desarmamentistas muito mais rígidas na Finlândia. Essas novas regras farão com que revólveres e pistolas passem a ser muito menos acessíveis, irão elevar a idade mínima para a posse de armas e irão impor aos requerentes de licenças que se submetam a "testes para averiguar sua adequação". 

Os políticos, sem dúvida, estão prometendo que tais leis deixarão as pessoas mais seguras. Os seguidores da 'Lei de Rockwell', entretanto, já sabem exatamente o que esperar e como devem reagir: "Sempre acredite no oposto daquilo que o governo diz, e sempre faça o oposto daquilo que ele recomenda."

Conclusão

A sociedade ocidental está claramente se degradando. À medida que as pessoas e os governos vão se afundando em dívidas, o crescimento econômico permanecerá, na melhor das hipóteses, estagnado. As classes dependentes, que vivem do assistencialismo, verão seu padrão de vida se deteriorando rapidamente à medida que a crise vai se desdobrando. Se a história nos serve de guia, ondas de crimes e inquietações sociais não estão muito longe no horizonte. Já estamos testemunhando o início dessa tendência em países como Inglaterra e Noruega, onde restrições à posse de armas estimulam a violência, a destruição e a pilhagem, além de deixarem cidadãos de bem completamente desarmados, sem proteção policial e totalmente à mercê de vândalos. 

A principal lição a ser retirada de tudo isso é a importância de ser ter meios de se proteger a si próprio, a sua propriedade e a seus parentes amados nessas épocas vindouras de pânico e incerteza. Se você confiar no governo, poderá perder tudo o que construiu.

Brian Foglia é bacharel em Economia com honrarias, formado no Richard Stockton College.

Tradução de Leandro Roque

O PT E SEU LABIRINTO

Agita-se o Partido dos Trabalhadores (PT). Após a agressiva mobilização em defesa dos condenados no processo do mensalão, a vanguarda petista começa a propor, a seu modo, uma reflexão sobre os rumos do partido, aquele que se orgulhava de ser modelo de correção radical e que hoje é pilhado em sucessivos escândalos. Ingênuos podem ver nisso um mea culpa, um esforço para retornar às origens "puras" do partido, mas, em se tratando de PT, não cabe nenhuma ingenuidade: digladiam-se forças para a ocupação dos espaços perdidos pelas lideranças mensaleiras e, principalmente, para salvar as aparências do lulismo, emparedado por denúncias de cama e mesa.

A mais recente manifestação da cúpula petista, a carta convocatória para o 5.º Congresso Nacional do PT, a ser realizado em 2014, dá uma ideia dessa crise. O documento reafirma as linhas gerais da defesa do legado de Lula e diz que o ex-presidente, assim como o partido, é vítima de uma campanha de difamação "insidiosa", semelhante à que sofreram os presidentes Getúlio Vargas e João Goulart. O primeiro suicidou-se, em 1954, denunciando "as forças e os interesses contra o povo" que o pressionavam. "Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes", escreveu Getúlio, quando se descobriu que os porões do Palácio do Catete haviam se transformado num mar de lama em que chafurdavam Gregorio Fortunato e a sua quadrilha. Lula não parece inclinado a gesto tão dramático, mas o discurso é o mesmo, como mostra o documento petista: "A verdade é que os donos do poder não aceitam essa irrupção de pobres na vida social e política do País".

O texto afirma que, graças às "distorções do sistema político", Lula teve de aliar-se ao que há de pior na política brasileira, como Sarney, Collor e Maluf, para "dar sustentação parlamentar ao governo". A direção petista argumenta que só assim foi possível manter o poder e enfrentar as elites, que, embora tenham se beneficiado da era Lula, jamais admitiram o "êxito de um nordestino, sem educação formal, como presidente da República". A missão histórica do lulopetismo está, portanto, acima de quaisquer considerações éticas. Aliás, dissemina-se há algum tempo, entre pensadores simpáticos ao PT, a ideia de que a corrupção é intrínseca ao capitalismo e que os pobres, agraciados com a fartura creditícia patrocinada pelo governo petista, não estão nem um pouco preocupados com os malfeitos, razão pela qual mantêm seu apoio a Lula e à presidente Dilma Rousseff. O clamor pela ética na política, prossegue a tese, restringe-se às "elites". O documento petista é claro sobre isso, ao dizer que "denúncias sobre corrupção sempre foram utilizadas pelos conservadores no Brasil para desestabilizar governos populares".

Antes de chegar ao poder, porém, quem utilizava denúncias de corrupção como bandeira política era o PT, cujo líder máximo apontou a existência de "300 picaretas" no Congresso. Hoje, sabe-se, o governo petista costuma comprar o apoio desses "picaretas". O documento do PT admite que o partido já não é mais o mesmo, pois "perdeu densidade programática e capacidade de mobilização sobre setores que nos acompanharam nos primeiros anos de nossa existência". Traduzindo: rasgou suas bandeiras e abandonou os que acreditavam nelas, distanciando-se de sua militância. Admitir isso não é penitência, mas estratégia. A cúpula petista, conforme diz seu texto, acredita que seja necessário retomar as discussões programáticas para fortalecer sua "capacidade de intervenção na conjuntura", isto é, para pressionar Dilma a atuar com mais firmeza em favor dos interesses do partido. Aqui e ali, militantes têm manifestado descontentamento com a presidente por sua suposta leniência em relação à mídia e aos empresários. Portanto, para entender esse movimento interno no PT não se pode esquecer de que a sucessão de 2014 já começou, que Dilma não é a presidente dos sonhos dos petistas e que Lula precisa de palanque sólido para defender-se e continuar a construir a tal "narrativa petista". Editorial O Estadão

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

COMO O PORTE IRRESTRITO DE ARMAS GARANTIU A LIBERDADE DOS SUÍÇOS


Quando se trata da Segunda Guerra Mundial, a maioria das pessoas tende a pensar apenas em dois lados: o Eixo e os Aliados. Em termos modernos, foi um conflito de civilizações, por assim dizer, em que os defensores do bem e do mal lutarem até a morte. É claro que a realidade nunca é tão simples, como diria qualquer individualista.

A "grande história" é conhecida de todos. Porém, poucos sabem do papel da Suíça durante o conflito. Aquele pequeno país teve êxito em preservar sua tradicional liberdade até mesmo quando Hitler estava prestes a ganhar a guerra e estabelecer uma Nova Ordem Mundial. Os cidadãos suíços sempre estiveram unidos em oposição à ditadura nazista. Da mesma forma, eles jamais assinaram qualquer tipo de pacto ou aliança com a Grã-Bretanha, os EUA e a União Soviética. Eles mantiveram a política de 'neutralidade armada', e a dissuasão era sua mais poderosa arma — para não mencionar as armas que todo cidadão possuía privadamente, as quais eram uma grande ameaça para qualquer exército invasor, fosse ele alemão, soviético ou qualquer outro.

Recentemente, conversei sobre o comportamento da Suíça durante a Segunda Guerra Mundial — e tentei aprender algo útil para o nosso futuro — com Stephen P. Halbrook, autor do livro Target Switzerland — Swiss Armed Neutrality in World War II (Alvo: Suíça — A Neutralidade Armada Suíça na Segunda Guerra Mundial). 

O senhor Halbrook é também autor de vários livros e artigos sobre o direito de ter e portar armas: dentre eles, o famoso That Every Man Be Armed — The Evolution of a Constitutional Right.

STAGNARO: Muitas pessoas acreditam que a Suíça foi bastante "colaboracionista" com a Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Seu livro, entretanto, mostra que as coisas na verdade foram bem diferentes. Como poderiam os suíços defender sua independência sem fazer concessões ao regime de Hitler?

HALBROOK: Cada homem na Suíça possuía um rifle em sua casa. Participar de caçadas e praticar tiro ao alvo era o esporte nacional. Dê uma olhada no mapa e você verá a pequena e democrática Suíça cercada por forças do Eixo que se estendiam por toda a Europa, indo do Norte da África até a Rússia. Essa nação de pessoas armadas, situada nos Alpes, conseguiu se manter neutra e dissuadir uma invasão nazista.

Winston Churchill, o líder inglês desse período de guerra, escreveu que os Aliados estavam empenhados em conquistar a Alemanha em 1944: "De todos os países neutros, a Suíça possui o direito à maior das honrarias... O país tem sido um estado democrático, sempre em prol da liberdade e praticando sua autodefesa entre suas montanhas. E em pensamento, não obstante sua raça, predominantemente ao nosso lado."

Em contraste, no ano anterior, Adolf Hitler havia declarado que "todo o entulho representado pelas pequenas nações que ainda existem na Europa deve ser liquidado o mais rápido possível", e que, se necessário, ele passaria a ser conhecido como o "Açougueiro da Suíça".

Porém Hitler sabia que os suíços eram cidadãos amplamente portadores de armas, e que por isso muitos nazistas seriam massacrados no processo. Residindo em Berna, o espião americano Allen Dulles, chefe do Office of Strategic Services (OSS, agência de inteligência do governo dos EUA, predecessora da CIA, estabelecida durante a Segunda Guerra Mundial), explicou que "No auge de sua mobilização, a Suíça possuía 850.000 homens fortemente armados prontos para a guerra ou apenas esperando em reserva, um quinto da população total..... Que a Suíça não tenha tido de lutar foi graças à sua disposição a resistir e ao seu amplo investimento em homens e equipamentos para sua própria defesa. O custo para a Alemanha de uma invasão à Suíça certamente teria sido extremamente alto."

Incidentalmente, alguns italianos sectários, partidários dos Aliados, frequentemente cruzavam a fronteira norte da Itália até Ticino, o cantão suíço onde se fala italiano, para combinar com a OSS entregas aéreas de suprimentos e de equipamentos de ajuda para suas tropas localizadas nas montanhas.

STAGNARO: Os generais alemães estudaram vários planos de invasão à Suíça. Todos eles se mostravam extremamente preocupados com a força do exército suíço, bem como com a capacidade dos suíços em fazê-los pagar um preço muito alto por essa invasão. Vamos exercitar um pouco a imaginação: caso os alemães realmente tivessem tentado invadir a Suíça, qual seria o provável destino deles?

HALBROOK: Quando Hitler chegou ao poder em 1933, a propaganda nazista retratava a Suíça como um dos vários países a serem anexados como parte da "Grande Alemanha". Ao contrário dos outros países neutros da Europa, que haviam gastado muito dinheiro com seu estado assistencialista, os suíços imediatamente começaram a se preparar militarmente para repelir um eventual ataque alemão. Em 1940, a Suíça era uma potencial rota de invasão para o sul da França, ao passo que a Bélgica e a Holanda eram as rotas de invasão para o norte da França. Os alemães evitaram a Suíça, onde todos os homens estavam armados e o espírito de resistência era predominante. 

Logo após a queda da França, as forças alemãs arquitetaram vários novos planos de invasão à Suíça — os nazistas ocupariam as áreas suíças que falavam alemão e francês, e a Itália fascista ocuparia a área que falava italiano. Esses planos reconheciam que os suíços eram atiradores exímios e, exatamente por isso, recomendavam a utilização de forças consideráveis e numerosas para o ataque. Embora Hitler odiasse a Suíça — que ele dizia ser uma "pústula" na face da Europa — por ela ter se recusado a aderir à Nova Ordem, ele teve sua atenção desviada para a Batalha da Grã-Bretanha (batalha aérea entre a força aérea britânica e a alemã nos céus da Inglaterra) e depois para a Operação Barbarossa, a batalha com a União Soviética em 1941.

Entretanto, apenas alguns dias antes do ataque à Rússia, Hitler e Mussolini se encontraram no Passo do Brennero. De acordo com os registros, "O Führer caracterizou a Suíça como a entidade nacional mais desprezível da Europa, formada por pessoas ignóbeis. Os suíços eram os inimigos mortais da nova Alemanha". Já o Duce disse que a Suíça era "um anacronismo". Planos de ataque contra a Suíça continuaram a ser concebidos.

Quando o governo fascista entrou em colapso e a parte sul da Itália começou a ser libertada, a Alemanha prontamente ocupou o norte da Itália — o que aumentou enormemente o risco para a Suíça. A Alemanha queria utilizar as rotas que passavam pelos Alpes suíços para poder enviar soldados e armas, e os suíços se recusaram a cooperar. Porém, a Suíça forneceu abrigo e proteção para dissidentes e refugiados italianos.

Uma invasão nazista à Suíça durante qualquer um dos períodos acima acarretaria no seguinte: as forças suíças situadas na fronteira teriam lutado até a morte, mas seriam eliminadas. Entretanto, as pontes e estradas da região estavam carregadas de explosivos e seriam destruídas, o mesmo acontecendo com os túneis Gotthard eSimplon, situados nas rotas alpinas para a Itália.

As forças suíças estavam concentradas em um Réduit localizado nos Alpes. Os Panzers e toda a Luftwaffe não podiam operar nessas montanhas íngremes, o que significa que a invasão teria de ser por terra. Nesse caso, toda a infantaria da Wehrmacht teria sido submetida a um impiedoso fogo cerrado disparado por artilharias suíças escondidas nas montanhas. Seria suicídio. As forças suíças poderiam resistir interminavelmente nos Alpes.

Qualquer ocupação alemã de partes da Suíça custaria muito sangue. Ao contrário dos outros países que a Alemanha já havia ocupado (mais notavelmente a França), cada cidadão suíço possuía um rifle em sua casa. O governo e o exército suíço decretaram que nenhuma rendição deveria ocorrer, e que qualquer relato de rendição deveria ser considerado propaganda do inimigo. Os suíços seriam capazes de fazer uma guerra de autodefesa sem precedentes na história europeia. Embora muitos suíços fossem morrer, os invasores teriam de enfrentar um franco-atirador suíço escondido atrás de cada árvore e de cada rocha.

STAGNARO: O senhor faz uma defesa forte e convincente da organização militar suíça: a Suíça conseguiu resistir a todo o exército da Alemanha graças aos seus cidadãos armados. O senhor acredita que esse sistema ainda é bom, não obstante todas as dramáticas mudanças que temos vivenciado nas últimas décadas, tanto no tipo do inimigo (por exemplo, agora é o terrorismo) quanto na maneira como se iniciam guerras atualmente?

HALBROOK: Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, o Kaiser alemão estava na Suíça a convite do governo suíço para observar algumas manobras militares. Impressionado com o que viu, o Kaiser perguntou a um membro das milícias suíças: "Vocês são 500.000 homens e atiram muito bem. Porém, e se a Alemanha resolver atacá-los com um milhão de soldados? O que vocês vão fazer?" E o suíço respondeu: "Vamos atirar duas vezes e voltar pra casa."

Ainda hoje, todo homem suíço, ao completar 20 anos de idade, é obrigado a fazer um treinamento militar e, após a conclusão, ganha um Fuzil de Assalto 90 (modelo 1990, 5.6 mm, com funcionamento automático e semi-automático) para manter em casa. Muitas mulheres também participam de práticas de tiro esportivo, bem como adolescentes e idosos. As pessoas rotineiramente carregam armas consigo em transportes públicos, nas cidades e em hotéis — especialmente quando algum torneio de tiro está para ocorrer. Essa prática de andar armado é tão comum, que estrangeiros desavisados podem pensar que está ocorrendo alguma revolução no país. Para ver um relato de um corriqueiro torneio de tiro que ocorreu no cantão suíço de Ticino, veja aqui.

As milícias armadas suíças consistem primordialmente de uma infantaria formada pela própria população armada, mas também inclui artilharia moderna — parte da qual está escondida em fortificações localizadas nos Alpes — e caças. Quanto ao terrorismo, dependendo das circunstâncias, uma população armada e vigilante pode ser essencial para impedir um massacre. Se atos terroristas ocorrerem em solo suíço, os cidadãos irão resistir o tanto quanto possível.

STAGNARO: A maioria dos defensores do direito irrestrito de ter e portar armas garante que o desarmamento e o controle de armas são o caminho mais curto para a tirania. De fato, Hitler desarmou seus inimigos (começando pelos judeus alemães) antes que eles pudessem organizar alguma resistência. O senhor acredita que haja um elo entre a tradição suíça de ser um povo armado e a tradição de liberdade daquele país?

HALBROOK: Maquiavel foi quem resumiu melhor: os suíços são "armatissimi e liberissimi". Desde 1291, quando a Confederação Suíça foi criada, camponeses e vaqueiros suíços se armaram para resistir à agressão de alguns dos grandes exércitos da Europa. Cada homem tinha a obrigação de arranjar sua própria arma para se defender contra qualquer invasão.

Quando Hitler chegou ao poder, seus capangas incendiaram o Reichstag e colocaram a culpa nos comunistas — foi a desculpa perfeita para suspender todos os direitos constitucionais e desarmar toda a oposição política. Utilizando as rígidas leis de controle de armas aprovadas pela progressista República de Weimar, os nazistas começaram a desarmar os judeus. E então veio a Reichskristallnacht (A Noite dos Cristais) em 1938, na qual os nazistas saíram destruindo lojas e casas sob a justificativa de que os judeus eram perigosos e tinham de ser desarmados. O chefa de Gestapo, Heinrich Himmler, ameaçou mandar para o campo de concentração por 20 anos qualquer judeu que fosse flagrado com alguma arma.

Quando os nazistas ocuparam a França e outros países, eles acharam, nas delegacias de polícia, as listas de registros contendo os nomes de todas as pessoas que possuíam armas de fogo. Os proprietários que não entregassem suas armas de fogo em 24 horas seriam mortos, o mesmo acontecendo àqueles que não delatassem seus amigos e parentes. Por algum motivo obscuro, os historiadores não demonstram interesse algum em ressaltar o cruel destino de judeus e demais cidadãos nos países ocupados que eram proprietários de armas de fogo.

Ainda mais importante: algumas dessas pessoas que possuíam armas de fogo conseguiram enganar os nazistas e utilizaram suas armas para salvar suas famílias, refugiados e demais pessoas, chegando até a montar uma resistência armada. O Levante do Gueto de Varsóvia, em 1943, foi iniciado com apenas meia dúzia de revólveres e pistolas ilegais.

Na Suíça, existe apenas uma lei de "controle de armas": todo homem deve saber atirar perfeitamente a 300 metros de distância. Caso invadissem a Suíça, os nazistas não precisariam se preocupar em sair procurando registros com os nomes dos proprietários de armas — eles poderiam simplesmente presumir que cada homem possuía uma arma. Quando a guerra já parecia inevitável, em 1938, no Campeonato Mundial de Tiro realizado em Lucerna, na Suíça, o Presidente da Confederação suíça, Philipp Etter, declarou:
Provavelmente não há outro país que, como a Suíça, dá ao soldado sua arma, para que ele a leve para sua casa. . . . Com esse rifle, ele torna-se capaz de, a qualquer momento que seu país o chamar, defender seu lar, sua família, seu lugar de origem. A arma é para ele uma garantia e um símbolo de honra e liberdade. O suíço não se desfaz de seu rifle.

Os nazistas ouviram essa mensagem em vários foros e meios de comunicação. Eles sabiam que não poderiam executar cada suíço que possuísse uma arma — ao contrário, eles sabiam que inúmeros soldados alemães seriam mortos pelos atiradores suíços. O poderoso exército alemão poderia transformar a Suíça em uma terra devastada, mas o sangue alemão que seria derramado nesse processo seria inaceitavelmente alto, e o país se tornaria ingovernável.

STAGNARO: Os pais fundadores dos EUA sempre alertavam que um exército permanente e profissional poderia ser uma ameaça às liberdades, pois tal formação induz a uma forte tentação imperialista. Na sua visão, há alguma correlação entre essa peculiar organização militar da Suíça e sua neutralidade?

HALBROOK: Os pais fundadores americanos reconheceram que exércitos efetivos eram perigosos para a liberdade porque tais exércitos oprimiam a população domesticamente e se aventuravam em agressivas guerras imperialistas. É por isso que os Estados Unidos originalmente seguiram o modelo suíço de republicanismo, de ter uma milícia armada e da neutralidade. Os fundadores da América queriam evitar "alianças complexas" na Europa, e os EUA entraram nas duas guerras mundiais relutantemente.

Um exército miliciano é formado virtualmente por todos os homens saudáveis e fisicamente capazes de um país, o que desafia qualquer invasor a incorrer em uma tática de guerrilha que pode nunca ter fim. Já um exército efetivo consiste de soldados profissionais formados por uma pequena fatia da população do país. Vários exércitos efetivos da Europa se esfacelaram antes do violento ataque da blitzkrieg de Hitler — as elites governamentais se renderam e ordenaram a seus soldados que baixassem as armas. Um ataque à Suíça não contaria com nenhuma rendição de sua elite; ao contrário, haveria uma resistência armada contra-atacando cada passo do invasor.

A organização do exército suíço como uma milícia significa que, embora ela possa proteger o país, ela não pode invadir outro país. Essa tem sido a experiência desde tempos medievais. Cidadãos comuns da suíça, obviamente armados, derrotaram os poderosos exércitos de cavaleiros invasores em inúmeras batalhas — eles deixaram Carlos, o Audaz em uma vala com sua cabeça esmagada por uma alabarda em Nancy, em 1477 — porém, foram derrotados quando se aventuraram em terras estrangeiras, como na Batalha de Marignano, em 1515.

O que foi dito acima é o segredo da neutralidade suíça. Milícias armadas são boas para defender seus próprios países, mas não são propícias a atacar outros países — e isso previne guerras imperialistas. Tanto a autodefesa na forma de milícias quanto a neutralidade que uma milícia estimula promovem os ideais da paz.

Por fim, uma última consideração. A Segunda Emenda da Constituição americana declara que "Com uma milícia bem regulada, sendo necessária para a segurança de um país livre, o direito das pessoas de ter e portar armas não deve ser infringido." Além de terem sido influenciados pelo exemplo suíço, os fundadores dos EUA também se inspiraram em Dei delitti e delle pene (1764), de Cesare Beccaria, que caracterizou como sendo uma "false idee di utilità" as leis que proíbem cidadãos pacíficos de portarem armas, proibição essa que estimula ataques de criminosos armados contra vítimas desarmadas.

Ou aprendemos com as lições da história, ou repetiremos todos os seus erros perniciosos.

Carlos Stagnaro é co-editor da revista libertária italiana "Enclave" e editou o livro "Waco -- Una strage di stato americana." Participa também do website Forces.org.

Tradução de Leandro Roque



DESARMAMENTO E GENOCÍDIOS


395264_268506006556285_894269043_n.jpgNo dia 24 de abril deste ano, o primeiro genocídio do século XX completará 98 anos: o governo turco dizimou mais de um milhão de armênios desarmados. A palavra-chave da frase é justamente esta última: "desarmados".



Os turcos escaparam de uma condenação mundial porque utilizaram a desculpa de tudo ter sido uma 'medida de guerra'. Findada a Primeira Guerra Mundial, eles não sofrerem nenhuma represália por este ato de genocídio. É como se o governo turco não houvesse conduzido absolutamente nenhuma medida de homicídio em massa contra um povo pacífico.

Outros governos perceberam que o ardil funcionara e rapidamente tomaram nota do fato. Era um precedente internacional conveniente demais para ser ignorado.

Setenta e nove anos após o início daquele genocídio, o famoso Hotel Ruanda abriu as portas.

Os Hutus também se safaram. Ironicamente, pelo menos uma década antes do massacre em Ruanda — gostaria de me lembrar da data exata -, a revista americana Harper's publicou um artigo em que profetizava com acurácia este genocídio, e por uma razão muito simples: os Hutus tinham metralhadoras; os Tutsis, não. O artigo foi escrito em um formato de parábola, sem se preocupar em fazer previsões especificamente políticas. Lembro-me vivamente de, ao ler aquele artigo, ter imediatamente pensado: "Se eu fosse um Tutsi, emigraria o mais rápido possível".

O fato é que, em todo o século XX, não foi um bom negócio ser um civil. As chances sempre estavam contra você.

Péssimas notícias para os civis

Tornou-se um lugar comum dizer que o século XX, mais do que qualquer outro século na história conhecida da humanidade, foi o século da desumanidade do homem para com o homem. Embora esta frase seja memorável, ela é um tanto enganosa. Para ser mais acurada, o certo seria modificá-la para "o século da desumanidade dos governos para com civis desarmados". No caso do genocídio, no entanto, tal prática não pode ser facilmente descartada como sendo um dano colateral imposto a um inimigo de guerra. Trata-se de extermínio deliberado.

O século XX começou oficialmente do dia 1º de janeiro de 1901. Naquela época, uma grande guerra já estava em andamento; portanto, vamos começar por ela. Mais especificamente, era a guerra iniciada pelos EUA contra as Filipinas, cujos cidadãos haviam sido acometidos da ingênua noção de que a libertação da Espanha não implicava uma nova colonização pelos EUA. Os presidentes americanos William McKinley e Theodore Roosevelt enviaram 126.000 tropas para as Filipinas para ensinar àquele povo uma lição sobre a moderna geopolítica. Os EUA haviam comprado as Filipinas da Espanha por US$20 milhões em dezembro de 1898. O fato de que os filipinos haviam declarado independência seis meses antes dessa compra era irrelevante. Um negócio é um negócio. Aqueles que estavam sendo comprado não podiam dizer nada a respeito, muito menos protestar.

Naquela época, era uma prática comum fazer a contagem de corpos dos combatentes inimigos. A estimativa oficial foi de 16.000 mortos. Algumas estimativas não-oficiais falam em aproximadamente 20.000. Para os civis, tanto naquela época quanto hoje, não há estimativas oficiais. O número mais baixo fala em 250.000 mortos. A estimativa mais alta é de um milhão.

E então veio a Primeira Guerra Mundial e as comportas foram abertas — ou melhor, os banhos de sangue foram institucionalizados.

Turquia, 1915

O genocídio armênio de 1915 foi precedido por uma limpeza étnica parcial, a qual durou dois anos, 1895—97. Aproximadamente 200.000 armênios foram executados.

Os armênios eram facilmente identificáveis. Alguns séculos antes, os invasores turcos otomanos os haviam forçado a acrescentar o "ian/yan" aos seus sobrenomes. Como os armênios estavam dispersos por todo o império, eles não possuíam o mesmo tipo de concentração geográfica que outros cristãos possuíam na Grécia e nos Bálcãs. Eles nunca organizaram uma força armada para oferecer resistência. E foi isso o que os levou à destruição. Eles não tinham como lutar e resistir.

Os armênios eram invejados porque eram ricos e mais cultos do que a sociedade dominante. Eles eram os empreendedores do Império Otomano. O mesmo ocorreu na Rússia. O mesmo ressentimento existia na Rússia, embora não com a intensidade do ressentimento que existia na Turquia.

As estimativas não-turcas falam em algo entre 800.000 e 1,5 milhão de armênios mortos. Embora a maioria destes homicídios tenha ocorrido com o uso de baixa tecnologia, os métodos eram extremamente eficazes. O exército capturava centenas ou milhares de civis, levava-os até áreas desertas e inóspitas, e os deixava lá até que literalmente morressem de fome.

O nome Arnold Toynbee é bem conhecido. Já na década de 1950 ele era um dos mais eminentes historiadores do planeta. Seu estudo, compilado em 12 volumes (1934—61), sobre 26 civilizações não possui precedentes em sua amplitude. Sua obra O Tratamento dos Armênios no Império Otomano foi sua primeira grande publicação.

Por que algumas organizações armênias não dão ampla divulgação e notoriedade a este documento é algo que me escapa completamente. O livro está em domínio público. A seção a seguir, que está na Parte VI, "As Deportações de 1915: Procedimento", é iluminadora. Leia-a com atenção. Trata-se do aspecto crucial de todo o genocídio. O governo confiscou as armas dos cidadãos.

Um decreto foi expedido ordenando que todos os armênios fossem desarmados. Os armênios que serviam no exército foram retirados das fileiras combatentes, reagrupados em batalhões especiais de trabalho, e colocados para construir fortificações e estradas. O desarmamento da população civil ficou a cargo das autoridades locais. Um reino de terror foi instaurado em todos os centros administrativos. As autoridades exigiram a produção de uma quantidade estipulada de armas. Aqueles que não conseguissem cumprir as metas eram torturados, frequentemente com requintes satânicos; aqueles que, em vez de produzir, adquirissem armas para repassá-las ao governo — comprando de seus vizinhos muçulmanos ou adquirindo por qualquer outro meio —, eram aprisionados por conspiração contra o governo.

Poucos desses eram jovens, pois a maioria dos jovens havia sido recrutada para servir o estado. A maioria era de homens mais velhos, homens de posse e líderes da comunidade armênia, e tornou-se claro que a inquisição das armas estava sendo utilizada como um disfarce para privar a comunidade de seus líderes naturais. Medidas similares haviam precedido os massacres de 1895—96, e um mau presságio se espalhou por todo o povo armênio. "Em uma certa noite de inverno", escreveu uma testemunha estrangeira desses eventos, "o governo enviou soldados para invadir as casas de absolutamente todos os armênios, agredindo as famílias e exigindo que todas as armas fossem entregues. Essa ação foi como um dobre de finados para vários corações".

Desarmamento

Lênin desarmou os russos. Stalin cometeu genocídio contra os kulaks ucranianos durante a década de 1930. Pelos menos seis milhões de pessoas foram mortas.

Como mostrou a organização Jews for the Preservation of Firearms Ownership (Judeus pela Preservacao da Propriedade de Armas de Fogo), o modelo do Decreto do Controle de Armas de 1968 nos EUA — até mesmo as palavras e o fraseado — foi copiado da legislação de 1938 de Hitler, a qual, por sua vez, era uma revisão da lei de 1928 aprovada pela República de Weimar. Uma boa introdução a esta história politicamente incorreta da história do controle de armas pode ser vista aqui.

Quando as tropas de Mao Tsé-Tung invadiam um vilarejo, elas capturavam os ricos. Em seguida, elas ofereciam a devolução das vítimas em troca de dinheiro. As vítimas eram libertadas quando o pagamento fosse efetuado. Mais tarde, o governo voltou a sequestrar essas mesmas pessoas, só que desta vez exigindo armas como resgate. Ato contínuo, assim que as armas eram entregues, as vítimas eram libertadas. Essa mudança de postura — exigir armas em vez de dinheiro — fez com que a negociação parecesse razoável para as famílias das próximas vítimas. Porém, tão logo o governo se apossou de todas as armas de uma comunidade, os aprisionamentos e as execuções em massa começaram.

A ideia de que o indivíduo tem o direito à autodefesa era tão comum e difundida no século XVIII que ela foi escrita na Constituição americana: a segunda emenda. Carroll Quigley, eminente historiador e teórico da evolução das civilizações, era também um especialista na história do uso de armas pela população. Ele escreveu um livro de 1.000 páginas sobre o uso de armas como meio de defesa durante a Idade Média. Em sua obra Tragedy and Hope (1966), ele argumenta que a Revolução Americana foi bem sucedida porque os americanos possuíam armas de poder de fogo comparável àquelas em posse das tropas britânicas. Foi exatamente por isso, disse ele, que houve toda uma série de revoltas contra governos despóticos em todo o século XVIII. 

Tão logo as armas em posse do governo se tornaram superiores, os movimentos e manifestações em prol da redução do tamanho do estado deixaram de ter o mesmo êxito que haviam tido nos séculos anteriores.

Há uma razão por que os governos são tão empenhados em desarmar seus cidadãos: eles querem manter seu monopólio da violência a todo custo. A ideia de haver cidadãos armados é apavorante para a maioria dos políticos. Afinal, para que serve um monopólio se ele não pode ser exercido? Cidadãos armados impõem um limite natural à tirania do estado. 

Conclusão

Genocídios acontecem.

Mas não há genocídio quando os alvos estão armados.


Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história.