domingo, 16 de junho de 2013

A ESTATÍSTICA, O PONTO FRACO DO GOVERNO

É fato que vivemos na Era das Estatísticas. Em uma época obcecada por números e que venera dados estatísticos como sendo algo extremamente "científico", algo capaz de nos fornecer a chave para o segredo de todo o conhecimento, uma vasta gama de dados de todos os tipos, formatos e tamanhos nos é despejada diariamente. E estes dados provêm majoritariamente de agências do governo.

Embora agências privadas e associações comerciais de fato colham e publiquem algumas estatísticas, elas se limitam a mensurar apenas aquelas variáveis específicas demandadas por indústrias específicas. A grande maioria das estatísticas é coletada e disseminada pelo governo. A principal estatística da economia, o popular "produto interno bruto" — que permite que todo e qualquer economista se transforme em um adivinho das condições empreendedoriais —, é publicada pelo governo.

Além do mais, muitas estatísticas são subproduto de outras atividades governamentais: da Receita Federal advêm dados não apenas dos impostos mas também do patrimônio de pessoas e empresas que pagam esses impostos; do Ministério do Trabalho e da Previdência Social advêm estimativas da criação de empregos e do número de desempregados; da Alfândega advêm dados sobre o comércio exterior; do Banco Central advêm dados sobre o sistema bancário, e assim por diante. E à medida que novas técnicas estatísticas vão sendo desenvolvidas, novas ramificações da burocracia estatal vão sendo criadas para utilizar e aplicar essas estatísticas.

O inchaço das estatísticas governamentais impõe vários malefícios óbvios para o libertário. Em primeiro lugar, o governo tem de recrutar um verdadeiro exército de civis para fazer o trabalho da coleta de dados e da análise dos números. Isso significa que uma quantidade enorme de esforços e recursos é retirada do setor produtivo (o setor privado) e desviada para o setor improdutivo (setor público) apenas para fazer a coleta e a subsequente produção de estatísticas. Em um genuíno livre mercado, no qual a função do governo é mínima, a quantidade de mão-de-obra, de capital e de terra dedicada à coleta de estatísticas iria definhar para apenas uma pequena fração do total atual. O tanto que o governo gasta apenas para coletar estatísticas, bem como o total de burocratas que ele emprega para tal serviço, ainda tem de ser estimado e divulgado. 

Os custos ocultos do envio de informações

Em segundo lugar, a esmagadora maioria dos dados é coletada por meio da coerção estatal. Isso não apenas significa que tais dados são produto de atividades contraproducentes e indesejáveis, como também significa que o verdadeiro custo destas estatísticas para a população é muito maior do que a mera quantidade de impostos utilizada pelo governo para financiar esta atividade. Tanto as empresas privadas quanto os cidadãos têm de arcar com os onerosos custos de registrar todas as informações e arquivar todos os milhares de papeis e recibos que estas estatísticas exigem. E não apenas isso: estes custos fixos impõem um fardo relativamente maior sobre as micro e pequenas empresas, que não estão equipadas para lidar com esta montanha de formalidades burocráticas — e nem podem se dar ao luxo de gastar muito dinheiro com isso. 

Uma empresa comum tem de desviar tempo, dinheiro e capital humano para compilar todas as estatísticas que o governo e seus múltiplos ministérios e agências exigem. Vários empregados das empresas privadas se ocupam exclusivamente da coleta e do relato destas estatísticas exigidas pelo governo. Para pequenas empresas, isso é especialmente oneroso. Não são incomuns casos em que as pessoas que lidam com o governo têm de manter vários conjuntos de livros de registro apenas para atender aos diversos e desiguais requerimentos das agências e ministérios do governo.

Portanto, estas aparentemente inocentes estatísticas, que são geradas pela coleta compulsória de dados das empresas, afetam sensivelmente o mercado, pois aumentam os custos das pequenas empresas e reduzem sua capacidade de investimento e expansão, algo que é bem visto pelas grandes empresas, que com isso sofrem menos risco de concorrência. A burocracia enrijece todo o sistema econômico e protege os grandes contra eventuais investidas dos pequenos.

Outras objeções

Mas há outros motivos importantes, e não tão óbvios, para o libertário encarar as estatísticas governamentais com desalento e temor. Não apenas a coleta e a produção de estatísticas vão muito além da clássica função governamental de defender o indivíduo e a propriedade privada; não apenas recursos econômicos escassos são desperdiçados e mal alocados; não apenas os pagadores de impostos, as indústrias, as pequenas empresas e os consumidores são onerados e sobrecarregados. Há ainda algo pior: as estatísticas coletadas pelo governo são, em um sentido crucial, essenciais para todas as atividades intervencionistas e de cunho socialista do governo.

O cidadão comum, enquanto consumidor, não possui nenhuma necessidade de utilizar estatísticas em sua rotina. Por meio da publicidade, das informações fornecidas por amigos, e de sua própria experiência, ele é capaz de descobrir o que está acontecendo nos mercados à sua volta. O mesmo é válido para uma empresa. O empreendedor tem de saber mensurar e satisfazer as condições do mercado em que ele atua, determinar os preços que ele tem de pagar por aquilo que ele compra e de cobrar por aquilo que ele vende, incorrer em contabilidade de custos para estimar seus gastos e por aí vai. Porém, nenhuma destas atividades depende realmente daquela mixórdia de dados estatísticos sobre a economia ingerida e regurgitada pelo governo. O empreendedor, assim como o consumidor, conhece e aprende os detalhes de seu mercado por meio de suas experiências diárias.

Um substituto para os dados do mercado

Já os burocratas, assim como todos os pretensos reformadores estatistas, vivem em uma realidade completamente distinta. Eles decididamente vivem fora do mercado. Consequentemente, para se inteirar da situação que estão tentando planejar e reformar, eles têm de obter um conhecimento que não é pessoal, que não advém da experiência diária. E o único formato que tal conhecimento pode adquirir é o formato estatístico.

As estatísticas são os olhos e os ouvidos do burocrata, do político, do reformador socialista. É somente por meio da estatística que eles podem saber, ou ao menos ter uma vaga ideia, do que está acontecendo na economia.

É somente por meio da estatística que eles podem descobrir quantos idosos apresentam raquitismo, quantos jovens têm cáries, quantos pobres precisam de mais repasses do governo, e quantos empresários precisam de mais subsídios estatais. Desta forma, é somente por meio da estatística que estes intervencionistas descobrem quem "necessita" do quê ao longo de toda a economia, e quanto de dinheiro federal deve ser canalizado em qual direção.

O plano-mestre

Certamente, somente pelas estatísticas pode o governo federal fazer qualquer tentativa, por mais espasmódica que seja, de planejar, regular, controlar e reformar várias indústrias — ou, em última instância, de impor o planejamento central e a socialização de todo o sistema econômico. Por exemplo, se o governo não recebesse nenhuma estatística sobre o funcionamento das companhias aéreas, como ele iria sequer pensar em regular as tarifas e as finanças das empresas? Se o governo não recebesse dados sobre a situação das indústrias, como ele iria especificar tarifas protecionistas? Sem a estatística, como o governo iria regular rigidamente o mercado de telefonia? Principalmente: sem as estatísticas, como o governo iria manipular as taxas de juros? Como o governo iria impor controles de preços se ele não soubesse sequer quais bens estão sendo vendidos no mercado e a que preços? 

As estatísticas, repetindo, são os olhos e os ouvidos dos intervencionistas: do intelectual reformista, do político, do burocrata do governo. Arranque estes olhos e ouvidos, destrua estas diretrizes de conhecimento, e toda a ameaça de qualquer tipo de intervenção estatal será quase que completamente eliminada.

Obviamente, é verdade que mesmo privado de todo o conhecimento estatístico da situação do país, o governo ainda assim poderia tentar intervir, tributar, subsidiar, regular e controlar. Ele poderia tentar subsidiar os pobres e os idosos mesmo sem ter a mais mínima ideia de quantos deles existem e de onde eles estão; ele poderia tentar regular uma indústria sem nem mesmo saber quantas empresas existem e quais são suas características básicas; ele poderia tentar controlar os ciclos econômicos sem nem mesmo saber se os preços e a atividade empreendedorial estão em ascensão ou em queda. Ele poderia tentar, mas não iria muito longe. O caos seria óbvio, patente e evidente demais até mesmo para os padrões burocráticos, e mais ainda para os cidadãos.

E isso pode ser comprovado pelo fato de que um dos principais argumentos em prol da intervenção estatal é que o governo "corrige" o mercado, e torna o mercado e toda a economia mais "racional". Obviamente, se o governo fosse privado de tudo o que se passa na seara econômica, simplesmente não poderia haver nem mesmo uma pretensa racionalidade na intervenção estatal.

Seguramente, a ausência de estatísticas recolhidas pelo estado iria, de maneira absoluta e imediata, destruir toda e qualquer tentativa de planejamento de cunho de socialista. É difícil imaginar, por exemplo, o que os planejadores centrais do Kremlin poderiam fazer para planejar e controlar a vida dos cidadãos soviéticos se eles fossem privados de todas as informações, de todos os dados estatísticos, sobre estes cidadãos. O governo não saberia nem para quem dar ordens, muito menos como tentar planejar uma intrincada economia.

Portanto, dentre todas as várias medidas que já foram propostas ao longo dos anos para tentar restringir e limitar o governo, ou para revogar suas desastrosas intervenções, a simples e nada espalhafatosa abolição das estatísticas do governo provavelmente seria a mais completa e eficaz delas. A estatística, tão vital para o estatismo — seu homônimo —, também é o calcanhar da Aquiles do estado.

Por: Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 


sábado, 15 de junho de 2013

COMO PRIVATIZAR SERVIÇOS DE INFRAESTRUTURA

Para uma economia ser desenvolvida e funcionar bem, ela tem de ter uma infraestrutura de qualidade. É uma infraestrutura de qualidade que irá facilitar o fluxo de bens, de pessoas, de informação e de energia. É uma infraestrutura de qualidade que permitirá o escoamento da produção, fazendo com que oferta e demanda estejam sempre no mesmo compasso. Consequentemente, portos, estradas, pontes, ferrovias, aeroportos, redes de comunicação, linhas de transmissão de energia, sistemas de fornecimento e distribuição de água, gás encanado, metrô e vários outros sistemas de infraestrutura representam insumos essenciais para uma economia. 

Uma infraestrutura ruim — tanto em termos de quantidade quanto em termos de qualidade — não somente aumenta os custos da produção e da distribuição, mas também pode literalmente deixar uma economia de joelhos. Grandes economias como Índia, Brasil e várias nações da Ásia e da América Latina têm sido severamente afetadas por sua pobre infraestrutura, que é majoritariamente gerida pelo estado.

Mesmo a nação mais rica do mundo tem problemas de infraestrutura. Nos EUA, por exemplo, o número de veículos dobrou desde 1980, mas a capacidade viária total do país aumentou apenas 6%. O resultado foi um dramático aumento dos custos gerados pelos congestionamentos (tempo perdido, combustível extra etc.).

Em todo o mundo, os gastos com manutenção e com investimentos em infraestrutura são de 2% do PIB. Europa e Ásia gastam mais (quase 7% do PIB) e a América Latina e o Caribe gastam menos (3,02% do PIB). Países ricos podem se dar ao luxo de direcionar mais recursos para infraestrutura do que países pobres, que direcionam seus gastos (ineficientes, como todos os gastos do governo) para outras prioridades.



O que nos leva a uma pergunta crítica: a infraestrutura deve ser ofertada e gerenciada pelo setor público ou pelo setor privado?

Adam Smith já havia respondido a esta pergunta em seu livro A Riqueza das Nações (1776). Ele concluiu que: "Não há personagens mais incompatíveis do que o comerciante e o soberano", uma vez que as pessoas são mais esbanjadoras e imprevidentes com a riqueza dos outros do que com a riqueza própria.

Ele acreditava que a propriedade e a gerência estatais eram negligentes e dispendiosas porque burocratas e funcionários públicos não possuem um interesse direto no resultado comercial de suas ações.

Análises comparativas dos custos do fornecimento privado e do fornecimento público de bens e serviços dão suporte à conclusão de que empresas privadas são mais eficazes — tanto em termos de custos quanto em termos de qualidade — do que empresas estatais. E evidências consideráveis sugerem que o custo estatal incorrido pelo fornecimento de uma determinada quantidade e qualidade de serviço é aproximadamente duas vezes maior do que o fornecimento privado. Este resultado ocorre com tamanha frequência, que acabou dando origem a uma regra empírica: "a regra burocrática do dois". Tudo custa duas vezes mais quando fornecido pelo estado.

A privatização da infraestrutura, no entanto, pode levar a um problema: como introduzir e manter a concorrência na área privatizada. Economistas neoclássicos argumentam que projetos de infraestrutura possuem a característica do monopólio natural, de modo que a privatização destes setores traria um problema de falta de concorrência. Já economistas austríacos são desconfiados da própria tese de que existe de fato algo chamado monopólio natural

É claro que todos os economistas liberais defendem que a iniciativa privada possa construir e gerir serviços de infraestrutura; porém, infelizmente, tal realidade nem sempre é exequível. Afinal, dado que a infraestrutura já existe e foi majoritariamente construída pelo estado, seria desarrazoado imaginar que empresas privadas poderiam, em pé de igualdade, construir sua própria infraestrutura para concorrer em condições de igualdade com o estado. Dado que rodovias, portos, aeroportos, metrô, linhas de transmissão e sistemas de fornecimento e distribuição de água já existem, não faz sentido imaginar empresas privadas construindo sistemas paralelos para concorrer com o estado. O custo de se abrir uma nova estrada, um novo aeroporto, um novo porto ou um novo sistema de fornecimento e distribuição de água para concorrer com um já existente seria absolutamente proibitivo. 

(É claro que tal alternativa não pode jamais ser proibida. Sempre que uma empresa privada quiser construir seu próprio porto, seu próprio aeroporto, sua própria estrada, seu próprio metrô, seu próprio sistema de distribuição de água etc. ela deve ser perfeitamente livre para tal — e, neste caso, também deve ser perfeitamente livre para cobrar os preços que quiser).

Sendo assim, seria mais prático e realista concentrarmo-nos em como melhorar a infraestrutura já existente. E isso envolve retirar do estado e entregar ao setor privado a gerência destes serviços. Só que, neste cenário, mesmo que não haja nenhuma barreira artificial à concorrência, é muito provável que a empresa privada para a qual o serviço for entregue não terá concorrência, pois, por uma questão de economias de escala, uma única empresa pode fornecer serviços de infraestrutura de forma mais barata do que várias empresas (múltiplos portos, aeroportos, rodovias, pontes, metrôs e sistema de fornecimento e distribuição de água na "mesma" localidade não são economicamente viáveis).

Os oponentes da infraestrutura fornecida pelo setor privado são rápidos em apontar justamente para este fantasma do monopólio natural, utilizando-o para justificar a necessidade de que apenas o estado esteja neste setor.

Felizmente, há uma maneira de solucionar este impasse. Há uma maneira de contornar a questão do monopólio natural e introduzir concorrência no fornecimento privado de serviços de infraestrutura.

E tal maneira envolve um sistema de licitação competitiva no qual uma empresa privada irá adquirir a concessão de uma determinada infraestrutura. Embora a concorrência prática dentro de um mercado possa ser impossível, os benefícios gerados pela concorrência naquele mercado podem ser alcançáveis.

Enquanto houver um vigoroso processo de licitação pela concessão de uma infraestrutura, o melhor dos dois mundos será possível: não haverá desperdício de recursos com a duplicação de estruturas (algo que seria supérfluo e desnecessário) e os preços cobrados serão competitivos. Em teoria, tal sistema pode garantir que os incentivos benéficos normalmente associados à gerência privada de uma empresa (por exemplo, o fato de que proprietários privados terão interesse em controlar custos e aprimorar a eficiência como forma de maximizar seus lucros) estarão presentes.

Como funciona?

O segredo para um processo de licitação competitiva é o seguinte: a licitação para a concessão de um serviço de infraestrutura não deve ser em termos de uma soma de dinheiro a ser paga pelo direito de explora a concessão, mas sim termos dos preços que o vencedor da concessão irá cobrar e dos serviços que irá ofertar ao público em troca do privilégio de ser o ofertante exclusivo.

Se a concessão fosse meramente entregue ao licitante que ofertasse o maior preço por esse direito exclusivo, a própria concorrência entre as empresas iria jogar o valor dos lances no leilão para uma soma igual ao valor presente dos lucros futuros esperados para este mercado. E, vale lembrar, os lucros futuros esperados seriam lucros de monopólio.

Tal processo de licitação iria apenas transferir os lucros monopolistas do vencedor da concessão para o governo. E, no final, os consumidores ainda pagariam preços monopolistas pelos serviços.

Em vez disso, um leilão deve ser feito de maneira que a concessão seja entregue ao licitante que prometer a melhor combinação entre preço e qualidade para os consumidores. Neste caso, a concorrência iria derrubar os preços cobrados pelos serviços. Para cada nível de qualidade exigido haveria um preço. E este seria sempre o menor possível.

No entanto, a teoria nem sempre vira realidade. Com efeito, vários estudiosos do assunto já manifestaram suas ressalvas quanto a este processo de licitação. Uma das preocupações está relacionada ao próprio formato do processo.

Selecionar um vencedor (isto é, determinar uma estrutura ótima de preços e de combinação de serviços) pode ser algo extremamente complexo e subjetivo, e não há nenhuma garantia de que o processo de licitação será realmente competitivo. Por exemplo, quando um prazo de concessão estiver próximo do fim, outras empresas podem se mostrar relutantes a participar do novo processo de licitação se a concessionária atual também estiver participando do leilão, pois esta certamente estará mais bem informada do que suas rivais quanto aos verdadeiros custos e à real demanda do mercado.

Outra preocupação está relacionada ao comportamento do vencedor da concessão durante a vigência de seu contrato. Se o contrato for para um prazo razoavelmente longo, será necessário que haja alguma fórmula que permita alterações nas tarifas cobradas à medida que o custo, a demanda e a tecnologia mudem ao longo do tempo — em última instância, renegociações de tarifa devem ser permitidas.

O arranjo em que há uma fórmula é preferível; porém, se ele for impraticável e optar-se pela renegociação, então sugere-se que uma empresa privada — uma empresa de auditoria e contabilidade, por exemplo — seja escolhida para auditar a concessionária e confirmar se os termos do contrato estão sendo observados. A escolha desta empresa de auditoria também pode ocorrer por meio do mesmo processo de licitação: aquela que ofertar o menor preço pelo serviço de auditoria, ganha. E, desnecessário dizer, tal empresa terá todo o interesse em ser imparcial: afinal, trata-se de uma empresa privada que opera no mercado, e zelar por sua reputação é extremamente importante.

Outros problemas podem surgir à medida que o fim do contrato vai se aproximando e a atual concessionária não tiver interesse em participar do novo processo de licitação: sendo assim, ela poderá reduzir suas operações de manutenção e deixar de investir em novos ativos, deixando para a próxima empresa a tarefa de lidar com os problemas resultantes.

Todos estes problemas são importantes, mas não são insolúveis. As variáveis realmente cruciais são o grau de complexidade tecnológica e a rapidez em que ocorrem mudanças tecnológicas nos setores concessionados. Selecionar um licitante pode ser difícil em uma área em que a tecnologia criou incontáveis opções de serviços potenciais. Já em uma área em que é possível especificar um limitado número de serviços, bem como seu padrão, selecionar uma concessionária por meio do processo de licitação aqui defendido não traz dificuldade alguma.

E naqueles setores em que o ritmo das mudanças tecnológicas não é muito rápido, é fácil concordar com algum tipo de fórmula que governe alterações nas tarifas, de modo que uma renegociação dos termos do contrato durante a vigência do contrato nunca seja necessária.

Conclusão

Este arranjo que envolve licitação competitiva, especificação antecipada de preços e de tipo de serviço ofertado, e auditoria privada em caso de renegociação de contrato é capaz de gerar o melhor dos dois mundos: a empresa vencedora da licitação poderá explorar todas as possíveis economias de escala na oferta de seus serviços ao mesmo tempo em que os preços cobrados, que foram determinados em um processo concorrencial, serão os menores possíveis. Isso impede que a empresa vencedora da concessão utilize sua posição privilegiada para cobrar preços abusivos e ofertar serviços ruins. Mais ainda: o arranjo faz com que as empresas tenham de controlar seus custos eficientemente caso queiram maximizar seus lucros.

Para criar incentivos adicionais para que os detentores das concessões aprimorem continuamente a qualidade dos serviços, os contratos podem estipular que a concessionária faça uma espécie de depósito-caução, o qual seria dado à agência de auditoria caso a concessionária violasse os termos da concessão.

Uma vez em prática, a concessionária teria todos os incentivos para agressivamente cortar seus custos e adotar novas tecnologias, pois cada centavo economizado representa um centavo de lucro. Se os proprietários da empresa não atentarem para o controle de custos, os lucros da empresa cairão, o valor de suas ações despencará e a empresa passará a ser o alvo favorito de uma aquisição por outros proprietários mais bem capacitados e ansiosos para auferir os ganhos resultantes de uma troca de gerência.

São várias as nações do globo que enfrentam problemas dantescos de infraestrutura. Para solucioná-los, métodos testados e aprovados de oferta privada destes serviços devem ser adotados. Serviços de infraestrutura ofertados por franquias privadas, quando corretamente especificados e auditados, são a chave para a melhoria deste setor. E o que é melhor: a um preço baixo e sem grandes pirotecnias.

Por: Steve Hanke é professor de Economia Aplicada e co-diretor do Institute for Applied Economics, Global Health, and the Study of Business Enterprise da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, EUA. O Professor Hanke também é membro sênior do Cato Institute em Washington, D.C.; professor eminente da Universitas Pelita Harapan em Jacarta, Indonésia; conselheiro sênior do Instituto Internacional de Pesquisa Monetária da Universidade da China, em Pequim; conselheiro especial do Center for Financial Stability, de Nova York; membro do Comitê Consultivo Internacional do Banco Central do Kuwait; membro do Conselho Consultivo Financeiro dos Emirados Árabes Unidos; e articulista da Revista Globe Asia.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

QUEDA À VISTA

Queda à vista: 10 gurus do mercado que esperam por um "crash" na bolsa - InfoMoney 

Veja mais em: http://www.infomoney.com.br/mercados/acoes-e-indices/noticia/2816087/queda-vista-gurus-mercado-que-esperam-por-crash-bolsa

QUANDO SONHADORES DEPREDAM ÔNIBUS

Assim como a imprensa criou o Maio 68, alguns jornalistas com pretensões de moderninhos parecem querer criar um Junho 2013. Em seu blog, Marcelo Tas compara o vandalismo de um punhado de filhinhos do papai a serviço do PT em São Paulo aos protestos da praça Taksim em Istambul. “Não sou a favor do vandalismo. Nem da demonização da Polícia Militar. Sou a favor de algo delicado demais para esses tempos ruidosos: dos sonhos”.

Sonhos? Que sonhos? Os manifestantes empunham uma bandeira utópica que em lugar nenhum do mundo ousou ser hasteada, o transporte público gratuito. Pelo jeito ainda não descobriram que não existe almoço grátis. Transporte público gratuito é sinônimo de transporte subsidiado pelo contribuinte. Porque Estado não subsidia coisa alguma. Mas em algo o jornalista tem razão:

- O que vejo nas manifestações em São Paulo não é simplesmente uma revolta por 20 centavos a mais no preço da passagem dos ônibus, como muitos tentam vender os fatos. Assim como não vejo em Istambul uma revolta pela construção de um shopping numa pracinha no centro da cidade.

De fato, o que está em jogo não são 20 centavos. E os rebeldes de São Paulo não são exatamente rebeldes sem causa. Estão em jogo as eleições do ano que vem. As manifestações violentas dos últimos dias – que prometem se repetir hoje – têm um só objetivo, desgastar o governo de Alckmin. Não imagine o leitor que tenho alguma simpatia por tucanos. Apenas constato. Tas alega que desgasta também a prefeitura do PT.

- Também vejo, e quero muito acreditar nisso, que não há uma tendência partidária nas manifestações. Afinal, em São Paulo, o prefeito petista está alinhado com o governador tucano na mesma posição.

Nada mais falacioso. Na verdade, só beneficia o atual prefeito. Haddad apela a Dona Dilma – como já apelou - e, se esta se digna a soltar algum lastro, ele se transforma no prefeito que foi sensível aos apelos populares. O PT põe o bode na sala e pede aplausos quando o retira.

Tem razão também o jornalista que a revolta de Istambul não é contra a construção de um shopping numa pracinha no centro da cidade. Não é preciso estar lá para saber disso. O movimento já se estendeu a outras cidades da Turquia, onde ninguém está construindo shoppings no centro da cidade. As manifestações, pelo que se lê, são contra a islamização crescente do governo de Recip Erdogan. No fundo, um desejo de ocidentalização de uma Turquia que se candidata a membro da União Européia, mas não larga o osso do Islã.

Se há uma preocupação pertinente na revolta na Turquia, o vandalismo em São Paulo não passa de uma reles manobra eleitoreira. Pelo que se sabe, os incêndios e depredações estão sendo patrocinados por uma ONG que mama nas tetas do Estado.

Em meio a isso, Luís Nassif reproduz em seu blog o manifesto de um tal de André Pedro Borges, que só vê candura e sonhos no vandalismo dos paus mandados do PT:

- Enquanto isso a molecada, no seu saudável inconformismo, vai para as ruas defender – FUNDAMENTALMENTE – o seu direito de sonhar com um mundo diferente. Um mundo onde o ensino, os trens e os ônibus sejam de qualidade e gratuitos para quem deles precisa. Onde os cidadãos tenham autonomia de decidir sobre o que devem e o que não devem fumar ou beber. Onde os índios possam nos mostrar que existem outros modos de vida possíveis nesse planeta, fora da lógica do agrobusiness e das safras recordes. Onde crenças e religião sejam assunto de foro íntimo, e não políticas de Estado. Onde cada um possa decidir livremente com quem prefere trepar, casar e compartilhar (ou não) a criação dos filhos. Onde o conceito de Democracia não se resuma à obrigação de digitar meia dúzia de números nas urnas eletrônicas a cada dois anos.

Se o quebra-quebra era originariamente contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus, de repente assume proporções que nem os baderneiros imaginavam: é o direito ao sonho. Transporte gratuito, droga livre (como se já não fosse), excelência de uma cultura onde até infanticídio é permissível, em oposição ao malvado agrobusiness – sem o qual o país morreria à míngua. Borges defende a livre eleição de parceiros, neste país onde homossexuais fazem a primeira página dos jornais. Como se o Brasil fosse uma teocracia islâmica, onde crianças são vendidas em casamento. O articulista até parece ter encontrado um sistema de democracia mais eficaz do que o voto universal, pena que não nos revela qual seja.

- Sempre vai haver quem prefira como modelo de estudante exemplar aquele sujeito valoroso que trabalha na firma das 8 da manhã às 6 da tarde - diz André Borges -, pega sem reclamar o metrô lotado, encara mais quatro horas de aulas meia-boca numa sala cheia de alunos sonolentos em busca de um canudo de papel, volta para casa dos pais tarde da noite para jantar, dormir e sonhar com um cargo de gerente e um apartamento com varanda gourmet.

Engana-se o Borges. Quem trabalha e ganha honestamente seu pão está fora de moda. Jamais vai ganhar a primeira página dos jornais, nem entrevistas privilegiadas. Só tem direito a voz, nestes dias que correm, quem quebra vitrines, depreda bancos e queima ônibus. 

- Não é meu caso - prossegue o arauto da violência -. Não tenho nem sombra de dúvida de que prefiro esses inconformados que atrapalham o trânsito e jogam pedra na polícia. Ainda que eles nos pareçam filhinhos-de-papai, ingênuos em seus sonhos, utópicos em suas propostas, politicamente manobráveis em suas reivindicações, irresponsavelmente seduzidos pelos provocadores de sempre. Desde a Antiguidade, esses jovens ingênuos e irresponsáveis são o sal da terra, a luz do sol que impede que a humanidade apodreça no bolor da mediocridade, na inércia do conformismo, na falta de sentido do consumismo ostentatório, nas milenares pilantragens travestidas de iluminação espiritual.

Atenção! Teoria nova na mídia. Os responsáveis pelos avanços da humanidade já não são os cientistas, os estadistas, os professores, os inventores, os descobridores. Mas os vândalos, que com suas ações fertilizam a terra e iluminam a humanidade.

No fundo, o sonho por um mundo diferente, no dizer dos defensores de quebra-quebras. Talvez o país da Cocagne, aquela pátria imaginária longe da fome e das guerras, onde as frutas caíam das árvores nas bocas de seus habitantes, onde imperava o lazer e a preguiça e onde o trabalho era proibido. De repente, uma reedição de Maio 68, que adotou como slogan uma frase de Che Guevara: “seamos realistas, pidamos lo imposible”. O impossível do Che aí está, uma ilha faminta e dominada pela mais longa ditadura do século passado.

Sonho paradoxal este, onde em nome do passe livre queimam-se meios de transporte. Como já se convencionou chamar de primavera qualquer protesto de massas, é de espantar que nenhum jornalista ainda não tenha ousado falar em primavera paulistana. O leitor não perde por esperar.

O dia promete hoje na Paulicéia. Além da baderna, há greve geral de transportes. O saldo global será evidentemente creditado aos militantes do sonho.

Por: Janer Cristaldo

TINHA DE ACONTECER

Vendo o sucesso mundial do comunismo sem rosto, não cabe perguntar “Como isso aconteceu?” e sim “Como poderia não ter acontecido?”

A maior, a mais profunda e aparentemente a mais irrevogável conseqüência da dissolução do Império Soviético foi esta: como agora o comunismo não existe mais, qualquer um está livre para defender as mesmas políticas que os comunistas defendiam, impor os mesmos controles sociais que os comunistas impunham, atacar e denegrir as mesmas pessoas e valores que os comunistas atacavam e denegriam, cultuar e enaltecer os mesmos ídolos que os comunistas cultuavam e enalteciam, tudo isso sem jamais poder ser chamado de comunista.

Os comunistas, é claro, sempre gostaram de camuflar-se, de agir sob mil máscaras irreconhecíveis. Mas agora já não precisam disso: são os seus inimigos que os camuflam, que os escondem, por medo, por terror pânico de parecer saudosistas da Guerra Fria ou "extremistas de direita" (sabendo-se que hoje em dia tudo o que esteja à direita do centro-esquerda é extremismo).

Em vez de um comunismo que não ousa dizer seu nome, temos agora um comunismo do qual os adversários não ousam dizer o nome. Tão intenso é entre liberais e conservadores o temor de pronunciar a palavra proibida, que qualquer semi-analfabeto de plantão numa cátedra universitária, com um retrato de Che Guevara na camiseta e o livrinho dos pensamentos do presidente Mao no bolso, estourando de orgulho por ter ajudado a matar cem milhões de pessoas, pode se alardear comunista no horário nobre e em cadeia nacional, seguro de que todo mundo verá nisso nada mais que um modo de dizer, uma graciosa hipérbole usada pour épater le bourgeois por um bom menino que, no fundo do seu coraçãozinho, não é comunista de maneira alguma (exemplo: http://www.cdc.ufop.br/).

Foi assim que, sob a proteção de uma densa e bem articulada rede de proibições lingüisticas e inibições mentais, o movimento comunista chegou a dominar quase todo o cenário político latino-americano, a controlar todos os países da Europa Ocidental por meio de um grupo de burocratas jamais eleitos, a retomar o poder em várias nações recém-egressas do comunismo e até a colocar um dos seus mais devotos servidores na presidência dos EUA, enquanto todos os que viam isso acontecer temiam que, se dissessem que estava acontecendo, soariam tão antiquados quanto um deputado da UDN, tão malvados quanto um torturador fascista ou tão loucos quanto o mais inventivo “teórico da conspiração”.

Como foi possível que transformação tão vasta, tão rápida e – em aparência – tão paradoxal viesse a suceder? Como foi possível que, à queda fragorosa de um regime falido e reconhecidamente criminoso se seguisse, não o debilitamento ou extinção da corrente política que por toda parte o sustentava, mas sim, ao contrário, a sua ascensão espetacular à posição de ideologia mundial dominante e, graças à proibição de nomeá-la, inatacável?

Só faço essa pergunta por caridade para com a burrice alheia, para com a indolência mental e a covardia moral daqueles que hoje, somente hoje, começam a suspeitar de algo que já estava óbvio e patente nos primeiros anos da década de 1990. Óbvio e patente, é claro, para quem observa, estuda, investiga e busca a verdade no meio da confusão; não para aqueles que se sentem tranqüilos e seguros de si porque assistiram ao Jornal Nacional ou leram a Folha de S. Paulo.

Hoje, aos 66 anos de idade, faltando apenas dois para completar meio século de jornalismo, estou definitivamente persuadido de que qualquer cidadão que tenha sua principal ou única fonte de informações na mídia popular – chamada “grande”, talvez, só pela dimensão das suas dívidas ou das suas negociatas com o governo --, é um bocó de mola incurável, um cretino desprezível cuja opinião não vale o bafo que a expele.

Vendo o sucesso mundial do comunismo sem rosto, não cabe perguntar “Como isso aconteceu?” e sim “Como poderia não ter acontecido?” Imaginem se, finda a II Guerra, derrubado o governo do Führer, ninguém movesse uma palha para punir os crimes do regime extinto e expor ao mundo o horror da ideologia que os produzira, mas, ao contrário, todo mundo tratasse de silenciar a respeito “para não reabrir velhas feridas” e deixasse os altos funcionários nazistas nos seus lugares, enriquecidos pelo rateio dos bens do Estado e livres para circular pelo mundo como honestos e bem-vindos investidores? Quem não vê que em dez anos o nazismo estaria de volta sob outro nome, talvez até com o mesmo?

“Poderíamos ter vencido o comunismo em 1991”, disse Vladimir Bukovski, “mas para isso precisaríamos de um novo Tribunal de Nuremberg”.

Não houve tribunal nenhum.

Mutatis mutandis, de que serviu abortar em 1964 o golpe comunista que se preparava no Brasil, se em seguida o novo regime, em vez de educar a população contra o comunismo, preferiu se embelezar com as pompas da “neutralidade ideológica” e do “pragmatismo” e só combater os comunistas seletivamente e na sombra, como que envergonhado de antemão pelos crimes que essa escolha imbecil o levaria quase que inevitavelmente a cometer? Pior ainda, de que adiantou bloquear o avanço dos comunistas se em seu lugar se instalou no governo um autoritarismo tão centralizador quanto o deles, substituindo a elite iluminada vermelha por uma elite iluminada verde-oliva, tão ciumenta das suas prerrogativas ao ponto de excluir da política os líderes conservadores mais populares, preenchendo os seus espaços com os mais medíocres e subservientes, para os quais o posto de meros carimbadores de decretos era até uma honra insigne?

Como seria possível, aqui e no resto do mundo, que o que aconteceu não acontecesse? Por:Olavo de Carvalho   Publicado no Diário do Comércio.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

O COLUNISTA APODRECE

Nos últimos meses, sucessão de minicatástrofes mostra que a idade física está a aproximar-se da mental

Pedra no rim não é para qualquer um. Eu sei porque dei à luz uma. "Dar à luz": nunca uma expressão foi tão apropriada. Passei dois dias no hospital em maio e, de regresso à casa, não houve familiar ou amigo que não tivesse disparado o clichê: "Isso só é comparável à dor de parto".

Errado, irmãos. Com uma boa epidural, eu poderia dar à luz uma pedra do rim todas as semanas. A minha admiração sincera só está com as antigas mulheres que despachavam o serviço sem anestesia. Como foi possível, meu Deus? Como foi possível que incontáveis mulheres se tenham submetido a uma dor lancinante só para que a nossa espécie crescesse e se multiplicasse?

De bom grado entregaria a minha pedra, hoje em frasco de vidro, para que sobre ela se edificasse um monumento às parideiras desconhecidas. Se dar à luz dependesse dos homens, a história da civilização não teria passado do Paleolítico.

Estou curado. Do rim. Não estou curado do resto. Acabo de fazer 37 anos e, nos últimos meses, uma sucessão de minicatástrofes mostra que a idade física está a aproximar-se da mental. Biologicamente, são 37; mas é preciso inverter a ordem dos números para ter um retrato do artista quando "jovem".

Tudo começou com um almoço de domingo e um dente que não deveria estar no prato. De quem era aquele dente, perguntei, pronto para fazer piada com a cozinheira desdentada.

Os restantes comensais olharam para mim horrorizados e uma das crianças, chorando de medo, apontou para um buraco na minha boca.

Mas não são apenas os dentes que quebram e me abandonam. O cabelo também está a fazer as malas. Se fosse um dramaturgo, já teria escrito uma peça a respeito. Imagino a cena: o cabelo, deitado na cama e ligado a uma máquina, murmurando para mim. "Por favor, João, eu sei que sou importante na tua vida. Mas tens que me deixar ir."

E eu, agarrando na mão do meu amigo, implorando para que ele fique mais um pouco. "Só até os 40, rapaz, só até os 40!"

Não há 40 para ninguém. Pelo menos, sem alterar hábitos de vida. Entreguei os testes médicos ao especialista. Ele olhou para os testes. Depois para mim. Depois para os testes. Depois para mim. "Tem a certeza de que esses testes são seus?", perguntou o desgraçado.

Sentença: anos de excessos, anos de inatividade ""e a fatura chegou. É preciso comer melhor e, sobretudo, fazer exercício físico diário.

Obedeci. A partir de agora, usarei duas gotas de uísque Laphroaig apenas como perfume. E, sobre o exercício, perguntei na academia se existia um desporto leve, só para início de conversa. "Hidroginástica", disse-me a moça, com um inconfundível esgar de piedade.

Experimentei. Gostei. Tenho uma piscina enorme e mais de 30 mulheres só para mim. Todas elas poderiam ser minhas avós, mas isso nunca foi um problema para quem sempre apreciou mulheres maduras.

O ambiente é descontraído e graças a elas já conheço as melhores lojas ortopédicas de Lisboa, que me salvaram recentemente depois de mais um lamentável acidente doméstico.

Aconteceu minutos depois de despertar, quando me entreguei a tarefas radicais que não tenciono repetir tão cedo ""no caso, subir a persiana do quarto. Um estalido nas costas transformou-me de imediato em estátua e foram precisas doses equinas de analgésicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares para que voltasse a caminhar sem colete cervical.

Sou um homem novo, disposto a cuidar melhor da minha carcaça. E, hipocondríaco confesso, tentei saber tudo sobre a história da família para fazer exames preventivos. Foi assim que a palavra "colonoscopia" passou a fazer parte do meu dicionário.

Avancei para ela sem medo, embora gostasse de lavrar aqui o meu protesto: por que motivo as batas hospitalares para doentes continuam a tapar tudo na frente e a deixar generosas frestas na retaguarda?

Não que isso seja motivo para embaraços, claro, exceto se formos reconhecidos por alguns pacientes que também esperam a sua vez em traje igual. "Gosto muito de o ler", disse-me um. "É mais magro ao vivo que na TV", disse-me outra.

Agradeci, encostando-me ainda mais à parede. E quando finalmente chamaram pelo meu nome, fiz uma vênia de maestro e depois fui recuando, recuando, recuando, até desaparecer pela porta do bloco.

Nunca devemos virar as costas aos nossos fãs. Por: João Pereira Coutinho Folha de SP

quarta-feira, 12 de junho de 2013

OS EFEITOS NÃO PREMEDITADOS DE UMA DESVALORIZAÇÃO DA TAXA DE CÂMBIO

O Banco Central do Japão anunciou recentemente a implementação de uma das mais inflacionárias políticas monetárias já empreendidas. Prometendo injetar o equivalente a $1,4 trilhão de dólares na economia ao longo dos próximos dois anos, esta política tem o duplo objetivo de gerar uma inflação de preços de 2% e depreciar ainda mais o iene. A ideia é combater a "deflação" e aumentar as exportações.

O único resultado garantido desta política será um inchaço do balancete do Banco Central do Japão (projeta-se que ele irá praticamente dobrar, para US$2,9 trilhões). Embora esteja hoje em um nível menor do que estava 25 anos atrás, o índice de ações da bolsa de valores do Japão aumentou 70% desde novembro do ano passado. Por mais satisfeitas que as pessoas estejam com a alta do preço das ações, os efeitos econômicos serão danosos no final; com efeito, as duas recentes quedas acentuadas nos preços das ações japonesas prenunciam ainda mais problemas futuros.



Esta ideia puramente mercantilista de tentar expandir a oferta monetária com o intuito de depreciar a taxa de câmbio e com isso estimular a produção do setor industrial é tão antiga quanto o próprio mercantilismo. Em seu livro The Theory of Money and Credit, escrito em 1912, Ludwig von Mises já havia abordado a questão da depreciação monetária de maneira mais completa do que os atuais livros de economia monetária. No que mais, na versão mais refinada de sua teoria dos ciclos econômicos — apresentada em seu livro Ação Humana —, Mises esquematizou os efeitos deletérios de tais políticas de expansão monetária.

A taxa de câmbio determina o preço que um estrangeiro terá de pagar por um bem produzido domesticamente. Aumentos na oferta monetária geram pressões inflacionárias nos preços, consequentemente levando a um aumento nos preços propriamente dito, inclusive nos preços das moedas estrangeiras. Logo, a taxa de câmbio se torna mais depreciada, o que significa que agora são necessárias mais unidades da moeda doméstica para se adquirir uma unidade de moeda estrangeira. Por outro lado, torna-se mais barato para os estrangeiros comprarem os bens deste país. Consequentemente, as exportações aumentam. Conclusão: países podem estimular suas exportações e aumentar o número de empregos nas indústrias voltadas para exportação ao inflacionarem sua oferta monetária.

Infelizmente, no entanto, a história não acaba aí.

Depreciar a sua moeda de fato faz com que seus produtos voltados para exportação se tornem mais baratos para os estrangeiros. Porém, a depreciação da moeda também faz com que seja mais caro para você comprar bens importados. O efeito mais imediato é tornar a sua balança comercial mais superavitária. Um segundo efeito é a redução no investimento estrangeiro na sua economia — afinal, ao repatriarem seus lucros, as multinacionais convertem moeda nacional em moeda estrangeira. Se a tendência é de depreciação cambial, então qualquer investimento feito será mais arriscado, pois a conversão de moeda nacional em moeda estrangeira será cada vez mais cara.

O terceiro efeito é que, se os bens que você exporta são produzidos com vários insumos (bens de capital como máquinas e ferramentas) importados, o efeito será um aumento nos seus custos de produção. Sendo assim, os exportadores terão de pagar mais caro pelos insumos que importam e que utilizam para fabricar os produtos que pretendem vender aos estrangeiros. 

Este efeito é especialmente notável em países que possuem grandes mercados exportadores, mas cuja produção nacional de insumos utilizados pelas indústrias de exportação é muito pequena. Nenhuma outra grande economia cabe melhor nesta descrição do que a japonesa.

A ideia mais sagaz de Mises foi a de analisar os efeitos de longo prazo de tal política. Neste processo, ele examinou também os resultados de curto prazo.

A ineficácia desta política no longo prazo se torna evidente quando se compreende como os preços — tanto os domésticos quanto os estrangeiros — interagem para determinar as taxas de câmbio. Os exportadores serão ajudados no curto prazo, mas este efeito será cancelado no longo prazo tão logo os preços se reajustem.

Se a política é ineficaz no longo prazo, Mises também demonstrou que os ganhos de curto prazo são ilusórios. A mesma política monetária que visa a depreciar a moeda com o intuito de estimular o comércio internacional gerará vários desarranjos domésticos.

Uma inflação monetária mais alta irá reduzir as taxas de juros. Um resultado desta política será um maior volume de gastos voltados para o consumo. Com juros menores, os consumidores pouparão menos e gastarão mais. O outro resultado da redução dos juros reais é aquilo que Mises rotulou de "investimentos errôneos e insustentáveis": com juros menores, as empresas irão investir mais em projetos que, antes da redução dos juros, eram economicamente inviáveis. Consequentemente, recursos escassos serão demandados tanto pelos setores voltados para bens de consumo quanto pelos setores voltados para investimentos mais vultosos. Este "cabo de guerra" gera um aumento generalizado nos preços, fazendo com que vários destes investimentos, quando finalizados, se revelem sem uma genuína demanda, pois as pessoas agora estarão mais endividadas e tendo de lidar com preços maiores em toda a economia.

Em uma economia de mercado, as empresas devem ajustar seus planos de produção de modo a ofertar não somente a quantidade de bens que os consumidores querem no presente, mas também a quantidade mais exata possível de bens que os consumidores irão demandar no futuro. A taxa de juros é o que coordena todos estes planos ao longo do tempo. É ela que os empreendedores utilizam para determinar quando irão produzir uma determinada quantidade de bens e qual deve ser o tipo de processo de produção escolhido (se voltado mais para o curto prazo ou para o longo prazo). Os efeitos negativos da distorção dos juros só serão revelados bem mais tarde.

Manipular a taxa natural de juros por meio de uma política monetária inflacionária é uma medida que desajusta tanto os planos de produção das empresas quanto os planos de consumo das pessoas. No final, a economia irá sucumbir a um ciclo econômico nos moldes descrito pela Escola Austríaca de economia, apresentado um período de crescimento econômico forte porém artificial seguido por um período de estagnação e eventual recessão, que é a quando a economia tenta se reajustar expurgando os investimentos ruins e adquirindo fundamentos mais sólidos.

Quanto mais as coisas mudam, mais elas permanecem as mesmas. Ludwig von Mises conseguiu identificar as armadilhas criadas pelas políticas monetárias expansionistas mais de 100 anos atrás. As autoridades políticas e monetárias aparentemente ainda não aprenderam nada destas importantes lições, e continuam a castigar seus países com as consequências geradas por estas fracassadas medidas.

Por: David Howden é professor assistente de economia na Universidade de St. Louis, no campus de Madri, e vencedor do prêmio do Mises Institute de melhor aluno da Mises University.


Tradução de Leandro Roque

terça-feira, 11 de junho de 2013

DEBILIDADES

Que a sociedade dominada, esmagada e anulada não sinta mais o peso da dominação não quer dizer que esta não exista, mas que o dominado está exausto e estupidificado demais para tomar consciência dela.

No artigo anterior, expliquei que um dos mais velhos truques do movimento revolucionário é limpar-se na sua própria sujeira, cuja existência negava até a véspera.

Desde a queda da URSS, a maneira mais usual de aplicar esse truque consiste em jurar que tudo aquilo que durante setenta anos todos os comunistas do mundo chamaram de comunismo não foi comunismo de maneira alguma: foi capitalismo. Mediante essa simples troca de palavras a idéia comunista sai limpa e inocente de todo o sangue que se derramou para realizá-la, e gentilmente solicita da platéia um novo crédito de confiança, isto é, mais sangue, jurando que desta vez vai ser um pouquinho só, um tiquinho de nada. Por exemplo, varrer Israel do mapa ou exterminar a raça branca.

O apresentador dessa modesta sugestão não explica nunca como bilhões de pessoas inspiradas na teoria histórica mais científica de todos os tempos – insuperável, no dizer de Jean-Paul Sartre --, puderam se enganar tão profundamente quanto àquilo que elas mesmas estavam fazendo, nem como foi que ele próprio, subindo acima de Lênin, de Stálin, de Mao Dzedong e de tantos luminares do marxismo, foi o primeirão a ver a luz.

Nem muito menos explica como é possível, de uma teoria que ensina a unidade substancial de idéia e prática, se pode obter uma separação tão radical dessas duas coisas que uma delas saia inteiramente limpa e a outra inteiramente suja.

Mas esse pessoal é assim mesmo: quando chega na página seguinte, já esqueceu a anterior.

Dois exemplos recentes vêm-nos da Sra. Lúcia Guimarães, que é talvez o caso mais típico de ignorância elegante no jornalismo brasileiro, e da srta. Yoani Sanchez, uma abnegada que procura salvar a imagem do comunismo cubano isolando-a de um breve erro de percurso de apenas meio século.

O argumento das duas é substancialmente o mesmo: não se pode culpar o comunismo por nada do que aconteceu na URSS, na China, no Camboja ou em Cuba, porque o comunismo é a posse e domínio dos meios de produção pelos proletários, e não pelo Estado como se viu nesses lugares.

Dona Lúcia chega a passar pito no dramaturgo David Mamet porque este diz que a doce promessa de Karl Marx, "De cada um conforme suas possibilidades a cada um conforme suas necessidades" não passa de uma expressão cifrada para justificar a espoliação de todos pelo Estado. Em todos os regimes comunistas foi isso o que se deu realmente, mas ainda assim Dona Lúcia assegura que Mamet “levaria nota baixa em marxismo, porque o espantalho invocado por Mamet estava pensando numa utopia do proletariado, não do Estado”.

No mesmo sentido pronuncia-se Yoani Sanchez para jurar que em Cuba nunca houve comunismo, apenas capitalismo de Estado.

Não é preciso observar que assim, com um estalar de dedos, a teoria que se apresentava como idêntica à sua encarnação histórica se torna uma idéia pura platônica, um ente metafísico separado, imune a toda contaminação deste baixo mundo.

Eu não seria cruel de esperar dessas duas criaturas a compreensão dessa sutileza, mas elas poderiam ao menos ter lido um dos mais célebres parágrafos de Karl Marx, no Manifesto Comunista:

“A última etapa da revolução proletária é a constituição do proletariado como classe dominante... O proletariado servir-se-á da sua dominação política para arrancar progressivamente todo o capital da burguesia, para centralizar todos os meios de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado...”

Aí não existe, no mais mínimo que seja, o antagonismo que aquelas duas inteligências iluminadas acreditaram enxergar entre o Estado e o proletariado: o Estado é o proletariado organizado, o proletariado organizado é o Estado. E o proletariado organizado não é outra coisa senão o Partido.

A profecia da “autodissolução do Estado” na apoteose dos tempos é somente uma figura de linguagem, um jogo de palavras, uma pegadinha infernal. Marx explica que, como tudo pertencerá ao Estado, este já não existirá como entidade distinta, mas a própria sociedade será o Estado. É uma curiosa inversão da regra biológica de que quando o coelho come alface não é o coelho que vira alface, mas a alface que vira coelho. Se o Estado engole a sociedade, não é o Estado que desaparece: é a sociedade. Que a sociedade dominada, esmagada e anulada não sinta mais o peso da dominação não quer dizer que esta não exista, mas que o dominado está exausto e estupidificado demais para tomar consciência dela. É o totalitarismo perfeito em que, nas palavras de Antonio Gramsci, o poder do Partido-Estado já não é percebido como tal, mas se torna “uma autoridade onipresente e invisível como a de um imperativo categórico, de um mandamento divino”.

Um exame atento dos textos de Karl Marx teria bastado, em plena metade do século XIX, para perceber neles o Gulag, o Laogai e centenas de milhões de mortos, todo o terror e misérias dos regimes comunistas como conseqüências incontornáveis da própria lógica interna da teoria caso tentasse sair do papel para encarnar-se na História. Marx, Engels e Lenin em pessoa reconheceram isso inúmeras vezes, enaltecendo o genocídio e a tirania como “parteiros da História”. Que, decorridos cento e sessenta e tantos anos, ainda haja tantas pessoas que insistam em explicar como fruto de desagradáveis coincidências aquilo que a própria teoria exige como condição sine qua non da sua realização é, decerto, uma das provas mais contundentes de uma debilidade intelectual que não deixa de refletir, talvez, alguma debilidade de caráter. Por: OLAVO DE CARVALHO Publicado no Diário do Comércio.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

PREÇOS DE ALIMENTOS E ENERGIA PODEM DISPARAR

O impacto do clima na economia não deve ser subestimado. Já existem mais indícios de problemas futuros.

Durante os últimos seis meses muitos lugares ao redor do mundo registraram recordes de temperaturas baixas. As plantações de grão já sofrem. Alguns cientistas especulam que estamos entrando em um período de resfriamento. Pesquisadores russos no Observatório Pulkovo em São Petersburgo estão dizendo abertamente que o Sol está emitindo menos calor. Aproximadamente a cada 200 anos o sol entra em uma "hibernação solar". Isso significa um período de baixas temperaturas ao redor do globo que historicamente reduzem a produção de grãos, resultando numa alta dos preços dos alimentos e, consequentemente, fome.

A última "mínima solar" que afetou o planeta Terra acabou na segunda década do século XIX, cerca de 200 anos atrás. Alguns leitores podem relembrar o destino do exército de Napoleão na Rússia em meio a recordes de baixas temperaturas que mataram tropas e cavalos franceses. Esses períodos de resfriamento têm ocorrido repetidamente nos últimos dois mil anos e resultaram em fome, morte por congelamento e secas. Com as baixas temperaturas, menos água evapora e menos nuvens se formam (isto é, temos chuvas em quantidade abaixo do esperado). Já podemos constatar a alta no preço dos grãos que reflete a seca do ano passado [N. T.: sobre a ferrenha seca de 2012 veja o artigo do próprio Nyquist:http://www.financialsense.com/contributors/jr-nyquist/signs-of-things-to-come]. Se isso é uma tendência, certamente constataremos alta nos preços dos alimentos e da energia no próximo ano.

As plantações são sensíveis ao tempo frio em todas as latitudes. O tempo frio na Flórida significa que safras de laranja serão perdidas. No meio-oeste, invernos mais longos e mais frios significam safras reduzidas e, por conseguinte, uma produção menor de milho. Países cuja produção de alimentos estão localizadas em latitudes mais ao norte, como a Rússia e o Canadá, podem passar por uma severa redução na produção de alimentos que podem desencadear consequências globais.

Grande insegurança acerca dos estoques de alimentos poderiam também estimular compras por parte daqueles que querem manter estoque nos futuros eventos de escassez. Futuramente, impulsionamentos nos preços globais dos alimentos podem acontecer ante a mera expectativa de resfriamento do clima (mesmo se o clima quente voltar). Países importadores de alimentos podem ser colocados em circunstâncias financeiras complicadas, pois serão aplicados aumentos substanciais para que se mantenham os estoques no mesmo nível. Como consequência, isso poderia desencadear problemas financeiros em muitos países, tais como os países da África e do Oriente Médio.

No mundo desenvolvido uma crise de alimentos significaria uma crise no comércio varejista, visto que os consumidores estariam gastando uma porcentagem muito maior dos seus salários nas necessidades básicas. Sem dúvida haveria menos dinheiro disponível para gastar com entretenimento e outros supérfluos. Temperaturas mais baixas poderiam resultar em um aumento do uso de energia para aquecimento de casas e estabelecimentos comerciais e industriais. Seja como for, pagaríamos mais pela energia em invernos estendidos ou épocas de baixa temperatura. Ademais, algumas atividades industriais são sazonais. Aquelas que dependem do inverno floresceriam. As que dependerem de um clima mais quente (a maioria) perderiam dias e até meses da atividade sazonal.

Tempo mais frio significa o início das secas globais e de pastagens virando desertos, ou seja, menos sustento para o gado. O preço da carne já está subindo e já é esperado que se atinja preços recorde neste verão [N.T.:O verão americano começa agora, quando começa o nosso inverno no Brasil]. O preço do bife hoje em dia está em média US$ 4,81 a libra [N.T.: uma libra é pouco mais de 450 gramas], sendo que a média é US$ 3,51.

Todos esses fatores já são aparentes com o início daquilo que pode ser o início de uma nova tendência de resfriamento global. Sem dúvidas, o impacto do clima na economia não deve ser subestimado. Já existem mais indícios de problemas futuros. Segundo os cientistas do Observatório Pulkovo em São Petersburgo, a "atividade solar está em declínio, então a média de temperatura anual começa a declinar...". Se o resfriamento global é real, haverão sérias consequências: verões mais curtos, secas regionais e geadas que prejudicam plantações. Os mercados sofrerão o impacto conforme os compradores comecem a competir pelos diminutivos estoques de grãos e a instabilidade política tomará conta dos países importadores de alimentos.

Por: JEFFREY NYQUIS Publicado no Financial Sense.

O GOVERNO PERDEU O RUMO

Uma sucessão de más notícias fez o governo perder o rumo. O PIB do primeiro trimestre foi péssimo, mais do que confirmando nossa análise neste espaço ("2013 não começou bem I e II", publicados respectivamente, em 20/01 e 17/02). Ao mesmo tempo, as pesquisas mostraram claramente que a inflação e especialmente o custo da alimentação entraram firme na vida e na preocupação das famílias, algo grave para um governo, antes de tudo, empenhado na reeleição.


Por outro lado, aceleraram-se os sinais de piora do setor externo, tanto na balança comercial como na conta corrente, o que colocou pressão sobre o real, gerando uma forte tendência de desvalorização.

A menor arrecadação, por seu turno, torna o expansionismo fiscal, mais claro e complicado. Finalmente, o Congresso, pelo menos por um momento, recusou-se a aprovar tudo o que o Executivo queria.

Esses eventos aconteceram em /meio a uma cada vez mais clara recuperação da economia global. Os últimos dados dos EUA (incluindo a divulgação de um volume de emprego bastante decente, gerado no mês de maio), do Japão e de vários emergentes reporiam essa visão. A valorização do dólar (que reforça a pressão para o enfraquecimento do real) e a extrema sensibilidade dos mercados a qualquer sinal, vindo do Fed, de mudanças na política: ; monetária são indicativos da aceitação pela maior parte do mercado que a economia americana está da vez mais próxima de uma fase de crescimento, algo que já tratamos por várias vezes.

Resta ainda, é verdade, o receio de que a economia chinesa possa fraquejar, não conseguindo segurar os 7,5% de crescimento do PIB em 2013. Embora esta seja uma possibilidade, não é nosso cenário base. Nele, o rebalanceamento da economia chinesa na direção de ganhos de salário real, do consumo e de mais investimentos em qualidade da água, do ar e da energia alternativa deverão continuar. A proposta de compra da Smithfield (empresa americana líder na produção de suínos) feita pela Shuanghui é um grande indicador da importância de melhorias substanciais na qualidade da alimentação demandada pela população e tão relevante nesta fase do crescimento chinês,

Em resumo, os problemas e o enfraquecimento do crescimento brasileiro não podem ser debitados ao exterior. São produtos de uma estratégia que fracassou, agravando questões que vêm se acumulando.

De fato, após o vale-tudo que foi a campanha de 2010, os excessos econômicos produziram uma piora na situação macroeconômica que se tornou clara, Com pressões inflacionárias e outros desequilíbrios, que levaram a um crescimento modesto em 2011. A estratégia do governo, então, foi de relançar a economia a partir dos estímulos 110 consumo e da tentativa de avançar investimentos a partir da liderança do Estado, incluindo empresas estatais.

Dezesseis pacotes depois e um crescimento pífio em 2012 (0,9%), pode-se dizer que a estratégia fracassou. A demanda de consumo, ao invés de crescer, desacelerou; as exportações enfraqueceram e as importações seguem ocupando espaços cada vez maiores no mercado; o investimento público pouco avançou, os custos subiram muito e os atrasos são recorrentes (a transposição do São Francisco e a ferrovia Transnordestina são os exemplos mais acabados desses atrasos). A Petrobrás tem vivido um momento difícil com a estagnação da produção; a Eletrobrás está com o seu fluxo de caixa totalmente comprometido e não terá como funcionar direito se o Tesouro não a socorrer. Os ditos campeões nacionais não adicionaram nada de relevante para o crescimento. O PIB de 2011-2013 será um pouco maior que 2% e, por melhor, que seja 2014, a média do governo Dilma será da mesma magnitude.

Hoje, certas coisas estão absolutamente claras. Três anos de crescimento próximo de 2% não representam um evento fortuito, mas uma tendência mais estrutural, passado o efeito dos grandes ganhos de preços de commodities.

Em segundo lugar, nosso problema não está na demanda, mas sim, na falta de competitividade da produção nacional. Alterar essa situação vai exigir um programa estruturai de longo folego e duração. Tal programa ainda não existe. Discursos salvacionistas serão solenemente ignorados pelos fatos.

Em terceiro lugar, a situação macroeconômica está desarranjada, a começar pela inflação que se mantém firme no topo da meta. O IPCA de maio mostrou que 230 dos 365 componentes do índice subiram mais que 10% nos últimos doze meses!

Isto levou o Banco Central a elevar os juros e sinalizar que vem mais por aí. Entretanto, ao mesmo tempo, as autoridades permitiram uma nova desvalorização do real, para a faixa de R$ 2,15 por dólar, o que vai pressionar a inflação, pelo menos, via alimentos. De fato, na semana terminada na última quinta-feira, o milho tinha subido 1,9% e a soja 3,8%. Para completar o quadro, o Tesouro resolveu injetar R$ 15 bilhões na infausta Valec (!!!)

A alta de juros e da inflação, a desvalorização do real e a política fiscal expansionista não se casam.

Corremos o risco de acabar por piorar um pouco mais o crescimento, a inflação, o setor externo e a dívida do governo.

Mais uma vez, o ativismo e o movimento estão tentando substituir a reflexão, com baixa taxa de sucesso.
Por: José Roberto Mendonça de Barros O Estadão

domingo, 9 de junho de 2013

"VIDA LOKA"

Atribuir a criminalidade à pobreza é ofender todos os pobres. Ser criminoso é a escolha pessoal e deliberada de uma minoria infame e minúscula. Quem escolhe a “vida loka” (com “k”, mesmo; é assim que eles se identificam) quer lucro rápido, prazer imediato e poder de vida e morte sobre suas vítimas, assumindo o risco – cada vez menor devido à proteção atualmente dada aos criminosos – de ser preso ou de tombar em confronto com concorrentes ou com as forças da lei.


O criminoso é fundamentalmente um predador; como todo predador, sua vítima preferencial é quem é mais fraco que ele. Ora, quem é mais frágil que o pobre, mormente a mulher pobre?

A vítima-padrão do crime é uma mulher honesta, de pele escura, que trabalha em troca de pequeno salário e vive sozinha ou com filhos pequenos. A dissolução das estruturas de família estendida faz com que sua casa, por não ter uma presença masculina, seja percebida pelo jovem predador como um alvo fácil. Ao policial, para ela, cabe cumprir o papel social dos ausentes homens da família. Quando os grupos de “direitos humanos” confundem o predador com a presa e tratam o policial como se fosse ele o criminoso, reiteram e reforçam a vitimização dessa mulher pobre.

A classe média, que – ao contrário da mulher pobre – se faz ouvir pela sociedade, é raramente vitimada pelo crime, em termos proporcionais. São alvos difíceis: têm muros, grades e cercas elétricas, fecham-se nos carros. É ela, no entanto, que repete o discurso que atribui a criminalidade – ops, a “violência” – à pobreza, numa mistura de sentimento de culpa marxista, demonização do outro e busca do bom selvagem. O pobre, para ela, é um desconhecido cuja vida é um mistério. É o porteiro do prédio – tão bonzinho! – ou a empregada, cuja casa ela nunca visitou. A criminalidade é uma ameaça no ar, não a crueldade cotidiana dos pequenos predadores que vitimam os mais pobres.

É essa classe média, ignorante da realidade das periferias, que repete na mídia as inanidades de um discurso político de extrema-esquerda disfarçado de defesa dos direitos humanos. As baixas nos confrontos entre predadores – traficantes ou assaltantes – tornam-se, nesse discurso vil, um “genocídio de jovens pobres”. Ora, quem provoca esse suposto genocídio é quem garante que os criminosos estejam livres, nas ruas, matando um ao outro e vitimando em comum os mais fracos que eles. É quem faz com que a “vida loka” pareça uma escolha audaz e viril, ao demonizar a ação da polícia e romantizar a ação do criminoso.
Por: Carlos Ramalhete, professor. Publicado no jornal Gazeta do Povo.

NEOBUGRES DESCOBREM A AMÉRICA

Desde minha primeira travessia do Atlântico, descobri o fascínio dos europeus pelos bugres nossos. No salão Opala, do finado Eugênio C, encontrei uma francesa que voltava da Amazônia, fascinada. C'est magnifique, me repetia com olhar sonhador. Eu não conseguia entendê-la. Mas na Amazônia só há árvores, índios e bichos - objetei. C'est ça! - me respondeu. Ela, oriunda de um mundo milenar e cosmopolita, queria ver o que ficara à margem da civilização. Eu, que nascera naquelas margens, queria a civilização propriamente dita. 


Mais recentemente, amigos franceses em visita à Amazônia, quiseram conhecer uma tribo próxima a Manaus. Foram conduzidos até lá por um guia, que minutos antes de chegar à aldeia, apitou três vezes. Para os “índios” se vestirem de índios.

A Polícia Federal descobriu um líder indígena do Amazonas, habitué de cerimônias com autoridades como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora, Dilma Rousseff, não é índio. Para a PF, Paulo José Ribeiro da Silva, 39, o Paulo Apurinã, fraudou o Rani (Registro Administrativo de Nascimento de Índio), RG indígena emitido pela Funai. É o que conta a Folha de São Paulo. 

Até parece novidade. Neste país em que os escândalos andam em cachos, o apurinã é apenas a ponta do iceberg. Depois que terras e cotas foram distribuídas a negros e índios, suas populações cresceram como cogumelos após a chuva. Corrupção no Brasil é meada. Basta puxar um fio e vem o novelo todo junto.

Em 2010, o IBGE registrou o crescimento de 205% na população indígena do país. Para chegar a este número, o Instituto somou aqueles que se autodeclararam indígenas e os que vivem em terras indígenas, que tiveram pergunta à parte. Os índios, hoje, somam oficialmente 896,9 mil pessoas, de 305 etnias, que falam 274 línguas indígenas. Em 1991, os índios somavam 294 mil. O número chegou a 734 mil no Censo de 2000, 150% de aumento na comparação com 1991. Em apenas nove anos, triplicaram suas populações. Nem muçulmano consegue tal taxa de fertilidade na Europa.

Descobriram mais tribos no país? Nada disso. Os índios é que descobriram a América. Ou melhor, os brancos que descobriram que ser índio é melhor. Vamos à notícia. Após um ano e meio de apuração, Paulo Apurinã e sua mãe, Francisca da Silva Filha, 56, foram indiciados sob suspeita de falsificação de documento público.

Entre os indícios de fraude, diz a PF, estão a ausência de dados genealógicos e de estudos antropológicos, além de depoimentos de índios que negaram a origem dos dois. A própria mãe de Silva, em depoimento à PF, disse ter tirado os nomes indígenas dela e do filho - "Ababicareyma" (mulher livre) e "Caiquara" (o amado) - de um dicionário de tupi-guarani. Eles não falam a língua apurinã. A propósito, ouvi recente entrevista do apurinã recém-saído do forno. Usa um “di” carioca demais para um autóctone da Rain Forest.

"Esses documentos foram adquiridos mediante fraude com colaboração de uma funcionária da Funai", afirmou Sérgio Fontes, superintendente da PF no Amazonas, sobre os registros obtidos em 2007. Nem só Paulinho lucrou com a fraude. Com a flamante identidade, sua mãe entrou como cotista no curso de turismo da Universidade Estadual do Amazonas. 

Ora, não é de hoje que a imprensa vem denunciando a fábrica de índios no país. Em maio de 2010, Veja publicou reportagem sobre a nova indústria, com ênfase ao estado do Pará. Em Santarém, tentou-se criar uma etnia indígena, a dos boraris, que viviam em Alter do Chão, a praia mais badalada do Pará. Com pouco mais 200 pessoas, a etnia assimilou a cultura dos brancos de tal forma que desapareceu no século XVIII. "Em 2005, Florêncio Vaz, frade fundador do Grupo Consciência Indígena, persuadiu 47 famílias caboclas a proclamar sua ascendência borari. Frei Florêncio ensinou-lhes costumes e coreografias indígenas", dizia a revista. 

Segundo a reportagem, o auto-intitulado "cacique" Odair José, de 28 anos, reclamou do fato de Veja tê-lo visitado sem anúncio prévio. "A gente se prepara para receber a imprensa", disse. Não houve guia que apitasse antes, como no caso de meus amigos franceses. Seu vizinho Graciano Souza Filho afirma que "ele se pinta e se fantasia de índio para enganar os visitantes". Basílio dos Santos, tio do "cacique", corrobora essa versão: "Não tem índio aqui. Os bisavôs do Odair nasceram em Belém".

A revista destacava ainda que os falsos boraris queriam uma área de 800 quilômetros quadrados para apenas 47 famílias. Bem maior do que o reservatório previsto da hidrelétrica de Belo Monte – hoje sob cerco dos bugres, orientados por funcionários da Funai e religiosos do Cimi - que terá 500 quilômetros quadrados e beneficiará mais de 20 milhões de brasileiros com energia de matriz limpa. Se a reserva dos falsos índios fosse mesmo criada – dizia a Veja - 800 pessoas poderiam perder o emprego nas empresas instaladas na região. 

O novel apurinã flagrado pela PF não é desconhecido dos leitores. Em novembro de 2011, os jornais noticiavam um crime hediondo cometido por Paulinho. Comentei o assunto neste blog.

Por estar carregando um cocar, o pseudobugre foi barrado por um fiscal do Ibama quando tentava entrar na área de embarque do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes. Após discutir com policiais federais, ele acabou detido por desacato, algemado e levado à sede da Superintendência da PF Amazonas. Segundo Sebastião Souza, agente ambiental federal do Ibama, o indígena não poderia embarcar levando seu cocar, alegando que ele era feito de penas de animais silvestres e não tinham o “selo” do Ibama. Os jornais falavam então em líder indígena. O Ibama esqueceu de apitar antes da entrada de Paulinho.

Porta-voz do Mirream (Movimento Indígena de Renovação e Reflexão do Amazonas), o Silva da selva ganhou notoriedade em 2009, após liderar invasões de terras públicas para assentar índios sem teto, quando enrolou até mesmo aquele outro Silva, o do planalto. Em outubro de 2011, presenteou Dilma e Lula com cocares - que provavelmente tampouco tinham o selo do Ibama - na inauguração de ponte sobre o rio Negro. 

Mas a cocar dado não se olha o selo. As fotos empenachadas circularam, como símbolo de integração, em todos os jornais. "O meu cocar está com a Dilma", disse o pseudobugre à Folha, nesta semana. Vai mal a Presidência da República, quando seus serviços de informação desconhecem a real identidade dos papagaios de pirata do Planalto.

De lá para cá, a Mulher Livre e o Amado enganaram o país, o presidente do país e a imprensa toda do país. Até nuestros vecinos querem participar da boquinha. Em 2008, Roseli Maria Luiz, coordenadora das Ong Recovê, levantou provas de que paraguaios e bolivianos se passavam por índios e moravam em aldeias da região de fronteira, onde a Funai fazia os famosos estudos antropólogicos que futuramente pode resultar em demarcações.

“São muitas as denúncias que temos de falsos índios que fazem documento no Brasil e recebem benefícios, fruto de nossos impostos”, afirmou Roselina ocasião. “As denúncias são muitas, mas o problema é levantar a documentação”. Em janeiro deste ano, dizia o antropólogo Edward M. Luz, mestre e doutorando pela Universidade de Brasília, ao ser interrogado pelo eventual fim do processo de demarcação das terras indígenas: 

- Boa pergunta. Quem sabe? Como estão as terras indígenas hoje? Quando eu ainda estava na universidade em 1996, já ouvíamos falar que mais de 95% das sociedades e povos indígenas no Brasil já tinham suas terras demarcadas. Na verdade não existe hoje uma sociedade indígena que não tenha uma terra demarcada. Todas as sociedades tem suas terras demarcadas e reconhecidas no Brasil. Existe mais de 600 áreas demarcadas totalizando aproximadamente 14% do território nacional. Quando eu saí da FUNAI em 2008, haviam 250 demandas por novas demarcações de terras indígenas. Em 2009 já eram cerca de 360 demandas, em 2011 foram mais de 450 novos pedidos e suponho que o número atual já ultrapasse 500 novos pedidos. O que isso representa? Se não houve aumento no número de comunidades indígenas o que isso nos revela? 

- Pasmem senhores, o que aumentou foi o número de pessoas se passando por índios, reivindicando terras indígenas. São grupos de movimentos sociais se passando por indígenas. O que está ocorrendo no Brasil é uma desapropriação agrária escondida sob o manto do ressurgimento étnico. É uma reforma agrária às avessas. Só para se ter uma ideia do que estou falando, eu como antropólogo, já vivenciei diversas situações onde supostos indígenas reivindicavam terras. Como já falei, quase 14% do território nacional está demarcado para povos indígenas e, recentemente, uma deputada federal do Amapá subiu à tribuna para dizer que é uma vergonha que este país tenha até hoje demarcado apenas 1/3 das terras indígenas. É só fazer um cálculo simples. Se 1/3 equivale a 14% do território nacional, o pleito pode chegar a pelo menos 42%. Isso mostra que a demanda de interesses desses grupos é absolutamente irreal, absolutamente desproporcional. Não há uma lógica proporcional entre a população brasileira e a população indígena. Mesmo que sejam hoje cerca de 800 mil indígenas existente no Brasil. Um pleito de mais de 40% do território brasileiro em detrimento aos quase 200 milhões de brasileiros. Eu já sabia que o pleito era de aproximadamente 25% do território a ser demarcado como terras indígenas, o que já era absolutamente desproporcional, e veja que agora já se fala em mais de 40%. Por isso não se sabe onde isto irá parar. 

Não vai parar, professor. Assim como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) transformou o Brasil em um país negro em 2005, jogando negros e mulatos num mesmo saco – isto é, destruindo o mulato, como fizeram os Estados Unidos – em breve a Funai acabará descobrindo que o Brasil é um país índio. 

Assim como os neobichas estão descobrindo o casamento com véu e grinaldas, os neobugres descobriram a América e não irão largar o osso. Por: Janer Cristaldo 

sábado, 8 de junho de 2013

A MALDIÇÃO DOS BOURBONS

Talleyrand (1754-1838), notável político e diplomata francês, reservava um juízo pouco lisonjeiro sobre os Bourbons, ao sentenciar que eles nada esqueciam e nada aprendiam. 


Esse sarcástico juízo é bem apropriado para qualificar alguns episódios recentes da política fiscal brasileira, especialmente quando se considera o preocupante contexto que inclui o recrudescimento da inflação, o modesto desempenho do PIB, a instabilidade dos juros e do câmbio, a abandonada política de austeridade fiscal, a desconfiança recorrente dos investidores e a imprevisibilidade do cenário externo. 

Impressiona muito a abundância de soluções esdrúxulas para velhos problemas – algumas já testadas e reconhecidamente ineficazes. Prevalece nosso histórico pendor por pajelanças e meizinhas.

O desequilíbrio fiscal é enfrentado por patéticas invencionices contábeis, consistindo em aditar receitas fictícias e subtrair despesas reais, na presunção de que todos são ignorantes.

As tentativas de controlar o surto inflacionário reproduzem conhecidas e malsucedidas práticas, desde o intervencionismo voluntarista nos preços administrados e monitorados (energia elétrica, combustíveis, transportes públicos, etc.) até a desoneração tributária pontual, que só torna mais complexo o sistema tributário. Algumas iniciativas, na área fiscal, concorrem para agravar ainda mais esse lamentável quadro.

Ao que parece, continuamos sem entender a natureza da guerra fiscal. Após a estapafúrdia Resolução nº 13 do Senado, concebida para combater especificamente a denominada "guerra dos portos", foi proposto um pacote de medidas, abrangendo uma pífia e temporária alteração na Lei Complementar nº 24, que dispõe sobre a concessão de incentivos fiscais no âmbito do ICMS, uma complexa e insubsistente alteração nas alíquotas interestaduais daquele imposto e a criação de fundos para compensar as perdas dos entes federativos. Esses fundos demandariam, no curso de sua existência, recursos acima de R$ 400 bilhões, com óbvia repercussão sobre a carga tributária. Felizmente, ao menos por ora, interrompeu-se a tramitação do malsinado pacote.

O controle da guerra fiscal deveria pautar-se nos seguintes pressupostos: não se pode retirar dos Estados competência para conceder benefícios fiscais do ICMS com o objetivo 
de reduzir disparidades inter-regionais de renda, desde que observados determinados requisitos; o veículo normativo deveria ser a lei complementar, como prevê a Constituição, e não Resolução do Senado, destinada a estabelecer a partilha horizontal de rendas; deveriam ser fixadas sanções pelo descumprimento das normas, caso contrário serão apenas regras de boas maneiras; a questão deveria ser tratada conjuntamente com outras questões federativas, como dívidas dos estados e municípios perante a União e critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e dos royalties do petróleo.

Passados mais de três anos após a decisão do STF que considerou inconstitucionais os vigentes critérios de rateio do FPE, o Congresso está prestes a aprovar nova lei complementar dispondo sobre a matéria. A nova lei surpreende ao, de forma oblíqua, prorrogar por dois anos os critérios vigentes. Se se trata de prorrogação, por que a nova lei? Além disso, mantém o que foi tido como inconstitucional pelo STF, em afronta direta 
à decisão daquela Corte. 

O fundamento utilizado para dar sustentação ao projeto de lei complementar é estarrecedor. Argumenta-se que a "prorrogação" dos critérios inconstitucionais dar-se-ia em respeito aos contratos celebrados pelos governos estaduais no âmbito dos planos plurianuais!

Afora isso, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar projeto de lei complementar que permitirá a criação de mais de 400 novos municípios e os correspondentes "empregos" de prefeitos, vereadores e assessores.

É assim que cresce a carga tributária. Continua atual a máxima de Nelson Rodrigues: "Subdesenvolvimento não se improvisa; é obra de séculos". Por: Everardo Maciel O Estadão