segunda-feira, 2 de setembro de 2013

SOBRA VERBO, FALTA VERBA


Quando a crise atual mostrou suas unhas nos Estados Unidos e na Europa do euro, não faltaram ponderações de respeitáveis autoridades da área acerca da gravidade do problema, sendo que uma delas não hesitou em comparar o caso com o flagelo de 1929/1930.

As nossas autoridades, no entanto, “cantavam de galo” diante da ameaça. Lembro que a senhora presidente blasonava ao dizer que o Brasil, que tirara de ouvido a crise anterior, a crise anunciada não lhe faria mossa, pois estava 300% mais fortalecido para enfrentá-la, as reservas externas eram fartas e assim por diante; ora, qualquer pessoa relativamente informada sabe que esses fenômenos vulcânicos podem gerar os mais contundentes efeitos de uma hora para outra, tomando as feições mais inesperadas; ora, ao ameaçar os fatos com gabolices é deixar à calva sua inépcia. Em verdade, os dias passam e a nossa situação se mostra frágil, seja por causas internas, quer por motivações externas, chegando a não ter condições de concorrer no Exterior pelo preço dos nossos produtos em casa, dado o preço dos importados. E agora, ao mesmo tempo em que o governo anda perdendo o fôlego para conter a cotação do dólar, respira aliviado porque a elevação lhe é favorável para aumentar a exportação. A notoriedade dessas realidades dispensa a insistência no assunto. Mas, dia a dia, vêm pipocando notícias várias, indicativos da mesma realidade.

Um dia antes, a notícia era relativa às contas externas que fecharam o primeiro semestre com um rombo de 72% maior do que no mesmo período do ano anterior. “Com um desempenho fraco da balança comercial, o déficit externo chegou a US$ 42,48 bilhões”. Para analistas do mercado, “o cenário é preocupante”, embora em junho tendo havido alguma melhora.Ao correr os olhos, vejo que o desempenho fraco da economia brasileira atingiu o mercado de trabalho nas regiões metropolitanas, com exceção de Belém e Fortaleza. Outrossim, em 10 anos, foi o pior mês de julho em matéria de criação de empregos e o saldo de 41,5 vagas formais representa queda de 77%, ante ao mesmo mês de 2012. Lembro que até ontem se salientava que, a despeito da generalidade das dificuldades experimentadas o emprego se mantinha; ao que parece, o desemprego começa a dar sinais.

Segundo o Banco Central, de junho de 2012 para junho de 2013 a dívida externa aumentou de US$ 302 bilhões para US$ 321 bilhões e seus encargos cresceram de US$ 42 bilhões para US$ 60 bilhões; as exportações caíram de US$ 255 bilhões para US$ 239 bilhões, as reservas em dólar do Banco Central pararam de crescer, de US$ 373 bilhões para US$ 371 bilhões e o PIB em dólares encolheu de US$ 2,37 trilhões para US$ 2,29 trilhões. Enfim, os índices que a confiança de consumidores e empresários na economia caíram aos níveis registrados em 2009, auge de crise global.

Em síntese, um a um, esses dados não serão catastróficos, mas não são bons, e o conjunto deles não é nada tranquilizador. De resto, não é incomum que, de repente, os fatos entrem em desvarios, razão por que um pouco de cuidado não faria mal a ninguém. Eles já não ajudam uma candidata à reeleição e, se um novo tremor de terra viesse a ocorrer, poderia ser desastroso para ela. No entanto, a senhora presidente parece estar mais empolgada com sua campanha do que com a nação e as instituições. 
Por: Paulo Brossard Fonte: Zero Hora, 26/08/2013

domingo, 1 de setembro de 2013

PSICOPATIA POLÍTICA E ECONÔMICA

Embora exista mérito em se preocupar com os psicopatas corporativos, há muito mais mérito em se preocupar com os psicopatas políticos, mesmo porque, o que são os políticos modernos senão charmosos manipuladores com uma mente calculista?

Em novembro de 2010, o periódico The Economist publicou um artigo sobre psicopatia. Nele, está sugerido indiretamente que, se existem psicopatas amontoados aos montes nas prisões, pode ser que eles também estejam aos montes nas salas de reuniões corporativas. Isso quer dizer, no final das contas, que os psicopatas presos são os psicopatas estúpidos. Os espertos, que por sua vez são muito mais perigosos, galgam os degraus do mundo corporativo. Segundo o artigo, “a combinação de uma conduta propensa a correr riscos aliada à falta de sentimento de culpa e vergonha (as duas principais características da psicopatia) pode levar, de acordo com as circunstâncias, ou a uma carreira criminosa ou a uma carreira corporativa”.

Em um breve paper escrito por Clive R. Boddy intitulado As implicações dos psicopatas corporativos nos negócios e na sociedade, o psicopata corporativo é definido como “aquele sujeito que trabalha nas corporações e é interesseiro, oportunista, egocêntrico, cruel e desavergonhado, mas que também pode ser charmoso, manipulador e ambicioso”. Boddy afirma que os psicopatas “podem, teoricamente, estar presentes nas organizações nos altos cargos gerenciais em número muito maior que a média de 1% – que é a quantidade estimada deles na sociedade”.

Nesse paper também é dito que “os psicopatas corporativos são atraídos às corporações por elas serem fonte de poder, prestígio e dinheiro”. Contudo, esses sujeitos são “uma ameaça ao desempenho e à longevidade dos negócios, visto que eles colocam seus próprios interesses à frente dos interesses da firma”. Em outras palavras, os psicopatas procuram situações onde seus respectivos comportamentos tirânicos e suas habilidades exploratórias serão toleradas ou até mesmo admiradas sem que de fato haja uma preocupação acerca do sucesso ou fracasso dessas atitudes perante uma negociação.

Em um livro intitulado Working with monsters (NT.: Trabalhando com monstros), o psicólogo e acadêmico australiano John Clarke mostra que os psicopatas destrutivos estão também no mercado de trabalho. Eles se apresentam como pessoas charmosas e eficientes, quando na realidade eles são irresponsáveis e interesseiros. Sempre em busca de uma vítima para escravizar, o psicopata prefere destruir em vez de construir, para que assim jamais seja dada autoridade aos outros. No entanto, mais frequentemente do que estamos dispostos a admitir, essas pessoas adquirem posições de poder e exercem suas mesquinhas tiranias sobre os outros. Como escreveu Boddy em seu paper, “cruzar o caminho (dos psicopatas) nas empresas pode levar o funcionário a situações de assédio e humilhação”.

Em época de perdas financeiras colossais – de esquemas Ponzi nos níveis corporativo e federal – deve haver lá pelos altos cargos mais do que alguns psicopatas. O dano causado por tais pessoas pode ser incalculável. Pense na Crise da Poupança e dos Empréstimos no final da década de 1980 e começo da década de 1990. De 3234 empresas de empréstimo e poupança, 747 faliram, causando um prejuízo estimado de 370 bilhões de dólares. Indivíduos cruéis sem senso de responsabilidade são altamente perigosos quando ocupam cargos de gerência em organizações de importância crucial como bancos, firmas de investimentos ou cargos governamentais. Quanto a isso, as más notícias são piores do que as que gostaríamos de ouvir. O psicólogo organizacional Paul Babiak, autor de Snakes in Suits (NT.: Cobras de Terno), afirma que os psicopatas tendem a ascender rapidamente no mundo dos negócios graças ao charme e a facilidade em manipular os outros. Por parecer perfeitamente normal na aparência, o psicopata pode parecer ser um líder ideal, mas na verdade ele fará de vítima de todos aqueles que se apoiarem nele.

De acordo com Boddy, os psicopatas corporativos podem parecer “seres racionais quase perfeitos, com a importante ressalva de que ao tomarem decisões racionais eles colocarão seus próprios interesses à frente da corporação a qual eles trabalham”. Ele cita o paper de 1989 de Hansen & Wernerfelt intitulado Determinants of Firm Performance: The Relative Importance of Economic and Organizational Factors (NT.:Determinantes da performance em uma empresa: A importância relativa dos fatores organizacionais e econômicos) para dizer que “a questão crucial no sucesso de uma firma é a construção de uma organização humana efetiva; a presença de um psicopata corporativo afetaria diretamente o desenvolvimento organizacional, pois eles tendem a ser prejudiciais àqueles em seu entorno, especialmente aos colegas mais novos da empresa”.

No uso original do termo, psicopata referia-se a qualquer um com um problema mental. O termo podia ser aplicado a todos os indivíduos perturbados ou desordenados psicologicamente. Mais recentemente, o termo adquiriu um significado mais preciso; no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM) ele é descrito como alguém que tem Transtorno de Personalidade Antissocial. O Robert Hare’s Psychopathy Checklist, Revised (PCL-R) é uma ferramenta frequentemente usada para diagnósticos psicopáticos nos dias de hoje. O canadense que dá nome à lista é pesquisador na área de psicologia criminal. Ele ofereceu a seguinte lista de características: 

(1) Interpessoal / afetivo - (a) eloquência / charme superficial, (b) senso grandioso de autoestima, (c) mentiroso patológico, (d) astuto / manipulador, (e) inexistência de remorso ou culpa, (f) afetividade superficial, (g) insensibilidade, falta de empatia, (h) falha em tomar a responsabilidade pelas próprias ações; 

(2) Estilo de vida / Antissocial - (a) necessidade de estímulo / tendência ao tédio, (b) modo de vida parasitário, (c) carência de objetivos de longo prazo, (d) impulsividade, (e) irresponsabilidade, (f) delinquência juvenil, (g) problemas comportamentais desde cedo, (h) revogação da liberdade condicional e (i) versatilidade criminal.

Na edição do dia 26 de outubro do Chronicle Review, Kevin Dutton perguntou a Robert Hare se a sociedade moderna “está se tornando mais psicopata”. Hare afirmou que sim, dizendo que “há coisas acontecendo hoje em dia que não teríamos visto há 20 ou até mesmo 10 anos atrás”. Para reforçar o que disse, Hare referiu-se ao “recente crescimento da criminalidade feminina” e à situação de Wall Street. Como disse Dutton sucintamente, “o novo milênio inaugurou uma nova onda de criminalidade corporativa como nunca antes se viu. Investimentos fraudulentos, conflitos de interesse, lapsos de julgamento e o bom e velho truque da fraude e desvio de fundos levado a cabo pela classe empresarial...”

Entretanto, os psicopatas corporativos podem não ser o maior dos perigos do nosso tempo. Indiscutivelmente, os psicopatas mais perigosos estão fora do mundo dos negócios e estão determinados a destruir o capitalismo a partir de posições que ocupam no governo e na mídia. Na palestra intitulada America’s Persecuted Minority: Big Business (NT.: A minoria perseguida da América: O grande negócio) Ayn Rand alertou que as falas em tom negativo sobre os empresários devem ser vistas com suspeita nos dias atuais. “Todo movimento que pretende escravizar um país”, diz Rand, “toda ditadura ou potencial ditadura, precisa de algum grupo minoritário como bode expiatório para colocá-los como causa dos problemas do país e usar isso como justificativa para que sejam atendidas suas demandas de poder ditatorial. Na União Soviética o bode expiatório era a burguesia; na Alemanha nazista eram os judeus; na América são os empresários”.

Embora exista mérito em se preocupar com os psicopatas corporativos, há muito mais mérito em se preocupar com os psicopatas políticos, mesmo porque, o que são os políticos modernos senão charmosos manipuladores com uma mente calculista? O que pode ser feito da falta de responsabilidade que encontramos nos políticos de hoje ou da maneira simplista em que eles se desviam de perguntas e críticas? O que oferece com mais plenitude o poder que a política? Se um psicopata busca poder nos negócios ele ainda pode ser impedido pela contabilidade necessária a toda empresa. Se entrar na política, ele precisa apenas repetir a grande mentira enquanto direciona seu carisma à mídia.

Com efeito, os psicopatas políticos fizeram mais vítimas que os psicopatas corporativos. E enquanto lermos sobre a ganância corporativa ou o desvio de fundos no noticiário, fiquemos tranquilos, pois o gulag soviético, os campos de trabalho chineses e os crimes dos nazis não foram obra dos capitalistas, mas sim dos inimigos do capitalismo. 
Por: Jeffrey Nyquist  Publicado no Financial Sense.
Tradução: Leonildo Trombela Júnior


sábado, 31 de agosto de 2013

A ASCENSÃO DO OCIDENTE

Ao longo de praticamente todo o período da história humana, privações materiais e insegurança crônica sempre foram a norma. A pobreza, e não a fartura, era o lugar o comum. Nem mesmo aquelas pessoas que estavam no topo da pirâmide social e do poder político podiam usufruir todos estes confortos básicos (como alimentação, habitação e vestuário) e prazeres consumistas que os "pobres" do mundo ocidental atual veem como naturais e corriqueiros. Em determinadas épocas, certas populações sobressaíam-se e usufruíam uma qualidade de vida superior — como talvez na Grécia antiga e em Roma, e na China durante a Dinastia Sung (960—1279) —, mas tais casos representavam a exceção.

No final do século XIV, os chineses provavelmente eram o povo que usufruía o mais alto nível de vida dentre todas as grandes populações do mundo. A admiração com que os europeus receberam os relatos de Marco Polo sobre a China no final do século XIII — ainda que, como o próprio Polo havia declarado em seu leito de morte, ele não descrevera nem metade do que havia visto na China — é uma das provas desta superioridade chinesa.

Ao fim da Idade Média, os europeus começaram a apresentar um progresso econômico mais acelerado, ao passo que os chineses entraram em um processo de estagnação econômica. Ainda mais notável foi a alteração ocorrida na energia econômica da Europa, que começou a se distanciar dos grandes centros comerciais do norte da Itália e se moveu em direção à periferia da civilização, no noroeste da Europa. Os bárbaros, aparentemente, haviam de alguma forma descoberto o segredo do progresso econômico. Dali em diante, não obstante alguns reveses e contratempos, os europeus ocidentais — e, mais tarde, seus primos coloniais na América do Norte — conseguiram progredir de modo contínuo e se distanciar economicamente do resto da humanidade. No século XVIII eles já estavam muito à frente dos chineses, para não mencionar em relação aos povos mais atrasados do mundo. E, até o presente, essa disparidade de riqueza continua extremamente significativa.

Como foi que o Ocidente teve êxito em gerar esse progresso econômico contínuo? Historiadores e cientistas sociais já ofereceram várias hipóteses, porém, até o momento, nenhuma explicação única conseguiu ganhar aceitação geral. Ainda assim, certos elementos de uma determinada resposta conseguiram obter um amplo consentimento. O crescente individualismo da cultura ocidental, arraigado na doutrina cristã, parece ter contribuído significativamente. Adicionalmente, a fragmentação política dos povos europeus durante a alta Idade Média e o início do período moderno — um pluralismo político com centenas de jurisdições distintas — estimulou um processo de experimentação institucional e tecnológica por meio do qual empreendedores puderam descobrir como tornar a mão-de-obra e o capital mais produtivo.

Fundamental a este dinamismo sustentado foi a importância crescentemente dada aos direitos de propriedade privada. Se as pessoas não confiam que haverá uma razoável chance de colherem os frutos de seus próprios esforços e investimentos, elas terão pouco ou nenhum incentivo para trabalhar duro e acumular capital físico, humano e intelectual. E, sem tal acumulação, é impossível haver um progresso econômico contínuo. No entanto, estes direitos de propriedade, que se tornaram mais seguros e confiáveis, não simplesmente caíram do céu. Na maioria das vezes, os comerciantes adquiriram a proteção de tais direitos por meio de pagamento de propinas aos barões medievais (nobres déspotas que extorquiam tributos) e aos aspirantes a reis que constituíam a fragmentada elite dominante da Europa ocidental.

No extremo, os comerciantes estabeleceram uma independência política nas cidades-estados onde podiam exercer total controle sobre as instituições legais que davam suporte às suas atividades econômicas. "O fato de que a civilização europeia passou por uma fase em que foram criadas cidades-estados", de acordo com Sir John Hicks, "é essencial para se entender a divergência entre a história da Europa e a História da Ásia". No final da era medieval, Veneza, Genova, Pisa e Florença eram as principais cidades de Europa. Mais tarde, Bruges, Antuérpia, Amsterdã e Londres assumiram a liderança. Cada cidade tinha sua própria milícia, a qual estava sempre pronta para defendê-la contra ameaças à sua autonomia político-econômica.

Para facilitar seus negócios, os comerciantes criaram seu próprio sistema jurídico. Com o intuito de fornecer uma rápida, barata e justa resolução para as contendas comerciais, esta Lex mercatoria criou instituições e precedentes que sobrevivem até o presente, e as quais encontram hoje expressão em um vasto sistema de resoluções alternativas (não-estatais) de contendas, como as arbitragens privadas. Em alguns países, os comerciantes e industriais utilizavam sua influência política para introduzir suas instituições jurídicas consuetudinárias nas leis estatais. Por causa da fragmentação política da Europa, governos que dificultavam excessivamente a vida dos empreendedores tendiam a perder comerciantes e seus negócios — e, por conseguinte, sua base tributária — para jurisdições concorrentes, de modo que a simples ameaça de tais perdas já fazia com que os governantes fossem mais contidos em sua fúria reguladora e tributária, dando aos empreendedores mais liberdade de manobra.

Ao contrário dos comerciantes da Europa (e, posteriormente, dos Estados Unidos), que conseguiam jogar um governo contra o outro em sua contínua busca por direitos de propriedade mais confiáveis, os empreendedores da China sofreram implacáveis ataques estatais de seu amplo e abrangente governo imperial. "Já em 1500, o governo decretou ser pena capital construir um navio com mais de dois mastros; e, em 1525, o governo ordenou a destruição de todas as embarcações construídas para navegação no oceano." Assim, a China, cujo comércio exterior havia sido vasto e abrangente durante séculos, "impôs a si própria uma trajetória que a levaria à pobreza, à derrota e ao declínio". Dentre várias outras ações adversas, o governo mandarim "interrompeu o desenvolvimento de relógios e de máquinas industriais movidas a água por toda a China".

No mundo islâmico, um governo imperial também esmagou o progresso econômico ao se mostrar incapaz de proteger direitos de propriedade e ao impor regulamentações e impostos arbitrários.

No século XX, o império soviético igualmente adotou a política de inventar e impor uma grande e péssima ideia — planejamento econômico centralizado —, a qual suprimiu totalmente a liberdade econômica necessária para um progresso econômico contínuo e robusto. Infelizmente, os comunistas chineses, os europeus do leste, e vários governos pós-coloniais do Terceiro Mundo seguiram o caminho aberto pela URSS, e foram à ruína econômica.

Em pleno século XXI, era de se esperar que, finalmente, as pessoas e os governos já houvessem entendido o elo inquebrantável entre liberdade econômica e crescimento econômico, e apreciassem a importância vital dos direitos de propriedade privada. Porém, e infelizmente, isso parece ainda não ser a realidade. Em todos os cantos do globo, os governos continuam concedendo privilégios a grupos específicos, atacando empreendedores que genuinamente criam riqueza e impondo restrições que estrangulam a liberdade econômica. Como a história perfeitamente mostra, os direitos de propriedade privada requerem uma contínua e inflexível defesa — caso contrário, as pré-condições para todo e qualquer progresso econômico serão solapadas e destruídas.

John Hubbard, "Marco Polo's Asia."
[2] Deepak Lal, Unintended Consequences: The Impact of Factor Endowments, Culture, and Politics on Long-Run Economic Performance (Cambridge, Mass.: MIT Press, 1998), pp. 75–97; Michael Novak, "How Christianity Created Capitalism," Wall Street Journal, December 23, 1999.
[3] John Hicks, A Theory of Economic History (London: Oxford University Press, 1969), p. 38.
[4] Ver, por exemplo, a Câmara de Comércio Internacional, "International Court of Arbitration: International Dispute Resolution Services."
[5] Nathan Rosenberg and L. E. Birdzell, Jr., How the West Grew Rich: The Economic Transformation of the Industrial World (New York: Basic Books, 1986), pp. 114–15, 121–23, 136–39.
[6] Nicholas D. Kristof, "1492: The Prequel," New York Times Magazine, June 6, 1999, p. 85.
[7] Jared Diamond, "The Ideal Form of Organization," Wall Street Journal, December 12, 2000.
[8] Lal, pp. 49–67.

Por: Robert Higgs um scholar adjunto do Mises Institute, é o diretor de pesquisa do Independent Institute.

Tradução de Leandro Roque

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

QUARO MEDIDAS PARA MELHORAR O SISTEMA DE SAÚDE

É verdade que o sistema de saúde (europeu, americano ou brasileiro) está uma bagunça e é insustentável. Entretanto, isso demonstra não uma falha de mercado, mas, sim, uma falha de governo. A cura do problema não requer uma diferenciada regulamentação governamental, tampouco mais regulamentações ou burocracias, ou mesmo invenções mirabolantes, como políticos interesseiros querem fazer-nos crer. A cura do problema requer simplesmente a eliminação de todos os atuais controles governamentais.

É urgente levarmos a sério uma reforma do sistema de saúde. Créditos tributários, vouchers e privatização já ajudariam muito na meta de descentralizar o sistema e remover encargos desnecessários sobre as empresas. Porém, quatro medidas adicionais devem ser tomadas:

1. Eliminar todas as exigências de licenciamento para as faculdades de medicina, hospitais, farmácias, médicos e outros profissionais da área de saúde. A oferta destes itens iria aumentar de imediato, os preços iriam cair, e uma maior variedade de serviços de saúde iria aparecer no mercado.

Agências de credenciamento, competindo voluntariamente no mercado, iriam substituir o licenciamento compulsório do governo — levando-se em conta que os fornecedores de serviços de saúde (afinal, serviços de saúde são serviços como quaisquer outros) acreditem que tal reconhecimento iria melhorar sua reputação, e que seus consumidores, por se importarem com a reputação dos fornecedores, estarão dispostos a pagar por isso.

Como os consumidores não mais seriam ludibriados a acreditar que existe tal coisa como "padrão nacional" de saúde, eles aumentariam sua procura por bons serviços de saúde a custos baixos, e fariam escolhas mais perspicazes.

2. Eliminar todas as restrições governamentais sobre a produção e a venda de produtos farmacêuticos e equipamentos médicos. Isso significa a extinção de agências reguladoras encarregadas de controlar remédios, vacinas, drogas e produtos biológicos (como a Anvisa, no Brasil). Atualmente, essas agências servem apenas para obstruir inovações e aumentar os custos de produção.

Custos e preços cairiam, e uma maior variedade de melhores produtos chegaria ao mercado mais rapidamente. O mercado também forçaria os consumidores a agir de acordo com suas próprias avaliações de risco — em vez de confiar essa tarefa ao governo. E os fabricantes e vendedores de remédios e aparelhos, devido à concorrência, teriam de fornecer cada vez mais garantias e melhores descrições de seus produtos, tanto para evitar processos por produtos defeituosos como para atrair mais consumidores.

3. Desregulamentar a indústria de seguros de saúde. A iniciativa privada pode oferecer seguros contra eventos cuja ocorrência está fora do controle do segurado. Por outro lado, uma pessoa não pode se segurar, por exemplo, contra o suicídio ou a falência, pois depende apenas dessa pessoa fazer tais eventos ocorrerem.

Como a saúde de uma pessoa, ou a falta dela, depende quase que exclusivamente desta pessoa, muitos, se não a maioria, dos riscos de saúde não são efetivamente seguráveis. "Seguro" contra riscos cuja probabilidade de ocorrerem pode ser sistematicamente influenciada por um indivíduo depende fortemente da responsabilidade própria desta pessoa.

Além do mais, qualquer tipo de seguro envolve um compartilhamento de riscos individuais. Isso implica que as seguradoras paguem mais a alguns e menos para outros. Mas ninguém sabe com antecedência, e com convicção, quem serão os "ganhadores" e quem serão os "perdedores". "Ganhadores" e "perdedores" são distribuídos aleatoriamente, e a resultante redistribuição de renda não é nada metódica. Se "ganhadores" e "perdedores" pudessem ser determinados sistematicamente, os "perdedores" não iriam querer compartilhar seus riscos com os "ganhadores", mas sim com outros "perdedores", porque isso faria diminuir seus custos de seguridade. Por exemplo, eu não iria querer compartilhar meu risco de sofrer acidentes pessoais com os riscos incorridos por jogadores profissionais de futebol; eu iria querer compartilhar meus riscos exclusivamente com os riscos de pessoas em circunstâncias similares às minhas, a custos mais baixos.

Devido às restrições legais impostas às seguradores de saúde, que não têm o direito de recusar certos serviços — excluir algum risco individual por este não ser segurável —, o atual sistema de saúde está apenas parcialmente preocupado em assegurar. A indústria dos seguros não pode discriminar livremente entre diferentes riscos incorridos por diferentes grupos.

Como resultado, as seguradoras de saúde têm de cobrir uma multidão de riscos não seguráveis em conjunto com riscos genuinamente seguráveis. Elas não podem discriminar os vários grupos de pessoas que apresentam riscos de seguridade significativamente diferentes. Assim, a indústria dos seguros acaba gerenciando um sistema de redistribuição de renda — beneficiando agentes irresponsáveis e grupos de alto risco às custas de indivíduos responsáveis e de grupos de baixo risco. Como esperado, os preços desta indústria estão altos e em constante crescimento.

Desregulamentar esta indústria significa devolver a ela a irrestrita liberdade de contrato: permitir que uma seguradora de saúde seja livre para oferecer qualquer tipo de contrato, para incluir ou excluir qualquer tipo de risco, e para discriminar quaisquer tipos de grupos ou de indivíduos. Riscos não seguráveis perderiam cobertura, a variedade de políticas de seguridade para as coberturas remanescentes aumentaria, e os diferencias de preços refletiriam os riscos reais de cada seguridade. No geral, os preços iriam cair drasticamente. E a reforma restauraria a responsabilidade individual na questão da saúde.

4. Eliminar todos os subsídios para os doentes ou adoentados. Os subsídios sempre criam mais daquilo que está sendo subsidiado. Subsídios para os doentes e enfermos alimentam a doença e a enfermidade, e promovem o descuido, a indigência e a dependência. Se estes subsídios forem eliminados, seria fortalecida a intenção de se levar uma vida saudável e de se trabalhar para o sustento próprio. De início, isso significa abolir todos os tipos de tratamento e assistência médica "gratuitos" — isto é, financiado compulsoriamente pelo contribuinte saudável e zeloso de sua saúde.

Apenas essas quatro medidas, conquanto drásticas, irão restaurar um completo livre mercado no fornecimento de serviços médicos. Enquanto estas medidas não forem adotadas, a indústria continuará tendo sérios problemas — afetando de maneira extremamente negativa a vida de seus consumidores.

Por: Hans-Hermann Hoppe  um membro sênior do Ludwig von Mises Institute, fundador e presidente da Property and Freedom Society e co-editor do periódico Review of Austrian Economics. Ele recebeu seu Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha. Ele é o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo e Capitalismo eThe Economics and Ethics of Private Property.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

MENSALÃO: PODERIA SER PIOR

Julgamento do mensalão pode ser uma ruptura com o passado: STF pode demonstrar que não é suscetível às pressões políticas, especialmente aquelas advindas do Executivo


O julgamento do mensalão é a mais perfeita tradução de como funciona a justiça brasileira. O recebimento da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal ocorreu em agosto de 2007. Antes, em julho de 2005, foi aberto o inquérito na Justiça Federal de Minas Gerais. Na instrução da ação penal 470 foram mais cinco anos. O julgamento já ocupou 57 sessões do STF. Somando o processo e a sentença, o total das páginas chega próximo a 60 mil. E até hoje não temos a conclusão do julgamento.

Os mais otimistas acreditam que tudo deve terminar até dezembro e o eventual cumprimento das penas ficaria para 2014. E isto graças a celeridade dada à ação penal pelo presidente Joaquim Barbosa e que também acumula a relatoria. Ou seja, poderia ser pior, caso não tivesse ocorrido esta feliz coincidência, além do desejo de Barbosa de terminar ainda este ano o processo.

A longevidade do julgamento, porém, permite observar como funcional mal a justiça. Apesar da atenção nacional, da cobertura da imprensa e excelente infra-estrutura – são milhares de funcionários, a maioria deles regiamente pagos -, o ritmo é lentíssimo. Tudo é motivo para deixar para a próxima sessão que, como virou hábito, vai começar atrasada e com intervalos longuíssimos. Os ministros falam, falam e dizem pouco ou quase nada que se possa aproveitar. A linguagem embolada encobre o vazio. O latim de cura de aldeia é patético. A discussão “teórica” proposta por Ricardo Lewandowski sobre o crime de corrupção e qual a legislação a ser aplicada teve a profundidade de um pires. Mas haja vaidade. Um exemplo é o ministro Roberto Barroso. Diria um antigo jogador de futebol: ele acabou de chegar e já quer sentar na janelinha do ônibus. Faz questão de falar sobre tudo. Adora o som da própria voz.

Se o julgamento permite constatar que o Judiciário está mais preocupado com o formalismo – não há nada mais anti-republicano que o “capinha”, o funcionário que empurra a cadeira para o ministro sentar – do que com a aplicação das leis, é na indústria dos recursos que a perversidade chega ao cume. È evidente que o advogado tem de defender seu cliente. Mas há uma clara diferença entre a defesa e a mera procrastinação que visa, simplesmente, adiar a conclusão do processo. É inadmissível que um advogado, como ocorreu em uma das sessões da semana passada, solicite que o seu cliente seja julgado em primeira instância pois não teria foro privilegiado. Esta questão foi discutida três vezes e a Corte, em todas elas, tomou a mesma decisão: que o processo deveria ser julgado em bloco no STF. O advogado não sabia? Claro que sabia. Por que agiu assim? Por que faz parte do jogo – triste jogo da Justiça brasileira. Quanto mais tempo levar para a efetivação do cumprimento da pena, melhor.

A sucessão de recursos desmoraliza a Justiça. Deixou de ser instrumento de defesa do cidadão contra possível injustiça do Estado. Virou um mecanismo para – como no caso do mensalão – estimular a impunidade. E se através dos sucessivos recursos, o defensor conseguir que seu cliente não cumpra a pena, ele acaba – absurdo dos absurdos – sendo uma referência para seus pares, um símbolo de esperteza, como se Macunaíma tivesse se transformado em patrono dos advogados brasileiros.

É um terreno perigoso mas não custa especular até onde vai o direito de defesa – legítimo e parte essencial da democracia – e a associação entre defensor e cliente. É ético um advogado elaborar conscientemente uma linha de defesa para encobrir um ato criminoso do seu cliente e lesivo ao interesse público? É ético receber honorários de um cliente sabidamente corrupto? É ético participar de um julgamento como advogado de um réu acusado de ter cometido diversos crimes que envolveram autoridades de um governo que o defensor participou?

A indústria dos recursos acabou ganhando legitimidade. As diversas corporações que fazem parte do mundo do Direito não desejam qualquer mudança de fundo na legislação. Esporadicamente fazem alguma declaração criticando a proliferação dos recursos simplesmente para “cumprir tabela”, pois sabem que, neste ponto, contam com a simpatia da opinião pública. Da forma como vigoram no Brasil os recursos e a impunidade caminham juntos. E cabe ao Congresso Nacional aprovar novos códigos que permitam uma tramitação mais rápida dos processos e o efetivo cumprimento das penas. Caso contrário, continuaremos com a Justiça de mentirinha que temos – e que desmoraliza a democracia.

O STF ao longo da sua história, infelizmente, não foi um exemplo de defesa do Estado Democrático de Direito. Basta recordar o silêncio frente à violência estatal na República Velha, no Estado Novo ou na ditadura militar. Daí a importância do julgamento do mensalão. Pode ser uma ruptura com o passado. Demonstrar que o tribunal não é suscetível às pressões políticas, especialmente aquelas advindas do Executivo. Que julga de acordo com os autos e não pela importância política dos réus. Quem repudia a impunidade e a chicana. Que não tem compromisso com os marginais do poder. Que, enfim, cumpre suas atribuições constitucionais.

Todas estas observações só foram possíveis graças à transmissão das sessões pela televisão. Foi uma sábia medida. Ver como funciona a Suprema Corte, acompanhar os debates, as altercações, polêmicas, pilhérias. A transmissão tem ajudado a explicar o funcionamento do STF, suas mazelas, seus momentos de encontro com a cidadania, suas qualidades e fraquezas. É um ensinamento do papel e da importância do Judiciário.
Por: Marco Antonio Villa é historiador

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A SAÚDE É UM BEM, E NÃO UM DIREITO


O filósofo político Richard Weaver corretamente declarou que ideias têm consequências. Peguemos, por exemplo, o debate que opõe bens a direitos. O direito natural afirma que as pessoas têm direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. Um bem é algo pelo qual você trabalha e, com os proventos desse esforço, adquire. Esse bem pode, por exemplo, ser uma necessidade básica, como comida. Porém, nessa nossa atual cultura da dependência, cada vez mais os "bens" estão se tornando "direitos", algo que gera consequências danosas. 

A princípio, pode parecer algo bastante inócuo decidirmos que as pessoas têm direito a coisas como educação, emprego, moradia e tratamento médico. Mas, se analisarmos mais detidamente as consequências, veremos que o funcionamento da ética do trabalho e da frugalidade será violentamente desbalanceado caso as pessoas aceitem essas ideias.

Primeiramente, se decidirmos que algumas pessoas têm direito a atendimentos médicos gratuitos, isso significa que outras pessoas terão de pagar para que esse serviço seja ofertado a terceiros. E essas pessoas também têm contas para pagar e famílias para sustentar, assim como você. Se houver um "direito" à saúde, então você estará obrigando essas pessoas a bancar esse serviço para você.

É óbvio que, se aqueles obrigados a pagar pela saúde de terceiros fossem abertamente tratados como escravos destes, as faculdades de medicina rapidamente se esvaziariam, pois a imoralidade seria explícita. Porém, como o governo fez um bom trabalho em nos convencer de que a saúde é um direito em vez de um bem, ele também generosamente se prontificou a atuar como o intermediário, diluindo a noção da escravidão. Políticos são muito bons em fazer parecer que os tratamentos médicos serão gratuitos para todos. Mas nada poderia estar mais distante da realidade. O governo não quer que você pense muito sobre como os hospitais serão financiados, ou como você, magicamente, irá ganhar algo em troca de nada na arena médica. Apenas nos pedem que confiemos neles, os políticos, pois, de alguma forma, tudo vai dar certo.

Saúde pública é algo que nunca funciona da maneira como as pessoas foram iludidas a acreditar que funcionaria antes de ser implementada. Os cidadãos dos países onde a saúde é estatal jamais teriam aceitado esse sistema caso soubessem antecipadamente sobre os racionamentos e as longas filas.

Quando os burocratas assumem o controle da medicina, os custos aumentam e a qualidade despenca, pois os médicos perdem cada vez mais tempo mexendo com a papelada e dedicam cada vez menos tempo ao atendimento dos pacientes. À medida que os custos vão disparando — como sempre ocorre quando burocratas assumem as rédeas de qualquer empreendimento —, o governo tem de confiscar cada vez mais dinheiro de uma economia já sobrecarregada para de alguma forma conseguir pagar as contas.

Como já vimos repetidas vezes naqueles países que adotaram a medicina estatal, quanto mais dinheiro e poder o governo tem, maiores serão o abuso e a depravação. O aspecto mais estarrecedor dessa política de saúde pública é que, em algum momento, inevitavelmente haverá a necessidade de se cortar custos. E, como todos já estarão obrigados a recorrer a tais serviços (por pura falta de opção), isso poderá significar o cancelamento de serviços vitais. Adicionalmente, como a participação no sistema de saúde estatal acabará se tornando obrigatória, nenhuma alternativa legítima estará disponível.

Será o governo (isto é, o contribuinte) quem irá pagar todas as contas, obrigando os médicos e os hospitais a dançar de acordo com a música estatal. Ter de sujeitar a nossa saúde a essa insanidade burocrática é possivelmente o maior perigo que enfrentamos atualmente. A maior ironia de tudo é que, ao transformar o bem 'saúde' em um direito, a nossa vida e a nossa liberdade serão colocadas em risco.

É verdade que todos têm o direito a buscar algum tipo de assistência médica, sem que sejam impedidos pelas políticas governamentais. Mas isto não é o sistema que temos hoje. O atual e confuso sistema de saúde é repleto de interferências governamentais no processo. A regulamentação federal, a inflação, as leis fiscais e normas federais ditando quais os serviços devem ser fornecidos obrigatoriamente pelos planos de saúde, a interferência estatal no mercado de planos de saúde, os licenciamentos para exercício da profissão, que nada mais são do que uma maneira de cartelizar a profissão de médico — tudo isso gera efeitos negativos na prestação de serviços médicos.

Os fanáticos que agora reivindicam ainda maior envolvimento do governo no sistema de saúde não percebem que os mais necessitados e as pessoas que exigem tratamento mais cuidadoso são as maiores vítimas dessa política irracional. Quando programas humanitários bem-intencionados se baseiam em premissas falsas e noções econômicas insensatas, o resultado inevitável é que eles deixam de produzir benefícios desejados.

Pode alguém imaginar o que estaria acontecendo se, por razões de segurança nacional, o governo tivesse tomado para si a função de garantir que cada pessoa — homem, mulher e criança — tivesse um telefone celular, chamasse isso de 'direito', e justificasse tal medida como tendo a finalidade da segurança nacional? Estaríamos vivendo um pesadelo. A qualidade do serviço nunca teria melhorado, os preços seriam estratosféricos e a distribuição seria um desastre. No entanto, hoje em dia temos celulares à vontade e os preços continuam a cair, mesmo com o mercado das telecomunicações estando sob forte regulamentação governamental.

É da natureza do governo produzir e prestar serviços de baixa qualidade a preços extremamente altos. Sistemas econômicos socialistas, burocráticos e intervencionistas inevitavelmente causam danos à maior parte das pessoas que deveriam ajudar, e a custos muito altos.

Há muitas décadas temos uma farta disponibilidade de tecnologia moderna e isso se comprovou um benefício real para todos os setores econômicos, além de ajudar a manter os preços em baixa e ao mesmo tempo melhorar a qualidade dos produtos e serviços. Isso ocorreu especialmente no setor de eletrônicos, representado pelos celulares, televisores e computadores. Conquanto a medicina tenha sido grandemente beneficiada pelas novas tecnologias, o custo da medicina, em vez de cair, aumentou significativamente. E há uma razão para isso ter acontecido.

As corporações médicas que cartelizam o mercado, a interferência do governo nos planos de saúde — levando a seu encarecimento — e a enorme quantidade de dinheiro público injetada no sistema só conseguiram aumentar os preços e piorar o fornecimento de todos os serviços médicos. A saúde gerenciada pelo governo levou médicos, companhias de seguro-saúde, hospitais e principalmente pacientes a ficarem descontentes com o sistema. Mesmo os muito ricos, aqueles que podem pagar por um tratamento privado e exclusivo, estão insatisfeitos com a situação, pois sabem que estão pagando um preço muito maior do que poderiam pagar caso houvesse um genuíno livre mercado no sistema de saúde.

Em vez de retirar os serviços de saúde do mercado, o racional seria implantar um genuíno livre mercado nos serviços de saúde — um mercado que fortaleça os indivíduos, e não os burocratas. 

Como? 


Ron Paul é médico e congressista republicano do Texas e candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2012. Seu website: http://www.campaignforliberty.com

DE FRALDAS E CHUPETA

O ser humano é portador de eminente dignidade natural. Abdica a essa dignidade quem aceita ser passivo nas suas relações com os outros e com o Estado.

Procure, leitor, os lugares onde as pessoas são mais necessitadas e chegará àqueles em que o Estado decidiu ser tudo para todos.

Ninguém desconhecerá, por certo, o efeito da publicidade e da propaganda sobre o comportamento humano. Não fosse eficaz, o mercado publicitário não movimentaria cerca de US$ 20 bilhões por ano em nosso país. Tendo isso em vista, a propaganda política não deveria descurar, como descura, da pedagógica função cívica inerente às suas mensagens.

De uns tempos para cá, a cada campanha eleitoral, mais e mais partidos transmitem de algum modo a mensagem de que vão "cuidar bem das pessoas". Perceberam? Já passamos da fase do paternalismo e entramos num patamar superior - o maternalismo. Partidos e candidatos disputam troféus na produção de zelos maternais. Nós, os cidadãos, somos vistos nessas peças publicitárias como bebês de fraldas e chupeta, cujas vidas dependem inteiramente dos cuidados da mamãe estatal. Por isso, o "Dia das Mães" cívico deve ser aquele celebrado a cada quatro anos, no primeiro domingo de outubro, quando digitamos na boca da urna nossa mensagem de gratidão à legenda que consideramos mais jeitosa e cuidadosa. Fôssemos todos bons filhos da Pátria deveríamos ensopar as teclas com as lágrimas da nossa gratidão.

Não, não, não. Não estou exagerando. Bem, talvez um pouco, sim. Mas reconheça-se: é exatamente isso que vem sendo ensinado ao povo brasileiro mediante inesgotáveis demonstrações práticas. É a disputa dos corações para domínio das mentes. Com a generosa mão esquerda distribuem toda sorte de bônus. Com a direita enviam a conta para os pagadores de impostos. Como não poderia deixar de acontecer, enquanto "cuidam das pessoas", os agentes dessa política maternalista deixam morrer à míngua as funções essenciais do Poder Público. O pior, o mais nocivo, é que tais estratégias funcionam. E por funcionarem, deformam as consciências, convertendo pessoas em seres carentes, pets de última geração, aos cuidados do Estado.

O ser humano é portador de eminente dignidade natural. Abdica a essa dignidade quem aceita ser passivo nas suas relações com os outros e com o Estado. Fomos criados para existirmos em sociedade e em solidariedade, mas sem deixarmos de ser nós mesmos, indivíduos sempre, nos nossos erros e nos nossos acertos. E, por isso, responsáveis. Aceitar passivamente que o Estado esteja aí para cuidar da gente é desconectar-nos das fontes de energia interior que nos impelem a cuidarmos bem de nós mesmos. E equivale a transferir essa energia que é nossa, com grande perda, para as usinas cada vez mais poderosas e totalizantes do Estado.

O Estado brasileiro é forte onde deveria ser fraco e fraco onde deveria ser forte. É forte nos meios de ingerência e concentração de recursos e de poder, a ponto de estar acabando com a Federação. E fraco, fraquíssimo, em suas funções essenciais, a começar pela manutenção da ordem e segurança da sociedade. Não cabe a ele tomar dos indivíduos as rédeas dos seus destinos. Cabe-lhe criar as condições - repito: criar as condições - para que os indivíduos se desenvolvam. Portanto, só lhe compete fazer aquilo que as pessoas não possam fazer por si. E mesmo quando tais ações forem necessárias, deve o Estado reconhecer seu papel subsidiário. Fica bastante coisa para o Estado, sim. Mas sempre na justa medida, sem invadir o espaço sagrado onde cada um é soberano de si mesmo. Procure, leitor, os lugares onde as pessoas são mais necessitadas e chegará àqueles em que o Estado decidiu ser tudo para todos. Ou sequer apareceu para fazer o que deveria porque está metido onde não deve.Por: Percival Puggina http://puggina.org




terça-feira, 27 de agosto de 2013

QUAIS AS CHANCES DE O DÓLAR DEIXAR DE SER A MOEDA DE RESERVA INTERNACIONAL?


Moedas utilizadas como reservas internacionais foram importantes no período compreendido entre a Conferência de Gênova, em 1922, e a abolição unilateral do padrão ouro-câmbio feita por Nixon em agosto de 1971. 

Aqueles países que queriam auferir algumas receitas adicionais podiam fazer com que seus bancos centrais comprassem ativos que rendessem juros. Esta opção era oficialmente melhor do que apenas estocar ouro. Sendo assim, os bancos centrais compravam os títulos emitidos pelo governo dos EUA. E, de 1925 a 1931, eles compravam os títulos emitidos pelo governo britânico. Estes títulos geravam renda para seus investidores. O ouro não gerava renda.

O preço do ouro não se alterou durante este período — 1925 a 1931 — porque os EUA adotaram como política oficial converter seus estoques de ouro em dólar a um valor de US$20 a onça de ouro. Ou seja, qualquer governo estrangeiro que apresentasse uma nota de US$20 ao governo americano tinha o direito de ganhar em troca uma onça de ouro. Como tal política só valia para o câmbio entre governos estrangeiros, e não para os cidadãos americanos, o regime passou a ser chamado de padrão ouro-câmbio.

Portanto, os EUA tinham uma moeda lastreada em ouro. A consequência desse arranjo era que o governo americano não podia inflacionar sua moeda de forma mais intensa, pois, quanto mais dólares ele jogasse no mundo, mais ouro seria demandado de seus cofres. Quanto mais os EUA inflacionassem, maior seria a fuga de ouro para os outros países.

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, este regime foi suspenso. Mas voltaria novamente após a guerra, agora a um valor de US$35 por onça. Criado na conferência de Bretton Woods de 1944, ele passou a existir oficialmente em 1946. De 1946 até a semana anterior a 15 de agosto de 1971, qualquer país ou banco central poderia converter US$35 em uma onça de ouro sob demanda. 

Já no final da década de 1950, alguns países começaram de fato a fazer isso. Os estoques de ouro dos EUA haviam chegado a um máximo em 1958. E então, a partir daí, o ouro começou a ser demandado pelos outros países, e começou a fluir para fora dos EUA.

O status de 'moeda de reserva internacional' do dólar americano após a Segunda Guerra Mundial era baseado no poder da economia dos EUA, mas era também baseado no fato de que o governo americano havia prometido restituir sua moeda em ouro a um valor de US$35 a onça. O ouro era a âncora do dólar, que era a moeda de reserva mundial. Os bancos centrais estrangeiros, em vez de pedir a restituição de dólares em ouro, podiam também utilizar estes dólares para comprar títulos do Tesouro americano e, com isso, auferir receitas.

Qualquer governo estrangeiro podia pedir para o seu banco central criar dinheiro do nada (sua moeda nacional) e então utilizar este dinheiro para comprar dólares, os quais eram imediatamente utilizados para comprar títulos do Tesouro americano. No entanto, por causa do acordo de Bretton Woods, havia limites na capacidade de um país fazer isso. Estes limites tinham a ver com a taxa de câmbio entre a moeda do país e o dólar americano. A taxa de câmbio estava relativamente fixada. As moedas de cada país tinham um valor atrelado dólar (e este valor tinha de ser mantido pelo governo deste país), e o dólar tinha um valor fixo em ouro.

Desta forma, uma inflação monetária em massa não podia ser feita pelos países membros do Fundo Monetário Internacional (o qual também havia sido criado na conferência de Bretton Woods). Afinal, quem inflacionasse, teria dificuldades de sustentar o valor de sua moeda em relação ao dólar. Isto manteve a taxa de inflação de preços, bem como a de inflação monetária, relativamente estável de 1946 a 1971. Era contra as regras do FMI um país tentar desvalorizar sua moeda com o intuito de estimular suas indústrias exportadoras. 

No entanto, um país estava livre para inflacionar: os EUA. E ele fez isso livremente. Os dólares que os EUA criavam iam parar nas reservas dos outros países, os quais podiam então inflacionar suas moedas em cima destes dólares. Na década de 1960, alguns países — e a França, com mais intensidade — passaram a demandar a restituição destes dólares em ouro. Isso gerou uma enorme pressão sobre o governo americano, que havia criado muito mais dólares do que a quantidade de ouro em suas reservas. Para evitar a perda total de seu estoque de ouro, o governo americano simplesmente tomou a decisão unilateral de abolir este regime de conversão em agosto 1971. Naquela data, todo o sistema de Bretton Woods foi para o lixo. E nunca mais voltou.

A partir daí, qualquer país estava livre para inflacionar o tanto que quisesse, sem restrições. E este é o sistema vigente até hoje. Qualquer país está livre para inflacionar sua moeda para reduzir seu valor perante o dólar e, com isso, estimular suas exportações. Não há limites internacionais para isso.

Do início da Primeira Guerra Mundial até 1971, o dólar americano era uma das principais moedas do mundo. Após a Inglaterra sair do padrão-ouro em 1931, o dólar aumentou sua estatura internacional. No pós-guerra, por ser a única conversível em ouro e por dar acesso aos títulos do Tesouro americano (e aos seus juros), o dólar se tornou a moeda mais desejada internacionalmente. O dólar era confiável. Os títulos do Tesouro americano eram confiáveis. Isso passou a representar uma enorme vantagem para o Federal Reserve (o Banco Central americano), pois, como dito, ele agora podia inflacionar livremente, e os governos estrangeiros teriam de inflacionar em conjunto com a inflação do dólar para manter o câmbio relativamente inalterado. 

À medida que o Fed expandia a base monetária americana, todos os outros bancos centrais também tinham de expandir suas moedas para manter a paridade com o dólar. Era o sonho keynesiano tornado real.

A tradição do dólar como moeda de reserva internacional vem sendo mantida até hoje. Porém, houve uma alteração na lógica econômica por trás desta hegemonia: em vez de se basear no ouro, ela agora é fortemente mercantilista. 

O dólar é a moeda de reserva internacional por dois motivos. Primeiro, os países membros da OPEP aceitam dólares em troca de petróleo. E a precificação da OPEP é a principal unidade de conta para todos os mercados de petróleo. Isso representa um tremendo subsídio para o Tesouro dos Estados Unidos. É também um subsídio para o Fed. Tal arranjo permite que o Fed tenha muito mais liberdade para expandir a base monetária, pois, como todos os países estrangeiros têm de comprar dólares para comprar petróleo, a demanda por dólares é garantida, e isso faz com que a expansão monetária do Fed não gere grandes repercussões sobre o valor internacional do dólar.

O segundo motivo é o mercantilismo. Os governos estrangeiros querem inflacionar continuamente, pois não querem que suas indústrias exportadoras (um lobby poderoso em praticamente todos os países do mundo) percam mercado em decorrência de uma moeda doméstica apreciada. Se são necessários mais dólares para se adquirir uma moeda em processo de valorização, isso faz com que as receitas da indústria exportadora deste país sejam menores. Políticos são mercantilistas. Eles querem subsidiar o setor exportador de suas economias. Como consequência, governos estrangeiros criam moeda doméstica, compram dólares e em seguida compram títulos do Tesouro americano (os quais formam as reservas internacionais destes países). Isso mantém o câmbio desvalorizado.

O status de moeda de reserva internacional do dólar está ligado à capacidade do governo dos EUA de controlar os grandes países exportadores de petróleo do Oriente Médio. A indústria bélica americana vende aviões e armas para estes regimes feudais exportadores de petróleo. Isso significa que esses regimes são dependentes do governo americano. Eles têm de comprar peças de reposição para suas armas. Eles têm de pagar por cursos de treinamento e outras tecnologias, os quais são fornecidos pelos EUA. E eles têm obviamente de pagar em dólares. 

Logo, como estes países têm de pagar em dólares para os americanos, o dólar é a moeda na qual eles vendem seu petróleo. Como consequência deste arranjo — o fato de o dólar ser a principal moeda do mercado de petróleo —, há uma demanda contínua por dólares em todo o mundo, pois é com o dólar que se compra petróleo. Tamanha demanda faz com que a depreciação internacional do dólar seja bastante contida. 

Se a OPEP algum dia abandonar o dólar e adotar o euro como unidade de conta, o dólar irá se desvalorizar em relação ao euro. Mas o euro certamente não é mais estável do que o dólar. E, como os países da OPEP entendem a natureza do poder, eles mantêm o dólar como sua unidade de conta.

O status do dólar como moeda internacional de reserva praticamente nada tem a ver com as políticas monetárias do Banco Central americano. O Fed pode, de certa forma, fazer o que bem quiser, pois, enquanto o governo americano — por meio de sua indústria bélica — mantiver o domínio da exportação de armas de alta tecnologia e de suas peças de reposição, ele não tem de se preocupar com o status de reserva internacional do dólar. Países do Oriente Médio compram armas em dólares; por isso, eles vendem petróleo em dólares. Consequentemente, todos os países do mundo têm de comprar dólares para comprar petróleo. Isso é uma enorme fonte de demanda para o dólar.

As pessoas falam das políticas monetárias do Fed como se elas tivessem grande importância sobre o valor internacional do dólar. Têm um pouco, mas não muito. O dólar americano continuará sendo a moeda de reserva do mundo, não obstante o fato de o Tesouro americano estar pagando juro quase zero em seus títulos de curto prazo. Tais títulos são adquiridos pelos outros países não porque eles querem auferir receitas, mas sim porque as políticas do mercantilismo estão plenamente atuantes em todo o mundo. Nenhum político quer ver sua moeda se apreciando continuamente enquanto ele estiver no cargo. O setor exportador e toda a indústria nacional acabariam com sua carreira.

A OPEP decide. Se seus países continuarem utilizando o dólar, então ele continuará sendo a moeda de reserva internacional.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. 

domingo, 25 de agosto de 2013

A FALSA PANACEIA DAS "SOLUÇÕES POLÍTICAS"

Paul Johnson demonstrou magistralmente, em seu extraordinário livro "Tempos Modernos", já no primeiro capítulo, intitulado "Um mundo relativista", que o maior mal de nossos tempos — que começou a se desenvolver em fins do século XIX, ganhou força no século passado e persiste até os nossos dias, é a crença nas chamadas "soluções políticas". Johnson argumenta com boa fundamentação que essa praga tem como causa a "morte de Deus", decretada por "medida provisória" baixada por Nietzsche (que, paradoxalmente, foi um defensor do livre mercado) e que deixou o ocidente a descoberto, com um vazio de poder que acabou sendo preenchido pelo mito da "vontade política". Ainda naquele capítulo ele mostra que a relativização do mundo foi encorpada por intelectuais que se seguiram a Nietzsche: em 1915, quase ninguém entendeu o que Einstein — que nunca foi um relativista moral! — queria dizer com sua teoria da relatividade e, matreira e solertemente, levaram a coisa para o lado moral. Pronto! Passava a não existir mais o certo e o errado, porque, afinal, "tudo é relativo". Johnson cita a psicanálise de Freud e a economia de Keynes como resultados dessa relativização moral.

Não pretendo aqui discutir religião, mas tão somente ressaltar que foi a partir dessa gênese relativista que os valores morais até então inquestionáveis e aceitos voluntariamente durante séculos em nossas sociedades passaram a ser "relativizados": assim, valores fundamentais, como a propriedade privada e as liberdades individuais começaram não apenas a ser questionados sob o ponto de vista moral ou jurídico, mas atacados sob o pretexto de que caberia aos estados (isto é, a pessoas exatamente iguais às demais) tomarem as decisões mais importantes em todos os campos da existência humana, já que os iluminados do governo saberiam o que era melhor para todos, para o coletivo, para o formigueiro humano, para o "social". 

Você já parou para pensar no mal que isso representou e continua representando para a humanidade? Se ainda não o fez, convença-se de que as maiores barbaridades do século XX — a saber, o comunismo e o nazismo — foram consequências diretas desse vácuo de poder, de que se aproveitaram verdadeiros monstros como Hitler, Lenin e dezenas de outros. Já que não existiria mais uma verdade absoluta, tradicional e consagrada há séculos e que forjou toda a civilização ocidental, então tudo, praticamente tudo, poderia ser relativizado. Muitos milhões de assassinados pagaram o preço dessa maluquice, ou porque se opunham às ideias dos ditadores ou porque pertenciam a "classes" ou "raças" tidas por eles como lesivas ou prejudiciais aos interesses dos mandatários. Foi a fase — e, por incrível que pareça, ainda não saímos dela, basta olharmos para alguns dos atuais governos da América do Sul — do poder pelo poder.

Em outro soberbo livro, Os Intelectuais, Paul Johnson mostra como muitos deles, sem terem jamais se dado sequer ao trabalho de pegar em um martelo para pregar um quadro em uma parede, passaram a ditar, sentados em mesas de bares, o que era bom e o que era ruim, sempre de acordo com o seu ponto de vista, considerado obviamente como superior ao do homem comum, que é aquele que faz o mundo real funcionar. Goebbels e Antonio Gramsci (especialmente o segundo), Sartre e outros — todos festejados como "mentes brilhantes" — deram o toque final a esse processo de imbecilização coletiva fantasiada de boas intenções, e ai de quem se opunha ou — ainda! — se opõe a essa horda de barbarismo revestida de "modernidade". A última manifestação dessa endemia que se transformou em epidemia e depois em pandemia é a chamada "ditadura do politicamente correto".

Assim, se Fulano roubou alguém, a culpa não foi dele, mas da "sociedade"; se Beltrano estuprou uma mulher, a culpa foi do "sistema"; se alguém fuma um cigarro em um estádio de futebol é visto como um pária; se um zagueiro comete uma falta violenta contra um adversário e imediatamente levanta os braços para fazer ver ao árbitro que não fez nada demais, isso é visto como natural, pois todos fazem assim; se um deputado desviou recursos públicos para sua conta pessoal, o culpado é o "capitalismo" que endeusa o dinheiro; se magistrados colocam parentes em empregos públicos ganhando altíssimos salários, é claro que não deve haver qualquer culpa envolvida nisso, pois, afinal, é tudo natural; o que vale é o momento, é o prazer, o hedonismo, os ganhos fáceis, a vida da cigarra, já que as formigas são tremendamente "conservadoras e otárias" porque valorizam o trabalho árduo e a poupança. Sim, as formigas são as mais antigas neocons de que se tem notícia...

Quem ainda não ouviu algum comentário do tipo "ih, não se meta nisso, porque foi uma "decisão política" da direção da empresa"? Ou, na universidade, "não questione essa decisão, porque ela é apoiada pelo reitor", ou, ainda, "tal medida foi uma decisão política do ministro"? Já pararam para pensar nesses absurdos aceitos ou como verdades inquestionáveis ou como meras ordens a serem cumpridas? Já refletiram que isso vai — como foi e vem acontecendo — minando a capacidade de raciocinar das pessoas, ou seja, vai desumanizando o homem?

Eis a verdade, meus amigos, clara como a água mais cristalina, mas que a imensa maioria não consegue enxergar, porque foi habituada, ensinada, doutrinada, bombardeada para agir como bois ao som do berrante do boiadeiro: estamos vivendo em uma sociedade que a cada dia se torna mais desumanizada, em que a dignidade da pessoa humana de pouco ou nada vale. Essa crença cega nas pretensas "soluções políticas" foi sendo inoculada nas pessoas passo a passo, vagarosa e calculadamente e se alastrou pelos corpos das sociedades como um veneno mortal.

É urgente combater o relativismo moral e suas "soluções políticas", a começar pelo resgate da família e seus valores, da importância da formação moral das crianças por parte dos pais (e não dos professores de História inteiramente embriagados de marxismo) e da imprescindibilidade da liberdade responsável, que é aquela liberdade de escolher sabendo o que é certo e o que não é certo.

Já pensaram também por que nosso povo está indo às ruas para protestar? Estão pretendendo o quê com os protestos: mais "soluções políticas"? É o que parece.

Na economia, desde que Keynes, em outra "medida provisória", estabeleceu a máxima, tida por quase todos os economistas como inquestionável, a de que poupar faz mal à saúde da economia e gastar faz bem, uma tremenda e gigantesca guinada nos fundamentos morais da ciência econômica, as "soluções políticas" passaram a substituir as decisões individuais voluntárias, os mercados passaram a ser vistos como um perigo para os pobres e os ministros da Fazenda e presidentes dos bancos centrais como grandes iluminados salvadores de suas pátrias. O resultado dessa imoralidade representada pelo keynesianismo pode ser visto facilmente, como um relâmpago em uma noite escura: déficits orçamentários crescentes, endividamento público maior do que o "tamanho da economia", inflação, desemprego, crises em cima de crises e gerações de jovens que não encontram empregos, como vem sucedendo na Europa, antes badalada como um paraíso da social democracia.

James Buchanan e Gordon Tullock, os dois principais autores da Public Choice School, mostraram claramente que Keynes, um imoralista assumido, politizou a teoria econômica e seu trabalho foi justamente fazer o oposto: levaram os princípios básicos da teoria econômica para analisar o processo político, mostraram como isto pode ser feito e concluíram que os chamados "homens públicos", tal como os mortais comuns, agem de acordo com seus próprios interesses e não tendo em vista o chamado bem comum. Ou seja, os políticos agem — para usarmos o jargão econômico convencional — com o intuito de "maximizar a sua utilidade" e não a dos seus eleitores.

E, desde seus primórdios com os pós-escolásticos, passando por seu fundador Menger e por Mises, Hayek, Rothbard, Kirzner e praticamente todos os seus economistas, a Escola Austríaca de Economia sempre se posicionou contra a falsa panaceia das "soluções políticas", porque sempre entendeu com muito maior clareza — e com uma metodologia bastante superior à das escolas rivais —, que os mercados são processos de intercâmbio voluntário que jamais puderam, podem ou poderão ser substituídos por pretensas "soluções", que de soluções nada têm. Hayek, em especial, mostrou, especialmente em seu famoso artigo O uso do conhecimento na sociedade que o conhecimento, em termos de assuntos sociais, é sempre insuficiente e se apresenta de forma dispersa. E que os planejadores dos governos não são super-homens que se situem acima desse fato elementar.

Portanto, nada melhor do que os próprios envolvidos nas situações concretas para resolverem os seus problemas concretos. As "soluções políticas" já nascem fadadas ao fracasso. Na verdade, elas são, por si mesmas, sinônimos de fracassos. A Escola Austríaca de Economia é moralmente superior às demais porque respeita os princípios, valores e instituições de uma sociedade livre e virtuosa. O texto de Hayek, claramente, é uma defesa do conhecido Princípio da Subsidiariedade, que se baseia na ideia de que é moralmente errado retirar-se a autoridade e a responsabilidade inerentes à pessoa humana para entregá-la a um grupo, porque nada pode ser feito de melhor por uma organização maior e mais complexa do que pode ser conseguido pelas organizações ou indivíduos envolvidos diretamente com os problemas. A subsidiariedade decorre de três importantes aspectos da própria existência humana: a dignidade da pessoa humana, a limitação do conhecimento enfatizada por Hayek e a solidariedade.

Por tudo isso e como estou farto de dizer e escrever, temos uma tarefa gigantesca pela frente, que é a de fazer as pessoas voltarem ter noção de que há atos moralmente certos e atos moralmente errados, tanto no campo da economia, como no das relações pessoais, no da atividade política, na prática dos esportes, enfim, em todas as nossas ações. Obviamente, há ações que podem ser chamados de moralmente neutras, como, por exemplo, a de chupar um picolé, mas a maioria de nossas escolhas reflete os valores morais que recebemos desde muito cedo e que desenvolvemos com o passar dos anos. Muitos dos que estão indo às ruas protestar contra este ou aquele político corrupto, será que não agiriam de maneira parecida caso estivessem no lugar do mesmo?

Essa tarefa enorme e hercúlea que temos pela frente, a meu ver, transcende rótulos de qualquer natureza. Não me agradam esses rótulos. Nunca me agradaram, porque são superficiais. Em termos de filosofia moral, sou um "conservador", mas em termos de teoria econômica, sou um "libertário". E aí, como é que fica? De forma semelhante, alguém pode ser um "progressista" em termos morais, mas um "conservador" em termos políticos. E aí? Rótulos rútilos só servem ou para xingar alguém ou para confundir incautos...

Acima dos rótulos, temos que lutar contra a panaceia das "soluções políticas", que nos ronda como urubus sobre a carniça. Se mostrarmos que estamos vivos, nos mexendo, lutando, poremos os urubus para correrem, ou melhor, para voarem para outras plagas. E se quisermos saber qual é o ninho os corvos, veremos que é o relativismo moral.

Port: Ubiratan Jorge Iorio  economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

sábado, 24 de agosto de 2013

DITADURA DA INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA


Inimiga nº1 dos transgênicos, física indiana denuncia ditadura da indústria alimentícia

Considerada a inimiga número um da indústria de transgênicos, a física e ativista indiana Vandana Shiva afirma que há uma ditadura do alimento, onde poucas e grandes corporações controlam toda a cadeia produtiva. E dá nome aos bois: Nestlé, Cargil, Monsanto, Pepsico e Walmart.

"Essas empresas querem se apropriar da alimentação humana e da evolução das sementes, que são um patrimônio da humanidade e resultado de milhões de anos de evolução das espécies", diz.

Crítica feroz à biopirataria, Shiva ressalta que a única maneira de combater o controle sobre a alimentação é o ativismo individual na hora de consumir produtos mais saudáveis e de melhor qualidade.

Leia os principais trechos da exclusiva à Folha durante o 3º Encontro Internacional de Agroecologia, em Botucatu.

É possível alimentar o planeta sem usar transgênicos?

O único modo de alimentar o mundo é livrando-se das sementes transgênicas. Essas sementes não produzem alimentos, mas produtos industrializados. Como isso poderia ser a solução para fome? Só estão criando mais controle sobre as sementes. Desde 1995, quando as corporações obtiveram o direito de controlar as sementes, 284 mil fazendeiros cometeram suicídio na Índia. Nós perdemos 15 milhões de agricultores por causa de um design de produção agrária criado para acabar com a agricultura familiar.

Como mudar a alimentação do modelo agroindustrial para outro baseado na produção familiar e na distribuição local?

As pequenas fazendas produzem 80% dos alimentos comidos no mundo. As indústrias produzem commodities. Apenas 10% dos grãos de milho e soja são comidos por pessoas; o resto é 'comido' pelos carros, como biocombustíveis, e por animais. É possível elevar esses 80% para 100% protegendo a biodiversidade, a terra, os fazendeiros e a saúde pública. É apenas por meio da agroecologia que a produtividade agrícola pode aumentar.

Como as grandes corporações dominam a cadeia mundial de alimentos?

Se você olha para as quatro faces que determinam nossa comida, são todas controladas por grandes corporações. As sementes são controladas pela Monsanto por meio dos transgênicos; o comércio internacional é controlado por cinco empresas gigantes; o processamento é controlado por outras cinco, como a Nestlé e a PepsiCo; e o varejo está nas mãos de gigantes como o Walmart, que gosta de tirar o varejo dos pequenos comércios comunitários e com conexões muito diretas entre os produtores de comida e os consumidores. São correntes longas e invisíveis, onde 50% dos alimentos são perdidos.

Temos sim uma ditadura do alimento. A razão que eu viajei todo esse caminho até o Brasil é porque eu sou totalmente a favor da liberdade alimentícia, porque uma ditadura do alimento não é só uma ditadura. É o fim da vida.

Como as corporações chegaram a esse domínio?

Infelizmente, o chamado livre comércio trouxe a liberdade para as corporações, mas não para as pessoas. As corporações estão escrevendo as regras e se tornando os governantes.

Os direitos intelectuais acordados entre as organizações mundiais foram escritos pela Monsanto. Para eles, o problema era que os fazendeiros estavam guardando as sementes. E a solução que ofereceram foi dizer que guardar as sementes agora é um crime de propriedade intelectual. É isso o que dizem as regras da OMC. A Índia, o Brasil, a América Latina e a África deveriam dizer: 'Você não pode patentear a vida porque a vida não foi inventada. Pare com a biopirataria'.

Até agora, a revisão dessas regras não foi permitida, o que mostra que essas corporações ditam as regras. E não é apenas na OMC. A Monsanto escreveu o ato de proteção para o orçamento nos EUA. O vice-presidente da Cargill foi designado para escrever a lei de comércio e agricultura dos EUA.
Fabio Braga-29.mai.2012/Folhapress 
A ativista indiana Vandana Shiva, 59, que veio ao Brasil para fazer palestras sobre temas da Rio+20


É possível modificar esse cenário?

A única maneira de reverter essa situação é cada pessoa fazer seu papel de recuperar a liberdade e a democracia do alimento. Afinal, cada um de nós come duas ou três vezes ao dia. E o que nós comemos decide quem somos, se nosso cérebro está funcionando corretamente, ou nosso metabolismo está saudável ou, se por conta de micronutrientes, estamos nos tornando obesos. Isso afeta todo mundo: os mais pobres porque lhes foi negado o direito à comida; mas até os que podem comer porque não estão comendo comida. Chamo isso de anticomida, porque a comida deveria nos nutrir. A comida mortal que as corporações estão trazendo para nós destrói a capacidade da comida de nos nutrir e no lugar disso está nos causando doenças.

Cada um de nós deve se tornar um forte ativista da liberdade da comida e das sementes no nosso dia a dia. O que significa que temos que apoiar mais os fazendeiros e a agroecologia. Devemos ser comprometidos com a alimentação saudável.

Qual a importância do Brasil nesse jogo?

O Brasil tem um papel muito importante. De um lado, está uma agricultura altamente destrutiva e irresponsável, mantida pelas corporações, levando transgênicos, produtos químicos e piorando a fome. Do outro lado, está o modelo agroecológico, caracterizado pela diversidade, conhecimento popular, o melhor da ciência, e levando efetivamente comida às pessoas. Essa disputa está ocorrendo justamente aqui, no Brasil.

Provavelmente, o Brasil tem a maior proporção de diversidade de alimentos em sua agricultura. No entanto, a maior parte não é usada para a alimentação humana. Por exemplo, as plantações de cana-de-açúcar e soja vão para a alimentação de animais e para fabricação de combustíveis.

O Brasil é parte do que eles chamam de Brics. Eu não gosto de 'tijolos'. Eu prefiro plantas. Mas é um forte jogador na cena global, e os jogadores vão decidir como os outros jogam.

Qual o papel da sociedade urbana em relação à agricultura familiar?

É muito feliz. Não porque eu acredito que as áreas urbanas têm mais riqueza e mais poder, mas porque, por terem mais riqueza, têm mais responsabilidade. E porque eles controlam a tomada de decisões, tanto em termos de governamentais como a sua própria atitude em termos de consumo. Se eles mudassem sua postura de consumo para longe das corporações, comprando, sim, alimentos dos pequenos produtores, eles ajudariam não apenas o agricultor familiar, mas também ajudariam a Terra e seus próprios corpos.

Recentemente o presidente da Nestlé afirmou que é necessário privatizar o fornecimento da água. Quais as consequências desse processo?

Tudo que é essencial à vida desde o começo da história, em todas as culturas, tem sido reconhecido como pertencente à sociedade. E isso inclui a semente, porque a semente é a base da comida, inclui a água porque água é vida. E são esses recursos que essas corporações gigantes querem enclausurar. Essas são as novas inclusões comerciais. Assim como na Inglaterra, eles enclausuraram a terra, e a tiraram dos camponeses para terem a revolução industrial.

Hoje, as corporações gigantes estão assumindo os bens comuns que são as sementes, a biodiversidade, a água. Quando a Nestlé diz que é necessário privatizar a água, eles estão, obviamente, pensando na necessidade de aumentar os lucros deles. Eles não estão pensando na necessidade dos aquíferos de serem sustentados e recarregados, porque corporações somente podem construir uma economia extrativa. Se eles privatizam a água, eles vão somente tirar a água para eles, o que significa que as comunidades locais são deixadas sem água. Então é um assalto.

As Nações Unidas têm de reconhecer que o direito à água é um direito humano. A Coca-Cola agora quer entrar no meu vale, um vale lindo no Himalaia, chamado Dune Valey. Em maio nós iniciamos uma campanha porque a privatização da água por essas empresas de engarrafamento significa, primeiro, que o direito universal à água é destruído. O aquífero, que pertence a todos, está agora engarrafado numa garrafa de 10 rupis que pode é acessível só aos ricos. Os pobres bebem apenas água contaminada.

A segunda coisa é que ela destrói água, e eu não sei por quanto tempo essa mineração poderá aguentar. A terceira é que ela polui. Sobram poucas fontes de águas puras, e, se eles realmente se importassem, deveriam limpar o pouco que sobra, ao invés de roubar o que resta limpo. Isto é roubo de água e, portanto, um crime contra a humanidade.

Essa dependência da Coca-Cola é um dos vícios da vida moderna. Nós temos muito mais bebidas saudáveis.
Na Índia, começamos uma campanha para as avós ensinassem aos seus netos as bebidas geladas que elas costumavam fazer. Somos um país tropical, sabemos como transformar qualquer fruta em uma bebida saborosa: um suco de manga crua, que é ótimo para prevenir insolação, uma mistura maravilhosa de sete grãos, que é como uma refeição completa e, se tomada no café da manhã, você não precisa de mais nada. As bebidas venenosas que são vendidas pela Nestlé e pela Coca-Cola roubam o nosso dinheiro, a nossa água e a nossa cultura.

Qual é a forma alternativa à globalização?

Originalmente, o livre comércio deveria reconhecer a liberdade de todas as espécies e por isso não destruiria nenhuma espécie nem ecossistema. Originalmente, o livre comércio reconheceria os direitos dos camponeses e dos povos indígenas e, por isso, não iria cortar as raízes. Reconheceria também os direitos dos pequenos agricultores familiares e iria cuidar para que existam preços justos, ao invés de tentar debilitar o preço por meio de dumping e jogando fora os produtos.

Um verdadeiro livre comércio seria a liberdade para as pessoas e não a liberdade para as corporações. O que nós temos agora é uma corporatização global com uma negligência total, uma destruição negligente e desatenta. O que precisamos é uma consciência livre que esteja profundamente ciente de nossa interconexão com outras espécies, outras culturas e com toda a humanidade. Temos que ser conscientes do dano que fazemos aos outros. Dessa forma, não vamos incrementar o tamanho de nossa pisada ecológica, mas vamos a reduzi-la.

E, na alimentação, a única forma em que você pode reduzir sua pisada é de mudar de agroindústria para agroecologia, mudar da distribuição global para distribuição local, mudar de um sistema violento, que depende do governo corporativo, para um sistema pacífico, que depende da comunidade e da solidariedade. No momento em que mudamos para isso, a pisada se reduz. Podemos ir do industrial e global para ecológico e local.

Como acelerar o processo de alinhamento entre os vários movimentos para um estilo de vida mais sustentável?

Agroecologistas, camponeses e agricultores familiares são, na minha opinião, os maiores, protetores do planeta. É o momento de os movimentos ecológicos perceberem que os verdadeiros ambientalistas são os agricultores, que realmente reconstroem o solo, que fazem o cultivo de uma forma que os besouros não sejam mortos, que protegem a água.

E o movimento pela saúde tem que perceber que os agricultores são os médicos, que fazer crescer comida saudável é a melhor contribuição que podemos fazer. No momento em que fazemos essas conexões, existe uma nova vida, porque a vida cresce por meio de inter-relações.

TATIANE RIBEIRO ENVIADA ESPECIAL A BOTUCATU
TONI SCIARRETTA DE SÃO PAULO

Publicado na Folha de SP