quinta-feira, 18 de julho de 2013

DOIS MALES

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, como dizia um conhecido conterrâneo meu. Ainda me lembro, com duas lágrimas nostálgicas, dos protestos contra Mubarak no Egito. Quem não se lembra?


O ditador, depois de três décadas de mando, era acossado nas ruas por milhares, milhões de manifestantes. E não houve jornalista ocidental com credenciais progressistas em dia que não tenha escrito os seus poemas em homenagem à praça Tahrir.

Eis a cabeça do progressista típico: Mubarak = Mau; Protestos = Bons; Irmandade Muçulmana = Melhor que Mubarak.

Aqui, uma pessoa alfabetizada sentia uma leve tontura intelectual. Mubarak não era flor que se cheirasse -um ditador é um ditador é um ditador.

Mas os progressistas conheciam mesmo a Irmandade Muçulmana, esse brilhante grupo fundado por Hassan al Banna em finais da década de 1920 que representa tudo aquilo que a inteligência progressista abomina?

Dito de outra forma: os jornalistas que toleravam a irmandade conheciam as posições do clube sobre as relações entre o Estado e a religião, os direitos das mulheres, dos gays, das minorias religiosas, e etc. etc.?

Conheciam os atentados terroristas promovidos pelos seus líderes ou cometidos em seu nome (o palestino Hamas é apenas o melhor exemplo)?

E estariam dispostos a trocar um Egito autocrático por um Egito submetido aos preceitos da sharia (lei islâmica) sem pensar duas vezes?

Perguntas sem sentido. Retorno ao pensamento circular do progressista circular: se Mubarak era mau e os protestos eram bons, a irmandade só poderia ser melhor que Mubarak.

Pena que os egípcios não sejam tão generosos com Mohammed Mursi, agora deposto. Conta a revista "Economist" que 94% da população considera os militares a instituição mais respeitável do país.

A mesma revista informa que o número de manifestantes que tomou novamente as ruas do Egito contra o faraó deposto oscila entre os 10 milhões e os 14 milhões (o país terá 81 milhões). Motivos para tanto ruído e fúria?

Todos e mais alguns. A incompetência do governo Mursi. A corrupção. A venalidade. A insegurança. A fome. A falta de energia. A violência contra minorias religiosas e étnicas. Os crimes contra mulheres -não, não temos espaço nesta Folha. E que dizem os progressistas de ontem sobre as manifestações de hoje?

Estranhamente, não vi os poetas da praça Tahrir com novos sonetos sobre os descontentamentos dos egípcios.

Aliás, a julgar pelos textos publicados, parece que o golpe militar contra Mursi aconteceu por capricho -e não pela ruína política, econômica e social a que ele conduziu o país.

Sem falar da ruína moral: uma das suas nomeações políticas mais notáveis foi indicar Adel al-Khayat para governador da turística cidade de Luxor. Quem é al-Khayat? Digamos apenas que é alguém que entende de turismo. Ou, mais especificamente, de como rebentar com turistas. Em 1997, na mesma cidade de Luxor, foram 58 estrangeiros e 4 nativos em atentado de grupo islamita a que al-Khayat pertence.

Moral da história?

Sim, o presidente Mursi foi eleito democraticamente -uma importante diferença em relação ao seu antecessor.

Mas será que a legitimidade democrática absolve qualquer governante das suas derivas antidemocráticas? Sobretudo quando entre essas derivas está o golpe constitucional de novembro de 2012, através do qual Mursi pretendia governar autocraticamente como Mubarak antes dele?

Ponto de ordem: não se trata aqui de defender o golpe militar. Trata-se, pelo contrário, de defender o direito a não se defender ninguém: nem Mursi, nem os militares, nem sequer Mubarak.

Porque sem instituições democráticas fortes -tradução: separação de poderes; judiciário independente; liberdade de expressão; respeito pela iniciativa privada; e etc. etc.- qualquer orgasmo democrático com o Egito atual corre o risco de ser apenas ejaculação precoce.

Ao contrário do que pensam as cabeças infantis, a política não é uma luta permanente entre o bem e o mal. Às vezes, é uma luta entre dois males igualmente perversos.

E, nestas matérias, recordo sempre a sagaz observação de Kissinger sobre a guerra Irã x Iraque: "É uma pena que não possam perder os dois." 
Por: João Pereira Coutinho Folha de SP

quarta-feira, 17 de julho de 2013

SINDICATOS NÃO PODEM BENEFICIAR OS TRABALHADORES EM GERAL


Social-democratas, progressistas e toda a esquerda em geral acreditam firmemente, e erroneamente, que sindicatos são capazes de aprimorar o padrão de vida dos assalariados de todo o sistema econômico. E acreditam que eles conseguem fazer isso por meio da imposição de aumentos salariais ou de reduções na jornada de trabalho sem concomitantes reduções salariais. Ao pensarem assim, esses grupos ideológicos cometem a falácia de pressupor que, dado que ganhar mais dinheiro é obviamente um objetivo inteligente para um assalariado buscar, então se todos os assalariados conjuntamente reivindicarem o mesmo para si, tal imposição será igualmente benéfica para todos conjuntamente.

Os proponentes destas ideias se mostram totalmente ignorantes do fato de que aumentos salariais impostos por sindicatos reduzem a quantidade de mão-de-obra demandada e consequentemente geram desemprego tanto para os não-sindicalizados quanto para aqueles trabalhadores cuja habilidade e produtividade geram menos valor do que o novo piso salarial imposto. Mais ainda: menor emprego significa menor produção, e menor produção significa menor oferta de bens e serviços, o que significa preços mais altos. Para coroar tudo, haverá um aumento nos gastos sociais para se conceder benefícios aos desempregados, o que pode levar a um aumento futuro da carga tributária.

A única maneira de se aumentar os salários sem que isso gere um aumento no desemprego é aumentando a quantidade de dinheiro na economia, o que consequentemente tende a elevar o volume de gastos em todo o sistema econômico. Porém, tal fenômeno, assim como o descrito no parágrafo anterior, também levará a um aumento nos preços, e consequentemente não irá aprimorar o padrão de vida dos assalariados.

Expressando estes pontos na tradicional terminologia de oferta e demanda, a única maneira de os salários nominais subirem é havendo uma menor oferta de mão-de-obra — o que significa menos pessoas empregadas — ou havendo mais demanda por mão-de-obra, o que também significa que está havendo uma maior demanda por bens de consumo e, consequentemente, que os preços dos bens de consumo estão mais altos. Logo, por mais surpreendente que isso possa parecer, podemos concluir que salários maiores — sejam eles obtidos por meio de uma menor oferta de mão-de-obra ou por uma maior demanda por mão-de-obra decorrente de um aumento da quantidade de dinheiro na economia — simplesmente não podem aumentar o padrão de vida do assalariado médio. 

Temos de concluir, portanto, que se realmente desejam aumentar o padrão de vida do assalariado médio, os sindicatos estão completamente equivocados em ter como objetivo exigir aumentos salariais. No entanto, este é exatamente o seu supremo objetivo, não havendo nenhum outro objetivo comparável à grandiosidade deste.

Sim, é possível haver um aumento na demanda por mão-de-obra que leve a aumentos salariais e que, ao mesmo tempo, não gere aumento na demanda por bens de consumo e nem aumento de preços. Mas isso só poderia ocorrer caso fosse resultado de um aumento na poupança. E o que permitiria isso seria uma grande redução nos gastos do governo feita em simultâneo a uma equivalente redução de impostos, dentre eles o imposto de renda de pessoa jurídica, o imposto de renda de pessoa física, o imposto sobre ganhos de capital e todos os outros impostos que incidem sobre a receita e o lucro das empresas. Dado que impostos são pagos com fundos que poderiam ser poupados e utilizados em investimento, tal redução de impostos permitirá que tais fundos sejam agora efetivamente poupados e investidos. Essa poupança adicional poderia, consequentemente, ser em grande parte utilizada para pagar os aumentos salariais.

Por conseguinte, os assalariados poderiam aumentar correspondentemente seus gastos em consumo. E isso não representaria um aumento geral do gasto em consumo porque estaria sendo financiado por uma equivalente — aliás, mais do que equivalente — redução nos gastos do governo. Ou seja, o governo reduziu seus gastos para que os trabalhadores pudessem aumentar os próprios. Assim, embora os salários dos trabalhadores tenham aumentado, não houve nada que tornasse possível a elevação generalizada dos preços. 

No entanto, desnecessário dizer que tais reduções de impostos são um anátema absoluto para os sindicatos e seus defensores.

Nunca é demais ressaltar que o que de fato aumenta o padrão de vida dos assalariados é o aumento na produtividade da mão-de-obra — isto é, um aumento na quantidade de bens produzidos por unidade de mão-de-obra. Este aumento de produtividade serve para aumentar a oferta de bens em relação à quantidade de mão-de-obra disponível. E tal aumento na oferta de bens em relação à mão-de-obra leva a uma redução dos preços dos bens em relação aos salários pagos. Caso a quantidade de dinheiro na economia fosse constante ou aumentasse muito pouco, os preços cairiam ao mesmo tempo em que os salários permaneceriam inalterados. Havendo um aumento mais substancial da quantidade de dinheiro na economia, seria possível que os preços permanecessem inalterados ao mesmo tempo em que os salários subissem. Seria possível também que tanto preços e salários aumentassem, mas com os preços subindo menos que os salários. A questão é que, se estiver havendo um aumento contínuo da produtividade, de modo que a quantidade de bens esteja sempre aumentando em relação à quantidade de mão-de-obra disponível, estará havendo um aumento no padrão de vida dos assalariados.

É essencial entender que a base para um aumento da produtividade da mão-de-obra está na quantidade de investimento feito na produção de bens de capital. E investimentos em bens de capital são estimulados por reduções nos gastos do governo acompanhadas por uma equivalente redução naqueles impostos que são pagos com fundos que, uma vez liberados deste encargo, poderão ser substancialmente poupados e investidos em bens de capital.

O problema é que os sindicatos e seus defensores ideológicos são totalmente alheios a estes fatos econômicos. Acima de tudo, eles são ignorantes quanto ao fato de que o padrão de vida dos assalariados não advém necessariamente de um aumento salarial mas sim de uma queda de preços dos bens de consumo e dos serviços. Como explicado acima, a queda nos preços não precisa ser em termos nominais ou absolutos. Basta apenas que seja uma queda relativa, isto é, que os preços aumentem menos que os salários — ou, colocando de outra forma, que os preços ao menos sejam menores do que seriam caso o único fator atuante fosse um aumento na quantidade de dinheiro e do volume de gastos na economia.

Quando finalmente se entende que o real aumento do padrão de vida dos assalariados advém da redução relativa de preços e não do aumento nominal dos salários, não é difícil chegar à conclusão de que os sindicatos não apenas são totalmente ignorantes em relação a como elevar o padrão de vida dos assalariados em geral, mas também atuam diretamente contra os interesses dos assalariados em geral. Em vez de agirem de modo a facilitar investimentos em bens de capital, o que aumentaria a produtividade (logo, os salários) e a oferta de bens de consumo, e consequentemente reduziria os preços relativos destes bens, os sindicatos defendem medidas que necessariamente obstruem esses investimentos, como impostos, encargos sociais e trabalhistas, e maiores gastos com salários.

Sindicatos podem aumentar o padrão de vida de pequenos grupos de trabalhadores, mas apenas ao adquirirem privilégios monopolísticos que limitam o número de trabalhadores que podem ser empregados em uma determinada linha de trabalho ou ao gerarem ou manterem uma necessidade artificial pelos serviços de trabalhadores de determinadas áreas. Porém, nestes casos, os sindicatos estão reduzindo o padrão de vida de outros trabalhadores. Os trabalhadores que forem impedidos de trabalhar em áreas dominadas por sindicatos terão de encontrar empregos em outros setores, nos quais o acréscimo de sua mão-de-obra servirá apenas para reduzir ainda mais os salários. Se houver leis de salário mínimo que proíbam uma redução salarial, então estes trabalhadores desalojados acabarão simplesmente desempregados ou tomando os empregos de outros trabalhadores menos qualificados, os quais ficarão desempregados.

À luz de tudo isso, é possível entendermos como a produtividade da mão-de-obra ao longo dos últimos 225 anos aumentou em uma escala de vários múltiplos, e com um comparavelmente enorme efeito positivo sobre os salários reais (a quantidade de horas de trabalho necessária para se adquirir bens e serviços corriqueiros vem caindo continuamente) e sobre o padrão de vida geral, e sem nenhum efeito negativo sobre a taxa de desemprego. Com efeito, o número total de assalariados empregados também aumentou enormemente, em linha com o aumento populacional possibilitado pelo aumento na produtividade da mão-de-obra e o consequente aumento no padrão de vida.

A única contribuição dos sindicatos a esse processo é impedi-lo ou retardá-lo. A cada avanço ocorrido no mundo empreendedorial, os sindicatos tentam combater o aumento da produtividade sempre que isso ameaça reduzir o número de empregos disponíveis para seus membros. Com efeito, eles abertamente se orgulham de "manter pessoas empregadas" quando deveriam era se orgulhar de criar bens e ser produtivos, aparentemente incapazes de compreender que manter empregos exigindo uma mão-de-obra maior do que a necessária para produzir um determinado bem serve apenas para impedir a produção de outros bens, os quais, conjuntamente a esse bem em particular com o qual eles estão preocupados, poderiam aumentar o padrão de vida dos trabalhadores.

Para continuarem existindo, sindicatos necessitam de um "sangue fresco" que possa ser continuamente sugado. Sua mais abundante e fecunda fonte nas últimas décadas tem sido os funcionários públicos, que hoje formam a maioria de seus membros. Ao fazerem vultosas contribuições para a campanha de políticos corruptos, e ao obrigarem seus membros a votarem em massa nestes políticos, os sindicatos dos funcionários públicos podem garantir salários e aposentadorias magnânimas (para não dizer bizarras) para seus membros, tudo financiado pelos pagadores de impostos do setor privado. Em face das iminentes falências governamentais ao redor do mundo, este processo parasitário vem encontrando crescente oposição. A esperança do setor produtivo é que ele esteja hoje próximo de seu fim.


Por: George Reisman é Ph.D e autor de Capitalism: A Treatise on Economics. (Uma réplica em PDF do livro completo pode ser baixada para o disco rígido do leitor se ele simplesmente clicar no título do livro e salvar o arquivo). Ele é professor emérito da economia da Pepperdine University. Seu website: www.capitalism.net. Seu blog georgereismansblog.blogspot.com

Tradução de Leandro Roque

GRAMSCI E A COMUNIZAÇÃO DO BRASIL


Em lugar algum no mundo o pensamento de Gramsci foi tão disciplinadamente aplicado como está sendo no Brasil. Inicialmente, pelo governo FHC, e agora pelo PT, cuja nomenklatura governamental segue com rigor as orientações emanadas dos intelectualóides uspianos que dirigem o Foro de São Paulo e que têm como cartilha os Cadernos do Cárcere, de Gramsci.


Quem não está familiarizado com as ideologias políticas, por certo estará perguntando: Quem foi Gramsci e qual sua relação com o comunismo brasileiro?

Antonio Gramsci (1891-1937), pensador e político foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano em 1921, e o primeiro teórico marxista a defender que a revolução na Europa Ocidental teria que se desviar muito do rumo seguido pelos bolcheviques russos, capitaneados por Vladimir Illitch Ulianov Lênin (1870-1924) e seguido por Iossif Vissirianovitch Djugatchvili Stalin (1879-1953).

Durante sua prisão na Itália em 1926, que se prolongou até 1935, escreveu inúmeros textos sobre o comunismo os quais começaram a ser publicados por partes na década de 30, e integralmente em 1975, sob o título Cadernos do Cárcere. Esta publicação, difundida em vários continentes, passou a ser o catecismo das esquerdas, que viram nela uma forma muito mais potente de realizar o velho sonho de implantar o totalitarismo, sem que fosse necessário o derramamento de sangue, como ocorreu na Rússia, na China, em Cuba, no Leste Europeu, na Coréia do Norte, no Camboja e no Vietnã do Norte, países que se tornaram vítimas da loucura coletiva detonada por ideólogos mentecaptos.

Gramsci professava que a implantação do comunismo não deve se dar pela força, como aconteceu na Rússia, mas de forma pacífica e sorrateira, infiltrando, lenta e gradualmente, a idéia revolucionária. A estratégia é utilizar-se de diplomas legais e de ações políticas que sejam docilmente aceitas pelo povo, entorpecendo consciências e massificando a sociedade com uma propaganda subliminar, imperceptível aos mais incautos que, a priori, representam a grande maioria da população, de modo que, entorpecidos pelo melífluo discurso gramsciano, as consciências já não possam mais perceber o engodo em que estão sendo envolvidas.

A originalidade da tese de Gramsci reside na substituição da noção de “ditadura do proletariado” por “hegemonia do proletariado” e “ocupação de espaços”, cuja classe, por sua vez, deveria ser, ao mesmo tempo, dirigente e dominante. Defendia que toda tomada de poder só pode ser feita com alianças e que o trabalho da classe revolucionária deve ser primeiramente, político e intelectual.

A doutora Marli Nogueira, estudiosa do assunto, nos dá a seguinte explicação sobre a “hegemonia”:

“A hegemonia consiste na criação de uma mentalidade uniforme em torno de determinadas questões, fazendo com que a população acredite ser correta esta ou aquela medida, este ou aquele critério, esta ou aquela ´análise da situação´, de modo que quando o comunismo tiver tomado o poder, já não haja qualquer resistência. Isto deve ser feito, segundo ensina Gramsci, a partir de diretrizes indicadas pelo ´intelectual coletivo´ (o partido), que as dissemina pelos ´intelectuais orgânicos´ (ou formadores de opinião), sendo estes constituídos de intelectualóides de toda sorte, como professores – principalmente universitários (porque o jovem é um caldo de cultura excelente para isso), a mídia (jornalistas também intelectualóides) e o mercado editorial (autores de igual espécie), os quais, então, se encarregam de distribuí-las pela população”.

Quanto à “ocupação de espaços”, pode ser claramente vislumbrada pela nomeação de mais de 20 mil cargos de confiança pelo PT em todo o território brasileiro, cujos detentores desses cargos, militantes congênitos, têm a missão de fazer a acontecer a “hegemonia”.

Retornando a Gramsci e segundo ele, os principais objetivos de luta pela mudança são conquistar, um após outro, todos os instrumentos de difusão ideológica (escolas, universidades, editoras, meios de comunicação social, artistas, sindicatos etc.), uma vez que, os principais confrontos ocorrem na esfera cultural e não nas fábricas, nas ruas ou nos quartéis. O proletariado precisa transformar-se em força cultural e política, dirigente dentro de um sistema de alianças, antes de atrever-se a atacar o poder do Estado-burguês. E o partido deve adaptar sua tática a esses preceitos, sem receio de parecer que não é revolucionário. Isso o povo brasileiro não está percebendo, pois suas mentes já foram entorpecidas pelo governo revolucionário que está no poder.

Desta forma, Gramsci abandonou a generalizada tese marxista de uma crise catastrófica que permitiria, como um relâmpago, uma bem sucedida intervenção de uma vanguarda revolucionária organizada. Ou seja, uma intervenção do Partido. Para ele, nem a mais severa recessão do capitalismo levaria à revolução, como não a induziria nenhuma crise econômica, a menos que, antes, tenha havido uma preparação ideológica. É exatamente isto que está acontecendo no presente momento aqui no Brasil: A preparação ideológica. E está em fase muito adiantada, diga-se de passagem.

Segundo a doutora Marli:

“Uma vez superada a opinião que essa mesma sociedade tinha a respeito de várias questões, atinge-se o que Gramsci denominava ´superação do senso-comum´, que outra coisa não é senão a hegemonia de pensamento. Cada um de nós passa, assim, a ser um ventríloquo a repetir, impensadamente, as opiniões que já vêm prontas do forno ideológico comunista. E quando chegar a hora de dizer ´agora estamos prontos para ter realmente uma ´democracia´ (que, na verdade, nada mais é do que a ditadura do partido), aceitaremos também qualquer medida que nos leve a esse rumo, seja ela a demolição de instituições, seja ela a abolição da propriedade privada, seja ela o fim mesmo da democracia como sempre a entendemos até então, acreditando que será muito normal que essa ´volta à democracia´ se faça por decretos, leis ou reformas constitucionais”.

Lênin sustentava que a revolução deveria começar pela tomada do Estado para, a partir daí, transformar a sociedade. Gramsci inverteu esses termos: a revolução deveria começar pela transformação da sociedade, privando a classe dominante da direção da “sociedade civil” e, só então, atacar o poder do Estado. Sem essa prévia “revolução do espírito”, toda e qualquer vitória comunista seria efêmera.

Para tanto, Gramsci definiu a sociedade como “um complexo sistema de relações ideais e culturais” onde a batalha deveria ser travada no plano das idéias religiosas, filosóficas, científicas, artísticas etc. Por essa razão, a caminhada ao socialismo proposta por Gramsci não passava pelos proletariados de Marx e Lênin e nem pelos camponeses de Mão Tse Tung, e sim pelos intelectuais, pela classe média, pelos estudantes, pela cultura, pela educação e pelo efeito multiplicador dos meios de comunicação social, buscando, por meio de métodos persuasivos, sugestivos ou compulsivos, mudar a mentalidade, desvinculando-a do sistema de valores tradicionais, para implantar os valores da ideologia comunista.
Fidel Castro, com certeza, foi o último dinossauro a adotar os métodos de Lênin. Poder-se-á dizer que Fidel ao lado de Hugo Chávez e Evo Morales são os últimos dos moicanos às avessas considerando que seus discípulos Lula, Kirchner, Vásquez e Zapatero, estão aplicando, com sucesso, as teses do Caderno do Cárcere, de Antônio Gramsci. Chávez, o troglodita venezuelano, optou pelo poder da força bruta e fraudes eleitorais. No Brasil, por via das dúvidas, mantêm-se ativo e de prontidão o MST e a Via Campesina, grupos paramilitares, como salvaguarda, caso tenham que optar pela revolução cruenta que é a estratégia leninista.

Todos os valores que a civilização ocidental construiu ao longo de milênios vêm sendo sistematicamente derrubados, sob o olhar complacente de todos os brasileiros, os quais, por uma inocência pueril, seja pelo resultado de uma proposital fraqueza do ensino, seja por uma ignorância dos reais intentos das esquerdas, nem mesmo se dão conta de que é a sobrevivência da própria sociedade que está sendo destruída.

Perdidos esses valores, não sobra sequer espaço para a indignação que, em outros tempos, brotaria instantaneamente do simples fato de se tomar conhecimento dos últimos acontecimentos envolvendo escancaradas corrupções em todos os níveis do Estado.

O entorpecimento da razão humana, com o conseqüente distanciamento entre governantes e governados, já atingiu um ponto tal que, se não impossibilitou, pelo menos tornou extremamente difícil qualquer tipo de reação por parte do povo. Estando os órgãos responsáveis pela sua defesa – imprensa, associações civis, empresariado, clero, entre outros – totalmente dominados pelo sistema de governo gramsciano que há anos comanda o País, o resultado não poderia ser outro: a absoluta indefensabilidade do povo brasileiro. A este, alternativa não resta senão a de assistir, inerme e inerte, aos abusos e desmandos daqueles que, por dever de ofício, deveriam protegê-lo em todos os sentidos.
A verdade é que os velhos métodos para implantação do socialismo-comunismo foram definitivamente sepultados. Um novo paradigma está sendo adotado, cuja força avassaladora está sendo menosprezada, e o que é pior, nem percebida pelo povo brasileiro.

O Brasil está sendo transformado, pelas esquerdas, num laboratório político do pensamento de Gramsci sob a batuta do aluno aplicado e tutela do Foro de São Paulo.

Por: Por Anatoli Oliynik

terça-feira, 16 de julho de 2013

O PARTIDO DA AVENTURA

Aconteceu algo talvez irreversível: uma desconfiança tornou-se exasperação


Nos anos 1970, na Itália, "il partito dell'avventura" era o golpismo que queria desestabilizar a democracia. De que forma? Insuflando os peitos da classe média com inquietudes e medos abstratos. Uma indignação generalizada (sem alvos muito específicos e circunscritos) e a sensação de insegurança (produzida pelo terror) levariam o povo a recusar o sistema no seu conjunto: a rua exigiria a renúncia do governo, o fechamento do Parlamento e o fim de partidos e sindicatos.

Se esses pedidos se impusessem, temíamos que a porta se abrisse para "aventuras" políticas imprevisíveis e (argumentávamos, baseando-nos na história recente) totalitárias: nostalgias fascistas ou sonhos stalinistas.

No retrospecto, estranho a facilidade com a qual parecíamos menosprezar a perspectiva da "aventura". Certo, as indignações generalizadas geram um futuro incerto, que ninguém sabe no que dará e que talvez dê em algo perigoso. Mas é curioso que a aventura, com sua promessa de mudanças radicais, não nos seduzisse nem um pouco.

Seja como for, estamos, hoje, num momento bom para o partido da aventura. Imagine uma pesquisa nacional que colocasse, em qualquer ordem, por exemplo, as perguntas que seguem.

Primeiro, sobre o Legislativo. Você quer que os nossos representantes parem de usar os aviões da FAB como táxi aéreo? Quer que eles possam ser eleitos só por um mandato? Quer que eles tenham um regime de INSS igual ao de todo mundo? Quer que eles sejam obrigados a recorrer exclusivamente aos serviços públicos de educação e saúde (pela qualidade dos quais, afinal, eles são responsáveis)? Você quer que eles não possam decidir os aumentos de seus próprios salários e mordomias? Enfim, você aceitaria que o Parlamento fosse fechado, e que novas eleições fossem convocadas, em que nenhum representante atual pudesse ser candidato?

Logo, o Executivo. Você acha que os ministérios existem como objetos de barganha política mais do que por necessidade de governo? Quer que o governo corte pela metade seus 39 ministérios? Você gostaria que o governo renunciasse e alguém de reputação ilibada, sem disposição para compromissos e negociatas, tomasse as rédeas do poder?

Não inventei nenhuma dessas perguntas. Cada uma delas está (com muitas outras) em vários e-mails que recebi nas últimas semanas. Talvez uma pesquisa desse tipo seja por si só uma "aventura" perigosa: se a resposta majoritária fosse positiva, a desmoralização da classe política inteira seria brutal.

Não tenho nenhuma simpatia pela ideia de uma figura salvadora providencial --Collor foi eleito com essa imagem, e olhe no que deu.

Por outro lado, desconfio de qualquer ordem estabelecida que tente se manter e se legitimar chantageando-nos com o espantalho de um futuro incerto: aceite a gente e as coisas assim como estão ou prepare-se para o risco da "aventura", ou seja, "depois de nós, o dilúvio". Dizem que sem partidos e sem Parlamento não há democracia; será? Apenas 240 anos atrás, quando a revolução americana inventou a república moderna, o mundo inteiro dizia que sem rei não haveria governo possível.

Numa entrevista publicada na Folha de segunda (8), um sociólogo italiano, Paolo Gerbaudo, citando Gramsci, falou dos "sintomas mórbidos" que aparecem no "interregnum", "quando um sistema de poder está em colapso, mas seu sucessor ainda não se formou". São "fenômenos estranhos, criaturas monstruosas e difíceis de serem decifradas. Hoje, as criaturas estranhas são esses movimentos populares". Um exemplo dessas criaturas? Depois da Primeira Guerra Mundial, as massas italianas e alemãs que se lançaram na "aventura" do fascismo, do nazismo e da Segunda Guerra.

Note-se que nem todos os sintomas mórbidos levam a um desfecho sinistro. Ao longo da história, houve "aventuras" que acabaram bem. Mas entendo o olhar atônito do governo e do Parlamento, pois a questão é saber para quem a aventura em curso acabará bem.

Pode ser que, aos poucos, as manifestações populares se acalmem. Mas talvez algo irreversível tenha acontecido: uma desconfiança, que existia há tempos (se não desde a origem do país), agora se tornou exasperação. E a exasperação é quase sempre um prelúdio. Ao quê? Seria sábio ter medo?

Uma coisa é certa: a responsabilidade pela eventual "aventura" de hoje não é das massas exasperadas, é de quem as encurralou até a exasperação. Por: Contardo Calligaris Folha de SP

ESPIONAGEM E COMPETÊNCIA

Há quem se horrorize com as dimensões da espionagem americana, e há quem, movido pela inveja, finja fazê-lo. É o caso de nossos governantes.


Afinal, o que estamos vivendo é o fim do processo de centralização excessiva do poder que se iniciou no Absolutismo, de que nossos descendentes provavelmente verão a democracia representativa e outras formas de modernidade como um subcapítulo. Como em toda decadência final de um modelo de civilização, o que era convenção social passa a ser imposto à força após perder a aceitação tácita que lhe dava autoridade. É o que ocorreu em Roma sob Juliano; é o que levou à caça às bruxas que tomou conta da Europa após o fim da Idade Média.

A hipertrofia da autoridade estatal central, típica da modernidade que ora finda, levou a fenômenos que seriam considerados absurdos em qualquer outra sociedade, como os documentos de identidade pessoal e de veículos (e o governo precisa autorizar que mudemos a cor de um carro que nos pertence!), a obrigatoriedade geral de declarar ao Estado toda a renda pessoal etc. Saber do que conversamos com os amigos nas redes sociais, por onde passeou nosso telefone celular ou o conteúdo dos nossos e-mails comerciais é uma diferença de grau, não de essência.

Nos EUA, os ativistas pela liberdade de informação estão em polvorosa, e com razão. No Brasil, não há o que fazer; sabemos que estamos sujeitos à violação de nossa privacidade a cada momento e – mais até que os americanos – em tese poderíamos até mesmo ser obliterados pelos robôs assassinos voadores (os drones) com que os EUA atualmente se comprazem em caçar inimigos, reais ou imaginários.

Uma alegria, contudo, nós ainda temos: nosso governo não tem os meios do americano. Se a gangue que ora ocupa o Planalto pudesse, indubitavelmente a vigilância seria ainda mais acirrada. Para nossas autoridades, todavia, é um sonho impossível. Seria mais fácil estabelecer uma colônia petista na Lua que atingir o nível de competência em espionagem de que dispõe o governo americano.

Mais ainda: as patéticas tentativas de aumento de controle do nosso governo só fazem com que perca mais rapidamente o parco poder que ainda lhe resta. A castração da ação independente da Polícia Federal levou-a a tornar público o caso Rosemary, e nada impede que o mesmo fenômeno ocorra em outras instâncias. Os EUA têm a Homeland Security; nós só temos uma presidente que em breve estará falando sozinha. Eles têm robôs assassinos voadores; nós só temos mensaleiros abusando da FAB. Dá pra encarar.
Por: Carlos Ramalhete Gazeta do Povo PR

sábado, 13 de julho de 2013

O BRASILEIRO FOI ÀS RUAS E GOSTOU - MAS CONTINUA SEM ENTENDER NADA


Após mais de duas semanas de protestos diários nas ruas, já é possível fazer uma análise mais acurada das motivações das pessoas envolvidas nas manifestações. 

Até o momento, há dois grupos envolvidos. Um grupo é formado por pessoas que fazem reivindicações as mais diversas e opostas possíveis: há desde libertários pedindo redução de impostos, livre concorrência e desregulamentações a grupos comunistas pedindo a estatização geral do transporte público. Há grupos que fecham estradas pedindo a construção de viadutos, a instalação de lombadas eletrônicas e o barateamento do sistema de transportes, e há grupos que fecham avenidas exigindo maiores salários para professores e médicos, e mais recursos direcionados para a saúde e a educação. Há estudantes universitários pedindo mais bolsas e um maior valor para as bolsas, e há professores universitários querendo que seus salários sejam equiparados aos dos professores das "universidades de ponta". Há alienados que manifestam apenas pelo prazer de segurar um cartaz e gritar refrãos bacanas e há espertalhões que utilizam estes alienados para aumentar o coro em prol de suas reivindicações.

A esmagadora maioria clama pelo "fim da corrupção" e por mais e melhores serviços públicos, o que inclui "transporte público, gratuito e de qualidade", o que é equivalente a um círculo triangular. E, até o momento, a vitória tem estado majoritariamente do lado estatista: os governadores do Rio Grande do Sul (Tarso Genro, do PT) e de Goiás (Marconi Perillo, do PSDB) acabam de anunciar o passe livre estudantil, o que significa que os pobres agora pagarão pelo transporte de universitários. Já o senador Renan Calheiros, ávido por melhorar sua reputação perante a esquerda estudantil, foi ainda mais longe e aprovou em regime de urgência a votação da proposta de passe livre estudantil para simplesmente todo o país. Basta o Senado aprovar e a estrovenga estará implementada. O PLS 248/2013 "assegura gratuidade no sistema de transporte público coletivo local a estudantes do ensino fundamental, médio ou superior regularmente matriculados e com frequência comprovada em instituição pública ou privada."

Antes disso, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado já havia aprovado uma PEC que classifica o transporte como um "direito social".

O outro grupo é formado por arruaceiros — que são formados por marginais oriundos de todas as partes do país — que estão ali apenas pelo prazer de vandalizar e destruir propriedade privada. O ocorrido na quarta-feira passada em Belo Horizonte foi sintomático: várias concessionárias de veículos foram saqueadas, incendiadas e completamente depredadas, levando a uma perda total de estoques. Uma revendedora de motos foi invadida e, não conseguindo roubar as motos, os arruaceiros optaram por incendiá-las nas ruas. (Veja as imagens a partir do marco 2:00). Em Porto Alegre, além de dois prédios públicos, dois prédios residenciais, nove agências bancárias e 21 lojas foram depredadas e saqueadas, e 20 contêineres de lixo foram virados e incendiados. Atos semelhantes ocorreram nas manifestações de todas as capitais do país.

Quanto a este segundo grupo, não há nenhuma controvérsia sobre o que deve ser feito. Dado que o governo existe e dado que ele é uma instituição que detém o monopólio da violência, então sua função precípua é utilizar esta violência para defender o indivíduo e a propriedade privada de ataques violentos. Logo, a polícia deve ser completamente liberada para ministrar punição instantânea a estes arruaceiros. Mas isso não irá ocorrer porque nossa Constituição socialista não considera que danos à propriedade privada sejam crimes sequer dignos de encarceramento. No Brasil, se você vandalizar um carro ou destruir uma agência bancária ou uma concessionária de veículos o máximo que irá lhe ocorrer será a prestação de serviços comunitários ou o pagamento de algumas cestas básicas. Já a depredação de patrimônio público recebe uma punição mais severa e o arruaceiro de fato pode ir para a cadeia. Tal inversão de valores é digna de países de mentalidade coletivista. A devoção à inviolabilidade da pessoa e da propriedade privada não faz parte do nosso sistema de valores.

Os motivos das manifestações

Mas a intenção deste artigo não é se concentrar nos arruaceiros, mas sim nos motivos que levaram as pessoas às ruas para fazer reivindicações. E o fato é que quem acompanha nossos artigos sobre a economia brasileira aqui no IMB não deveria estar surpreso com as reivindicações, mesmo com aquelas que involuntariamente clamam por mais estado. Tudo está ocorrendo exatamente como explica a teoria dos ciclos econômicos.

Há duas grandes motivações que estão levando as pessoas às ruas: uma é de cunho econômico e a outra é de cunho emocional. Só que ambas são interligadas.

O período que vai de 2007 até meados de 2011 foi mágico para a economia brasileira. Mesmo a recessão de 2009 — que foi curta pelos motivos explicados aqui — não abalou em nada a confiança do brasileiro de que o futuro finalmente havia chegado, que o país deixaria de ser uma eterna promessa, e que o gigante finalmente estava desperto. 

Ledo engano. Tudo não passava de um truque possibilitado pela expansão artificial do crédito, algo com o qual o brasileiro ainda não estava acostumado. A expansão artificial do crédito não gera prosperidade, mas sim uma enganosa aparência de pujança.

No nosso atual sistema monetário e bancário, quando uma pessoa ou empresa pega empréstimo, os bancos criam dinheiro do nada (na verdade, meros dígitos eletrônicos), emprestam este dinheiro e cobram juros sobre eles. Ou seja, todo esse processo de expansão de crédito nada mais é do que um mecanismo que aumenta a quantidade de dinheiro na economia. Esse aumento da quantidade de dinheiro na economia faz com que, no primeiro momento, haja uma grande sensação de prosperidade. A renda nominal aumenta, os investimentos aumentam, o consumo aumenta e o desemprego cai.

A sensação vivenciada pelas pessoas durante essa fase de prosperidade artificial é maravilhosa: a renda nominal das pessoas cresce anualmente; investidores se animam ao ver que o valor de suas ações cresce diariamente; as indústrias de bens de consumo conseguem vender tudo que põem no mercado e a preços crescentes; os estoques das empresas são prontamente vendidos; apartamentos são vendidos ainda na planta; novos empreendimentos são continuamente iniciados; carros zero são vendidos aceleradamente; novos restaurantes e novas lojas são inaugurados diariamente; os preços e os lucros sobem mensalmente; trabalhadores encontram empregos a salários nominais cada vez maiores; restaurantes estão sempre cheios e com longas listas de espera apenas para arrumarem uma mesa; trabalhadores e seus sindicatos veem o quão desesperadoramente empresários estão demandando seus serviços em um ambiente de pleno emprego, aumentos salariais e (nos países mais ricos) imigração; líderes políticos se beneficiam daquilo que parece ser uma economia excepcionalmente boa, a qual eles venderão ao eleitorado como resultado direto de sua liderança e de suas boas políticas econômicas; burocratas responsáveis pelo orçamento do governo ficam impressionados ao descobrir que, a cada ano, a receita está aumentando em cifras de dois dígitos.

Porém, tal arranjo não pode durar. Há um enorme descoordenação entre o comportamento dos consumidores e dos investidores. Os consumidores seguem consumindo sem a necessidade de poupar, pois a quantidade de dinheiro na economia aumenta continuamente, o que torna desnecessária qualquer abstenção do consumo. E os investidores seguem aumentando seus investimentos, os quais são totalmente financiados pela criação artificial de dinheiro virtual feita pelos bancos e não pela poupança genuína dos cidadãos. Tal arranjo é completamente instável. Trata-se apenas de uma ilusão de que todos podem obter o que quiserem sem qualquer sacrifício prévio.

No Brasil, os indivíduos intensificaram seu endividamento para poder consumir, na crença de que a expansão do crédito continuaria farta e que sua renda futura continuaria aumentando, o que facilitaria a quitação destas dívidas. Já as empresas embarcaram em investimentos de longo prazo estimuladas tanto pela expansão monetária coordenada pelo Banco Central (o que fez com que os investimentos se tornassem mais financeiramente viáveis) quanto pela expectativa de que o aumento futuro da renda possibilitaria o consumo dos produtos criados pelos seus investimentos. 

No entanto, este aumento do endividamento também trouxe um aumento nos calotes, o que deixou os bancos mais cautelosos em continuarem expandindo o crédito. E os bancos estarem mais cautelosos significa menor expansão da quantidade de dinheiro na economia (como mostram os gráficos deste artigo). Consequentemente, a taxa de crescimento da quantidade de dinheiro na economia brasileira começou a desacelerar, o que levou a uma estagnação da renda nominal das pessoas. Isso fez com que o modelo de crescimento baseado na simples expansão do crédito se esgotasse.

No entanto, os preços continuaram subindo, tanto em decorrência de toda a expansão monetária que já havia ocorrido quanto pela súbita desvalorização da taxa de câmbio ocorrida em 2012 e intensificada agora em 2013, o que tornou as importações mais caras e as exportações mais atraentes. Uma combinação entre menos importações e mais exportações reduz a oferta de bens no mercado interno, o que gera uma pressão nos preços destes bens.

Esse arranjo que combina renda nominal estagnada, preços em contínua ascensão e endividamento (e inadimplência) em alta está gerando não apenas uma enorme sensação de aperto financeiro nos brasileiros, como também trouxe uma grande frustração a estas pessoas. Aquela economia que outrora parecia invejável e rumo a um futuro auspicioso repentinamente estagnou-se, perdeu todo o seu brilho e, agora sem essa camuflagem, explicitou toda a sua realidade: infraestrutura caótica, serviços públicos marfinenses, inflação de preços sempre acima da meta do Banco Central (meta esta que já é alta até mesmo entre países em desenvolvimento), endividamento crescente, renda estagnada e famílias cujos salários mal chegam ao final do mês.
Um perfeito exemplo de como uma expansão econômica artificial mexe com o psicológico e com o senso de realidade das pessoas nos foi fornecido por esta capa da revista IstoÉ, de 6 de janeiro de 2010, na qual o hebdomadário dizia que já éramos uma potência:

Segundo a reportagem:

"O Brasil está conseguindo o raro feito de extrair opiniões quase unânimes mundo afora. São poucos, pouquíssimos, os economistas que ousam discordar de que o País entrou em um ciclo de desenvolvimento sustentado. E mais: são ainda mais raros aqueles que duvidam da capacidade de o Brasil se tornar uma das maiores potências econômicas do planeta em um par de dezena de anos."

Dentre os "poucos, pouquíssimos, economistas que ousam discordar de que o País entrou em um ciclo de desenvolvimento sustentado" certamente estão os economistas deste site, que ainda em 2010 alertavam que tudo era infundado.

É claro que, após ter sido bombardeado por inúmeras notícias como essa durante quase 3 anos, é natural que o brasileiro médio hoje se sinta deprimido, e até mesmo revoltado, ao constatar que foi enganado e que a economia pujante que lhe haviam prometido nada mais era do que um conto de fadas. Ludwig von Mises explicou bem este componente emocional em suas obras. As pessoas se acostumam a um padrão de vida crescente durante a fase da expansão econômica artificial e, mais tarde, quando a nova realidade se impõe avassaladoramente, elas se recusam a aceitar que tudo não havia passado de uma gostosa mentira, pois imaginavam que aquela fase próspera realmente representava um novo e definitivo padrão. Os países da Europa mediterrânea estão vivenciando o mesmo fenômeno.

Aturar corrupção, uma infraestrutura caótica e serviços públicos moçambicanos é relativamente fácil quando se está com a renda crescendo mais que os preços e com a capacidade de consumo em alta. Porém, tão logo esses indicadores se invertem e o endividamento teima em não cair, a depressiva realidade se impõe e resta ao cidadão ir protestar nas ruas clamando por medidas que arrefeçam sua situação. Ninguém vai às ruas protestar contra a corrupção ou para exigir melhorias na saúde, na educação e nos demais serviços públicos quando a economia está com bons indicadores, a capacidade de consumo está em alta e o dinheiro chega até o final do mês. No entanto, basta esses indicadores piorarem, que todo o esforço de mobilização se torna mais fácil. Ou será que alguém acredita que Collor caiu por causa de um Fiat Elba?

A verdade é que o povo brasileiro queria crédito farto a juros baixos para comprar imóveis, carros, motos, televisores e outros eletrodomésticos. Conseguiu. Queria que o governo expandisse continuamente seus gastos para, dentre outras coisas, aumentar as contratações para o setor público, que é o objetivo de vida de vários integrantes da classe média. Conseguiu. Queria que o governo protegesse a indústria nacional e seus empregos aumentando as alíquotas de importação de praticamente todos os produtos estrangeiros (chegando ao ponto deorganizar operações ao estilo da Stasi nos aeroportos, abrindo malas e confiscando até mesmo as roupas que os brasileiros compravam no exterior). Conseguiu. Aceitou que o governo utilizasse o BNDES para conceder empréstimos subsidiados para grandes empresas, as quais iriam se transformar em "campeãs mundiais". E defendeu quando o governo obrigou todas as grandes empresas do país a produzir utilizando uma determinada porcentagem de insumos fabricados no Brasil, o que deu a estes fabricantes a capacidade de aumentar seus preços sem sofrer concorrência.

O povo aprovou tudo isso, mas estranhamente não quer arcar com as consequências destas políticas, que são o aumento da inflação e do endividamento, a estagnação da renda, e a perpetuação da ineficiência. E não apenas não quer arcar, como está pedindo mais ação justamente do ente que causou tudo isso. Trata-se de um exemplo clássico de um povo que não sabe estabelecer uma relação de causa e efeito.

Conclusão

Como já explicou o economista Gary North, a maioria dos protestos de rua tem uma mesma característica: uma hora eles acabam. É impossível manter protestos maciços como estes que estamos vivenciando por um longo período de tempo. Ou os manifestantes se cansam e perdem a motivação, ou as autoridades se tornam mais bem organizadas e passam a reprimir com mais vigor. Mas há também uma pequena chance de as coisas irem para o lado oposto. Logo, quando demonstrações como essa começam a ocorrer, ou elas se enfraquecem e desaparecem ou elas se agravam e acabam derrubando o governo.

Para o governo, a melhor estratégia é continuar prometendo reformas. Se o povo engolir as promessas, as manifestações irão acabar. Mas essa estratégia é um tanto arriscada, pois pode ser que as manifestações ganhem novos adeptos, se espalhem por todo o país e cheguem a um ponto em que a própria legitimidade do governo é colocada em xeque. Neste ponto, como é de praxe na América Latina, pode ocorrer um golpe de estado. O governo é derrubado e uma junta militar assume o controle.

Uma coisa boa que poderia advir destes protestos seria se eles solapassem a confiança e a esperança que o povo brasileiro deposita no estado. Se eles erodissem a santidade do governo, se eles explicitassem a incompetência do governo e fizessem com que as pessoas finalmente entendessem a verdadeira natureza do governo, já teriam feito algo positivo. Qualquer coisa que enfraqueça a crença no estado, e que não recorra à violência, é positiva. Se uma geração de jovens entender que não deve depositar no governo suas esperanças de uma vida melhor, então as manifestações terão gerado resultados positivos. Para que isso ocorra, é essencial que grupos pró-liberdade e pró- livre mercado se aproveitem desta oportunidade para difundir a mensagem de que menos governo e menos burocracia geram mais liberdade e mais prosperidade. Isso sim poderia gerar efeitos positivos.

Mas não tenho muitas esperanças quanto a isso. No geral, estes manifestantes são impermeáveis à lógica e estão defendendo apenas mais espoliação e mais verbas para políticos e sindicatos, ainda que não entendam que é isso que eles estão fazendo.

O fato é que, com a renda estagnada, com a inflação de preços em teimosa alta, com o endividamento e a inadimplência em níveis inauditos, e com o real se esfacelando perante o euro e o dólar, encarecendo sobremaneira as importações de insumos básicos e diminuindo nosso padrão de vida — exatamente como queriam o Banco Central e o Ministério da Fazenda —, há um risco real de o caldo entornar e a situação ficar realmente fora do controle. 

Estamos vivenciando exatamente aquilo que ocorre quando se entrega o comando da economia a pessoas que não têm a capacidade de gerenciar nem sequer uma carroça de pipoca. A democracia e o apelo das massas — exatamente o arranjo que todo mundo venera — levaram a isso. Não há por que reclamar e nem há o que se estranhar.

Por: Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

EXPLICANDO O QUE É UM GOVERNO PARA UM FORASTEIRO



Perambulando despreocupadamente por sua vizinhança, um homem pacato se depara com um curioso e inofensivo alienígena que está visitando nosso planeta para observar melhor o progresso de nossa espécie. Abaixo, uma transcrição do diálogo entre o humano (H) e o alienígena (A).

H: Nossa, um alienígena!

A: Sim, mas não se assuste. Estou aqui apenas para observar. Viajei por todo o espaço para vir aqui à Terra com o objetivo de estudar como a espécie humana está progredindo.

H: Ah, legal! Ei, sendo assim, vou tentar levar você até nosso líder. Quer?

A: Seu o quê?

H: Nosso líder. A pessoa que está no comando.

A: A pessoa que está no comando de quê?

H: Ora, no comando de tudo.

A: Vocês têm uma pessoa que está no comando de tudo?

H: Não, não, essa pessoa está no comando apenas do governo.

A: O que é o governo?

H: Bom, o governo é uma entidade que cria regras para nós obedecermos. Ele nos diz o que podemos e o que não podemos fazer.

A: Então o governo é muito sábio? Ele cria regras sábias e sensatas para vocês seguirem?

H: Bem… digamos que na maioria das vezes sim, mas o problema é que algumas de suas regras são completamente idiotas.

A: E vocês ignoram estas regras que são completamente idiotas?

H: Não, não podemos fazer isso. Temos de obedecer todas as regras, mesmo que elas sejam estúpidas e discordemos delas. O governo pune qualquer um que desobedeça suas regras.

A: Então vocês são escravos do governo?

H: Não, não, não. Não é bem assim. O governo trabalha para nós, o povo. Ele serve a nós. Nós somos os chefes do governo.

A: Ele diz a vocês o que fazerem, ele pune vocês com violência caso desobedeçam, e ainda assim vocês é que são os chefes dele?

H: Sim...

A: Mas existem coisas que o governo faz e que vocês não gostam, certo?

H: Bom, sim... Nem tudo o que o governo faz é popular. Por exemplo, quando ele toma uma quantidade excessiva do nosso dinheiro, ou quando ele usa esse dinheiro para privilegiar determinados grupos de pessoas, ou quando ele prende inocentes, ou quando ele mata inocentes, ou quando é flagrado fazendo corrupção. Não gostamos quando isso acontece.

A: É muita coisa.... O que é corrupção?

H: É quando o governo utiliza nosso dinheiro para fins ilícitos, visando ao seu proveito próprio. Ele pega nosso dinheiro e não dá nada em troca. É praticamente como se fosse um roubo.

A: Hum... Vocês dão dinheiro para o governo?

H: Sim. Bom, na verdade, nós não "damos". Ele toma da gente. E usa esse dinheiro para financiar absolutamente tudo o que ele faz.

A: Mas você havia dito que vocês são o chefe do governo. Como pode o governo tomar dinheiro de seus chefes?

H: Porque ele nos obriga a dar dinheiro a ele.

A: E se vocês não quiserem dar?

H: Aí ele nos prende.

A: E se você resistir à prisão?

H: Aí ele pode nos matar.

A: Isso está meio confuso para mim. Acho que ainda estou sob o efeito da minha longa viagem... Você humanos por acaso já chegaram ao estágio em que, de uma forma geral, consideram que roubar, escravizar e matar sejam atitudes ruins?

H: Ah, sim, todos nós pensamos assim. Não roubar. Não agredir. Não matar.

A: Mas vocês dão dinheiro para o governo e ele não apenas rouba esse dinheiro, como também o utiliza para privilegiar, prender e matar pessoas?

H: Bom, sim, mas o governo também faz coisas boas com nosso dinheiro.

A: E por que vocês não param de pagar pelas coisas de que não gostam e pagam apenas pelas coisas de que gostam?

H: Não, não podemos fazer isso. Você não pode simplesmente decidir que não irá mais pagar impostos, pois as regras dizem que todo mundo tem de pagar impostos.

A: Mas as regras foram feitos pelo governo, não foram?

H: Sim.

A: Então o governo criou uma regra dizendo que todo mundo tem de dar dinheiro para ele? Então todo mundo paga impostos porque se não pagarem o governo irá puni-las utilizando de violência?

H: Bom, sim, mas a maioria das pessoas não liga de pagar impostos; a maioria se sente obrigada a pagar impostos e a se submeter às leis do governo, pois é para o bem da sociedade. A sociedade precisa de governo, e isso significa que todos nós temos de pagar impostos.

A: Ok, então deixe-me ver se entendi corretamente. O governo cria as regras e vocês se sentem obrigados a seguir estas regras, mas aquelas de que vocês não gostam. O governo também diz a vocês o que vocês devem fazer, e ameaça punir vocês caso não façam o que ele ordenou. E ele também usa parte do dinheiro que tomou de vocês — utilizando de ameaça de violência — para pagar por coisas que vocês não gostam e que na realidade pensam ser imorais, como roubo, assassinatos e privilégios.

H: Bom, sim, mas nós podemos pedir a ele que nos dê apenas ordens sensatas, e que pare de tomar nosso dinheiro para utilizá-lo em coisas ruins. Nós temos a permissão para pedir ao governo para que ele nos dê apenas as ordens que queremos que ele nos dê.

A: Só de curiosidade, vocês não têm medo desta coisa, não? Pelo que visualizo, o governo é um monstro enorme capaz de esmagar você pelo simples fato de você tê-lo desobedecido. É isso?

H: Não, o governo não é um monstro.

A: Ok, então o que é o governo? Você poderia me descrevê-lo em mais detalhes?

H: Na verdade, o governo não é bem o tipo de coisa que você pode descrever em detalhes.

A: Bom, então talvez você possa me levar até ele. Onde fica o governo?

H: Você se refere ao prédio?

A: O governo é um prédio?

H: Não, mas os políticos que controlam o governo ficam dentro de prédios. É nesses prédios que eles trabalham.

A: Então o governo é um grupo destes políticos?

H: É... de certa forma.

A: Ok, mas de qual espécie são estes políticos?

H: Bom, eles são... humanos.

A: Igual a você?!

H: Sim...

A: Então políticos são humanos e eles são o governo. Você é humano, mas você não é o governo.

H: Não.

A: Então são os políticos que estão por trás de tudo. São eles que dão ordens a vocês, são eles que obrigam vocês a fazerem coisas contra suas vontades, e são eles que tomam seu dinheiro usando de ameaças de violência. No entanto, muito embora vocês todos sejam humanos, vocês não podem dar ordens a eles e tomar o dinheiro deles?

H: Não. Eles nos mandariam para a cadeia se fizéssemos isso. Mas olha só, você está tendo uma ideia errada. Políticos não podem simplesmente sair fazendo tudo o que eles quiserem. Tipo, um político não pode simplesmente me abordar na rua e me obrigar a dar dinheiro para ele. Eles não podem fazer isso. Políticos só podem fazer esse tipo de coisa se estiverem no seu trabalho, se estiverem trabalhando para o governo.

A: Ah, então políticos não são o governo. Eles apenas trabalham para o governo.

H: Correto.

A: Ok, então o governo não é nenhum monstro enorme. E também não é um prédio. E tampouco são os políticos. O governo é algo mais. E ele emprega políticos que são apenas humanos normais, mas que têm o poder de dar ordens gerais e de tomar o dinheiro de todo mundo. Como um humano comum se torna um político?

H: Bom, esta é a coisa mais sensacional a respeito de nosso governo. Temos uma democracia, e isso significa que são as pessoas que de fato detêm o poder, pois somos nós que decidimos quem entre nós poderá ser um político. Somos nós que votamos. E se um político começar a fazer coisas de que não gostamos, podemos simplesmente substituí-lo por outra pessoa na próxima eleição.

A: Então aqueles que são escolhidos para serem políticos somente podem dar ordens e tomar o dinheiro das outras pessoas durante um pequeno período de tempo. Após esse período, eles voltam a ser humanos normais?

H: Exatamente.

A: Isso me parece uma posição muito poderosa para se conceder a alguém. Mas se vocês podem escolher os humanos que serão os políticos, suponho então que os políticos sejam sempre os mais sábios, mais honestos, mais afetuosos e mais respeitados humanos entre vocês.

H: Bem, não, na verdade não. Eu diria que os políticos não são exatamente conhecidos por serem honestos, sábios e afetuosos. E eles certamente não estão dentre os mais respeitáveis de nós humanos. Pensando bem, quase todos os políticos são safados e mentirosos; meros desonestos ávidos por poder.

A: Aqueles que vocês escolhem?

H: É. Eles estão sempre fazendo coisas de que não gostamos. Eles usam o dinheiro do contribuinte para se enriquecerem a si próprios e seus amigos, e eles nunca cumprem as promessas que fizeram aos eleitores. Eles frequentemente são flagrados roubando, mentindo e aceitando propinas, e eles quase sempre fazem tudo aquilo que os grandes empresários, que são os grandes doadores de suas campanhas, querem. Sim, eles estão sempre fazendo coisas erradas. Elas são totalmente corruptos. São um bando de vigaristas mentirosos.

A: Mas você disse que a maioria dos humanos sabe que roubar e agredir são coisas erradas. E você também disse que vocês, o povo, têm o poder porque podem mudar quem está no comando. Então por que vocês não simplesmente tiram os mentirosos e ladrões e os substituem por pessoas comuns? 

H: Bom, a verdade é que nós não escolhemos os vigaristas mentirosos para votar neles. Eles simplesmente se revelam assim quando chegam ao governo. Mas nós temos de ter um governo porque alguns humanos são maldosos e podem matar ou roubar ou escravizar outros humanos. A civilização simplesmente não poderia viver sem governo.

A: Tá, então deixe-me novamente ver se entendi. Dado que vocês estão preocupados com um pequeno número de humanos malvados que estão dispostos a matar, escravizar e roubar, vocês pensam ser necessário para a sua sobrevivência ter um sistema no qual alguns dos humanos entre vocês, por um pequeno período de tempo, passam a se chamar de governo, adquirem o poder de dar ordens a todos os outros humanos como se estes fossem escravos, e passam a roubar e a usar de violência porque, se eles não fizerem isso, outras pessoas poderiam fazer? E vocês tentam eleger pessoas boas e honestas para serem políticos, mas o que realmente acontece é que as pessoas que vocês elegem se revelam corruptas, maldosas, vigaristas e mentirosas. Este é o seu sistema?

H: É... é bem assim que funciona o nosso governo.

Por: Graham Wright é ativista libertário e dono do blog Man Against The State.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

SAUDADES DO BARÃO

Seria bom aproveitar as próximas eleições e, pela primeira vez, transformar a política externa em tema eleitoral

AS TRAPALHADAS na condução da crise de Honduras sintetizam de forma cristalina a ação do Itamaraty nos últimos sete anos. É um misto de voluntarismo com irresponsabilidade. Algumas vezes, Celso Amorim mais parece um líder estudantil do que ministro das Relações Exteriores.
O Brasil não tem nenhuma vinculação histórica com a América Central.
Contudo, o governo brasileiro insistiu em ter participação direta na crise hondurenha. Queria demonstrar liderança regional numa área historicamente de influência norte-americana.
Como uma espécie de recado do “cara” para Barack Obama, comunicando que o Brasil era a nova potência da região. Potência sem “marines”, mas com muita retórica e bazófia.
Claro que tinha tudo para dar errado, como se, em um filme de faroeste, John Wayne fosse substituído por Oscarito.
A aventura alcançou o ápice quando Zelaya chegou à embaixada brasileira. Minutos depois, recebeu a adesão de centenas de seguidores. Logo o local virou um acampamento. A tradição latino-americana se impôs. Muitos discursos, acusações, traições e atos de valentia sem nenhuma consequência prática. E tudo isso na embaixada brasileira, território nacional.
Quando o governo hondurenho cercou o prédio, o ato foi considerado autoritário. Imagine o que faria Fidel Castro se um líder anticastrista entrasse na embaixada brasileira em Havana e de lá insuflasse a população cubana à rebelião…
Celso Amorim declarou diversas vezes que lá em Honduras estava sendo jogada a sorte da democracia na América. Não era possível transigir com princípios democráticos e legais.
Era necessário não retroceder.
Estranhamente, essa determinação não é aplicada na América do Sul.
Mais ainda quando nossos vizinhos agem deliberadamente contra os interesses brasileiros, violando tratados, leis e contratos.
Tivemos o caso das refinarias da Petrobras na Bolívia, que foram tomadas abusivamente pelo governo local. Tivemos a insistência paraguaia impondo a revisão do tratado de Itaipu 15 anos antes do seu término. Tivemos as sucessivas violações do tratado do Mercosul realizadas pela Argentina e as abusivas medidas adotadas pelo governo equatoriano contra empresa brasileira.
A tudo isso o governo Lula assistiu passivamente. Não moveu um dedo.
Pelo contrário, concordou com as arbitrariedades, desmoralizou as gestões anteriores do Itamaraty e, assim, abriu caminho para que amanhã um governo resolva, de moto próprio, descumprir um tratado ou acordo.
A simpatia política com os governos chamados bolivarianos e subserviência a eles chegou ao ponto da absoluta irresponsabilidade.
A Colômbia, que tem tentado estabelecer uma política de cooperação com o governo Lula para melhorar a fiscalização da fronteira, é sistematicamente tratada com hostilidade, inclusive nos fóruns regionais.
Já a Venezuela, que disputa claramente espaço político com o Brasil e que não perde uma oportunidade para debilitar os interesses brasileiros na região (como durante a encampação das refinarias da Petrobras na Bolívia), é tratada como aliada, mesmo tendo uma política externa agressiva, sustentada por fabulosas compras de modernos armamentos. E, como o que está ruim pode piorar, a Venezuela vai entrar no Mercosul.
A diplomacia brasileira tentou por todos os meios ter presença diretiva em vários organismos internacionais e no Conselho de Segurança da ONU.
Como necessitava de votos, considerou natural ignorar graves violações dos direitos humanos em vários países (como o genocídio de Darfur), apoiou ditadores (como Muammar Gaddafi) e até fez campanha para um aspirante a diretor-geral da Unesco notabilizado por declarações de cunho antissemita. Mesmo assim, os candidatos brasileiros foram derrotados, e a estratégia fracassou.
O presidente Lula transformou o Itamaraty em uma espécie de Íbis, clube de futebol pernambucano celebrizado pelo número de derrotas.
O Brasil precisa ter papel relevante nos organismos e nas negociações internacionais. Disso ninguém discorda. Mas a maturidade econômica do país não condiz com uma política externa inconsequente. Não é com base em aventureirismo que o país vai ser respeitado. E muito menos servindo de cavalo de troia de bufões latino-americanos.
Um dos grandes desafios para o século 21 brasileiro é a construção de uma política externa global, que enfrente os desafios da nova ordem internacional. Um bom caminho para dar início a essa discussão é aproveitar a próxima eleição e, pela primeira vez, transformar a política externa em tema eleitoral. Por: Marco Antonio Villa

quarta-feira, 10 de julho de 2013

A CAMISA DO FELICIANO

Nesses tempos sombrios de crise, somos obrigados a falar muito e por isso sempre acabamos falando demais. Precisamos de mais clareza, mas, como dizem por aí, a democracia é o regime do barulho, e no barulho o mais fácil é gritar "palavras de ordem", muito mais fácil para temperamentos que gozam em assembleias. Não é o meu caso, (in)felizmente.


No dia 29 de junho, aconteceu em São Paulo a Marcha para Jesus. Nela, o conhecido pastor e deputado Feliciano usava uma camisa na qual estava escrito "eu represento vocês".

Claro, de primeira, entendemos que ele quer dizer que representa os evangélicos que ali estavam. Não tenho tanta certeza: tenho amigos e conhecidos que são evangélicos e estão muito longe do que Feliciano diz representar. Não podemos jogar todos os evangélicos no mesmo "saco".

Mas me interessa hoje outra coisa: ele diz ser representante dos conservadores no Brasil. O conceito é complexo e pouco afeito a espíritos que gostam de falar para multidões. Mas é urgente dizer que Feliciano não representa o pensamento conservador no Brasil. Vou dar um exemplo "clichê" em seguida. Antes, vamos esclarecer uma coisa.

A tradição "liberal-conservative", como se diz comumente em inglês, se caracteriza por uma sólida literatura quase desconhecida entre nós: David Hume (sua moral), Adam Smith, Edmund Burke, Alexis de Tocqueville, Friedrich Hayek, T.S. Eliot, Michael Oakeshott, Isaiah Berlin, Russell Kirk, Theodore Dalrymple, John Gray, Gertrude Himmelfarb, Thomas Sowell, Phyllis Schafler, Roger Scruton, entre outros.

Não é à toa que matérias como a da "Ilustrada" do domingo 30 de junho falam que a Flip (poderia ter falado de qualquer outra atividade intelectual no país) é de esquerda: quase ninguém conhece a bibliografia "liberal-conservative" entre nós, porque a esquerda mantém uma poderosa reserva de mercado na vida intelectual pública no país, inclusive tornando um inferno a vida na universidade para jovens interessados neste tipo de bibliografia.

Esta reserva de mercado intelectual e ideológica inviabiliza pesquisas e trabalhos mesmo em sala de aula. Isso faz dos jovens intelectuais interessados nessa tradição uns fantasmas invisíveis, verdadeiras almas penadas, sem corpo institucional para atuarem. Mesmos os centros financiados por bancos investem apenas na bibliografia de esquerda.

Como toda visão política, os conservadores são diferentes entre si e nem sempre convivem bem com seus pares, principalmente quando saímos do livro e vamos para política partidária. Imagine alguém de uma esquerda "islandesa" sendo obrigado a engolir Pol Pot em seu clube intelectual.

O pensamento "liberal-conservative" se caracteriza por defender a sociedade de livre mercado, a propriedade privada, a liberdade de expressão e religiosa, pluralismo moral, a democracia representativa com "corpos médios" locais atuantes, uma educação meritocrática, emancipação feminina, tributação alta para grandes heranças, desoneração da classe trabalhadora, profissionais liberais e pequenos e médios empresários, Estado mínimo necessário (inclusive porque isso diminui a corrupção), saúde eficaz para a população.

E, não esqueçamos: opção liberal quanto à vida moral, cada um faz o que quiser na vida privada contanto que respeite a lei, e esta deve levar em conta esta liberdade privada.

Simplesmente não existe opção partidária no Brasil para quem pensa dessa forma. Por exemplo, dizer que os conservadores queimam bandeiras do movimento negro é uma piada. Isso deve fazer Joaquim Nabuco tremer em seu túmulo, já que ele, conservador, foi um dos principais intelectuais e defensores da abolição da escravatura no Brasil.

E aí voltamos à camisa do Feliciano. Ele não representa os conservadores no Brasil, a começar porque é alguém que mistura religião com política.

Deixe-me esclarecer uma coisa (vou usar um tema "clichê"): sou conservador e sou contra o projeto da cura gay e a favor do casamento gay.

E aí, esquerda: vamos conversar? Vamos parar de se xingar e sentar numa távola redonda e discutir o Brasil? Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

A ECONOMIA ESTÁ PARANDO

Nossa economia está parando. Tudo indica que vamos repetir a trajetória do ano passado, quando projeções mais otimistas deram lugar a uma forte decepção. Como todos sabem, a expectativa de um primeiro trimestre forte foi frustrada por um crescimento de apenas 0,6% em relação ao PIB do último trimestre de 2012. Alguns, mais otimistas, rolaram suas projeções de recuperação para o segundo trimestre. Entretanto, tudo indica que o número a ser divulgado será pouco maior do que o primeiro trimestre, talvez algo como 0,8%, o que levaria a uma projeção para o ano de apenas 2,1% como temos na MB. Os números do mercado estão convergindo para a mesma magnitude.


Na nossa percepção, e como já coloquei em colunas anteriores, a forte aceleração da inflação de alimentos é que começou a alterar a trajetória da economia. Com os preços da comida subindo a uma taxa anual entre 14% e 19%, colocou-se uma pressão forte sobre os orçamentos da imensa maioria das famílias brasileiras, o que acabou por diminuir o espaço para outras compras, reduzindo o consumo. Todos os dados do varejo disponíveis até agora mostram uma forte desaceleração nas vendas, que deve continuar, uma vez que o índice de confiança do consumidor, elaborado pela FGV, apresentou em junho uma variação anual negativa da ordem de 10%.

Ao mesmo tempo, a mesma pressão inflacionária levou o Banco Central a iniciar uma elevação das taxas de juros que, na nossa avaliação, deve ir para a faixa de 9,5% até o final do ano. Naturalmente, a alta de juros desestimula adicionalmente todos os componentes da demanda interna. Também o setor externo tem mostrado uma forte piora no saldo comercial, com consequente ampliação do déficit em conta corrente. Esta situação, aliada à valorização do dólar lá fora, resultou numa depreciação da nossa moeda que, até o momento em que esta coluna está sendo escrita, andava na casa de R$ 2,25 por dólar.

Os movimentos de juros e câmbio resultam numa dupla pressão sobre a atividade. A brusca elevação dos juros de mercado resultou numa perda de capital para muitos poupadores e numa indução a uma menor expansão de crédito pelo sistema bancário, uma vez que os riscos se elevaram bastante. Neste momento, acredito que a capacidade dos bancos públicos de continuarem a tentar compensar a cautela do setor privado está limitada pela evidente pressão sobre seus balanços. Ao mesmo tempo, a desvalorização do real piorou os balanços das empresas que tenham algum passivo externo.

Também por aí, o risco de crédito se eleva, reforçando a observação acima. A desvalorização cambial também pressiona a inflação pelo repasse aos preços domésticos dos maiores custos de importação. Por exemplo, o índice de preços de commodities em reais calculados pelo Banco Central (ICB) elevou-se 5,3% em junho. Estes dados sugerem que a atividade deverá continuar enfraquecendo. Por exemplo, o indicador de estoques calculado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) está subindo há quatro meses; o estoque médio de automóveis na rede de concessionárias já é de 53 dias, bem maior do que os 25/26 dias considerados normais.

Adicionalmente, o número de recuperações judiciais calculado pela Serasa já é o maior desde 2007. Sobre este pano de fundo, grandes acontecimentos políticos e sociais começaram a ocorrer, elevando as incertezas. Embora ainda não esteja pronta uma análise mais acabada sobre esses eventos, creio que podemos listar algumas consequências: - O partido no poder não tem mais o monopólio das ruas. - Existe uma insatisfação forte e difusa em parte significativa da população. -A tranqüilidade da reeleição evaporou-se e a sucessão transformou- se numa história ainda por ser escrita. - A resposta do governo tem sido desorganizada e bastante inconsistente, na política e na economia.

Na economia, ao lado de um discurso de restrição fiscal, continuamos vendo a continuidade de "velhos" projetos, como a entrega de R$ 15 bilhões para a Valec, parte do esforço de vender o projeto do trem- bala. Ao mesmo tempo, decide-se pela emissão de R$ 23 bilhões em títulos para a Caixa Econômica e o BNDES, para atingir vários fins, incluindo o de pagamento de dividendos que elevem o superávit primário do governo federal. A propósito, em várias entrevistas, o sr. Secretário do Tesouro Nacional insiste que todo batalhão está marchando errado e que apenas o seu passo é o correto. Incrível!

Este padrão de resposta sugere que a incerteza vai continuar elevada, que investimentos serão postergados, que os leilões de concessão terão menos brilho (talvez à exceção do petróleo) e que o crescimento do ano será ainda menor que o atualmente projetado. A volatilidade se manterá elevada e 2014 promete mais do mesmo. P.S.: Começou a ser escrito na semana que passou o último capítulo da história do Grupo X. Qualquer que seja seu desfecho, é certo que assistimos ao fim de uma era, a dos grandes campeões nacionais. Não apenas, mas também por isto, terminou a era do "nunca antes nesse país" e a do "momento mágico". A realidade que se desdobra para nós é bem mais árdua.
Por: José Roberto Mendonça de Barros O Estadão

terça-feira, 9 de julho de 2013

TEMPOS DIFÍCEIS

Já se disse tudo, ou quase tudo, sobre os atos públicos em curso. Para quem acompanha as transformações das sociedades contemporâneas não surpreende a forma repentina e espontânea das manifestações.


Em artigo publicado nesta coluna, há dois meses, resumi estudos de Manuel Castells e de Moisés Naím sobre as demonstrações na Islândia, na Tunísia, no Egito, na Espanha, na Itália e nos Estados Unidos. As causas e os estopins que provocaram os protestos variaram: em uns, a crise econômico-social deu ânimo à reação das massas; em outros, o desemprego elevado e a opressão política foram os motivos subjacentes aos protestos.

Tampouco as consequências foram idênticas. Em algumas sociedades onde havia o propósito específico de derrubar governos autoritários, o movimento conseguiu contagiar a sociedade inteira, obtendo sucesso. Resolver uma crise econômico-social profunda, como nos países europeus, torna-se mais difícil. Em certas circunstâncias, consegue-se até mesmo alterar instituições políticas, como na Islândia. Em todos os casos mencionados, os protestos afetaram a conjuntura política e, quando não vitoriosos em seus propósitos imediatos, acentuaram afalta de legitimidade do sistema de poder.

Os fatos que desencadeiam esses protestos são variáveis e não necessariamente se prendem à tradicional motivação da luta de classes. Mesmo em movimentos anteriores, como a "revolução de maio" em Paris (1968), que se originou do protesto estudantil "por um mundo melhor", tratava-se mais de uma reação de jovens que alcançou setores médios da sociedade, sobretudo os ligados às áreas da cultura, do entretenimento, da comunicação social e do ensino, embora tivesse apoiado depois as reivindicações sindicais. Algo do mesmo tipo se deu na luta pelas Diretas-Já. Embora antecedida pelas greves operárias, ela também se desenvolveu a partir de setores médios e mesmo altos da sociedade, aparecendo como um movimento "de todos". Não há, portanto, por que estranhar ou desqualificar as mobilizações atuais por serem movidas por jovens, sobretudo das classes médias e médias altas, nem, muito menos, de só por isso considerá-las como vindas "da direita".

O mais plausível é que haja uma mistura de motivos, desde os ligados à má qualidade de vida nas cidades (transportes deficientes, insegurança, criminalidade), que afetam a maioria, até os processos que atingem especialmente os mais pobres, como dificuldade de acesso à educação e à saúde e, sobretudo, baixa qualidade de serviços públicos nos bairros onde moram e dos transportes urbanos. Na linguagem atual das mas, é "padrão Fifa"para uns e padrão burocrático-governamental para a maioria. Portanto, desigualdade social. E, no contexto, um grito parado no ar contra a corrupção - as preferências dos manifestantes por Joaquim Barbosa (ministro presidente do Supremo Tribunal Federal) não significam outra coisa. O estopim foi o custo e a deficiência dos transportes públicos, com o complemento sempre presente da reação policial acima do razoável. Mas se a fagulha provocou fogo foi porque havia muita palha no paiol.

A novidade, em comparação com o que ocorreu no passado brasileiro (nisso nosso movimento se assemelha aos europeus e norte-africanos), é que a mobilização se deu pela internet, pelos twitters e pelos celulares, sem intermediação de partidos ou organizações e, consequentemente, sem líderes ostensivos, sem manifestos, panfletos, tribunas ou tribunos. Correlatamente, os alvos dos protestos são difusos e não põem em causa de imediato o poder constituído nem visam questões macroeconômicas, o que não quer dizer que esses aspectos não permeiem a irritação popular.

Complicador de natureza imediatamente política foi o modo como as autoridades federais reagiram. Um movimento que era "local" - mexendo mais com os prefeitos e governadores - se tornou nacional a partir do momento em que a presidenta chamou a si a questão e a qualificou primordialmente, no dizer de Joaquim Barbosa, como uma questão de falta de legitimidade. A tal ponto que o Planalto pensou em convocar uma Constituinte e agora, diante da impossibilidade constitucional disso, pensa resolver o impasse por meio de plebiscito. Impasse, portanto, que não veio das ruas.

A partir daí o enredo virou outro: o da relação entre Congresso Nacional, Poder Executivo e Judiciário e a disputa para ver quem encaminha a solução do impasse institucional, ou seja, quem e como se faz uma "reforma eleitoral e partidária". Assunto importante c complexo, que, se apenas desviasse a atenção das ruas para os palácios do Planalto Central e não desnudasse a fragilidade destes, talvez fosse bom golpe de marketing. Mas, não. Os titubeios do Executivo e as manobras no Congresso não resolvem a carestia, a baixa qualidade dos empregos criados, o encolhimento das indústrias, os gargalos na infraestrutura, as barbeiragens na energia, e assim por diante.

O foco nos aspectos políticos da crise - sem que se negue a importância deles - antes agrava do que soluciona o "mal-estar", criado pelos "malfeitos" na política econômica e na gestão do governo. O afunilamento de tudo numa crise institucional (que, embora em germe, não amadurecera na consciência das pessoas) pode aumentar a crise, em lugar de superá-la.

A ver. Tudo dependerá da condução política do processo em curso e da paciência das pessoas diante de suas carências práticas, às quais o governo federal preferiu não dirigir preferencialmente a atenção. E dependerá também da evolução da conjuntura econômica. Esta revela a cada passo as insuficiências advindas do mau manejo da gestão pública e da falta de uma estratégia econômica condizente com os desafios de um mundo globalizado. Por: Fernando Henrique Cardoso O Globo