segunda-feira, 21 de outubro de 2013

RUAS SEM NOME

Amarildo foi executado e seu corpo desapareceu porque ele residia num lugar não cartografado pelos Correios

Procure no Google Maps. Na vasta faixa da Rocinha, apenas duas vias têm nome: a Estrada da Gávea, na superfície, e o Túnel Zuzu Angel, no subterrâneo. Os Correios não dispõem de um mapa de ruas da Rocinha. Na favela, só recebem cartas em casa os assinantes dos serviços do Carteiro Amigo, empresa formada por antigos recenseadores do IBGE que cartografaram a área e criaram um cadastro informal de CEP. Amarildo de Souza morreu sob tortura, executado por policiais da UPP da Rocinha, porque não era reconhecido como indivíduo e cidadão, mas apenas como integrante de uma “comunidade”. José Mariano Beltrame narra a tragédia como um evento singular: o produto da ação de um bando de “maçãs podres” da PM. A narrativa verdadeira é outra: o destino de Amarildo evidencia o fracasso da política das UPPs.

O conceito das UPPs não foi elaborado no governo de Sérgio Cabral, mas no de Anthony Garotinho, pelo então secretário de Segurança Pública Luiz Eduardo Soares, que tentou substituir a política de invasões de favelas pela implantação de unidades policiais permanentes. Garotinho interrompeu as iniciativas embrionárias, mas a ideia estava semeada: a presença policial deveria funcionar como passo inicial para a plena integração das favelas à cidade. Pacificadas as favelas, o Estado não mais teria desculpas para deixar de prover os serviços públicos universais a seus residentes. Cabral disseminou UPPs, mas pouco avançou na etapa seguinte. As ruas sem nomes oficiais são atestados eloquentes da recusa do poder público de cumprir suas obrigações.

Favela é a “outra cidade”, a cidade formada por ocupações, que carece de títulos de propriedade de terrenos e imóveis. Na novilíngua empregada por autoridades (e artistas), a palavra precisa caiu em desuso, cedendo lugar a “comunidade”, um termo que, tanto na Biologia quanto na Sociologia, não designa um espaço geográfico, mas uma coletividade distinta e singular. Involuntariamente, os inventores da nova palavra estão dizendo aquilo que, de fato, pensam: os moradores de favelas vivem (e devem viver) segundo normas particulares, diferentes daquelas vigentes na “cidade legal”. A causa mortis de Amarildo encontra-se exatamente nessa persistente rejeição do Estado a reconhecer os direitos de cidadania dos habitantes da “outra cidade”.

Para que as UPPs tenham futuro, explicou Soares numa entrevista concedida quase dois anos atrás, seria preciso “refundar” as polícias. “Enquanto uma UPP é criada, a PM continua incursionando em favelas de forma irresponsável, policiais militares criam novas milícias e promovem mais execuções extrajudiciais”, alertou o ex-secretário. Cabral soube converter o programa das UPPs em sedutor ativo eleitoral, mas recuou diante do imperativo de refundar as polícias, um passo que demandaria ousadas rupturas políticas. Beltrame aceitou conduzir uma política amputada, que ruma previsivelmente para o abismo. Como consequência disso, condenou-se ao papel deplorável que cumpre hoje, quando tenta enquadrar o assassinato de Amarildo na moldura da fatalidade.


Os registros estatísticos indicam que, somente em 2010, 854 pessoas — entre as quais, 463 menores — foram mortas em ações policiais no Estado do Rio de Janeiro. “Há duas mortes que precisam ser mais bem investigadas: a morte da pessoa e a morte do inquérito”, enfatizou o sociólogo Michel Misse, que participa da campanha Desaparecidos da Democracia. A corajosa juíza Patrícia Acioli foi executada em agosto de 2011 por policiais decididos a matar os inquéritos sobre a guerra suja nas favelas, que não foi interrompida pelas UPPs. Ela se tornou um cadáver ilustre sobre o pano de fundo do cortejo de mortos sem nome e, não poucas vezes, até mesmo sem corpo. Amarildo seria apenas um número adicional nas estatísticas macabras, não fosse a circunstância fortuita de que seu “desaparecimento” coincidiu com a onda de manifestações populares iniciadas em junho. Não, Beltrame: Amarildo não é uma mancha acidental no tecido limpo da política de segurança pública de Cabral.Na Zona Oeste, longe do foco das câmeras de TV, as milícias articulam-se à sombra das UPPs e disputam poder com o tráfico. Na Favela do Jacarezinho, que tem uma UPP desde janeiro, o comércio fechou as portas em 19 de abril, cumprindo ordens de traficantes que decretaram luto coletivo devido à morte de dois dos seus. Na Cidade de Deus, onde inaugurou-se uma UPP em 2009, crianças continuam a vender drogas no varejo. A casa de um sargento da PM na Praça Seca, no centro da Favela da Chacrinha, que serve como base da milícia local, foi pintada com o padrão de cores e a inscrição “UPP”. A mensagem, dirigida aos residentes, não exige esforço de tradução: os chefes da área avisavam que a “polícia do B” é uma costela da polícia oficial. A causa mortis de Amarildo está aí, na teia de relações que borra as fronteiras entre a polícia e o crime organizado.

“O importante agora é manter a integridade da UPP da Rocinha, que tem a aprovação da grande maioria dos moradores”, declarou Beltrame na hora da prisão dos dez policiais acusados de tortura, execução e ocultação de cadáver. A UPP da Rocinha foi inaugurada, com direito a discurso de Cabral, em setembro do ano passado. O comandante da UPP, agora afastado, está entre os indiciados. Ao longo dos últimos seis meses, segundo o inquérito da Polícia Civil, pelo menos 22 moradores sofreram torturas infligidas por policiais da unidade. O que significa, nesse contexto, “manter a integridade” da UPP da Rocinha? A linguagem orwelliana de Beltrame deve ser classificada com os adjetivos apropriados: acinte e desaforo. É essa “integridade” a causa mortis de Amarildo.

Amarildo foi executado e seu corpo desapareceu porque ele residia numa rua sem nome, num lugar não cartografado pelos Correios. O inquérito policial não basta. Precisamos de um inquérito político.

Por: Demétrio Magnoli Fonte: O Globo, 10/10/2013

RETRATO DE UM GIGANTE

A esquerda luta contra as desigualdades; a direita pretende apenas perpetuá-las. Podem passar milênios sobre a história humana. Mas esse é o clichê que fica.

Injusto. Nos últimos tempos, por motivos acadêmicos, tenho passado os dias com o conservador Benjamin Disraeli (1804-1881).

Sim, na longa galeria de primeiros-ministros britânicos, Disraeli perde em popularidade para gigantes como Churchill ou até para o contemporâneo Gladstone. Quando muito, Disraeli é lembrado como romancista (mediano) e um dos principais confidentes da rainha Vitória.

Mas Disraeli foi mais que tudo isso: ele simplesmente evitou que a Inglaterra cumprisse a revolução profetizada por Marx. A forma como o fez desafia todos os clichês ideológicos.

Aliás, a referência a Marx não é por acaso. Porque ambos, habitando a mesma cidade, contemplaram o mesmo problema: o fosso crescente entre ricos e pobres; a concentração de riqueza (e de poder) na mão de uns poucos --e depois uma longa legião de miseráveis que a Revolução Industrial produzia nas cidades.

Mas existe uma diferença: para Marx, o proletariado estava pronto para a revolução porque nada tinha a perder. Para Disraeli, o proletariado só não estaria pronto para a revolução se tivesse alguma coisa a ganhar.

Um pouco de história: em 1832, quando o Parlamento aprovou uma importante reforma eleitoral (a Reform Bill, promovida pelo partido Whig), foi concedido à classe média o direito de voto.

Disraeli reagiu. Por temer que o direito de voto à classe média pusesse em causa os sucessos eleitorais futuros do seu próprio partido conservador, aliado tradicional da aristocracia terratenente?

Sem dúvida --o calculismo partidário não nasceu hoje. Mas o problema, para Disraeli, não era apenas partidário, era nacional. Ou, dito de outra forma, o que seria da Inglaterra se as classes trabalhadoras fossem deixadas para trás? Não seria preferível conceder também o direito de voto às classes trabalhadoras?

Uma pergunta dessas, entre os conservadores, era simplesmente blasfêmia: imaginar que um trabalhador braçal pudesse votar só poderia ser piada.

Pior ainda: como o sr. Karl Marx ensinava, alargar os direitos políticos ao proletariado era convidar para dentro de casa quem a desejava destruir.

A resposta de Disraeli foi simples e crucial: ninguém deseja destruir uma casa que também sente como sua.

Dito e feito: em 1867, Disraeli aprovou o Reform Act, que concedeu o direito de voto aos trabalhadores urbanos. A historiadora Gertrude Himmelfarb explica a importância do gesto em uma única frase: foi nesse ano que a democracia plena nasceu no Reino Unido.

Mas Disraeli não ficou por aqui: como lembra Peter Viereck em estudo que também lhe é dedicado ("Conservative Thinkers", um primor de concisão e erudição), Disraeli acabaria mais tarde por legalizar também os sindicatos; e o direito à greve; e o direito à constituição de piquetes pacíficos; para além de ter aprovado mil outras leis laborais que extinguiram, um por um, todos os focos potencialmente revolucionários no país.

Como explicar tudo isso? Como explicar, no fundo, que tivesse sido um conservador a depositar uma fé tão otimista nos marginais do sistema?

Opinião pessoal: porque Disraeli, apesar de todos os sucessos literários e políticos, sempre se sentiu um marginal na sociedade inglesa do século 19. Aos olhos dos seus pares, ele era o eterno "estrangeiro", o eterno "exótico", o eterno "judeu", apesar do batismo na fé cristã.

E não existe nada mais insultuoso para um "outsider" do que a ideia paternalista, seja de esquerda ou de direita, de que todos os "outsiders" são por definição selvagens e revolucionários.

Não são, disse Disraeli: eles também podem ser cavalheiros se forem tratados como cavalheiros. E só assim, tratados como cavalheiros, eles estarão dispostos a preservar, e não a destruir, a constituição de que fazem parte.

Foi essa a lição magistral que salvou a Inglaterra da revolução --e, claro, o partido conservador do esquecimento.

Que essa lição seja ignorada pela esquerda, não admira. Que ela seja ignorada pela direita, eis uma fatalidade que já causa maior espanto.
Por: João Pereira Coutinho  Folha de SP

domingo, 20 de outubro de 2013

NEGÓCIOS DA CHINA "LOUCAMENTE RUINS"

A falsificação não se deve a erros de cálculo, mas a um desígnio de hegemonia mundial que os chefes chineses herdaram do patriarca marxista Mao Tsé Tung.

Se os números de Balding estiverem certos, a China está à beira de uma monumental crise. 


Christopher Balding, professor na HSBC Business School da Universidade de Pequim, denunciou que mais de um trilhão de dólares contabilizados no PIB oficial chinês pura e simplesmente não existem.

Ele argumenta com dados convincentes: o PIB chinês está distorcido e cálculos prudentes apontam um número bem menor, noticiou o 'World Affairs'.

Balding se apoia no trabalho de Stephen Green, do Standard Chartered Bank, um dos primeiros a denunciar que a China superdimensiona o seu PIB ao manipular os dados da inflação, e que a economia chinesa só cresceu 5,5% no último ano e não 7,8% como reza a vulgata oficial.

Para Green, caso houvesse um índice para medir o grau de suspeita que paira sobre as estatísticas oficiais da China ele se utilizaria do termo técnico americano: ‘crazy bad’ (loucamente ruim)”.

Antes de se transformar no czar da economia chinesa, Li Keqiang confiou a representantes americanos que suas estatísticas não são confiáveis, ou “feitas a mão”.

Os estatísticos chineses podem ficar mal à vontade com os dados incontestáveis de Balding, mas de fato nada acontecerá.

Afinal de contas, a falsificação não se deve a erros de cálculo, mas a um desígnio de hegemonia mundial que os chefes chineses herdaram do patriarca marxista Mao Tsé Tung.

Os estudos de Green e Balding revelam um estado crítico de fraqueza da economia chinesa. Há enorme desacordo sobre a proporção dívida–PIB, e não se sabe bem qual é o volume real da dívida, uma vez que o governo central está “criando” PIB com gastos estatais massivos. As cidades fantasmas são um exemplo claro disso.

Li Keqiang tenta convencer a comunidade financeira mundial do contrário, mas ele anunciou um “estímulo econômico não-oficial” que obriga os bancos a emprestarem dinheiro às províncias para preencher metas do governo.

Mas o truque de Li infla os números do PIB e levanta sérias dúvidas sobre o futuro pagamento das obrigações governamentais.

Pequim defende que sua dívida pública em 2012 equivalia a 40% do PIB, e, portanto gerenciável. Mas, sem dúvida a proporção é muito maior. Alguns sugerem até 200% (nos EUA em crise, a proporção atingiu 102,9% na mesma data).

Se os números de Balding estiverem certos, a China está à beira de uma monumental crise. Exageros aparecem nos números relativos à produção industrial.

Se os temores forem confirmados, o país comunista vai entrar numa crise da qual não conseguirá sair nesta década, concluiu o 'World Affairs'.
Por: Luis Dufaur edita o blog Pesadelo Chinês.

OS 25 ANOS DA CARTA QUE ESTÁ TRANSFORMANDO A IMPUNIDADE EM CLÁUSULA PÉTREA


Batizada de “Constituição Cidadã” por Ulysses Guimarães, a Constituição de 88, que completa um quarto de século, corre o risco de se tornar a “Constituição da Barbárie”, caso continue transformando direitos fundamentais em salvo-conduto.

A Constituição da Re­pú­blica Federativa do Brasil está completando 25 anos. Às 15h50 do dia 5 de outubro de 1988, o presidente da Assembleia Na­cional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães (PMDB), em pé, erguendo na mão esquerda um exemplar da nova Constituição, afirmou em meio aos aplausos dos parlamentares e populares que lotavam o Congresso Na­cional transformado em Cons­tituinte: “Declaro promulgada!... O documento da liberdade, da dignidade, da democracia e da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude que isso se cumpra!” Um ano, oito meses e quatro dias antes, em 1º de fevereiro de 1987, havia sido instalada a Assembleia Nacional Consti­tuinte, que, depois de 612 dias de pressões, debates, negociações e, sobretudo, expectativa, conseguiu finalmente consolidar o texto da nova Constituição do País.

Ulysses Guimarães fez questão de dizer em seu discurso de promulgação da Carta que o Brasil contava, em 1988, com 30,4 milhões de analfabetos, ou “afrontosos 25% da população” sem saber ler e escrever. Com bases nesses dados, o presidente da Constituinte advertiu: “A cidadania começa com o alfabeto”. Mas aquela estatística de Ulysses Gui­marães não era precisa. Na verdade, era quase fraudulenta. Fazia de conta que a taxa de analfabetismo permaneceu no mesmo patamar de 25,9% do Censo de 1980, quando, na verdade, ela foi reduzida para 19,7% no Censo de 1991, quando o Brasil tinha 18,6 milhões de analfabetos. Como no Censo de 1980 o Brasil tinha 19,3% de analfabetos, os 30 mi­lhões de analfabetos do “Dr. Uly­sses” em 1988 eram puro chute. A não ser que se contassem os analfabetos funcionais, que continuam sendo bem mais do que um quarto da população ainda hoje.

Naquele tempo, todos os indicadores sociais negativos do Brasil eram inflados pelos formadores de opinião e pela ONU, fazendo o País disputar a copa mundial da miséria com os piores países africanos, banhados pelo sangue de guerras étnicas. Até 2002, a Fundação Getúlio Vargas estimava haver 50 milhões de miseráveis no Brasil. E, na imprensa, só se falava da fome etíope que assolava esses miseráveis. Mas eles só existiam nessas estatísticas lunáticas dos acadêmicos, ensandecidos pela ideologia marxista. Na vida real, os supostos miseráveis estavam virando obesos.

Essa tendência niilista só mudou a partir de 2003, com a eleição do santificado Luiz Inácio Lula a Silva. Então, do dia para a noite, esses mesmos formadores de opinião e burocratas da ONU tornaram-se mais otimistas do que o Pangloss de Voltaire e passaram a enxergar no Brasil um país de primeiríssimo mundo. Numa só canetada, tiraram 40 milhões de pessoas da miséria e criaram uma nova classe média de fazer inveja aos países escandinavos. Mas, quando a Constituição de 88 foi promulgada, no ano de 15 a.L. (“antes de Lula”), o Brasil ainda era a Etiópia e se jogou nos ombros da nova Carta toda a responsabilidade de transformá-lo numa Suécia.

Casamento da demagogia com o sonho
Provêm daí os grandes males da Constituição de 88. Ela nasceu do casamento da demagogia com o sonho. E nesse encontro entre o demagogo e o sonhador, nem é preciso dizer qual vontade prevalece. A demagogia era tanta que a Cons­ti­tuição de 88 chegou a estabelecer, em seu artigo 192, inciso VII, parágrafo 3º, que as taxas de juros reais não poderiam ser superiores a 12% ao ano.

Na época, o economista Delfim Neto, então constituinte, apesar de ter tabelado os juros várias vezes quando ministro do regime militar, ironizou esse dispositivo constitucional, dizendo que seus defensores só tinham dois exemplos de constituições que tabelaram juros: a da Nica­rágua e a de Guiné-Bissau, o que mostrava, segundo ele, de que era feito o progressismo dos constituintes de esquerda.

Como foi solenemente ignorado por todas as políticas econômicas que se sucederam entre Sarney e Lula, o artigo 192 acabou sendo am­putado da Carta pela Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003, restando dele so­mente três linhas, que, sensatamente, remetem para leis complementares a regulamentação do sistema financeiro nacional. Convém salientar que o tresloucado tabelamento dos juros e outras diatribes anticapitalistas do artigo 192 tinham sido impostos por pressão das esquerdas, especialmente o PT de Lula. E coube justamente a Luiz Inácio Lula da Silva, como presidente da Re­pú­blica, repudiar o discurso demagógico que o levou a ser eleito em 2002 e a orientar sua maioria no Congresso Nacional para amputar o referido artigo. O que não impede o ex-presidente de continuar posando de “Pai dos Pobres” e arauto do socialismo.

A Constituição de 88 foi movida pelo espírito das barricadas de Paris e quis levar a imaginação ao poder. Prova disso é que os constituintes preferiram não trabalhar sobre um anteprojeto estabelecido, para orgulho de Ulysses Guimarães. Em seu discurso de promulgação da “Constituição Cidadã”, ele assim descreveu seus bastidores: “Foi de audácia inovadora a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto forâneo ou de elaboração interna. O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas, no longo trajeto das subcomissões à redação final. A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de 10 mil postulantes franquearam, livremente, as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parla­mento, na procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões”.

Xenofobia econômica dos empresários
A obra aberta que foi a As­sembleia Nacional Constituinte tornou-se um terreno fértil para espertezas de todos os lados. O empresariado cartorial do País, acostumado a usar o Estado como escudo contra a concorrência estrangeira, juntou-se ao corporativismo dos sindicatos de trabalhadores para instituir na Constituição o máximo de protecionismo para a empresa nacional. O artigo 219 da Carta é um exemplo claro de xenofobia econômica, que só prejudica o consumidor-contribuinte. Eis o que o referido artigo diz: “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”.

Felizmente, com o advento da Era FHC, a partir da nomeação do sociólogo Fernando Henrique Car­doso para ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, em 21 de maio de 1993, esse artigo da Constituição se tornou letra morta. Caso contrário, não teria sido possível debelar a inflação. O sucesso do Plano Real só foi possível porque as medidas monetárias, como a implantação da URV em 1º de março de 1994, foram acompanhadas por reformas estruturais, especialmente a privatização das estatais, a reestruturação do sistema bancário e a abertura de mercado. A livre concorrência dos produtos importados abarrotou as prateleiras dos supermercados, impedindo que os preços subissem às alturas, como ocorreu durante o desabastecimento do fracassado Plano Cruzado.

Mas desde 2003, com o advento da Era Lula, o malfadado artigo 219 voltou a valer. E, com isso, revela toda a sua natureza. O mercado interno só é um patrimônio nacional na cabeça equivocada dos socialistas. Na prática, ele é patrimônio dos grandes empresários da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e de suas congêneres pelo País afora, aboletados nas associações comerciais e industriais de cada Estado, com suficiente poder político para eternizar seus incentivos fiscais. Da mesma forma, os trabalhadores sindicalizados, com o objetivo de proteger seus empregos, aliam-se a esse empresariado, muitas vezes com consequências funestas para a economia como um todo.

Exemplo recente dessa notória privatização do patrimônio nacional é a desastrada política desenvolvida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A pretexto de criar um forte empresariado nacional, capaz de concorrer no mercado externo, o BNDES expolia toda a nação em benefício de alguns privilegiados. Em seu livro “Privatize Já” (Editora Leya, 2012), o economista Rodrigo Constantino observa que o BNDES tornou-se uma verdadeira “Bolsa-Empresário” durante o governo petista: “O BNDES já recebeu mais de 300 bilhões de reais em aporte de capital do Tesouro nos últimos anos, e cerca de 70% de seus desembolsos vão para grandes empresas, que pagam taxas de juros subsidiadas. Trata-se de um “orçamento paralelo” do governo, que transfere bilhões dos pagadores de impostos a esses poderosos grupos”.

Em nota na sua coluna “Ra­dar” de 13 de junho último, na re­vis­ta “Veja”, o jornalista Lauro Jardim contou que, desde o início do ano, “o governo Dilma resolveu dar uma ajudinha àqueles que desejam comprar ou trocar o seu avião particular”. Um programa do BNDES “passou a subsidiar com juros camaradas” as vendas de jatos executivos da Embraer. “São dez anos para pagar, com um juro camarada de 3% ao ano”, diz o jornalista. E, para efeitos de comparação, eu acrescento: os juros cobrados pela Caixa Eco­nô­mica Federal na compra de imóvel residencial pelo Sistema Finan­ceiro de Habitação giram em torno de 8,5% ao ano. Como se vê, trata-se de uma verdadeira extorsão dos mais pobres para beneficiar os mais ricos, mas se alguém, acertadamente, ousa chamar essa política do BNDES de criminosa, esbarra no artigo 219 da Constituição, que manda fortalecer o mercado interno.

Um inferno de boas intenções
Mas esse não é o pior crime que o inferno de boas intenções da Constituição de 88 patrocina. Talvez o aspecto mais nefasto da “Cons­tituição Cidadã” seja o seu festejado artigo 5º, uma verdadeira Cons­ti­tuição à parte, com 78 incisos e mais de 100 dispositivos. Esse artigo compõe, sozinho, um capítulo da Constituição, o Capítulo I do Título II, intitulado “Dos Deveres In­di­viduais e Coletivos”. Mas a palavra “deveres” no título desse capítulo só pode ser uma ironia. Como observa o historiador Marco Antonio Villa, no livro “A História das Cons­ti­tuições Brasileiras” (Editora Leya, 2011), a palavra “garantia” aparece 46 vezes no texto constitucional e “direitos” aparece 16 vezes, enquanto a palavra “deveres” aparece apenas 4 vezes.

Para piorar ainda mais, a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, parida já pela maioria mensaleira de Lula, transformou o Brasil numa sucursal dos aloprados da Organiza­ção das Nações Unidas (ONU), a moderna Inter­na­cional Socia­lista, ao acrescentar ao artigo 5º o parágrafo 3º: “Os tratados e convenções internacionais so­bre direitos humanos que forem apro­vados, em cada Casa do Con­gresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Ou seja, o Brasil passou a se submeter à vergonhosa política de direitos humanos da ONU, que só serve para proteger criminosos comuns nos países democráticos, ao mesmo tempo em que faz vistas grossas diante da tortura de presos políticos em ditaduras comunistas como Cuba.

Com escolta, na contramão da lei
Agora mesmo, os doidivanas da ONU, em parceria com os ideólogos da USP, estão fazendo de tudo para aprovar a malfadada “Lei da Pal­ma­da”, que pretende criminalizar uma mãe de família comum por um tapinha qualquer no bumbum do filho, ao mesmo tempo em que presenteia drogados assassinos com regalias penais absurdas, que colocam em risco a segurança de toda a sociedade.

No interior de São Paulo, na semana passada, um usuário de drogas de 21 anos queria que o pai lhe desse dinheiro para comprar drogas. Como seu pai recusou o pedido, ele se armou com facas e se pôs a ameaçar a família. A polícia foi acionada e, ao chegar à residência, num bairro de Sorocaba, foi recebida pelo rapaz com duas facas nas mãos. Ele ameaçou furar os policiais, entrou no carro, travou as portas e saiu em disparada. Um dos policias teve que saltar para não ser atropelado.

A perseguição começou por volta das 22 horas do sábado, 28 de setembro. Depois de percorrer em altíssima velocidade algumas ruas residenciais, o jovem entrou – na contramão – na movimentada Rodovia Castelinho, que dá acesso à Rodovia Castello Branco, com destino à capital paulista. Ele lançava seu carro sobre os outros veículos e, segundo a imprensa local, na medida em que percorria a rodovia na contramão, aumentava o número de viaturas do Patrulhamento Tático Móvel e do Patrulhamento Tático Ostensivo da Polícia Rodoviária. Enquanto acompanhavam a trajetória furibunda do rapaz, os policiais tentavam alertar os outros motoristas para se desviarem dele.

Na cidade de Itu, o rapaz continuou acelerando seu veículo e quebrou a cancela da praça de pedágio. Na cidade de Salto, ele deu um cavalo de pau no Fiat Uno que dirigia e resolveu retornar – sempre em altíssima velocidade. Quebrou outra cancela da praça de pedágio, tentou abalroar um motociclista e entrou novamente no perímetro urbano da cidade de Sorocaba, sempre mantendo o excesso de velocidade. Quando o trânsito do centro da cidade o impediu de prosseguir, ele parou de uma vez, tentou manobrar o veículo e atingiu três viaturas da polícia. Então, desceu do carro com duas facas nas mãos e, novamente, ameaçou matar os policiais, que finalmente conseguiram imobilizá-lo.

Bem, o que isso tem a ver com o aniversário de 25 anos da Cons­tituição de 88? Tudo. O artigo 5º da Constituição é o responsável por essa barbárie que acabo de descrever. Prestem atenção: um rapaz de 21 anos, depois de tentar extorquir dinheiro da família para comprar drogas, corre desembestado por uma movimentada rodovia do maior Estado do País, na contramão, ao longo de 30 quilômetros, quebrando cancelas de pedágio e atirando seu veículo até sobre motociclistas. E consegue fazer o mesmo percurso de volta, oferecendo os mesmos danos e riscos para terceiros, até adentrar novamente a cidade de onde saiu. Tudo isso, escoltado por diversas viaturas policiais que se limitam a alertar os demais motoristas para se desvirem de seu caminho.

Meu Deus do Céu! Que desgraça de País é esse, cuja polícia – deixando de agir em nome da civilização, da humanidade e da vida de pessoas inocentes – não atira no veículo de um celerado desses para fazê-lo parar? Em qualquer nação civilizada e democrática do mundo, a polícia cumpriria seu dever: tão logo esse drogado entrasse numa rodovia em contramão, ainda por cima atirando seu carro sobre outros veículos, ele seria abatido como se abatem as feras. Sei que esse é o sentimento íntimo de todas as pessoas de bem e de bom senso que ainda não foram moralmente entorpecidas pela ideologia criminosa das universidades. E se elas se calam por medo de serem consideradas desumanas, eu não tenho medo de dizer o óbvio: polícia, se preciso for, deve matar – em legítima defesa da sociedade. Que saibam disso o Ministério Público, a OAB e as Defensorias Públicas.

Constituição faz de jovens crianças
Esse jovem de 21 anos que – escoltado pela própria polícia – colocou em risco a vida de dezenas de pessoas inocentes já é resultado da Emenda Constitu­cional nº 65, que acrescentou o termo “jovem” ao artigo 227 da Constituição. Essa emenda expandiu para marmanjos de até 29 anos os direitos absolutos de crianças e adolescentes, a partir de sua regulamentação pelo Estatuto da Juventude, aprovado pelo Congresso Nacional no início do ano passado. Procurem no dicionário todos os sinônimos de “famigerado”, “insano” e “irresponsável” e qualifiquem por mim tanto a Emenda Constitu­cional nº 65 quanto o Estatuto da Juventude. Não há outro modo de defini-los. A condescendência cada vez mais comum do Estado com os jovens adultos que enveredam pelo mundo das drogas e do crime já é fruto dessa mudança para pior na Constituição de 88.

Infelizmente, no Brasil, o artigo 5º da Constituição deixou de ser o capítulo “Dos Direitos e De­veres Individuais e Coletivos” para ser o capítulo “Da Im­punidade Indi­vidual e do Ônus Coletivo”. Se, para salvar os inocentes que trafegavam pela rodovia, um policial tivesse atirado no carro do celerado e ele saísse ferido ou morto, o pobre do policial iria padecer nas mãos do Mi­nistério Público e das ONGs de direitos humanos. E a Defensoria Pública, regiamente paga pelos contribuintes, ainda entraria com uma ação contra o Estado para indenizar o rapaz (se ferido) ou sua família (se morto).

Não se trata de um fato isolado. Eu poderia escrever um livro do tamanho do romance “Guerra e Paz” de Tolstói se fosse enumerar somente os casos recentes em que as “garantias individuais” do artigo 5º da Constituição de 88 foram interpretadas de modo equivocado pelas autoridades, que não cumpriram seu dever em defesa do cidadão de bem.

Nas cadeias, por exemplo, isso é recorrente. Em Goiás, os administradores do antigo Cepaigo demonstraram orgulho em abolir as revistas íntimas das visitas dos presos, sob o pretexto de que seria uma afronta aos direitos humanos fazê-las sem o detector de metal. Ocorre que, ao priorizar o bem-estar das visitas em detrimento da segurança pública, as autoridades penitenciárias contribuíram para que o antigo Cepaigo se tornasse um quartel-general do crime, à custa do sangue inocente da população, morta em latrocínios a mando de criminosos presos, que, nessa condição, não deveriam continuar sendo um enorme perigo, como, de fato, são.

Na semana passada, segundo noticiou a imprensa nacional, um homem acusado de estuprar e assassinar uma mulher de 53 anos, detido há um mês no presídio da cidade goiana de Planaltina, no entorno de Brasília, foi liberado pelo juiz Carlos Gustavo Fernan­des de Morais, sob a justificativa de que o presídio estava superlotado, tendo atingido sua capacidade máxima de 136 presos. Por acaso, quando um trabalhador vai entrar no ônibus e percebe que o mesmo atingiu sua lotação máxima, ele tem o direito de faltar ao trabalho e ter o dia abonado sob a alegação de que seus direitos humanos não lhe permitem andar feito sardinha em lata? Ora, se uma pessoa honesta, a caminho do trabalho, não tem esse direito, por que um criminoso – que usou seu livre arbítrio para delinquir – merece tanta regalia por parte da Justiça?

E a decisão do juiz goiano, convém lembrar, não significa apenas uma regalia indevida para o criminoso, travestida de garantia dos direitos humanos – ela também coloca em risco a vida de pessoas inocentes. O criminoso em questão não é um mero suspeito – além de estuprar e matar a senhora de 53 anos para roubar, ele tentou esganar a neta da vítima, uma criança de apenas 4 anos.

É incrível como muitos promotores, magistrados e defensores públicos, ao mesmo tempo em que são ferrenhos defensores do Estado laico, acreditam piamente em milagre. Só a fé cega em milagre para não se perceber que o latrocida e estuprador solto pela Justiça goiana fatalmente vai cometer outro crime de estupro ou assassinato. Agora, perguntem se a vítima anunciada de seu futuro crime hediondo terá promotor ou defensor público acionando o Estado para indenizar seus parentes, como têm os criminosos que posam de vítimas do Estado?

E a impunidade garantida pela Justiça com base no artigo 5º da Constituição é para todos. Pes­quisem na internet as fotos da mais recente invasão da reitoria da USP. Vão encontrar alunos mascarados, com marreta e pé-de-cabra, quebrando a porta da reitoria. Chegaram a usar até uma placa de sinalização arrancada de um estacionamento para pessoas com deficiência, num crime de dupla depredação – contra o patrimônio público e contra os direitos humanos das pessoas com deficiência física.

A despeito desse ato de barbárie praticado por estudantes que deviam servir de exemplo para o País, o juiz Marcos Pimentel Tamassia, da 12ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, considerou a conduta criminosa dos estudantes da USP apenas um “ato de manifestação”. Ele recusou o pedido de reintegração de posse feito pela reitoria da USP e determinado que seja realizada uma “audiência de conciliação” entre a reitoria e os estudantes. É a Justiça brasileira instaurando a barbárie através da abolição de todos os deveres, com base no artigo 5º da Constituição – que já é ruim por si mesmo e fica ainda pior na mão de juristas que trocam Ruy Barbosa por Michel Foucault.

Sombrio futuro do Brasil
Já é um absurdo que as instituições de ensino não possam expulsar sumariamente estudantes arruaceiros e criminosos, dependendo de lerdas e lenientes ações judiciais. Isso reserva para o País um futuro sombrio. Se a própria Justiça entende que até um estudante da USP pode usar marreta e pé-de-cabra como argumentos, o que se deve esperar de um bandido comum senão que esfole e queime viva a sua vítima? É por isso que abomino a ideia tão propalada de reforma política. O Brasil precisa é de uma reforma moral, mas para isso seria necessário fazer outra Constituição, já que o artigo 5º figura entre as cláusulas pétreas.

Aliás, o conceito de cláusula pétrea é uma bobagem tipicamente brasileira. Toda Constitui­ção, se feita com seriedade, busca ser perene; logo, almeja ser inteiramente pétrea. Mas, para ser longeva, precisa ser enxuta. Como a Cons­tituição de 88 mais parece um manifesto de grêmio livre, cheia de boas intenções inconsequentes, os próprios constituintes perceberam que ela não ficaria de pé por muito tempo e introduziram no texto constitucional a necessidade de sua revisão dentro de cinco anos.

A revisão de 93 não deu em nada, mas a Constituição de 88 já tem 74 emendas, o que dá uma média de 2,6 emendas constitucionais por ano. E, como observa o historiador Marco Antonio Villa, é o Congresso comum que re­forma o trabalho da Cons­tituinte: “Se um simples Con­gresso poderia revisar a Carta, nada garantia que isso pudesse se repetir ‘ad infinitum’, como vem ocorrendo até os dias atuais”.

Apesar de ser a terceira mais duradoura da história do Brasil, a Constituição de 88 ainda é uma criança. A Constituição do Im­pério, outorgada por Dom Pedro I, continua sendo a mais longeva – durou 67 anos, de 1824 a 1891. A segunda mais duradoura foi a primeira Constituição republicana, vigente durante 43 anos, de 1891 a 1934. Mas, durante um bom período, foi letra morta, pois os governos militares de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto não respeitavam nem habeas-corpus.
As demais constituições republicanas tiveram vida curta. A Cons­tituição de 1946, elaborada no pro­ces­so de redemocratização pós-Vargas, durou apenas 21 anos. Foi su­bstituída pela Constituição de 1967, promulgada durante o regime militar e profundamente emendada dois anos depois, sem contar as mutilações dos diversos atos institucionais. Já a Cons­tituição do Estado Novo durou apenas nove anos, enquanto a primeira Carta de Var­gas, a de 1934, morreu em três anos.

Em síntese, o constitucionalismo brasileiro nada tem de sólido, como se pensa. O Supremo e sua arrogância, não passa de um santo com pés de barro. Se tivemos seis constituições em apenas 122 anos de República (o que dá uma média de 20,3 anos de vida para cada uma delas), quem garante que a Cons­tituição de 88 será mesmo perene, como proclamou o Dr. Ulysses?

Tudo bem que a Constituição de 88 já conseguiu superar em cinco anos a idade média de nossas constituições. Mas perto da Carta Magna inglesa (1215), que completa 800 anos em 2015, ou da Constituição dos Estados Unidos (1787), que já soma 226 anos, ela não passa de uma criança. E duvido muito que alcance a modesta maturidade da Cons­tituição do Império, caso continue sendo interpretada à luz do relativismo de Michel Foucault, como vem ocorrendo. Cláusula pétrea é a sobrevivência da nação – e ela não suportará por muito tempo esse ritmo crescente de barbárie promovido à luz de sua Lei Maior. A “Constitui­ção Cidadã” está se tornando uma “Constituição Suicida”. 

Publicado no Jornal Opção.

Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.


LUIZ RUFFATO CONFUNDE ARTE COM PANFLETO E ENVERGONHA O BRASIL EM FRANKFURT

Representando o País numa das maiores feiras de livro do mundo, escritor critica dolosamente o “capitalismo selvagem” e propõe em seu lugar uma espécie de “humanismo selvagem”.

Luiz Ruffato ainda fez propaganda escancarada do petismo na Feira do Livro de Frankfurt.


A presença do Brasil na Feira do Livro de Frank­furt, na Alemanha, re­mete, ainda que de for­ma diametralmente oposta, a um rejeitado clássico do ensaísmo brasileiro, o livro “Porque Me Ufano do Meu País”. Lançado em 1900 pela prestigiosa Garnier, que publicava a nata da literatura brasileira, especialmente Machado de Assis, esse livro é de autoria do poeta, romancista, dramaturgo e ensaísta Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior (1860-1938), o conde Afonso Celso, que entrou para a história da literatura brasileira de forma pejorativa. De seu livro é que provém o termo “ufanismo”, para caracterizar o patriotismo deslumbrado e acrítico, que fantasia grandezas que o País não tem.

Afonso Celso colocou o ponto final nessa sua mais conhecida obra em 8 de setembro de 1900, em Pe­trópolis, no Rio de Janeiro. Era um homem de 40 anos, com vários livros publicados, muitos deles de poesia, e uma carreira política no Império, como deputado por Minas Gerais. O autor dedicou a obra a seus dois filhos, como forma de celebrar os 400 anos do Descobrimento do Brasil.

“Porque Me Ufano do Meu País” alcançou quatro edições de imediato, numa prova de que suscitou polêmica. No livro, o autor apresenta onze motivos para um brasileiro ufanar-se do Brasil: a sua grandeza territorial; a sua beleza; a sua riqueza; a variedade e amenidade de seu clima; a au­sência de calamidades; a excelência dos elementos que entraram na formação do tipo nacional; os nobres predicados do caráter nacional; o fato de o Brasil nunca ter sofrido humilhações nem nunca ter sido vencido; o procedimento cavalheiroso e digno para com os outros povos; as glórias a colher nele e a sua história.

O conde começa por negar que o Brasil tenha sido colonizado por homens degenerados e diz que os portugueses se empenharam em colonizar a nova terra, mandando para cá muitos nobres, ainda que tenham mandado também alguns punidos com o degredo. “Mas, aceitemos a origem humilde da nossa gente. Que resulta daí de desairoso?”, indaga. “Ao contrário, glória nos advém de havermos chegado ao que chegamos, partindo de tão baixo. A Austrália, hoje prospérrima, começou como presídio de criminosos. O berço de Roma foi um covil de bandidos, capitaneados por um enjeitado que uma loba amamentara”, argumenta.

Antecipando Gilberto Freyre (1900-1987), Afonso Celso louva a mestiçagem brasileira, resultante da confluência de três elementos: “o selvagem americano, o ne­gro africano e o português”. E a­firma, de modo taxativo: “Qual­quer daqueles elementos, bem como o resultante deles, possui qualidades de que nos devemos ensoberbecer. Nenhum deles fez mal a humanidade ou a deprecia”. E observa que, na época, entre as nações latinas, o Brasil só estava atrás da França e da Itália.

Afonso Celso enumera dez qualidades do brasileiro, começando pelo “sentimento de independência, levado até à indisciplina”. E cita a hospitalidade, a afeição à ordem, a paciência, a doçura, a caridade, a tolerância, a honradez e a acessibilidade “que degenera, às vezes, em imitação do estrangeiro”. O brasileiro pintado pelo autor de “Porque Me Ufano de Meu País” não é um forte, como o sertanejo de Euclides da Cunha, mas um santo: “A estatística dos crimes depõe muito em favor dos nossos costumes. Viaja-se pelo sertão, sem armas com plena segurança, topando sempre gente simples, honesta, serviçal” – afirma.

Para os olhos do Brasil de hoje, assolado pela corrupção, Afonso Celso beira o surrealismo ao afirmar: “Os homens de Estado costumam deixar o poder mais pobres do que nele entram. Magistrados subalternos, insuficientemente remunerados, sustentam terríveis lutas obscuras em prol da justiça, contra potentados locais. Casos de venalidade enumeram-se raríssimos, geralmente profligados. (...) Quase todos os homens políticos brasileiros legam a miséria às suas famílias. Qual o que já se locupletasse à custa do benefício publico?”, indaga, numa piada involuntária, ao menos quando lido no Brasil do mensalão.

Do ufanismo ao escarnecimento
Mesmo reconhecendo-se que a corrupção material tende a ser um fenômeno moderno, fruto direto do processo de institucionalização do Estado, não dá para crer que os contemporâneos de Afonso Celso fossem assim tão probos. Ou eles não seriam contemporâneos de Machado de Assis e Lima Barreto, sutil e ferrenho críticos, respectivamente, da elite brasileira. Mas também não parece plausível o Brasil descrito nos livros didáticos atuais – ou seríamos todos ladrões, homicidas e estupradores. Hoje, há uma espécie de obra aberta sendo escrita coletivamente pelos formadores de opinião, cujo título poderia ser: “Porque Escarneço do Meu País”.

E não se trata de escarnecer do País baseado em fatos – como os 63 mil homicídios anuais e os recorrentes escândalos de corrupção – mas, sim, escarnecê-lo com base em mitologias, mediante a invenção de um passado tenebroso que transforma todos os brasileiros em filhos da monstruosidade. Foi o que fez, por exemplo, o escritor mineiro Luiz Ruffato, um dos 70 representantes oficiais do Brasil na Feira de Frankfurt, comitiva criticada pelo escritor Paulo Coelho, que, diante do discurso engajado de Ruffato, parece ter razão.

Na tarde de terça-feira, 8, ao discursar na abertura da participação brasileira na Feira de Frankfurt, Luiz Ruffato foi ovacionado pelos presentes. Começou indagando a si mesmo: “O que significa ser escritor num país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso. Não há como renunciar ao fato de habitar os limiares do século 21, de escrever em português, de viver em um território chamado Brasil. Fala-se em globalização, mas as fronteiras caíram para as mercadorias, não para o trânsito das pessoas. Proclamar nossa singularidade é uma forma de resistir à tentativa autoritária de aplainar as diferenças”.

Estilisticamente, o discurso foi digno de Luiz Ruffato, sem dúvida um bom escritor, em que pese eu não suportar as invencionices de “Eles Eram Muitos Cavalos” (Editora Boitempo, 2001), sua mais festejada obra. Mas, quanto ao conteúdo, o discurso de Ruffato deve ter feito Machado de Assis e Guimarães Rosa revirarem no túmulo. Até Graciliano Ramos, preso pela ditadura de Getúlio Vargas sob a acusação de comunismo, haveria de bradar nas ventas do infeliz: “Que discurso mais besta!”.

É certo que o Velho Graça diz, nas “Memórias do Cárcere”, que “quem dormiu no chão deve lembrar-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas” e “escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze”. Luiz Ruffato, filho de uma “lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semianalfabeto”, é dos que dormiram no chão. Ele próprio foi “pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro-mecânico, gerente de lanchonete”, cujo destino, segundo ele, foi modificado pelo contato fortuito com os livros. Mas os pobres que Ruffato costuma representar em sua obra ficaram fora do seu discurso em Frankfurt.

Em seus livros, como “Estive em Lis­boa e Me Lembrei de Você” (Com­­panhia das Letras, 2009), Ruffato recria com irônica precisão a vida das classes baixas, captando, com maestria, o Brasil que se urbanizava na década de 70. Mas, em Fran­kfurt, o escritor esqueceu esses po­bres de verdade e foi se ocupar dos “excluídos”, que são pobres de proveta, criados pela academia. Tirando a sintaxe e o vocabulário, Luiz Ru­f­fa­to era Luiz Inácio falando em Fran­kfurt. Só faltou usar a frase “nunca antes neste país”, tão cara a Lula.

A mecanização dos homens
É verdade que a acelerada e, por vezes, violenta urbanização do País, que desenraizou milhões de famílias de trabalhadores rurais, transformando-as em sem-teto na cidade, parece ser culpada pelo “capitalismo selvagem” mencionado por Ruffato. Mas essa é uma visão simplista da urbanização. O capitalismo que deu o castigo, criando o êxodo rural ao mecanizar as lavouras, também deu o pão ao aumentar exponencialmente a produção de alimentos. A dietética Marina Silva come porque Ronaldo Caiado planta. A cesta básica de hoje é relativamente mais barata e mais diversificada do que aquela que os pais de Ruffato, uma lavadeira e um pipoqueiro, podiam comprar em sua infância.

Também é indigna da inteligência de Luiz Ruffato a relação que ele estabelece entre as “fronteiras que caíram para as mercadorias”, mas não caíram “para o trânsito de pessoas”. Para começo de conversa, quem mais impede o trânsito de pessoas não é o capitalismo, mas o comunismo: outrora no Leste Europeu e, hoje, ainda em Cuba e na Coreia do Norte. Mas fronteira é muito mais do que alfândega e passaporte. Ai de um mundo em que as pessoas, como as mercadorias, circulassem o tempo todo! Nas regiões do planeta em que as fronteiras de gente são tão tênues quanto as fronteiras de mercado, vive-se uma tragédia humana. Que o digam os Bálcãs e o Afeganistão. Mercadoria não tem raiz. É um vetor direcionado para o consumo. Já uma pessoa nunca atravessa sozinha uma fronteira: leva junto sua cultura, que pode ser explosiva quando perde o chão de onde brotou.

Além disso, Ruffato deveria saber que a livre circulação de mercadorias, proporcionada pelo capitalismo, alarga o universo simbólico e derruba também as fronteiras humanas, sem que homens e mulheres precisem ultrapassá-las fisicamente. Machado de Assis jamais foi ter com o mundo, mas o mundo vinha ter com ele através do telégrafo e dos navios mercantes que traziam um pouco de Paris para o Rio de Janeiro.

A própria linguagem, matéria-prima de Ruffato, beneficia-se da livre circulação de mercadorias. Os atos de vender e comprar, que precisavam ser registrados, é que levaram os fenícios, um povo mercantil, a criar a escrita. É claro que mercado em demasia também traz contraindicações, mas não porque o capitalismo seja selvagem e, sim, porque é demasiadamente humano, sujeito às vicissitudes de homens e mulheres. Por que o comunismo jamais deu certo? Justamente por sua desumana racionalidade, que, ao querer planificar a vida, mecaniza o homem.

O afrodisíaco das mulheres
Ruffato também diz que “a história do Brasil vem sendo alicerçada quase que exclusivamente na negação explícita do outro, por meio da violência e da indiferença”. E, num dos lastimáveis momentos “USP” de seu discurso, bradou: “Nasce­mos sob a égide do genocídio”. E depois de discorrer sobre o extermínio dos índios, atacou a “democracia racial brasileira”, que considera um mito, por tentar esconder a “dizimação” sob o manto da “assimilação”. E arrematou: “Esse eufemismo, no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas – ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos”.

Se tivesse ocorrido esse estupro coletivo como regra, o Brasil não so­bre­viveria como nação. Nenhum po­vo que chegasse a esse nível de barbárie conseguiria sobreviver a si mesmo. O estupro é crime privativo de poucos. O homem normal só se torna um estuprador numa situação de guerra, quando a sobrevivência se im­põe sobre a civilidade e o sexo volta a ser somente carne, sem os filtros culturais que enobrecem o desejo. A civilização, domando os instintos, e­man­cipa o homem da condição de fera e liberta a fêmea da condição de caça.

Até os temidos desbravadores tinham esse verniz mínimo de civilização. O navegador português Fernão de Magalhães (1480-1521) manteve-se praticamente casto ao dar a volta ao mundo, enquanto seus marujos refestelavam-se na carne alegre e voluntária de nativas pelo mundo afora. Muitos chefes puniam com chibatadas o marujo que ousasse importunar uma moça. Até um bandeirante, para manter sua autoridade, não podia se comportar como um cavalo no cio, pulando cercas para estuprar fêmeas. Nem precisava. Se hoje, em pleno século da liberdade sexual, centenas de mulheres se oferecem para transar com o Ma­nía­co do Parque na cadeia, quantas ne­gras e índias bonitas não se ofereciam sorridentes aos bandeirantes, se­nhores de engenho e outros poderosos da época? Ruffato, um bom romancista, ainda não aprendeu que o poder masculino é afrodisíaco para as mulheres?

Luiz Ruffato também se mostra um defensor da ideia equivocada de que o Brasil é um País racista, pois parece atribuir a maior pobreza dos negros a uma questão de pele e não de história. E, ao falar da desigualdade social, o escritor afirma: “Historicamente habituados a termos apenas deveres, nunca direitos, sucumbimos numa estranha sensação de não pertencimento: no Brasil, o que é de todos não é de ninguém...” Ora, é justamente o contrário: como o País é estatizante desde as Capitanias Hereditárias, nunca vicejou entre nós a responsabilidade individual, alicerce de todos os deveres. Do cabra de eito ao senhor de engenho, do sindicalista da CUT ao empresário da Fiesp, todos se julgam no direito de ter a tutela perene e elástica do Estado.

Escritor critica os tucanos
Quando fala da educação, Ruffato incorre num raciocínio comum a pessoas que são, ao mesmo tempo, ignorantes e críticas. Depois de observar que o Brasil apresenta um dos piores desempenhos escolares do mun­do, ele afirma: “A perpetuação da ignorância como instrumento de dominação, marca registrada da elite que permaneceu no poder até muito recentemente, pode ser mensurada. O mercado editorial brasileiro movimenta anualmente em torno de 2,2 bilhões de dólares, sendo que 35% deste total representam compras pelo governo federal, destinadas a alimentar bibliotecas públicas e escolares. No entanto, continuamos lendo pouco, em média menos de quatro títulos por ano, e no país inteiro há somente uma livraria para cada 63 mil habitantes, ainda assim concentradas nas capitais e grandes cidades do interior”.

Notem que, sutilmente, ele ataca Fernando Henrique Cardoso e os tucanos – “a elite que permaneceu no poder até muito recentemente” e tinha como estratégia “a perpetuação da ignorância como marca da dominação”. O que é uma mentira: FHC foi quem universalizou a escola básica no País. Luiz Ruffato parece fazer parte dos “20% de analfabetos funcionais” mencionados em seu discurso, que “não têm capacidade de ler e interpretar os textos mais simples”. Aliás, ele não consegue interpretar nem seu próprio texto. Ora, se a elite brasileira investe na perpetuação da ignorância, como se explica que 35% do mercado editorial é absorvido pelo governo e destinado às bibliotecas públicas e escolares? É bom frisar que essa política de distribuição de livros para bibliotecas remonta ao regime militar, com a criação do Instituto Nacional do Livro, e diversas fundações privadas – que integram a elite do País – participam ativamente das campanhas de doação de livros. Isso é apostar na ignorância como dominação?

Em seu discurso em Frankfurt, Luiz Ruffato não deixou de fora nenhuma palavra de ordem das esquerdas. Criticou o machismo da sociedade brasileira, bradou contra a homofobia e não esqueceu nem mesmo os bandidos, compadecendo-se deles. Nas estatísticas sobre criminalidade, baixou o índice de homicídios para 37 mil pessoas mortas por ano, quando o Mapa da Violência, encampado pelo Minis­tério da Justiça, chega a falar em 50 mil homicídios. Mas eu acredito mais num estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que, ao denunciar a fragilidade das estatísticas de mortalidade, estimou o número de homicídios no Brasil em 63 mil por ano.

Mas Luiz Ruffato não parece ter pena das vítimas. Sua grande preocupação é com os bandidos: “E aqui tocamos num ponto nevrálgico: não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução”. Notem que, mesmo descrevendo toda uma história de genocídio, estupro de mulheres, desigualdade extrema, ignorância provocada e miseráveis abandonados à própria sorte etc., o “ponto nevrálgico” para ele é o coitadinho do preso.

Também pudera, no País dos criminosos que ateiam fogo às vítimas ostentando um sorriso nos lábios, Luiz Ruffato escreve: “Convivendo com uma terrível sensação de impunidade, já que a cadeia só funciona para quem não tem dinheiro para pagar bons advogados, a intolerância emerge. Aquele que, no desamparo de uma vida à margem, não tem o estatuto de ser humano reconhecido pela sociedade, reage com relação ao outro recusando-lhe também esse estatuto. Como não enxergamos o outro, o outro não nos vê. E assim acumulamos nossos ódios – semelhante torna-se o inimigo”. Pronto! A se crer em Ruffato, o Estado deve exumar o cadáver da dentista que morreu queimada e enforcá-la simbolicamente pelo crime de não ter humanizado seus algozes.

O ufanismo petista de Ruffato
Por fim, Luiz Ruffato encarnou o conde Afonso Celso e reeditou o “Porque Me Ufano do Meu País” numa versão petista: “Mas, temos avançado. A maior vitória da minha geração foi o restabelecimento da democracia – são 28 anos ininterruptos, pouco, é verdade, mas trata-se do período mais extenso de vigência do estado de direito em toda a história do Brasil. Com a estabilidade política e econômica, vimos acumulando conquistas sociais desde o fim da ditadura militar, sendo a mais significativa, sem dúvida alguma, a expressiva diminuição da miséria: um número impressionante de 42 milhões de pessoas ascenderam socialmente na última década. Inegável, ainda, a importância da implementação de mecanismos de transferência de renda, como as bolsas-família, ou de inclusão, como as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas”.

No último parágrafo de seu discurso, o escritor Luiz Ruffato afirma: “Eu acredito, talvez até ingenuamente, no papel transformador da literatura”. Conta que é filho de operários e que teve seu destino transformado pelo livro. “E se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e sendo a sociedade feita de pessoas, então a literatura pode mudar a sociedade”, diz. É como se a literatura, os leitores e os livros obedecessem a uma rígida mecânica universal em que cada leitura produzisse exatamente o mesmo efeito à revelia do leitor e de suas circunstâncias. Só para registro: os quatro maiores genocidas do século XX – Lenin, Stalin, Hitler e Mao Tsé-Tung – eram assíduos leitores.

Ruffato diz ainda: “Em nossos tempos, de exacerbado apego ao narcisismo e extremado culto ao individualismo, aquele que nos é estranho, e que por isso deveria nos despertar o fascínio pelo reconhecimento mútuo, mais que nunca tem sido visto como o que nos ameaça. Voltamos as costas ao outro – seja ele o imigrante, o pobre, o negro, o indígena, a mulher, o homossexual – como tentativa de nos preservar, esquecendo que assim implodimos a nossa própria condição de existir”. Será que Ruffato não se dá conta do ridículo? Por acaso, vivemos numa aldeia talibã, em que a mulher é completamente anulada? Não havia mulheres em sua plateia? No Brasil em que ele vive, já não nascem mais crianças? Os homens brasileiros, invertendo o grego Aristófanes, é que estão fazendo greve de sexo, por ver nas mulheres seres extraterrestres, um estranho “outro”, para o qual dão as costas?

Imaginando encerrar seu texto com chave de ouro, Luiz Ruffato diz: “Sucumbimos à solidão e ao egoísmo e nos negamos a nós mesmos. Para me contrapor a isso escrevo: quero afetar o leitor, modificá-lo, para transformar o mundo. Trata-se de uma utopia, eu sei, mas me alimento de utopias. Porque penso que o destino último de todo ser humano deveria ser unicamente esse, o de alcançar a felicidade na Terra. Aqui e agora”.

Ruffato chama isso de utopia. Eu chamo de burrice. Hoje, todo intelectual que não pensa com lógica esconde a irracionalidade sob a onírica palavra “utopia”. Que não se pergunte a ele como é que a humanidade poderá ser feliz se todos correrem, ao mesmo tempo, atrás da felicidade, com sofreguidão, “aqui e agora”. Como se vê, o escritor Luiz Ruffato ataca o “capitalismo selvagem” para pôr em seu lugar o “humanismo selvagem”. E pelos aplausos que recebeu em Frankfurt, sua utopia já está em curso e se não se pôr nela uma ferradura, o futuro nos reserva um epitáfio: “Eles eram muitos cavalos”.
(Foto: Adriana Vichi)
Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.
Publicado no Jornal Opção.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

UM JOGO PREVISÍVEL

Raramente uma intervenção governamental rende bons resultados. Na maior parte das vezes ela degrada e desmoraliza. Assim foi a intervenção que produziu a bolha imobiliária. Assim foi a “guerra contra a pobreza”.

O presidente Barack Obama disse que Wall Street deveria estar preocupada com o fechamento do governo. Entretanto, esse fechamento é apenas parcial e os efeitos não são tão medonhos ou ameaçadores quanto o presidente quer nos fazer acreditar. A verdadeira ameaça para Wall Street são os déficits nos gastos governamentais e nossa gradual caminhada rumo ao socialismo, isto é, rumo a um cenário de intervenção governamental cada vez maior na economia. Uma intrusão maciça do governo no ramo da saúde por meio do Patient Protection and Affordable Care Act (de 2010) é a razão do atual fechamento do governo. Alguns dos membros do Congresso desejam adiar as consequências dessa legislação que pode colocar todo o sistema à beira do abismo socialista.

“Para o socialista, o advento do socialismo significa a transição de uma economia irracional [para uma racional]”, escreveu o economista austríaco Ludwig von Mises. “Sob o socialismo, o gerenciamento planejado da vida econômica toma o lugar da anarquia na produção...”. Aqui o socialista não sabe diferenciar racional de irracional. Em termos de plano de saúde, o governo propôs que todo americano venha a ter um seguro de saúde independentemente do custo que isso possa vir a ter para o governo ou para os contribuintes individuais. Por conta de tal decreto, o governo está provocando uma subida nos preços de plano de saúde, pois ele está forçando a entrar no mercado milhões de pessoas que até então não tinham seguro ou plano de saúde. Com efeito, isto se parece com o que o governo fez ao comprar e vender casas familiares durante a última década (quando o governo encorajou uma quantidade gigantesca de empréstimos a pessoas que outrora não se qualificariam, provocando assim uma bolha no mercado imobiliário).

Raramente uma intervenção governamental rende bons resultados. Na maior parte das vezes ela degrada e desmoraliza. Assim foi a intervenção que produziu a bolha imobiliária. Assim foi a “guerra contra a pobreza”. Assim será o resultado por oferecer a todos plano de saúde de alta qualidade pela via legislativa. Dizendo de modo claro e sem rodeios, o Affordable Care Act não garante um aumento no número de doutores para atender uma demanda maior de assegurados. Mas se fosse o caso, o aumento de doutores se daria sobre uma falsa base, pois a economia não pode sustentar o que ela não pode proporcionar.

A inviabilidade do Affordable Health Care Act significa a sua iminente derrota no Congresso? A esse respeito, podemos prever com um alto grau de certeza que a atual tentativa de parar o Obamacare falhará. Como observou Mises algumas décadas atrás em seu livro Socialismo, os socialistas acreditam na excelência da intervenção e controle governamental. Além disso, disse ele, “É falso imaginar que a ideologia socialista domina apenas aqueles partidos que se intitulam socialistas ou... ‘sociais’. Todos os partidos políticos atuais estão saturados de ideias socializantes”. Essa é a situação de hoje.

Até os oponentes do socialismo acreditam que o socialismo é “mais racional” e, portanto, “inevitável”. Pode se dizer que a propaganda do igualitarismo dos tempos modernos e a constante bajulação do povo depõem em favor dessa inevitabilidade. Se Mises estivesse vivo hoje, ele citaria suas próprias palavras para se referir aos republicanos no Congresso que estão tentando impedir o Obamacare: “em seus corações eles estão convencidos que a resistência é inútil”. E isso é a despeito do fato de o socialismo ser “nada mais que uma grandiosa racionalização de sentimentos pequenos”, nas palavras de Mises. “Nenhuma das teorias [socialistas] pode resistir a uma crítica científica e todas suas deduções são inválidas. A concepção que se tem no socialismo da economia capitalista já foi há muito provada como sendo falsa; o plano para a futura ordem social mostra-se intrinsecamente contraditório e, portanto, impraticável”.

Cada passo rumo ao socialismo significa uma redução na totalidade de meios econômicos e no consumo de capital. Como previu Mises, “ver a fraqueza de uma política que aumenta o consumo das massas ao custo dos bens capitais existentes, e assim sacrificando o futuro no presente... requer um entendimento mais profundo que aquele concedido a estadistas, políticos ou às massas que os colocaram no poder”. A destruição da riqueza não está visível ao cidadão médio. Essa destruição é sentida mais gradualmente através de uma queda no padrão médio da qualidade de vida. E o demagogo, conforme observa Mises, “conquistaria sucesso mais facilmente aumentando o consumo per capita ao custo da formação de capital adicional e em detrimento do capital existente”.

Com efeito, esse é o significado econômico do Obamacare nos dias de hoje. A análise de Mises continua a ser atual, mesmo considerando a degeneração do cenário político americano ao longo dos anos. Nosso declínio para o socialismo, entretanto, é apenas um aspecto nessa longa tendência de queda. Há uma passagem interessante na obra Democracia e Liberdade de William Lecky escrita quase 120 anos atrás onde o grande sociólogo coloca em dúvida o futuro da América nos seguintes termos: “A decadência do convívio familiar, em algumas partes da América, dá-se graças à excessiva facilidade de se divorciar; a alarmante prevalência da desonestidade financeira em larga escala; o estranho e sinistro aumento de crimes comuns... a libertinagem que ainda reina na vida política e municipal e a indiferença com que essa libertinagem é contemplada, propicia muito espaço para o pensamento melancólico”.

Seria quase risível comparar a decadência e a libertinagem dos anos 1890 com a de hoje. Mas toda tendência tem um início, e o atual curso da América não começou ontem. Estamos viajando por essa estrada há mais de 100 anos e é seguro dizer que viajaremos até o amargo fim (que certamente não levará outros cem anos). Aqueles que pensam serem risíveis as preocupações de Lecky acerca da ‘libertinagem que reinou na vida política e municipal’ em 1890 devem considerar que a dívida nacional está se aproximando de 17 trilhões de dólares. É fácil ver como nossa indiferença para com a libertinagem nos trouxe até a atual charada do fechamento do governo, com toda essa cuidadosa retórica e impostação. Quem seriamente acredita que os gastos governamentais serão controlados?

É o caso de perguntar quem acredita em Coelhinho da Páscoa ou em Fada do Dente.

Por: JEFFREY NYQUIST

Publicado no Financial Sense.

Tradução: Leonildo Trombela Júnior

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

ESTUDO DO CONTRAS

Brasileiras, brasileiros, cubanos, venezuelanos e bolivianos, surge enfim uma luz ao fim do túnel. Como o nome indica, vindo em sentido contrário.

O momento histórico que o Brasil vive nos incentivou a oferecer à nação a verdadeira alternativa ideológica. Somos o CONTRAS. Tudo e todos.

Não somos radicais, como pode parecer. Dependendo de negociações podemos ser contra o contra, o que nos fará ser a favor. Somos adeptos do pragmatismo-socialista-capitalista-financeiro- de-centro-esquerda, o que nos dá uma gama de opções revolucionárias-conservadoras sem limites.

Assim, apresentamos nossos pontos básicos (podem ser mudados) que servem de referência à criação deste partido, que nasce com a vocação do poder:

1 – Somos contrários ao enfoque exclusivista em Saúde, Educação, Moradia e Segurança. E somos contra quem se opõe a este enfoque.

2 – Nossa lei maior – somos contra a Constituição – é a Lei do Menor Esforço. É desejo legítimo do povo ganhar sem trabalhar, escrever sem ter que aprender, não ler e poder escrever sobre o que não leu, exercer cargos públicos por indicação. Somos contra a antiquada meritocracia, pois privilegia somente a poucos. Do mesmo modo, somos contra quem é contra a meritocracia. Entendemos que o maior mérito é saber escolher a oportunidade certa. A isto se dá o nome de sustentabilidade. Ou governabilidade.

3 – Não temos líderes. Ou temos. Não importa. Somos um coletivo. Sonhático ou realizático. E somos contra os coletivos com mais aderentes que os indicados por nós mesmos. E somos contra quem sonha. Apoiamos quem realiza: lucros, contratos e vendas. E somos contra quem se vende – por pouco dinheiro.

4 – Somos contra a situação e o poder constituído. Também somos contra a oposição. Somos contra apoiar os governos e, mais ainda, somos contra criticar os governos. Cada situação deverá ser analisada por si, pelo Departamento Financeiro do partido.

5 – O CONTRAS se posiciona firmemente contra o imperialismo das nações desenvolvidas. Exigimos descontos nos parques da Disney e desconto na Calle Ocho, de Miami Downton. A submissão de brasileiros à inspeção da alfândega do Brasil merece nosso repúdio! Exigimos, assim, o passe livre na volta das viagens. Somos contra o bolivarianismo em todas as suas correntes, especialmente aquelas que não nos incluam. E somos contra quem critica, injustamente, o bolivarianismo-cubano-boliviano-venezuelano-brasileiro-hermano.

6 – Atendendo aos anseios do POVO, somos contra o Parlamento. Propugnamos a adoção do Parlamento Virtual, onde poderemos, de nossos telefones, registar a presença nas sessões parlamentares, em uma demonstração.
Por: Reynaldo Rocha

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

'DILMA E A IMAGEM DO BRASIL'

A mistura de baixo crescimento, inflação alta e contas públicas em deterioração, resumo da obra econômica da presidente Dilma Rousseff, começa a prejudicar a imagem do país, como se viu na semana passada, na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington. Ninguém chamou o governo de irresponsável ou incompetente, mesmo porque funcionários de organizações multilaterais são normalmente polidos e diplomáticos. Mas os danos causados à economia brasileira pelos erros acumulados nos últimos anos foram citados mais de uma vez, e da maneira mais contundente: apenas como fatos claros e bem estabelecidos, sem retórica política e sem juízos de valor. Nem as expectativas de melhora chegam a ser entusiasmantes. Se forem retomados de fato os investimentos em infraestrutura, o País crescerá, em média, 3,5% nos próximos cinco anos, bem menos e de modo menos equilibrado que os vizinhos sul-americanos mais dinâmicos.

Todos os países emergentes perderam um pouco do encanto dos últimos anos e para todos sobrou alguma recomendação, poderiam lembrar as autoridades brasileiras. Mas nem esse consolo vale muito. Vasculhando as tabelas, comentários e projeções, é difícil de encontrar uma conjunção de problemas tão perigosa quanto no caso brasileiro. O Brasil é citado três vezes na agenda política apresentada pela diretora-gerente do Fundo, Christine Lagarde, ao Comitê Monetário e Financeiro, o órgão político mais importante da instituição. As três citações são negativas.

O País é mencionado pelas pressões inflacionárias preocupantes, pelo alto endividamento do setor público e pela necessidade urgente de investimentos em infraestrutura. As pressões inflacionárias deixam pouco ou nenhum espaço para estímulos monetários ao crescimento – um recurso disponível em países com inflação contida em níveis toleráveis.

Todas as sugestões e análises vão no sentido oposto ao da política formulada em Brasília nos últimos anos. Seria um erro, já haviam indicado outros documentos do FMI, recorrer a novos estímulos ao consumo, porque os limites ao crescimento estão do lado da oferta. Analistas vinham chamando a atenção para isso, no Brasil, pelo menos desde o ano passado. Agora o problema é discutido no mais importante foro internacional.

Os problemas fiscais são igualmente visíveis, num ambiente marcado pelo crescimento constante do custeio público, pela transferência de grandes volumes de recursos do Tesouro para bancos federais e pelo endividamento crescente.

Pelas contas do Fundo, a dívida pública brasileira equivaleu a 68% do PIB no ano passado, deve chegar a 68,3% neste ano, atingir 69% em 2014 e, a partir daí, declinar lentamente. A dívida projetada para 2018 corresponderá a 66,7% do PIB. A dívida bruta média dos emergentes foi estimada em 35,2% do PIB no ano passado e deve ficar em 34% em 2013. A dos latino-americanos ficou em 52% em 2012.

O governo brasileiro calcula sua dívida por um critério diferente do usado pelos economistas do FMI, mas, ainda assim, os números encontrados são muito maiores que a média dos emergentes. A dívida bruta no fim do ano passado, segundo as contas de Brasília, foi de 58,7%. Em agosto, chegou a 59,1%.

A presidente Dilma Rousseff e seus ministros costumam confrontar a dívida brasileira com os níveis encontrados no mundo rico, em média superiores a 100% do PIB. Mas a comparação só pode convencer os desinformados. O Brasil é um país emergente e convém comparar seus números com os de outros países da mesma categoria. Além disso, bastaria confrontar as classificações de risco para avaliar com mais realismo as condições do Brasil e as dos países mais avançados.

A recuperação da imagem do Brasil foi conseguida com ajustes muito trabalhosos nos anos 90, completados com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal em 2000. A imagem de seriedade permaneceu durante a maior parte dos últimos dez anos, mas a erosão é evidente. Retórica populista pode funcionar no país e para um público determinado. O público externo – e isso inclui os investidores – é muito mais exigente. 
Editorial do Estadão  Publicado no Estadão desta terça-feira

A NOVA ORDEM PETISTA

A recente vitória do PT, quando o STF livrou “mensaleiros” das penas já impostas sinalizando para outras mais atenuadas, demonstrou que a Nova Ordem Petista para a América Latina se fortaleceu e está sendo levada adiante a diretriz do Foro de São Paulo: transformar o Brasil, maior economia do continente, na União das Repúblicas Socialistas Latino-Americanas.

Com o voto do ministro Celso de Mello que modificou suas anteriores explanações jurídicas e anuiu aos embargos infringentes, postergando para a eternidade o julgamento que parecia ter chegado ao fim depois de quase oito anos de tramitação, dissipou-se a esperança de um punhado de brasileiros. Esperança de que não seríamos mais o país de impunidade, que finalmente se realizaria a isonomia que no Direito significa que todos, sejam ricos ou pobres, são iguais perante a lei e que a proteção social deve vir da Justiça sem favorecimentos com base em diferenciações políticas, financeiras ou de quaisquer outras espécies.

Por outro lado, a sensação que a instância mais alta do Poder Judiciário se fortalecia agradava a minoria de cidadãos que vê com apreensão o domínio petista se estendendo a partir do Executivo.

Ledo engano. Favorecidos ficaram os corruptos, ladrões de nossos pesados impostos que os sustentam em cargos públicos. Retire-se o crime de quadrilha e o chefe desta e seus comparsas petistas terão suas penas reduzidas, podendo cumpri-las em regime semiaberto. Isto se não houver mais e mais embargos infringentes, até que os velhacos que promoveram o maior escândalo de corrupção do Brasil estejam totalmente livres e transformados em vítimas inocentes da imprensa, das elites e do tribunal de exceção, a merecer de novo o voto popular.

Outra consequência da decisão do STF ao acolher os embargos infringentes é o chamado efeito dominó, o que nos consagra definitivamente como o país da impunidade, refúgio ideal para bandidos do quilate de Cesare Battisti.

Conforme noticiado no jornal O Estado de S. Paulo (22/09/2013), tal decisão que empolga os advogados de defesa dos mensaleiros com a possibilidade de lançar mão de mais recursos para defender seus clientes, pode beneficiar réus de 306 ações que se arrastam na Corte, sem previsão de conclusão. Entre os que poderão ingressar com o recurso estão o deputado Paulo Maluf (cabo eleitoral do prefeito Haddad) e os senadores Fernando Collor e Jader Barbalho.

Aos que apelam ao direito de defesa dos réus como algo inerente aos direitos humanos é bom lembrar as palavras do ex-ministro do STF, Eros Grau. Disse ele em entrevista no jornal acima citado sobre os embargos infringentes:

“Admiti-los no STF levaria à instalação do moto perpétuo processual”. “Se cada quatro ou cinco votos forem fiéis, a cada julgamento sobrevirão novos embargos e, continuamente, outros mais”. “Sem fim”. “Os embargos de divergência têm sentido nos tribunais estaduais e regionais”. “Na esfera do STF não, pois ele não se curva, não se põe de joelhos para ser sobreposto a si mesmo”.

O STF se pôs de joelhos e pôs a Nação de joelhos diante do PT e do Foro de São Paulo, pois reforçou ainda mais o Executivo. Já o Legislativo é o que se conhece, facilmente comprável.

Em recente e magistral texto, baseado na mídia internacional, Francisco Vianna cita uma recente publicação do The Wall Street Journal, sobre os rumos do Brasil, que vale a pena repetir:

“Tais rumos são os que enveredam pelos escuros antros da corrupção sistêmica do Estado e de suas relações público-privadas, estimuladas por um sistema judicial cooptado, pelo Executivo que garante uma impunidade geral e irrestrita aos corruptos e corruptores”. “Também, por todas as medidas socialistas de desconstrução por intuscepção da democracia do mérito (a partir de dentro dela própria), através do favorecimento do crime organizado (privado e estatal), pela anulação do sistema legislativo mantido a peso de ouro e legislando em causa própria, com uma oposição de faz de conta, e por uma infraestrutura que não atende ao nível de produção do país”.

Depois de falar grosso na ONU afrontando os Estados Unidos, contraditoriamente a presidente Rousseff foi implorar ajuda da elite e do capitalismo norte-americano e internacional. O governo petista não percebeu ainda que os idiotas somos apenas nós, público interno, e que sua escolha é mais do que evidente. Não interessa a democracia, a liberdade, a prosperidade. A Nova Ordem Petista nos vincula à China, à Rússia, aos piores ditadores mundiais e às aberrações latino-americanas como Cuba, Venezuela e outros antros antiamericanos.

Como poder reforçado no Executivo o PT deve agradecer aos seis ministros que livraram seus asseclas das penas maiores. Principalmente, agradecer ao ministro Celso de Mello que reafirmou o já sabido: no Brasil a justiça não vale nada, vale ter dinheiro e ótimos advogados.

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga. mlucia@sercomtel.com.br