terça-feira, 23 de abril de 2013

A IRRESISTÍVEL FORÇA DA CONCORRÊNCIA DE MERCADO

O caráter sistemático do processo de mercado é derivado, na visão austríaca, da interação entre pessoas empreendedoras. Empreendedores agem com imaginação e criatividade, procurando identificar e agarrar oportunidades de lucro no mercado (oportunidades essas geradas por limitações da visão de empreendedores anteriores). Como resultado da interação desses atos de visão empreendedorial, os preços e a quantidade de produtos ofertada para venda tendem a ser levados sistematicamente na direção de uma configuração em que preços e quantidades ofertadas se equilibram.


No presente ensaio, concentraremos a atenção no caráter essencialmente concorrencial desse processo de empreendimento, e deduziremos algumas implicações críticas para a avaliação das políticas antitruste dos governos. Devemos começar apontando algumas ambiguidades cruciais que há muito tempo afligem o uso do adjetivo "concorrencial" pelos economistas. O problema foi identificado há mais de meio século por F. A. Hayek; apesar dos valorosos esforços de Hayek e de outros, o problema continua a confundir tanto economistas quanto o público.

O significado de concorrência

Para a teoria econômica convencional, a noção de concorrência veio a ser associada com a ausência de poder de mercado (o poder de efetuar alterações no preço ou na qualidade do produto). Há uma certa sensatez nesse uso do termo. A concorrência é vista como a antítese do monopólio. O monopólio é identificado com o poder de determinar um preço sem ter de se preocupar com se isso vai encorajar os potenciais consumidores a procurar um negócio mais favorável.

A concorrência é, portanto, sensatamente entendida como uma situação nos mercados na qual tal poder de monopólio está ausente. A concorrência "perfeita", por sua vez, veio a significar uma situação de mercado na qual nenhum participante possui qualquer poder de influenciar o preço ou a qualidade do produto. As condições necessárias para definir tal situação perfeita são, como seria de se esperar, completamente irreais, incluindo informações perfeitas e universais sobre todos os atuais, bem como os potenciais, eventos do mercado.

Mas isso não é necessariamente uma deficiência fatal; a noção de que é possível haver uma situação de concorrência perfeita é, afinal, vista na economia convencional não como uma descrição da realidade, mas como modelo capaz de servir (a) como arcabouço teórico útil para entender os mercados reais, e (b) uma métrica de perfeição contra a qual avaliar a extensão em que as situações reais (de concorrência "menos que perfeita") está distante — em termos do padrão resultante de alocação de recursos — do ideal de eficiência perfeitamente concorrencial.

É esse modelo de concorrência perfeita que é, na economia convencional, visto como o núcleo da lei de oferta e demanda, e que levou, na história moderna das políticas antitruste, a esforços governamentais para "manter a concorrência" — isto é, assegurar uma estrutura empreendedorial (especialmente em termos industriais) razoavelmente próxima ao ideal perfeitamente concorrencial.

Para os austríacos, porém, o termo concorrência tem um significado completamente diferente, tanto para entender como funcionam os mercados como para formular políticas públicas com relação à estrutura da indústria. Os austríacos consideram o entendimento convencional de "concorrência" não apenas inútil, mas também enormemente enganador em termos de compreensão econômica. Para os austríacos, está claro que procurar emular um estado "ideal" em que nenhum empreendedor pode ter impacto no preço de mercado ou na qualidade dos produtos é na prática tentar paralisar o processo de mercado concorrencial.

Seguindo uma longa tradição em economia que data pelo menos desde Adam Smith, os austríacos definem o mercado concorrencial não como uma situação em que nenhum participante ou potencial participante tem o poder de fazer qualquer diferença, mas como um mercado em que nenhum participante em potencial se depara com barreiras à entrada externas ao mercado. (O termo "externas ao mercado" se refere, primordialmente, a barreiras à entrada impostas pelo governo; tal termo é utilizado para diferenciar tais barreiras de, por exemplo, altos custos de produção que possam desencorajar a entrada. Estes últimos não constituem elementos anticoncorrenciais em um mercado; poder entrar em um mercado significa poder entrar se essa entrada for julgada economicamente promissora — não significa poder entrar sem ter que arcar com os custos de produção relevantes.) Ou seja, uma situação é concorrencial se nenhum participante usufrui privilégios que o protegem contra a possível entrada de novos concorrentes.

As façanhas que um livre mercado consegue alcançar obter dependem, na visão austríaca, da liberdade de entrada, isto é, da ausência de privilégios. É justamente porque a lei da oferta e demanda (na interpretação austríaca) é crucialmente dependente da liberdade de entrada, que essa acepção do termo "concorrência" é tão importante.

Como veremos, é por causa dessa importância que boa parte da política antitruste implantada no século XX pode ser vista como verdadeiramente maléfica, como algo que obstruiu seriamente o processo de mercado concorrencial-empreendedorial.

Semântica e substância

Certamente a discussão sobre o significado de "concorrência" é uma discussão semântica. Porém, em simultâneo a essa picuinha semântica (a qual, é verdade, não deve nos preocupar enquanto economistas; afinal, novos termos, que não estejam sujeitos a mal-entendidos, podem ser cunhados), há uma profunda e substantiva discordância a respeito de como funcionam os mercados. 

A economia convencional vê a concorrência como sendo um estado de coisas; para essa corrente de pensamento, a noção de concorrência não tem nada a ver com o processo por meio do qual o mercado chega a seus resultados. Para os austríacos, por outro lado, é o processo de mercado que é importante. E esse processo de mercado não pode sequer ser imaginado sem necessariamente se distanciar desse estado de total impotência que a economia convencional vê como sendo perfeitamente concorrencial. Para os austríacos, o adjetivo "concorrencial" captura um atributo essencial do processo de mercado.

Em outras palavras, as ações empreendedoriais que são, no sentido austríaco do termo[1], vistas como essencialmente e enfaticamente concorrenciais, como etapas cruciais no processo de mercado, são, na visão convencional, vistas como anticoncorrenciais e monopolísticas, aberrações a serem eliminadas em prol do ideal de mercado eficiente. Por causa desse pensamento confuso incorrido pelos economistas do século XX, os governos ostensivamente decididos a manter a concorrência nos mercados se viram na obrigação de tornar ilícitas — e até mesmo de abolir por completo — as ações por meio das quais estratégias concorrenciais normais são levadas a cabo.

Algumas ferramentas antitruste

Obstruir fusões 

As políticas antitruste tradicionalmente reprovam (e com frequência proíbem) fusões entre duas empresas que até então eram concorrentes. Na perspectiva convencional, o raciocínio por trás disso é óbvio e plausível: substituir duas empresas que concorrem entre si por uma maior não pode representar outra coisa que não uma redução no grau de concorrência do mercado (na definição convencional do termo). Duas empresas menos poderosas foram substituídas por uma mais poderosa.

Mas a visão austríaca ensina que tal fusão, contanto que a potencial entrada de outros no mercado não tenha sido e não venha a ser bloqueada artificialmente, é um ato concorrencial; impedi-lo significa obstruir a maneira pela qual a concorrência de mercado descobre o tamanho ótimo das empresas e com isso um menor custo de produção. (Mesmo que haja uma única empresa atendendo todo um setor da economia, enquanto essa empresa estiver restringida pela potencial ameaça de novas entradas no seu setor ou pela concorrência — ou ameaça de concorrência — de empresas que produzam mercadorias alternativas, tal setor ainda estará operando concorrencialmente).

Tornar ilegal a formação de cartel de preços 

Um grupo de empresas poderosas pode conspirar para manter os preços altos; seus motivos podem ser cartelizar a indústria, eliminar a concorrência entre empresas, e forçar o consumidor a pagar mais. Por essa razão, as políticas antitruste foram, é claro, sempre dirigidas a impedir tais conluios.

Mas a perspectiva austríaca vê a questão de forma completamente diferente. Mesmo quando o motivo é de fato acabar com a concorrência entre empresas, tal conluio é uma medida concorrencial em si mesma — já que, não havendo nenhum bloqueio artificial à entrada, tal conluio estará sendo feito como forma de se proteger da ameaça de concorrência de novos entrantes (que podem de fato lucrar ao oferecer o produto a preços menores).

Ninguém sabe quando um preço está "alto demais"; somente a existência de um processo concorrencial de livre entrada pode revelar o preço mais baixo possível de ser sustentado. Se a entrada no mercado for livre, as empresas em conluio podem, ao procurar manter seus altos preços, estar involuntariamente atraindo novos concorrentes, os quais revelarão a verdade: que preços mais baixos são sustentáveis. Da mesma maneira, caso não ocorra a entrada de nenhum concorrente, tais empresas em conluio podem estar demonstrando que a estrutura de custos realmente justifica os atuais preços altos como sendo os mais baixos possíveis em um mundo concorrencial.

Impedir a "precificação predatória" 

Eis uma situação que, do ponto de vista da economia convencional, parece ser uma clara estratégia de eliminação da concorrência: uma grande empresa temporariamente reduz seus preços e os mantém muito baixos com o intuito de forçar os concorrentes menores a sair do mercado. Ato contínuo, ela volta a elevar os preços, mas agora de maneira drástica e impune.

Cuidadosas análises teóricas e históricas lançaram sérias dúvidas sobre até mesmo a possibilidade de que tal estratégia pudesse ser bem-sucedida, bem como sobre a validade das clássicas alegações de que tal estratégia era de fato empregada na virada do século XX na indústria americana. Mas a objeção austríaca às tentativas governamentais de limitar esta chamada "precificação predatória" não depende desta análise. A objeção austríaca é que, desde que a entrada da concorrência não seja artificialmente bloqueada pelo governo, mesmo naqueles setores em que as posições de "monopólio" foram realmente adquiridas por meio de precificação predatória, essas posições foram adquiridas como parte do processo concorrencial, e só poderão ser mantidas caso ignorem a potencial entrada de novos concorrentes.

Ninguém pode saber ao certo se um corte de preços que leva à eliminação de um concorrente visava a estabelecer um "monopólio"; mais objetivamente, mesmo uma tentativa de estabelecer um "monopólio", feita em um ambiente em que há liberdade de entrada, é em si uma medida concorrencial. Ninguém nega que o poderio econômico pode ser utilizado para impor aos consumidores preços mais altos. Mas se a concorrência pode de fato servir os consumidores mais eficientemente, então esses preços altos são eles próprios uma forma — concorrencial — de fazer com que seja mais lucrativo para os novos entrantes descobrir uma maneira melhor de servir os consumidores deste mercado.

[Para uma explicação alternativa sobre a impossibilidade de uma empresa praticar precificação predatória, veja este artigo].

A inexorável concorrência de mercado

Este inevitavelmente breve vislumbre das atitudes antitruste é o bastante para confirmar a tese austríaca central: se o objetivo é realmente estimular o poderoso processo empreendedorial-concorrencial do qual depende o livre mercado, tudo o que é necessário é garantir que haja liberdade de entrada — isto é, que o governo não imponha nenhum obstáculo burocrático e tributário — para qualquer empreendedor que tenha uma ideia de como lucrar servindo os consumidores de maneira mais eficaz do que as empresas que estão atualmente fazendo esse serviço.

É importante lembrar que não se está afirmando que a liberdade de entrada irá automaticamente impedir que os concorrentes se incorram em tentativas de monopolizar os mercados. Eles podem tentar, e certamente seus esforços podem vir a deixar o consumidor em uma situação pior (do que aquela que ocuparia em um sistema que refletisse conhecimento perfeito). A afirmação austríaca é que, como não pode existir tal conhecimento perfeito, temos de confiar no processo concorrencial-empreendedorial para revelar como o consumidor pode melhor ser servido. Obstruir esse processo em nome da concorrência (!) significa solapar a única maneira pela qual a tendência rumo a uma maior eficiência social é possível.

Ao obstruir ou impedir medidas empreendedoriais que não se encaixam naquele modelo "perfeitamente concorrencial" de total e universal impotência — mesmo que tal obstrução ou impedimento seja feito com a melhor das intenções em prol dos consumidores —, o governo está necessariamente tentando, em menor ou maior grau, paralisar aquele que é o verdadeiro processo concorrencial.

Artigo originalmente publicado no site do Ordem Livre. Esta é uma versão revisada e mais clara.

Esta também é a acepção universalmente adotada por empreendedores, e a qual os economistas antigamente universalmente seguiam.

Israel M. Kirzner é professor emérito de economia da New York University, um líder da geração de austríacos após Mises e Hayek, e um scholar adjunto do Mises Institute. Ele escreveu sua tese de doutoramento sob a orientação de Mises, mais tarde publicada como o livro The Economic Point of View (1960). Depois, abriu novos caminhos teóricos com seu livroCompetição e Atividade Empresarial (1973). Kirzner também é o autor de mais sete livros e dúzias artigos, incluindo vários na Austrian Economics Newsletter e também na The Review of Austrian Economics. Ele atualmente é um dos mais notáveis acadêmicos a se dedicar ao contínuo desenvolvimento da teoria econômica da Escola Austríaca.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A TRAGÉDIA SOCIAL GERADA PELA DEMOCRACIA


A democracia pode até ter começado com o grande ideal para conceder poder às pessoas; porém, depois de 150 anos de prática, os resultados estão aí e eles não são positivos. Está mais do que claro que a democracia está mais para um arranjo tirânico do que para uma força libertadora. As democracias ocidentais estão seguindo o mesmo caminho já percorrido pelos países socialistas e, como era inevitável, se tornaram estagnadas, corruptas, opressoras e burocratizadas. Isto não aconteceu porque o ideal democrático foi subvertido, mas sim, e ao contrário, porque esta é exatamente a natureza inerente ao ideal democrático. Trata-se de uma natureza coletivista.

Se você quer saber como a democracia realmente funciona, considere este exemplo. George Papandreou, o político grego socialista, ganhou as eleições em seu país em 2009, com um slogan simples: "Há dinheiro!" Seus oponentes conservadores haviam reduzido os salários dos funcionários públicos e outras despesas públicas. Papandreou disse que isso não era necessário. "Lefta yparchoun" era seu grito de guerra — há dinheiro. Ele ganhou as eleições sem problemas. Na realidade, não havia dinheiro nenhum, é claro — ou melhor, o dinheiro teve de ser fornecido pelos pagadores de impostos de outros países da União Europeia. Mas, na democracia, a maioria está sempre certa e, quando tal maioria descobre que pode, por meio do voto, confiscar a riqueza alheia para si própria, ela inevitavelmente fará isso. Esperar que não o faça seria ingenuidade.

O que o exemplo grego mostra também é que as pessoas em uma democracia naturalmente se voltam para o estado para que este cuide delas. Governo democrático significa ser governado pelo estado. Como resultado, as pessoas irão sempre fazer exigências ao estado. Elas irão se tornar cada vez mais dependentes do governo, para resolver seus problemas e orientar suas vidas. Qualquer problema que elas encontrem, elas esperarão que o governo os corrija. Obesidade, abuso de drogas, desemprego, falta de professores ou enfermeiros, uma queda no número de visitas a museus, o que seja — o estado está lá para fazer algo que resolva isso.

Aconteça o que acontecer — um incêndio em um teatro, um acidente de avião, uma briga de bar —, elas esperam que o governo vá atrás dos culpados e garanta que nada semelhante aconteça novamente. Se as pessoas estão desempregadas, elas esperam que o governo 'crie empregos'. Se os preços da gasolina sobem, elas querem que o governo faça algo sobre isso. No Youtube, há um vídeo de uma entrevista com uma mulher que acabou de ouvir um discurso do presidente Obama. Quase chorando de alegria e emoção, ela exclama: "Eu não mais terei de me preocupar com o pagamento da gasolina para o meu carro ou da minha hipoteca". Esse é o tipo de mentalidade que a democracia cria.

E os políticos estão sempre dispostos a fornecer o que as pessoas exigem deles. Eles são como o homem daquele provérbio: para quem tem apenas um martelo, tudo se parece com um prego. Para cada problema da sociedade, eles se veem como os únicos capazes de solucionar esses problemas. Afinal, é para isso que foram eleitos. Eles prometem que irão 'criar empregos', reduzir as taxas de juros, aumentar o poder de compra das pessoas, fazer com que a aquisição de casas seja acessível até para os mais pobres, melhorar a educação, construir parques infantis e campos desportivos para os nossos filhos, se certificar de que todos os produtos e locais de trabalho são seguros, fornecer serviços de saúde de qualidade e acessíveis para todos, acabar com os engarrafamentos, varrer a criminalidade das ruas, livrar os bairros de vandalismo, defender os interesses 'nacionais' perante o resto do mundo, promover a emancipação e lutar contra a discriminação em todos os lugares, verificar se os alimentos são seguros e se a água é limpa, 'salvar o clima', tornar o país o mais limpo, o mais verde e o mais inovador do mundo e banir a fome da face da terra.

Eles irão realizar todos os nossos sonhos e exigências, cuidar de nós desde o berço até o túmulo, e se certificar de que estamos felizes e contentes desde o início da manhã até o final da noite — e, claro, farão tudo isso sem elevar os gastos e ainda reduzindo impostos.

Tais são os sonhos que constituem a democracia.

Os pecados da democracia

Obviamente, a verdade é que isto simplesmente não tem como funcionar. O governo não pode alcançar tudo isso. No final, os políticos sempre irão fazer as únicas coisas que eles realmente sabem fazer:

1. Desperdiçar enormes quantias de dinheiro em problemas que são ou insolúveis ou transitórios;

2. Criar novas leis e regulações;

3. Criar comissões para supervisionar a implantação das suas leis.

Não há realmente nada mais que eles possam fazer, como políticos. Eles não podem sequer pagar as contas de suas atividades, cuja fatura é enviada para os pagadores de impostos.

É possível ver as consequências desse sistema ao seu redor, diariamente:

Burocracia

A democracia gerou, em todo o mundo, um enorme inchaço burocrático. A burocracia nos cerca e reina sobre nossas vidas com um poder cada vez mais arbitrário. Dado que tal aparato burocrático é ele próprio o governo, ele é capaz de assegurar que seus integrantes estejam bem protegidos contra as duras realidades econômicas que o resto de nós enfrenta.

Nenhuma burocracia jamais vai à falência; os próprios burocratas não podem ser demitidos e eles raramente entram em conflito com a lei, uma vez que eles são a lei. Ao mesmo tempo em que gozam de impunidade, eles jogam um enorme fardo sobre o resto de nós, com as suas regras e regulamentos. A abertura de novas empresas é impedida e desestimulada por uma imensidão de leis e de custos burocráticos que lhes são impostas. Empresas já existentes também sofrem sob o peso da burocracia. Os custos burocráticos para se empreender — por menor que seja o empreendimento — são aviltantes. 

Os pobres e os que têm menos educação são os que mais sofrem com esse sistema. Em primeiro lugar porque o custo adicional gerado pela burocracia encarece sobremaneira o valor final de qualquer empreendimento, fazendo com que o uso de uma mão-de-obra pouco produtiva seja muito custoso. O resultado é um achatamento salarial. Em segundo, porque os pobres também têm de arcar com o financiamento do aparato burocrático, e isso se dá por meio de encargos sociais e trabalhistas que encarecem o valor final do seu salário. O resultado é um novo achatamento salarial. E terceiro, porque é muito difícil para eles estabelecerem o seu próprio negócio, uma vez que eles não têm como enfrentar a selva burocrática; pobre não pode se dar ao luxo de gastar dinheiro com propina.

Parasitismo

Além dos burocratas, funcionários públicos e políticos, há um outro grupo de pessoas que se safa muito bem no sistema democrático: aquelas pessoas que comandam empresas e instituições que devem sua existência à generosidade do governo ou a privilégios especiais. Pense nos gestores de grandes empresas nacionais que são protegidas pelo governo contra a concorrência, tanto por meio de tarifas de importação quanto por agências reguladoras que cartelizam o mercado e impedem a entrada de empresas concorrentes. Pense naqueles setores industriais e agrícolas recebedores de fartos subsídios. Pense nos grandes bancos e nas grandes instituições financeiras que são protegidas pelo Banco Central.

E há também as organizações sociais — sindicatos, movimentos raciais e sexuais, instituições culturais, a televisão pública, as agências assistenciais, os grupos ambientais e assim por diante — que recebem dinheiro diretamente do governo. Muitas das pessoas que comandam tais organizações não apenas têm empregos lucrativos e estáveis, como também possuem ligações íntimas com a burocracia estatal e com políticos, algo que garante vários privilégios e muito poder a estas organizações. Esta é uma forma de parasitismo institucionalizado, com a cumplicidade de nosso sistema democrático.

Megalomania

Frustrado por sua incapacidade de realmente mudar a sociedade, o governo lança regularmente megaprojetos para ajudar a recuperar um setor industrial decadente ou para servir a um outro propósito nobre. Invariavelmente, essas ações só aumentam os problemas e elas sempre custam muito mais do que o planejado.

Pense nas reformas educacionais, na reforma da saúde, nos projetos de infraestruturas e seus vários elefantes brancos da energia (o programa de etanol nos EUA e os projetos de energia eólica costeira na Europa são bons exemplos que mostram que a incompetência estatal independe da riqueza da nação). As guerras também podem ser vistas como 'projetos públicos', realizados pelo governo para desviar a atenção de problemas internos, angariar apoio público, criar empregos para as classes desprivilegiadas e enormes lucros diretos para empresas favorecidas, as quais, por sua vez, patrocinam as campanhas eleitorais dos políticos e lhes oferecem empregos quando eles saem da vida pública. (Nem é preciso dizer que os políticos nunca lutam nas guerras que eles iniciam.)

Assistencialismo

Os políticos, que são eleitos para combater a pobreza e a desigualdade, naturalmente sentem que é seu dever sagrado continuar a introduzir novos programas sociais (e novos impostos para pagá-los). Isso serve não só aos seus próprios interesses, mas também aos interesses dos burocratas responsáveis pela execução dos programas. O estado assistencialista ocupa hoje uma parte substancial dos gastos do governo, na maioria dos países democráticos. 

Na Grã-Bretanha, o governo gasta um terço de seu orçamento com o estado assistencialista. Na Itália e na França, esse número se aproxima de 40%. Muitas organizações sociais (sindicatos, fundos de pensão de estatais, agências governamentais de emprego) têm interesse em preservar e expandir o estado assistencialista. Típico da maneira como o governo democrático funciona, o estado não oferece nenhuma opção e não celebra contratos com os seus cidadãos. Todo mundo é obrigado a arcar com os enormes gastos do seguro-desemprego e pagar elevadas taxas para a Previdência Social, mas ninguém sabe os benefícios que terá no futuro. O dinheiro que tiveram de entregar ao governo já foi gasto. O inevitável colapso da Previdência Social que se aproxima é o exemplo mais notório desse tipo de libertinagem. 

E sempre tenha em mente que o assistencialismo não serve apenas os 'desprivilegiados'. Uma enorme fatia de 'assistência' vai para os ricos — por exemplo, para os bancos que foram socorridos com montantes na ordem de US$700 bilhões (depois de os executivos terem se auto-premiado com bônus consideráveis), para as grandes empresas que vivenciam dificuldades e que o governo decretou serem "grandes demais para falir" e, é claro, para toda a sorte de funcionários públicos, que se aposentam com valores magnânimos.

Comportamento antissocial e crime

O estado assistencialista democrático estimula a irresponsabilidade e o comportamento antissocial. Em uma sociedade livre, as pessoas que se comportam mal, que não conseguem manter as suas promessas ou que agem sem preocupação com os outros, perdem a ajuda de amigos, da vizinhança e da família. No entanto, no atual arranjo, nosso estado assistencialista lhes diz: se ninguém mais quer ajudá-lo mais, nós ajudamos!

Assim, pessoas imprudentes e imediatistas são recompensadas por comportamentos antissociais. Como elas estão acostumadas que o governo lhes forneça tudo de que elas necessitam, elas desenvolvem a mentalidade dos aproveitadores, daqueles que não querem trabalhar para o seu próprio sustento. Para piorar a situação, legislações trabalhistas rígidas (assim como leis anti-discriminação) tornam difícil para os empregadores se livrarem de funcionários incompetentes. Da mesma forma, os regulamentos governamentais tornam quase impossível expulsar alunos ou despedir professores que se comportam mal ou têm mau desempenho.

Em programas públicos de habitação, é muito difícil despejar alguém que seja um incômodo para os vizinhos. Os grupos que se comportam mal em centros de acolhimento noturnos não podem ter a entrada recusada por causa de leis anti-discriminação. Para agravar ainda mais, o governo muitas vezes cria programas assistenciais para grupos antissociais, como vândalos. Na Inglaterra, por exemplo, há programas de assistência para hooligans. Desta forma, a delinquência é recompensada e encorajada.

Mediocridade e padrões mais baixos

Em qualquer sociedade, a maioria tende a ser constituída pelos mais pobres e não pelos membros mais bem sucedidos e competentes. Sendo assim, em uma democracia, há inevitavelmente uma pressão sobre os políticos para redistribuírem riqueza — para tirar dos ricos e dar aos pobres. Desta forma, o sucesso empreendedorial e a excelência são punidos por impostos progressivos. Logo, na democracia, é de se esperar que haja um emburrecimento da população e uma diminuição de normas gerais de cultura e etiqueta. Onde a maioria reina, a mediocridade torna-se a norma.

Cultura do descontentamento

Em uma democracia, as divergências privadas estão continuamente se transformando em conflitos sociais. Isso ocorre porque o estado interfere em todas as relações pessoais e sociais. Tudo o que acontece de errado em algum lugar, desde uma escola pública mal gerenciada a um tumulto local, logo se transforma em um problema nacional (ou mesmo internacional) para o qual os políticos têm de encontrar uma solução. Todo mundo se sente impelido e encorajado a impor sua visão do mundo sobre os outros. Grupos que se sentem injustiçados organizam bloqueios, protestos ou fazem greve. Isso cria um sentimento geral de frustração e descontentamento.

Visão de curto prazo

Em uma democracia, o incentivo principal dos políticos é o desejo de serem reeleitos. Portanto, seu horizonte temporal dificilmente vai além das próximas eleições. Além disso, políticos eleitos democraticamente trabalham com recursos que não são deles e que estão apenas temporariamente à sua disposição. Eles estão apenas gastando o dinheiro dos outros. Isso significa que eles não têm que ter cuidado com o que fazem e nem têm de pensar no futuro. Por estas razões, políticas de curto prazo e imediatistas prevalecem em uma democracia.

Um ex-ministro holandês dos Assuntos Sociais disse certa vez que "os líderes políticos deveriam governar como se não houvesse mais eleições. Dessa forma, eles seriam capazes de tomar a visão de longo prazo das coisas". Mas isso é exatamente o que eles não podem fazer, é claro. Como o autor americano Fareed Zakaria disse em uma entrevista: "Eu acho que estamos diante de uma crise real no mundo ocidental. O que você vê é a incapacidade fundamental em toda a sociedade ocidental de fazer uma coisa, que é a de impor algum tipo de sofrimento de curto prazo para ganhos em longo prazo. Sempre que um governo tenta propor algum tipo de sofrimento de curto prazo, há uma revolta. E a revolta é quase sempre bem sucedida".

Como as pessoas são encorajadas a se comportar como aproveitadores em uma democracia, e como os políticos se comportam mais como inquilinos do que os proprietários de imóveis, pois eles estão apenas temporariamente no cargo, este resultado não deve surpreender ninguém. Alguém que aluga ou arrenda alguma coisa possui muito menos incentivos para ter cuidado e pensar no longo prazo do que um genuíno proprietário.

Por que tudo continua piorando

Teoricamente, as pessoas poderiam votar por um sistema diferente, menos burocrático e menos desperdiçador. Na prática, isso não é provável que aconteça, já que existem muitas pessoas que têm um grande interesse em preservar o sistema. E como o governo lentamente cresce, esse grupo cresce com ele.

Como o grande economista austríaco Ludwig von Mises apontou, a burocracia, em particular, resiste com unhas e dentes a qualquer tipo de mudança. "O burocrata não é apenas um empregado do governo", escreveu Mises, 

Ele é, sob uma constituição democrática, ao mesmo tempo, um eleitor e, como tal, uma parte do soberano, seu empregador. Ele está em uma posição peculiar: ele é o empregador e o empregado. E seu interesse pecuniário, como funcionário, está acima de seu interesse como empregador, já que ele recebe muito mais dos recursos públicos do que contribui para eles. Esta dupla relação se torna mais importante à medida que o número de pessoas na folha de pagamento do governo aumenta. O burocrata, como eleitor, está mais ansioso em obter um aumento do que em manter o orçamento equilibrado. Sua principal preocupação é fazer inchar a folha de pagamento.

O economista Milton Friedman descreveu quatro maneiras de se gastar dinheiro. A primeira é quando você gasta o seu dinheiro com você mesmo. Nesse caso, você tem um incentivo para buscar qualidade e gastar o dinheiro de forma eficiente. Este é o modo como, geralmente, o dinheiro é gasto no setor privado. A segunda maneira é gastar o seu dinheiro com outra pessoa — por exemplo, quando você compra jantar para alguém. Nesse caso, você certamente se preocupa com a quantidade de dinheiro que você gasta, mas está menos interessado na qualidade. A terceira maneira é quando você gasta o dinheiro de outra pessoa consigo mesmo, como quando você almoça à custa de sua empresa. Nesse caso, você terá pouco incentivo para ser frugal, mas você vai se esforçar para escolher o melhor almoço. A quarta maneira é quando você gasta o dinheiro de alguém com outra pessoa. Nesse caso, você não tem motivos para se preocupar com a qualidade e nem com o custo. Esta é a maneira como, geralmente, o governo gasta o dinheiro dos impostos.

Os políticos raramente são responsabilizados pelas medidas que implementam e que acabam sendo prejudiciais no longo prazo. Eles recebem elogios por suas boas intenções e pelos resultados iniciais positivos de seus programas. As consequências negativas, que surgem no longo prazo (por exemplo, dívidas que precisam ser reembolsadas), serão da responsabilidade de seus sucessores. Por outro lado, os políticos têm pouco incentivo para executarem programas que gerem resultados somente depois que eles já deixaram o cargo, pois tais resultados serão creditados aos futuros líderes.


Assim, os governos democráticos, invariavelmente, gastam mais dinheiro do que recebem. Eles resolvem esse problema aumentando impostos ou, ainda melhor — uma vez que as pessoas que têm de lhes pagar não ficarão nada satisfeitas —, tomando empréstimos ou simplesmente imprimindo o dinheiro. (Note que eles tendem a contrair empréstimos junto a seus bancos favoritos, os quais posteriormente serão resgatados pelo governo, caso tenham problemas). Eles raramente cortam seu próprio orçamento. Quando eles falam em 'cortar', isso normalmente significa um crescimento mais lento dos gastos.

Imprimir dinheiro, é claro, leva à inflação, o que implica uma redução constante no valor da poupança das pessoas e no seu poder de compra. Pedir dinheiro emprestado faz com que a dívida nacional aumente e, consequentemente, deixe para a geração futura o pagamento dos juros. Atualmente, as dívidas públicas de quase todas as democracias do mundo se tornaram tão altas, que é improvável que venham a ser quitadas algum dia. O que é pior é que algumas instituições, como fundos de pensão, compraram maciçamente essa dívida pública, sob a suposição de que este seria um bom investimento de longo prazo. Isso é uma piada cruel. Muitas pessoas nunca irão receber a pensão com que contavam porque o dinheiro que colocaram em seus fundos de pensão já foi desperdiçado.

No entanto, apesar de todos esses problemas que a democracia nos traz, continuamos a esperar e a acreditar que, após as próximas eleições, tudo vai mudar. Isso nos deixa presos em um círculo vicioso: o sistema não entrega o que promete, as pessoas se tornam frustradas, os políticos fazem cada vez mais promessas, as expectativas ficam ainda maiores, assim como os inevitáveis desapontamentos. E tudo se reinicia. Em uma democracia, os cidadãos são como alcoólatras que precisam beber cada vez mais para ficarem embriagados, resultando em uma ressaca ainda maior. Em vez de concluírem que devem ficar longe do álcool, eles querem ainda mais. Eles esqueceram completamente de como cuidar de si mesmos e abrindo mão da responsabilidade própria e do comando de suas próprias vidas.

O artigo acima foi extraído do livro Além da Democracia, à venda no IMB.

Frank Karsten & Karel Beckman escreveram uma nova e fulminante análise libertária sobre a democracia. No livro Além da Democracia, eles mostram, em termos simples e por meio de 13 mitos, o que há de errado com o sistema democrático e por que a democracia é fundamentalmente oposta à liberdade. O livro mostra também uma alternativa: uma sociedade baseada totalmente na liberdade individual e em relações sociais voluntárias.

Frank Karsten é fundador do Mises Instituut Nederland. Ele aparece regularmente em público para falar sobre a crescente interferência do estado na vida dos cidadãos. www.mises.nl.Karel Beckman é escritor e jornalista. Ele é o editor chefe do website European Energy Review. Antes de assumir este cargo, ele trabalhou como jornalista no jornal financeiro holandês Financieele Dagblad. O seu website pessoal éwww.charlieville.nl.

A TEORIA MARXISTA DA EXPLORAÇÃO E A REALIDADE


Dentre todas as vituperações e calúnias proferidas contra o capitalismo, a 'teoria da exploração' permanece sendo a mais popular — tanto nos círculos acadêmicos quanto entre os desinformados em geral. O mais famoso defensor da teoria da exploração foi Karl Marx.

De acordo com a teoria da exploração, os lucros — na verdade, quaisquer outras receitas que não sejam convertidas em salário — representam uma dedução injusta daquilo que deveria ser, naturalmente e por direito, o salário do trabalhador.

Segundo Marx, o que possibilita a um capitalista obter uma renda superior ao salário que ele paga ao seu empregado é exatamente o mesmo fenômeno que torna possível a um dono de escravo auferir ganhos em decorrência do trabalho do seu escravo. Mais especificamente, um trabalhador é capaz de produzir, em menos de um dia inteiro de trabalho, os bens de que ele necessita para ter a força e a energia necessárias para labutar um dia inteiro de trabalho.

Para utilizar um dos exemplos fornecidos pelo próprio Marx, um trabalhador é capaz de produzir em 6 horas todos os alimentos e todas as necessidades de que ele precisa para ser capaz de trabalhar 12 horas. Estas 6 horas — ou qualquer que seja o número de horas necessárias para o trabalhador produzir essas suas necessidades — são rotuladas por Marx de "tempo de trabalho necessário". Já as horas que o trabalhador trabalha além do tempo de trabalho necessário são rotuladas por Marx de "tempo de trabalho excedente."

Assim como o 'tempo de trabalho excedente' representa a fonte de ganho do dono de um escravo, ele também representa, de acordo com Marx, a fonte de lucro do capitalista.

Quando o trabalhador trabalha 12 horas para um capitalista, seu trabalho, de acordo com Marx, acrescenta aos materiais e aos outros meios de produção consumidos na manufatura do produto final um valor intrínseco correspondente a 12 horas de trabalho. E, por sua vez, se estes materiais e outros meios de produção demandaram 48 horas de trabalho para serem produzidos, então o produto final conterá estas 48 horas de trabalho mais as 12 horas adicionais de trabalho desempenhado pelo trabalhador. O produto final, portanto, terá um valor total correspondente a 60 horas de trabalho.

Sendo assim, o processo de produção, de acordo com Marx, resultou em um acréscimo de valor igual às 12 horas de trabalho do trabalhador. Este valor adicionado pelo trabalho do trabalhador será dividido entre o trabalhador e o capitalista na forma de um salário para o primeiro e de um lucro para o último. O valor que o capitalista deve pagar como salário, diz Marx, é determinado pela aplicação de um princípio supostamente universal de valoração da mercadoria — a saber, a teoria do valor-trabalho. 

O capitalista irá pagar ao trabalhador um salário correspondente às horas de trabalho necessárias para produzir suas necessidades — em nosso exemplo, 6 horas — e irá embolsar o valor acrescentado pelas 12 horas de trabalho do trabalhador. Seu lucro será aquilo que sobrar após deduzir o salário do trabalhador, e irá corresponder exatamente ao 'tempo de trabalho excedente' do trabalhador.

Este exemplo pode ser facilmente expressado em termos monetários ao simplesmente assumirmos que cada hora de trabalho efetuado na produção de um produto corresponde a $1 acrescentado ao valor do produto. Assim, os materiais e os outros meios de produção utilizados valiam $48, e o produto resultante da aplicação de 12 horas de trabalho do trabalhador vale $60. As 12 horas de trabalho do trabalhador acrescentaram $12 ao valor do produto.

O lucro do capitalista supostamente advém do fato de que, para as 12 horas de trabalho efetuadas pelo trabalhador, com seu correspondente acréscimo de $12 ao valor do produto, o capitalista paga um salário de apenas $6. Este valor corresponde ao tempo de trabalho necessário para produzir as necessidades de que o trabalhador precisa para desempenhar suas 12 horas de trabalho. O lucro do capitalista, portanto, representa a "mais-valia", que corresponde ao "tempo de trabalho excedente".

A razão entre a mais-valia e o salário, ou entre o 'tempo de trabalho excedente' e o 'tempo de trabalho necessário', é rotulada por Marx de "taxa de exploração". Nesta nossa ilustração ela é de 100% — ou seja, $6/$6 ou 6 hrs./6 hrs.

Ainda segundo Marx, uma combinação entre a ganância dos capitalistas e as forças que tendem a reduzir o lucro em relação ao capital investido faz com que os capitalistas aumentem a taxa de exploração. Se os trabalhadores são capazes de trabalhar 18 horas por dia utilizando as necessidades produzidas em apenas 6 horas por dia, então a jornada de trabalho será elevada para 18 horas por dia. Se os salários que os capitalistas pagam para seus empregados homens for o suficiente para permitir que estes sustentem uma esposa e duas crianças, então os capitalistas irão reduzir os salários para forçar mulheres e crianças a irem trabalhar nas fábricas, dando assim aos capitalistas o benefício de auferir mais 'tempo de trabalho excedente' e mais mais-valia. 

Os capitalistas também supostamente irão se esforçar para baratear a dieta do trabalhador, substituindo trigo por, digamos, arroz ou batatas, desta forma reduzindo o 'tempo de trabalho necessário' e aumentando a fatia do dia de trabalho que passa a ser 'tempo de trabalho excedente'. As condições de trabalho, desnecessário dizer, serão sempre horríveis, uma vez que seu aprimoramento geralmente viria à custa de uma redução na mais-valia.

Esta suposta situação de salários de subsistência — aliás, de salários abaixo da subsistência —, jornada de trabalho desumana e condições precárias, além de crianças trabalhando em carvoarias, seria o resultado do funcionamento do capitalismo e da busca pelo lucro, diz Marx, tendo por base sua teoria da exploração.

À luz da teoria da exploração, os capitalistas devem ser considerados inimigos mortais da esmagadora maioria de humanidade, merecendo ser colocados contra paredões e fuzilados — exatamente o que aconteceu sempre que os marxistas tomaram o poder em algum país.

Os capitalistas, e não os trabalhadores, são os produtores principais

Ao contrário do que diz a teoria da exploração, e ao contrário do que a maioria das pessoas imagina, os assalariados que os supostos exploradores capitalistas empregam não são os produtores principais dos produtos manufaturados por uma empresa. Assim como Cristóvão Colombo foi o descobridor da América, e não os marujos que tripulavam os navios e que foram seus auxiliares na realização de seus (de Colombo) planos e projetos, os capitalistas é que são os produtores principais dos produtos produzidos por suas empresas. 

Os empregados do capitalista podem ser mais corretamente descritos como "os auxiliares" na produção dos produtos do capitalista. Os lucros do capitalista não representam uma dedução daquele valor que, segundo Marx, pertence por direito aos trabalhadores na forma de salários. Os lucros representam aquilo que o capitalista ganhou em decorrência principalmente de seu trabalho intelectual, de seu planejamento e de suas decisões. O capitalista produz um produto próprio, embora utilize a ajuda de terceiros cuja mão-de-obra ele emprega com o propósito de implementar seus planos e consequentemente produzir seus produtos.

Sendo assim, por exemplo, Henry Ford era o produtor principal na Ford Motor Company; John D. Rockefeller, na Standard Oil; Bill Gates, na Microsoft; Jeff Bezos, na Amazon; e Warren Buffet, na Berkshire Hathaway.

Marx teve sim uma grande ideia, a qual era em si totalmente correta, e que pode jogar mais luz sobre esta discussão. Esta sua ideia foi fazer uma distinção entre aquilo que ele chamou de "circulação capitalista" e aquilo que ele chamou de "circulação simples". Mas Marx, infelizmente, ignorou por completo e contradisse totalmente as reais implicações desta sua ideia. 

Aquilo que todos os "capitalistas exploradores" praticam é a circulação capitalista. A circulação capitalista, como Marx a descreveu, é o gasto de dinheiro, D, para a compra de materiais, M, que serão utilizados na produção de produtos que serão vendidos por uma quantia maior de dinheiro, D'. A circulação capitalista, em suma, é D-M-D'. Se os capitalistas exploradores deixassem de existir, e a circulação capitalista desaparecesse do mundo, os sobreviventes entre aqueles que hoje trabalham como assalariados estariam vivendo em um mundo de circulação simples, isto é, M-D-M. Ou seja, sem ter com o que gastar inicialmente seu dinheiro, eles tentariam imediatamente produzir materiais, M, os quais eles venderiam em troca de dinheiro, D, o qual, por sua vez, eles usariam para comprar outros materiais, M.

Os capitalistas não são os responsáveis pelo fenômeno do lucro, mas sim pelo surgimento dos salários e dos custos

Tanto Marx quanto Adam Smith, que veio antes de Marx, presumiram erroneamente que, em um mundo de circulação simples — o qual Smith chamou de "o estado rude e primitivo da sociedade" —, todas as rendas obtidas eram salários. Para eles, não havia lucro neste modelo. O lucro, segundo eles, só passou a existir quando surgiu a circulação capitalista. Mais ainda: o lucro seria uma dedução daquilo que originalmente era salário.

Mas a verdade é que, em um mundo de circulação simples, o que está ausente não é o lucro, mas sim os gastos monetários — o D inicial — com o pagamento de salários e com a aquisição de bens de capital, e que são computados como custos de produção.

Um mundo de circulação simples seria um mundo em que não há custos de produção mensurados em termos monetários. Seria um mundo em que os gastos com materiais — utilizando-se dinheiro obtido com a venda de outros materiais — constituiriam receitas para os vendedores destes materiais. E estes vendedores, dado que eles não tiveram nenhum gasto anterior para obter os materiais que estão vendendo, não teriam de computar nenhum custo de produção em termos monetários. Eles teriam apenas receitas de venda. Seria, portanto, um mundo em que o trabalho é a única fonte de renda. Mas um mundo no qual toda a receita auferida pelos indivíduos é um lucro, e não um salário. Seria um mundo de trabalhadores produzindo produtos primitivos e escassos, pelos quais eles receberiam receitas de venda das quais eles não teriam custos para deduzir. Sendo assim, estas receitas representariam o lucro total.

O surgimento da circulação capitalista, portanto, não é responsável nem pela dedução dos salários e nem pelo surgimento do lucro. Ao contrário: ela é responsável pela criação dos salários, pelo surgimento dos gastos com bens de capital e pelo surgimento dos custos de produção mensurados em termos monetários. Estes custos serão deduzidos das receitas, produzindo então o lucro. As receitas de venda, no cenário anterior, representavam o lucro total. Não havia custos a serem deduzidos das receitas. Agora, com o surgimento da circulação capitalista, surgiu o salário dos trabalhadores, os quais são deduzidos dos lucros dos capitalistas. Portanto, primeiro surgiu o lucro; só depois é que surgiu o salário. É o salário que é deduzido do lucro dos capitalistas, e não o lucro que é deduzido do salário dos trabalhadores.

Quanto mais economicamente capitalista for o sistema econômico, no sentido de um maior grau de circulação capitalista — isto é, uma maior proporção de D em relação a D' —, maiores serão os salários e os outros custos em relação às receitas, e menores serão os lucros em relação às receitas. Ao mesmo tempo, se o sistema econômico permitir que os capitalistas se concentrem mais na compra e, consequentemente, na produção e na oferta de bens de capital, este aumento na oferta de bens de capital levará a um aumento na produtividade da mão-de-obra e a um aumento generalizado na capacidade de produção. A oferta de produtos crescerá em relação à oferta de mão-de-obra e, com isso, os preços cairão em relação aos salários. O resultado é que os salários reaisaumentarão e continuarão aumentando enquanto a produtividade da mão-de-obra continuar crescendo.

Portanto, no que concerne à relação entre capitalistas e assalariados, a verdade é exatamente o inverso daquilo que é alegado pela teoria da exploração. Os capitalistas não deduzem seus lucros dos salários dos trabalhadores; os capitalistas são os responsáveis pelo surgimento dos salários. Sendo um custo de produção, os salários são deduzidos das receitas, as quais, na ausência de capitalistas, representariam o lucro total. Logo, pode-se dizer que os capitalistas são os responsáveis pelo aumento dos salários em relação aos lucros e pela redução dos lucros em relação aos salários. Ao mesmo tempo, por meio do aumento na produção e na oferta de produtos, o que leva à redução de seus preços, os capitalistas aumentam o poder de compra dos salários que eles pagam.

Isto não é nenhuma exploração dos trabalhadores assalariados. É, isto sim, a maciça e progressiva melhoria de seu bem-estar econômico.

George Reisman é Ph.D e autor de Capitalism: A Treatise on Economics. (Uma réplica em PDF do livro completo pode ser baixada para o disco rígido do leitor se ele simplesmente clicar no título do livro e salvar o arquivo). Ele é professor emérito da economia da Pepperdine University. Seu website: www.capitalism.net. Seu blog georgereismansblog.blogspot.com

Tradução de Leandro Roque

TOMATES, PEPINOS E JUROS

Há uma síndrome que costu­ma acometer as autorida­des brasileiras quando se trata de inflação: a dificul­dade em perceber que se trata de um esporte coletivo.

A inflação não é fruto de jogadas individuais que encantam ou irritam torcedores e dirigentes, de vilões ou heróis facilmente identificáveis, mas do trabalho de uma equipe muito grande manobrando atabalhoada­mente um transatlântico.

A confusão parece se ampliar em tempos recentes por outra síndrome, esta de natureza pós-moderna, a do "protagonismo". Não há dois parágrafos seguidos de qualquer tex­to sobre a diplomacia brasileira sem ao menos uma incidência de "prota­gonismo". Assim como o Banco Cen­tral se encantou com "resiliência", que usava como uma espécie de autoelogio, e agora, desafortunadamente, pare­ce se aplicar muito mais à inflação que ao PIB.

O fato é que "protagonismo", em opo­sição à delegação e representação, tem sido um dos mantras do novo ativismo social do qual o movimento "Occupy" é um dos maiores exemplos. É a democra­cia direta, a linguagem horizontal, a fala das ruas e das redes sociais. O ativista é o sujeito da ação emancipatória, a histó­ria resumida à sua própria conduta. È a "performance" que se esgota em si mes­ma, visando a mídia e não a ação legislati­va conseqüente. Essa é inspiração dos nossos diplomatas, o protagonismo do Brasil. Já o do tomate, que já foi capa de revista, pode ser efêmero ou não, depen­dendo do que vier a seguir.

Claro que há um erro basilar nesse raciocínio que associa a inflação às hortaliças: sempre vai haver o feijão cario­ca, a batata inglesa e o chuchu crescen­do muito mais que a média dos outros preços, enquanto outras coisas registra­rão variações negativas. O próprio toma­te esteve a 40 centavos o quilo não faz tanto tempo.

Uma vicissitude das médias é a de reunir em torno de si diversas observa­ções formando um gráfico em forma de sino. A designação técnica para os extremos da distribuição de frequência é "cauda", o que serve também para des­crever a origem dos tomates vendidos no Brasil acima de R$ 12: eles vêm de Urumqi, na China, a localidade que os­tenta. o recorde de maior distância de qualquer porto marítimo. É desse lugar que o país dotado de mais área agricultável do mundo importa seus tomates. Algo deve estar errado, não?

Mas não vamos nos perder no detalhe pitoresco. O essencial é que a inflação é um esporte de massa, um processo cole­tivo, que envolve o todo, que em maté­ria econômica, costuma ser amplamen­te maior que as partes. É exatamente nesse sentido que se diz que a inflação é uma doença caracterizada pelo aumen­to generalizado dos preços. A palavra- chave aqui é justamente o "generaliza­do", que expressa a natureza social do processo. Os fenômenos sociais, no di­zer, de um dos protagonistas (oops) da sociologia, Emile Durkheim, são exte­riores às consciências individuais e sua natureza tem a ver com o coletivo, cuja identidade é singular e diversa daquela de suas partes componentes.

Essa é a explicação "sociológica" para o fato de a inflação permanecer imune aos truques como o controle de alguns ou mesmo de todos os preços, e também às manipulações estatísticas: a ten­tativa de encobrir manifestações indivi­duais, ou a evidência amostrai, não in­terfere com o fenômeno social.

As causas da inflação são tão conheci­das que até os apóstolos não aguentam mais repetir. Quem quer ouvir sobre o "rombo"nas contas públicas? Isso sim é um pepino, o principal item da cesta bá­sica de qualquer autoridade, lidar com gastos excessivos. Faz lembrar uma óti­ma frase de Giro Gomes ao deixar o Mi­nistério da Fazenda: "Convencer gover­nadores a reduzir despesa é como expli­car o significado do Natal ao peru."

A heterodoxia está prevalecendo, en­tre outras razões, em face do tédio à controvérsia, ou ao cansaço em rebater a pseudociência. A contabilidade criati­va, o voluntarismo e o "corpo a corpo" reconquistaram o protagonismo (não resisto) de outrora, vejam quem são os interlocutores da presidente, os especialistas consultados. Por isso, talvez se diga que estamos revivendo o governo Geisel, inclusive com alguns persona­gens em comum.

Noutra época, as teses ortodoxas so­bre a inflação eram acusadas de "fundamentalismo", uma designação pejorati­va para o truísmo segundo a qual as febres derivam das infecções. A ideia pode parecer óbvia, e é, mas alguém precisa dizê-lo à presidente. Pergunte- se ao nosso campeão Bernardinho sobre a receita para o sucesso em espor­tes coletivos: domínio dos fundamentos (sic), perícia técnica e trabalho de equipe (grifos meus). Era com ele que a presidente deveria estar con­versando, em vez de flertar com a medicina alternativa e com a expe­riência pregressa em lidar com horta­liças indisciplinadas.

É preciso esclarecer, todavia, que o aumento nos juros não é o exercício do "fundamentalismo". A política monetária é uma espécie de antitérmico, e não funciona como antibióti­co. É o recurso que sobra quando o governo se abstém de tratar das coi­sas fundamentais ou as conduz de forma equivocada, como tem feito com a nossa política fiscal. A ideia que o problema do crescimento se resolve assinando cheques, ou peda­ços de papel pintado, é tão tosca co­mo dizer que o problema social é um problema de polícia.

Diante desse quadro, entretanto, não há alternativa: o Banco Central assumirá o ônus de reduzir a febre causada pela gastança e atrairá para si a zanga do "setor produtivo", quan­do os verdadeiros culpados estão bem escondidos no emaranhado opa­co em que se tornaram as nossas con­tas públicas. Por: Gustavo Franco O Estado de S Paulo

domingo, 21 de abril de 2013

ÚLTIMA DÚVIDA

Por que falam tanto mal da ditadura Hugo Chávez, contrastando-a com a linda democracia brasileira, quando o próprio sr. Luís Inácio Lula da Silva confessou que o Foro de São Paulo, sob o seu comando, foi o criador dessa aberração e o responsável pela sua manutenção no poder?

Desde que o PT começou a despejar no Youtube os vídeos das assembléias do Foro de São Paulo (http://www.youtube.com/watch?v=qgtsizVyKDA e subseqüentes), só resta uma última dúvida essencial quanto a essa sinistra entidade: saber se aqueles que durante dezesseis anos negaram a sua existência ou menosprezaram a sua força política fizeram isso por inépcia pura ou por deliberada cumplicidade com uma operação golpista que, na época, precisava desesperadamente do segredo para poder crescer em paz e dominar todo um continente sem que este se desse conta do que estava acontecendo.

Na primeira hipótese, devem ser excluídos de seus altos cargos nos órgãos de mídia, se não da profissão jornalística em geral.

Na segunda, devem ser processados e punidos pela maior fraude jornalística da história deste país.

Incluo nessa dúvida cruel aqueles que, quando a ocultação foi se tornando cada vez mais inviável, depois do III Congresso do PT em 2007, passaram a falar do Foro como se fosse notícia banal e de domínio público, sem nem mesmo pedir desculpas aos leitores por havê-los mantido por tanto tempo na total ignorância daquilo que, nas sombras, ia decidindo o destino político desta nação e de muitas outras – o destino de centenas de milhões de seres humanos.

Porém o mais asqueroso nessa história não é que esses indivíduos tenham assim procedido. Incompetentes nasceram para errar, mentirosos nasceram para mentir. Como na piada do escorpião e do pato, está na sua natureza. O mais asqueroso é que os leitores, sabendo-se ludibriados, cientes do proveito político e financeiro que tantos obtiveram do engodo, não se mobilizem nem mesmo para exigir uma explicação, quanto mais para punir os que os enganaram. Por que, depois de receber tantas provas de uma desonestidade jornalística completa e pertinaz, continuam comprando, lendo e até acreditando em jornais que não servem nem como papel higiênico, pois sujariam os traseiros em que se esfregam? Por que não enviam ao menos uma queixa, por modesta que seja, à Delegacia do Consumidor? Por que se deixam engabelar tão servilmente, quase alegremente, pelo mais cínico e monumental dos engodos, ao mesmo tempo que se dizem tão inconformados, tão indignados quando um deputado ou vereador lhes impinge uma treta imensuravelmente menor e menos danosa?

Por que reclamam tanto do Mensalão, quando é patente que os lucros totais da trama continental urdida em silêncio ultrapassam milhares de mensalões e que sem ela não teria podido haver Mensalão nenhum?

Por que falam tanto mal da ditadura Hugo Chávez, contrastando-a com a linda democracia brasileira, quando o próprio sr. Luís Inácio Lula da Silva confessou que o Foro de São Paulo, sob o seu comando, foi o criador dessa aberração e o responsável pela sua manutenção no poder?

Quando um povo perde tão completamente o senso das proporções na avaliação dos delitos e traições, é porque já não tem nenhuma capacidade de governar-se a si mesmo, é porque já perdeu a vergonha de entregar-se, inerme, sonso e dócil, nas mãos dos embusteiros e vigaristas que aprendeu primeiro a temer, depois a respeitar, por fim a amar e idolatrar. E, quando chega a esse ponto, já não há mais como defendê-lo. Para ocultar a culpa do crime que comete contra si mesmo, ele se voltará contra quem se erga em sua defesa -- e o devorará.

ARITMÉTICA
O sr. Eduardo Galeano louva como suprema realização de Hugo Chávez a alfabetização de dois milhões de crianças. Realização tão majestosa, diz ele, que despertou contra o ditador venezuelano o ódio dos EUA. Deixemos de lado a hipótese, entre insana e pueril, de que o governo Obama tivesse interesse vital no analfabetismo venezuelano. O pitoresco no episódio é o aspecto quantitativo. O jornalista uruguaio, que escreve como um ginasiano, prova que em aritmética não passou do primário, se é que esteve lá. Dois milhões de crianças, em quinze anos de governo, são rigorosamente nada. O Brasil, que não é nenhum primor em matéria de educação, alfabetiza mais de dez milhões por ano.

MACHISTAS
A ânsia perversa de criminalizar quem não podem vencer num confronto de idéias é, como já assinalei, uma das marcas mais características das mentes esquerdistas. Numa revistinha muito chinfrim, chamada Fórum, uma repórter de QI 12 me apresenta como mentor influentíssimo de um grupo de machistas psicóticos que adoram tratar mulheres a tapas e pontapés – o mesmo grupo que há anos expulsei da minha comunidade no Orkut precisamente porque insistia em invadir aquele espaço para ali ensinar essa mimosa prática.

Em comentário, uma feminista enragée informa até que estou sendo investigado pela Polícia Federal pela minha participação – telepática, suponho -- nessa quadrilha de patetas furiosos. Se fosse verdade, seria boa notícia: antes a polícia vir me procurar do que eu ter o trabalho de ir até lá para prestar queixa contra as duas vagabundas.

FEMINISTAS
Uma coisa notável nas feministas mais brabas é sua crença cega de que quem quer que critique o seu movimento é um machista, virtual agressor de mulheres, no mínimo um adorador do próprio pênis. Nenhuma delas parece ter a menor noção de que, do ponto de vista cristão – o mais conservador, e portanto a seus olhos o mais abominável -- tanto o feminismo quanto o machismo são pecados abjetos, de vez que não passam do bom e velho “orgulho da carne” apresentado em duas versões aparentemente antagônicas. Mutatis mutandis, o mesmo aplica-se a “orgulho gay” e “orgulho hetero”. Tudo isso são marcas de uma doença moral horrível, sintoma de uma época que cultiva a baixeza como um título de glória. Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.




"ESSA COISA DE SOCIEDADE NÃO EXISTE"

“We built it” (nós construímos isso) – a frase, estampada nas telas e entoada pelos delegados, foi o tema central da convenção republicana do ano passado. Os republicanos estavam dizendo que os empresários criam seus negócios pelos próprios esforços e nada devem a ninguém. Mitt Romney, o candidato escolhido, extraiu um corolário negativo da mensagem, sintetizando-o no célebre parágrafo sobre os “47%”, registrado por uma câmera clandestina num jantar fechado de coleta de fundos: 47% dos americanos votariam em Barack Obama em qualquer circunstância, pois são “dependentes do governo” e “acreditam-se vítimas”. Como um maestro oculto na coxia, o vulto de Margaret Thatcher regia a orquestra republicana – e, por oposição, também a democrata.

No 10, Downing Street, sede do governo britânico, em setembro de 1987, a primeira-ministra concedeu uma entrevista à revista feminina Woman’s Own. Confrontada com uma pergunta confusa sobre a ganância e os yuppies da City, ela disse que nada havia de errado com o desejo de ganhar sempre mais dinheiro e, na sequência, delineou seu credo filosófico: “Acho que atravessamos um período no qual muitas crianças e pessoas foram levadas a acreditar que, se tenho um problema, é a missão do governo resolvê-lo ou que conseguirei uma subvenção para lidar com ele ou que, se sou um sem-teto, o governo deve dar-me moradia – de tal modo que essas pessoas estão arremessando seu problemas sobre a sociedade. Mas o que é a sociedade? Não existe essa coisa. O que existe são homens e mulheres, indivíduos, e famílias (…)”.

Thatcher não inventou essa crença, mas inscreveu-a com letras de fogo na cena política do pós-guerra. Ronald Reagan, eleito presidente dos EUA um ano depois da ascensão da “revolucionária conservadora” britânica, certamente subscreveria sua passagem sobre a “sociedade”. A polêmica que marcou as últimas eleições americanas não foi deflagrada por Romney, mas por Obama, semanas antes da convenção republicana, num discurso de improviso na Virginia. No fundo, o presidente respondia a Thatcher e a Reagan: “Se você foi bem-sucedido, não chegou lá por conta própria. Se você triunfou, alguém no caminho lhe deu alguma ajuda. Houve um grande professor em algum ponto de sua vida. Alguém ajudou a criar esse inacreditável sistema americano que permite que você prospere. Alguém investiu em estradas e pontes. A internet não nasceu espontaneamente. A pesquisa financiada pelo governo criou a internet, de modo que todas as empresas pudessem lucrar com ela. Quando alcançamos sucesso, triunfamos por nossa iniciativa individual, mas também porque fizemos coisas juntos”.

Thatcher não era rica nem defendia os privilégios de casta numa Grã-Bretanha que por tanto tempo acreditara nas distinções de berço e de sangue. Seu primeiro triunfo eleitoral decorreu do esgotamento do modelo de “República sindical” esculpido por sucessivos governos trabalhistas. Os britânicos não aguentavam mais a combinação de estagnação e inflação oferecida por social-democratas presos nas teias dos compromissos sindicais. Thatcher erguia o estandarte do “capitalismo popular”, uma ideia que renovou o Partido Conservador e década e meia depois, com o advento de Tony Blair, acabou provocando uma reinvenção vital do Partido Trabalhista.Obama tinha razão – e poderia acrescentar que a nova revolução energética em curso nos EUA deriva de pesquisa básica pública nos campos do fraturamento hidráulico e da perfuração horizontal. Mas, de certo modo, Thatcher também estava com a razão ao traçar círculos de giz em torno do indivíduo e da responsabilidade individual. A fé cega na “sociedade” fabricou corpos sociais fragmentados em fortalezas corporativas, vincados pelas linhas férreas das regulamentações e dos privilégios, entorpecidos sob uma pesada manta de garantias intocáveis. A Itália e a Grécia, entre tantos outros casos, evidenciam a virulência dessa enfermidade que arruína a capacidade de inventar e inovar das nações.

Segundo uma lenda persistente, Thatcher e Reagan inauguraram o “neoliberalismo”. Em 1964 os gastos públicos britânicos representavam 38% do PIB. Durante a “era Thatcher”, entre 1979 e 1990, retrocederam de 45% para 39% do PIB. Em 2009, no ponto de partida da crise atual, estavam de volta à marca dos 48%, perto do recorde histórico, atingido em 1975. Hoje giram em torno de 43%, ainda acima do patamar thatcherista. Nenhuma utopia sobre o Estado mínimo tem o poder de fazer a História retroagir aos anos 1920, suprimindo o Estado de bem-estar erguido paulatinamente desde a Grande Depressão. Essa “coisa de sociedade” certamente existe, mas essa coisa de “neoliberalismo” não passa de uma fraude intelectual primitiva.

A dinâmica política das sociedades abertas articula-se como um debate incessante sobre os argumentos de Thatcher e de Obama. O capitalismo contemporâneo diferencia-se, no espaço e no tempo, ao sabor das oscilações eleitorais entre o “partido do indivíduo” e o “partido da sociedade”. Dois anos depois da entrevista de Thatcher à Woman’s Own, a queda do Muro de Berlim assinalou o colapso do “socialismo real”. O sistema soviético não tinha lugar nem para o indivíduo nem para a sociedade – mas unicamente para um Estado totalitário que sufocava tanto a criatividade individual quanto os direitos sociais.

Dominic Phillips, um jornalista de esquerda que pedia a cabeça de Thatcher durante a greve dos mineiros de 1984, escreveu o seguinte, um quarto de século mais tarde: “Ainda odiamos Margaret Thatcher. Mas ela me legou ambição e oportunidade. E não só a mim. Aprendemos que nossa carreira profissional era nossa responsabilidade mesmo. E, por isso, também a agradecemos”. Desconfio que ela emolduraria esse elogio de alguém que acredita nessa “coisa de sociedade”, preferindo-o às homenagens convencionais dos estadistas. Por: Demétrio Magnoli Fonte: O Estado de S. Paulo, 11/04/2013

EU TIVE UM SONHO

Adormeci e comecei a sonhar. Sonhei que o espírito de Thatcher havia reencarnado na presidente brasileira. Imediatamente, ela fez uma coletiva de imprensa para anunciar, sem rodeios, que era uma liberal convicta, defensora das liberdades individuais e do livre mercado.


O grande inimigo era o coletivismo, a ideia de que a “sociedade”, esse ente abstrato, é mais importante do que indivíduos de carne e osso, transformados, em todo regime socialista, em meios sacrificáveis para o “bem geral”. Seu foco seria, a partir de agora, preservar a liberdade no âmbito individual, com sua concomitante responsabilidade.

O “Estado Babá” seria coisa do passado. O paternalismo daria lugar a um modelo com ampla liberdade, onde cada um assume as rédeas da própria vida e arca com os riscos de suas escolhas. A Anvisa, por exemplo, teria seu poder arbitrário drasticamente reduzido. O poder seria transferido para cada um de nós.

Uma guerra foi declarada contra as máfias sindicais, que mantinham o povo refém de suas ameaças e greves. Em vez de recuar na primeira tentativa tímida de reformar os portos, ela enfrentava os sindicatos e abria as fronteiras para a concorrência, beneficiando milhões de consumidores.

A inflação seria outro alvo prioritário. Ameaçando sair de controle, ela seria combatida com uma forte redução dos gastos públicos, assim como da farra creditícia dos bancos estatais. O espírito de Thatcher focava nas próximas gerações, não nas próximas eleições.

A presidente sabia que o setor privado é infinitamente mais produtivo e eficiente. Os mecanismos de incentivo fazem toda a diferença. A busca pelo lucro é uma força propulsora sem igual para a inovação e excelência. Foi anunciada a retomada de um amplo programa de privatizações, começando pela Petrobras, cujas ações seriam pulverizadas, e cada brasileiro receberia a sua parcela de fato.

Poucos anos após essa medida, a Petrobras não precisava mais importar gasolina, o país era autossuficiente e tinha combustível mais barato. Os cofres públicos ficaram abarrotados com tantos impostos pagos pela maior lucratividade, e sobravam recursos para segurança e infraestrutura. A empresa deixara de ser cabide de empregos para aliados políticos.

A presidente repetia que o país precisava de mais milionários e mais bancarrotas. O mercado deve funcionar sem tanta intervenção estatal. O governo não usaria mais o BNDES como hospital de empresas, nem para selecionar os “campeões nacionais”. Quem planejou mal e investiu errado tinha que ir à falência mesmo. Faz parte do capitalismo. Mesmo se tiver X no nome da empresa!

A postura geopolítica mudara radicalmente também. Era chegada a hora de não ser mais negligente com governos vizinhos que burlavam acordos e contratos. Os interesses partidários e ideológicos dariam lugar aos verdadeiros interesses do povo brasileiro.

Os “bolivarianos” não teriam mais no governo brasileiro um cúmplice de seus projetos socialistas fracassados. Afinal, a presidente, graças ao espírito de Thatcher, havia aprendido que o problema do socialismo é que você eventualmente acaba com o dinheiro dos outros. Como ele não é capaz de criar riqueza, as punições impostas a quem efetivamente produz acabam afugentando os responsáveis pelo progresso da nação.

Quando os jornalistas a chamaram de “presidenta” e tentaram associar sua coragem ao fato de ela ser uma mulher, a presidente interrompeu, rejeitando o uso da cartada sexual. O que importa é o mérito, não o gênero ou a cor da pele. Ela estava cansada da “marcha das minorias oprimidas”, sedentas por poder. Até porque seu novo espírito era o de uma filha de quitandeiro humilde, que nunca precisou usar isso para chegar ao poder.

Eu já tinha um largo sorriso estampado no rosto durante esse sonho, quando uma voz começou a invadi-lo. No começo, era um som baixo e incompreensível, mas aos poucos ele foi aumentando e se tornando mais nítido. Por fim, percebi do que se tratava: um discurso na TV da presidente Dilma.

Ela estava justificando o baixo crescimento, a alta inflação, a desistência da reforma dos portos, a falta de eficiência da Petrobras, a ampliação das cotas raciais, o aumento do programa de esmolas estatais para os mais pobres, o resgate de grandes empresas quase falidas. O sorriso logo de desfez, e uma lágrima escorreu pelos meus olhos.

Aquilo era apenas um sonho. Thatcher estava morta, e seu espírito nunca nos deu o ar de sua graça. Como eu desejei regressar àquele sonho! Restava-me lutar para transformá-lo em realidade. Algum dia...  Por: Rodrigo Constantino  O Globo


sábado, 20 de abril de 2013

ESPÍRITO DE ÉPOCA

Meus colegas libertários podem perguntar porque nascimentos fora do casamento estão relacionados com a destruição do capitalismo. A resposta é simples. O Estado de bem-estar social alimentou essa catástrofe social da orfandade paterna.

Por que o livre mercado está recuando e por que o Estado está sempre avançando? Em tempos passados era óbvio a todos que a única garantia da prosperidade era a liberdade. Hoje as pessoas acreditam que o governo pode resgatar todos da pobreza. Só que agora o governo está secando a economia até a última gota, pois ele se tornou o grande monstro consumidor que pisoteia o mercado e desmoraliza o investimento. Uma pergunta tem de ser feita: Por que o mercado não conseguiu se defender satisfatoriamente? Acredito que a resposta está no espírito da épica e nas condições que possibilitaram a ascensão desse espírito.

Na parte final do livro The Strange Death of Marxism, de Paul Gottfried, há uma breve explicação sobre o declínio da sociedade de mercado, que logo recai para uma "democracia administrada". Gottfried escreve que "A consolidação de um estado administrativo que apela à ideia de oferecer serviço ao povo por meio de uma gestão 'científica', selou o destino da sociedade a qual ele tomou conta. O novo regime se apropriou das funções da família vitoriana e passou a mediar as relações entre pais e filhos e de casais em disputa; eventualmente ele passou a presidir uma sociedade de consumidores descuidados e desenraizados."

Deve-se admitir que Gottfried está na pista certa quando ele escreve sobre o "novo regime" que se apropria das funções da família vitoriana. Eis a chave para se entender tudo que está acontecendo nos dias de hoje. Além disso, o novo regime "administrado" teve como seu maior e mais decisivo feito a aniquilação do pai de família. Se alguém duvida do impacto dessa revelação, considere a estatística de 2010 do CDC dizendo que 40.8% de todos os nascimentos provém de mulheres solteiras.

Meus colegas libertários podem perguntar porque nascimentos fora do casamento estão relacionados com a destruição do capitalismo. A resposta é simples. O Estado de bem-estar social alimentou essa catástrofe social da orfandade paterna. Por conta de o pai não ser mais necessário e o novo regime prometer dar apoio a todos que passarem por necessidades, a sociedade se transformou e o espírito da época já não é mais capitalista. Ele é agora estadista. E agora, ao invés de milhões de pais tomando conta dos seus filhos e esposas, temos o governo no lugar. Isso é verdade pelo menos em princípio, pois em última análise pode se dizer que todas mulheres têm um verdadeiro e firme esposo. Esse esposo é o Estado.

O capitalismo é um sistema de propriedades, e a paternidade é a fonte permanente da propriedade. Isso está melhor exposto na sábia obra de Stephen Baskerville, cujo artigo recente, "Porquê estamos perdendo a batalha pelo casamento" explica que "o casamento existe para ligar o pai à família". O casamento, segundo ele, não é uma instituição de gênero neutro. É a propriedade do pai que estabelece a família como unidade econômica e que possibilita a regeneração da função materna. Sem essa propriedade não pode haver capitalismo, propriedade efetiva ou uma firme base para sustentar a economia nacional.

Como mostra Baskerville, onde quer que a paternidade seja descartada ou diminuída, vemos "matriarcados empobrecidos e dominados pela criminalidade e pelas drogas". Ao fazer o papel de proprietário, o estado se torna pai desses "matriarcados". De acordo com Baskerville, "sem a autoridade paterna, adolescentes viram selvagens e a sociedade descende ao caos". Naturalmente, o estado tem um número cada vez maior de razões para intervir na sociedade e, por conseguinte, na economia. O que muitos defensores do capitalismo não conseguiram entender é que a conexão existente entre a autoridade paterna e o livre mercado. Eles não conseguiram entender que a erosão do patriarcado significa o surgimento de um estado leviatã (isto é, um governo cujo controle sobre a economia é cada vez maior — o socialismo).

A erosão do patriarcado não é acidente. Ela foi levada a cabo pelas cortes, que por meio de sentenças violaram os direitos de propriedade. Conforme explicado por Baskerville, o divórcio é o primeiro passo na destruição da liberdade: "Assim como o casamento cria a paternidade, o divórcio deliberadamente a destrói. As cortes de divórcio são, em grande parte, um método para saquear e criminalizar os pais — homens que não são acusados de crime nenhum, porém criminalizados pelos procedimentos que literalmente e legalmente não atribuem culpa alguma a eles." Baskerville acrescenta que "Com os atuais métodos formulados contra o homem, nenhum em sã consciência irá casar e formar uma família. Nenhuma pressão de um moralista de poltrona [...] será suficiente para persuadir o homem a entrar em um casamento que é sinônimo de [...] expropriação e encarceramento".

Portanto, se voltarmos às colocações de Gottfried as quais ele descreve o atual regime como um estado se apropriando das "funções da família vitoriana", podemos encontrar uma ligação perigosa entre o colapso do livre mercado e o colapso dos lares biparentais. Dos destroços da instituição familiar, surge agora uma nova ideologia multicultural. Com a família burguesa destruída e a propriedade paterna descartada, não há nada além da administração burocrática dos destroços humanos — das crianças sem pai e das mães necessitadas de apoio estatal. Uma vez dentro desse regime, diz Gottfried, não há volta. "Os pré-requisitos sociais para um retorno ao passado, mesmo que num sentido limitado, como a volta dos papéis de gênero e um estado de bem-estar social constitucionalmente limitado como era em meados do século XX deixam de existir". O establishment midiático e educacional "alteraram a moralidade social".

Esse último assunto deve ser profundamente entendido antes de entendermos o próximo —e mais devastador — assunto colocado em pauta por Gottfried; nomeadamente, que o novo regime se estabeleceu como moralmente superior ao sistema que ele destruiu, e que essa superioridade moral é baseada na ideia de que a mídia e os educadores estão "libertando" indivíduos oprimidos da intolerância, da ignorância, da desigualdade e das injustiças do patriarcado. Segundo Gottfried, a Europa está mais susceptível a esse regime do que os Estados Unidos. E se olharmos para a falência da Europa e considerarmos a iminente falência da América, há apenas uma diferença de meses — ou poucos anos — entre o colapso daquele continente e deste país.

Por que o livre mercado está recuando e por que o Estado está sempre avançando? Nós mudamos a sociedade desde as suas fundações. Fizemos isso sem olharmos para o todo. Eis o espírito da época. O que se segue e ó cataclismo da época. POR JEFFREY NYQUIST Publicado no Financial Sense.
Tradução: Leonildo Trombela Júnior

A HISTÓRIA INVERTIDA

Os soviéticos foram sempre os campeões absolutos no recrutamento de jornalistas. Nos EUA, hoje conhecem-se um por um os nomes daqueles que, na mídia americana, serviram à KGB e ao GRU (serviço secreto militar).

No Brasil, esse capítulo da história do nosso jornalismo é ainda um tabu.

O confronto entre militares e terroristas na América Latina dos anos 60-70 foi um episódio da Guerra Fria, onde os atores locais, sem prejuízo de suas convicções e decisões próprias, ecoavam, em última instância, as estratégias respectivas das duas grandes potências em disputa: os EUA e a URSS.

Nada do que então se passou no continente pode ser compreendido sem ter isso em conta.

Se perguntarmos qual dos dois protagonistas estrangeiros interferiu mais profundamente no cenário latino-americano, a única resposta honesta é: a URSS.

Do ponto de vista militar, isso é de uma obviedade gritante. Os EUA jamais chegaram a ter, na época, quarenta mil soldados, quinze mil técnicos em armamentos, setecentas baterias anti-aéreas, 350 tanques e cento e tantos mísseis balísticos intercontinentais instalados em nenhum dos seus países aliados na América Latina, como a URSS teve em Cuba já a partir de 1962 na chamada “Operação Anadyr”. (v. Gus Russo and Stephen Molton, Brothers in Arms. The Kennedys, the Castros and the Politics of Murder, New York, Bloomsbury, 2008, p. 158, e http://www.russianspaceweb.com/cuban_missile_crisis.html).

No que diz respeito à espionagem propriamente dita, a superioridade soviética surge ainda mais nítida no caso do Brasil em especial. Nada do que a CIA ou qualquer outro serviço secreto norte-americano possa ter feito aqui se compara às proezas da KGB, que chegou a instalar um grampo no gabinete do presidente João Figueiredo (v. George Schpatoff, KGB. História Secreta, Curitiba, Juruá, 2000, pp. 381 ss.), interceptar 21 mil mensagens sigilosas do nosso Ministério das Relações Exteriores e ter a seu serviço, como agente pago, nada menos que um embaixador brasileiro em Moscou (v. Christopher Andrew and Vasili Mitrokhin, The World Was Going Our Way. The KGB and the Battle for the Third World, New York, Basic Books, 2005, p. 105).

Se daí passamos ao campo das chamadas “medidas ativas” (desinformação, infiltração, guerra psicológica, agentes de influência etc.), a supremacia soviética no Brasil daqueles anos assume as proporções de um poder absoluto e incontrastável. Em 1964, a KGB tinha várias dezenas de jornalistas brasileiros na sua folha de pagamentos (confissão do próprio chefe da agência soviética no Brasil, Stanislav Bittman, em The KGB and Soviet Disinformation: An Insider’s View). Que o número deles se multiplicou nos anos seguintes não é algo de que se possa duvidar. Muitos jornalistas brasileiros, naquele período, fizeram estágios na URSS, na China, na Tchecoslováquia, na Alemanha Oriental, na Polônia e em Cuba. Uns poucos gabam-se disso até hoje, seguros de que o público amestrado já não verá aí o menor motivo de suspeita. Mas naqueles países, onde todos os órgãos de mídia nada mais eram do que extensões da polícia secreta, é quase impensável que algum jornalista estrangeiro fosse admitido sem ser em seguida recrutado como agente de influência. Como assinalam John Earl Haynes, Harvey Klehr e Alexander Vasiliev em Spies: The Rise and Fall of the KGB in America (Yale University Press, 2009), os soviéticos foram sempre os campeões absolutos no recrutamento de jornalistas. Nos EUA, hoje conhecem-se um por um os nomes daqueles que, na mídia americana, serviram à KGB e ao GRU (serviço secreto militar). No Brasil, esse capítulo da história do nosso jornalismo é ainda um tabu, mas é evidente que sem ele nada se compreende do período, principalmente porque em plena ditadura militar os comunistas chegaram a controlar praticamente toda a grande mídia no país (v.http://www.olavodecarvalho.org/semana/111124dc.html, http://www.olavodecarvalho.org/semana/111125dc.htmle http://www.olavodecarvalho.org/semana/111130dc.html) e a dominar também o mercado livreiro através das suas grandes casas editoras (Civilização Brasileira, Brasiliense, Vitória etc.). Nem falo, é claro, dos agentes de influência que vindo do bloco soviético se espalharam pelos EUA e pelas democracias européias, forjando aí a imagem demoníaca do governo brasileiro que acabou por se consagrar como dogma internacional inabalável. 

O conjunto forma uma orquestra formidável, ao lado da qual a voz do imperialismo ianque mal soava como o miado de um gatinho doente. Ao longo de toda aquela época, e depois mais ainda, tanto os EUA quanto o governo brasileiro se abstiveram de fazer qualquer esforço sério para ganhar os “corações e mentes” dos formadores de opinião neste país. Em plena ditadura, os jornalistas “de direita” nas redações contavam-se nos dedos das mãos e eram abertamente hostilizados por seus colegas.

Por fim, até hoje não se fez uma avaliação razoável da quantidade de recursos mobilizados pelas ditaduras de Cuba, da China, da URSS e seus países satélites para treinar, equipar e financiar não só os terroristas brasileiros mas os militantes encarregados de lhes dar apoio político sem participar dos combates. Foi uma operação de proporções gigantescas, que na imagem pública hoje em dia só aparece sob a forma de menções esporádicas a “exilados”, como se os comunistas só fossem para aqueles países quando obrigados a isso pelo governo militar.

Em comparação com a profundidade e amplitude da intervenção cubano-soviética no continente, e especialmente no Brasil, a ação dos EUA naqueles anos caracterizou-se pela raridade, timidez e omissão, limitando-se no mais das vezes a acordos entre governos. Se a imagem que se consagrou na mídia e no ensino foi exatamente a inversa, isso é mais uma prova do sucesso de uma operação que prossegue ainda hoje, tendo a seu serviço tanto os megafones quanto as mordaças. Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.